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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 112

EM 14 DE AGOSTO DE 1925

Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva

Sumário. - Aberta a sessão com a presença, de 44 Srs. Deputados, é lida a acta e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Paulo Cancela de Abreu invoca o Regimento a propósito da hora a que se iniciam os trabalhos.

O Sr. Tavares de Carvalho requere que entre imediatamente em discussão o parecer n.º 921.

O Sr. Alberto Jordão ocupa-se da arrematação e aproveitamento de terrenos do Bairro Social do Arco do Cego e pede um inquérito ao Ministério da Instrução Pública.

Responde lhe o Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas).

O Sr. António Correia faz declarações a propósito de um incidente ocorrido na véspera na sala das sessões.

Prossegue a discussão da proposta de lei n.º 973 referente ao empréstimo de 30:000 contos destinados a despesas de instalação do ensino universitário e primário

Continua no uso da palavra o Sr. Tavares Ferreira, que ainda fica com ela reservada.

Ordem do dia. - É aprovada a acta.

Fazem-se admissões.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Augusto Monteiro) presta esclarecimentos acerca da forma como superiormente se procedeu para com um delegado do Ministério Público.

Prossegue a discussão da proposta de lei relativa a duodécimos.

Continua no uso da palavra o Sr. Cunha Leal.

O Sr. Tavares Ferreira requere que seja prorrogada a sessão até se votar a proposta na especialidade e na generalidade.

Sôbre o modo de votar usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Alberto Jordão (que apresenta um aditamento). Cunha Leal, Sá Pereira, Carvalho da Silva, Rodrigues Gaspar, Cancela de Abreu, Cunha Leal. José Domingues dos Santos, Sá Cardoso, Rodrigues Gaspar e Cunha Leal.

São aprovados, em prova e contraprova, o requerimento e o aditamento.

Usa da palavra sôbre a ordem o Sr. das Finanças (Tôrres Garcia).

É interrompida a sessão para prosseguir à noite.

Reaberta a sessão, tem a palavra o Sr. Paulo Cancela de Abreu, que termina por mandar para a Mesa a sua moção de ordem.

Votada a admissão e requerida a contraprova, verifica-se a falta de número.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.

Abertura da sessão, às 16 horas e 25 minutos.

Presentes à chamada, 44 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 45 Srs. Deputados.

Presentes à chamada:

Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Baltasar do Almeida Teixeira.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Delfim Costa.
Francisco da Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Júlio do Sonsa,
João Baptista da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João do Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Vasconcelos de Sousa e Napolés.
Lúcio do Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Viriato Gomes da Fonseca.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto do Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto do Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
António de Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Lino Neto.
António de Mendonça.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio do Oliveira.
Domingos Leite Pereira.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Pires Cansado.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Domíngues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel do Sousa Dias Júnior.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas o Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Lelo Portela.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António Pinto Meireles Barriga.
António Resende.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Brandão.

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Sessão de 14 de Agosto de 1925 3

Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Maldonado do Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Duarte Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Aguas.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge Barros Capinha.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa, Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vitoria e Henriques Godinho.

Ás 15 horas e 10 minutos principiou a fazer- se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 44 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler se a acta.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Leu-se a acta.

Não houve expediente.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de

Antes da ordem do dia.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para invocar o Regimento): - Sr. Presidente: Invoco o artigo 23.° do Regimento e as suas alterações.

Sói o que V. Exa. me vai responder, mas devo dizer-lhe, desde já que nunca, estando presente à hora da chamada, esta se fez sem que eu tenha deixado de protestar contra a infracção regimental. Tenho, portanto, toda a autoridade para me insurgir.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Tavares de Carvalho: - Sr. Presidente: Peço a V. Exa. que seja pôsto imediatamente em discussão, visto que está presente o Sr. Ministro da Guerra, o parecer n.° 921, que está inscrito no período de "antes da ordem do dia", com. prejuízo dos oradores inscritos, e do qual já foram aprovados quatro artigos.

Isto, é claro, quando houver número para votações.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Alberto Jordão: - Sr. Presidente: desejava falar quando estivesse presente algum dos Srs. Ministros, e, por isso, peço a V. Exa. a fineza de me informar só já se encontra nesta Casa do Parlamento algum dos membros do Govêrno.

O Sr. Presidente (interrompendo): - Está presente o Sr. Ministro da Instrução.

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4 Diário da Câmara dos Deputados

O Orador: - Um dos assuntos de que desejo ocupar-me refere-se à, pasta do Trabalho.

Sabe V. Exa., Sr. Presidente, e sabe a Câmara, que foram publicadas determinadas condições para a arrematação e aproveitamento dos terrenos do Bairro Social do Arco do Cego. Este caso, visto sem qualquer minúcia, não mereceria talvez reparo; mas, observando bom as condições para a tal arrematação e aproveitamento, vejo que uma delas diz o seguinte:

Leu.

Trata-se, portanto, Sr. Presidente, do um benefício que não me parece fàcilmente compreensível.

Não sei que razão pode militar em favor dos antigos proprietários, para lhe ser reconhecido e direito do opção.

Acho que êles deveriam estar em condições idênticas aos demais concorrentes. Isso é que seria razoável e moral. E falo assim, Sr. Presidente, porque naquelas condições, o desde que aquele princípio esteja estipulado a favor dos antigos proprietários, resulta que muitas pessoas deixam de aparecer na praça o de concorrer. E, por conseguinte, quem é lesado e prejudicado, no fim de tudo, é o Estado, e não me parece que o Estado esteja em condições de dispensar favores á quem quer que seja.

Peço, portanto, a atenção do Sr. Ministro da Instrução para êste caso, rogando a S. Exa. a fineza de transmitir estas minhas rápidas considerações ao sen colega do Trabalho, a fira de que S. Exa. tome quaisquer providências, ou então se digne dizer à Câmara porque é que aparece aquela condição em favor dos proprietários dos terrenos do célebre Bairro Social do Arco do Cego.

Aproveito estar no uso da palavra para pedir ao Sr. Ministro da Instrução a fineza de me dizer - caso S. Exa. entenda que isso lhe é possível - se está disposto a seguir na esteira do seu antecessor que a quando da discussão aqui do Orçamento do Ministério da Instrução Pública, e por virtude de umas referências constantes do parecer do Sr. Relator, afirmou que iria mandar proceder a um inquérito no seu Ministério, para que se chegasse a saber se, de facto, o Sr. Relator tinha razão quando afirmara que naquele Ministério há funcionários que não aparecem nas suas repartições, ou se, pelo contrário, não é exacto aquilo que consta do mesmo parecer.

Eu já aqui disso, ao tratar do assunto pela primeira vez, que esto caso era sobremaneira sério, porque envolvia a honestidade e a honorabilidade de todos os funcionários do Ministério da Instrução. E se é certo que em todos os agrupamentos há bom e mau, por conseguinte também no Ministério da Instrução há-de haver bons e maus funcionários.

Porém, sei que ali há bastantes que são cumpridores dos seus deveres, e que, envolvidos na afirmação do Sr. Relator, estão numa situação que não é nada agradável.

Convinha, portanto, que se fizesse luz sôbre o assunto.

