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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 106
EM 5 DE AGOSTO DE 1925
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. - Abre a sessão com apresenta de 46 Srs. Deputados.
É lida a acta.
Dá-se conta do expediente.
É admitido um projecto de lei, já publicado no "Diário do Governo".
Antes da ordem do dia. - O Sr. Jaime de Sousa requere que se discuta o parecer n.º 803.
O Sr. Tavares de Carvalho requere a discussão das emendas do Senado respectivas ao parecer n.° 196, Montepio dos Sargentos.
O Sr. Alberto Cruz faz nestes termos um requerimento referente aos pareceres n.ºs 847 e 847.
Parecer n.º 196. São aprovadas as emendas do Senado.
É aprovado sem discussão, dispensada a última redacção, o parecer n.° 893.
Referente ao requerimento do Sr. Alberto Cruz, usa da palavra sôbre o modo de votar o Sr. Alberto Jordão.
O requerimento é aprovado, como são aprovados sem discussão, e com dispensa de leitura da última redacção, os respectivos pareceres.
O Sr. Francisco Cruz apresenta um projecto de lei, para que pede urgência e dispensa de Regimento, que são concedidas, sôbre assuntos de caça.
O projecto de lei é aprovado sem discussão, com dispensa da última redacção.
Ordem do dia. - São aprovadas as últimas actas.
É aprovada a acta, e são aprovadas actas anteriores.
Entra na sala o novo Ministério da presidência do Sr. Domingos Leite Pereira, que faz leitura da respectiva declaração ministerial.
Usam da palavra, seguidamente, os Srs. Rodrigues Gaspar, Cunha Leal, Aires de Ornelas, Sá Cardoso, Domingues dos Santos, que comunica a constituição do Grupo Parlamentar da esquerda democrática, Abranches Ferrão, Lino Neto e Pedro Pita, que fica com a palavra reservada.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. - Declaração de se ter constituído o grupo parlamentar da esquerda democrática.
Abertura da sessão às 15 horas e 30 minutos.
Presentes à chamada 46 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 55 Srs. Deputados.
Srs. Deputados que compareceram à abertura da sessão:
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur do Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Valo.
Baltasar de Almeida Teixeira.
David Augusto Rodrigues.
Ernesto Carneiro Franco.
Feliz do Morais Barreira.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis do Carvalho.
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2 Diário da Câmara aos Deputados
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio do Sousa.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João Teixeira do Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Pedro Ferreira.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho,
Luís da Costa Amorim.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Dias.
António Lino Neto.
António Mendonça.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Virgínío de Brito Carvalho da Silva.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins do Paiva.
Domingos Leito Pereira.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Pires Cansado.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João de Sousa Uva.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro do Carvalho.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros,
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel do Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Sebastião de Herédia.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
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Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
João José Luís Damas.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge Burros Capinha.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa Nápoles.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mariano da Rocha Felgueiras.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Vitorino Henriques Godinho.
Às 15 horas e 20 minutos começa afazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 46 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Requerimentos
De Luís Ramos Portugal, chefe fiscal das Contribuições e Impostos, pedindo o reconhecimento como revolucionário.
Para a comissão de petições.
De João Gonçalves Pereirinha Júnior, pedindo lhe seja mantido o reconhecimento como revolucionário civil.
Para a comissão de petições.
Admissão
É admitido o seguinte projecto de lei, já publicado no "Diário do Governo":
Do Sr. Tavares de Carvalho, considerando promovido, por distinção, a alferes, desde 5 de Outubro de 1910, o ex-segundo sargento Domingos Maria de Carvalho, actualmente tenente do quadro auxiliar dos serviços de artilharia.
Para a comissão de guerra.
Antes da ordem do dia
O Sr. Jaime de Sousa: - Eu requeiro a V. Exa., Sr. Presidente, para entrar imediatamente em discussão o parecer n.° 893, que não exige, pela sua matéria, a presença de nenhum Ministro.
Êste mesmo requerimento já eu fiz na última sessão, mas renovo-o agora, para V. Exa. se dignar submetê-lo à apreciação da Câmara, quando houver número.
O Sr. Tavares de Carvalho: - Sr. Presidente: solicito de V. Exa. a imediata discussão das emendas do Senado ao parecer n.° 196, sôbre o Montepio dos Sargentos.
O Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: peço a V. Exa. para entrarem imediatamente em discussão os pareceres n.ºs 846 e 847, um dos quais me parece que já está aprovado na generalidade.
Entram em discussão as alterações introduzidas pelo Senado à proposta de lei n.° 196, vinda da Câmara dos Deputados.
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4 Diário da Câmara dos Deputados
Artigo 1.° É criado um montepio, com sede em Lisboa, denominado Montepio dos Sargentos de Torra e Al ar, constituído pela classe dos sargentos da metrópole e colónias, o qual funcionará nos termos desta lei o mais preceitos e regras considerados nos seus estatutos, terá coiro o fundos especiais e será administrado por uma direcção sob a dependência e fiscalização do Conselho do Administração da Associação Fraternidade Militar.
§ 1.º Os associados contribuirão para os fundos com a cota mensal, que nos estatutos será fixada.
§ 2.° Aprovado.
Art. 2.° e seus parágrafos. Aprovado.
Art. 3.° O montepio considera-se organizado em 1 de Julho de 1921, sendo a inscrição referida a êste dia obrigatória para todos os sargentos que então estiverem na efectividade de serviço, qualquer que seja a sua idade, com as excepções consignadas nas alíneas a) e b) do § 3.º dêste artigo, sendo facultativo aos mesmos sargentos poderem antecipar a sua Inscrição até 26 de Maio de 1911, data da primeira criação do montepio dos sargentos para os que já tiverem êsse tempo de promovidos, ou à data da sua promoção para os que me houverem ainda atingido êsse período de tempo, satisfazendo as respectivas cotas e ficando com O direito as suas famílias a usufruírem as pensões nas condições preceituadas nos estatutos.
§ 1.º Aprovado.
§ 2.º Aprovado.
§ 3.° e suas alíneas. Aprovado.
§ 4.° Aprovado.
§ 5.° Aprovado.
§ 6.° Aprovado.
Art. 4.º Os sargentos, logo que sejam promovidos para qualquer dos quadros do oficialato, transitam imediatamente para o Montepio Oficial, transferindo, para este efeito, toda a importância com que tiverem contribuído no Montepio dos sargentos, acrescida da capitalização a , que ela tenha dado origem, e ser-lhes há levada em conta naquele montepio a sua primitiva inscrição no Montepio dos Sargentos, para efeito da pensão que houverem de logo.
Art. 5.° Aprovado.
§ 1.° O § único da proposta. Aprovado.
§ 2.° novo. Os sargentos que transitarem para o Montepio Oficial e que deixem de pertencer a êste por qualquer motivo, serão novamente inscritos no Montepio dos Sargentos, aos quais é aplicada a doutrina do artigo 4.° desta lei.
Art. 6.º Os sargentos que passarem à classe civil, qualquer que seja o motivo, e que não estejam compreendidos no artigo anterior o seu § 1.° serão eliminados de sócios, sem direito a indemnização alguma, mas poderão continuar a contribuir, sê assim o declararem, com a cota que pagavam, conservando dêste modo às suas famílias o direito à pensão que lhes competir à data do sou falecimento, direito êsse que cessará quando devedores de quatro cotas.
§ único. Aprovado.
Art. 7.° A direcção do montepio será constituída por um oficial superior do exército ou da armada, que será o Presidente, e por seis associados, sendo um secretário, um tesoureiro e quatro vogais, todos nomeados pelo Ministro da Guerra, de acôrdo com os Ministros do interior, Marinha e Colónias, sob proposta do Conselho do Administração da Associação Fraternidade Militar.
§ 1.° Aprovado.
§ 2.° Aprovado.
§ 3.° A direcção será renovada de dois em dois anos pela substituição de dois vogais. O presidente, secretario, tesoureiro o os suplentes dos diferentes cargos poderão ser reconduzidos.
Art. 8.° Aprovado.
Art. 9.° Eliminado.
Art. 9.° O artigo 10.° da proposta. Aprovado.
§ único. Aprovado.
Art. 10.° O artigo 11.° da proposta. Aprovado.
Art. 11.° O artigo 12.° da proposta. Aprovado.
Art. 12.° O artigo 13.° da proposta. Aprovado.
Art. 13.° O artigo 14.° da proposta. Aprovado.
Art. 14.° O artigo 15.° da proposta. Aprovado.
Art. 15.° O artigo 16.° da proposta" Aprovado.
Art. 16.° O artigo 17.° da proposta. Aprovado.
Palácio do Congresso da República, em 17 de Junho de 1925. - António Xa-
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Sessão de 5 de Agosto de 1925 5
vier Correia Barreto - Inocêncio Ramos Pereira.
Foram aprovadas, sem discussão, as emendas do Senado aos artigos 6° e 7.° do parecer n.° 196.
Foi também aprovada, igualmente sem discussão, a eliminação do artigo 9.°, proposta pelo Senado.
Posto à votação, foi aprovado o requerimento do Sr. Jaime de Sousa, para entrar imediatamente em discussão o parecer.
Êste parecer foi igaalmente aprovado na generalidade e na especialidade , sem discussão. É o seguinte:
Parecer n.° 893
Senhores Deputados. - A vossa comissão de administração pública foi presente o projecto do lei n.° 8Õ5-G, da iniciativa do Sr. Vergilio Saque, que, plenamente justificado no seu relatório, merece a vossa aprovação.
Sala das sessões da comissão de administração pública, em 12 do Março de 1925. - Costa Gonçalves - F. Dinis de Carvalho - Custódio de Paiva - Feliz Barreira - Carlos Olavo.
Senhores Deputados. - O projecto de lei n.° 855-G, da autoria dos Srs. Vergilio Saque e Jaime de Sousa, destinado a autorizar a Câmara Municipal do concelho de Vila do Pôrto (Ilha de Santa Maria, Açores), a vender em hasta pública, independentemente das formalidades das leis de desamortização, os seus baldios julgados dispensáveis do logradouro comum, mereceu o estudo da vossa comissão de finanças. - O projecto de lei em questão visa a dois fins de utilidade pública e económica: um, e permitir-se que a Câmara de Vila do Pôrto obtenha receitas necessárias para custear as obras destinadas à captação, canalização, condução e abastecimento de águas destinadas ao consumo dos habitantes daquele concelho; outro, o de se entregarem terrenos baldios ao amanho e utilidade particular e portanto ao aumento da riqueza pública.
Assim pensando, a vossa comissão de finanças dá ao projecto de lei n.° 855-G, o seu parecer favorável.
Sala das sessões da comissão de finanças, em Abril de 1925. - A. Portugal Durão - Jaime de Sousa - Carlos Pereira, (com declarações) - Pinto Barriga (com declarações) - Viriato Fonseca - António A. Ferrão - Lourenço Correia Gomes, relator.
Projecto de lei n.° 855 G
Senhores Deputados. - A Câmara Municipal do concelho de Vila do Pôrto (Ilha de Santa Maria, Açores) carece de proceder urgentemente aos serviços de captagem, canalização, condução e abastecimento de águas destinadas ao consumo dos habitantes da supracitada vila.
Mas os recursos do que dispõe êsse corpo administrativo não lhe permitem no actual momento o custeio de tais obras, pelo que é justo que o Estado, pelos seus poderes e nomeadamente pelo Poder Legislativo, contribua para que possa ser levado a cabo tam importantíssimo o benéfico melhoramento para os povos da referida Vila do Pôrto.
Assim justificada a apresentação da seguinte projecto do lei, tenho a honra de o submeter à aprovação dos Srs. Deputados:
Artigo 1.° É autorizada a Câmara Municipal do concelho de Vila do Pôrto a vender em hasta pública, independentemente das formalidades das leis de desamortização, os seus baldios julgados dispensáveis do logradouro comum, devendo o produto dessa venda ser exclusivamente aplicado ao custeio das obras destinadas à captação, canalização, condução e abastecimento de águas destinadas ao consumo dos habitantes da referida vila.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 19 de Fevereiro de 1925. - Vergilio Saque - Jaime de Sousa.
O Sr. Jaime de Sousa: - Requeiro a dispensa da leitura da última redacção.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se o requerimento do Sr. Deputado Alberto Cruz, no sentido de entrarem imediatamente em discussão os parecerem n.ºs 846 e 847.
