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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.° 81
EM 17 DE JUNHO DE 1925
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. - Aberta a sessão com a presença de 44 Srs. Deputados, é lida a acta da sessão anterior e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia - O Sr. Jaime de Sousa, recordando que passa o terceiro aniversário da viagem aérea Lisboa-Rio de Janeiro, propõe que a data gloriosa se rememore na acta.
O Sr. Francisco Cruz associa se e propõe uma saudação aos executores da viagem aérea Lisboa-Guiné.
O Sr. António Correia associa-se e ocupa-se, a seguir, do caso do Rosmaninhal.
O Sr. Francisco Crus ocupa-se também dêsse velho conflito.
O Sr. António Correia tem a palavra para explicações.
O Sr Ministro do Interior (Vitorino Godinho) associa-se às saudações aos nossos aviadores e responde aos Srs. António Correia e Francisco Cruz.
O Sr. Carvalho da Silva saúda também os aviadores e pregunta o que há de crise ministerial.
Ordem do dia.- Aprovada, a acta.
Concedida uma licença.
Prossegue o debate político, continuando no uso da palavra o Sr. Alberto Jordão, que conclui o seu discurso.
O Sr. Carvalho da Silva interroga a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães) alude aos boatos de crise, em resposta ao Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Carvalho da Silva tem a palavra para explicações.
Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério.
Sôbre a ordem usa da palavra o Sr. Pedro Pita, prestando-lhe esclarecimentos o Si. Ministro do Interior.
O Sr. Pedro Pita tem a palavra para explicações.
O Sr. Pina de Morais fala sôbre o debate político.
O Sr. Ministro do Interior, tendo a palacra para explicações, ocupa-se do caso dos 240:000 francos, em resposta ao Sr. Cunha Leal, que tratara, numa sessão anterior, do furto de que, por via de falsificação, o Estado fora vitima em Paris.
O Sr. Cunha Leal tem a palavra para explicações.
O Sr. Carvalho da Silva requere que a sessão seja interrompida para continuar à noite, com a presença do Sr. Ministro da Guerra.
O Sr. Carneiro Franco entende que o requerimento não é de admitir.
O Sr. Presidente do Ministério considera também inadmissível o requerimento.
O Sr. Pinto Barriga, invocando o Regimento, declara que o requerimento do Sr. Carvalho da Silva é contrário ao mesmo Regimento.
O Sr. Presidente dá explicações e encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.
Abertura da sessão, às 15 horas e 24 minutos.
Presentes à chamada, 41 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 27 Srs. Deputados.
Presentes à chamada:
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Dias.
António Maria da Silva.
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António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João de Ornelas da Silva.
João de Sousa Uva.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Valentim Guerra.
Viriato Gomes da Fonseca.
Artur Virginio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constando de Oliveira.
Ernesto Carneiro Franco.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Cruz.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José do Medeiros.
Jaime Pires Cansado.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Rodrigo José Rodrigues.
Vasco Borges.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adolfo Auguro de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Xavier.
Américo Olavo Correia de Azevedo
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António de Mendonça.
António Pinto Meireles Barriga.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Augusto Pereira Nobre.
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Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Duarte Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João Pereira Bastos.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim José do Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa da Câmara.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 44 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 24 minutos.
Leu-se a acta. Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Ministério do Interior, acompanhando um podido da Junta de Freguesia do Santa Cruz, concelho de Coimbra, para que seja alterada de 3 para 5 por cento a percentagem sôbre as contribuições do Estado destinada a fins de beneficência.
Para a comissão de administração pública.
Do Ministério da Guerra, pedindo a inclusão no respectivo1 orçamento da quantia de 15.000$ para instrução de telegrafistas de praça.
Para a comissão do Orçamento.
De D. Maria Isilda Castro de Campos Melo, agradecendo o voto de sentimento desta Câmara, pelo falecimento de seu marido, o antigo Deputado José Maria de Campos Melo.
Para a Secretaria.
Representações
De vários chefes fiscais dos impostos, pedindo para passarem à categoria de secretários de finanças de 3.ª classe.
Para a comissão de finanças.
Da Câmara Municipal de Mora, protestando contra a doutrina do decreto n.° 10:776.
Para a comissão de instrução primária.
Da Associação Comercial dos Revendedores de Víveres do Pôrto, chamando a atenção para o cumprimento da lei n.°
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1:769 e não do decreto n.° 10:473, que considera inconstitucional.
Para a Secretaria.
Telegramas
Da Câmara Municipal do Resende e da Junta Escolar de Pombal, pedindo a revogação do decreto n.° 10:776.
Para a Secretaria.
Da Associação Comercial o Industrial do Famalicão, pedindo a modificação do horário do trabalho.
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período do "antes da ordem do dia".
O Sr. Jaime de Sousa: - Sr. Presidente: apenas três palavras, para lembrar a V. Exa. e à Câmara que passa hoje o terceiro aniversário da chegada de Gago Coutinho e Sacadura Cabial ao Brasil.
O tempo vai depressa e a memória dos homens, neste momento, não é de moldo a manter bom viva a recordação do actos, ainda que êles sejam para a Nação da importância daqueles que ha três anos Gago Coutinho e Sacadura Cabral realizaram.
Sr. Presidente: é mais do que um simples rasgo de heroicidade que nós temos de rememorar periodicamente, em taee dos resultados obtidos com essa formidável emprêsa a que se abalançaram os dois ilustres portugueses.
A travessia do Atlântico sul; realizada nas condições em que o foi, devida nos estudos astronómicos de Gago Coutinho e, à descoberta o prática dos bons processos de navegação aérea por meio dos astros, veio coroar brilhantemente toda, a série dos conhecimentos humanos aplicavéis à navegação aérea.
Sr. Presidente: as travessias que tinham sido feitas anteriormente no Atlântico não tinham, sido efectuadas scientificamente, não tinham a auxiliá-las processos astronómicos perfeitos ou imperfeitos, como já acontece neste momento.
Recorda-se V. Exa. e recorda-se a Câmara que a travessia feita pelos americanos em 1920 foi auxiliada por uma linha do navios de guerra, colocados a 50 milhas de distância, cousa que pecuniàriamente, custou extraordinárias somas, só podendo ser feita por um país rico como a América do Norte.
Assim, os aviadores americanos, saindo de Cape Rase pelo Alaska, e atravessando o Atlântico, seguiram uma linha marcada no mar por grandes unidades de combate.
Mais tarde, dois aviadores ingleses fizeram a travessia do Canadá para Inglaterra, à aventura, lançando-se para leste o caminhando até encontrar a torra, sem terem os conhecimentos da navegação completos e perfeitos, com que essas travessias hoje se fazem.
Foi preciso que o ilustre oficial de marinha, almirante Gago Coutinho, tivesse descoberto o processo e o tornasse prático para as observações astronómicas feitas a bordo do avião, e permitindo que, em qualquer altura, se pudesse determinar a sua posição geográfica.
E de tam largo alcanço a descoberta de Gago Coutinho, por meio do sen sextante, que a sciência de todo o mundo ainda hoje faz justiça, aos aviadores portugueses.
Sendo assim, o estando adentro das nossas fronteiras uma comissão de oficiais aviadores espanhóis, que neste momento prestam homenagem aos aviadores portugueses, rememorando o feito de 1922, é conveniente que o Parlamento recordo o dia de hoje, data gloriosa por todos os títulos, de forma a que na acta fique exarado, que alguém se lembrou dos heróicos aviadores portugueses, que têm belas páginas não só na nossa história, mas também na história da aviação do mundo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: - Sr. Presidente: nesta época não há meios termos: ou tudo são incenses, ou tudo são protestos.
Na verdade, recordo muito vivamente a gloriosa data de hoje, em que Sacadura Cabral e Gago Coutinho concluíram a formidável viagem de Lisboa ao Rio de Janeiro.
Um dêsses heróicos aviadores já hoje não pertence ao número dos vivos, mas
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vive, no emtanto, na saudosa recordação do todos os portugueses que tem amor à sua Pátria.
Sr. Presidente: citando esto feito heróico da aviação portuguesa, eu quero também lembrar à Câmara, numa saudação que ainda aqui não foi feita, os dois distintos aviadores que fizeram o raid Lisboa Guiné, e essa também com muita razão, tanto mais que tiveram lá do combater com o gentio.
Por êstes motivos, eu saúdo os dois heróicos aviadores que levaram a efeito o raid Lisboa-Guiné, como português o como republicano.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: - Sr. Presidente: associo-me, em nome da Acção Republicana, ao voto proposto pelo Sr. Jaime de Sousa, e recordo, com o orgulho que caracteriza os- portugueses, essa façanha admirável de Gago Coutinho o Sacadura Cabral, na travessia aérea para o Rio de Janeiro.
Sr. Presidente: já que estou no uso da palavra, e encontrando-se presente o Sr. Ministro do Interior, e não tendo tido ainda a felicidade de ver inscrita na ordem do dia a continuação do negócio urgente generalizado sôbre o célebre caso do Rosmaninhal, não obstante as categóricas afirmações feitas nesta Câmara pelo Sr. Ministro do Interior de que êsse assunto seria resolvido pelos meios legais, os tribunais, eu permito-me neste momento fazer algumas preguntas a S. Exa. para que me diga-se, efectivamente, está sendo vítima de falsas informações prestadas pelo delegado do Govêrno em Castelo Branco, ou se tem sido enganado - o que não quero acreditar - pelo comandante da fôrça da guarda republicana que está encarregada de manter a ordem no conflito existente entre os povos do Rosmaninhal, Montes Claros e Cegonhas.
Confirmando as afirmações claras que fiz ao Sr. Ministro do Interior, do que passo algum tenho dado, sôbre êste assunto, fora do Parlamento, e chamando a atenção de S. Exa. para o caso, eu não tenho, todavia, adormecido em face das reclamações constantes, pode dizer-se diárias, das pessoas que, por parte do Poder Executivo, deviam ter aquela protecção a que têm direito.
E assim, tendo o Sr. Ministro do Interior declarado nesta Câmara que o assunto não seria resolvido com a intervenção da fôrça armada, não se negando a aceitar aquela moção que mandaria para a Mesa, se o negócio urgente fora generalizado, em que se dizia que a fôrça armada não servia para proteger interêsses de particulares, quero saber se efectivamente é verdadeira a afirmação que S. Exa. fez desde que me vejo forçado a ler à Câmara os telegramas que recebi de Castelo Branco e que julgo terem sido também recebidos pela Presidência da Câmara:
Leu.
O Sr. Ministro do Interior tem certamente em seu poder telegramas idênticos.
Mas, anteriormente à remessa dos telegramas pelos povos do Rosmaninhal, teve S. Exa. comunicação do Sr. governador civil de Castelo Branco de que, depois de um rigoroso inquérito a que procedeu, mandou um relatório, em que diz que só os povos dos montes tinham direito a ceifar as searas, pois só êles as tinham semeado?
Se assim é, se, como o Sr. Ministro do Interior veio dizer, dera ordens terminantes, para que as searas só fossem ceifadas pelos povos dos montes, se assim se procedeu, nada mais fez do que seguir o critério absolutamente justo e honesto do Sr. Sá Cardoso, quando Ministro do Interior, em situação idêntica.
Como só pode conciliar a resposta do Sr. Ministro do Interior, dizendo que dera ordens terminantes, para que as searas só fossem ceifadas pelos povos dos montes, com as devastações levadas a efeito com a cumplicidade da fôrça pública?
Como disse, as searas não foram ceifadas pacificamente, mas numa atitude de devastação.
Por aqui se vêem os intuitos perversos daquela gente que quero talvez dar cumprimento à terceira cláusula da célebre escritura dos 400 contos que permito que essa quantia seja entregue, quando os povos forem escorraçados de qualquer maneira dos montes.
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Só o Sr. Ministro do Interior, em vez do só referir na Câmara às calúnias que tive do repelir quando aludi a esto assunto, tivesse tratado com cuidado da questão, que não é do lana caprina, porque afecta gravemente a economia pública, não chegaríamos ao actual estado de cousas, com desprestígio para os tribunais.
Só o Sr. Ministro do interior tivesse procedido, como fez o Sr. Sá Cardoso, não teriam aqueles povos sido espoliados dos seus haveres.
Mas o Sr. Ministro do interior pôs do parte os seus compromissos, não se importando de fazer respeitar; independência do Poder Judicial o fazer cumprir as leis que o Parlamento vota.