Desejava ainda saber se o Sr. Ministro da Instrução se encontra disposto a manter um decreto que ultimamente foi publicado o que se refere à situação dos professores do ensino secundário que pertenciam a determinados quadros de* liceus que transitaram para a categoria dos nacionais. Foram colocados nos liceus centrais de Lisboa, Pôrto e Coimbra, se bem me parece.

Êsse decreto reconhece direitos especiais a êsses Srs. professores.

Salvo o devido respeito pelo antecessor de V. Exa., não me parece que seja justo, nem razoável, o favor que se fez a êsses Srs. professores, tanto mais que não compreendo bem a situação em que vão ficar os liceus a que êles pertenciam.

Ainda há dias vi no Diário do Govêrno que o liceu de Leiria passava a ter a 7.a classe de sciências. Necessários, se tornam, pois, a êsse mesmo liceu alguns dos professores que de lá foram deslocados.

Pregunto: O Sr. Ministro da Instrução não andaria bem mandando regressar aos seus lugares êsses Srs. professores?

É razoável que êles vão, embora provisoriamente, estar numa situação muito especial e de favor, prejudicando assim tantos outros?

E, no caso de necessidade, não era mais justo que êsses Srs. professores do quadro voltassem para os seus antigos liceus?

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Sei que o Sr. Ministro da Instrução Pública já deu as suas provas do que se interessa por êste assunto. Entretanto, permita-me S. Exa. que diga que, se a engrenagem do ensino secundário até há pouco tempo foi qualquer cousa de respeitável no meio um pouco confuso da burocracia, está hoje nas mesmas condições de outros ramos da administração pública.

Por isso estou certo de que o Sr. Ministro da Instrução vai providenciar para que não continue essa desagregação que é absolutamente inconveniente até para 41 disciplina do seu Ministério.

Embora tenha sido impertinente, peço a V. Exa., à Câmara e ao Sr. Ministro que me relevem.

Quanto à parte do trabalho, aguardo que S. Exa. transmita ao seu colega as considerações que fiz, e quanto aos assuntos que dizem respeito à pasta de S. Exa., espero que alguma cousa diga, se assim o entender.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro de Instrução Pública (João Camoesas): - Em resposta ao Sr. Alberto Jordão tenho a dizer que transmitirei as suas considerações ao Sr. Ministro do Trabalho. Quanto ao meu Ministério, não tenho dúvida nenhuma de verificar se há funcionários que não vão ao Ministério. De resto já mandei pôr em vigor, desde o dia em que tomei posse, um sistema de trabalho que permite verificar directamente a assiduidade individual dos funcionários e o trabalho que semanalmente realizam.

Já da outra vez que estive no Ministério tinha dado uma ordem semelhante, mas, lavando-me demorado pouco no Govêrno depois que dei essa ordem, não pude assegurar-me do seu cumprimento.

Estou inteiramente convencido de que o sistema permitirá verificar o que produz cada funcionário, pois baseia-se na distribuição do trabalho, sendo, portanto, um sistema diverso do que vigora actualmente nas secretarias.

Em todo o caso, apesar de estar convencido de que o sistema permitirá, em relação a cada funcionário, verificar a sua assiduidade e poder assegurar me dá veracidade das acusações do Sr. relator, tendo na maior consideração as palavras do Sr. Alberto Jordão, vou averiguar se há algum funcionário que não vá à repartição respectiva.

Já de outra vez disse que o grande número de funcionários do meu Ministério cumpre os seus deveres. Haverá um ou outro que não cumpra, mas se houver quem não cumpra sofrerá as penalidades da lei com todo o rigor, seja quem fôr.

Quanto ao provimento dos liceus em Lisboa, Pôrto e Coimbra e outros, é meu intuito observar uma orientação que representa uma velha aspiração minha acerca do ensino.

Estou no propósito de seguir essa orientação, fazendo voltar as cousas à situação anterior a fim de se poderem manter as regras da justiça que estavam estabelecidas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. António Correia: - Sr. Presidente: vem nos jornais de hoje, a propósito de um incidente que ontem aqui ocorreu, que alguns Srs. Deputados, em àparte, insinuaram, que o Deputado António Correia tinha intervindo, como advogado, em assuntos que tratou nesta Câmara. Um deles é sobejamente conhecido. É o que se refere ao Rosmaninhal.

Sendo Ministro do Interior o Sr. Vitorino Godinho, com quem tratei do assunto, afirmei categoricamente à Câmara que não tinha qualquer espécie de interêsse particular, ou profissional, nesse processo. Afirmei sob minha palavra de honra, e continuo a afirmar, desafiando que me desmintam, que não fui advogado nesta questão.

Lastimo que não esteja presente o Sr. Afonso de Melo, que num àparte disse que eu tivera relações de advogado com uma personagem bem conhecida nos registos da polícia, chamada Micas Gouveia, e que num momento infeliz declarou que um projecto de lei, apresentado nesta casa do Parlamento e que está submetido à sanção do Senado, iria beneficiar essa mulher que havia sido minha constituinte.

Afirmo solenemente, sob minha honra, que nunca troquei uma palavra com a referida mulher e que não está na cadeia qualquer mulher de que tivesse sido advogado.

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6 Diário da Câmara dos Deputados

O projecto de lei que apresentei foi redigido a conselho do Sr. Almeida Ribeiro, cujo testemunho invoco neste momento, e foi assinado pelo Sr. Júlio de Abreu e destinava-se a criar para as mulheres condenadas a prisão celular uma situação idêntica à dos homens condenados à mesma prisão, visto que não tem havido deportações.

Afirmo sob minha palavra do honra que é que acabo de dizer é absolutamente verdadeiro e desafio qualquer Sr. Deputado a trazer ao Parlamento o mais pequeno indício que possa comprometer-me.

Mais desafio quem quer que seja que vasculhe na minha vida, no meu escritório, onde lhe apetecer para que possa desmentir, neste assunto, o Deputado António Correia.

O Sr. Francisco Cruz: - V. Exa. dá-me licença?

Há uma cousa realmente curiosa. V. Exa. diz que não é advogado na questão do Rosmaninhal; não afirmo, nem nego. Mas não sendo V. Exa. Deputado pelo círculo, faz-me admirar que se tenha interessado tanto pela questão.

O Orador: O Sr. Francisco Cruz por um sen àparte permite-me que eu revele Inteiramente a verdade de como me encontro nessa questão, é que não fiz já para não fatigar a Câmara com o caso.

Mantenho com o Sr. Dr. Azevedo Gomes, conhecido médico no nosso País pela sua competência e por ser homem do bem, as melhores relações. Foi a pedido de S. Exa.

O Sr. Francisco Cruz (interrompendo): - Um dos interessados na questão!...

O Orador: - Sei apenas que é homem do bem e que conhece muito aquela região pelas caçadas que ali tem realizado, como V. Exa. a conhece. De resto, nesse assunto, que é, pode dizer-se, de interêsse geral para a economia do País, qualquer Deputado pode interferir. Não é admissível a doutrina de que os Deputados só se podem, interessar pelos assuntos que dizem respeito aos seus círculos, porque então mal ia para os interêsses gorais do País.

Sr. Presidente: não querendo alongar mais as minhas considerações e para elas chamando a atenção da imprensa, para que as relate com a maior sinceridade, colocando os factos nos seus devidos termos, devo dizer ainda que nem sequer mo chegou aos ouvidos o que hoje o Século narra relativamente a um comerciante chamado Crouzalez, que eu não sei se é novo ou velho, gordo ou magro, nem onde mora, porque nunca fica com êle.