O Sr. Alberto Jordão (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: desculpe V. Exa. que, mais uma vez, eu registe o
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facto de se querer procurar discutir um assunto para o qual é necessária e imprescindível a presença do Sr. Ministro das Finanças.
Nestas condições, e, salvo o devido respeito, não é do admitir o requerimento do Sr. Alberto Cruz.
O orador não reviu.
Em seguida foi aprovado aquele requerimento.
O Sr. Alberto Jordão: - Requeiro a contraprova e invoco o parágrafo 2.° do artigo 116.° do Regimento.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Estão de pé 18 Srs. Deputados e sentados 45.
Está aprovado.
Leu se na Mesa o parecer n.º 840, o qual foi aprovado, vem discussão, na generalidade e na especialidade.
Entrou, em discussão o parecer n.° 847, que foi aprovado sem ser discutido, sendo dispensada, para os dois pareceres referidos, a leitura da última redacção.
São os seguintes:
Parecer n.° 846
Artigo 1.° É autorizada a Junta da Freguesia de Freamunde, precedendo referendum, a contrair um empréstimo com a Caixa Gorai de Depósitos até a quantia de 60.000$, destinados à exploração, captação, condução e distribuição de água potável para consumo público e particular, a auxiliar a construção de dois edifícios escolares para funcionamento das escolas primárias oficiais e à montagem da rode eléctrica para distribuição do energia eléctrica para iluminação e indústrias, dentro da sua área paroquial.
Art. 2.° O Govêrno caucionará êste empréstimo em relação às quantias que dentro de limites expressos no artigo anterior fôr necessário despender para a aquisição e efectivação das obras destinadas às instalações de tais serviços.
Art. 3.° Depois da conclusão das instalações a que se refere o artigo antecedente servirão de primeira caução a êste empréstimo todas as obras realizadas que sejam pertença da junta, passando a ser subsidiária a garantia do Estado.
Art. 4.° A Junta da Freguesia de Freamunde inscreverá anualmente nos seus orçamentos as quantias necessárias para pagamento de juros e amortizações que forem combinadas do empréstimo contraído.
Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrário.
Parecer n.° 847
Artigo 1.° Para auxiliar a construção de dois edifícios, destinados à instalação das escolas primárias oficiais, e de um pavilhão para tratamento de doentes protegidos pela Assistência e Beneficência Paroquial do Freamunde, especialmente crianças e velhos com anexos para funcionamento de uma creche o de um lactário, quando isso fôr possível, é cedido pelo valor da sua avaliação à Junta da Freguesia do Freamunde, do concelho de Paços de Ferreira, distrito do Pôrto, o passal da mesma freguesia, composto do casa de habitação, e terrenos antros de cultura, e uma sorte do mato sita no lugar de Gaia, e logradouro público sito no lugar de Passo, tudo na chada freguesia de Freamunde.
§ único. Esta avaliação será feita por uma, comissão composta do juiz de comarca ou seu representante, por um membro da comissão concelhia e outro da junta do freguesia.
Art. 2.° A referida junta tomará a seu cargo a construção dos edifícios escolares, por onde começará, devendo a sua construção estar terminada dentro do periodo de três anos, a contar da data da aprovação dêste projecto do lei.
Art. 3.° Pelo Ministério da Instrução Pública será nomeada uma comissão composta de três membros para fiscalizar a sua execução, pela junta do freguesia, das obras mencionadas no artigo 1.°
Art. 4.° Nenhum outro fira poderá ser dado aos citados prédios ou ao produto de quaisquer transacções sôbre êles realizadas, devendo a junta elaborar anualmente um minucioso e documentado relatório a enviar à Comissão Central de Execução da Lei de Separação.
Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrário.
O Sr. Francisco Cruz: - Sr. Presidente: publicou se em 1913 uma lei de caça que está actualmente um verdadeiro farrapo, devido às alterações que posteriormente lhe têm sido introduzidas.
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Chega agora ao meu conhecimento, por meio das comissões venatórias, que algumas câmaras municipais se recusam a passar licenças de caça, inibindo-se assim os caçadores de exercerem aquele sport.
Para obviar a tal inconveniente envio para a Mesa um projecto de lei permitindo as administrações dos concelhos passar as respectivas licenças quando as câmaras municipais a isso se recusem.
Como o assunto é urgente, requeiro urgência e dispensa do Regimento para êste projecto de lei.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Consulto a Câmara sôbre a urgência e dispensa do Regimento para o projecto de lei apresentado pelo Sr. Francisco Cruz.
Foi aprovado.
É lido na Mesa o seguinte
Projecto de lei
Artigo 1.° Nos concelhos em que às câmaras municipais não convenha passar as licenças de caça e de furão, nos termos das leis vigentes, ficará êste serviço a cargo das administrações de concelho respectivas.
§ único. A parte das licenças que, segundo a lei n.° 1:717 e o decreto n.° 10:665, pertence às câmaras municipais, reverte neste caso para o cofre dos emolumentos das mesmas administrações de concelho.
Art. 2.° Juntamente com o encargo de passarem as licenças de caça e de furão, ficam as administrações dêstes concelhos com a obrigação de constituírem o fundo especial a que se refere o § único do artigo 47.° da lei n.° 15, com as alterações constantes da lei n.° 1:717 e do decreto n.° 10:665.
§ 1.° Êste fundo será depositado nas agências ou filiais da Caixa Geral de Depósitos, e só poderá ser levantado pelos delegados do Govêrno, para ser aplicado, com as mesmas formalidades exigidas naquela disposição da lei para as câmaras municipais, aos mesmos fins nela determinados.
§ 2.° As municipalidades a que esta lei se refere entregarão às administrações dos respectivos concelhos, para estas o depositarem na conta do fundo especial que constituíram, o saldo do referido fundo que porventura tiverem em seu poder à data da promulgação desta lei.
§ 3.° Nos mesmos concelhos o pagamento voluntário das multas a que se refere o artigo 47.° da lei n.° 15 passa a ser feito nas respectivas administrações.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões, 5 de Agosto de 1925. - Os Deputados, Lúcio Martins - Francisco Cruz - Sebastião de Herédia - João de Sousa Uva.
O Sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.
É aprovado na generalidade e especialidade sem discussão.
O Sr. Francisco Cruz: - Requeiro que seja dispensada a leitura da última redacção.
Foi aprovado.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na ordem do dia.
São aprovadas as duas actas das sessões anteriores sem discussão.
Entrou na sala o novo Ministério da presidência do Sr. Domingos Leite Pereira.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Domingos Pereira): - Lê a seguinte declaração ministerial:
Sr. Presidente: o Govêrno que tenho a honra de apresentar a V. Exa. e à Câmara constituiu-se dentro de condições políticas e sociais cuja gravidade ninguém desconhece. Mas a própria dificuldade dessas circunstâncias converteu a alta missão que me confiou S. Exa. o Sr. Presidente da República num daqueles deveres patrióticos e republicanos a que um homem público não pode eximir-se sem se deminuir e desacreditar. Não esmoreci, por êsse motivo, ante os obstáculos que se ergueram contra o desempenho da minha missão. O encargo era, certamente, pesado demais para mim; mas o dever era imperioso também. Ao fim do meu esfôrço, que só a preocupação de servir a Pátria e a República impunha, tive a felicidade de encontrar nos homens que me
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acompanham a mesma decidida disposição do tudo sacrificar ao cumprimento do dever.
A suprema orientação que vai nortear todos os actos do Govêrno emerge, como n natural, do estudo em que se encontra, neste momento, a vida política do País. Por consequência, à sobre excitação das paixões, à conflagração das tendências excessivamente combativas, oporemos uma serena actuação apaziguadora. Respeitaremos todas as justas reclamações e todos os legítimos direitos, fazendo da justiça a base da acção governativa, procurando estabelecer a acalmia necessária à realização da mais instante aspiração nacional.
Nesta ordem de ideas, se o Govêrno vier a presidir ao funcionamento dos colégios eleitorais, há-de garantir a maior liberdade ao exercício da soberania da Nação. Dentro de uma República parlamentar e democrática, como a nossa, a eleição dos representantes do povo é um acto solene o decisivo. Perante êle procederemos como republicanos que somos, empregando todos os meios para assegurar a genuinidade do sufrágio, para permitir a todas as correntes de opinião a sua lídima expressão parlamentar.
Entretanto, procuraremos honrar o regime, tratando de pôr em prática os critérios administrativos scientificamente melhores e moralmente mais perfeitos. A altura da sessão legislativa em que nos apresentamos ao Parlamento torna desnecessária a habitual indicação de medidas governativas, dependentes, no geral, de uma intensificação da actividade parlamentar, difícil de obter agora, tanto por carência do tempo como pelo excesso de fadiga resultante de um largo período de trabalho já decorrido, Não fazemos, portanto, a pormenorizada enunciação das questões a resolver e das soluções a adoptar.
Se assim não acontecesse, perfilharíamos as propostas apresentadas por Governos anteriores, como as reformas da armada e da educação nacional e outras medidas pendentes do exame do Parlamento. Outrossim elaboraríamos as propostas tendentes a aumentar a eficácia de outros serviços públicos, correspondendo à necessidade de promover o regresso dos vários órgãos do Estado à plenitude da sua acção de fomento e orientação e de os tornar aptos para a obra do reconstrução nacional a efectuar. Seja como fôr, não perderemos de vista, contudo, o objectivo máximo de atingir o equilíbrio orçamental, suprimindo as despesas adiáveis, aperfeiçoando a cobrança das receitas, procurando desenvolver a capacidade tributária da Nação.
Estão, dêste modo, claramente definidos os objectivos e os processos a empregar pelo Govêrno: pacificar na ordem política; moralizar e melhorar na esfera administrativa; reconstruir, de acordo com a experiência e por meios scientíficos no campo económico como no social - eis, em síntese, o que desejamos o pretenderemos realizar.
Estornos certos de que o patriotismo de todos e o ardente republicanismo da grande maioria da Câmara nos auxiliarão sem nos proteger, nos fortalecerá o sem deixarem do nos criticar, colaborando assim o Parlamento com o Govêrno na realização dêste desígnio comum: - bem servir a República para honrar Portugal.
Sala das Sessões, 5 de Agosto de 1925. - O Presidente do Ministério e Ministro do Interior, Domingos Leite Pereira.
O Sr. Rodrigues Gaspar: - Em nome do Partido Republicano Português tenho a honra de apresentar os meus cumprimentos ao Govêrno que acaba do apresentar-se.
O Govêrno presidido pelo ilustre Presidente desta Câmara, que todos os lados vêem com admiração e respeitam pelas suas altas qualidades, é como que uma garantia de que êsse Govêrno há-de corresponder bem as necessidades da República no actual momento, presidido como é por êsse ilustre homem de Estado, dada a longa prática que tem êle já da vida pública.
E um Govêrno constituído também por homens que têm dado boas provas ao serviço da República e da Pátria.
Alguns dos seus companheiros, Ministros da situação anterior, continuam com a mesma dedicação a servir a República.
O Sr. Ministro da Justiça, o Sr. Ministro das Finanças, o Sr. Ministro da Marinha, são figuras bem nossas conhecidas pela sua dedicação ao serviço pú-
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blico, o são bem uma garantia de que continuarão a merecer o respeito e a consideração de todo o País.
Nas pastas da Guerra, dos Negócios Estrangeiros e da Instrução estão também ligaras que nós conhecemos pela sua dedicação, inteligência e, sobretudo, pela forma como têm desempenhado os serviços a seu cargo.
Apresenta-se pela primeira vez na pasta das Colónias um ilustre oficial de marinha, o Sr. Pereira Leito. E um oficial muito distinto, que conhece bem as condições em que se encontram as nossas colónias, e todos esperamos que S. Exa. embora não esteja filiado em qualquer partido, há-de empregar todos os seus esfôrços e a sua vasta inteligência o dedicação para se desempenhar bem da missão que todos sabem ser muito difícil e crítica no momento.
Na pasta do Trabalho está um ilustre e antigo colega nosso, que também já passou pelas cadeiras do Poder. Confiamos que com toda a atenção se há-de dedicar aos assuntos da sua pasta, bem importantes, sobretudo em pontos essenciais que a República tem pôsto do lado, a que não tem dado o desenvolvimento que é indispensável que se dê.
