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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 82

EM 18 DE JUNHO DE 1925

Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva

Sumário.- Abertura da sessão. Leitura da acta. Correspondência.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Dinis de Carvalho reclama a presença do Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Hermano de Medeiros usa da palavra para interrogar a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.

Usa da palavra para interrogar a Mesa o Sr. Cunha Leal.

Responde-lhe o Sr. Presidente.

Usam da palavra para interrogar a Mesa os Srs. Carvalho da Silva e Carlos Pereira, respondendo-lhes o Sr. Presidente.

O Sr. Maldonado de Freitas pede a comparência do Sr. Ministro da Agricultura, para se ocupar da questão do álcool, e as algumas considerações para as quais chama a atenção do Sr. Ministro da Instrução, pedindo-lhe o favor de as transmitir àquele seu colega.

Responde-lhe o Sr. Ministro da Instrução (Xavier da Silva).

O Sr. Presidente do Mznistério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães) comunica à Câmara a demissão do Sr. Ministro da Guerra (Mimoso Guerra}, e anuncia a publicação de um decreto que o encarrega da gerência daquela pasta. Termina as suas considerações, explicando a sua atitude no final da última sessão e dando esclarecimentos sôbre alguns casos versados pelo Sr. Cunha Leal.

Usa da palavra para explicações o Sr. Cunha Leal.

Volta a usar da palavra o Sr. Presidente do Ministério, respondendo o Sr. Cunha Leal.

Segue-se, sôbre o mesmo assunto, o Sr. Carvalho da Silva.

O Sr. António Pais pregunta se está marcada a êua iníerpslação ao Sr. Ministro do Comércio.

Responde o Sr. Presidente.

O Sr. João Camoesas, em referência às considerações do Sr. Carvalho da Silva, usa da palavra para explicação.

É aprovada a acta.

Esboçando-se um conflito pessoal, é interrompida a sessão.

Reaberta a sessão, é concedida uma licença e são admitidas à discussão algumas propostas de lei.

Ordem do dia. - Continuação do debate político.

Lida na Mesa, é aprovada sem discussão uma emenda do Senado a um projecto aprovado pela Câmara dos Deputados,

Usam da palavra para explicações os Srs. Morais Carvalho e Carvalho da Silva.

O Sr. Presidente dá conta à Câmara da sua interferência na solução do conflito esboçado.

Usam da palavra para explicações os Sra. Pedro Pita, Carlos Claro, João Camoesas, Carvalho da Silva e José Domingues dos Santos.

O Sr. Presidente pronuncia algumas palavras sôbre o assunto em questão, declarando que vai convidar o Sr. João Camoesas a retomar a sua cadeira de Deputado, à qual S. Exa. declarara renunciar.

Entra na sala a reocupar o seu lugar o Sr. João Camoesas.

Usam da palavra sôbre a matéria da ordem do dia os Srs. Sá Pereira e Maldonado de Freitas.

Antes de se encerrar a sessão.- O Sr. António Correia ocupa-se da necessidade de acudir aos povos de Ponte de Sor, onde as últimas trovoadas causaram grandes devastações, e lê um telegrama com novos informes sôbre a questão do Rosmaninhal.

Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério (Vítorino Guimarães).

O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho) promete dar as providências que são reclamadas no telegrama lido por Sr. António Correia, que usa ainda da palavra para explicações.

O Sr. Cancela de Abreu deseja saber se é certo terem sido nomeados sete engenheiros para irem tomar parte no Congresso dos Caminhos de Fero, em Londres.

Responde-lhe o Sr. Ministro da Comércio (Ferreira de Simas)

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2 ário da Câmara dos Deputados

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão.- Um projecto de lei.- Um oficio do Senado.

Abertura da sessão às 15 horas e 39 minutos.

Presentes à chamada 57 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 53 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Amadeu Leito de Vasconcelos.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim Costa.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Brandão.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Valentim Guerra.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Xavier.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins do Paiva.
Ernesto Carneiro Franco.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Pires Cansado.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela do Abreu.
Vasco Borges.

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Sêssão de 18 de Junho de 1925 3

Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Não compareceram à sessão os Srs.:

Abílio Correia da Silva Marçal.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo da Silva Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António de Abranches Ferrão.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Pereira Bastos.
João Salema.
João de Sonsa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge Barros Capinha.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Plínio Octávio e Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.

Às 15 horas e 25 minutos principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 37 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofício

Do Ministério da Marinha, para que a verba de 4:033.000$ do capítulo 7.° da despesa extraordinária da proposta orçamental para 1925-1926 seja acrescida de 400.000$.

Para a comissão do Orçamento.

Telegramas

Dos aspirantes de finanças de Portalegre, Coimbra, Oliveira do Hospital, Lisboa, Figueira da Foz, Penacova e Castelo

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4 Diário da Câmara dos Deputados

Branco, protestando contra o projecto de lei do Sr. Vergílio Saque.

Para a Secretaria.

Carta

Do Sr. Rodrigo Rodrigues, dizendo que tendo comunicado, em tempo, que se ausentava dos trabalhos da Câmara nos dias 9, 10, 11 e 12 para assistir aos últimos momentos duma pessoa de família, vem agora pedir que se comunique à secretaria o falecimento dessa pessoa de família, para os efeitos legais.

Para a comissão de infracções e faltas.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.

Antes da ordem do dia

O Sr. Hermano de Medeiros (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: eu desejo preguntar a V. Exa. que destino teve um requerimento por mim feito há dois anos, e que já foi renovado por duas vezes, pedindo diversos documentos ao Ministério da Instrução.

V. Exa. não devia consentir que se passassem dois anos sem que êsses documentos me fossem entregues.

O Sr. Presidente: - Com certeza que o requerimento seguiu o seu destino.

O Orador: - V. Exa. é que é o responsável pela não entrega dos documentos, porque já de há muito que devia ter providenciado.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: eu tinha dado um prazo de oito dias ao Sr. Ministro da Guerra para êle estudar uma determinada questão. Diz-se que êle está demissionário. Não sei se é verdade ou não. Porém, o que sei é que o Sr. Ministro do Interior, sobrepondo-se ao Sr. Ministro da Guerra, veio ontem aqui dar umas atabalhoadas explicações, provocando assim o meu desejo de esclarecer imediatamente a questão.

Pregunto a V. Exa., Sr. Presidente, se porventura sabe se o Sr. Ministro da

Guerra vem hoje à Câmara, ou se virá alguém que o substitua - e, qualquer dos Srs. Ministros, exceptuando o Sr. Ministro do Interior, o poderá substituir, desde que venha devidamente elucidado sôbre o assunto a que me referi, a fim de nos esclarecer sôbre um caso que deve interessar à própria dignidade do Govêrno.

O Sr. Presidente: - Não há na Mesa nenhuma comunicação acerca do assunto a que V. Exa. acaba de se referir.

O Orador: - Devo dizer a V. Exa. que cada um do nós tem a sua vida, e que por isso eu, amanhã, às 5 e meia da tarde, terei de abandonar o Parlamento.

Nestas condições, peço a V. Exa. se digne avisar o Sr. Ministro da Guerra para vir aqui ainda hoje, ou amanhã, antes da ordem do dia, a fim de nós podermos debater essa questão que tanto interessa ao Sr. Ministro do Interior.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: eu também desejava que V. Exa. me informasse se o Sr. Ministro da Guerra vem ou não hoje ao Parlamento; mas devo, desde já, dizer a V. Exa. que, ao contrário do que supõe o Sr. Cunha Leal, o Sr. Ministro da Guerra não está demissionário.

O Sr. Ministro da Guerra, segundo declarações terminantes e categóricas do Sr. "Presidente do Ministério, feitas ontem nesta casa do Parlamento, não estava ontem demissionário.

E não pode admitir-se que S. Exa. tivesse pedido a demissão para não vir ao Parlamento prestar contas do assunto que aqui ontem se tratou, porque, depois das revelações que foram feitas ontem, não pode a Câmara continuar a funcionar sem que S. Exa. venha dar os esclarecimentos indispensáveis numa questão desta ordem.

O orador não reviu.

O Sr. Carlos Pereira (para interrogar a Mesa):-Peço a V. Exa., Sr. Presidente, a fineza de me dizer a razão por que até hoje me não foram remetidos os documentos referentes à liquidação dos Transportes Marítimos do Estado

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Não compreendo o motivo da demora, tanto mais que o Sr. Ministro do Comércio já tem em seu poder uma nota dos documentos que eu pretendo e que lhe foi por mim fornecida, a seu pedido.

Peço a V. Exa. para me dizer se já chegaram à Mesa uns certos documentos que requeri.

O Sr. Presidente: - Os documentos ainda não chegaram à Mesa.

O Sr. Carlos Pereira:-Peço então a V. Exa. o favor de instar junto dos Srs. Ministros das Colónias e do Comércio para que me sejam imediatamente enviados êsses documentos.

O orador não reviu.

O Sr. Maldonado de Freitas:-Desejava tratar de um assunto na presença do Sr. Ministro da Agricultura, mas, não estando S. Exa. presente e achando-se representado o Govêrno pelo Sr. Ministro da Instrução Pública, peço a S. Exa. que, no limite do possível, transmita ao Sr. Ministro da Agricultura as considerações que vou fazer e ainda o desejo de que o Sr. Ministro da Agricultura, numa das próximas sessões, compareça na Câmara para esclarecer o assunto que pretendo tratar e de uma vez para sempre sossegar uma parte da viticultura, que tem vivido sobressaltada com as campanhas que se tem feito no norte e sul em volta da importação do álcool estrangeiro.

Julgo-me habilitado a tratar do assunto junto de S. Exa., porque faço parte de uma comissão que foi eleita em Tôrres Vedras para defender os interêsses da viticultura do sul.

A comissão já uma vez tratou do assunto com o Sr. Ministro da Agricultura, mas nem a comissão nem qualquer dos seus membros até hoje recebeu qualquer explicação clara que sossegasse a viticultura do Douro e do sul, cujos interêsses estão em causa.