Desafio qualquer Deputado a, por meio de documentos não baseado apenas no "diz-se", que não representa muitas vezes a voz de Deus nem a do povo, provar que eu tenha tido interferência como advogado ou interêsses particulares nos assuntos que tenho tratado nesta Câmara, e devo dizer que em bem pouca conta têm a sim honra aqueles que tam ao de leve tratam a honra alheia.

Tenho dito.

O orador tido reviu.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o parecer n.° 973.

O Sr. Tavares de Carvalho (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente; não estava em discussão antes disse o parecer n.° 921?

O Sr. Presidente: - Na ordem da discussão está o parecer que indiquei em primeiro lugar.

Continua no uso da palavra o Sr. Tavares Ferreira.

O Sr. Tavares Ferreira: - Sr. Presidente: dizia eu ontem que, embora na minha qualidade do professor, e não devendo mesmo esquecer essa qualidade, razão tivesse para me pronunciar contra a proposta do lei em discussão, nina outra havia que não podia esquece. Efectivamente, esta razão é a de que represento aqui uma das mais importantes regiões do País, a que mais paga para o Estado; o hasta dizer que, sem uma das regiões mais ricas do País sob o ponto de vista agrícola, tem hoje a sua rede de estradas completamente inutilizada.

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O Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas): - Mas em que é que a aprovação desta proposta de lei prejudica a questão das estradas?

O Orador: - Vou já dizê-lo a V. Exa. Sendo o problema das estradas o que mais deve preocupar a atenção do Govêrno, sendo aquele para a resolução do qual se devem fazer todos os sacrifícios, não posso concordar em que qualquer impôsto sôbre qualquer meio de transporte não reverta a favor das estradas. Aqui está a razão por que não posso concordar com a proposta neste ponto.

Com relação à tributação de outros artigos de luxo, não discuto, porque isso está fora do meu objectivo. Mas quanto a automóveis, sejam êles do turismo - o que é difícil de classificar - sejam do que forem, entendo que nenhum imposto deve recair sôbre êles que não se destine às estradas.

Apoiados.

Esclarecidas, portanto, as razões por que eu não posso deixar de combater, pelo menos, êste artigo da proposta de lá, vejamos o que se passa com respeito à construção dos vários estabelecimentos, escolares.

Diz a proposta de lei que entre os vai rio estabelecimentos de ensino, a que será destinada parte do empréstimo, figuram, as duas Faculdades de Farmácia, a do Pôrto e a de Lisboa.

Ora a primeira pregunta que nos ocorre é a seguinte: há necessidade de existirem em Portugal três Faculdades de Farmácia? A êste respeito creio que ninguém pode ter dúvidas. Basta pegar nos números e verificar a frequência delas para chegarmos logo à conclusão de que são demasiadas três Faculdade de Farmácia; uma chegaria.

Realmente, no ano findo, segundo número que aqui tenho, as Faculdades de Farmácia tiveram de frequência, os seguintes números: em Lisboa matricularam a 21 alunos e frequentaram-na 17, sendo os empregados 19.

A faculdade de Farmácia de Coimbra tem 31 alunos, a do Pôrto 45.

Antes de destinar qualquer quantia para estas faculdades devemos preguntar se são necessárias.

Não são! Suprima-se alguma.

Aludindo à maneira como se administram, os dinheiros, vou referir-me à Escola Normal de Bemfica.

Contos largos...

A antiga Escola Normal funcionava num velho casarão em Alcântara, e, como se reconheceu a necessidade de outro edifício, passou-se do mau para o óptimo.

Em Portugal é assim: ou 8 ou 80.

Quem se der ao trabalho de ir a Bemfica verifica que se fez um edifício enorme onde cabem todas as escolas normais do País; mas o resultado é o que se está vendo.

Fez-se o empréstimo de que estamos pagando juros.

O primeiro empréstimo é de 300.000$, o segundo é de 250.000$.

Para administrar êste dinheiro e dirigir as obras foi nomeada uma comissão, da qual fazia parte o arquitecto que tinha feito a planta e o orçamento.

O que foi essa administração?

Basta lá ir para se ver.

O edifício ainda não está concluído.

A comissão foi dissolvida e não sei se teve algum louvor.

Não se pediram responsabilidades a ninguém.

Se querem concluir a escola e pagar as dívidas, e necessário é que as paguem para que não se chame ao Estado caloteiro, têm um meio muito fácil, sem necessitar de recorrer a empréstimos.

Têm o rendimento da própria propriedade.

Venda se uma faixa de terreno e com esta venda, que não causa prejuízo algum à escola, fazem mais do que o dinheiro necessário para acabar as obras e pagar as dividas.

Que necessidade há de empréstimos?

Se continuarem administrando como até aqui, podem vender Lisboa toda, que não Chega.

Vamos agora à construção de edifícios.

E sempre bom recordar antecedentes, para vermos quais os seus consequentes e regularmos assim a nossa conduta.

Há em Lisboa um liceu feminino. Porque êle estava mal instalado, pensou-se um dia em fazer um edifício próprio para êsse liceu feminino.

E quere V. Exa., Sr. Presidente, saber quanto ali se enterrou?

Não contando as verbas que foram da-

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das, em importâncias orçamentadas, só do empréstimos contraídos, da primeira vez, fez-se para o tal liceu feminino um de 110.000$ (ouro) com a moeda valorizada. Êste empréstimo foi contraído do harmonia com o cálculo feito sôbre o custo das obras.

Pois os 110,000$ não chegaram e a breve trecho fizeram novo empréstimo de 250.000$.

Supunha toda a gente que êste segundo empréstimo já, chegasse para a conclusão do edifício.

Puro engano, pura ilusão!

Gastaram-se também os 200.000$.

Quem fôr até ao Parque Eduardo VII, êsse terreno já célebre pelas revoluções, lá vê as obras feitas apenas até à altura de um primeiro andar.

Com antecedentes desta natureza, pregunto se todos nós não devemos ter receio de que a êstes 30:000.000$ suceda o mesmo.

Pelo que expus, V. Exas. viram que só distribuíram centenas de contos e que ficámos sem dinheiro e sem edifícios.

Falei já, Sr. Presidente, das Faculdades do Farmácia; mas dêste empréstimo destina-se também uma parte para obras nas Faculdades de Letras.

Temos em Portugal três Faculdades de Letras.

Pregunto: não será demasiado?...

Haverá necessidade de termos três Faculdades de Letras?...

Todos dizem: não é necessário! Pois, se assim é, reduza-se também êsse número.

O Sr. Almeida Ribeiro (interrompendo): - Já a frequência justifica a existência do três Faculdades?...

Isso é que é preciso saber.

O Orador: - Não justifica e tenho aqui a prova.

Sr. Presidente: a proposta diz no artigo 1.°:

Leu.

O que quere dizer isto?

Qual é o fim que se tem em vista?...

Evidentemente o empréstimo.

E, como se via a impossibilidade de realizar a totalidade do empréstimo na Caixa Geral de Depósitos, redigiu-se o artigo desta forma.

Assim, o empréstimo, tanto pode ser contraído na Caixa como "com qualquer instituição de crédito".