Como vejo com muito prazer que, na pasta da Instrução está aquele ilustre homem público que se tem dedicado do uma maneira excepcional ao estudo do questões tam importantes, o muito especialmente à questão da instrução, que é a base da nova República a estabelecer, mas que infelizmente também ainda não temos podido dar aquele desenvolvimento que era indispensável que se dêsse.
Seja-me permitido chamar a atenção para os dois Ministros que sobraçam as pastas militares.
Todos sabemos quanto devemos às fôrças militares pela sua dedicação, pela forma como sempre acodem, quando necessário, ao restabelecimento da ordem, tanto interna como externa; mas no emtanto é preciso que não esqueçamos que as fôrças militares tem de estar em condições muito especiais, e que é necessário que a República repare para essas condições, em que não, só lutam com a falta de material para bem se desempenharem da sua missão, como ainda se encontram em condições excepcionalmente graves quanto à forma como são reclamados os seus serviços.
Os homens que se integram, ou se dedicam exclusivamente à vida militar, esses homens pela sua dedicação não só afazem a profissões diferentes daquelas a que se dedicaram ao iniciar sua carreira.
Se outros podem realmente dispor no tempo e empregar-se em assuntos diversos dos serviços da sua carreira, para poderem angariar os meios indispensáveis á vida, posso afirmar a V. Exa. que os militares, pela sua dedicação especial, não têm capacidade para entregar-se a assuntos diversos daqueles a que dedicam a sua actividade.
E se nós queremos que realmente os militares se desempenhem bem da sua missão, é indispensável que os ponhamos em condições de bem servir o País, o que é incompatível com as condições, quási miseráveis, em que actualmente se encontram.
Tenho viajado algumas vezes, tenho encontrado lá fora oficiais estrangeiros, o posso afirmar, sem receio de desmentido, que os oficiais portugueses em toda a parte não são inferiores, pela vastidão 'dos seus conhecimentos, aos oficiais dos primeiros estados europeus.
As duas escolas preparam muito bem, com grande desenvolvimento, os seus oficiais.
Mas é pena que êsses homens lutem com as maiores dificuldades, sem andarem pelos jornais e outros meios públicos a dar conhecimento da vida miserável que arrastam.
Nas condições actuais da vida, os oficiais passam tormentos em suas casas, com filhos, muitas vezes sem poderem sair de casa por falta daqueles elementos indispensáveis para se apresentarem cá fora.
Contudo, êsses oficiais desempenham .dignamente as funções que nas horas amargas lhes exigimos.
Para honra da República, é indispensável manter a êsses oficiais os meios de vida compatíveis com uma boa administração, visto que êles sabem portar-se com toda a galhardia.
Sr. Presidente: se queremos ter o direito de exigir, é indispensável que se olhe para êste estado de cousas, que nau é compatível com a moral da República,
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que deve acima de tudo pôr os funcionários em condições de estarem livres de fáceis sugestões, que muitas vezes se manejam para fins ocultos.
Sr. Presidente: ao enumerar os Ministros do actual Gabinete, que já tinham passado pelas cadeiras do Poder, mas que não vieram do Ministério anterior, por lapso não me referi ao Sr. Ministro do Comércio, Mas S. Exa. sabe bem a alta consideração que por êle tenho, como velho parlamentar que é e como homem que tem já dado sobejas provas nas cadeiras da governação pública, que há-de continuar. Eu confio na dedicação e vastos conhecimentos do Sr. Nuno Simões para o desenvolvimento de uma pasta que é das mais importantes, sobretudo nesta ocasião, O preenchimento das pastas do Comércio, dos Estrangeiros e das Colónias deve ser combinado de modo a que os respectivos titulares possam concorrer para um fim: obter o desenvolvimento económico do País, o que está, a bem dizer, sem ser feito. E, Sr. Presidente, é não esperar dos actuais titulares dessas três pastas que, todos unidos, possam, mesmo somente adentro da esfera de acção do Poder Executivo, levar o País a melhores dias, olhando bem de frente o problema do desenvolvimento da riqueza pública, o que é indispensável para melhorar as condições de todos.
Sr. Presidente: vejo a declaração ministerial afastar se das normas geralmente seguidas de vir anunciar à Câmara a realização de muitos princípios, que em geral ficam sempre pelo caminho. Bem me parece que anda o Sr: Presidente do Ministério, numa ocasião destas, com as Câmaras prestes a findarem o seu mandato, e numa época que não é a mais própria para1 trabalhos desta natureza, em resumir tanto quanto possível a sua orientação e tem expor duma maneira clara qual o desideratum do Govêrno: pacificação em matéria política.
Sr. Presidente: O Ministério anterior, que saiu sem justificação alguma, que sara, não por qualquer questão administrativa que pudesse fundamentar uma divergência entre o Poder Legislativo e o Executivo, Ministério saído do Partido Republicano Português, obedecia ao propósito de não declarar guerra a ninguém, de que havia, portanto, de marchar para o acto eleitoral na intenção do empregar todos os esfôrços de maneira que a representação nacional fôsse escolhida livremente, de forma que cada um pudesse votar consoante as suas aspirações, e não em favor dêste ou daquele, deturpando assim a significação política do acto eleitoral, ou recorrendo a meios que tem sido, são e serão condenáveis.
Preside ao actual Govêrno um homem que, como Presidente desta Câmara, é respeitado por todos os lados dela pelas suas invulgares qualidades.
S. Exa. é uma garantia do que se há-de manter êsse princípio estabelecido pelo Partido Republicano Português, a que S. Exa. pertence, e do qual é um dos vultos mais importantes do seu directório, princípio êsse pelo qual vimos lutando de há muito, isto é, de que se façam umas eleições livres, garantindo a todos o votarem segundo a sua consciência.
Eu quis fazer propositadamente esta afirmação, que aliás é idêntica à que fiz quando aqui se apresentou O Govêrno anterior.
Pode o Govêrno contar com o apoio do Partido Republicano Português, apoio êste que não é incondicional, visto que não conheço apoios incondicionais; mas sim una apoio sincero e leal; um apoio de quem confia abertamente no procedimento dos homens que se encontram naquelas cadeiras, que hão-de empregar os seus maiores esfôrços para bem da Pátria e da República.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, remato pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: Manda uma velha praxe parlamentar que os partidos, mesmo os que têm assomo nas bancadas da oposição, dirijam os seus cumprimentos aos homens públicos que vêm assumir as responsabilidades do Poder.
Gostosamente cumpro essa praxe, salientando desde já que no ataque político que vou dirigir, em nome do meu Partido, ao novo Govêrno, não vai a menor censura ou agravo para as individualidades que o constituem.
Não posso deixar de fazer uma referên-
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da especial ao nome do Sr. Domingos Pereira, um dos raros políticos da minha terra a quem devo atenções e finezas pessoais. Sinceramente lastimo vê-lo à frente dum Govêrno que tem todo o aspecto duma afronta ao Partido Nacionalista.
Também me ligam relações de amizade pessoal aos Srs. Ministros dos Negócios Estrangeiros, do Comércio e da Justiça.
Não posso esquecer que o Sr. Vasco Borges, e mais duma vez dentro desta Câmara, me tem afirmado corajosamente a, sua solidariedade em atitudes políticas que eu assumo com o exclusivo intuito de ver a República engrandecida e prestigiada.
Se me fôsse permitido nesta hora orientar as minhas palavras por sentimentos de carácter pessoal, eu. diria iodo o meu pesar por ver êsses homens comprometidos numa situação política que, longe de realçar os seus méritos, só poderá apoucá-los e deprimi-los, pelo artifício que representa, pela falta de ambiente para uma obra governativa inspirada no propósito de bom servir a Pátria e a República.
Vem de longe a afirmação de que a nacionalidade portuguesa atravessa uma hora grave.
Quando eu era rapaz, algumas vezes assisti, no tempo da Monarquia, a sessões desta Câmara.
Impedia-me o desejo de ouvir as palavras incisivas e brilhantes dos Deputados republicanos. Que diziam êles? Que a Pátria estava em perigo e que só a República a podia salvar.
Infelizmente, implantada a República há quinze anos, ainda não foi possível eliminar da vida portuguesa os erros políticos, económicos e sociais, que justificavam as apreensões dos ardentes propagandistas do credo republicano.
A hora continua a ser grave, e se é certo que a Pátria não morrerá, porque a sua imortalidade foi há muito conquistada pelo sangue e pelo heroísmo* dos nossos antepassados, e se é também certo que a República não pode ser culpada dos erros e dos crimes praticados por homens que dizem servi-la, eu quero afirmar, Sr. Presidente, a minha inteira e triste convicção de que nos esperam ainda, longas e amargas horas de luta fraticida para se dar combate decisivo aos erros graves, aos miseráveis artifícios que continuam a envenenar a sociedade portuguesa.
Antes de entrar na análise do desgraçado pensamento político que determinou a constituição do actual Govêrno, vou referir-me a umas estranhas palavras publicadas hoje no Diário de Noticias.
Diz êsse circunspecto órgão da imprensa, presumindo adivinhar a atitude dos nacionalistas perante o Govêrno:
"O seu leader, Sr. Cunha Leal, dirigirá o seu ataque não ao Govêrno, que parece não lhe interessar, mas ao Sr. Presidente da República, constando, no emtanto, que a Presidência da Câmara dos Deputados está disposta a intervir se êsse ataque se tornar mais vivo".
Tive a felicidade de ser discípulo de português do Sr. Presidente da Câmara, que me ensinou o que sabia, aprendendo eu depois o que pude aprender. Não deixarei de dizer uma única palavra das que penso proferir. Mas pode estar tranquilo o Sr. Presidente.
Se a sua anunciada intervenção é para corrigir excessos de linguagem que certas almas timoratas porventura receiam que eu cometa, S. Exa. não terá de intervir. Sei como hei-de dizer tudo aquilo que quero dizer.
Para definir nitidamente a posição do Partido Nacionalista em face do novo Govêrno, é indispensável analisar as suas características fundamentais, confrontando-as com as do Govêrno anterior.
O que era o Govêrno do Sr. António Maria da Silva?
O que é o Govêrno do Sr. Domingos Pereira?
O Govêrno do Sr. António Maria da Silva um um Govêrno de independentes e de empreguemos a palavra, porque ela passou à história-bonzos.
Entendo que vale a pena fixar esta pitoresca designação, tanto mais que surgem abalizadas opiniões concordes na explicação de que toda a nossa política não passa dum verdadeiro pagode chinês.
O Govêrno anterior era, pois, um Govêrno de bonzos e independentes, presidido por um bonzo.
Anunciava que procuraria fazer uma
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política republicana, uma administração honesta e umas eleições livros.
O que é o Govêrno actual?
Um Govêrno do bonzos e independente, com o mesmo programa, presidido por um bonzo, o bonzo que, segando por á se afirma, era dos mais enérgicos combatentes duma política à poigme contra a chamada falange dos canhotos, que assim se designam, creio eu, por desejarem realizar uma política canhota, de movimentos torcidos e destrambelhados.
Mas - pregunto - sendo os dois Governos tam iguais, como duas cousas iguais o podem ser, será verdade que o Partido Republicano Português, depois de ter expelido do seu seio a praga dos "canhotos" esteja minado já pelos fermentos duma nova scisão? A tarântula da dissolução terá porventura provocado novas scisões? O Govêrno actual representará dentro dos "bonzos" uma corrente diferente daquela que tem no Sr. António Maria da Silva, o sou máximo pontífice? Eis o que importa estabelecer.
O Govêrno do Sr. Domingos Pereira teve a felicidade de herdar do Govêrno Anterior quatro dos seus membros mais respeitáveis. Acontece que ontem êsses quatro Ministros do Sr. António Mearia da Silva e do Sr. Domingos Pereira só reuniram D um hotel do Monte Estoril, em ágape fraternal, com os outros Ministros só do Sr. António Maria da Silva. Decorre a almoçata alegro e palreira. Depois da refeição, servida com um vinho branco que só diz constituir um dos não menos preciosos títulos de glória do ilustre Ministro do Trabalho do Govêrno anterior, os convivas fizeram o que todos os portugueses habitualmente fazem em circunstâncias idênticas: falaram, com a língua um tanto ou quanto desentaramelada. Nos copiosos brindes, de que os jornais deram notícia não menos copiosa, foi marcada a posição do actual Govêrno por forma tam expressiva, que nós já conhecíamos o programa do Sr. Domingos Pereira mesmo antes de S. Exa. proceder gravemente à leitura do simpático e delicioso papelinho que nos fez chegar às mãos a laia de declaração ministerial.