Contra esta atitude lavro o meu protesto o quero que S. Exa. n diga, de uma maneira, categórica se os assaltos os searas, que haviam sido semeadas pelos povos dos montes, foram praticados com a cumplicidade da fôrça pública; se é verdade que as praças Já guarda republicana incitaram os povos do Rosmaninhal a devastar as searas que oram dos povos dos montes.
Peço ao Sr. Ministro do Interior, em nome do prestígio do Poder Judicial o do Poder Executivo, que mande fazer a apreensão imediata dos trigos que foram ceifados, entregando só àqueles a quem pertencem, em harmonia com as informações prestadas pelo Sr. governador civil.
E preciso que o Sr. Ministro do Interior assuma a responsabilidade dos actos que se estilo praticando e faça como fez o Sr. Sá Cardoso, quando Ministro do interior, não levou o caso a Conselho de Ministros.
E um caso que tem do ser tratado com cuidado, carinho e interêsse, pois de contrário teremos acontecimentos lamentáveis o até muito graves.
Aguardo as explicações do Sr. Ministro.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz:- Sr. Presidente: vou ser muito breve. Estamos em faço de ama questão muito delicada e a propósito da qual se têm bolsado todas as infâmias, que felizmente não atingem o meu como, pois o meu carácter serve de couraça onde resvalam todos os boatos e calúnias.
Sr. Presidente: conheço aquelas terras palmo a palmo, pois por lá tenho andado muito à caça.
Conheço os acontecimentos, sei quem tem o direito à propriedade.
E preciso evitar que haja alteração da ordem pública, pois pode, de um momento para o outro, produzir-se um acontecimento grave.
Estabelece, se diálogo entre o Sr. António Correia e o orador.
O Orador: - Sr. Presidente: se ou fôsse Ministro do Interior não hesitava um momento em tomar a única resolução que o caso comporta: a nomeação de um tribunal com poder de sentença, que ouvisse as razões das partes em litígio e resolvesse em conformidade com a justiça.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia (para explicações):- Conquanto eu, nas breves considerações que há pouco fiz, não tivesse provocado a intervenção do Sr. Francisco Cruz, intervenção um pouco fora das praxes parlamentares, visto S. Exa. ter pedido a palavra para explicações, embora o seu nome não tivesse sido pôsto em causa, eu folgo com que a verbosidade de S. Exa. me permita usar novamente da palavra para pôr as cousas nos seus devidos lugares.
Efectivamente alguns jornais tem bolsado toda a casta do calúnias o impropérios sôbre o nome de possuas que, sem o mais pequeno interêsse ou qualquer responsabilidade, tem tratado desta questão.
Já o disse na primeira vez que aqui tratei dêste assunto, isto é, quando interpelei o Sr. Ministro do Interior sôbre a atitude que tivera para comigo: não me incomodam as suspeições!
Tenho a minha consciência absolutamente tranquila porque me encontro naquele terreno firme que só pisam os homens do carácter.
Afirmou o Sr. Francisco Cruz que esta questão era nojenta, miserável e interesseira.
S. Exa. afirmou uma verdade, e exactamente porque é urna verdade é que é preciso resolvê-la sem delongas e sem facciosismos, dando inteira satisfação aos povos dos montes, que foram os primeiros
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a reclamar uma comissão arbitral que definisse os seus direitos e acabando com erros a que, porventura, tivessem sido levados pelos advogados.
E foi precisamente para que só não levasse o caso para um tribunal onde teriam de ser ouvidas mais de trezentas pessoas, o que eternizaria a solução da questão, que o advogado Sr. Jacinto Simões resolveu convocar 45 dos maiores proprietários do Rosmaninhal, que se responsabilizaram pelo pagamento em Lisboa dos tais 400.0006, quando a questão estivesse resolvida e os povos dos montes tivessem abandonado os seus direitos.
Sr. Presidente: a intervenção do Sr. Francisco Cruz foi, como se verifica, preciosa neste momento.
E eu, que não tenho procuração do ninguém para tratar aqui dêste assunto e apenas o faço como Deputado da Nação, lembro ao Sr. Ministro do Interior a expropriação daqueles terrenos repartindo-os em glebas e vendendo-os ou em hasta pública, ou àqueles indivíduos que há mais de 300 anos os vêm arroteando e amanhando.
Proceda S. Exa. a um inquérito rigoroso e terá ocasião de verificar que só depois de terem desaparecido os documentos existentes na Torro do Tombo é que aparece o Sr. Mourão a arrogar-se o título de legítimo proprietário.
Desde que o Sr. Ministro do Interior assim proceda, a questão resolver-se há a contento das duas partes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho): - Sr. Presidente: antes de mais nada, quero associar-me, em nome do Govêrno, à saudação proposta pelo Sr. Jaime de Sousa.
Sr. Presidente: vou responder ao Sr. António Correia, e, deixe-me, desde já, V. Exa. dizer que eu aguardava que a interpelação fôsse marcada, para poder explanar um pouco mais êste assunto. Reconheço, porém, que, tendo estado demorada essa interpelação, e não se sabendo ainda o dia para que ela poderia ser marcada, o Sr. António Correia escolheu uma oportunidade que eu reputo boa para tratar do assunto.
Sr. Presidente: mal se sabe por que razão êste caso foi parar ao Ministério do Interior.
Aqui há duas questões completamente diversas, dizendo uma respeito ao direito de propriedade, e não é o Ministério do Interior competente para tratar dela.
Se a interpelação se tivesse já realizado, teria tido o ensejo de corroborar o meu apoio à moção do Sr. António Correia, no sentido de que esta questão só pode ser dirimida nos tribunais.
Dizem os homens de leis, o devem ter razão, que não é fácil, ou mesmo possível, fazerem-se as intimações num prazo razoável, de todos aquelas indivíduos que estão interessados neste assunto, e daí resultou que, tanto de um lado, como do outro, sistematicamente se tem querido fugir a levar a questão para os tribunais.
Parece-me, pois, que para solucionar êste conflito, que tem tido, já por vezes, uma certa acuidade, e que é de bastante gravidade, não sendo, como muito bem disso o Sr. António Correia, uma questão de lana caprina, só por uma providência de carácter parlamentar se poderá solucionar mais ràpidamente.
Também não me parece, e nisso estamos de acordo, que uma comissão arbitral possa, hoje, resolver êste assunto.
Deve constituir-se um tribunal especial para liquidar o caso, mas creio que para isso se torna necessária a intervenção do Parlamento, a não ser que a Câmara prefira que se enverede pelo processo, que eu já tenho visto aconselhado, de se fazer a expropriação, por utilidade pública, de todos aqueles terrenos, e, uma vez feita essa expropriação, o Estado vender, a quem de direito, em primeiro lugar, a fim de lhe garantir as posses dos casais, etc., e, seguidamente àqueles, da região, quê quisessem os restantes.
Sr. Presidente: isto pelo que se refere ao aspecto da questão, sob o ponto de vista do direito da propriedade, o qual, conforme já disse, foi indevidamente deslocado para o Ministério do Interior, e que me julgo incompetente para tratar.
Mas há outro aspecto da questão, e êsse diz respeito, efectivamente, ao Ministério do Interior. E aquele que se refere a possíveis alterações da ordem pública, a desmandos praticados, com prejuízo da economia nacional, e a extorsões
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que tenham sido anunciadas, ou, porventura, praticadas, e êsse aspecto da questão interessa, evidentemente, ao "Ministério do Interior.
Sr. Presidente: encontrei-me com esta situação.
De há muito, desde que só levantou a questão do direito de propriedade, concomitantemente se levantou a questão das dificuldades das sementeiras o das colheitas, e começam surgindo os conflitos entre os povos daquela região.
Tem estado ali destacada uma fôrça da guarda republicana. Essa fôrça tem tido instruções para se conservar absolutamente alheia às questões que digam respeito ao direito da propriedade o para intervir em tudo aquilo que se relaciono com possíveis alterações da ordem pública, visto que as questões que digam respeito ao direito da propriedade só podem ser dirimidas nos tribunais.
Algumas dificuldades houve na ocasião das sementeiras o emfim, melhor ou pior, conseguiram remover-se.
Mas chegou a ocasião das ceifas, que começaram a semana passada. Nessa altura novas instruções, ou antes, as mesmas instruções, foram dadas à guarda republicana.
E para evitar da parte das praças da guarda qualquer desconhecimento das ordens transmitidas, desconhecimento até certo ponto admissível, eu determinei que o comando da guarda para ali mandasse um oficial para expressamente ver o que se passava nesta conjuntura.
As instruções dadas eram as do que a guarda manteria a ordem, deixando ceitar livremente emquanto conflitos não houvesse.
Que se conflitos surgissem, o primeiro dever da guarda seria o do impedir que se praticassem restruições, que se fizessem devastações desnecessárias e prejudiciais nas searas ou em qualquer parte da propriedade, acrescentando que deveria tanto quanto possível certificar-se de quem tinha semeado - e aqui há uma diferença que eu peço ao Sr. Deputado para notar - permitindo-se a ceifa a quem tinha semeado.
Não dei, portanto, instruções no sentido de se permitir só àqueles monteses que ceifassem, mas sim no sentido de que ceifassem os que tinham semeado.
O Sr. António Correia: - V. Exa. dá-me licença? Tem V. Exa. em sen poder no seu Ministério o relatório do governador civil de Castelo Branco, em que "e diz que foram "só" os povos dos montes que semearam?
O Orador: Eu já leio-o V. Exas. o documento. Ha, como dizia, esta diferença. Eu não podia evidentemente diz ar daqui: só os monteses podem ceifar; disso o devia dizê-lo que ceifassem os que tinham semeado. E acrescentei para isso, repito, que devia o governador civil de Castelo Branco por informação ou directamente conhecer quais os que tinham semeado.
Dei ordem também no sentido de que devia o delegado da guarda republicana no Rosmaninhal - quando digo Rosmaninhal não m e retiro só à povoação, mas abranjo todos os lugares que pertencem a essa freguesia - entender-se com o governador civil para êsse eleito.
Desde ante-ontem começaram a chegar-me notícias contraditórias. Um telegrama do dia 15 do governador civil de Castelo Branco dizia o seguinte:
Leu.
Outro telegrama do Sr. Lobato Carriço, advogado dos povos, diz:
Leu.
No dia 10 telegrafava novamente o governador civil de Castelo Branco nestes termos:
Leu.
Vem aqui a propósito dizer - o perdoem-me V. Exas. que tome um pouco do tempo a mais à Câmara, mas parece-me que o assunto o merece - que por diversas vezes se disse que o povo do Rosmaninhal, composto de maias 3:000 pessoas, cai em cima dos do Alares, Cegonhas o Coveiros, ceifando o destruindo. Ora o Rosmaninhal não tem 3:000 pessoas, ainda mesmo que admitamos que as crianças de pôrto, as mulheres e os velhos vão aos montes nestas razias.
Eu tenho aqui a estatística (não levem V. Exas. a mal que se sirva dela) que diz o seguinte:
O Sr. António Correia: -V. Exa. podia dizer-me qual é a data dessa estatística?
O Orador: - 1920. É a ultima.
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O Sr. António Correia: - Há 5 anos, portanto...
O Orador: - Mas V. Exa. faça o cálculo da população com esta base do aumento que ela terá sofrido em 5 anos e, se chegar ao número que eu citei, poderemos dizer: que feliz povo é o nosso, que tam bem e tam ràpidamente se pode multiplicar!
O Sr. António Correia: - V. Exa. podia ter-me a estatística da população dos montes em 1920?
O Orador: - Eu já digo a V. Exa. Está aqui.
Leu.
O Sr. António Correia: - Isso é contando também com as crianças de peito, velhas e velhos?
O Orador: - Todos!
Risos.
Sr. Presidente: ao mesmo tempo que recebia o telegrama do governador civil de Castelo Branco, recebia uma cópia do telegrama do oficial delegado do comando da guarda que se encontra no Rosmaninhal.
A cópia diz o seguinte:
Leu.
Ora não foi isto que eu disse ao Sr. governador civil; disse-lhe - mais uma vez o acentuo - que deviam ceifar os que semearam.
Mas vê o Sr. António Correia que há informações desencontradas, não de particulares, mas do autoridades. O que eu, desejo e S. Exa. também, por certo, é imparcialmente apreciar esta questão.