Em virtude da letra expressa dêste artigo 1.°, não fica o Govêrno autorizado a contrair o empréstimo numa instituição do crédito e a parte restante numa outra instituição.

O que fica autorizado é a contraí-lo fora da Caixa, mas onde quero que o obtenha, tem de o contrair na sua totalidade.

Repetindo o que ontem disse, eu afirmo novamente que, ainda mesmo que esta proposta fôsse aprovada, não daria o resultado que os seus proponentes dela querem tirar.

Sr. Presidente: há três anos apresentei aqui uma proposta do lei, que é aprovada, autorizando um empréstimo de 3:500.000$ a realizar na Caixa, para a conclusão de vários edifícios de ensino primário.

Era modesta a quantia pedida.

Inclui-se no respectivo orçamento do Ministério da Instrução a verba necessária para ocorrer aos encargos, quer de juros quer de amortização, que o empréstimo exigia.

Pois, apesar disto tudo, só êste ano, depois do muitas dificuldades, foi possível obter na Caixa a magra quantia lê 500.000$!

Ora, se para uma pequena quantia tanto tempo tem decorrido sem só vencerem tais dificuldades, como é possível ao para 30:000.000$ apareçam tantas facilidades?...

O resultado que pode desenhar-se a repetição de casos como o do liceu feminino, a que há pouco aludi, e o da Escola Normal de Lisboa.

É a tal moralidade do sapateiro de Braga.

Desta proposta apenas resultará ima despesa certa, porque a receita incerta.

Há a despesa certa e obrigatória dos juros e amortização do empréstimo, o que se aproxima de 4:000 contos.

A receita que pretende obter se â que não é nada certa; ao contrário, é a muito problemática.

A proposta diz que fica determinado para fazer face aos encargos o seguinte:

Leu.

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Ora ou pregunto: O que produzirão êstes 3 por conto?

Era interessante que na proposta alguma cousa se dissesse sôbre isso.

Chegará o produto dêsses 3 por cento para ocorrer aos encargos?

Não sei! A proposta não nos elucida sôbre êsse ponto. Eu, porém, estou convencido de que não chega.

Mas admitamos que dá esto ano os 4:000 contos. E para o ano?

Quem garante que os dá?

E uma cousa muito contingente. Pode deminuir a importação, pode melhorar o câmbio, o que deminuirá o montante sôbre que incide os 3 por cento.

E pois uma receita incerta; os encargos, repito, é que serão sempre certos.

Admitamos por hipótese que essa receita se mantém todos os anos. Então seria caso para preguntar que necessidade existiria para se efectuar um empréstimo.

Se o Estado arranja 4:000 contos de receita todos os anos, para que tomar um empréstimo?

Pode muito bem aplicar ao fim em vista essa receita que vai colhendo todos os anos.

Não se justifica o empréstimo.

Apoiados.

A propósito, recordo o que se passou com o célebre empréstimo do 40:000 contos destinado à construção de linhas ferroviárias. Êsses 40.000 contos entraram nos cofres do Estado, mas a respeito de caminhos de ferro construídos é o que se sabe.

Os 40:000 contos voaram não sei para onde!

Por êste o outros casos idênticos é que ou entendo que não devoremos aprovar a proposta que estamos discutindo.

Como se chegou à conclusão de que eram necessários 30:000 contos?

Por estudos feitos?

Não sei! O que eu sei é que se nos fala em obras, sem que apareça um plano e orçamento. Não há nada disso.

Parece que a primeira cousa a fazer era o plano das obras, elaborado depois de se ter verificado que obras seriam necessárias o destas quais deveriam ser primeiramente executadas. E estava então nisto uma base para se calcular a importância a gastar.

Nada disto só fez.

Só se diz que são necessárias as obras e que para elas são precisos 30:000 contos.

Fixou só esta quantia, como poderia ter sido outra.

E uma cousa arbitrária!

Sr. Presidente: como V. Exa. acabado ver, o artigo é para todos os paladares, não podendo, por isso, deixar de merecer a nossa crítica.

O dinheiro é distribuído em harmonia com as propostas apresentadas pelas próprias Faculdades.

O Sr. Presidente: - Devo prevenir V. Exa. de que são horas de se passar à ordem do dia.

O Orador: - Nesse caso, peço a V. Exa. o obséquio de me reservar a palavra para a seguinte sessão.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que aprovam a acta queiram levantar-se.

Está aprovada.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Alves Monteiro): - Sr. Presidente: permita me V. Exa. que eu, sendo a primeira vez que tenho a honra de falar nessa casa do Parlamento, apresente daqui a V. Exa. aos meus cumprimentos, bem como a Câmara a que V. Exa. tam dignamente preside.

Sr. Presidente: a precipitação com que ontem fechou a sessão da Câmara não permitiu que eu respondesse a umas considerações aqui feitas pelo Sr. António Correia.

Pouco ou nada tenho a dizer sôbre as considerações feitas por S. Exa., a não ser narrar os fachos como elos chegaram ao conhecimento do Ministério da Justiça.

Na verdade, Sr. Presidente, os jornais do maior circulação como sejam o Século e o Diário de Notícias fizeram um relato largo sôbre o julgamento do caso dos bilhetes do Tesouro, dizendo um deles o seguinte:

Leu.

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10 Diário da Câmara dos Deputados

A atitude do delegado do Ministério Público, segundo os jornais, levou o presidente do tribunal a intervir no assunto, pedindo ao delegado mais cordura e prudência no exercício do seu cargo.

Interrupção do Sr. Moura Pinto, que se não ouviu.

O Orador: - Não posso responder a V. Exa. visto que ao Ministério da Justiça não chegaram mais informações do que aquelas que vêm publicadas nos jornais.

O que sei é que, depois do julgamento, foi apresentado à Procuradoria Geral da República um ofício do director da polícia de investigação dizendo o seguinte:

Leu.

Assim como uma queixa feita pelo agente molestado dizendo o seguinte:

Leu.

Devo dizer à Câmara que o procedimento havido, a meu ver, foi em harmonia com disposições legais, pois na verdade não houve aplicação de pena, mas sim somente um afastamento do serviço.

Não bastam, Sr. Presidente, as qualidades de inteligência e carácter para exercer tam elevados cargos como o de delegado do Ministério Público, sendo também necessárias, a meu ver, qualidades de correcção e prudência.

Não houve, portanto, aqui a aplicação do uma pena que tem de aplicar-se no caso de haver condenação.

O que houve foi simplesmente uma perturbação da função do bem julgar, e o Ministro da Justiça teve de adoptar uma providência de carácter ocasional, afastando o elemento dessa perturbação.

É lícito ao Ministro da Justiça afastar ou transferir um delegado, sem ter de dar explicações a ninguém.

Está sobejamente justificado o acto que pratiquei.

De resto, em tudo importam as reincidências, e eu tenho aqui presente um processo disciplinar instaurado há seis anos contra o mesmo delegado e por idêntico motivo.

Diz êsse processo:

Leu.

A lei não permite a ninguém - seja ou não magistrado - que faça preguntas afrontosas às testemunhas que vão depor a um tribunal.

Não é preciso dizer-se que êste magistrado é honesto e inteligente, porque estas qualidades estão ressalvadas no seguinte acórdão:

Leu.