Vejamos o que foram êsses brindes segundo o relato do insuspeito Diário de Noticias. O que deles se depreende, quero acentuá-lo desde já, é que os Ministros do Sr. António Maria da Silva assumiram no Govêrno do Sr. Domingos Pereira a posição de sentinelas vigilantes do pontífice máximo dos "bonzos". Disse o Sr. Gaspar de Lemos:
"... que o Sr. António Maria da Silva nunca merecera tanto da República e do seu Partido como agora, afirmando que fora êsse político que vencera, sendo uma ilusão dizer-se que êle entra, e que se fazia parte do actual Ministério é porque tinha a certeza e garantias firmes de que êle havia de seguir a política que o anterior representava".
Quem seria o inconfidente que teria dito ao Sr. Gaspar do Lemos que o novo Govêrno ia seguir a política do Sr. António Maria da Silva? Como só vejo acima do S. Exa. em categoria política dentro do Ministério, o Sr. Domingos Pereira, cheio do Govêrno, tenho de concluir que o Sr. Gaspar de Lemos ouviu da boca do Sr. Domingos Pereira categóricas afirmações que lho permitiram fazer as declarações solenes do almoço do Monte Estoril, E tenho de concluir também que o chefe do Govêrno e a segunda encarnação do Sr. António Maria da Silva, à semelhança do que em tempo sucedia com o Sr. Álvaro de Castro, encarnado durante muitos meses nos vários Presidentes dos Ministérios que só seguiram ao seu Govêrno.
A seguir ao Sr. Gaspar de Lemos falou o Sr. Tôrres Garcia, que, também não tem papas na língua. Vale a pena recordar as suas afirmações:
"Com uma grande veemência corroborou as declarações do Sr. Gaspar de Lemos, de que a sua conservação no Poder era a prova mais decisiva de que o actual Govêrno há-de seguir a orientação e a directriz do que o antecedeu. Exortou vivamente o Sr. António Maria da Silva a que não interrompesse a sua actividade política. Considera esto político como o porta-estandarte do seu Partido. Se persistir em abandonar temporariamente o Parlamento conserve-se ao menos no Directório, onde o seu conselho é tam respeitado e necessário. Referindo-se depois aos chamados radicais do seu Partido disse que êles eram incapazes de realizar
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o programa radical e a coesão do programa do Partido Republicano Português".
Como V. Exa. verifica, Sr. Presidente, o Sr. Tôrres Garcia foi mais além que o Sr. Gaspar de Lemos, porque passou aos "canhotos" um diploma do formal incapacidade.
O Sr. Augusto Monteiro, ilustre Ministro da Justiça, proferiu um discurso que pareço ter feito recordar aos convivas os períodos áureos da eloquência ateniense. Valha-nos isso! Sempre é mais agradável ouvir um orador - mesmo quando êsse orador se encontra fora da razão e da verdade - exprimir-se em bom português do que em qualquer algaraviada de trapos. E o Sr. Ministro da Justiça não esteve com reservas nem pôs reticências nas suas palavras. Disso francamente que o Sr. Domingos Pereira lhe garantira que o novo Govêrno seguiria uma política igual à do anterior.
Assim já temos três fiadores de que o Sr. António Maria da Silva, que muita gente imagina não estar na sala, se encontra aqui a dois passos sob o disfarce do Sr. Domingos Pereira. Não sei como S. Exa. arranjou uma máscara tam diferente. O que é certo é que quem se encontra ali é o Sr. António Maria da Silva.
O Sr. Ministro da Marinha também fez o seu brinde na palreira almoçata. Afastando-se de considerações políticas, S. Exa. não destruiu, todavia, nenhuma das afirmações dos seus colegas.
O novo Govêrno, repito, é uma segunda edição do Govêrno António Maria da Silva, não sei se incorrecta e deminuída, mas, em todo o caso, uma segunda edição. E nem podia deixar de ser assim, dado que dele fazem parte homens como o Sr. Vasco Borges, um dos mais galhardos paladinos da política do Sr. António Maria da Silva, como o Sr. Ministro da Guerra, cuja amizade pelo pontífice máximo dos "bonzos" é sobejamente conhecida, e como o Sr. João Camoesas, que ainda há pouco, num esfôrço hercúleo, sobreúmano, durante 9 horas espraiou a sua imaginação por todas as regiões da terra, à espera que das nuvens caíssem alguns Deputados que pudessem salvar o agonizante Govêrno do Sr. António Maria da Silva.
Já afirmei toda a minha consideração pessoal pelo Sr. Domingos Pereira. Releve-me a Câmara se ainda lhe vou prender a atenção durante alguns minutos com a análise da personalidade política, do Sr. Presidente do Ministério. A S. Exa. devo, entre outras demonstrações de estima, a do, juntamente com o Sr. Vasco Borges, depois do movimento de 19 de Outubro, me convidar a ingressar com êles no Partido Democrático. Não pude aceitar o convite, por motivos de incompatibilidade política que todos conhecem, mas nem por isso foi menor o meu reconhecimento por essa prova de deferência.
A feição saliente do Sr. Domingos Pereira é a sua extrema correcção, que nos leva a considerá-lo um adversário leal. Eleito quási por unanimidade para o alto cargo de Presidente da Câmara, o Partido Nacionalista não se arrependo de ter votado no seu nome, tam certo é que S. Exa. nunca deixou de exercer essa elevada função com a mais requintada imparcialidade. Dentro da lógica das suas afirmações e dos seus actos, o Sr. Domingos Pereira foi perdt-ndo as suas características de partidário para entrar na, categoria dos homens públicos que só a República pertencem. Compreendíamos a posição de S. Exa. presidindo a um Govêrno de concentração republicana, se possível fôsse organizá-lo. Surpreende-nos ver o seu nome à frente dum Govêrno partidário, pois a entrada dalguns independentes não lhe retira de facto essa qualidade, e mais nos surpreende que S. Exa. se disponha a ser intérprete da" ordens do Directório do seu Partido e se resigne a encarnar no poder a pessoa do Sr. António Maria da Silva.
Durante dias consecutivos andou o Sr. Domingos Pereira à procura de Ministros e de apoios, porque uns e outros lhe escasseavam e fugiam a todos os instantes. Como explicar essa triste pertinácia num homem que ninguém acusa de dominado pela ambição do Poder? Porque o Sr. Presidente da República renunciaria se porventura S. Exa. declinasse o encargo do formar Govêrno, e porque algumas pessoas se lembraram do nome de S. Exa. para substituir o Chefe do Estado. São estas as duas razões invocadas em conversas de toda a gente para absol-
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ver o Sr. Domingos Pereira do triste espectáculo que durante alguns dias ofereceu ao País.
Mas então o Sr. Presidente da República pode forçar-nos a acoitar um Presidente de Ministério sob a coacção da sua renúncia? E o Sr. Domingos Pereira não se lembrou de mostrar no Sr. Presidente da República a enormidade da sua atitude? Contra esta coacção eu quero lavrar o meu mais indignado protesto. Se o Sr. Presidente da República queria renunciar mais uma vez, que renunciasse, que se fôsse embora para onde menos dano causasse à Nação. Não havia outra resposta a dar-lho.
Mas, Sr. Presidente, também se afirma que o Sr. Domingos Pereira, porque alguém lhe segredou ao ouvido, que S. Exa. seria para muita gente um bom candidato à presidência da .República, e era-o na verdade...
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Domingos Pereira): - Peço licença para dizer a V. Exa. que nunca mo passou pela cabeça a possibilidade do deixar ir por diante as boas intenções, se as havia, do quem quer que fôsse que pretendesse indicar-me para o cargo de Chefe do Estado.
O Orador: - Não compreendo bom a interrupção do Br. Presidente do Ministério. Eu afirmei que S. Exa. era na verdade para muita gente, o poderia sê-lo até para mim um bom candidato à Presidência da República. Mas o que também afirmo é que não é legítimo nem razoável obrigar a Nação a pagar os escrúpulos do Sr. Domingos Pereira, e é pagar muito caro os escrúpulos do S. Exa. ter de aceitar um Ministério que mais vem enredar a política português,!, o que só do artifício poderá viver.
Através de tudo, contra todas as expectativas hostis, contra todas, as ameaças disfarçadas em bons sorrisos, o Sr. Domingos Pereira conseguiu organizar o seu Govêrno. Perante o resultado das inglórias e teimosas démarches do Sr. Presidente do Ministério só há duas posições lógicas: a dos bonzos e a dos nacionalistas. Os primeiros apoiam - o Govêrno, porque é constituído à sua imagem e semelhança; os segundos manifestam-lhe a sua desconfiança, porque êle tem as mesmas características do Govêrno anterior. E qual será a posição dos outros agrupamentos? Os canhotos vão apoiar um Ministério de bonzos-e do bonzos que aceitaram o mandato imperativo de fazer a política do govêrno anterior? He assim fôr, teremos de concluir que os canhotos só votaram contra o Ministério do Sr. António Maria da Silva por embirração pessoal com S. Exa., o que demonstrará que a política da República está à mercê das embirrações pessoais, de bonzos e canhotos. E os accionistas, que consideraram detestável o Govêrno do Sr. António Maria da Silva, vão julgar agora excelente esta segunda edição do mesmo Govêrno?
Conheço bem o Sr. Domingos Pereira. Sei que S. Exa. é incapaz do ter urdido nos bastidores da política quaisquer compensações a dar àqueles grupo em troca do seu apoio. Mas como explicar então que êles não votem, conforme os jornais anunciaram já, qualquer moção de desconfiança apresentada ao novo Govêrno? Não tem êle o mesmo objectivo político do governo anterior? Não foram bom explícitas e terminantes as declarações da alegre o palreira almoçata do Monto Estoril?
Paira em tudo isto um mistério a decifrar. Não se teria manifestado junto de canhotos e accionistas uma pressão semelhante à que foi exercida junto do Sr. Domingos Pereira? Não teria partido de Belém qualquer sugestão que o convencesse de que a queda do gabinete Domingos Pereira faria com que só retirasse da soma política o principal sustentáculo do canhotos e accionistas? Deixo esta interrogação à consciência da Câmara. Responda cada qual como quiser.
Terminado o confronto entre o Govêrno anterior e o actual, postas em foco as atitudes dos partidos e dos grupos, vamos proceder agora à história da crise, narrando os factos o comentando-os devidamente.
Há uma flagrante coincidência de aspectos entre a situação política determinada pela queda do gabinete" António Maria da Silva o as condições em que só produziu a queda do Govêrno presidido pelo Sr. Ginestal Machado. Em 10 de Dezembro de 1923 veio para a rua
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um movimento revolucionário. O Govêrno, depois de o dominar, entendeu que devia pedir ao Sr. Presidente da República a dissolução do Parlamento - e logo direi as razões fundamentais que determinaram êsse pedido. O Sr. Presidente da República não quis conceder a dissolução, e o Govêrno Ginestal Machado, sem meios constitucionais para governar, demitiu-se. O Sr. António Maria da Silva, derrubado pelo Parlamento, sem que de cousa alguma lhe valesse ter arranjado um conflito entre a Câmara e o Senado, teve também de sufocar um acto revolucionário. Pediu a dissolução ao Sr. Presidente da República e, em resposta, S. Exa. mandou um telegrama ao Sr. José Domingues dos Santos, associando se à homenagem que os seus correligionários canhotos lhe prestavam. O Sr. António Maria da Silva demitiu-se.
Para que a Câmara possa compreender nitidamente as atitudes do Sr. Presidente da República em relação ao Partido Nacionalista permita mo V. Exa. Sr. Presidente, que eu recorde o que se passou no dia em que S. Exa. foi eleito, faz hoje precisamente dois anos. O Partido Nacionalista, verificando, depois do segundo escrutínio, que a maioria democrática não desistia do fazer vingar a eleição do seu candidato, resolveu votar com listas brancas no escrutínio final. Fê-lo conscientemente, propositadamente, para afirmar um protesto e vincar uma atitude. Cumpria ao Chefe do Estado, depois de eleito, demonstrar pelos seus actos que as nossas apreensões eram erradas, que êle seria, na verdade, não o representante de uma facção, tudo comprometendo para defender os seus interêsses, mas um Chefe de Estado que sabia impor-se ao respeito e à consideração de todos os portugueses. Não sucedeu assim. Os factos vieram demonstrar que os nossos receios eram cabidos, que o nosso protesto se justificava.