Nesta hora, em que se aproxima uma crise bem apavorante, tanto para a viticultura do Douro como para a do sul, o Sr. Ministro da Agricultura ainda não tomou qualquer providência.

Não me admiro de não ser ouvido com atenção, pois não estou tratando da demissão de qualquer regedor, administrador de concelho ou governador civil, e, portanto, o caso não interessa à maioria do Parlamento.

Se interessasse, os jornais, em parangonas de todo o tamanho, diziam que o Govêrno estava em crise, visto que a autoridade fora demitida pelos bonzos contra a opinião dos canhotos ou fora demitida pelos canhotos contra a opinião dos bonzos.

Nunca uso da palavra por exibicionismo. Quando raras vezes falo, é unicamente para tratar dos negócios do País, que há tanto tempo tam mal tratados andam.

E aproveito a ocasião para dizer que pela primeira vez entrarei no debate político.

Há dias houve em Rio Tinto uma forte explosão, rebentando uma caldeira, onde se fabricava álcool de farinha, e aguardente, segundo disseram os jornais.

Êste acidente merece toda a atenção, já pelo número de vítimas que o desastre produziu, já porque o álcool que se estava distilando de farinha, ou do outro cereal, vem prejudicar a vinicultura do Douro no que respeita à genuinidade dos seus produtos.

Os vinhos do Douro, para manterem a sua pureza, devem ser tratados com aguardente e não com álcool, que só pode prejudicar o Douro, tirando aos seus vinhos a fama que mantêm desde séculos. O tratamento dos vinhos por álcool prejudica também a viticultura do sul, que não vende a aguardente vínica e paralelamente não vende os vinhos licorosos.

Pela barra do Douro foram exportadas, durante o ano de 1914, 31:000 pipas. Até es ca data foram exportadas pela barra do Douro a mesma quantidade e, contudo, é menor a quantidade da aguardente que o sul tem exportado êste ano para o Douro.

Peço, pois, ao Sr. Ministro da Instrução que no limite do possível transmita ao seu colega da Agricultura as considerações que estou fazendo. S. Exa. deve estar estudando com a sua agudeza êste problema, para o resolver.

Há uma legislação que proíbe a instalação do fábricas de álcool na região duriense.

Êste ano tem-se feito uma exportação de vinhos superior à do ano passado, e,

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entretanto, o consumo de aguardente tem deminuído.

Certamente que o Ministro da Agricultura, ainda hoje mesmo, dada a magnitude do assunto, poderá vir a esta Câmara, pois êste assunto tem apaixonado uma região importante.

E, por isso, requeiro a suspensão da sessão até vir o Sr. Ministro da Agricultura.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Instrução (Xavier da Silva): - Ouvi as considerações do ilustre Deputado e terei todo o prazer em as transmitir ao Sr. Ministro da Agricultura, mas desde já devo dizer que S. Exa. já só está dedicando a êsse assunto.

S. Exa. tem reunido diversas entidades e certamente virá aqui dar contas da sua acção na questão versada pelo Sr. Maldonado de Freitas.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - Pedi a palavra para comunicar à Câmara que não tenho conseguido demover o Sr. Ministro da Guerra da resolução, que já tinha esboçado em 19 de Maio, quando sofreu um rude golpe pela perda de seu filho.

Ultimamente insistiu por forma a não ser possível demover S. Exa., o que todos nós muito sentimos, pois S. Exa. é um brioso militar, um honrado carácter e um republicano dedicado e cidadão muito digno.

Hoje não procurei um novo Ministro, porque não sei qual será a situação do Govêrno, visto haver diversas moções que hão-de ser votadas.

Mais uma explicação terei que dar à Câmara, e é a que se refere à minha atitude de ontem, apreciada por alguns jornais, que dizem ter-me eu deixado dominar por uma grande exaltação.

Não foi o facto do Sr. Carvalho da Silva me ter feito as suas preguntas que pôde, porventura, fazer-me exaltar - porque efectivamente S. Exa. como Deputado tem o direito de fazer-me preguntas e eu como Ministro tenho o dever de responder-lhe - mas o que, notei é que S. Exa. me chamou pouco correcto, pouco delicado, afirmando que eu faltava ao cumprimento dos meus deveres.

Também ontem o Sr. Cunha Leal se referiu nesta Câmara a irregularidades, sem dúvida nenhuma graves, praticadas em Paris com os dinheiros destinados às sepulturas de guerra.

Há-de o Sr. Cunha Leal, como toda a Câmara, fazer-me a justiça de compreender que ou não posso vir neste momento habilitado com minuciosas informações sôbre o caso, pois que nem sequer ainda tomei conta da pasta da Guerra, o que só farei amanhã.

Das informações que tenho já, vejo que é um êrro dizer-se que o processo da falsificação de choques cometida pelo capitão Almeida Pinheiro se encontra no Ministério da Guerra.

Há uma confusão.

Êsse oficial praticou duas fraudes completamente diversas, embora cada uma delas atinja pouco mais ou menos a mesma quantia.

Os documentos dispersos que existem no Ministério da Guerra dizem respeito a várias facturas de fornecimentos à aviação de que estava encarregado o capitão Almeida Pinheiro, fornecimentos êsses que nunca chegaram a efectuar-se.

Da falsificação de assinaturas do cheques no valor de 240:000 francos não existem documentos no Ministério.

Estou na disposição, só o puder fazer - e o Sr. Almeida Ribeiro como ilustre jurisconsulto poderá esclarecer-me - de pedir a uma repartição de justiça militar que me forneça o auto que está sendo levantado, para eu elucidar a Câmara.

Não sei se isso será possível, mas, como V. Exa. pode calcular, os documentos mais importantes são secretos e estão entregues ao Poder Judicial.

No Ministério da Guerra existo um processo, mas êsse diz respeito a um outro facto.

Tenciono empregar todo o tempo, de que me fôr possível dispor, a estudar esta questão, que para mim é nova, pondo de parte outros assuntos, para amanhã poder esclarecê-la no Parlamento.

Também um outro assunto aqui foi tratado pelo Sr. Cunha Leal relativo aos 150:000 lençóis.

Achei muito extraordinário que o Sr. Lelo Portela tivesse dado essa informa-

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cão a S. Exa., porque consta do processo que tendo sido o Sr. Lelo Portela encarregado de proceder a averiguações, até hoje, oficialmente, nada disse sôbre o assunto.

O Sr. Cunha Leal: - Mas V. Exa. pode hoje mesmo enviar um telegrama ao Sr. Lelo Portela e amanhã poderá falar sôbre factos e não sôbre hipóteses!

O Orador: - Vou ler os documentos que tratam do assunto.

Leu.

Termino, dizendo a V. Exa. que vou enviar o telegrama a que V. Exa. se referiu.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: não pedi a palavra para estranhar a vacatura de uma das cadeiras ministeriais, o que está em desacordo com as declarações feitas aqui ontem pelo Chefe do Govêrno.

Temos hoje muito que agradecer ao Sr. Presidente do Ministério não estar irado; e, como S. Exa. sabe que isso nos dá prazer, estou convencido de que não se indignará hoje.

Feitas estas declarações, lamento que o Sr. Presidente do Ministério não tivesse vindo habilitado a responder às minhas afirmações de ontem, não porque eu tenha pressa, mas porque a tem o Sr. Vitorino Godinho.

Há uma cousa que não se compreende: é que, tendo sido feita a falsificação dos documentos, para que é que se fez a falsificação dos cheques.

Mas como S. Exa. prometeu trazer amanhã a questão estudada, eu esperarei, porque não tenho pressa.

Disse S. Exa. que o assunto estava entregue aos tribunais militares. Ora, deixem-me sorrir das notas oficiais do Ministério da Guerra.

O que parece é que não houve vontade nenhuma de esclarecer a questão.

Portanto é mais uma questão trazida aqui pelo Sr. Presidente do Ministério e que S. Exa. decerto irá esclarecer na sessão de amanhã, sessão em que, também, S. Exa. virá munido da cópia dos documentos confidenciais trocados entre o

Banco Nacional Ultramarino e o Sr. Vitorino Godinho, e que ontem foram lidos nesta Câmara.

O Sr. Presidente do Ministério tudo esclarecerá amanhã. Eu. transtornando a minha viagem, cá estarei também. Não tenho pressas, como igualmente não tenho o desejo de protelar a discussão e o esclarecimento dêste caso. Oxalá que o Sr. Presidente do Ministério o não deseje também.

Termino, Sr. Presidente, recomendando ao Sr. Vitorino Guimarães que não se esqueça de vir amanhã bem documentado, com o recado bem estudadinho e disposto a responder a tudo com espírito santo de orelha, ou som êle.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - Sr. Presidente: eu deveria começar por estranhar que em volta dêste caso se tenha levantado agora uma tam grande celeuma, parecendo tratar-se dum caso novo, quando afinal se trata duma questão já velha, tratada nesta mesma Câmara, conforme consta do Diário das Sessões, nos dias 17 de Janeiro, 16 de Março e 30 de Abril de 1923, em que ela foi também apreciada pelo Sr. Carvalho da Silva, um dos Deputados que agora mais desconhecedores se mostram dêste caso. E o certo é que S. Exa. devia ter razões para não se mostrar tam inflamado, porquanto tem ocasião de verificar que o roubo que S. Exa. então computava em 750:000 francos não passa de 250:000.

Sr. Presidente: eu tenciono ler à Câmara a participação que foi apresentada pelo chefe do gabinete do Ministro da Guerra de então, e que por completo esclarece o facto da existência dos cheques. Ver-se há que o que era falso eram os documente s em face dos quais foram passadas ordens de pagamento ao Sr. Almeida Pinheiro.