O Sr. António Correia: - E V. Exa. poderia fazer-me a fineza - perdoe-me interrompê-lo novamente - de ler a correspondência trocada anteriormente a êsse telegrama o a cópia dos ofícios mandados pelo governador civil, comunicando o que se ia passar?
O Orador: - Tenho-a aqui.
Leu.
Assim, tenho também as informações dadas pelo oficial da guarda que expressamente se encontra na freguesia do Rosmaninhal
Ontem à tarde recebi do Sr. governador civil o seguinte telegrama:
Leu.
Em face dêste telegrama, e não sabendo eu a quem de direito pertencem as searas, ordenei à guarda republicana que mandasse avançar para o Rosmaninhal uma fôrça de vinte praças a fim de cercar o largo onde se encontram as medas de trigo o de evitar que seja quem fôr, de qualquer lado, lhes toque.
É um caso que interessa a economia nacional, pois está ali uma quantidade avultada de trigo que é absolutamente indispensável garantir, até se provar a quem de direito pertence.
Da Idanha, onde existe o telégrafo, até o Rosmaninhal vai uma distância grande, e por isso não admira que as minhas instruções não chegassem lá com a velocidade que eu desejava.
Estamos, porém, a tempo de remediar o mal naquilo em que é possível.
O Sr. António Correia (interrompendo): - V. Exa. pode ler à Câmara a comunicação feita pelo governador civil de Castelo Branco ao comandante da guarda republicana em 22 de Maio de 1925, comunicação que foi transmitida ao Ministério de V. Exa.?
O Orador: - Não trago os documentos todos referentes a êste caso, porque estão a ser copiados no meu Ministério, mas tenho bem presente no pensamento tudo o que êles dizem.
O Sr. António Correia: - Se V. Exa. me permite eu leio essa comunicação, pois também possuo uma cópia:
Leu.
O Orador: - O Sr. governador civil de Castelo Branco, conversando comigo aqui nos Passos Perdidos, concordou em que não tinha sido muito feliz na expressão que empregou e em que dizia que só os povos dos montes, Alares. Coveiros e Cegonhas deviam ceifar. O que eu disse foi que só os que semearam podiam ceifar.
Foi nesse sentido que dei as minhas ordens o que depois dirigi as instruções complementares para que a guarda repu-
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blicana se entendesse com o Sr. governador civil, a fim de averiguar os que semearam e entregar-lhes o trigo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente, em nome dêste lado da Câmara, associo-mo à saudação proposta pelo Sr. Jaime de Sousa.
Aproveito o ensejo do estar no uso da palavra para pedir ao Sr. Ministro do Interior que elucide a Câmara sôbre os boatos correntes do crise ministerial.
Pregunto a S. Exa. se, de facto, o Sr. Ministro da Guerra está ou mio demissionário, e se está demissionário pelas razões apontadas de querer cumprir a lei relativamente à constituído do júri para o julgamento dos oficiais implicados nos acontecimentos de 18 de Abril.
Trata se dum assunto muito importante de que a Câmara há-de querer ocupar-se.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho): - Sr. Presidente: por emquanto, felizmente para mim e para V. Exas., não sou o Presidente do Ministério, o só êste poderá responder ao Sr. Carvalho da Silva.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à ordem do dia.
Foi aprovada a acta, sem discussão.
O Sr. Presidente: - Prossegue o debate político, tendo a palavra o Sr. Alberto Jordão, que ficou com ela reservada.
ORDEM DO DIA
Continuação do debato político
O Sr. Alberto Jordão: - Sr. Presidente: continuando as considerações que iniciei há não sei quantos dias, e depois de ter feito referência ao Sr. Ministro da Justiça, e ter dito que me não conformava fàcilmente com o critério que y. Exa. seguiu ao procurar ordenar determinados serviços públicos, em detrimento de tantos outros, e designadamente para o efeito do comprovar as minhas asserções me ter referido ao decreto sôbre reorganização do júri, oferece-se mo agora chamar a atenção do Govêrno para o decreto n.° 10:776, decreto que se refere à pasta da Instrução, designadamente.
Sr. Presidente: o Govêrno entendeu na sua que os corpos administrativos são qualquer cousa que nem ao menos tem a seu lavor uma larga tradição, que nem ao menos têm a seu favor relevantes serviços prestados a causa da democracia, e, portanto, sem atender a que êles têm a sua organização especial, e sem se recordar das afirmações produzidas pelos homens do República que maiores responsabilidades têm, e que, em matéria de autonomia dos carpos administrativos, todos êles fizeram natural propaganda, o Govêrno, digo e repito, enveredou pelo caminho de atentar contra os direitos e regalias dos corpos administrativos.
Até o Sr. Ministro da Instrução Pública não hesitou em dar o seu golpe nesses organismos.
Assim, o decreto a que mo refiro, no seu artigo 10.°, consigna matéria que; é considerada inconveniente e que nas consequências que dêsse mesmo artigo derivam revela um deminuto Conhecimento da maneira como os assuntos de instrução tem corrido.
Sussurro.
Quando se trata de qualquer assunto do ordem técnica, a Câmara entende que é melhor ir-se entretendo a conversar naquilo que lho apraz.
Não quero dizer que não possa fazer o mesmo; mas cabe-mo a voz de chamar a atenção de V. Exa., Sr. Presidente, para que consiga um pouco menos de bulha. Vinha eu dizendo que em matéria do juntas escolares se revela um desconhecimento da forma como esses organismos têm desempenhado a sua missão.
Não quero dizer que as juntas escolares estejam à altura do papel que lhes é atribuído; mas o que não compreendo é que só queira remediar um mal produzindo um mal maior.
As juntas escolares eram constituídas, aqui o acolá, num e noutro concelho, por pessoas profissionais nesses concelhos.
Mas como é que o Govêrno vai criar em cada freguesia uma junta escolar para preencher o fim que outras juntas não conseguiram produzir?
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Não sei o que se pensou ao publicar o decreto.
Se as juntas não estavam constituídas, como até aqui, a emenda é pior que o soneto.
Além disso parece-me que a essas juntas são atribuídos determinados fins e obrigações, consoante o decreto; e assim as câmaras não têm interferência nenhuma, nem sequer podem saber o que se passa adentro das juntas escolares.
Sei que há, por exemplo, o liceu de Vila Real que não funciona porque estão suspensos dois professores.
Fui ao Ministério da Instrução para compulsar os processos de sindicância, mas tal não me foi permitido.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Xavier da Silva) (interrompendo): - V. Exa. não está bom informado. Eu disse a V. Exa. que todos os documentos estavam à disposição de V. Exa., excepto o processo de sindicância, que é secreto e está nas mãos do sindicante.
O Orador: - Estive na repartição respectiva e, estando lá o processo, não mo foi possível compulsá-lo.
Já que se falou neste assunto, cabe-me a vez de preguntar ao Sr. Ministro da Instrução se ainda não demitiu o capitão de cavalaria que se pronunciou nestes termos:
Leu.
Se fôsse outro indivíduo que tivesse a ousadia de dizer isto a V. Exa. e, já estava demitido, mas êste capitão de cavalaria continua no seu cargo com a aquiescência do Sr. Ministro da Instrução!
Em conclusão: quere-me parecer que o Govêrno não andou bem na sua intervenção nos actos dos cargos administrativos, prejudicando a administração do Estado, centralizando demasiadamente os serviços e provocando o regabofe a que se referiu o capitão de cavalaria.
Tendo feito as considerações que desejava fazer, termino fazendo votos para que os factos concretos a que me referi tenham a devida solução.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que me foram enviadas.
O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: pode V. Exa. informar-me se tem conhecimento da crise ministerial a que os jornais aludem?
O Sr. Presidente (interrompendo): - Na Mesa não há nenhuma comunicação a tal respeito.
O Orador: - O Sr. Presidente do Ministério está presente e pode informar V. Exa.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - Devo dizer a V. Exa. que tenho a maior consideração pelo Parlamento, mas que não recebo de nenhum parlamentar lições de correcção.
Se efectivamente houvesse uma crise ministerial, sei qual era o caminho que teria de seguir. Se ainda não dei dela conhecimento ao Parlamento, é pelo simples facto de a crise não existir.
Na verdade, desde há muito que o Sr. Ministro da Guerra - principalmente depois da morte do seu filho - mostrou desejos do abandonar o Govêrno, mas, apesar disso, tem continuado no exercício da sua pasta.
Quando a sua substituição se dê, ou qualquer outra substituição, o Parlamento pode estar certo de que eu não faltarei ao cumprimento do meu dever, mas o que não posso é vir ao Parlamento constantemente desmentir as notícias tendenciosas que um jornal se lembre de lançar.
Parece até que há a preocupação de tornar ainda maior a agitação da sociedade portuguesa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva (para explicações) : - O Sr. Presidente do Ministério mostrou-se muito zangado pela minha pregunta.
Fiz-me apenas eco do que se dizia publicamente nos jornais; mas, em face do desmentido do Sr. Presidente do Ministério, peço a V. Exa., Sr. Presidente, a fineza de prevenir o Sr. Ministro da Guerra do que desejo hoje, antes de se encerrar a sessão, interrogar S. Exa. sôbre o que pensa acerca da formação
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de um júri especial pura julgar os oficiais implicados no último movimento revolucionário.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): -Pedi a palavra para protestar contra semelhantes processos de provocar a agitação, o do que o Sr. Carvalho da Silva deu mais um exemplo.
Êste Govêrno tem dado som pró a prova- do respeito que tem pela lei e pelo Parlamento, para que a ninguém seja lícito supor que êle pensaria em alterar a forma normal do júri ou da composição do tribunal que há-de julgar os prisioneiros da última revolução.
Serão seguidas todas as formalidades legais em conformidade com as disposições do Código de Justiça Militar o com o disposto no já publicado que alterou a forma de processo,
O Govêrno não pode estar na obrigação de vir dar ao Parlamento explicações sôbre notícias que as pessoas mal intencionadas se lembrem do publicar nos jornais.
Não haveria tempo para fazer outra cousa.
O Sr. Nuno Simões (interrompendo): - Para que a culpa não possa atribuir-se a imprensa, eu quero declarar a V, Exa. que a informação vinda a piibheo, sôbre o pedido de demissão do Sr. Ministro da Guerra, saiu do Ministério da Guerra.
O Orador: não preciso que alguém me faça lembrar as obrigações que tenho para com o Parlamento.
Nunca a elas faltei.
Sei bem quais são aã minhas obrigações como Presidente do Ministério e também como Parlamentar.
A Câmara sabe bem que eu tenho o máximo respeito pelo Parlamento.
A propósito da interrupção do Sr. Nuno Simões, e para que não possa haver dúvidas sôbre as minhas palavras, eu quero esclarecer que não pretendi ser desagradável à imprensa.
O que eu disso só significa que é de admitir que os jornais publiquem notícias não correspondam à verdade, visto que lhes é impossível conhecer das boas ou más intenções com que tais notícias lhes são fornecidas.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita: - Sr. Presidente: em harmonia com os preceitos regimentais, mando para a Mesa a seguinte
Moção
A Câmara, estranhando os termos em que se lhe dirige o Sr. Presidente do Ministério, passa à ordem do dia. - Pedro Pita.
Antes do mais nada, acentuarei que nem o Sr. Presidente do Ministério, nem uma dúzia de Presidentes do Ministério é capaz de nos motor modo, embora se apresentem com ares de pimpão.
É já a terceira ou quarta vez (pie o Sr. Presidente do Ministério ergue aqui a uma voz trémula, em atitude de nos ameaçar, como se dele tivéssemos medo.
Engana-se o Sr. Presidente do Ministério.
S. Exa. não é capaz de meter medo a ninguém!
Está tudo às avessas.
Até aqui, ora o Parlamento que censurava o Govêrno quando isso ora necessário; agora, é o Govêrno que vem censurar o Parlamento.
Há alguma cousa de estranhável em que um Sr. Deputado, no uso do sou legítimo direito, pregunto ao Sr. Presidente do Ministério se são ou não verdadeiros os boatos que correm, de que o Sr. Ministro da Guerra esteja demissionário?
As razões que originaram êsse podido de demissão são, porventura, de moldo a irritar o Sr. Presidente do Ministério?
Mas, se assim, que culpa temos nós disso?
Que culpa temos de que o Govêrno esteja a tremor perante a sua própria sombra, com infido de tudo?
Já antes do último adiamento se dizia que o Sr. Presidente do Ministério tinha na mão a dissolução do Parlamento, para nos ameaçar com ela.