Sabíamos que o candidato da maioria democrática estava completamente alheado dos incidentes da política portuguesa. Não conhecia os seus homens. Vivia na completa ignorância dos seus defeitos e das suas virtudes. Desnacionalizado por longas permanências fora do País, sem nunca ter estabelecido contacto com o povo, incapaz, pelas bizarrias do seu temperamento, de se integrar nas aspirações francas e leais do sentimento português, o candidato democrático outra cousa não poderia ser na Presidência da República senão... um candidato democrático.
Conhecíamos, de resto, alguns trechos dos seus livros, que nos mostravam suficientemente as vertiginosas alturas por onde pairava a sua bizarra compleição artística, à busca de emoções inéditas, de sensações rafinées. Não, Sr. Presidente! Nem nós poderíamos compreender êsse artista, nem êle nos compreenderia a nós. Votámos em listas brancas.
Quere V. Exa. conhecer, Sr. Presidente, um trecho onde transparece, veladamente embora, o estranho temperamento artístico do cidadão que foi eleito há dois anos Presidente da República? Vem no Agosto Azul, a pag. XXV. Vou ler à Câmara:
"Ora a idea manifesta uma forma de sentir, uma percepção do mundo externo que deve ser como êle, omnímoda, e então acode-me que o artista exclusivamente viril ou exclusivamente feminino, a quem falte o hermafroditismo intelectual suficiente para destrinçar as sensações, as sensações e os sentimentos dos dois sexos e ainda idealizar o que seriam os sentimentos no estado andrógino integral, êsse artista afirmar-se há sempre incompleto e quási sempre banal."
Ora nós consideramos o cidadão em causa como um artista completo!
Também sabíamos, quando na urna lançámos as nossas listas brancas, que Fialho de Almeida assim falara na Lisboa Galante, dêsse inquieto viajante, que pelo Universo deambulava, para satisfazer uma curiosidade sempre insatisfeita:
"Quási todos os meus amigos viajam e um deles, Teixeira Gomes, a fantasia mais extravagante que eu ainda pude admirar em português, e que anda flanando actualmente pela Itália..."
Pois de Veneza o Sr. Teixeira Gomes escreveu a Fialho de Almeida as impressões que seguem:
"Encontrei em Veneza um fura-vidas que me dá o tipo de certos espertalhões
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que por aí fazem fortuna. O homem vai a Roma pedir aos Ministros uma importante concessão: descobriu a receita de matar piolhos sem estalo. Não podes calcular o barulho que isto está fazendo em Itália."
Ah! Sr. Presidente! Nós receámos que o candidato democrático viesse para Portugal matar êsses insectos com tanto estrondo, que êste se pudesse contundir com tiros de canhão. Votámos em listas brancas.
Mas, dir-se-há: o Partido Nacionalista já foi chamado a constituir Govêrno, e por sinal até que â breve trecho da eleição daquele candidato. É verdade! Fomos chamados ao Poder... para se nos armar uma cilada. Emquanto cumpríamos o nosso dever, adoptando todas as medidas tendentes a dominar o acto revolucionário que veio então para a rua, o Sr. Presidente da República, talvez levado pelo seu temperamento irriquieto e bizarro, percorria, de noite, os quartéis da guarnição, tentando até transportar-se a bordo do navio revoltado. O nosso dever, desde essa hora, era submeter S. Exa. a uma prova de confiança. Foi o que fizemos, pedindo-lhe a dissolução. S. Exa. negou-a e encarregou o Sr. Álvaro de Castro de organizar Govêrno.
A cilada tinha produzido todos os seus efeitos contra o Partido Nacionalista. Desacreditava-se esto partido com uma campanha de calúnias semelhante à que foi dirigida há pouco contra o Govêrno do Sr. António Maria da Silva, e chamava-se ao Poder o homem público que tinha nessa altura abandonado o Partido Nacionalista, dessa forma incitando o protegendo os elementos que o tinham apoiado na sua atitude do rebeldia. O Poder era conferido como um prémio dado á scisão feita no Partido Nacionalista. Êste partido, constituído pelos réprobos das listas brancas, não voltou a ter direitos de cidade.
Para impedir a sua ida ao Poder organizou-se um bloco de pedra solta, na frase verdadeira e pitoresca do Sr. Rodrigues Gaspar. Cimentava-o, todavia, o ódio que sôbre o Partido Nacionalista irradiava das mais altas esferas da República.
Assistimos então a êste espectáculo, com certeza inédito na história de todos os regimes parlamentares: o Partido Democrático, que constituía o elemento preponderante e de influencia decisiva no improvisado bloco de pedra solta, chamado a resolver todas as crises ministeriais, que do próprio exterminava com os seus votos no Parlamento!
Cai o Sr. Álvaro de Castro, é chamado o Sr. Rodrigues Gaspar; cai o Sr. Rodrigues Gaspar, é chamado o Sr. José Dominguos dos Santos; cai o Sr. José Domingues dos Santos, é chamado o Sr. Vitorino Guimarães; cai o Sr. Vitorino Guimarães, é chamado o Sr. António Maria da Silva; cai o Sr. António Maria da Silva, é chamado o Sr. Domingos Pereira. E será sempre assim, emquanto na Presidência da República estiver o bizarro cidadão que o Partido Democrático elegeu.
Só o Partido Democrático pode governar.
Os Srs. António Maria da Silva e José Domingues dos Santos cortam as suas relações pessoais? O Sr. Presidente da República, com a sua renúncia, obriga-os a uma reconciliação. Acima de tudo os interêsses do Partido Democrático. Êste divide-se em dois grupos, perde a sua posição de maioria dentro do Parlamento? Não importa! Chama-se outra vez o Partido Democrático, com maioria ou sem maioria, a ver se um Govêrno de conciliação partidária pode fazer voltar a paz às hostes que elegeram o Sr. Presidente da República.
Só o Partido Democrático, sempre o Partido Democrático! O resto da Nação não conta; é quantidade desprezível para o irrequieto viajante que ao instalou na Presidência da República.
É demais! Sindido o Partido Democrático, derrubados pelo Parlamento cinco Governos que nesse partido se apoiavam, a lógica politica, a moral política mandavam que o Partido Nacionalista fôsse chamado a governar. Êle apresentaria ao Parlamento as suas ideas sôbre administração pública, as soluções que os seus homens preconizam para os vários aspectos da crise nacional. E se não obtivesse apoio para a realização do seu programa, a Nação decidiria em última instância, manifestando nas urnas a sua vontade.
Êste é que era o caminho indicado
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pelos princípios constitucionais e pela própria essência do regime parlamentar. E assim seria se estivesse em Belém um Presidente da República, e não o delegado duma facção.
Sendo esta a situação, só uma atitude digna resta ao Partido Nacionalista: cortar as suas relações com o candidato instalado em Belém, há dois anos, pelos votos do Partido Democrático. Não seremos cúmplices da comédia política que se vem desenrolando. Não acudiremos mais ao chamamento daquele cidadão, quando êle nos quiser ouvir sôbre novas crises ministeriais. Contente-se com o Partido Democrático, governe com o Partido Democrático, atenda as instruções do Directório da Travessa da Água de Flor, para as conciliar com a sua protecção a canhotos e accionistas!
Condenamo-nos, voluntariamente, ao ostracismo, emquanto em Belém estiver o mesmo cidadão. Apelaremos para o Pais. Faremos a nossa propaganda eleitoral sôbre a base da destituição do Sr. Presidente da República. Diremos ao eleitorado que cada voto que nas urnas entre em favor dum candidato nacionalista é um voto que pede a destituição do Presidente da República. Se formos vencidos, se o bizarro cidadão que se encontra em Belém ali continuar até ao termo do seu mandato, teremos, ao menos, sido a êste País um alto exemplo de dignidade política, de isenção e de nobreza.
Tenho dito.
O orador foi cumprimentado por todos os seus correligionários.
O Sr. Aires de Ornelas: - Sr. Presidente: tendo dito da sua justiça a oposição republicana, cabe a vez de o fazer à oposição monárquica, e fá-lo há, naturalmente, debaixo de um ponto de vista absolutamente diferente, visto que as questões que existem entre os políticos da República e o Chefe do Estado não interessa a nós oposição monárquica.
Como representante da causa monárquica e como leader da minoria monárquica, eu dirijo a V. Exa., nos termos da praxe, os meus cumprimentos ao Govêrno, sendo-me lícito distinguir o seu Presidente, a quem folgo em prestar homenagem do meu respeito, pela imparcialidade que soube manter na discussão, quando presidia aos trabalhos desta Câmara; o destaco ainda o meu antigo camarada do África, o Sr. general Vieira da Rocha, a quem incumbe uma difícil missão, porque os movimentos que se têm dado no exército são de molde a chamar a atenção de todos os políticos dignos dêsse nome.
Por mais de uma vez vários oficiais se têm manifestado a favor do um Govêrno Nacional para a resolução dos problemas que mais interessam o País. Êste critério merece muita atenção, como a própria discussão observa hoje nesta casa do Parlamento.
Sr. Presidente: estive agora três vezes no estrangeiro; estive na Itália, na Alemanha e na França, o parece-me que posso afirmar, som exagero, que poucas vezes tenho notado um tam cubiçoso interêsse pelo domínio colonial português-e se me sirvo da expressão cubiçoso interêsse, é porque tive a impressão de que êsse domínio não está garantido como devia estar. Não digo pela fôrça pública, mas por não estar subordinado àquelas normas de administração que hoje se pretendem estabelecer em todas as nações coloniais.
O Sr. Ministro das Colónias deve encontrar na sua Secretaria um relato do que se tem passado na conferência de Genebra. Nada sei senão pelo que se diz nos meios políticos e das informações dos jornais, que são de molde a fazer acreditar que a situação foi muito grave.
Creio que a habilidosa interferência e a dedicação e conhecimentos do Sr. Freire de Andrade poderiam ter vencido o que se oferecesse de mais grave; mas não creio que S. Exa.: tivesse mais do que afastado momentaneamente essa situação.
São estas cousas que eu recomendo ao Govêrno, porque são questões muito mais importantes do que as questões entre bonzos e canhotos. Apoiados.
O Sr. Ministro dos Estrangeiros também encontrará na sua Secretaria um assunto para o qual devo chamar a atenção de S. Exa.: a questão da pesca nas águas territoriais portuguesas.
É necessário que S. Exa. com muita brevidade elucide a Câmara sôbre o assunto.
Não quero deixar passar sem reparo as informações da imprensa atribuídas a um
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membro do Directório espanhol, porque, não basta dizer que o Regulamento espanhol foi traduzido do Regulamento português, porque há uma diferença capital. Ha que distinguir, como dizem os nossos irmãos espanhóis.
Também se faz uma referência à imparcialidade do próximo acto eleitoral.
Espero que esta esperança se confirme, e não suceda o caso de serem correligionários nossos corridos a cavalo marinho das assembleas eleitorais.
Os assuntos a que me referi creio que se podem classificar de muito sérios e que devem merecer a atenção de todos, e foi para isto que eu pedi a palavra.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Cardoso: - Sr. Presidente; Manda a praxe, que cumpro gostosamente, cumprimentar os novos Ministros, e a êles, pois, dirijo as minhas saudações, não podendo esquecer também que antes de S. Exa. a estarem naquelas cadeiras esteve lá ,um, outro Ministério, ao qual não, posso também deixar de apresentar as minhas saudações.
Sr. Presidente: entre os Ministros que ocupam aquelas cadeiras alguns há que transitaram do Ministério do Sr. António Maria da Silva, e todas os outros desempenharam já as funções do Ministro, pelo que me dispenso de fazer o elogio de cada um em especial, permitindo me a Câmara que, eu faça uma excepção para com o Sr. Ministro do Comercio, meu velho amigo e camarada, afastado das lutas políticas, calculando que fui com grande sacrifício que terá acedido ao pedido, que lhe foi feito pelo Sr. Domingos Pereira.
Republicano como S. Exa. é, eu não posso deixar do lhe apresentar as minhas saudações, tanto mais quanto é certo que é esta a primeira vez que S. Exa. é Ministro e vem a esta casa do Parlamento.
Sr. Presidente: ao Presidente do Ministério, Sr. Domingos Pereira, eu dirijo também as minhas saudações especiais, como Presidente da Câmara que foi, como companheiro do Ministério Álvaro de Castro e como Presidente do actual Ministério, para a organizações do qual S. Exa. revelou grande coragem e tenacidade, pois a verdade é que S. Exa., apesar das grandes dificuldades que teve para organizar Ministério, tinha dito que o havia do organizar, e organizou-o.