Estas qualidades foram-lhe Invadas à conta de circunstâncias atenuantes da sua falta; mas não são as únicas que devem concorrer em quem exerce tam altas funções, pois um magistrado tem também de ter competência, circunspecção, cordura, prudência e correcção.

São estas, Sr. Presidente, as explicações que tenho a dar à Câmara, lamentando não ver presente nesta ocasião o Sr. António Gorjeia.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bom! Muito bem!

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai prosseguira discussão da proposta sôbre os duodécimos.

Continua no uso da palavra o Sr. Cunha Leal.

O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: examinando com atenção e com frieza a proposta apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças, eu fico sem saber se o Govêrno quererá realmente que sejam aprovados os duodécimos que lhe são necessários para viver dentro da Constituição até que o Parlamento futuro reúna, ou se, pelo contrário, o desejo governamental será o de provocar uma situação de tal ordem que impeça a aprovação dos mesmos duodécimos.

De facto, como já ontem tive ocasião de dizer, o Sr. Ministro das Finanças apresentou quatro propostas dentro do uma única proposta e a dois ou três dias de fechar o Parlamento.

Quem sensatamente queira ver os assuntos que aqui se debatem chega à conclusão de que é impossível em dois ou três dias discutir os duodécimos, a autorização para o Govêrno estabelecer contratos com o Banco de Portugal e o Banco Nacional Ultramarino, a proposta do fundo de maneio e os créditos especiais para o financiamento da província de Angola.

O Parlamento não tinha tempo materialmente, nem estava em condições poli-

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ticas de aprovar ràpidamente estas propostas.

Concluo, portanto, que a proposta do Sr. Ministro das Finanças foi apresentada para não ser votada.

Se assim não fôsse, o Govêrno teria tido o cuidado de separar dela tudo o que não se referisse aos duodécimos exclusivamente.

Sr. Presidente: comecei já ontem a ocupar-me da proposta relativa à autorização a dar ao Govêrno para a abertura de créditos especiais por conta do financiamento de Angola.

Não há dúvida de que o Sr. Ministro das Finanças precisa de ficar habilitado a promover o financiamento da província de Angola; mas, para conveniência do Parlamento e de S. Exa., seria necessário restringir os limites desta autorização, porque os Ministros, muitas vezes, obedecendo ao princípio do menor esfôrço, causam futuros embaraços ao funcionamento dos diferentes departamentos da administração pública.

Quais as dificuldades que eu vejo neste caso?

Creio que já foram dados à província de Angola uns 60:000 ou 70:000 contos.

Disse-nos o Sr. Ministro das Finanças que a sua intenção era apenas de utilizar--se desta autorização para promover a abertura de créditos especiais até à importância de 52:500 contos; por outro lado a província contraiu obrigações que importam em 60:000 contos.

Portanto, somando estas três verbas, nós encontramos qualquer cousa como 180:000 contos, a despender até Julho do ano que vem.

Mas, a província de Angola tem outros embaraços. Ela continuará, durante muito tempo, a ter de pagar a parte que lhe soube do crédito dos 3 milhões, a ter de pagar as dívidas externas que ainda não estão liquidadas, e a termos daqui a alguns meses, de nos encontrar em presença de muitos outros embaraços.

Não a libertamos, por êste processo, das dificuldades do futuro, mas apenas durante um ou dois anos, porque, logo que a província se encontrar senhora dos meios para gastar, fá-lo há sem parcimónia, como acontece com o novo Alto Comissário, que tem repetido o exemplo de prodigalidade do seu antecessor.

Nós sabemos que a diferença entre a nota de Angola e a da metrópole é superior a 20 por cento; sabemos que estão emitidas obrigações a 15 por cento, e que um dos primeiros gestos do Alto Comissário actual foi reduzir de 15 por cento para 5 por cento, obrigando o Govêrno da metrópole, segundo aqui disse o Sr. Ministro das Finanças, a declarar que êle não tinha autorização para fazer isso.

Vêem, portanto, V. Exas. que a redução foi de 1U por conto, o que representa um verdadeiro bodo de 6:000 contos aos coloniais, emquanto, na metrópole, o contribuinte está sujeito a sacrifícios quási incomportáveis.

Parece-me, pois, que o Sr. Ministro das Finanças deve restringir os limites até onde quere usar desta autorização, e, assim, o Parlamento, sabendo quais os créditos especiais que podem servir Angola, e sabendo os limites até onde podem ir os novos créditos, ficará conhecendo a forma como é gasto o dinheiro emprestado àquela província, não por meio de fiscalização que continua a não ser nenhuma, mas, ao menos, pela rapidez com que são gastas as quantias emprestadas.

As minhas primeiras observações não visam a criar quaisquer embaraços ao Govêrno, mas apenas a pedir que se acautele o futuro e se ponham as cousas bem a claro.

Sr. Presidente: propositadamente deixei para o fim a proposta propriamente dos duodécimos. Mas há duas outras propostas qae foram apresentadas. Uma delas tende a permitir ao Govêrno introduzir determinadas alterações nos seus contratos com os bancos emissores, e a publicar determinadas medidas, tendentes à valorização da nossa moeda.

A outra medida é respeitante às contas do Banco de Portugal com o Estado.

Vejamos os termos em que ela vem.

Não vou fazer uma discussão com a amplitude que desejava para que não se diga que faço obstrucionismo.

V. Exas. sabem que em certo tempo, dentro da República, se começou a pensar em que o Estado devia ter maior intervenção na vida dos seus dois bancos emissores.

Dizia-se que um dos bancos tinha lucros excessivos.

Se é verdade que os Bancos são for-

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mados por capitais particulares, também têm a faculdade de omitir notas.

É verdadeira ou falsa esta doutrina?

É justo que o Estado pense assim?

Não é justo?

Foi tese, é absolutamente justo.

O Estado já tem maneira do intervir na vida dos Bancos, mas quere tornar mais ampla essa faculdade, quere alargar a sua esfera de acção administrativa.

Em tese, acho que o Estado tinha razão, porque, só bem que reconheça a verdade das acusações a êle feitas, nós quando legislamos aqui não legislamos para um Estado cheio de imperfeições; embora não possamos deixar de levar em linha de conta a situação do Estado, não devemos ter apenas a idea de que ele é desmazelado.

Eu discordei sempre da forma como se tentou pôr em execução o princípio. Quem tentou a primeira vez pô-lo em execução foi o Sr. Álvaro de Castro, no seu negregado Ministério que muitas pessoas dizem que começou a política da nossa Síilva,Çc1o económica e financeira, mas que eu tenho a impressão de que foi o mais prejudicial para a vida do País de quantos te m havido, sob o ponto de vista administrativo. Não vem, porém, para o caso a discussão do assunto e neste momento quero apenas discutir a forma como S. Exa. tentou pôr em execução o princípio.

Lembrou-se S. Exa. de fazer do Estado um grande accionista, começando a sua tentativa pelo Banco de Portugal. Para isso permitiu-se a si próprio comprar acções, como qualquer outro accionista, e não pensando, portanto, em tomar outra posição para si diferente da de qualquer outro accionista, V. Exa. decretou esta autorização para comprar acções baseado numa autorização que o Legislativo lhe tinha dado para legislar sôbre câmbios. Já vê o Sr. Ministro das Finanças que são precisas todas as cautelas para que os Governos não abusem das autorizações que lhes damos!