Mas, Sr. Presidente, venha a dissolução.
Ninguém dirá que a simples pregunta feita a um Presidente do Ministério sôbre se é verdadeira ou não a notícia da de-
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missão de um Ministro é uma presunta que esteja, fora das atribuições que me competem como Parlamentar.
O que não está- dentro das praxes, das normas da correcção em que o Parlamento está colocado perante o Govêrno e o Govêrno perante o Parlamento, é que o Sr. Presidente do Ministério se agaste a ponto de responder em termos agressivos, em gestos descompostos, em atitudes de quem pretende castigai' o menino com palmatoadas, porque cometeu o delito de não saber a lição.
Fique o Sr. Presidente do Ministério sabendo uma cousa: é que nem os seus ares, nem as suas ameaças de dissolução, nem nenhuma atitude que, porventura, queira tomar, têm sôbre nós qualquer influência.
Todos sabemos que S. Exa. é capaz de repetir com qualquer de nós a violência que praticou já com dois dos nossos, mas nenhum de nós é pessoa para se arrecear dessas cousas.
Sr. Presidente: lavrado em termos bem claros o protesto que era necessário lavrar contra atitudes que, a repetirem-se, já aqueles que as tiverem sabem antecipadamente que ninguém, pelo menos dêste lado da Câmara, faz caso delas; lavrado êste protesto, vou entrar propriamente naquilo que se convencionou chamar o debate político.
Sr. Presidente: posso ligar, e cabe até bem ligar, as considerações que vinha a fazer a propósito da moção que apresentei com as considerações que teria de fazer a propósito do debate político.
Compreendo, Sr. Presidente, explico a mim próprio, embora sem as justificar, as palavras e atitudes do Sr. Presidente do Ministério. S. Exa. foi guindado àquela situação porque, creio que poucas pessoas terão dúvidas a êste respeito, entre o descalabro que havia dentro do partido de que faz parte, S. Exa. era a pessoa que, fazendo dominó para ambos os lados, estava indicada para exercer essa função.
Risos.
Não foram os seus merecimentos especiais, porque os não tinha, não foi a sua preparação, porque a não tem ainda hoje, foi a situação de estar bera com Deus e com o Diabo, e poder num dado momento satisfazer para ambos os lados aquela aspiração da união partidária. Foi assim feito Presidente do Ministério, Presidente de acaso, de circunstância, sem nenhumas condições de o ser.
Rodeou-se, na generalidade, de pessoas nas mesmas condições, e assim é que os actos dêste Govêrno se caracterizam pelo atrabiliário, pela falta de respeito pela lei, pelo desconhecimento absoluto das normas, mesmo as mais elementares de direito, de direitos adquiridos, de reconhecimento pela situação dos outros.
É daí, Sr. Presidente, que nós vemos essa coberta de frangalhos a afirmar, não que o regime não preste, não que os homens do regime não servem, mas somente que há um partido a querer fazer monopólio do Poder e que, tendo queimado os elementos de primeira ordem que tinha, se socorre de elementos de segunda ordem para se manter no Poder.
Não deixará de se ouvir ainda afirmar que é no propósito de bem servir a República.
A quantos tenho ouvido esta afirmação sem sinceridade, sem verdade!
A quantos eu ouço afirmar que pretendem defender a República, quando não pretendem outra cousa senão defender a sua situação, defender, quantas vezes mais que a sua situação, que é legítima, o prato!
Sr. Presidente: aquilo que em boa paz, só perturbada pela atitude do Sr. Presidente do Ministério, se tem dito nesta Câmara a propósito da obra dêste Govêrno era só por si bastante para que o Presidente do Ministério, pensando nas palavras que ouviu e indo para casa meditar um pouco sôbre elas, fôsse o primeiro a reconhecer que prestava um grande serviço ao País e à República abandonando a situação que ocupa, e que não tem o direito de ocupar, porque não é capaz de fazer qualquer cousa de bem.
Sr. Presidente: é tam fácil falar assim quando se está na situação em que me encontro, quando a experiência nos tem demonstrado que na República há filhos e afilhados, e quando na situação de afilhados nos encontramos, conservando-nos leais porque em nós existe verdadeiramente o sentimento republicano, e ainda porque, como toda a gente sabe, ao falarmos nestes termos não estamos a apresentar um memorial para irmos ocupar as cadeiras que fiquem vagas! Não,
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bem sabemos que isso é dos senhores, bem sabemos que isso é vosso, bom sabemos que o nosso lugar dentro da República só é marcado pelo nosso muito amor a ela, sabemo-lo muito bem. Sabemos que através do todas as discordâncias de pontos do vista de opinião hão-de ser sempre os senhores que hão-de ocupar êsses lugares; pois bem, mas ao menos, e parece-me legítimo esto desejo, escolham, porque ainda têm por onde escolher) ainda têm quem possua competência e conhecimento para ocupar êsses lugares, ainda têm quem saiba encarar as questões que assoberbam o País. Não é colocar nessas postos pessoas que são quásí analfabetas nos respectivos assuntos.
Sr. Presidente: vamos verificar o que foz o Govêrno em face do movimento de 18 de Abril. O Govêrno encontrou nesse movimento, fàcilmente subjugo do, pretexto para praticar algumas violências o vinganças.
Apoiados.
Não quero tirar ao Govêrno o direito de combater os revolucionários de 18 de Abril; estava o Govêrno no seu direito, estava plenamente no seu papel; mas nunca podia fazer o que se tem feito.
Q Sr. Presidente do Ministério aproveitou êsse movimento para tirar efeitos a seu favor, e assim pediu um interregno parlamentar para poder tomar medidas para a realização do seu objectivo, isto é, o sossêgo o a normalidade, o com êsse protesto publicou medidas que não devia publicar,
Apoiadas,
O Sr. Presidente do Ministério para alcançar um mês de interrupção dos trabalhos parlamentares assustou a maioria com a dissolução; a nós não nos assustou.
Mu já ouvi ontem aqui falar de sidonismo, como se êste Govêrno não tivesse praticado piores actos, alguns deles monstruosos.
Publicou-se um decreto que obriga os oficiais, os funcionários públicos, os magistrados a serem delatores, a serem denunciantes dos seus subordinados. Obriga-se pela letra expressa dêsse decreto o funcionário que tem subordinados, o oficial que tem oficiais seus subordinados, o magistrado, a denunciar ôsses funcionários.
Felizmente. Sr. Presidente, que mio é
preciso trazer o meu caso para o efeito do alguém ter dó de mini. Exerço uma profissão livre, até o dia em que o Sr. Presidente do Ministério só lembre, tam-béni por decreto, de impedir que alguém que tenha conquistado uma carta na Universidade não se possa servir dela para ganhar a sua vida.
Sr. Presidente: depois disse-se ao Poder Judicial: Ah! Tu não chegas, tu não dás garantias para julgar, e, por isso, antecipo-me, julgando primeiro, independentemente da tua decisão.
Sr. Presidente: num país em que todas as energias estão mortas, onde actos desta natureza não conseguem de facto impressionar, num país em que tudo está do cócoras, isto é pouco.
Apoiados da direita.
Em todo o caso, Sr. Presidente, é bom não esquecer que ainda mesmo nos lugares onde esta experiência tem sido feita, há um determinado momento em que a velocidade adquirida a leva a tal ponto que o "basti" chega.
Sr. Presidente: sou novo e seu daqueles que pousam que as balas não se fizeram para nos meter medo, que têm o feitio de um alimento que se come. Nunca pensei nelas e confesso que não treino por elas, e novo como soa, e sem ter a preocupação do valer tanto que mereça uma bala, tenho a esperança de que há de chegar o dia em que vivamos, em Portugal, em República, que há-de chegar o dia em que neste país se viva em verdadeiro regime republicano, e não sob a pressão do uma oligarquia que nos espezinha e vexa.
Sr. Presidente: o criminoso de direito comum, o criminoso mais repelente, aquele que responde ao mesmo tempo por ter roubado uma órfã, deixando-a na miséria, por ter desflorado uma irmã, por ter morto o pai, por ter morto a mãe, o indivíduo que responde por todos êstes crimes, que são os piores segundo o nosso Código Penal, tem sempre o direito de fazer rever o seu processo.
Sr. Presidente: aquele que cair debaixo das garras de um Ministro pouco escrupuloso ou de um Ministério que o seja também, nunca mais tem o direito de pedir a revisão do seu processo.
Ah! Sr. Presidente! o são republicanos os que assinam isto.
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Ah! Sr. Presidente! não são, porque para sê-lo é preciso prová-lo.
Apoiados da direita.
Sr. Presidente: eu tinha tenção do levar mais longe o exame que devia fazer aos vários decretos publicados pelo Govêrno. Porém, não quero misturar assuntos, não quero deixar de salientar bem o que acabei de frisar.
Ah! Sr. Presidente! isto fez-se no Diário do Govêrno, mas afirma-se, por toda a parte, que se cometem no Govêrno Civil, para com os indivíduos presos, actos do verdadeira tortura.
Estamos voltados, não ao tempo da Monarquia constitucional derrubada em 5 de Outubro, mas ao tempo da Santa Inquisição.
Diz-se não sei com que fundamento, mas afirma-se por toda a parte, que têm sido encontradas roupas ensanguentadas, pertencentes aos indivíduos presos, a quem à chicotada e batendo desalmadamente se arrancam as confissões.
Sr. Presidente: isto toca as raias de tudo quanto é possível imaginar-se. Já não são sentimentos republicanos ou monárquicos, são sentimentos de desumanidade, de covardia, bater num desgraçado que está em condição de não se poder defender, arrancar-lhe por meio de maus, tratos e violências de toda a ordem o que não é uma confissão, mas a satisfação de um desejo daquele que a arranca, para que o larguem em paz.
Ah! Sr. Presidente! que repelente acto de desumanidade, que falta de coração!
Sr. Presidente: é grave o que se passa neste momento, é grave o que possam dizer os adversários do regime; não me interessa que o Govêrno seja acusado disto, mas o que me interessa é sob o ponto de vista republicano.
Diz-se, Sr. Presidente - e eu entendo que já se deveria ter procedido a um inquérito rigoroso nesse sentido - que êsse homem que dizem ter fugido à fôrça policial que o acompanhava, e foi morto a tiro, não pretendeu fugir. Se é verdade, como se afirma também, que êsse homem era quási cego, a história da fuga é uma intrugice.
Só, de facto, fugiu, se tinha condições para o poder fazer, sabe-se que o encarregado do qualquer preso tem de o entregar morto ou vivo. Mas se de um lado isto representa o cumprimento de um dever, do outro lado é uma selvajaria, um assassínio vulgar.
Sr. Presidente: sei muito bem que as palavras que nós aqui proferimos são muitas vezes deturpadas.
Dizem os jornais que o Sr. José Domingues dos Santos pretende tratar do caso das deportações; não quero, por isso, tirar a S. Exa. o privilégio de só ocupar dêsse caso, o não desejo que S. Exa. possa acusar-mo de eu ter tratado primeiramente do assunto.
Direi apenas ao Govêrno o seguinte: o 28 de Janeiro promoveu-se, e o assassínio do rei houve quem o julgasse com o fundamento de que um decreto tinha sido assinado que deportava vários indivíduos, mas, neste tempo, fez-se um decreto para deportar, e agora foram mesmo sem decreto.
Apoiados.
Não valia a pena, se nós procurássemos apenas a nossa situação e a vantagem que pudéssemos tirar das nossas palavras, falar nestes termos, mas, Sr. Presidente, em cada um do nós vive, por mais que o não queiram alguns, alguma cousa que está acima das conveniências que nós possamos ter e daquelas mesmo que possamos desejar: é aquilo que se chama, para quem a tem, a consciência.
É uma cousa que para alguns é pesada e para outros leve, isto é, como se não existisse.
Oxalá que todos se compenetrassem de que o País não é sòmente a luta domando, a disputa de círculos eleitorais; oxalá que todos se convençam de que a palavra princípios não serve só para trazer na boca, para intrujar os adversários (Apoiados); oxalá todos se convençam do que a República não pode ser apenas a palavra que substitui outra palavra, mas sim um regime que substitui outro regime, e que, para manter essa substituição à palavra, é necessário proceder de modo a manter o regime que depôs o anterior.
Ser republicano não é só dizê-lo, nem procurar benesses ou a satisfação das vaidades pessoais.