Evidentemente, Sr. Presidente, o Ministério que S. Exa. organizou não é do nosso agrado, pois a verdade é que êle não tem aquela característica que S. Exa. havia indicado ao sair de Lisboa, e que era, a forma que a Acção Republicana preconizava.
Eu sei, Sr. Presidente, que S. Exa. quis organizar um Ministério nessas condições; porém, não o pôde fazer.
Diz-se, Sr. Presidente, que o actual Ministério vem seguir a política do Ministério do, Sr. António Maria da Silva, Porém, eu entendo que essas afirmações não podem nem devem, ser feitas por Ministros, isoladamente, em conversas fora das cadeiras do Poder; quem deve marcar essa orientação é, o Presidente do Govêrno.
Na verdade, o Sr. Presidente do Ministério apresentou uma declaração ministerial fora do vulgar, mas não posso deixar, de declarar que ela está coerente com o meu modo de ver neste momento. Organizando S. Exa. o Ministério nas condições em que o organizou, não era lógico que nos apresentasse uma declaração ministerial como tantas outras que aqui se têm apresentado que se não podem cumprir.
Sr. Presidente o principal merecimento da acção desenvolvida pelo Sr. Domingos Pereira está na circunstância de S. Exa. ter conseguido resolver a crise ministerial que de longe vinha.
Desde a queda do Govêrno presidido pelo Sr. Vitorino Guimarães temos sempre vivido, em crise ministerial.
Pelo facto de ter estado no Poder o Govêrno a que presidiu o Sr. António Maria da Silva, não deixou de existir a crise. Ela manteve-se, pois, como é sabido, o Sr. António Maria da Silva viveu desde o primeiro dia da constituição do seu Govêrno em crise permanente. Era natural que assim, sucedesse, desde que alcançara apenas a maioria de um voto. É pouco!
E certo que o partido católico governou na Bélgica porto de vinte anos apenas com um voto de maioria. Mas lá dera-se então a circunstância, que não, é para desprezar, de não ter êsse partido.
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tido senão um voto de maioria nas eleições feitas. Entre nós não se dava o mesmo caso. A situação era diversa.
Querendo manter-se no Poder apenas com um voto de maioria nesta casa do Parlamento, o Sr. António Maria da Silva deu provas de pensar agora de maneira diversa da que pensava quando fez parte dum Govêrno, a que eu tive a honra de presidir.
Então êsse meu Govêrno obtivera nesta casa do Parlamento uma maioria de 12 votos. Num rápido Conselho de Ministros, realizado emquanto decorria a votação, foram consideradas as diversas hipóteses do resultado da votação, e, ao ser conhecido o resultado dela, foi o Sr. António Maria da Silva um dos primeiros a concordar com a opinião de que 12 votos não eram suficientes para o Govêrno caminhar. Foi assim que logo a seguir apresentei a demissão do Gabinete.
Agora, S. Exa. entendia que podia caminhar só com um voto de maioria. Caminhou em crise!
Sr. Presidente: em face dos princípios enunciados na declaração ministerial que, aliás, já tinham sido indicados por S. Exa., o Sr. Presidente do Ministério, em carta que teve a gentileza de me dirigir em resposta à que eu tivera a honra de lhe endereçar em nome do grupo parlamentar da Acção Republicana, e porque é S. Exa. quem define a política do Govêrno e lhe dá orientação, nós entendemos que podemos e devemos receber o Govêrno com expectativa benévola. E o que fazemos. Aguardamos os seus actos para depois os julgarmos.
O Sr. Presidente do Ministério afirma que manterá uma absoluta neutralidade eleitoral, por forma a que se façam umas eleições livres, respeitando-se os votos de todos.
É o que desejamos. Não pedimos nenhuma espécie de benevolência. Só queremos justiça. Tanto mais seguros estamos de que os nossos direitos serão respeitados, quando é certo que as promessas que nos foram feitas nesse sentido não são apenas de um Presidente do Ministério, são do antigo Presidente desta Câmara que, pela sua atitude correctíssima e pela sua absoluta imparcialidade, se tem tornado querido e respeitado por todos nós. Até os próprios adversários do regime têm por S. Exa. muita estima e respeito.
Seja-me permitido dizer agora ao Sr. Cunha Leal que S. Exa. está em confusão, declarando, que o Ministério a que presidiu o Sr. Álvaro de Castro era um Ministério democrático. Não o foi.
Nesse Ministério apenas havia três Ministros democráticos.
Foi sim um Ministério independente, em que também havia Ministros da Acção Republicana.
O Sr. Álvaro de Castro quando formou êsse Govêrno já não pertencia ao Partido Nacionalista; tinha-o já comunicado ao Sr. Presidente da República. A indicação do seu nome para presidir ao Govêrno foi dada ao Chefe do Estado por uma forte maioria desta Câmara. Assim é que está certo.
Sr. Presidente: embora as conveniências políticas não deixem que muita cousa se diga com aquela clareza que seria para desejar, nós sabemos que se pensou, se é que ainda nesta hora nisso se não pensa, em fazer desaparecer da scena política o Grupo de Acção Republicana.
Revoltarão-nos em absoluto contra essa forma de pensar.
Todos os grupos, grandes ou pequenos, têm direito de viver, devendo notar-se que êstes grupos não surgem ao acaso. Os grupos surgem, naturalmente, do meio das grandes massas partidárias, pelas dissidências que se dão.
E crível que no momento em que o Partido Democrático oferece ao País o exemplo de uma desagregação, seja êle que queira negar aos outros o direito de existência?
Êste princípio é absolutamente inaceitável.
Os grupos pequenos têm direito à vida, e hoje na política mundial o que predomina é exactamente êste fraccionamento.
Só dois ou três dos diferentes países da Europa conservam ainda o rotativismo, que em Portugal foi de tam triste memória no tempo da Monarquia.
O sistema actual gira em volta dos pequenos agrupamentos.
A pressa consegui reunir o num partidos de alguns países, que leio à Câmara:
Leu.
França, 8; Grécia, 5; Itália 12; Ingo-
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Eslávia, 6. Na Alemanha quásí não têm conta, e na Bélgica há 3 no mesmo estado em que estão os nossos dois grandes partidos.
Nestes números não estão incluídos os pequenos agrupamentos de 4 ou 8 Deputados.
A propila Inglaterra já abandonou pela fôrça das circunstâncias o sistema dos dois partidos; o rotativismo.
Interrupção do Sr. Francisco Crus, que não se ouviu.
O Orador: - Eu reservo-mo para em outra ocasião demonstrar ao Sr. Francisco Cruz a razão do que afirmo.
Sr. Presidente: ouvi já dizer que os grupos pequenos são grupos parasitários.
Eu pregunto se tenho culpa de que o Partido Democrático, tendo uma maioria nesta Câmara, não possa no momento oportuno dispor dela e necessite do recorrer aos pequenos grupos para manter os seus Governos.
Eu pregunto se êste sistema não é aquele que se está adoptando em quási todos os países, de só juntarem homens do diversos grupos unicamente com o fim de resolverem certos problemas.
O que há a fazer, não é extinguir os pequenos grupos mas educar a Câmara o os grupos para que o seu funcionamento possa ser útil ao País. Só nós, republicanos, estivéssemos à espera de ter republicanizado toda a Nação, para fazer a República, ainda hoje ela não estava implantada.
Estes deveres cívicos aprendem-se com a prática e não com teorias.
Sr. Presidente: toda a gente sabe que o Parlamento não foi feito para funcionar com pequenos grupos, mas para funcionar com dois partidos.
Mas, como o Parlamento não é uma cousa imutável, parece-me que não seria muito difícil arranjar qualquer cousa, por forma a amoldar o funcionamento do Parlamento à existência dos pequenos grupos.
Por esta política, que entendemos ser a melhor, bater-nos hemos dentro da legalidade, por isso que o Sr. Presidente do Ministério nos afirma que a todos os grupos dará ampla liberdade.
Nestas circunstâncias, aproveitando o período eleitoral, iremos por êsse País fora expor o nosso programa e procurar captar a simpatia da Nação, não tendo que formular outra hipótese, porque a afirmação do Sr. Domingos Pereira - e propositadamente digo Domingos Pereira - é para nós garantia bastante.
Sr. Presidente: as declarações feitas pelo Sr. Domingos Pereira não são do molde a satisfazer por completo a Acção Republicana, mas esta aguarda os actos do Govêrno, debaixo de uma expectativa benévola, dando-lho o seu apoio, emquanto êle praticar actos que mereçam essa conduta, mas declarando-se em aberta oposição, se lhe não corresponder à expectativa benévola com que o recebemos.
Tenho dito.
O Sr. José Domingos dos Santos: - Sr. Presidente: por motivos que de toda a Câmara baú conhecidos, pedi a palavra para falar em nome de um grupo parlamentar que se acaba do constituir.
Não quero, evidentemente, discutir neste momento as razões que determinaram n formação do Grupo Parlamentar da Esquerda Democrática.
Quero, apenas, afirmar a V. Exa. e à Câmara que, considerando-nos dentro do Partido Republicano Português, recuperámos a nossa liberdade de acção até o futuro congresso partidário, e até lá caminharemos como entendermos, sempre de harmonia com os mais altos interêsses da República.
Autónomos, prestaremos dentro da Câmara, emquanto ela viver, o concurso do nosso esfôrço, da nossa inteligência e dedicação, com aquela lealdade e correcção com que nos temos afirmado até hoje.
Sr. Presidente: feitas estas declarações, e aproveitando a oportunidade para mandar para a Mesa a declaração da constituição do Grupo da Esquerda Democrática, vou passar a tratar da crise ministerial.
Apresenta-se hoje à Câmara um Govêrno da presidência do ilustre homem público Sr. Domingos Pereira.
S. Exa., que tem sido durante anos, a contento geral, o Presidente da Câmara dos Deputados, numa hora difícil paro a República foi encarregado por S. Exa. o Sr. Presidente da República de consti-
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tuir governo, governo de conciliação se lhe chamou, governo de conciliação quere o Sr. Domingos Pereira continuar a chamar-lhe.
Não sei as dificuldades com que lutou S. Exa. para constituir o Govêrno; quero, apenas, afirmar que da parte do Grupo Parlamentar da Esquerda Democrática nenhuma espécie de obstáculo lho foi levantado.
Apoiados.
Desde a primeira hora declarámos ao Sr. Presidente do Ministério que não tínhamos qualquer objecção a fazer, que não tínhamos nenhuma reclamação a pôr, não desejávamos pastas, nem pretendemos postas; e, assim, se porventura o Sr. Domingos Pereira encontrou vários embaraços para a constituição do seu Govêrno, como S. Exa. afirmou na declaração ministerial, poderá declarar com inteira lealdade que nenhuma espécie de embaraço lho foi levantado por parte do Grupo em nome de quem agora falo.
Apoiados.
E bom lembrar isto!
Apresentados por tantos como um grupo irrequieto, sequioso do Poder, nós queremos assim mostrar, por factos, que não apenas por palavras, que estamos bem longe daqueles que julgam que são os detentores únicos do Poder e que pela fôrça do Poder se hão-de conservar indefinidamente numa atitude de tirania, que nada justifica.
Sr. Presidente: temos apenas uma reclamação a fazer, e não a queremos fazer ao ouvido de ninguém, mas perante V. Exa., diante de toda a Câmara e do País: queremos que não nos roubem nas eleições, desejamos que não nos persigam.
Dentro dêsse caminho poderemos entender-nos com toda a gente.
Tanto nos importa que seja V. Exa. que presida às eleições, como qualquer outro político.
Temos apenas esta aspiração: é que nos deixem viver à luz do sol, combatermos à luz do sol; queremos viver à luz do sol!
Apoiados.
Não é com essa guerra de extermínio que nos amedrontam; não é juntando-se todos para nos baterem, que nos esmagam!
Nós representamos uma corrente republicana, que ninguém tem o direito de não conhecer; somos republicanos, defendemos um princípio republicano, que cada vez mais julgamos necessário realizar, e, para isso, não precisamos do auxílio do Poder, nem de ninguém, precisando apenas que não nos persigam, que não nos tratem como lobos.