Antes de ler, porém, êsse documento, eu devo dizer ao Sr. Cunha Leal que pode S. Exa. estar certo de que empregarei todos os esfôrços para me elucidar o mais detalhadamente possível para poder dar à Câmara as explicações necessárias. O que, no emtanto, não posso aceitar é a imposição de me elucidar até

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o ponto de ficar de posse das mais insignificantes minudências. Isso é impossível, porque daqui até amanhã mal terei tempo de ler todo o processo, quanto mais de o estudar.

Posto isto, eu vou agora ler o documento a que há pouco me referi:

Leu.

O capitão Almeida Pinheiro, talvez com a colaboração de algum cúmplice, conseguiu arranjar notas e papel de cartas da repartição do gabinete; e era nesse papel que dirigia toda a correspondência às entidades de Paris.

Sr. Presidente: li êstes documentos à Câmara porque me pareceu que o Sr. Cunha Leal. não interpretou bem o que eu tinha dito.

Há um outro caso, sucedido depois dêste, que é o da falsificação da assinatura do Sr. adido militar em Paris.

O Sr. Cunha Leal (interrompendo): -V. Exa. pode fazer a fineza do dizer-me a data do primeiro dos cheques falsificados?

O Orador: - 16, 17, 22 e 26 de Agosto. Tenho também aqui os números dos cheques.

São os seguintes:

Leu.

O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - V. Exa. tem a bondade de mo dizer também a data do documento que acaba de ler, e em que se narra toda essa tranquibérnia.

O Orador: - 18 de Agosto de 1922. Esto oficial, sabendo que estavam descobertas as falcatruas que tinha cometido, tratou do fugir.

O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - Em que data é que o Sr. Vitorino Godinho deu pela existência dêsse roubo de 240:000 francos?

O Orador:-Depois de ter chegado a Paris, em seguida ao seu regresso de Portugal. Demorou-se algum tempo aqui, e foi ao chegar ali, quando recebeu a conta corrente do Banco Nacional Ultramarino, em 20 de Outubro, que o Sr. adido militar deu pelo roubo.

O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - E em que data tinha saído de Paris o Sr. Almeida Pinheiro?

O Orador: - Neste momento não posso precisar a V. Exa. essa data, porque não tive ainda tempo para ver bem o assunto.

O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - Mas foi antes ou depois de 20 de Outubro?

O Orador: - Parece-me que foi em fins de Agosto, mas não posso afirma-lo de uma maneira concreta.

O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - V. Exa., que ainda está tam pouco conhecedor do assunto, parece-lhe que já amanhã estará apto a tratar dêle?

O Orador: - O melhor que me fôr possível.

O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - Parece-me que o melhor será marcar um dia da próxima semana para então podermos tratar a valer desta questão.

O Orador: - Pode ser na próxima torça ou quarta-feira, se o Sr. Presidente assim o entender.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: - Duas palavras apenas. No intuito de ajudar o Sr. Presidente do Ministério, eu quero dizer-lhe o seguinte:

Apesar do caso já aqui ter sido tratado por quatro vezes, vê-se que êle não está absolutamente nada esclarecido, porque o Sr. Presidente do Ministério o confundiu ainda.

S. Exa. confundiu uma falsificação de documentos com a de um cheque que tem o nome do Sr. Vitorino Godinho.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães) (interrompendo): - Peço perdão a V. Exa., mas não confundi.

O Orador: - O que disso o Sr. Vitorino Guimarães é perigoso, pois antes do roubo houve falsificação, isto é, o Sr. Al-

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meida Pinheiro antes de roubar, cometeu um abuso de confiança.

Em 18 de Agosto estava descoberta e há então o cuidado de nada averiguar, dando lhe tempo de se safar para Paris, esperando-se até 20 de Outubro para se tomar contas oficiais do roubo.

Sr. Presidente do Ministério: na quarta-feira cá estou para ouvir V. Exa. Permita-me, porém, que lhe recomende que traga o recado na ponta da língua.

Mais digo a V. Exa. que, havendo documentos rasurados, eu peço a V. Exa. para mandar verificar êste facto por pessoa de confiança.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: através de sucessivas crises ministeriais e de sessões edificantes, dizem os Srs. Deputados republicanos que a República veiu estabelecer o salutar princípio de castigar os criminosos.

Mais uma vez aí estão os factos a mostrar como um tal princípio é observado.

Um homem de nome Almeida Pinheiro roubou 240.000 mil francos, como já foi declarado pelo Sr. Presidente do Ministério e pelo Sr. Ministro do Interior, e já são passados três anos sem que houvesse sido preso!

Mais: êsse homem, tendo ido a Angola depois de conhecido o roubo, foi ali recebido, conforme aqui disse o Sr. Cunha Leal, pelo Sr. Alto Comissário da colónia.

Que edificante scena para a República !

É assim que se punem os criminosos na República!

O que ontem foi revelado nesta Câmara é bem significativo da imoralidade que campeia na República.

Eu, porém, que tenho a ingenuidade de supor que ainda não está de todo desaparecido o sentimento daquela antiga moralidade, segundo a qual jamais se garantia a impunidade aos ladrões, requeri que a sessão fôsse prorrogada para que nesse mesmo dia tudo ficasse esclarecido no Parlamento. Era indispensável - a honra do Parlamento o exigia - que nesse mesmo dia o Sr. Ministro da Guerra que numa entrevista dada a um jornal disse ter o processo do capitão Almeida Pinheiro a 10 metros de distância da cadeira

em que se encontrava sentado, viesse à Câmara dos Deputados dar explicações sôbre o escandaloso caso tratado pelo Sr. Cunha Leal.

Mas, Sr. Presidente, o que vimos nós que se passou?

Vimos que a Câmara nem sequer quis tomar conhecimento do meu requerimento e que o Sr. Ministro da Guerra, que havia tomado o compromisso de vir à Câmara expor toda a verdade sôbre o asunto, desapareceu... vindo o Sr. Presidente do Ministério dizer-nos hoje que o Sr. Ministro da Guerra já não voltará ao Parlamento.

S. Exa. sumiu-se por um alçapão!

E porquê?

Certamente porque não quis vir dizer ao Parlamento aquilo que, porventura, não convinha à defesa da República que se dissesse ao País.

O Sr. João Camoesas (em àparte): - Não apoiado. Não apoiado. Isso é simplesmente infame!

O Orador: - Ainda ontem o Sr. Presidente do Ministério dizia aqui que o Sr. Ministro da Guerra não tinha pedido a demissão.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças(Vitorino Guimarães): - Afirmei uma verdade. Até êste momento é ainda Ministro da Guerra o Sr. Mimoso Guerra, visto que não está ainda publicado o decreto da sua exoneração.

O Orador: - Então porque não veio S. Exa. à Câmara dar todas as explicações sôbre o importante assunto dos 240:000 francos?

Eu, Sr. Presidente, constato mais esta nova forma de abrir crises ministeriais, num momento em que o Sr. Ministro tinha de vir ao Parlamento prestar esclarecimentos.

S. Exa. sumiu-se por um alçapão, para obedecer às pressões que sôbre elo são feitas, para que, politicamente, o regime não seja prejudicado.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - V. Exa. não tem o direito de estar a falar assim.

Sussurro.

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10 Diário da Câmara dos Deputados

O Orador: - V. Exa. tem por hábito supor que só tem de dar contas ao congresso do seu partido.

V. Exa. tem do dar contas ao Parlamento.

Não são os Deputados que lhas têm de prestar.

O Partido Democrático ainda, oficialmente, não é dono do País.

É escusa V. Exa. de vir em gestos descompostos censurar o Parlamento, porque êste lado do Câmara não lhe reconhece êsse direito, e, pelo contrário, reconhece-lhe o dever de dar contas da administração pública.

Sr. Presidente: constatando estos factos, eu protesto mais uma vez contra a demora que tem havido na remessa de documentos, que há cêrca de tr6s anos pedi pelo Ministério dos Estrangeiros, entre os quais a nota de todos os abonos e gratificações dados a funcionários que têm estado lá fora em comissão, que têm constituído um cancro da administração pública.

Reservo-me para na próxima quarta-- feira apreciar mais largamente esta questão, que vem mais uma vez demonstrar a forma como são administrados os dinheiros públicos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. António Pais: - V. Exa., Sr. Presidente, informa-mo, só foi marcado dia para a realização da interpelação por mim anunciada ao Sr. Ministro do Comércio?

O Sr. Presidente: - Ainda não está designado o dia.

O Orador: - Nesse caso, peço a V. Exa. a fineza de o marcar com brevidade.

O Sr. João Camoesas (para explicações): - Sr. Presidente: há pouco, o Sr. Carvalho da Silva afirmou que o Sr. Ministro da Guerra se tinha demitido sob pressão do Govêrno, a fim de evitar que S. Exa. viesse ao Parlamento dizer cousas que, porventura, comprometeriam o regime.

O Sr. Carvalho da Silva não produziu nenhuma sorte de documentação.

O Sr. Carvalho da Silva fez uma afirmação gratuita que, visando a honestidade do terceiros, o colocou na condição moral do não deixarmos passar as suas palavras sem um veemente o enérgico-protesto.

Sr. Presidente: não tenho sido dos menos combativos da República.

Nunca, para atacar um regime ou um adversário, tive de lançar mão de processos, de tamanha inferioridade moral.

É preciso que, de uma vez para sempre, pelo menos alguém se levanto nesta Câmara para dizer que não quero assistir a êstes processos imorais de enxovalhar tudo o todos sem provas na mão o sem argumentos de facto.

Sr. Presidente: todos nós - e não há ninguém nesta Câmara que o não queira - desejamos que o oficial que delinquiu seja proso.

Já é a quarta vez que êste assunto é tratado na Câmara, o que demonstra que se não deseja abafar a questão.

O Sr. Ministro da Guerra, Mimoso Guerra, é uma pessoa que, pelo seu passado, merece o respeito e consideração de todos.

Apoiados.

Por consequência, merece que se lhe faça a justiça do supor que era incapaz, do se sujeitar a quaisquer pressões, para não esclarecer um caso em que está envolvida a dignidade do País e da instituição que serve.