Se do mim dependesse - afirmo a V. Exa. o à Câmara que o digo com toda a sinceridade - por um acto meu fazer mudar esta sociedade o êste estado do cousas, não hesitaria em praticá-lo não para me
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ir locupletar ou para deixar que outros se locupletassem, mas para fazer disto uma verdadeira República.
Apoiados.
Imediatamente renunciaria a tudo para ver satisfeita essa aspiração, que deve ser a maior que devem ter todos os republicanos sinceros como eu.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho): - Pedi a palavra para explicações, porque não desejo deixar ficar por mais tempo sem resposta algumas observações que fez o Sr. Pedro Pita.
Efectivamente, nos últimos dias tem-se desenhado uma campanha visando a corporação da polícia de Lisboa.
O Sr. Pedro Pita disse constar-lhe que só bate nos presos por ordem do Govêrno.
O Sr. Pedro Pita (interrompendo): - A parte final é acrescentada por V. Exa.
O Sr. Nuno Simões (em àparte): - Também já, não faltava mais nada, Estabelece- se sussurro.
O Orador: - Se foi um acrescento meu, dou-o por não dito. V. Exa. não repare que eu o tivesse feito, porque não estava na sala no começo das suas considerações,
O que quero, porém, é repelir formal e energicamente tal boato.
Sr. Presidente: embora tal não fôsse preciso, tenho tido o cuidado de dar repetidas ordens e instruções à policia, para que não haja sequer lugar a boatos de tal natureza, e não pode, por isso, S. Exa. nem nenhum parlamentar acusar o Govêrno de ficar mudo perante atoardas de tal espécie.
As instruções têm sido categóricas - e, de resto, como disse a S. Exa., não as julgo necessárias - e são no sentido de não permitir que maus tratos sejam infligidos ao presos; mas é preciso não esquecer que há uma boa parte daqueles que se encontram empenhados em tal campanha que julga que os que vestem uma farda de polícia não são também filhos do povo (Apoiados) e imagina que a missão dêsses homens é serem atacados à bomba e sofrerem todos os enxovalhos que lhes quiserem fazer.
Apoiados.
Não, êsses desgraçados, porque vestem uma farda, mio deixaram de ser, como nós todos, filhos do povo (Apoiados), como o são também aqueles que contra êles usam do processos os mais ilegítimos e violentos.
Apoiados.
Trocam-se àpartes.
O Orador: - Respondo a quem tenho do responder e faço as afirmações que entendo que devo fazer.
Apoiados.
Sr. Presidente: também o Sr. Pedro Pita se referiu a êsse caso infeliz da morte do operário Domingos Pereira. Não precisava eu de dar informações categóricas, mas dei-as, exigindo que se não deixasse de praticar nenhuma daquelas formalidades legais que são absolutamente necessárias para o apuramento e para a descoberta de toda a verdade. Na corporação da polícia não existem assassinos!
Muitos apoiados.
A corporação da polícia é, e não podia deixar de ser, um organismo destinado a proteger a sociedade.
Apoiados.
Ela deve ser, e não pode deixar do ser, um dos elementos mais importantes da defesa individual e da propriedade colectiva!
Muitos apoiados.
Uma voz: - Até parece nosso correligionário V. Exa.
O Orador: - Pode o Sr. Pedro Pita, podem todos os Srs. parlamentares estar descansados, que não se deixará do fazer aquela investigação rigorosa, e a ela se está procedendo, no sentido de averiguar toda a verdade.
Podem S. Exas. estar descansados que o Ministro do Interior já mandou, há bastante tempo, proceder a um inquérito para se saber se houve ou não quaisquer actos excessivos o que representem de qualquer modo maus tratos contra os presos políticos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Pedro Pita (para explicações). - Sr. Presidente: eu estava muito longe de suspeitar que ia servir de tabela de bilhar para que o Sr. Ministro do Interior respondesse ao Mundo. Não foi mal engendrado, mas eu é que me nego a ser tabela de bilhar.
As minhas palavras foram ditas em voz tam alta e foram tam precisas que não podiam deixar ao Sr. Ministro do Interior, como certamente não deixariam a ninguém, dúvidas nenhumas sôbre o que significavam.
Em primeiro lugar não disse que era o Govêrno quem mandava espancar os presos. Se tivesse de fazer uma afirmação destas, Sr. Presidente, teria de acrescentar ao que disse palavras que não tive de proferir. Nem mesmo fiz sequer a afirmação de que os presos eram espancados.
Apoiados.
Disse simplesmente que isto constava, que se dizia que já tinham sido mostradas e vistas roupas de alguns que tinham marcados êsses maus tratos. Não sei se assim é ou não; mas sei que isso se diz em toda a parte; sei que quando o afirmei até Deputados da maioria me apoiaram.
Sr. Presidente: vir dizer que na corporação da polícia também há povo, que a circunstância de vestir uma farda não impede de ser povo, isto em resposta a mim e ao meu partido, dá-me francamente vontade de ir...
Ah! Sr. Presidente! Quem mais do que nós tem levantado a voz contra os atentados de que têm sido vítimas os desgraçados polícias, que, para sustentar a sua família, são obrigados a arriscar a própria vida?
Quem mais do que nós se tem colocado ao lado dos Governos, tenham êles a facção que tiverem, quando se trata de dar à polícia a fôrça necessária para bem cumprir a sua missão e para defendê-la dos ataques de que tem sido vítima?
Então não fomos nós que tivemos a sorte, na meia dúzia de dias que passámos pelo Ministério, de dar à polícia o brilhante comandante que ela tem?
Apoiados.
Se o Sr. Ministro do Interior não teve o intuito de fazer de mim a tabela de bilhar, para carambolar para a Rua do Mundo, num jornal que lá existe, então quis evitar a conversa que o Sr. José Domingues dos Sanos tem anunciada. Mas isso não é comigo! Isso é lá com a família...
Risos.
Comigo há apenas o desejo de pôr as cousas no devido pé!
Recapitulando, pois, direi que nunca podia Colocar-me ao lado dos desordeiros, sobretudo contra aqueles que constantemente arriscam a sua vida e que têm sabido mostrar que prezam, acima dela, o seu dever.
Não fiz também a afirmação de que era o Govêrno que mandava aplicar maus tratos.
Afirmou o Sr. Ministro do Interior que a corporação da polícia não tem lá dentro pessoas más.
Só nós aqui, que somos 163, nos julgamos às vezes maus uns aos outros, o que fará numa corporação de milhares de pessoas?
Em toda a parte há bom e mau.
Faço ao Sr. Ministro do Interior a justiça de acreditar que, embora S. Exa. tivesse todos os defeitos que lhe assacam, não era capaz de mandar praticar os actos a que há pouco me referi e que me consta, como consta a toda a gente que lê os jornais, terem sido praticados.
É justamente para honra dessa corporação, que o Sr. Ministro do Interior defende e cuja defesa aplaudo calorosamente, que desejo que se averigúe dos casos a que aludi e se castiguem os indivíduos que delinquiram.
Creio que estão esclarecidas as minhas palavras.
Não sou capaz de fazer especulação política dum assunto desta natureza. Posso porventura ser violento nos meus ataques, mas o que procuro sempre é fazer justiça a quem a tem, dando a cada um o que cada um merece.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi admitida a moção do Sr. Pedro Pita.
O Sr. Pina de Morais: - Sr. Presidente: a minha intervenção no debate em nada deve influir na vida do Govêrno, nem nas disposições que a Câmara tenha para com êle, visto que as minhas palavras não
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vêm posar senão como uma opinião pessoal.
Sr. Presidente: afigura-se-me, depois que me interesso mais pelo decorrer da vida parlamentar, que os Governos da República vivem em crise permanente.
Tenho a impressão de que não se arranjou um equilíbrio político dentro da República, de forma a facultar, aos homens de Estado que ocupam as cadeiras do Poder, a propriedade dos seus actos.
Continuadamente, muitas vezes intempestivamente, são os Governos atacados, procurados o indagados com preguntas que vão desde a indiscrição política à indiscrição financeira e económica, de forma a prejudicar a sua unidade de acção e o seu programa do realizações.
A que corresponderá uma situação tam calamitosa, uma situação que consegue ciar aos estranhos a impressão da insustentabilidade permanente dos Governos?
Atribuo eu êste facto a erros que vêm de longe. Atribuo eu isso a velhos erros que a nossa República tem praticado. - Um ponto muito grave e que fica fora de todas as discussões é a diferença da vida da República até 1918 e depois dessa data.
Até 1918, a administração republicana foi honrada e procurou ser acertada. Depois disso, a República tem-se enxovalhado sucessivamente com muitos desmandos. Não quero acusar os homens públicos que tem passado pelas cadeiras do Poder desde essa data até hoje. Sei que êsses homens, sejam quais forem as suas doutrinas o objectivos, são sempre patriotas e que só mio fazem mais é porque não podem ou porque não sabem.
A minha acusação, portanto, não vai recair sôbre ninguém. Falo em conjunto, apreciando apenas os factos.
Já nas repúblicas velhas, e vá lá uma citação, o que não está muito nos meus hábitos, Platão dizia que não era enchendo os povos de leis que bem se governava. Não é fazendo leis sôbre leis que se dá à nossa República aquilo de que ela carece.
É, de facto, absolutamente indispensável, para nos erguermos à altura do regime que defendemos, que a República seja uma República do moralidade.
Apoiados.
Sou um homem habituado ao culto das responsabilidades.
Habituei-me e eduquei-me nesse culto, de modo que tanto aprecio quando só faz justiça elevando e engrandecendo, como quando se faz justiça castigando.
Êste ponto ó, na minha opinião, opinião acanhada talvez, um dos mais essenciais para a vida o destinos da República; 6 que principia a desenhar-se em. Portugal a chamada questão social.
As organizações operárias ressentem-se da falta de educação e conhecimentos com que possam lançar se à realização dos problemas que por essa Europa fora se discutem.
Tem sido pràticamente arredado o aspecto da carestia da vida.
Hoje, com o correr do tempo, tem havido mais preparação e conhecimento, tem havido uma propaganda mais acentuada, e, portanto, realmente, aparece, de facto, dentro do país a chamada questão social. É o ponto grave que os Governos da República devem bem ponderar.
Bem governar é aproveitar com inteligência e nobreza as fôrças sociais que parece serem a canalização dessas energias.
O Govêrno do Sr. Vitorino Guimarães sentiu o embate lógico de todas estas cousas, com as fôrças conservadoras no 18 de Abril; e tem tido outros, não com fôrças, não com doutrinas, não com pressões, não com políticos, mas com gente doutra ordem que me abstenho de classificar, luta que se assemelha ser extremista.
O 18 de Abril teve uma acção decisiva por parte do Govêrno. E assim que se procede. O exército, como tantas vezos tenho dito, tem obrigação de viver dentro de um regulamento.
Quem quero fazer vingar os seus pontos de vista, quem quere ter abertas as órfãs da política, despe a farda como eu fiz, deixa-a dentro do quartel.
V. Exa., Sr. Presidente do Ministério, cumpriu integralmente o seu dever, defendendo a República e a Constituição.
Têm-se ouvido acusações violentas ao exército.
Ninguém leve a mal o que vou dizer: o exército não é mais que a expressão que lhe deu o Poder Legislativo.
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O exército vive hoje mal, é mal pago e é grande a diferença entro os seus soldos e os dos oficiais dos exércitos estrangeiros; mas argumenta-se: o Estado não pode pagar mais.
Estou plenamente de acordo, mas dêem-se ao exército, aos seus oficiais, condições para poderem viver.
Faz pena, ao passar por um quartel, ver homens no vigor da vida, entre os vinte e quarenta anos, improdutivos, sem terem onde empregar a sua actividade.
Depois da guerra até vieram os milicianos ...
O Govêrno pode facultar ao exército forma do viver melhor, isto é de os seus membros procurarem outra ocupação cá fora.
A outro ponto tenho que me referir, e é à forma como se fizeram as deportações.
Se há criminosos, apurem-se as suas responsabilidades o aplique-se-lhes a lei.
Com respeito à acção atribuída ao Sr. Ministro do Interior na questão da imprensa, não direi que fôsse sua, mas é plenamente discordante do meu modo de ver.
A censura à imprensa é difícil de fazer, pois não há uma regra para a exercer.
Como se pode distinguir entre o que é bom e o que é mau?
É a censura um processo mau.
A apreensão, para depois deixar circular tudo, é mau e contraproducente, e haja em vista o que sucedeu ao Mundo, quando da perseguição de que foi vitima no tempo da monarquia.