Homens de ordem, na mais alta acepção da palavra, dentro da ordem queremos viver; nunca entrámos em conspira-tas de qualquer espécie, nem queremos entrar; queremos viver à luz do sol, batendo nos comícios, na imprensa e neste tablado, emquanto êle estiver aberto e nêle pudermos falar.
Sr. Presidente: declarou o Sr. Presidente do Ministério no acto. da posse, e claramente o diz na declaração ministerial, que o Govêrno em matéria política é de conciliação.
Os actos dum Govêrno devem valer pelas palavras do Sr. Presidente do Ministério; mas em má hora S. Exa. escolheu três representantes do anterior Ministério, que o hão-de desmentir pelos factos.
No almoço que houve no Monte Estoril proferiram-se expressões que eu quero levantar, e certamente a V. Exa. e a todos nós interessa levantar e repudiar.
Diz o Diário de Notícias:
Leu.
O Sr. António Maria da Silva, por um telegrama que o Chefe de Estado me enviou, e que em circunstâncias iguais tem feito, não se despediu de S. Exa., para mostrar assim a sua incompatibilidade com o mais alto Poder do Estado.
Disse-se nesse almoço que se iria até ao fim, sendo apoiado por todos.
E bom esclarecer situações. Que apoiassem esta frase Ministros demissionários, está bem; mas homens que fazem parte do Govêrno actual, não se compreende.
Apoiado do Sr. Carlos de Vasconcelos.
O Orador: - O ilustre Chefe do Estado não teve comigo qualquer conversa, e quero afirmar que qualquer posição que, porventura, tivéssemos de tomar perante o Govêrno, é determinada pelas circunstâncias políticas.
Nunca tomaremos posições que sirvam de escudo a qualquer outra pessoa. An-
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damos para servir os interêsses políticos que julgamos melhor nos conduzirem ao fim que nos propomos.
Se, porventura, nos encontramos na mesma estrada e andamos juntos ao lado um do outro, no dia seguinte cada um segue a sua rota, e do nosso encontro de momento não fica outra cousa que não seja o próprio acontecimento que o determinou.
Não temos ligações de nenhuma espécie, nem com o Partido Nacionalista, nem com a Acção Republicana. Vivemos por nós e para nós.
A política que fazemos é para nós e só por nós.
Desejava na verdade que o Sr. Presidente do Ministério organisasse um Ministério em melhores condições políticas, S. Exa. ora bem digno de ter encontrado melhores colaboradores.
A tarefa que se propôs - tarefa de conciliação republicana - só poderia ser levada a cabo não tendo dentro do seu Ministério pessoas que ainda ontem soltavam brados de guerra.
Não sei como essa conciliação pode ser feita com os actuais Ministros, alguns dos quais proferiram calúnias que não serão capazes do aqui repetir e provar.
Refiro mo ao Sr. Ministro da Agricultura, que afirmou protegermos bancos e banqueiros. Repito S. Exa. a provar o que disse.
O Sr. Ministro da Agricultura (Gaspar de Lemos): - Declaro a V. Exa. que não fiz tal afirmação.
O Orador: - Folgo com isso. É necessário que as nossas palavras sejam ditas á luz do sol, que sejam claras e francas, como as nossas pessoas.
Nunca proclamei o extermínio de banqueiros ou de bancos. O que afirmei, desde a primeira hora, foi a necessidade do o Estado viver independente de banqueiros.
O que afirmei foi a necessidade de o Estado não depender da finança do País.
Nunca defendi a entrada de pessoas para o Banco Emissor com o fim de anichar amigos. O que afirmei foi a necessidade de o Estado ter representação nó Banco Emissor, para assim garantir a sua própria existência.
Nunca proclamamos a guerra a ninguém, nem contra qualquer político ou qualquer partido.
O Sr. Presidente do Ministério tem neste momento um pesado e dificil encargo.
Muitas e grandes dificuldades será surgir na sua marcha governativa, da parte daqueles mesmos que maiores esfôrços fizeram para que gerasse a formação do Govêrno.
Aqueles mesmos que entravaram os passos de S. Exa., impedindo-o de organizar Govêrno em 24 horas, apesar da sua alta categoria mental e política, hão-de levantar embaraços ao seu Govêrno, não se importando com a sua posição na política o no sou próprio partido.
Pela nossa parte não lhe levantaremos dificuldades. Não lhe criaremos embaraços.
Aguardaremos os seus actos em espectativa benévola.
Se S. Exa., ao sair das cadeiras do Poder, tiver cumprido honradamente, como esporamos, o que diz na sua declaração,, não terá nenhuma razão de queixa do grupo político que só quere viver à luz do sol.
Pois que, árida toda a gente a afirmar que nada vaiemos, que não temos opinião republicana atrás de nós, e, afinal, vemos que, de toda a parte, se procuram levantar armas contra nós!
Mas, então estão todos a fazer a ridícula figura de Sancho Pança, esgrimindo contra moinhos de ventos!
Se não temos condições de existência, porque se preocupam tanto connosco?
Porque se pretende continuar nessa maneira cómoda que tem caracterizado a vida política portuguesa?
Combatem-nos, porque somos pessoas que temos a coragem de afirmar bem alto os nossos princípios, visto que, nada devendo nem temendo, andamos na política sem quaisquer interêsses mesquinhos.
Não estamos dispostos a queimar o nosso talento para que tudo continue como dantes.
Há os que nada fazem, nem nada deixam fazer; mas nós não somos dêsses.
Queremos trabalhar.
Sei bom que, dentro desta Câmara, pouco se poderá fazer, visto que somos apenas uns espectros que aqui estamos, dando ao País êste tristíssimo espectá-
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culo de derrubar Ministérios, uns após outros, sem se conseguir arranjar um Govêrno que tenha condições para poder, de í acto, governar.
E V. Exa., Sr. Presidente do Ministério, viu isto muito bem, porque não conseguiu constituir um Govêrno à altura da sua categoria política.
Eu sei que V. Exa. tem, entre os seus colaboradores, pessoas que muitos serviços têm prestado à República e das quais muito ainda há a esperar, mas tem também lá pessoas perturbadas pela sua paixão política, e que até há poucos dias eram nossos irmãos nas ideas.
Porém o Govêrno de V. Exa. tem uma finalidade: fazer as eleições.
Não lhe rediremos governadores civis, administradores do concelho, nem sequer um simples regedor, mas temos o direito de esperar que V. Exa., honrando as suas afirmações, não nomeie, nem faça como o Ministério anterior, demitir governadores civis só porque êles se tenham afirmado por uma determinada corrente política.
Apoiados.
Esperamos que V. Exa. não continuará por êsse caminho, e, assim, nós não teremos de nos arrepender da maneira como hoje aqui recebemos o Ministério de V. Exa.
Entre o Govêrno de V. Exa. e o do Sr. António Maria da Silva há uma diferença incomensurável: o seu Ministério é presidido por V. Exa. e o outro era presidido por um homem que pregou contra nós o extermínio.
De resto, sei que fazem parto dêste Govêrno pessoas que não concordavam de forma alguma com essa guerra de extermínio que pretendia fazer-se, entre elas o actual Sr. Ministro da Instrução, pessoa por quem tenho a mais alta consideração, e que acaba de marcar mais uma vez perante o País o valor da sua mentalidade, concluindo brilhantemente a sua dissertação final com a mais alta classificação a que pode aspirar-se.
Eu não tenho, Sr. Presidente, grande esperança de que o Govêrno do Sr. Domingos Pereira possa singrar.
Sei que são grandes os méritos de S. Exa., mas maiores são os obstáculos que vão pôr se no seu caminho.
Por melhor que fôsse a vontade de S. Exa., foi-lhe precisa uma grande tenacidade para conseguir organizar Governo e só o conseguiu ao fim de longos e penosos dias.
Estou certo de que S. Exa. a há-de encontrar dificuldades que a todos os instantes lhe hão-de fazer surgir até os que se dizem correligionários de S. Exa.
Não quero terminar sem fazer referência especial a um caso pelo qual é uma vez nesta casa me bati, e o qual eu desejo relembrar ao Sr. Presidente do Ministério.
Trata-se do caso dos presos, que são, por vezes, barbaramente espancados.
Sr. Presidente: já aqui com efeito, perante o Govêrno do Sr. Vitorino Guimarães, levantei a minha voz contra as atrocidades que estavam sendo cometidas na polícia contra criaturas indefesas, contra presos, contra as deportações sem julgamento.
Foi-me respondido que se ia fazer um inquérito rigoroso a essa polícia, acusada de espancar presos.
Até hoje o resultado dêsse inquérito ainda não apareceu, e o que aparece é a notícia, num jornal que aqui tenho, de que a polícia, depois de ter varado um preso, o maltratou a ponto de ter de se levar êsse indivíduo detido a uma enfermaria próxima para curar-se.
Sr. Presidente: não há direito de se bater em presos; protesta contra tal a nossa sentimentalidade, o nosso coração.
Isso não é justiça!
Urge que se acabe de vez com esse processo de castigar criminosos.
Sr. Presidente: se a polícia empregasse o seu tempo, não a bater em criminosos, mas em qualquer cousa mais útil e mais alevantada, leria encontrado talvez melhores provas sôbre êsses homens que foram deportados sem julgamento e que ainda a esta hora estão morrendo como cães vadios.
O Sr. Ministro da Instrução, que destas cadeiras pugnou contra êsse estado de cousas, tem o dever de, adentro do actual Ministério, trabalhar para que essa situação se não mantenha.
Foram deportados homens que não tem crimes, que estão lá, que não têm voltado simplesmente porque a polícia não o quis.
Ora, Sr. Presidente, acima das leis e da magistratura não pode existir o critério da polícia.
Não tenho má vontade contra a polícia,
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pois na verdade não a conheço; porém o que digo é que, se não existir aqui no Parlamento uma pessoa que levante a sua voz para os defender, êles não tem ninguém para os defender.
O Sr. Presidente do Ministério, se pretendo levar a efeito a sua obra, reconciliando a República Portuguesa, devo começar por fazer justiça cumprindo a lei, pois na verdade mio só compreende que estejam na cadeia incomunicáveis, devo haver dois meses, indivíduos sem culpa formada.
Para honra do seu nome e para honra da República, devo ser o primeiro a fazer respeitar a lei, não permitindo que continuo a praticar-se essa monstruosidade de st; conservarem nas cadeias ou de se deportarem indivíduos sem culpa formada.
É por aqui, repito, que S. Exa. devo começar dando assim o exemplo do respeito à lei.
Sr. Presidente do Ministério: não quero terminar som apresentar a V. Exa. e a todos os seus colaboradores os meus cumprimentos, pois a verdade é que, sendo V. Exas. republicanos como o são, não podem deixar de merecer a minha consideração e respeito, estando certo do que não deixarão do respeitar e fazer respeitar a lei, desnecessário sendo dizer que hão-de dar o voto a quem de direito, visto que êsse voto quem nos há-de dar é o povo e nêle temos toda a esperança, esporando apenas que sejam imparciais, colocando-se única e exclusivamente adentro da lei como é indispensável.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Abranches Ferrão: - Sr. Presidente: antes de mais nada, eu apresento em meu nome pessoal, o no de alguns Deputados independentes, os meus cumprimentos ao Sr. Presidente do Ministério e a todos os seus colaboradores, com muitos dos quais já tive a honra de colaborar em Ministérios anteriores, fazendo inteira justiça à sua inteligência, às suas qualidades de trabalho e ao seu republicanismo.
Sr. Presidente: nós, Deputados independentes, embora não concordando com o modo como a crise foi recebida, não podemos, no entanto, colocar nos perante a Govêrno senão com a mesma atitude que temos tomado perante os Ministérios anteriores.
Efectivamente nós não fazemos parte de um partido, não tendo por isso uma opinião definida, não estando aqui, portanto, com o intuito de derrubar Ministérios, antes pelo contrário, estando aqui para lhes facilitar a sua missão, atitude esta que temos seguido para com os outros Governos e que seguiremos também para com o Govêrno do Sr. Domingos Pereira, tanto mais quanto é certo que S. Exa. tem realmente qualidades notáveis para poder encaminhar devidamente os negócios públicos.
Se estivesse na minha mão que o Govêrno do Sr. Domingos Pereira não só constituísse, o Govêrno de S. Exa. não se teria constituído, porque, apesar de todos nós reconhecermos em S. Exa. as maiores qualidades para fazer uma obra patriótica, o momento não me parece dos mais azados para S. Exa. realizar os seus objectivos.