Na posse dessas acções, imediatamente o Estado pensou na intervenção, e devo dizer que imediatamente apareceram os candidatos.

O Sr. Barbosa de Magalhães, que já tem sido várias vezes candidato do Estado, pensou mais uma vez em o ser, mas tem sido uma pessoa caracterizada pelo insucesso para os lugares do Banco de Portugal, pertencendo, aliás, a uma família que não o costuma ser!...

Como se fez a intervenção? Primeiro, havia amigos do Estado com acções segundo, havia quem se prestasse a figurar como accionista. O Estado podia assim, manobrando as eleições do Banco Emissor do continente, ligando-se com grupos de accionistas, meter na Direcção do Banco bons elementos, pela sua, acção política ou administrativa, dando assim a certas famílias republicanas o ensejo de poderem criar elites financeiras.

O Estado, embora possuísse um número grande de acções, acções que tinham ficado registadas em nome do Estado, não poderia ter mais que um certo número de votos pelo Código Comercial, o então começa o Estado por fazer uma espécie de pequenas falcatruas, distribuindo as suas acções por diferentes entidades, mas, reconhecendo que isso levava a contestações fáceis, que isso poderia levar aos tribunais uma série de questões complicadíssimas, podendo o Banco Emissor prejudicar o Estado, o Estado cortou nó górdio por intermédio do Sr. Pestana Júnior, e então o Sr. Pestana Júnior cortou, o nó górdio pondo o Estado em condições diferentes, perante o Código Comercial, de outros accionistas.

Discordei da violência do acto e quando nos vêm dizer a nós que modifiquemos a nossa posição temos de responder que nós, Partido Nacionalista, ternos mantido sempre a mesma posição de coerência.

Não queremos que o Estado português, tendo a faca e o queijo na mão, talhe à sua vontade a fatia que lho convier e colocando o Estado em condições diferentes das de qualquer outro accionista.

Sr. Presidente: se fiz esta longa apreciação é porque no artigo 7.° há qualquer cousa que visa a exactamente colocar o Estado em condições de pelo menos obedeci r a leis regulares e não obedecer aos decretos de qualquer Sr. Pestana Júnior que kc lembre de os fabricar quando, lhe dó na sua republicana gana.

Assim o artigo 7.º:

Leu.

Quero dizer, o Sr. Ministro das Finanças, ao vir-nos pedir autorização para le-

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gislar do acordo com o Banco de Portugal, de forma a definir os direitos que à Fazenda Nacional devem competir, como possuidora de acções do mesmo banco e regular os exercícios dêsses mesmos direitos, reconhece duas cousas: primeiro, que não podiam os Governos anteriores ter publicado medidas que regulavam êsses direitos, porque a tanto não estavam autorizados, e tanto não estavam, que S. Exa. nos vem pedir autorização para regalar êsses direitos; segundo, reconhece que o Estado não se pode colocar, como accionista, em condições diferentes de qualquer outro accionista, a não ser de acordo com a totalidade dos accionistas, quero dizer, com o banco.

Portanto, S. Exa. reconhece a justeza dos nossos escrúpulos.

Mas vamos à significação da alínea a), deste artigo 7.°

O Sr. Vitorino Guimarães, foi o continuador da política, como o Sr. Pestana Júnior, do Sr. Álvaro do Castro; iniciou essa nova fase da política do conquista do maior predomínio na administração dos bancos.

O Sr. Pestana Júnior, com um decreto que não é um decreto, mas é de facto uma gazua, não pretendia entrar nesses Bancos pela porta, abrindo às claras os seus batentes, mas pela calada da noite, abrindo com uma gazua as portas dêsses Bancos emissores.

Em que consistia o pensamento do Sr. Pestana Júnior?

Decretar que poderia impor vice-governadores aos Bancos emissores, e poderia intervir na sua vida administrativa, não por acordo entre o Estado e o Banco, não por virtude de negociações anteriores livremente aceitas por ambas as partes, mas por nomeação do Estado, visto que S. Exa. dispunha da fôrça pública e o Banco de Portugal e o Banco Ultramarino não dispunham dessa fôrça.

Publicou, portanto, S. Exa. um decreto que foi aqui violentamente combatido por nós, minoria nacionalista; S. Exa. diz que o seu decreto é constitucional, teima, tem uma birra de criança e acaba por cair embrulhado nos seus decretos.

Vem o Sr. Vitorino Guimarães, e estabelece êste princípio, que já é diferente do princípio do Sr. Pestana Júnior: o Sr. Pestana Júnior impunha os vice governadores ao Banco de Portugal e ao Banco Ultramarino, sem os querer ouvir; o Sr. Vitorino Guimarães dizia que isso se deveria obter por acordo, e autorizava-se por si próprio a negociar com êsses Bancos.

Isto consta do decreto n.° 10:734.

O que faz agora o Sr. Tôrres Garcia?

No seu artigo 7.°, alínea a), diz o seguinte:

Leu.

Vem o Sr. Tôrres Garcia dar razão aos nossos escrúpulos.

É que, de facto, o decreto era tam inconstitucional, que S. Exa. nos vem pedir agora autorização para pôr em vigor as suas disposições.

Portanto, quero tirar para a meia dúzia de pessoas que me escutam, porque as outras estão conversando animadamente, a conclusão do que fomos honestos na argumentação e na defesa que fizemos 10 que o Estado apenas deve tomar posições com a lei na mão, e não por meio de actos de violência.

Mas o artigo 7.°, que é verdadeiramente uma proposta de lei, só por si, não se contenta com estas duas cousas, que nós daríamos, de boa vontade, ao Sr. Ministro das Finanças.

Vai mais longe, porque nos contratos ou acordos a fazer com o Banco de Portugal quere o Sr. Ministro das Finanças o seguinte:

Leu.

Eu sei que S. Exa. está na disposição honesta de nos trazer as alterações, e sei-o porque êle mas mostrou.

Em todo o caso, direi ao Sr. Ministro das Finanças que, apesar de toda a boa vontade de que S. Exa. está animado, êste enunciado está feito em termos tam vagos que mais conviria que S. Exa. definisse melhor o seu pensamento e que bom seria que tornasse mais clara a redacção do artigo.

Porque não sei o que se poderá fazer.

Pode-se fazer muito, ou pode não se fazer cousa nenhuma.

Portanto, acharia que conservando as alíneas a) e b), se poderia alterar a alínea c) de forma a precisar melhor o pensamento do Sr. Ministro.

Além desta havia ainda - e antes de chegarmos propriamente aos duodéci-

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mos - uma proposta que era contida no artigo 6.°, que é quási equivalente ao célebre fundo de maneio e que aqui foi apresentada, se não estou em engano, pelo Sr. Pestana Júnior.

O Estado seguiu uma política qualquer em matéria cambial. Essa política foi seguindo o seu curso normal, tendo as suas flutuações e, num dado momento, o Estado, para melhor poder desempenhar a sua acção no mercado cambuí, entendeu que devia efectuar a convenção de 29 de Dezembro do 1922, feita quando o Sr. Vitorino Guimarães fez servido como Ministro das Finanças no Ministério presidido pelo Sr. António Maria da Silva. E o Estado muniu-se assim com uma proposta para poder acumular nas suas mãos uma parte das cambiais provenientes da nossa exportação.