Alargou a sua expansão, e desenvolveu-se.
A chamada Legião Vermelha d ove merecer as atenções do Govêrno, ao qual compete procurar eliminar até o seu próprio nome.
Sr. Presidente do Ministério: V. Exa. tem prestado um grande serviço à República e ao país; encontra só V. Exa. cheio de fôrça moral, e é assim que os homens públicos se fazem.
Os meus desejos são que V. Exa. continue procedendo com a energia que tem demonstrado até aqui.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho): - Sr. Presidente: na segunda-feira passada, quando V. Exa. pôs em discussão a acta, eu disse que desejava dar alguns esclarecimentos à Câmara, mas que entendia que só devia dá-los, quando estivesse presente o Sr. Cunha Leal.
Sr. Presidente: não sei se V. Exa. e a Câmara consentirão que no meio do debate político eu possa apresentar esta explicação. Se V. Exa. e a Câmara me consentem, continuarei.
Vozes: - Fale, fale.
O Orador: - Sr. Presidente: com a lealdade que sempre ponho em todos os meus actos, quero começar por dizer ao Sr. Cunha Leal que, não tendo à minha disposição o Diário das Sessões correspondente ao dia em que S. Exa. tratou aqui de um determinado assunto, ou anunciou que ia tratar, sou forçado a guiar-me pelo Boletim Oficial, que é um resumo muito deficiente dos discursos aqui proferidos, e, também, pelos relatos dos jornais. Mas, como já declarei, quero dizer a S. Exa. muito lealmente, que só darei crédito ao extracto que vem nos jornais se S. Exa. a isso me autorizar, e eu digo porquê.
Muita gente sabe que uma parte da imprensa não só me é desfavorável como leva êsse desfavor ao ponto de deturpar as minhas palavras e até as daquelas pessoas que, porventura, a mim se referem.
Não posso, portanto, sem, por assim dizer, a aquiescência do Sr. Cunha Leal, seguir as considerações ou o extracto que vem nos jornais, porque posso, porventura, cair em erros grosseiros, e eu, muito lealmente, desejo evitá-los.
Assim é que, se o Sr. Cunha Leal reconhecer que o extracto de que me sirvo não corresponde às palavras e às intenções de S. Exa., eu, com toda a correcção e muito lealmente, suporei que essas palavras não existem no extracto.
Posta assim a questão e parecendo-me que estão definidas assim as nossas posições e que nesta situação dois homens de bem podem entender-se, eu vou encetar as minhas explicações.
Diz um jornal:
"O orador referiu depois que, quando o actual Ministro do Interior, Sr. Vitori-
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no Godinho, tomara posse do cargo de nosso adido militar em França, estando assim encarregado de fazer liquidações sôbre o Corpo Expedicionário Português, recebera do sou antecessor, o Sr. Aschman, a conta aborta relativa àqueles serviços".
E aqui vai já um esclarecimento, É que, se eu entendi dever dar estas explicações, é porque, pela forma como isto vem nos jornais, pároco depreender-se que o Sr. Cunha Leal quis atingir o prestígio do Ministro do Interior e levar também até a rainha pessoa, som mesmo ser na minha qualidade de Ministro, o seu ataque.
Diz mais o jornal:
"Entre os vários auxiliares do Sr. Vitorino Godinho figurava o capitão Almeida Pinheiro, que, diz-se, falsificou um choque na importância do 240:000 francos. Levantada esta quantia, aquele capitão desapareceu, nunca mais ninguém se importando com o caso da falsificação, nem mesmo tendo aquele senhor sido perseguido pelo seu acto. Almeida Pinheiro foi depois para a Madeira o daí para Angola, onde chegou a ser recebido pelo próprio Alto Comissário, Sr. Norton do Matos, Em Angola ninguém o perseguiu, ninguém o prendou também".
Sr. Presidente: esto caso, nesta parte, é com o Sr. Ministro da Guerra. Como V. Exas. bem podem compreender, portanto, o processo diz respeito ao Ministério da Guerra.
O Sr. Ministro da Guerra, recebida a comunicação do Sr. Cunha Leni, não deixará, por certo, de colhêr os esclarecimentos necessários a fim do satisfazer os desejos de S. Exa., desejos que podem ir até o ponto de, se a Câmara assim o entender, se substituir aos tribunais militares a quem de direito pertenço o julgamento desta causa.
Mas diz mais o jornal, e eu chamo a atenção do Sr. Cunha Leal para dizer só realmente foi assim:
"Em tempos, êste caso foi já levantado aqui no Parlamento pelo Sr. António da Fonseca, afirmando-se então que o Estado não podia ser roubado no Banco Ultramarino. A não ser - frisou o orador que a assinatura do Sr. Vitorino Godinho, no choque, seja verdadeira. Neste caso, devemos supor que, tendo o Sr. Vitorino Godinho a maior confiança no Sr. Almeida Pinheiro, êste tinha à sua disposição cheques em branco, já com a assinatura do actual Ministro do Interior.
Assim, temos de ponderar: ou a assinatura é verdadeira, tendo sido roubado o Estado, ou é falsa, e então o roubado foi o Banco Ultramarino, que não devia ter pago o cheque".
Não sei se foram estas as palavras de S. Exa.
O Sr. Cunha Leal faz um gesto afirmativo.
O Orador: - A estas palavras do Sr. Cunha Leal cumpro-me responder muito serenamente e porque S. Exa. as confirma, que nunca deixei cheques em branco o com a minha assinatura fôsse a quem fôsse.
Custa-me a crer que o Sr. Cunha Leal que confirma as palavras dêste extracto, pudesse, com serenidade, com convicção, tê-las produzido, porquanto parece-me que aqui, fechando um pouco os olhos, vejo por detrás de tudo isto uma capa bastante negra, vejo por detrás de tudo isto a sombra de D. Basílio.
É dolorosamente? que profiro estas palavras. A afirmação do Sr. Cunha Leal representa não só uma grave injustiça da parto de S. Exa., mas ainda a revelação de um estado de alma do que eu, confesso, supunha S. Exa. incapaz.
Não, Sr. Cunha Leal! Nunca assinei cheques era branco. Abusou-se da minha assinatura falsificando-a; abusou-se da minha confiança. Deus sabe quantas vezes nós honramos com a nossa confiança o por longo tempo pessoas que nos mordem e nos atraiçoam!
O Sr. Francisco Cruz: - Apoiados!
O Orador: - Continuemos a ler o relato:
"O orador declara então que, não querendo colhêr do surprêsa o Sr. Ministro da Guerra, lhe dava estas indicações preliminares, para na altura em que tiver de
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realizar a sua interpelação sôbre o assunto, lhe fazer as seguintes preguntas:
1.ª Houve exame à assinatura do cheque falsificado?
Neste caso, quem foram os peritos nomeados para tal exame?
Qual foi o resultado dêsse exame?
2.ª Porque não se prendeu o criminoso?"
Sr. Cunha Leal: V. Exa. conhece-mo há pouco tempo; mas deixe-me ter - porque é humano - esta vaidade: a de lhe dizer que tenho levado sempre uma vida do trabalho.
Para poder concluir o meu curso de liceu tive de fazer a escrita de uma casa comercial em Coimbra o para poder sustentar-mo e a minha família, quando era simples subalterno de infantaria, tive do dar explicações para assim arranjar um complemento honesto do meu soldo insignificante. Tenho levado uma vida inteira de trabalho e de honestidade e estou convencido - e essa consolação me basta - de que todas as pessoas que me conhecem repelem a hipótese de que ou seria capaz de me emporcalhar num assunto de tal natureza.
Apoiados.
A minha escola tem sido, pois, a do trabalho. A minha escola tem sido a da dedicação. A minha escola tem sido a do dever. A minha escola nunca foi a do ócio ou a do vício.
Sr. Presidente: repito, é para mim bastante doloroso abordar esta questão, mas infelizmente soa forçado a fazê-lo. Prossigamos, pois, na apreciação do discurso do Sr. Cunha Leal. Lê-se no relato a que me reporto:
"Em seguida o Sr. Cunha Leal relatou ainda que na sua recente visita a Angola seguira para esta colónia, no mesmo vapor em que viajava, o Sr. Almeida Pinheiro. Toda a gente sabia já que fora êle o autor dum facto irregular; contudo, ninguém o incomodou. Porquê? Porque êste caso pertence ao número dos mistérios incompreensíveis do nosso país".
Esta pregunta faço-a eu tam sinceramente como S. Exa. Mas permita-me, Sr. Cunha Leal, que eu estranho que, viajando V. Exa. no mesmo barco em que seguia um criminoso do delito comum, que V. Exa. reconheceu, não tivesse prevenido as autoridades portuguesas no primeiro pôrto onde se encontrou.
O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: V. Exa. pode pedir ao orador licença para eu o interromper?
Pausa.
Não vale a pena, não vale a pena.
O Orador: - Continuemos a analisar o discurso do Sr. Cunha Leal:
"Na altura da interpelação - declara o orador - desejo fazer ainda algumas preguntas mais, tais como: Não houve nas contas deixadas pelo Sr. Aschman alguma modificação? Figura êste senhor como devedor do Danço Ultramarino? Como foi liquidada a conta particular do actual Ministro do Interior? O Sr. Afonso Costa teve em tudo isto alguma interferência?".
A couta particular do actual Ministro do Interior, na Agência do Banco Ultramarino, de Paris, era bem simples e mais do que modesta. Averigúe o Sr. Cunha Leal quais os lançamentos da minha conta particular o averigúe como ela foi liquidada. Eu quero crer que o Sr. Cunha Leal é um homem de bem; faça isso.
Concluindo, o Sr. Cunha Leal diz:
"... é bem que todos saibam como andam as contas do Estado. Para mais, não desistindo o Sr. Vitorimo Godinho de ocupar as melhores situações dentro do país, é bom que o país saiba se êle será capaz de só desempenhar devidamente das mesmas situações".
Eu não sei até que ponto vai a fidelidade dêste relato. Mas só esta afirmação não é exacta, o Sr. Cunha Leal, que me ouve, pode rectificá-la.
O Sr. Cunha Leal: - Permita-me V. Exa. que eu lhe não responda. V. Exa. colocou a questão em tais termos que me impedem do o interromper directamente. Peço a V. Exa. que adopte para comigo igual procedimento.
O Orador: - Eu sei que para se intensificar uma campanha que contra mim vem
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sendo feita se pretendo aproveitar a circunstancia de ou ser candidato a uma vaga do conselho do administração do dada companhia. Ora eu Julgava que quem como eu tem um passado do trabalho o honestidade poderia, som desdouro, concorrer a um lugar para o desempenho do qual só julga com as indispensáveis faculdades de trabalho e do estudo.
A todos os que me conhecem, amigos e inimigos, é fácil saber a maneira por que me tenho desempenhado sempre das missões de que tenho sido encarregado.
O Sr. Cunha Leal tem, por acaso ou por coincidência, a mesma profissão que eu: ambos somos oficiais do exército. Não conheço a folha de serviços do Sr. Cunha Leal, nem pretendo conhecei, mas se S. Exa. tem muito empenho em conhecer a minha, só me dará prazer em faze-lo, porque não receio o confronto.
Exerci depois, também por coincidência e porque mo foi solicitado, um lugar vago pela demissão do Sr. Cunha Leal, o lugar de director geral da Estatística,
Referiu-se também S. Exa. ao lugar de director da Estatística.
O Sr. Cunha Leal, e todos aqueles que quiserem, podem verificar se eu, com a minha pobreza de talento o de inteligência - porque, pobre do mim, não tenho aquele talento o aquela inteligência que são proverbiais no Sr. Cunha Leal - desempenhei ou não aquele cargo por forma a ter cumprido o meu dever, procurando pelo trabalho suprir aquelas deficiências.
Estou convencido, diz-me a minha consciência, de que tenho procurado até hoje naquela comissão, com muita dedicarão por aquele ramo de administração pública, fazer alguma cousa de útil, e também - deixem me passar a imodéstia mais uma vez não receio o meu confronto neste lugar cem o Sr. Cunha Leal, muito embora eu não possa, nem de longe, medir as minhas faculdades com as de S. Exa.
A minha vida encontra-se perfeitamente às claras; não me acusa a consciência do cometimento de qualquer facto menos regular.