Ò procedimento do Sr. Carvalho da Silva, afirmo, assumindo a responsabilidade em todos os campos, não tem classificação moral possível.

Tenho dito.

Esboça-se, nesta altura, um conflito entre os Srs. Carvalho da Silva e João Camoesas, pelo que o Sr. Presidente interrompe a sessão.

Eram 17 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 11 horas e 45 minutos.

Foi concedida uma licença ao Sr. Nuno Simões.

Admissões

São admitidas à discussão as seguintes proposições de lei:

Projectos de lei

Do Sr. Pina de Morais, extinguindo a quadro dos actuais escriturários de 1.º e-

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2.ª classe do Ministério do Comércio e Comunicações.

Para a comissão de administração pública.

Do Sr. Carlos Pereira, autorizando o Governo a impor aos concessionários de jazigos de combustíveis minerais uma produção anual mínima, em designadas condições.

Para a comissão de administração pública.

Dos Srs. Francisco Cruz, António Dias e Pires Monteiro, modificando a alínea a) do n.° 27 do decreto n.° 10:039, de 26 de Agosto de 1924.

Para a comissão de finanças.

Propostas de lei

Do Sr. Ministro do Interior, sôbre operações de recenseamento eleitoral no distrito de Beja.

Para a comissão de administração pública.

Do Sr. Ministro dos Estrangeiros, aprovando, para rectificação, as 1.ª e 2.ª conferências do ópio, realizadas em Genebra do 2 do Novembro de 1924 a 19 de Fevereiro de 1925.

Para a comissão de negócios estrangeiros.

Foram lidas as seguintes emendas, vindas do Senado:

Alterações introduzidas pelo Senado à

proposta de lei n.° 892. da Câmara dos

Deputados:

Artigo 1.º Sôbre as contribuições industrial e predial o impostos, sôbre a .aplicação do capitais e valor de transacções lançadas o cobradas nos concelhos do distrito de Viana do Castelo, incide um adicional do 9 por cento, cuja importância é consignada à Junta das Obras do Pôrto do Viana e Rio Lima, para os fins designados nas alíneas do artigo 1.° da lei n.° 216, de 30 de Junho de 1914.

§ único. Aprovado.

Art. 2.° Aprovado.

Ar t. 3.° Aprovado.

Art. 4.° Aprovado.

Art. 5.° Aprovado.

Palácio do Congresso, em 17 de Junho de 1925. - António H. Correia Barreto. - Luís Inocêncio Ramos Pereira. - João Manuel Vaz das Revés.

O Sr. Morais Carvalho: - Sr. Presidente: antes da interrupção da sessão teve lugar nesta sala um incidente que deu> origem a essa interrupção.

Qualquer que seja a solução que, particularmente, o caso tenha tido, parece-me que a V. Exa. pertence, no cumprimento das disposições regimentais, evitar que dentro dêste recinto se profiram palavras que, por qualquer forma, atinjam o prestígio do Parlamento.

Apoiados.

Creio, por isso, que a V. Exa., como Presidente da Câmara, compete pôr as cousas nos seus devidos termos, fazendo cumprir o Regimento.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: - Devo à Câmara uma satisfação.

Correcto como sou em todos os meus actos, embora sempre fiel às minhas crenças políticas e apreciando como entendo os actos públicos, orgulho-me de nunca ter proferido nesta casa do Parlamento uma palavra que tenha podido ferir pessoalmente qualquer dos seus membros, ou assumido uma atitude que possa ter contribuído para o desprestígio do Parlamento.

Assim, o incidente de há pouco a que fui levado por um justificável espírito de desagravo, mas que - confesso-o - eu sou o primeiro a reconhecer impróprio desta Câmara, obriga-me a pedir a V. Exa. e a todos os meus colegas desculpa do meu procedimento.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Tendo-se esboçado há pouco um começo do conflito que levou a presidência a interromper a sessão, procurei o Sr. João Camoesas na esperança de que as explicações de S. Exa. desfizessem o equívoco que tinha provocado o incidente.

O Sr. João Camoesas afirmou-me, porém, que não tinha explicações a dar, e, assim, a Mesa não tem outra cousa a fazer senão comunicar à Câmara a resposta de S. Exa.

O orador não reviu.

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O Sr. Pedro Pita: - O incidente produzido nesta Câmara pode ter, à vontade daqueles que o originaram, uma continuação pessoal. É um aspecto da questão; mas, afora êsse, existe um outro que é o aspecto que ela reveste sob o ponto de vista parlamentar.

Houve uma ocasião em que eu, menos seguro dos meus nervos, procedi mal para com a Câmara num incidente semelhante. Repeso do meu procedimento, pedi desculpa à Câmara.

E que são duas cousas inteiramente diferentes: a questão com a Câmara e a questão pessoal. Esta só pode e deve ser dirimida fora da Câmara; a outra cabe a V. Exa. Sr. Presidente, tratá-la. E, no caso present, esta não está tratada.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carlos Olavo: - Sr. Presidente: foi deveras lamentável o incidente produzido há pouco nesta Câmara. Ninguém o lamenta mais do que eu, já pelo desprestígio que tais incidentes trazem para o Parlamento, mas ainda pelas pessoas que nele se envolveram e às quais me ligam as melhores relações de camaradagem.

Mas, Sr. Presidente, o Sr. Pedro Pita reclamou sanções...

O Sr. Pedro Pita: - Eu não reclamei sanções...

O Orador: - A presidência desta Câmara encontra-se perante conflitos desta natureza perfeitamente desarmada.

Apoiados.

Sr. Presidente: eu não ouvi as palavras proferidas pelo Sr. João Camoesas, mas ouvi algumas das que proferiu o Sr. Carvalho da Silva.

E se é certo que o Sr. Carvalho da Silva costuma ser amável e cordeal para com os seus colegas desta Câmara, não é menos certo que S. Exa. por vezes usa e abusa da tolerância da Câmara, esquecendo-se de que se encontra num Parlamento essencialmente republicano, onde de há muito não deviam ser toleradas as suas invectivas contra a República e os seus homens públicos.

Muitos apoiados.

Em qualquer Parlamento que não fôsse o nosso, o Sr. Carvalho da Silva já teria sido punido nos termos regimentais.

Apoiados.

É lamentável e que as palavras de S. Exa. nunca tivessem encontrado da nossa parte a necessária revolta...

O orador não reviu.

O Sr. João Camoesas: - Em minha consciência não ofendi a Câmara.

Apoiados.

Mas se há quem entenda que, quando discuti, a ofendi, então um caminho me aponta a minha consciência:

Estou numa Câmara a que não posso pertencer.

Não apoiados.

Coerente com as minhas convicções, direi que, se as minhas palavras susceptibilizaram a Câmara, considerando-as a Câmara como um agravo à instituição parlamentar, que me tenho esforçado por honrar na minha vida parlamentar, entregarei nas mãos de V. Exa. a minha renúncia ao meu lugar de Deputado.

Não apoiados.

S. Exa. sai da sala.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: não tencionava voltar a usar da palavra sôbre êste incidente, porque entendo que não há o direito de ninguém estar a ocupar o tempo dos trabalhos parlamentares com a sua própria pessoa.

A minha pessoa nada vale em face dos interêsses do Pais, e, consequentemente, não deve tomar tempo à Câmara.

No emtanto, não quero que a Câmara suponha que eu desejava, por qualquer forma, que uma questão pessoal por mim suscitada tivesse solução nesta Câmara. Não.

Eu não sou dessa qualidade,

Nestas condições, não tenho dúvida em esclarecer a situação; e, respondendo ao Sr. Carlos Olavo em poucas palavras, direi que é necessário distinguir entre as pessoas e as funções que elas desempenham. E, assim, atacando os actos das pessoas no desempenho das suas funções, respeito pessoalmente todas as pessoas, querendo que me respeitem pessoalmente a mim.

Apoiados.

O orador não reviu.

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O Sr. José Domingues dos Santos: - Não assisti ao conflito travado entre os Srs. João Camoesas e Carvalho da Silva; mas ouvi das palavras do Sr. Carlos Olavo parte das considerações feitas pelo Sr. Carvalho da Silva.

Disseram-me quais as palavras de resposta proferidas pelo Sr. João Camoesas.

Sim querer envolver-mo no conflito pessoal que neste momento se travou, quero dizer a V. Exa., por mim, que o Sr. João Camoesas não fez senão desagravar, mais uma vez, todos os Deputados republicanos (Apoiados) que aqui se encontram. (Apoiados). Tem sido seriamente ofendidos na sua dignidade pessoal e política pelo Sr. Carvalho da Silva.

O Sr. Carvalho da Silva é na verdade uma pessoa amável para com os Deputados, mas usa e abusa da sua situação de Deputado monárquico, não para defender as suas ideas ou teorias (e isso não temos nós de o estranhar), mas para agravar pessoal e politicamente todos os homens que aqui se encontram e que defendem a República, que não é aquele estendal de escândalos nem de crimes (Apoiados) que S. Exa. coutinuadamente nos quere fazer acreditar.

Ninguém lhe contesta o seu direito de Deputado; mas tem que medir as suas palavras e tem de conceber que os homens que aqui se encontram são incapazes de acamaradar com quem quer que seja que tenha praticado qualquer acto menos honesto.

S. Exa. o Sr. Camoesas, abandonou o seu lugar, porventura porque as palavras do Sr. Carvalho da Silva eram de ofensa para a Câmara.

Também, assim, não poderei mais aqui estar.

Tem razão o Sr. João Camoesas, que proferiu palavras de desagravo e desafronta legítima, porque considerou que a Câmara estava sendo agravada, e por isso aqui não tinha lugar.

Também eu não tenho aqui lugar.

É bom que se saiba que estamos em República e que o Parlamento é republicano.

Sr. Presidente: há um único caminho a seguir: é convidar o Sr. João Camoesas a ocupar novamente o seu lugar.

Apoiados.

Mais de uma vez tenho sido atacado publicamente pelo Sr. João Camoesas.

Quero mostrar o meu respeito e simpatia por S. Exa.