A convenção de 29 do Dezembro de 1922 constituía, no emtanto, um obstáculo, e o Sr. Vitorino Guimarães sabia-o muito bem e consultou até a Procuradoria Geral da República a qual lhe deu um parecer em que se dizia que êle não podia fazer-lhe qualquer alteração.

Mas S. Exa. prescindiu do parecer da Procuradoria Geral da República. E o Estado comprara uns tantos por cento das cambiais de exportação, lançando na praça uma parte delas, mas utilizando outra parte em gastos próprios. E ora vendia, ora comprava, equilibrando a sua vida de forma a intervir mais ou menos eficazmente no curso dos câmbios. Ora esta política de intervenção teve altas e baixas.

O Estado ora se acreditava ora se desacreditava. Mas havia uma cousa que não se tinha cuidado de fazer: era elucidar convenientemente o público sôbre os ganhos ou perdas das operações ou acordos.

O Estado comprava ouro; comprava o com escudos. Quem os fornecia?... Era o Banco de Portugal emitindo êsses escudos.

Depois o Banco de Portugal vendia libras por sua conta própria e esta venda servia para amortizar os escudos da compra das cambiais.

Mais em todas estas operações o que é que se deveria ter o cuidado de fazer? O dono de qualquer casa comercial diria: Eu perdi? Eu ganhei?...

Assim o Estado devia pensar, dizendo também o Ministro das Finanças: "Ao fim de certo tempo eu terei emitido a mais da circulação fiduciária normal uns tantos escudos?

E eu pregunto agora: Com a evolução que a política cambial sofreu devemos ter ganho ou perdido?

Seria conveniente que tivéssemos dado já o balanço anual aos prejuízos o aos ganhos para sabermos agora concretamente o que houve.

Suponhamos que o Estado comprara libras por emissão de notas, a 80$; se as vendesse a 100$ teria ganho evidentemente 20$.

O Estado deveria ter ganho; ganhou, dizem outros; não só sabe, dizem ainda outros, e até julgamos que perdeu. Mas, se por ventura êle ganhou durante determinado período, e se nós formos apurar qual foi o prejuízo final quando se deu a fase contrária, verificamos que êsse prejuízo final não é exactamente igual ao prejuízo havido, diminuído do ganho anteriormente obtido.

Infelizmente não conhecemos neste momento as flutuações dêste problema, para sabermos quanto custou ao Estado a política, que não discuto, da melhoria do escudo durante uma curta fase; há, porém, um momento em que não podemos deixar do sabor o resultado final dessa política.

Diz o artigo 6.°:

Leu.

Do fundo do maneio, ouro, da convenção de 29 de Dezembro de 192.2 resultava um aumento temporário da circulação fiduciária.

De facto, cada libra comprada ocasionava um aumento efectivo da circulação fiduciária e cada libra vendida ocasionava uma diminuição da circulação fiduciária; quere dizer que toda a circulação (imitida em nome da convenção de 29 de Dezembro do 1922 era uma circulação temporária, uma circulação flutuante, aumentando ou diminuindo conforme as compras do cambiais fossem em quantia superior ao produto das vendas das mesmas cambiais, e no final, se estas operações se fizessem sem ganho nem prejuízo, quando vendêssemos todas as libras, tinham desaparecido todos os escudos.

Foi por isso que todos os partidários

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da convenção, quando nós aqui gritávamos que mais tarde isto havia de derivar numa fixação da circulação temporária em definitiva, nos declaravam que não, e que era por chicana que se falava em notas e mais notas.

Ora bem. O que é que nos propõem agora?

Propõem-nos o seguinte: tudo aquilo que é circulação fiduciária emitida em nome da Convenção de 29 de Dezembro de 1922, tudo isso entra como circulação permanente, quere dizer, a tal temporária circulação que não prejudicava o Estado fixa-se em circulação definitiva. Diz-se ainda: ao menos vamos dar a essa circulação uma contra-partida, porque todo o fundo ouro que existe actualmente em virtude dessa Convenção, pelo n.° 1.° do artigo 6.°... eu leio.

Leu.

Sucede, porém, que, feito o cálculo do valor dêsse fundo ouro ao câmbio do dia, o Ministro prevê que êle seja inferior à circulação agora fixada.

Há muito tempo que êsse número anda por aí bailando, como sendo o prejuízo final, que pode não ser o prejuízo verdadeiro em que a posição do Estado começou a melhorar.

Portanto, nós vamos ficar, neste momento, sem contra-partida; como circulação permanente, essa importância, a importância do prejuízo sofrido por virtude dessas operações. Diz aqui o Sr. Ministro das Finanças:

Leu.

Mas, se queremos fazer uma política franca e aberta, por que razão não manda S. Exa. apurar o prejuízo e vem depois pedir ao Parlamento que o autorize a emitir títulos da dívida pública no valor preciso para caução dêsse aumento de circulação fiduciária?

Isto é que seria fazer uma política às claras!

O País necessita saber os seus prejuízos e assim o entende também o Sr. Ministro, tanto que no n.° 4.° do artigo 6.° da sua proposta, diz:

Leu.

Esta deveria ser a única forma de creditar ou debitar os prejuízos havidos anteriormente.

O Parlamento, realmente, está desacreditado e confesso a V. Exas. que muitas

vezes tenho pensado amarguradamente sôbre se teremos o direito de andar a exibir perante o país as nossas constantes discórdias.

Ontem à noite, filosofando comigo próprio, reli por acaso as Farpas, de Ramalho Ortigão, de Maio de 1871, em que se diz:

Leu.

De 1871 para cá vão decorridos já bastantes anos e eu pensei para comigo próprio que os Parlamentos vêm oferecendo todos o mesmo espectáculo.

Não seria despropositado nesta hora fazer levantar e procurar solucionar na consciência de cada um dos que me escutam um problema.

Àparte as dificuldades nascidas até de conflitos nacionais, àparte as complicações que um cataclismo como não houve outro igual trouxe para as consciências dos povos, a pontos de que cada Câmara é sempre pior do que as anteriores, não será lícito perguntar-se efectivamente êste estado de cousas não corresponderá a qualquer deficiência na mecânica das instituições parlamentares?

Faço esta pregunta porque estamos em vésperas de Câmaras constituintes, e era bom que cada um dos que procuram de novo fazer-se eleger pensasse a sério se não haverá maneira do simplificar a mecânica parlamentar.

Não será a instituição parlamentar impotente no seu funcionamento para exercer completamente a sua acção?

Reabilitemos um pouco o Parlamento.

O que somos nós?

Homens insuficientes para a solução dos problemas actuais.

O que são as instituições dentro das quais funcionamos?

São instituições inadaptáveis às circunstâncias. Somos o fruto dessas dificuldades, e a própria circunstância de descermos muito, é porque também os homens têm perdido muito no seu idealismo, sentem-se cada vez mais rebaixados na sua mentalidade, quando tomam para termo de comparação os problemas que assoberbam a Europa inteira

Trata-se de uma Europa inteira que ainda neste momento não reconheceu, como aconteceu na idade média, que tem de dar às fôrças espirituais da sociedade o papel a que têm direito.