Procure-me, esquadrinhe-se e esgravato-se bem a minha vida, e veja-se o que do irregular, de menos lícito ou de menos legítimo se pode encontrar em qualquer assunto que possa brigar com aquilo que é a dignidade e a honra duma pessoa,
Veja-se tudo, procure-se tudo, desde que eu comecei a estar a soldo do Estado.
Vejam-se as minhas fôlhas de vencimentos, vejam-se os meus recibos do soldos, vejam-se as gratificações que tenho recebido, eu não deixo de receber um centavo que mo pertença, mas nunca quis, nem quero felizmente sou pobre e pobre hei-de continuar a viver um centavo que me não pertença.
Tenho, portanto, a consciência tranquila a êsse respeito.
Os meus honorários são os da lei, são aqueles que me foram atribuídos. Nunca estive em situações onde pudesse receber vencimentos que não me pertencessem, ou do poder atribuir a mim mesmo determinadas gratificações.
Assim, pois, Sr. Presidente, e pedindo perdão à Câmara de lhe ter tomado êste tempo, eu quero mais uma vez afirmar que foi coai bastante mágoa que vi, ou descortinei, o propósito que houve em vista ao levantar-se, aqui esta questão.
Compreendo, porque é humano, que o Sr. Cunha Leal não tenha nenhuma espécie de simpatia por mim. Sucede isso a muitas pessoas; não é só a S. Exa. Todos temos inimigos. Assim, compreendo que S. Exa. me quisesse atingir. Tinha para isso S. Exa. o campo político. Parecia-me, porém, que o leader de um partido não deveria, para atacar um Ministro, enveredar no cominho que encetou. Não o entendeu assim o Sr. Cunha Leal.
O Sr. Cunha Leal entendeu tratar agora de um caso que já se passou há perto de três anos emfim está no sen direito - e quis, ao pôr estas questões ao Sr. Ministro da Guerra, deixar, porventura, na Câmara a impressivo de que o Minisíro do Interior se encontrava embrulhado em qualquer cousa menos limpa para a sua honra ou para a sua dignidade pessoal. Não, Sr. Cunha Leal!
Dê-se V. Exa. ao incómodo de ir passar um bocado de tempo, e eu peço-lhe que o faca, à minha modestíssima casa que está longe de ser um palacete, e verá, porque eu lá lhe mostrarei tudo, como tem sido adquirida a minha fortuna.
Então S. Exa. poderá reconhecer, pois creio que é uma alma bem formada, a injustiça do acto que praticou.
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Mas, Sr. Presidente, independentemente das explicações que o Sr. Ministro da Guerra aqui possa trazer, vou dar à Câmara um esclarecimento que julgo bastante para que a Câmara faça o seu juízo.
Em 20 de Outubro de 1922 mandava eu a seguinte confidencial ao cheio da repartição do gabinete do Ministério da Guerra:
"Cópia. - Paris, 20' de Outubro de 1922. - Confidencial. - Ao Sr. Chefe da Repartição do Gabinete da Secretaria da Guerra - Lisboa.- Do Adido Militar.- Para conhecimento do S. Exa. o Ministro envio a V. Exa. cópia do oficio que dirigi ao Director do Banco Nacional Ultramarino em Paris, em vista da conta corrente que me foi apresentada. Trata-se de mais uma proeza do capitão P. do Almeida Pinheiro, que passou cheques em seu nome, com a sua letra, o a minha assinatura falsificada. Como V. Exa. vê pelas datas, êste novo e repugnante crime foi praticado durante a minha ausência em Lisboa. O Banco, na boa fé, como não duvidava da honorabilidade do apresentante, longe de imaginar uma falsificação, pagou aqueles cheques falsificados, sem hesitação, com toda a confiança, sem atender mesmo a que não existe cheque algum passado por mim que mio seja integralmente escrito pelo meu punho, nem. a uma pequena modificação que, a partir do fim de Julho, eu tinha introduzido na assinatura e que não figura na falsificação. Devo acrescentar que o Director do Banco, não querendo tomar, por si só, a responsabilidade de creditar aquelas importâncias, me declarou no emtanto que, embora me considere a descoberto, me pagará os cheques necessários para assegurar os pagamentos que eu tiver de aqui fazer, até que receba as instruções do governador.- O Adido Militar, Vitorino Godinho.
O ofício a que me refiro, que mandei ao Sr. Thieux, director geral do Banco Nacional Ultramarino, era o seguinte:
"Cópia. - N.º 104. - Confidencial. - Paris, 20 de Outubro de 1922.-Ex.mo Sr. A. Thieux, director geral do Banco Nacional Ultramarino - 8, Rue du Helder, Paris. - Exmo. Sr. - Recebi hoje a minha conta corrente referida a 30 de Setembro, na qual figuram as seguintes verbas, no devedor:
Agosto 16 - 43:830,00 (cheque H 1:215-205).
Agosto 17 - 150:000,00 (cheque H 30:583 - 1:214).
Agosto 22-2,75 (choque 50:976 - 51:000).
Agosto 26 - 30:000,00 (cheque 50:976).
Não tendo eu sacado essas importâncias, nem tam pouco requisitado um novo caderno de cheques, dirigi-me ao Banco, onde, no gabinete de V. Exa., me foram mostrados os documentos referentes àquelas verbas, os quais são falsos.
Rogo por isso a V. Exa. só sirva tomar as necessárias providências para que me sejam novamente creditadas aquelas importâncias, que infundadamente mo foram debitadas.
Apresento a V. Exa. os meus dedicados cumprimentos, desejando - Saúde e Fraternidade.- O Adido Militar de Portugal, Vitorino Godinho".
Em 23 de Outubro mandava eu ao chefe da repartição do gabinete do Ministério da Guerra, a seguinte confidencial:
" Cópia. - N.° 107. - Confidencial. - Paris, 23 do Outubro do 1922. - Ao Sr. Cheio da Repartição do Gabinete da Secretaria da Guerra - Lisboa.- Do Adido Militar.- Confirmo o meu telegrama de hoje nos seguintes termos: "Director Banco Ultramarino tem escrúpulo participar imediatamente polícia francesa crime Pinheiro sem ordem Ulrich, visto ser oficial do exército; teve aqui situação oficial. Julgo, pelo contrário, necessário urgente intervenção justiça francesa, que pode ouvir-me antes minha partida. Assim, julgo conveniente S. Exa. Ministro diga já governador Ulrich não se importar que Banco entregue caso justiça francesa telegrafando-me estamos concordes para eu transmitir aqui oficialmente director.- O Adido Militar, Vitorino Godinho).
A resposta do Ministério da Guerra foi a seguinte:
"Cópia.- Télégramme offciel.- Adido Militar junto Legação Portugal, Paris.-
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Et - Admi - 44 - WDS - SSS - Lisboa - 14:025 25 - 18 II 93 C. - Referência telegrama 53 e notas tratam mesmo assunto Ministro concorda comunicar factos justiça francesa; no emtanto, V. Exa. ponderará inconveniente em vista funções diplomáticas que capitão Pinheiro aí desempenhou. - Chefe Gabinete, Ribeiro Nobre, tenente-coronel".
No mesmo dia em que recebi esta resposta mandei a seguinte confidencial ao já, referido Sr. director do Banco Nacional Ultramarino:
"Cópia. - Paris, 26 de Outubro de 1922. - N.° 109. - Confidencial. - Exa. Sr.-Tenho a honra do comunicar a V. Exa. que, tendo dado conhecimento a S. Exa. o Ministro da Guerra dos escrúpulos que V. Exa. manifestou em participar à justiça francesa o crime cometido pelo capitão miliciano Frederico da Fonseca Rosado e Almeida Ribeiro, que aqui esteve ao servido da repartirão do adido militar, recebi hoje a resposta em que S. Exa. declara não se oporá que V. Exa. proceda como julgar mais conveniente.
Com os meus dedicados cumprimento?, desejo a V. Exa. a - Saúde e Fraternidade,-Exmo. Sr. A. Thieux, director do Banco Nacional Ultramarino, 8, Rue du Helder, Paris. - O Adido Milhar de Portugal, Vitorino Godinho".
Aqui tem V. Exas. como o adido militar procedeu para defender os dinheiros do Estado.
Não me compete agora a mim saber o estado em que se encontra o processo. Não é isso das minhas atribuições, mas babem alguns Ministros da Guerra as diligências que eu junto dêles em preguei para que o mais ràpidamente possível se desse andamento a um processo que eu desejaria ver liquidado prontamente, não porque perigasse a minha dignidade pessoal, mas porque desejava que castigo exemplar fôsse dado ao criminoso que, além de ser um falsificador, tinha abusado da minha confiança.
Eram estas as explicações que queria dar. Agradeço à Câmara o ter deixado que eu fizesse esta exposição que julgo ser bem elucidativa sôbre tudo aquilo que se passou e que, porventura, me possa dizer respeito.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente; se por ventura ou, tendo, como todas as pessoas, sensibilidade, talvez um tanto doentia ou excessivamente doentia, no íntimo da minha, consciência pudesse ter pena de procurar aclarar contas do Estado que envolvem o nome do Sr. Ministro do Interior, depois de o ouvir, todas as minhas dúvidas desapareceriam.
O Sr. Ministro do Interior quis dai me uma lição de correcção. Eu era o adversário político. Coloquei S. Exa. em circunstancias vexatórias.
Pretendi esclarecer um caso, só agora, o que desde há muito sucedeu.
Em compensação, o Sr. Ministro do Interior é uma pessoa tam correcta nos sons actos o nas suas palavras que, para esclarecer êste caso, não teve de recorrer a outros argumentos senão aqueles que tossem atenuantes.
Procurou desviar a questão para o lado pessoal: procurou ferir, ofender.
Não fez como certas pessoas que procuram recolher o que desconhecem.
Não sujou as suas mãos, disse.
Eu fui claro; não desloco a questão do campo em que ela está.
E todos compreendem que, depois desta lição de correcção dada pelo Sr. Ministro do Interior, não me posso sentir repêso, por preguntar onde param os 240:000 francos que dizem ter sido roubados.
O que importa ao público?
São as insinuações que aqui se façam? Não; são as acusações concretas.
Quando elas se fizerem, terão ocasião do responder pelo que elas contenham.
Creio, porém, que devemos, por agora, ir ao facto.
Vamos ao facto. O facto são 240:000 francos desaparecidos.
Quem é que foi roubado?
Pregunto à consciência da Câmara se é possível dividir o assunto em duas partes, aquela a que respondeu o Sr. Ministro do Interior, e a outra a que deverá responder o Ministro da Guerra. Toda a gente vê que essas duas respostas se completam uma à outra.
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Porque é possível que quem queira esclarecer o caso, o não aproveitar a ocasião para trazer aqui belas palavras em que se podo, quási, um julgamento da Câmara, quando uma parte do processo ainda não foi manuseado por ela, dependente da resposta do Ministro da Guerra, assim procede?
Francamente isto chegaria a ser inocente, se não houvesse 240:000 francos desaparecidos.
O Sr. Ministro do Interior que, a partir de certa altura, mo interrompeu, preguntando-me se dada afirmação minha ora exacta, a qual confirmei, porque nessa altura ainda não tinha as razoes que tenho agora para não permitir me interrompam, disso, lendo o meu discurso, que eu dissera que determinado cheque ou era verdadeiro ou falso. Se é falso, foi roubado o Banco; se é verdadeiro, foi roubado o Estado.
Mas como não sou adversário político da categoria daqueles que manejam tambem a insinuação, que parece nunca na sua vida fizeram outra cousa, procurei antecipar uma situação. E para isso disso que "se porventura, a assinatura do cheque à verdadeira" ; foi isto que disse, sem que pudesse ter havido da minha parte a intenção de ferir o Ministro do Interior, acusando o de haver cometido um acto de conivência.
Nestas condições, quero acreditar que, amanhã, um exame pericial, para que isto não fuja para o campo sentimental, se impõe.
Daqui por diante não tenho mais que acautelar a dignidade política.
Não hei que invocar D. Basílios: aqui não há dessas pessoas.
Apoiados.
Procure-se outro campo que não seja o da calúnia e o da insinuação.
D. Basílios haverá, mas é da outra banda; aqui não.
Eu não fui no vapor em que viajou Almeida Pinheiro. Disso que viajara no vapor em que, anteriormente, tinha ido para Angola Almeida Pinheiro. Aí todos sabiam quem era êsse indivíduo. Suscitou dúvidas em alguém. Insistiu-se. Provocou, desconfianças e houve quem fôsse preguntar.