Reconheço que S. Exa., além de ser um republicano perfeito, é um homem de bem que honra o Parlamento.

Tem V. Exa. o dever de convidar S. Exa. a entrar neste Parlamento, porque aqui êle é preciso pela sua cultura, pelo seu procedimento e pelo seu republicanismo.

E isto que proponho a V. Exa.

Apoiados.

Vozes: - Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente:-Depois das palavras do Sr. João Camoesas a Câmara ficou sciente da resolução de S. Exa., sentindo a sua intenção de abandonar esta Câmara.

Parece-me que nestas condições a Câmara não quererá que assim suceda.

Apoiados.

Em harmonia, pois, com a proposta do Sr. José Domingues dos Santos, com a qual a Câmara concorda, vou nomear uma comissão para convidar o Sr. João Camoesas a regressar ao seu lugar.

Apoiados.

O Sr. Presidente convida alguns Srs. Deputados a irem procurar o Sr. João Camoesas e convidá-lo a entrar na sala, retomando o seu lugar.

Entra na sala o Sr. João Camoesas,, sendo muito cumprimentado.

O Sr. Tavares de Carvalho: - Viva a República!

ORDEM DO DIA

Continuação do debate político

O Sr. Sá Pereira: - É deveras lamentável o que acaba de passar-se nesta sala, entre dois Srs. Deputados.

Um é o denodado combatente na luta republicana, intransigente, e cuja dignidade, até hoje, ninguém pôs em dúvida. O outro esquece-se, por vezes, de que, além de não poder nesta casa do Parlamento armar em paladino da liberdade, representa um regime, como nenhum ou-

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tro, a quem se deve a deprimente situação em que ainda hoje nos encontramos, para criar uma irredutibilidade bem dispensável nesta hora.

Foi também arvorando o estandarte da moralidade que nos surpreendeu na manhã do 18 do Abril um movimento de correligionários, que diziam pretender moralizar " normalizar a vida do País e salvar a Pátria.

Devo dizer que, infelizmente, essa bandeira desenrolada 031 no mo da alta moralidade nacional não correspondia, nem podia de forma alguma corresponder à confiança do País.

Sabem V. Exas. que há alguns anos houve- neste País um movimento revolucionário que também tinha por lema moralizar os costumes da sociedade portuguesa. E êsse movimento apenas estrangulou as liberdades que a República proclamou para o povo português.

A prova do que os revolucionários de 18 de Abril procuravam cometer um crime è que diziam que todo o País estava rio propósito de fazer êsse movimento.

E num dos soldados ouvi eu dizer que de forma alguma êstes se envolveriam nnm movimento do carácter revolucionário.

Houve um homem que faltando à sua palavra, tantas vezes dada, apareceu à frente dêsse movimento com mais dois oficiais que não ofereciam garantia alguma para a República.

É fácil fazer revoluções; mas ser estadista é mais do árduo que muitos supõem.

Eu tenho visto passar por ali, por aquelas cadeiras, muitos homens públicos que nem sempre tem correspondido ao, que o País esperava.

O movimento do 18 de Abril foi um movimento militarista, mas que não oferecia a mais pequena garantia.

E basta ler o manifesto por êles publicado para ver que mio havia nêle a verdadeira fé republicana.

A sociedade portuguesa marcha num caminho de desordem.

Daí resulta a falta do confiança pelo dia do amanhã, mas nunca a falta de confiança no regime.

Nós presenciámos no tempo da Monarquia esta cousa verdadeiramente monstruosa: a de haver um par do reino acusado d.e falsificar notas do Banco de Portugal; e êsse escândalo, em vez do ser ventilado, foi abafado.

O Sr. Cancela de Abreu: - Não apoiado! Isso não foi assim!

O Orador: - Êsse homem não foi aos tribunais criminais, mas foi julgado pelos seus iguais na Câmara dos Pares, que usaram de todos os processos para o absolver.

E todavia a sociedade portuguesa sabia que o Sr. Mendonça Cortês era um falsificador de notas.

A diferença entre a Monarquia o a República é esta: a Monarquia abafava os escândalos e a República mostra-os à luz do dia.

Os crimes da Monarquia foram de tal monta que em condições nenhumas podem esquecer à sociedade portuguesa; o os Srs. parlamentares monárquicos esquecem-se, quando falam dos escândalos da República, do que são os menos autorizados para nesse ponto atacarem o regime republicano.

Não há um único acto da administração republicana que aqui não tenha sido ventilado.

Não há um único Deputado republicano que não tenha clamado para que os criminosos sejam punidos; e só muitas vezes o não são, isso se deve ainda à Monarquia, à engrenagem que a Monarquia montou e quê a República não tem tido ocasião de escangalhar em quinze anos de existência.

Muitas vezes sucedo que os criminosos do regime republicano são submetidos aos tribunais e aí absolvidos por juízos que continuam a servir a causa monárquica.

Estamos numa época em que realmente se passam casos bem lamentáveis na sociedade portuguesa que, do longa data contaminada pela Monarquia, encontrou o cancro da guerra, fermentando êsse micróbio terrível da desvergonha em que a maior parte das pessoas infelizmente chafurda.

Mas, regra geral, não são os homens que estão desde novos ao serviço do regime republicano que dão êsse contingente de criminosos.

Aqueles que têm envergonhado a República e lhe fazem correr sérios perigos não são os que se bateram, os que sofro-

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ram o os que estão ainda vigílando; êsses criminosos vêm muitas vezes ou dos arraiais monárquicos ou de outros que desconhecemos.

Ainda agora se ventilou um escândalo referente a um indivíduo, que ninguém conhece como tendo-se enfileirado nas fileiras republicanas.

Tudo isto veio a propósito de dizer que o movimento de 18 de Abril foi feito por criminosos.

Os homens que organizaram êsse movimento tinham bem a consciência intranquila, porque não só não anunciaram, não só não fizeram propaganda dele, mas ocultaram-no até ao último momento, levando em sua companhia pessoas já experimentadas, pessoas que ao lado deles se estiveram batendo e que não constituíam nenhuma garantia para a libertação moral da sociedade portuguesa.

Faça V. Exa. a comparação entre os homens que organizaram o 18 de Abril e os que levaram a efeito o movimento de 14 de Maio.

Faça V. Exa. a comparação entre os homens que até à última estiveram escondidos no seu covil e aqueles que, mal surgiu uma ditadura, imediatamente desfraldaram a bandeira do seu partido e declararam que nunca consentiriam que a República se transformasse numa miserável ditadura, e que, de protesto em protesto, foram até as cadeiras do próprio Govêrno de então, adverti-lo de que não promulgasse qualquer decreto em ditadura, porque isso implicaria a obrigação de o partido popular pegar em armas para derrubar êsse Govêrno.

E V. Exa. viu que os homens que tomaram êsse compromisso para com o País o tomaram plenamente.

Veio mais tarde a ditadura dezembrista. E o que fez o meu partido?

Desde o primeiro momento se declarou em guerra aberta contra uma situação que não podia admitir.

Não só escondeu, e mais de 7:000 correligionários meus entraram na cadeia por se dizerem incompatíveis com a ditadura de Sidónio Pais.

Quando surgiu o movimento de Santarém ninguém ignorava quem eram os homens que ali se batiam pela República, porque êles não fizeram o mesmo que aqueles que levaram à prática o movimento de 18 de Abril, porque êles tinham já dito que haviam do repor a República como tinha sido proclamada.

Os homens que, fizeram ^o 18 de Abril tinham a consciência de que não procuravam libertar uma pátria, mas escravizar um povo.

E foi essa a razão por que o movimento do 18 de Abril não triunfou.

Se êle procurasse servir uma boa causa, decerto, triunfaria.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Não só esqueça V. Exa. do 19 de Outubro. Êsse triunfou.

O Orador: - Sr. Presidente: se enunciei o movimento de 14 de Maio e o de Santarém, para mostrar a diferença que há entre os processos de que usam os nossos adversários e aqueles de que nós nos servimos, quero também pôr em confronto um outro movimento que, longe de ter tido a nossa adesão, o nosso incitamento, teve sempre da nossa parto a mais completa o terminante animado versão.

Refiro-mo ao 19 de Outubro, devendo pôr em confronto a atitude do directório do Partido Republicano Português nessa ocasião com a dos outros partidos; na grave emergência do movimento de 18 de Abril.

Ao contrário do que fez é meu partido, os partidos que. lhe são adversos não vieram sequer dizer que não perfilhavam essa movimento.

O meu partido, constantemente atacado e apontado ao País como um partido de intolerantes e que não sabe cumprir o seu dever, tem dado profundas lições aos seus adversários.

Recordo-me bem da actividade que antes da eclosão do 19 de Outubro o directório do meu partido desenvolveu, fazendo constar através de notas, e até de manifestos, que não admitia a hipótese de uma revolução contra um Govêrno que estava governando constitucionalmente.

Recordo-me também de que um bom homem que se encontra aqui presente, em determinado dia e em determinado local, procurou alguém que era meu correligionário, e que depois foi um dos chefes dês-se movimento, para lhe dizer que êle não tinha o direito de se meter em aventaras e que, em nome do directório do partido.

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lhe vedava o direito de se imiscuir em qualquer movimento revolucionário, porque só podia prejudicar a República e o País.

E ainda não esqueci as violentas campanhas feitas pelos nossos adversários, e até por alguns amigos, visando, entre outros, o Sr. António Maria da Silva, que sempre condenou o movimento, o que por isso mesmo chegou a ter a sua vida em sério risco.

Um àparte do Sr. Agatão Lança.

O Orador: - Lembro-me, Sr. Presidente, do o Sr. João Camoesas ter tido também a sua vida em perigo por ter condenado o 19 de Outubro, que não podia ter o aplauso do nenhum republicano.

Lembro-mo de mais.

Lembro-me ainda de que o Sr. José Domingues dos Santos, por ter escrito na Tribuna artigos em que condenava êsse movimento, igualmente teve a sua vida em risco.