Realmente, porventura as paixões políticas desapareceram com a constituição do Govêrno do S. Exa? Porventura, nós não vemos que estamos sôbre um vulcão, e que o Govêrno de S Exa. não veio evitar acontecimentos que por acaso se virão a dar? Por mim tenho a impressão que não.
A política portuguesa a meu ver, e parece-me ver as cousas imparcialmente, está muito baralhada; e, nessas condições, dever-se-ia preferir ter seguido um caminho definido, a seguir-se um caminho que não se sabe qual seja.
Não veja o Sr. Presidente do Ministério más vontades contra S. Exa. Pessoalmente, e até sob o ponto de vista político, eu tenho no Sr. Domingos Pereira a maior das confianças. O que me parece, até por motivo que expus particularmente a S. Exa. é que não era êste o momento propício para S. Exa. assumir a chefia do Govêrno.
Por isso - e as responsabilidades que surgirem vão para quem de direito - repito: se estivesse na minha mão, não se teria constituído o Govêrno de S. Exa.
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Sei que S. Exa. aceitou o Govêrno com grande sacrifício e pelo seu grande amor à República. Pois para que S. Exa. encontre o menos possível de obstáculos no seu caminho, o que lhe poderei dizer, da parte dos Deputados independentes, é que S. Exa. não terá nenhumas dificuldades, nem grandes embaraços, no seu caminho.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Lino Neto: - Sr. Presidente: a atitude da minoria católica perante êste Govêrno é a mesma que tem tido para com os anteriores. Ninguém, portanto, espere novidades, ou modificações, no nosso modo de proceder.
Sob o ponto do vista pessoal, as nossas relações com o Govêrno não podem ser senão de correcção. É uma praxe que queremos seguir sempre. Nesta conformidade, faço os meus cumprimentos ao Govêrno, exprimindo votos para que êle seja feliz na sua missão. Tenho com alguns dos seus membros sentimentos de apreço e de muita consideração, sobretudo com o Sr. Presidente, que na Presidência desta Câmara tem tido uma situação de prestígio, não só pelas sua inteligência, mas pelo seu carácter. É de crer, pois, que use e faça seguir as mesmas tradições, no seu Govêrno.
Ditas estas palavras, passo a apreciar outro aspecto da declaração ministerial.
Uma declaração ministerial vale pelos pontos de vista que defende, e nesses pontos a declaração ministerial é sintética e clara.
Há alguns anos que se deixou de fazer referências nas declarações ministeriais à Lei da Separação, e esta declara também seguir a mesma orientação. Fez bem o Sr. Presidente do Ministério seguir essa orientação.
Na Declaração Ministerial visa-se o aspecto moral da crise portuguesa.
Moralizar é a preocupação que deve acompanhar todos nós, porque a crise actual é uma crise de carácter dos homens públicos portugueses.
A êste ponto não tem a minoria católica nada a opor; porque êste lado da Câmara não é um partido político, e não tem que dar ou retirar apoio aos governantes, como nunca deu apoio incondicional a ninguém.
A minoria católica não quere constituir Govêrno com homens exclusivamente seus, mas apenas quere concorrer para a moralização da administração pública dêste país.
Apela o Govêrno para o patriotismo de todos; pois posso assegurar que pode contar com o patriotismo da minoria católica, porque a sua preocupação é elevar êste Portugal às alturas da sua tradição gloriosa.
São êstes, Sr. Presidente, os propósitos dêste lado da Câmara.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Pedro Pita: - Sr. Presidente: numa posição de oposição marcada já há muito tempo por mim o pelo meu Partido aos vários governos que ultimamente têm ocupado as cadeiras do Poder, evidentemente que não pode causar estranheza a atitude que eu assumo perante êste Ministério.
Devo, no emtanto, confessar, ao iniciar as minhas considerações, cfue nunca como hoje tive dificuldade em dizer aquilo que entendo dever afirmar, manifestando-me absolutamente em oposição ao Govêrno. Tenho, efectivamente, pena de o fazer.
O Sr. Domingos Pereira, pela circunstância de ter organizado Govêrno, não pôde fazer esquecer-me o Presidente da Câmara dos Deputados que todos nós elegemos e a quem todos não hesitamos em reconhecer qualidades, - não o digo a brincar - para o desempenho de mais altas funções ainda.
Dos companheiros que o Sr. Domingos Pereira escolheu, um só é pessoa com quem não tenho a honra de ter relações pessoais.
Ligam-me velhos laços do camaradagem a quási todos os outros.
O Sr. Ministro das Finanças foi meu camarada nesta Câmara num momento do luta rija, que nunca mais pode ser esquecida por aqueles que a tiveram.
Devo ao Sr. Ministro da Guerra reconhecimento que não esqueço também.
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26 Diário da Câmara dos Deputados
Dedico ao Sr. Ministro do Comércio uma velha amizade e, finalmente, não tenho duvida em afirmar que no Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros eu conto um dos meus melhores amigos.
Nestas condições, é fácil de calcular como me constrange ter de dizer ao Govêrno que não concordo do modo nenhum, com a sua organização, porque não posso deixar de atribui-la ao propósito evidente de mais uma vez arredar do Poder o meu Partido.
Embora pessoalmente, repito-o, tenha muita estima por vários dos indivíduos que compõem êste Govêrno, tenho de dizer-lhes que serviram muito mal a República.
Sr. Presidente: não vá parecer, pelo facto de vir eu agora usar da palavra depois de brilhantemente o ter feito o Sr. Cunha Leal, ilustre leader do Partido Nacionalista, que existe qualquer discordância entre nós dois ou adentro de meu Partido.
Não, Sr. Presidente; simplesmente porque todos os pretextos servem à maravilha para explicar atitudes quando essa explicação se torna difícil, nós não podemos nem queremos dar a quem quer que seja o direito de procurar em atitudes nossas desculpas para as suas.
O Sr. Cunha Leal falando em nome do Partido e exprimindo o sentir do Partido, não apenas do seu grupo parlamentar, tinha de fazer afirmações que poderiam amanhã servir para justificar atitudes; não devia ser portanto, por êsse facto, quem, na moção a enviar para a Mesa, devesse marcar a atitude do Partido de que S. Exa. é ilustre leader, e assim, Sr. Presidente, por indicação de S. Exa., de acôrdo entre todos nós, é que essa moção será apresentada por mim.
Não pretendemos neste momento, não pretendemos no momento em que resolvemos apresentar essa moção, que ela seja aprovada; já sabemos, e neste momento não era lícito ter dúvidas, que ela será votada só por nós, não tendo outro voto além dos nossos, mas nem êsse facto nos impede de a apresentar.
Tem uma vantagem : definimos claramente a nossa atitude e não tendo que modificá-la, porque a forma actual seja diversa ou tenha características diversas do Govêrno anterior, nós tínhamos que definir absolutamente a mesma posição que assumimos perante o outro Govêrno, não sendo de estranhar senão que, não tendo mudado as circunstâncias, tivessem mudado as atitudes daqueles que o derrubaram.
Sr. Presidente: não quero, já que estou no uso da palavra, deixar de fazer uma ligeira referência à declaração ministerial que há pouco foi lida pelo Sr. Presidente do Ministério.
Salvo o devido respeito, e o Sr. Domingos Pereira sabe perfeitamente que ou sou incapaz de, por qualquer modo, procurar deminuí-lo. Essa declaração está feita em. termos de podermos dizer à vontade que e uma declaração que poderia ser feita, e era de esperar que fôsse feita, não por uma pessoa na situação do Sr. Presidente do Ministério, não por uma pessoa da categoria de S. Exa., mas por uma daquelas pessoas que simboliza, porque, de facto, de princípio até o fim, na preocupação de nada dizer, parecendo que dizia alguma cousa, o Sr. Presidente do Ministério foz uma declaração ministerial que podia perfeitamente ser assinada por uma pessoa que se não chamasse Pereira.
Sr. Presidente: começa o Sr. Presidente do Ministério por afirmar que as condições políticas e sociais são do uma gravidade que ninguém desconhece.
Sr. Presidente: este é um daqueles conceitos profundos que deixaria boquiaberta determinada assembléa.
Mas S. Exa., continuando, diz que a própria dificuldade dessas circunstâncias converteu a alta missão que o Sr. Presidente da República lhe confiou num daqueles deveres patrióticos e republicanos a que um homem público não pode eximir-se sem se deminuir e desacreditar.
Sr. Presidente: é fácil de adivinhar onde vai ter esta afirmação.
E fácil do concluir qual foi êste dever patriótico e republicano que o Sr. Domingos Pereira se viu obrigado a cumprir.
Simplesmente, Sr. Presidente, êsse dever não devia ser de molde a obrigar o Sr. Domingos Pereira a descer, porque desceu, da alta situação que ocupava e da alta consideração em que era tido.
Mas S. Exa. é o primeiro a reconhecer que se decidiu a tudo sacrificar no cumprimento dêsse dever.
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Sessão de 5 de Agosto de 1925 27
Ah! Sr. Presidente! Se o Sr. Domingos Pereira se tivesse lembrado um pouco que ocupada neste momento uma situação a que tinha sido levado pelos seus correligionários e adversários, não teria aceitado semelhante encargo, porque isso a que êle chama dever era alguma cousa que representava porventura um agravo, porque ia facilitar uma situação da qual dependia a mudança de posição dos seus adversários.
Sr. Presidente: digamos as cousas claras: êste dever a que se refere o Sr. Domingos Pereira é a ameaça que lhe teria sido feita pelo Sr. Presidente da República de renunciar se S. Exa. não arranjasse Ministério.
Não podia o Sr. Presidente do Ministério ignorar a situação em que o meu Partido se havia colocado perante o Chefe do Estado, e o Sr. Domingos Pereira sabia perfeitamente que a constituição do seu Govêrno só agravaria essa situação, não podendo desconhecer que a substituição, no mais alto cargo da Nação, da pessoa que nêle se encontrava representaria para o Partido Nacionalista, pela menos, a esperança de ter terminado a interdição.
Seja como fôr, não quero deminuir o brilho das considerações do meu ilustre leader, reproduzindo-as; todavia, não desejo, também, terminar nem ficar com a palavra reservada, sem ainda dizer ao Sr. Presidente do Ministério que acho interessante esta afirmação pela qual o Sr. Domingos Pereira parece - desculpe-me S. Exa. - ter nascido ontem.
Eu sou o primeiro a fazer justiça a S. Exa., a acreditar absolutamente que êsse é o seu propósito.
Simplesmente não é a nós, que já há muitos anos vivemos dentro da política, que S. Exa. pode fazer uma tal afirmação.
S. Exa. esquece-se de que é só um dentro do Ministério do Interior e de que o País é muito maior do que êsse Ministério.
S. Exa. esquece-se de que não tem para o representar pelo País fora senão os seus correligionários, na sua maioria facciosos e incapazes de compreender as ideas de S. Exa.
O Sr. Presidente: - Sr. Pedro Pita: é a hora do se encerrar a sessão.
O Orador: - Ficarei então com a palavra reservada.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscrevam):
A de hoje, menos o parecer n.° 196.
(Sem prejuízo dos oradores que se inscrevam):
A de hoje, menos os pareceres n.ºs 846, 847 e 833.
Ordem do dia - 1.ª parte:
Debate sôbre a declaração ministerial e a de hoje.
2.ª parte:
A de hoje, menos o negócio urgente do Sr. Cunha Leal e parecer n.° 967. Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Declaração
Para os devidos efeitos comunicamos a V. Exa. que nos constituímos em grupo parlamentar autónomo e adoptámos a designação de "Grupo Parlamentar da Esquerda Democrática".
Sala das sessões, 5 de Agosto de 1920. - José Domingues dos Santos-Jorge de Sarros Capinha - Pedro Januário do Vale Sá Pereira - Carlos Eugénio de Vasconcelos - Luís António da Silva Tavares de Carvalho - Virgílio Saque - Jaime de Sousa - José Salvador - Alberto Carneiro Alves da Cruz - Pedro de Castro - Américo da Silva e Castro - Delfim de Araújo Moreira Lopes - Germano de Amorim - Amadeu de Vasconcelos - Manuel de Sousa Dias - António Resende - Augusto Nobre - José Cortês dos Santos - Adolfo Coutinho - Pina de Morais.
Para a Secretaria.
O REDACTOR - Sérgio de Castro.