O comandante, realmente, indagou o que êle ia fazer, e foi-lhe respondido:
"Sou, realmente, Almeida Pinheiro, encarregado pelo Govêrno da metrópole de uma démarche confidencial junto do Alto Comissário de Angola. Peço que não mo incomodem".
O comandante não o sabia.
Eu não tinha que prender o Sr. Almeida Pinheiro, nem era meu dever denunciá-lo, o por duas razões: primeira, porque não sou, como tantos amigos do Sr. Vitorino Godinho, um polícia amador (Risos), segunda, porque, ainda quando o fôsse, eu, que sabia que havia uma pessoa mais interessada em o mandar prender, e que ora o Sr. Ministro do Interior, queria dar-lho essa satisfação.
E S. Exa. compreendo que as circunstâncias posteriores me deram alguma razão.
A outra afirmação menos verdadeira, que mo atribuíram, é a de que eu procurei mexer nas contas particulares do Sr. Vitorino Godinho.
Não é fazendo afirmações com aspectos sentimentais, batendo no peito, falando em factos da meninice ou dos sacrifícios que os nossos fizeram para nos educar, não é estabelecendo termos de comparação que esclarecemos o assunto.
O Sr. Ministro do Interior, quando fala em conta particular, quero falar na conta de liquidação particular do Sr. Vitorino Godinho, visto que havia outra, a do Sr. Achemann, e estas contas têm de jogar as duas, porque S. Exa., doutra forma, nada esclarecerá do assunto que pretendemos aclarar.
Quero dizer ainda à Câmara a razão por que supus que o Ministro do Interior tivesse confiado cheques para as necessidades correntes ao Sr. Almeida Pinheiro.
Dado que S. Exa. tivesse muita confiança no Sr. Almeida Pinheiro, isso não seria um crime excessivo; eu não quero afirmar que S. Exa. fôsse capaz de assinar êste cheque.
Falou S. Exa. na sua folha de oficial, confrontando-a com a minha.
Eu não quero estabelecer comparações sob esto ponto de vista com o Sr. Ministro do Interior.
Sei que muitos dos meus serviços não foram bem aceites por alguns dos meus inimigos, que trazem toda a espécie de penduricalhos ao peito para satisfazer as
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suas vaidades (Apoiados), mas o meu peito encontra-se, felizmente, liberto da camaradagem coiu tais condecorações. E, visto que aludo a serviços, direi que ainda não ha muito tempo conversei com o Sr. Lelo Portela - e digo estas cousas, porque não são do carácter confidencial, embora S. Exa. não me autorizarão a fazer uso delas - dizendo-me êle que andava atrás do 150:000 lençóis que pertenciam ao Corpo Expedicionário Português o ninguém sabia onde paravam.
E o Sr. Lelo Portela lá andava nas pesquisas.
E, embora pareça ridículo falar aqui em lençóis, o que é certo é que talvez a mesma causa que fez perder 150:000 lençóis poderá ter feito perder depois nada mais nada menos do que 240:000 francos.
Mas, no actual momento, nós não temos que tratar, nem da pessoa do Sr. Vitorino Godinho, nem da pessoa do Sr. Almeida Pinheiro,
Façamos evaporar as pessoas e, depois, tiremos as conclusões naturais.
Falta aqui o Sr. Ministro da Guerra, porque, precisamente, aquilo que era essencial saber-se é que não sabemos.
O que vemos é que desapareceram 240:000 francos por meio de um cheque.
Êsse cheque tem uma assinatura "Vitorino Godinho".
Essa assinatura é do Sr. Vitorino Godinho ou não é?
Não tenho de procurar a pessoa em questão.
Tenho que preguntar a mim próprio: é verdadeira ou é falsa?
Se é verdadeira, perdeu o Estado 240:000 francos, do que deve pedir a responsabilidade ao Sr. Vitorino Godinho .
O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho): - Apoiado.
O Orador: - Se é falsa, o Estado não pode perder um franco, e, portanto, nesta altura, estão escriturados em Paris os 240:000 francos a favor do Estado português.
Daqui é que não há sair.
Mas, Sr. Presidente, já foi feito algum exame, por peritos, à letra?
Como está escriturado o roubo?
Quere dizer, &o Banco Ultramarino, que a certa altura abateu à conta do Estado essa verba, já a tornou a juntar?
É êste o factoziuho que ficou sem resposta.
Então, em vez de se responder ao facto, anda-se a atirar com a honra de uns a cara dos outros?
Então os nossos netos, como administradores, não precisam do ser averiguados de maneira a que em ninguém fique a dúvida de que havia qualquer prejuízo para o Estado?
Então pode ser indiferente para nós a suspeita do que o Estado perdeu um franco, sequer, nesta questão?
Como querem V. Ex,3s que ou continuo, se não está ali o Sr. Ministro da Guerra para mo responder?
Eu não posso continuar nestas condições.
É preciso que o Sr. Ministro da Guerra mo diga só, depois de fechada a conta do Sr. Achomann, foram raspados os livros; é preciso que o Sr. Ministro da Guerra me diga, do uma forma categórica, que foi feito um exame às contas da agência do Banco Ultramarino em Paris.
Eu vou pôr, portanto, ponto nesta questão, para amanhã a recomeçar.
Não tenho de conversar com o Sr. Ministro do Interior a êste respeito; com quem tenho do conversar é com o Sr. Ministro da Guerra, para que S. Exa. me diga a forma por que estão escriturados, em Paris, os 240:000 francos.
Peço ã Câmara que reservo o seu juízo até amanhã.
Dizem que o Sr. Ministro da Guerra está demissionário. Não me importa isso.
Eu não queria pôr a questão com esta dureza, mas obrigaram-me a isso.
O Sr. Ministro da Guerra tem obrigação de saber o que eu pregunto.
Como se liquidaram as contas entre o Estado e o Banco?
Houve qualquer arranjo?
Houve qualquer emenda à conta do Sr. Acheman, depois de ela estar encerrada?
Figura o Sr. Acheman como devedor do Banco?
Os factos são estos. Aguardemos a resposta e o País que espere também para julgar.
Eu não ficarei descontente se o Sr. Ministro do Interior se sair bem desta pe-
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quena carrapata; desejo que se provo a sua não culpabilidade o até lá esperemos com serenidade, até que amanhã o Sr. Ministro da Guerra nos esclareça.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva (para um requerimento): - Requeiro que seja interrompida a sessão para continuar à noite com a presença do Sr. Ministro da Guerra, a fim do que o País possa ser informado do que aqui se passa.
Trocam-se àparte e a Presidência dá explicações ao Sr. Carvalho da Silva que o sussurro não deixou ouvir.
O Orador: - Acaba de se dizer no Parlamento que se cometeu um crime e que o criminoso anda à solta.
É preciso liquidar esta questão hoje mesmo.
Disse-se aqui que o ladrão foi recebido pelo Alto Comissário de Angola e Govêrno sabe que é no Ministério da Guerra que estão os documentos para elucidar o País. Porque é que hoje mesmo não se esclarece êste assunto?
Mantenho o meu requerimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães):- Sr. Presidente: acho deveras estranho o requerimento do Sr. Carvalho da Silva. Quere S. Exa. marcar horas a um Ministro para dar uma resposta quando no Regimento há uma cousa que se chama nota de interpolação.
Julgará que o cérebro de um Ministro corresponde a uma biblioteca?
Isto é uma brincadeira!
Interrupção do Sr. Carvalho da Silva.
Sussurro.
O Sr. Carvalho da Silva:-Isso é que é uma brincadeira; isso é que é uma vergonha.
Trocam-se apartes.
Grande sussurro.
O Orador: - Sr. Presidente: para terminar, direi que não sei que responsabilidade se possa pedir ao actual Sr. Ministro da Guerra pelo facto de andar em liberdade um indivíduo que não está no País e que há três anos praticou um delito.
Por esta teoria, amanhã poder-se há vir pedir responsabilidades a mim ou a outro qualquer membro do Govêrno pelo facto de andarem fugidos diversos criminosos de delito comum.
Diga-mo a Câmara se isto é ou não é uma brincadeira.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Trocam-se àpartes violentos.
Estabelece-se tumulto.
O Sr. Pinto Barriga (para invocar o Regimento): - Sr. Presidente: não me interessa o assunto em discussão sob o aspecto político. Sob o aspecto regimental, direi que o requerimento do Sr. Carvalho da Silva é contrário à letra do Regimento.
Só há duas maneiras de pedir a comparência do Sr. Ministro da Guerra, ou por um negócio urgente que S. Exa. não apresentou, ou por uma nota de interpelação que já não podia ser incluída na ordem do dia.
De maneira que, repito, o nosso Regimento opõe-se à admissão do requerimento do Sr. Carvalho da Silva.
Àpartes.
Grande sussurro.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, 18, à hora regimental, sendo a ordem dos trabalhos a seguinte:
Antes da ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscreveram):
Parecer n.° 872, que altera as secções de voto em Lisboa e Pôrto.
Parecer n.° 878, que dá nova redacção ao artigo 11.° da lei de 31 de Agosto de 1915.
Parecer n.° 923, que cria um sêlo comemorativo da independência de Portugal.
Proposta de lei n.° 925, que isenta do pagamento de propinas de exame e da inscrição e matrícula nos estabelecimentos do ensino, dependentes do Ministério da Instrução Pública, os alunos de determinados estabelecimentos e institutos de instrução e de educação.
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Projecto de lei n.º 911-E, que era as freguesias do Vidago e Faiões e eleva à categoria de vila a povoação do Vidago.
Projecto de lei n.° 651-E, que dá a categoria de cidade à capital do distrito do Vila Real do Trás-os-Montes.
Parecer n.° 800, que torna extensivas aos alunos da Escola Naval e da Escola Militar a doutrina o garantias da lei n.° 1:679.
(Sem prejuízo dos oradores que se inscrevam):
Parecer n.° 851, que estabelece que o produto do imposto a que se refere o artigo 4,° da lei n.° 1:606, arrecadado em cada um dos distritos do Funchal. Ponta Delgada e Angra do Heroísmo, constitui receita das respectivas juntas gerais.
Parecer n.° 581, que suspende temporariamente as disposições constantes do § 3.° do artigo 30.° e do artigo 21.° das leis, respectivamente, de 20 de Março do 1907 e 11 de Abril de 1911.
Parecer n.° 846, que autoriza a Junta de Freguesia de Freamunde a contrair um empréstimo ate a quantia de 60.000$ para a exploração e canalização de água potável.
Parecer n.º 847, que autoriza a cedência à Junta de Freguesia do Froamunde do passal da mesma freguesia.
Parecer n.° 896, que autoriza o Govêrno a aderir à Convenção relativa à organização do Estatuto de Tânger.
Ordem do dia:
Debato sôbre as declarações do Sr. Presidente do Ministério.
Proposta de lei n.° 854, que autoriza o Govêrno, de acordo com o Banco de Portugal, a transferir da conta sob a rubrica "Suprimentos ao Govêrno (convenção de 29 de Dezembro de 1922)" para a conta sob a rubrica "Empréstimos ao Govêrno (contrato de 29 de Abril de 1918)" a importância do saldo dos aludidos suprimentos à data da entrada em vigor desta lei.
Parecer n.º 865-(a), orçamento do Ministério das Finanças.
Parecer n.° 865-(b), orçamento do Ministério da Instrução Pública.
Interpelação do Sr. Joaquim Ribeiro ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros sôbre a situação do ex-Minintro de Portugal em Berlim.
Interpelação do Sr. Brito Camacho ao Sr. Ministro das Colónias, sôbre a portaria do 21 de Fevereiro de 1925, que nomeia um agente para ir a Moçambique e Angola para obter trabalhadores para S. Tomé e Príncipe.
Parecer n.° 881, que faculta aos párocos que estavam colados nas igrejas do continente o ilhas adjacentes à data em que foi publicada a Lei da Separação requererem dentro do prazo de 90 dias o reconhecimento do seu direito de aposentação.
Está encerrada a sessão.
Eram 11 horas e 45 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Projecto de lei
Do Sr. Pedro Pita, declarando em vigor o artigo 119.° da tabela aprovada pelo decreto n.° 8:436 e mantendo o artigo 11.° do decreto de 14 de Outubro de 1910.
Para o "Diário do Governo".
Pedido de licença
Do Sr. Rodrigo Rodrigues, por todo o período da prorrogação da actual sessão.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
O REDACTOR - Avelino de Almeida.