Estas referências vêm para fazer o confronto entre o procedimento do Partido Republicano Português e o de outros que por vezes se esquecem de fazer justiça, e até de cumprir os seus mais elementares deveres.

Ainda não me esqueci de que durante vinte horas seguidas a cidade de Lisboa foi submetida a um violento bombardeamento.

Se êsse movimento tivesse vingado, repetir-se-iam as mesmas scenas da ditadura dezembrista!

Aproveito êste ensejo para cumprimentar o Govêrno e dirigir-lhe as minhas calorosas felicitações, por ter tido a fôrça do jugular êsse movimento, que era atentatório da dignidade de todos os portugueses.

Êsse facto dá-me também o direito de apreciar o que foi a administração do Govêrno do meu partido, chefiado por uma das figuras mais lídimas dêsse partido, mas cujos actos não estão plenamente de acordo com o meu modo de pensar.

Dentro da República todos os homens podem falar assim, porque não são amordaçadas as suas opiniões, ainda mesmo que sejam contrárias aos mais altos poderes do Estado.

Eu quero dizer que as autorizações que o Poder Legislativo deu ao Govêrno, embora não fossem excedidas, não corresponderam àquilo que eu desejaria que fôsse.

Eu quereria que essas autorizações servissem para pôr em prática aquilo que o Sr. Sá Cardoso prometeu quando Govêrno, e que era expurgar o exército da escumalha. Tal não sucedeu, e êsses ho-mcns, que foram condenados pelos tribunais, íoram depois reintegrados no exército, para mais uma vez porem em cheque não só a vida da República, mas a própria independência da Pátria.

Eu entendo, Sr. Presidente, que, ao abrigo dessas autorizações, e precisamente com o fundamento do que era necessário manter a ordem pública, a êsses oficiais que se revoltaram contra a República não fôsse permitido voltar mais às fileiras.

Mas infelizmente eu vi passar o tempo, e, neste capítulo, tudo ficou absolutamente na mesma.

Não era apenas, Sr. Presidente, no elemento militar que havia que cuidar. A República precisa de se fortalecer o de moralizar a sociedade portuguesa, e não o pode fazer emquanto ao sou serviço tiver funcionários que deixam muito a desejar.

O Govêrno devia saber que as repartições públicas estão cheias de funcionários que, sendo monárquicos, fazem campanhas contra o regime republicano e procuram criar situações difíceis à vida da República.

Essas autorizações, ao serem promulgadas, deviam ter sido aproveitadas para separar do funcionalismo público os maus elementos, deixando lá ficar apenas os bons, e pagando a êstes melhor.

Assim pensava fazer o Govêrno do Sr. José Domingues dos Santos

Não quero terminar as minhas considerações sem também dizer ao Govêrno que não concordo com certas medidas adoptadas por êle.

É preciso pôr aã cousas como elas são. Tem-se especulado em determinada imprensa sôbre o assunto, e os partidos nossos adversários têm procurado intrigar-nos a nós todos, espalhando que uma parte do Partido Democrático é partidária dessa falange, que, sendo tenebrosamente negra, tem o nome de vermelha.

Nesta casa do Parlamento ninguém tem

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a menor solidariedade com essa gente, porque se trata de pessoas que devem estar sujeitas ao Código Penal.

Não há para mim legiões que não sejam de bandidos, sejam elas vermelhas ou azuis, porque os seus componentes atacam os seus semelhantes.

Só compreendo, e isto porque sou um homem de princípios, que haja pessoas agrupadas em redor de determinadas orientações.

Eu sou dos homens que combateram a lei de 13 de Fevereiro, pois é uma lei nefasta, e, como combati essa lei, tenho também de combater as medidas ultimamente decretadas.

Sr. Presidente: é bom atentar em certas coincidências: antes do movimento de 18 de Abril houve vários atentados como para justificar êsse movimento. Hoje, porém, os povos já não se iludem como há quarenta anos.

Protesto contra as deportações e contra a forma como foram feitas, porque não houve julgamento, como se no nosso país não houvesse homens capazes de condenar facínoras, se isso se provasse.

Mas, Sr. Presidente, nem todos os que foram deportados eram criminosos.

Todos êsses homens foram deportados como se fossem criaturas perigosas; e como é possível que assim não fôsse, eu não aceito o critério que na questão das deportações o Govêrno admitiu.

O que se devia fazer era julgar e punir-se com severidade. Deportar sem julgamento é um atentado à liberdade e à democracia.

A liberdade dos cidadãos portugueses não pode estar à mercê da vontade do mais boçal dos polícias que, apenas por suspeita, pode fazer degredar um cidadão.

Em África é difícil fazer justiça imparcial, porque os juizes e jurados farão êste raciocínio: "Eles que os mandaram para cá, algumas culpas têm".

O Sr. Paulo Cancela de Abreu (em àparte): - Isto é que se chama dizer adeus à República.

O Orador: - Só uma vez, e de longe, disse adeus à família real - e foi para sempre!

As deportações, pela forma como foram feitas, não merecem o meu aplauso.

Consta até que um polícia fez deportar um indivíduo só porque em tempo lhe faltou ao respeito!

A República não pode consentir isto, a que a história passará a chamar uma infâmia.

Tenho dito.

Apoiados.

O orador não reviu.

O Sr. Maldonado de Freitas: - Sr. Presidente: poderá ser estranho que eu entre nesta altura no debate político, depois de êste lado da Câmara já se ter brilhantemente referido a elo.

A Câmara está cansada, e talvez devido a êsse cansaço me relevará a inoportuna intervenção.

Não apoiados.

O caloroso discurso do Sr. Sá Pereira atingiu mais êste Governo na sua vida política partidária do que propriamente na sua acção administrativa; porém, é esta que mo interessa.

Não me prendem a atenção essas questiúnculas do Partido Democrático, contra "bonzos" e "canhotos", porque é cousa de somenos para a hora que passa.

Começarei por analisar aquele diploma que se refere ao horário do trabalho, para o deminuir e reviver inoportunamente questões que há muito estavam mortas, mas que a inépcia de alguns Ministros excitam.

Folgo de ter conversado há pouco sôbre êste assunto com o Sr. Ministro do Trabalho, a quem mostrei a minha discordância, que, aliás, resulta também das reclamações que o País tem feito contra a regulamentação da lei do horário de trabalho, nesta hora em que atravessamos uma pavorosa crise económica, mercê dos encargos e impostos que asfixiam as indústrias e dos muitos esbanjamentos dos Governos, saídos quási sempre do Partido Democrático, que fez deste País seu logradouro.

Aduzi argumentos breves, e consolador foi para mim e consolador será para o País informá-lo de que o Sr: Ministro do Trabalho me disse que propusesse eu a suspensão do regulamento, que êle de bom grado aceitaria.

Sr. Presidente: se não estivéssemos habituados a tantas surpresas diárias por parte dos governantes, se a administração

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pública não fôsse feita à sucapa e à matroca, esta afirmação do Sr. Ministro do Trabalho...

O Sr. Ministro do Trabalho (Sampaio Maia): - Qual foi a afirmação que o Ministro do Trabalho fez?

O Orador: - Que de bom grado acoitaria a suspensão do regulamento.

O Sr. Ministro do Trabalho (Sampaio Maia): - Eu não disse isso. O que disso foi que propusesse V. Exa. na Camara a suspensão da lei, que eu a aceitava.

O Orador: - Ainda melhor. Então V. Exa. discorda da lei, e promulgou o regulamento?

O Sr. Ministro do Trabalho (Sampaio Maia): - Porque a lei mo obrigava a isso.

O Orador: - Não obrigava tal, e se V. Exa. quisesse estudar a questão, tinha muito que fazer e estudar.

Se em vez do fazer uma administração para épater, iludindo as classes trabalhadoras com o falso benefício da deminuição do trabalho, tivesse raciocinado uma proposta que suspendesse a lei, melhor seria.

Mas isso era mais difícil o não lho dava os votos de corta gente, os dos mandriões.

Sr. Presidente: No mesmo dia em que foi promulgado êsse regulamento do horário do trabalho, era nomeada pelo Ministério da Agricultura uma comissão para estudar as causas determinantes da carestia da vida.

Eu pregunto, Sr. Presidente, se pode haver barateamento da vida com deminuição do trabalho; só é possível desenvolverem-se as indústrias de forma a suportarem os encargos que sôbre elas pesam, de exageradas contribuições, com deminuição de trabalho.

Eu bem sei que êste assunto não interessa ao Sr. Ministro do Trabalho, porque não dá frutos à sua política partidária.

Na sua pasta não tem feito senão o possível para tornar maiorzinho êsse grupelho a que pertence e com pretensões a partido político. São admiráveis êstes senhores!

É em virtude dessa scie política que temos o bodo para as fontes e cemitérios. Até para distribuir 2.000$ destinados a melhoramentos na terra do Sr. Presidente do Ministério.

Fantástico e ridículo tudo isto, pois não ó, Sr. Presidente?

Calcule a Câmara que o Sr. Presidente do Ministério, tendo junto do si pessoas que bom sentem a regedoria da sua política, se apressaram logo a comunicar para Mirandela que, devido aos esfôrços do Sr. Presidente do Ministério, S. Exa. o Sr. Ministro do Trabalho tinha dado 2.000$00 para melhoramentos no seu concelho. E gastaram um telegrama para participar um tam enorme feito. Isto é o ridículo, sôbre o ridículo, e tam grande, que até um jornal da terra de S. Exa., por sinal democrático, A Acção Transmontana, no seu número do 4 do corrente, faz uma troça no mais amplo significado da palavra do Sr. Vitorino Guimarães. Chacoteia todo êsse benefício que nem ao menos teve a defendê-lo a nobreza de ser praticado sem especulação política por parto do Grovêrno. Grandes estadistas. Que confiança pode depositar o País nos homens públicos que desta forma fazem política? Oh! Sr. Presidente! isto tem de acabar; os feirantes que nos governam, recrutados no Partido Democrático, têm do abandonar as cadeiras do Poder com urgência. O País não os tolerará por muito tempo. A onda cresço, e quem lhe não dor alento para a vitória completa, será réu da Nação. Dêsse delito hei-de, creio, na hora própria, libertar-me.

O povo honesto e trabalhador quere bater-se por melhores dias, e, porque tem fé, vencerá.

Porque não dota o Sr. Ministro do Trabalho com as verbas necessárias o Instituto Câmara Pestana, de maneira que ali se prepare todo o soro preciso para combater a difteria e o tétano?

Não seria isto mais democrático?

Apoiados,

Os soros são distribuídos pelas câmaras o a estas compete pagar os que forem distribuídos aos pobres; pois nem assim os há, ficando muitos desgraçados som tratamento, mercê desta democracia que nos tiraniza há cêrca de quinze anos. Re-

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pública é cousa bem diversa, mas ao Partido Democrático só lhe interessam as benesses que há anos vem distribuindo largamente pelos seus adeptos à custa do Tesouro Público. Cousas úteis não fazem; alegam falta de numerário, mas para esbanjar há sempre verba, isto sem me querer servir dos argumentos por vezes apaixonados do Sr. Carvalho da Silva.

Não tem a nossa administração sido de molde a pôr um dique firme e impenetrável perante as acusações dos monárquicos; daí os ataques constantes dêstes. Mas a culpa não cabe a todos os republicanos, pelo menos a êste lado da Câmara, porque ainda nem sequer pôde dar, pela permanência nas cadeiras do Poder, provas da sua capacidade ou incapacidade. Os democráticos não deixam que os demais partidos governem. Qual o receio? Um dia se saberá.

Esta República só deles tem sido e ainda bem que assim é. O País aceita de bom grado os atropelos; acho por isso que deve continuar a ter por seu Govêrno essa gente.

Confiemos, pois, que um dia tudo se esclarecerá; o julgamento aproxima-se.

Julgam que na República só êles são os bons republicanos e até os únicos; essa pletora é que os levará a expiar os delitos perante o tribunal dos homens de bem.

As estradas são hoje o caos, os impostos triplicaram apesar da libra ter deminuído do seu valor, e desta forma os encargos-ouro do Govêrno são menores, mas o dinheiro que os contribuintes dão com o maior sacrifício vai para tudo, menos para o que possa conduzir-nos a uma política de que resulte qualquer fomento para a riqueza nacional.

Ah! Sr. Presidente! quando num regime1 há quem, administrando, justifica e permite o achincalhar do Poder pela insuficiência dos seus processos administrativos, só tem de esperar que o País saiba revoltar-se!

Quando o ridículo é usado pelos governados para acusarem os governantes, o País entra no caminho que mais ràpidamente o levará ao abismo.

A ordem por vezes é alterada, mas mais pelo procedimento dos Governos do que por nós parlamentares. Apoiados.

Pedem-se provas dos erros da nossa administração que provas são precisas mais dos erros praticados por certos indivíduos que há anos nos administram?

Não tivemos os Transportes Marítimos, a Exposição do Rio de Janeiro, os Bairros Sociais, as comissões dos selos comemorativos, etc., o que representa qualquer cousa infeliz, e é uma manifestação desgraçada da administração pública.

Querem mais factos concretos? "Para que se irritam com as acusações dêste lado da Câmara; acaso as não merecem?

As sindicâncias são outra série de escândalos.

Só nos temos de zangar com o Poder Executivo que, mandando sindicar os culpados, para os deixar impunes, escolhe logo e a dedo os sindicantes.

Assim constitui um outro caos da nossa administração pública o encargo das sindicâncias que nunca mais terminam. São- permita-se-me o termo - boas ucharias para os mandriões que vivem à custa do Estado.

Quando foi do célebre empréstimo rácico, o administrador do jornal que eu então dirigia recebeu uma circular acompanhando um anúncio dôsse empréstimo. Nessa altura tinha-se constituído em Lisboa uma sociedade de publicidade apenas para a exploração do anúncio do tal empréstimo.

A circular que recebi e que acompanhava o anuncio, dizia: "É favor publicar num só dia êste anuncio no seu jornal. O preço do anuncio é fixado por nós em tanto, o senhor recebe tanto e passa o recibo de tanto, a diferença é a, nossa comissão".

Nada menos de 30 por cento.

Tenho em minha casa essa circular, assinada por pessoas que ainda hoje se cansam a defender o empréstimo e o Sr. Presidente do Govêrno.

E então eu pregunto: que maior escândalo pode haver do que apelar-se para o sentimento patriótico e republicano do País, dizendo que o empréstimo era feito para sanear a moeda e salvar a Nação, colocando ao mesmo tempo junto do Ministério uma empresa para delapidar parte dêsse empréstimo? Pagaram--se os déficits dos jornais da grei, e tanto bastou.

São êstes os bons republicanos, aque-

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les que eu nunca encontrei nas horas difíceis da República, mas que dela se servem em proveito próprio.

Naturalmente, porque não quero comungar com os seus processos de administração política, chamam-mo agora talassa!

Antes talassa pelo facto do não seguir êsses processos, do que republicano com processos perfeitamente reaccionários e talásseis do má moral.

Sr. Presidente: referindo-mo à pasta da instrução, vejo que ternos uma reforma que é a continuação da política do Sr. Ministro do Trabalho.

Tudo se anarquiza com êstes principiantes que passam pelas pastas, não pelos seus méritos, mas somente pela regedoria de certos grupelhos.

Muitas das pessoas que tomara couta de uma pasta de Ministro assumem êsse encargo, não devido aos seus estudos e à sua preparação, mas tam somente devido aos caprichos que têm aparecido na política nestes últimos tempos. O que querem é vincar a sua personalidade, sem atenção alguma pelos interêsses da Nação e até perdendo o respeito pelos sãos princípios dessa boa democracia. Tudo ao invés.

Tínhamos uma organização de ensino primário que satisfazia aos professores e ao ã democratas, e tudo se alterou sem vantagem para o Tesouro e muito menos para o ensino. Haja em vista as reclamações e protestos que até nós têm vindo contra essa medida que revogou ditatorialmente a legislação de Maio do 1919. Para que se fazem reformas que só malquistam o regime com as classes liberais? Tudo politiquice.

Em matéria de ensino, a República só o tem tornado caro, atrabiliário e reaccionário, e privilégio das castas endinheiradas;

É isto a República que o povo reclamava?! Creio que não.

Sr. Presidente: eu não tenho a preocupação de fazer um discurso que vá influir na votação.

O que eu quero é descarregar a minha consciência perante o País. Não quero as responsabilidades de ter ficado, aqui, calado perante o desmanchar desta feira onde noa leiloa há anos uma parte do Partido Democrático.

Os videirinhos tudo nos prejudicaram na ânsia de só banquetearem lautamente. Quero que se faça alguma cousa do útil, que não seja a política de campanário a que se têm dedicado.

Outro bluff, chamemos-lhes assim, é uma proposta que há dias aqui trouxe o Sr. Presidente do Ministério, e que mostra bem a sua rijeza de processos.

Dos funcionários públicos, uns receberam determinadas quantias, outros não as receberam, e por isso querem ser todos igualados.

E isto é humano, porque se a vida está cara para os funcionários do Congresso o dos Correios o Telégrafos, também está cara para os outros.

Eu falo abertamente, porque sou dos poucos indivíduos que, nesta República, não são funcionários públicos nem bacharel ao abrigo de qualquer decreto publicado após um movimento revolucionário. Vem então uma proposta do Sr. Presidente do Ministério, e, S. Exa. diz:

Se V. Exas. me não aprovarem imediatamente esta medida, eu não posso pagar ao funcionalismo.

E, à boca pequena, ia também dizendo:

E se lhes não pagar, êles fazem uma revolução. É decento que os Governos assim procedam?

Além desta, apresentou uma outra proposta, com duas palavras apenas. Foi à sucapa que a trouxe ao Parlamento, tam ingrata é a sua doutrina para a estabilidade do Govêrno.

Sr. Presidente: se fôsse preciso que eu dêsse o meu esfôrço para que êste País tivesse uma administração capaz e cautelosa, eu não teria dúvida nenhuma em entrar numa revolução que fôsse levada a efeito com êsse fito, porque me batia por uma causa justa; assim o queriam os oficiais o praças do movimento do 18 de Abril último.

Apoiados.

Mas, voltando à proposta, eu vi que ela foi para as comissões, sem que o Sr. Presidente do Ministério lhes tenha pedido sequer que reunam e que dêem os seus pareceres com brevidade, a fim do se poder discutir ràpidamente o assunto da proposta que interessa a todo o funcionalismo militar o civil.

Ocorro-mo agora preguntar:

Porque é que faltaram 30:000 contos?

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Porque se não respeitaram as leis relativas às subvenções, tendo estas sido distribuídas pelos diversos serviços conforme as influências políticas, e, assim, eu vejo que há diversos serviços que foram dotados exageradamente.

Nós temos na raia de Espanha funcionários encarregados de averiguar das doenças dos gados que passam a fronteira.

Em 1914 êsses homens ganhavam $10 por cada cabeça de gado, passando-se, por vezes, muitos dias e até semanas, sem que tivessem de fazer uma participação, do que resultava nunca receberem, em geral, mais do que 5$ por mês Pois agora, com o critério que se lhes aplicou na distribuição das subvenções, auferem mais de 700$ mensais, havendo outros funcionários que sofrem a injustiça de uma deficiente subvenção.

Porque não pede o Govêrno a discussão dessa proposta e que todos beneficiem igualmente as melhorias?

Para que vem alijar o Govêrno as responsabilidades dêsse facto para o Parlamento?

O Partido Nacionalista deseja enfrentar essa questão,

Há um exemplo da vida do Estado que foi imitado fielmente pela Câmara Municipal de Lisboa.

Quero referir-me ao regime das carnes. A Câmara com grave prejuízo da sua economia mandou vir gado argentino que sai mais caro do que o nacional, fazendo uma grave concorrência aos lavradores que neste momento lutam com grandes despesas e deminutas receitas.

É esta a obra do Partido Democrático: exportar ouro para dificultar a lavoura nacional.

Por mais de uma vez as regiões da Beira e do Alentejo têm solicitado a entrada dos seus gados no matadouro de Lisboa e tem-se-lhes respondido sempre que não pode ser, alegando-se que há ainda muito gado argentino.

E o pobre do lavrador tem de se entregar à usura para poder pagar os seus impostos e amanhar as terras, ou então perder tanto que se arrumará.

Para alimentar êste estado de cousas é que o Partido Democrático quere eternizar-se no Poder?

Derivado desta política económica da

Câmara temos a carne em Lisboa por preço exagerado, preço que decerto seria bem menor se o gado viesse daquelas duas províncias.

Emfim, negócios e sempre negócios, assim o afirmam para aí tantos lavradores o consumidores.

Quem interessa com as carnes políticas ?

Não o sei! Porém um dia virá que tudo será pôsto a claro.

O Govêrno não quere dar contas dos seus actos ao Parlamento. Estamos em plena ditadura, a pior, que é a da intolerância aliada a uma formidável ignorância e impudor.

Aguardemos pois.

Tenho dito.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. António Correia: - Pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças para a situação em que se encontram os povos de Ponte de Sor que as últimas trovoadas reduziram à miséria.

A informação que recebi diz-me que as searas ficaram devastadas, e que os povos daquele concelho lutam com dificuldades para poderem continuar o trato das suas terras.

Chamo também a atenção de V. Exa. para o seguinte telegrama do Rosmaninhal:

Leu.

Sr. Ministro do Interior: não quero fazer mais considerações sôbre êste assunto que não vejo ainda tratado por V. Exa.

V. Exa. é Deputado; e, quando como Deputado ocupar a sua cadeira, daqui mesmo poderá responder às observações que tenho a fazer a V. Exa.

Chamo a atenção de V. Exa. para a situação em que ficaram as famílias dos dois guardas republicanos que estavam de guarda ao avião espanhol, e que foram fulminados por um raio.

Estou certo de que V. Exa. não esquecerá as famílias dêsses dois servidores.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - Acabo de ouvir as considerações do Sr.

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António Correia, e pedirei ao Sr. Ministro da Agricultura que mande proceder imediatamente por pessoa competente à investigação sôbre a situação da população de Ponte de Sor, a fim do lhe prestar ò auxílio possível.

O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho): - Sr. Presidente: respondendo ao Sr. António Correia direi que tomei agora conhecimento, pelo telegrama que V. Exa. leu à Câmara, dos acontecimentos havidos no Rosmaninhal.

Vou imediatamente telegrafar ao Sr. governador civil de Castelo Branco, a fim do que as autoridades administrativas tomem imediatamente conta do caso, e imparcialmente façam o rateio do trigo, tomando as providências que o caso requere.

Devo informar V. Exa. ainda, a propósito dêste assunto, que foram expedidas ordens para que partisse imediatamente para o Rosmaninhal um reforço da guarda republicana para garantia de que ninguém tocasse no trigo, e que alguém possa dizer que para ali foi transportado indevidamente.

Aproveito o ensejo para dizer ao Sr. António Correia que brevemente deve comparecer na freguesia do Rosmaninhal uma pessoa, que desejo seja um magistrado judicial, que completamente independente da guarda republicana o do Sr. governador civil, possa fazer um inquérito in loco, e averiguar tanto quanto possível do caso para que não falte o trigo àquelas localidades.

Também ontem tomei conhecimento do desastre de que foram vítimas dois soldados da guarda republicana que se encontravam em Ponto do Sor de guarda a um avião espanhol.

Quanto a mim, não mo resta a menor dúvida de que êsse desastre foi produzido em serviço e por motivo de serviço, pelo que às famílias dêsses modestos servidores da Pátria e da ordem hão-de ser-lhes garantidas aquelas pensões a que, por lei, têm direito.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. António Correia (para explicações): - Sr. Presidente: pedi a palavra unicamente para agradecer aos Srs. Presidente do Ministério e Ministro do Interior as respostas que me deram sôbre os assuntos que tratei.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente; vi nos jornais a notícia de que constava que o Govêrno ia enviar a Inglaterra, a fira de tomar parte no Congresso dos Caminhos de Ferro, a bonita soma do sete engenheiros, e, é claro, à custa do Estado.

Embora estejamos habituados a ver cousas destas ou semelhantes, custa a acreditar na veracidade da notícia, pelo que me abstenho de fazer os comentários que ela merece, até que o Sr. Ministro do Comércio me diga se ela tem ou não fundamento.

Se a notícia não fôr verdadeira, regozijar-me hei com isso; mas se o fôr, reservo-me para depois fazer os comentários que ela sugere.

Tenho dito.

O orador não reviu,

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Ferreira de Simas): - Sr. Presidente: em resposta às considerações produzidas pelo Sr. Cancela de Abreu, tenho a dizer que suponho que foram muitos engenheiros de caminhos de ferro a Londres, o que não admira, até certo ponto, porquanto as passagens são gratuitas.

São dois os engenheiros nomeados pelo Govêrno um pelo Ministério das Colónias, que é o Sr. Navarro, e outro pelo Ministério do Comércio, que é o Sr. director geral da fiscalização do Govêrno.

Pelos caminhos de ferro, dois engenheiros pediram licença; mas não sei se foram ao congresso por conta dos caminhos de ferro.

Não posso afirmá-lo, mas o que posso desde já dizer é que os dois engenheiros nomeados pelo Govêrno foram aqueles a que fiz já referência.

Devo ainda acrescentar que a subvenção que estava estabelecida ao delegado do Ministério do Comércio, que era de cinco libras, foi modificada para três, o que, como V. Exas. sabem, não é nada demasiado.

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O Sr. Paulo Cancela de Abreu (interrompendo): - Mas os outros foram à custa do Estado, ou não?

O Orador: - Eu não sei se o foram ou não.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu (interrompendo): - Mas os caminhos de ferro são do Estado.

O Orador: - Eu não posso afirmar se foram à sua custa, se à custa do Estado. Tenho dito. O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, com a seguinte ordem do trabalhos:

Antes da ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscrevam):

Parecer n.° 872, que altera as secções de voto em Lisboa e Pôrto.

Parecer n.° 878, que dá nova redacção ao artigo 11.° da lei de 31 de Agosto de 1915.

Parecer n.° 923, que cria um sêlo comemorativo da independência de Portugal.

Proposta de lei n.° 925, que isenta do pagamento de propinas de exame e da inscrição e matrícula nos estabelecimentos de ensino, dependentes do Ministério da Instrução Pública, os alunos de determinadas estabelecimentos e institutos de instrução e de educação.

Projecto de lei n.° 911-E, que cria as freguesias de Vidago e Faiões e eleva à categoria de vila a povoação de Vidago.

Projecto de lei n.° 651-E, que dá a categoria de cidade à capital do distrito de Vila Real, de Trás-os-Montes.

Parecer n.° 860. que torna extensivas aos alunos da Escola Naval e da Escola Militar a doutrina e garantias da lei n.° 1:679.

(Sem prejuízo dos oradores que se inscrevam):

Parecer n.° 851, que estabelece que o produto do imposto a que se refere o artigo 4.° da lei n.° 1:656, arrecadado em cada um dos distritos do Funchal, Ponta Delgada e Angra do Heroísmo, constitui receita das respectivas juntas gerais.

Parecer n.° 581, que suspende temporariamente as disposições constantes do § 3.° do artigo 30.° e do artigo 21.° das leis, respectivamente, de 20 de Março de 1907 e 11 de Abril de 1911.

Parecer n.° 846, que autoriza a Junta de Freguesia de Freamunde a contrair um empréstimo até a quantia de 60.000$ para a exploração e canalização de água potável.

Parecer n.° 847, que autoriza a cedência à Junta de Freguesia de Freamunde, do passal da mesma freguesia.

Parecer n.° 896, que autoriza o Govêrno a aderir à Convenção relativa à organização do Estatuto de Tânger.

Debate sôbre as declarações do Sr. Presidente do Ministério.

Proposta de lei n.° 854, que autoriza o Govêrno, de acordo com o Banco de Portugal, a transferir da conta sob a rubrica "Suprimentos ao Governo(convenção de 29 de Dezembro de 1922)", para a conta sob a rubrica, "Empréstimos ao Govêrno (contrato de 29 de Abril de 1918)" a importância do saldo dos aludidos suprimentos, à data da entrada em vigor desta lei.

Parecer n.° 865-A, orçamento do Ministério das Finanças.

Parecer n.° 865-B, orçamento do Ministério da Instrução Pública.

Interpelação do Sr. Joaquim Ribeiro, ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, sôbre a situação do ex-Ministro de Portugal, em Berlim.

Interpelação do Sr. Brito Camacho, ao Sr. Ministro das Colónias, sôbre a portaria de 21 de Fevereiro de 1925, que nomeia um agente para ir a Moçambique e Angola para obter trabalhadores para S. Tomé e Príncipe.

Parecer n.º 881, que faculta aos párocos que estavam colados nas igrejas do continente e ilhas adjacentes, à data em foi publicada a Lei da Separação, requererem dentro do prazo de noventa dias o reconhecimento do seu direito de aposentação.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 45 minutos.

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Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Ofício

Do Senado, devolvendo, com alterações, a proposta do lei n.° 892, que cria um adicional de 15 por conto sôbre as contribuições cobradas no distrito de Viana do Castelo.

Para a Secretaria.

Projecto de lei

Do Sr. Prazeres da Costa, aplicando aos magistrados judiciais e do Ministério Público o aos funcionários de justiça das colónias o disposto no artigo 5.° do decreto n.° 5:823, de 31 de Maio de 1919.

Para o "Diário do Governo".

O REDACTOR - João Saraiva.

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