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Sr. Presidente: eu compreendo que neste momento não podemos votar o Orçamento, mas a culpa não é nossa, pois os Srs. relatores ainda há bem pouco tempo apresentaram os seus pareceres, numa época em que todos os orçamentos deviam já estar votados.

Não fomos nós que fizemos obstrucionismo, e o Sr. Ministro das Finanças, dentro das dificuldades que encontrou, procurou descobrir fórmulas novas que não estão dentro da nossa Constituição.

Diz a proposta:

Leu.

Isto quere dizer que nos é podida urna autorização para pôr em vigor a proposta orçamental com as operações que lhe foram introduzidas, o que equivale a conceder uma autorização para remodelar integralmente o Orçamento. Quere dizer, só a, despesa é de mil, o Govêrno pode alterar as verbas todas, contanto que a soma não ultrapasse mil. E o que na antiga administração militar se chamava o mapa dos recrutas.

E, mesmo que venha a aprovar-se a proposta dos duodécimos, é preciso eliminar o § único, e estou convencido de que o Sr. Ministro das Finanças acha que é um êrro e concorda comigo, mas a circunstancia de o ter pôsto aqui demonstra exactamente que S. Exa. sente a insuficiência dos elementos de que dispõe, para fazer uma administração útil. Isto prova a triste e honesta necessidade de transformar. Querer governar um mundo novo com os materiais e maquinismo do mundo antigo, é absolutamente impossível.

Pensemos na obra improdutivo do actual Parlamento e na constatação de outros factos, como na necessidade de ligação entre as diferentes instituições do Estado.

Pensemos nisto e encontraremos em nós próprios a coragem moral para confessar a nossa incompetência.

Façamos nós próprios um exame de consciência, e, se verificarmos que não temos capacidade para desempenhar determinados papéis, desistamos deles. Só assim as dificuldades da hora presente se tornarão menores.

Não sei se os homens quererão fazer esta auto-interrogação. Se na sua consciência reconhecerem a incompetência e a incapacidade, façam qualquer cousa para evitar o que sucedia em 1871 e sucedo em 1925.

O orador não reviu.

O Sr. Tavares Ferreira: - Requeiro que V. Exa. consulto a Câmara sôbre se consente que se prorrogue a sessão até ser votada a proposta em discussão.

O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: é o Sr. Tavares Ferreira quem vem requerer a prorrogação da sessão para, de afogadilho, só discutir, ou fingir que se discute, uma proposta que respeita ao mais importante assunto da administração pública do Estado. Está certo, porque traduz o que tem sido êste Parlamento, condenado pelo País. Esto Parlamento, que muitas vezes não reúne por falta de número para tratar de qualquer assunto que interessa à vida nacional, quando se trata de um assunto de importância capital, não duvida votar numa única sessão um dos assuntos mais importantes da administração pública, para assim os Srs. Deputados não terem grande maçada.

Fomos nós, e só nós, dêste lado da Câmara que procurámos impedir que continuasse a acção perniciosa dêste Parlamento.

Pois bem, Sr. Presidente, seremos nós também, para sermos coerentes e lógicos, que diremos que o requerimento feito pelo Sr. Tavares Ferreira representa a continuação das votações de afogadilho de todas as propostas, todas as que nesta sessão legislativa têm sido apresentadas ao Parlamento, a maior parte das quais têm aqui sido votadas sem serem minuciosamente estudadas.

São estas, Sr. Presidente, as condições em que se encontra êste Parlamento, não podendo deixar de lembrar que temos sido nós, dêste lado da Câmara, que temos feito tudo quanto nos ô possível para evitar que êle assim funcione, desprezando as reclamações do País.

Entendo, pois, que o requerimento do Sr. Tavares Ferreira deve ser aprovado.

Vão em breve realizar-se eleições; eleições à republicana, sem dúvida, e assim digo que bom será que o País se lembre da obra dêste Parlamento para que aqui

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não possa vir outro igual a esto, que está prestes a morrer.

Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Alberto Jordão: - Sr. Presidente: ouvi o requerimento feito pelo Sr. Tavares Ferreira, e assim permita-me V. Exa. que eu faça um aditamento ao mesmo requerimento, que é o seguinte:

Que a sessão seja prorrogada não sómente para se votar a proposta dos duodécimos; mas ainda para se votar o projecto apresentado pelo ilustre Deputado Sr. Cunha Leal, e que está logo a seguir na ordem do dia.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: é bom que cada um marque a sua posição nestas cousas; num Parlamento em que se querem votar determinadas medidas necessário é que haja transigências de lado a lado, não havendo nisso desdoiro para ninguém.

Toda a gente sabe o interêsse que nós temos num projecto que não visa a amnistiar oficiais, mas visa a querer que sejam castigados.

Evidentemente, não aprovar êste mesmo projecto é criar uma irruditibilidade que não serve o regime.

Não se trata de fazer uma ameaça, mas apenas um aviso.

A Câmara vote como entender; V. Exas. ficam sabendo qual é a nossa atitude.

O orador não reviu.

O Sr. Sá Pereira: - Pedi a palavra para declarar que voto o requerimento do Sr. Tavares Ferreira com o aditamento do Sr. Alberto Jordão.

Não criamos dificuldades ao Partido Nacionalista.

O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: desejava que V. Exa. me informasse se tenciona ou não pôr à discussão na segunda parte da ordem do dia a proposta do Sr. Cunha Leal; assim como também era meu alvitre ficar a proposta dos duodécimos para a noite.

O Sr. Presidente: - Não há duas partes de ordem do dia.

O Sr. Carvalho da Silva: - Eu não formulo um requerimento no sentido que expus por ser dêste lado da Câmara.

Entendo, porém, que se deve discutir a proposta relativa aos oficiais do exército o da armada; depois, na sessão da noite, far-se-há a discussão da proposta dos duodécimos.

Só porque tenho receio do que êle seja reprovado é que eu não apresento o meu requerimento neste sentido.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Rodrigues Gaspar (sobre o modo de votar): - Este lado da Câmara dá o seu voto ao requerimento do Sr. Tavares Ferreira e ao aditamento proposto pelo Sr. Alberto Jordão.

A proposta apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças é uma proposta de interêsse verdadeiramente nacional, e, para que só não diga que êste lado da Câmara quero, também levantar atritos, aprovamos o requerimento e o aditamento, mas não podemos aceitar o alvitre do Sr. Carvalho da Silva.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu (sobre o modo de votar): - O aditamento do Sr. Alberto Jordão é animado das melhores intenções.

Concordamos inteiramente com o projecto do Sr. Cunha Leal, o entendemos que êle deve ser votado antes de se encerrarem os trabalhos.

Mas, posta a questão nos termos em que está, a própria maioria provocará a falta de número para que a sessão seja encerrada logo que se aprove a proposta dos duodécimos. Estou convencido disto, e V. Exas. verão se assim não sucederá.

De maneira que, Sr. Presidente, faço esta declaração para dizer que, entrando no debate sôbre os duodécimos, me sentirei inteiramente à vontade para falar durante o tempo que quiser, visto que entendo que o projecto do Sr. Cunha Leal não será aprovado.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal (sobre o modo de votar): - Não devemos viver, acho eu, em

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regime permanente do declarações apresentadas pelos Srs. Deputados da letra "V".

Todos nós devemos acreditar nas afirmações dos homens públicos, supondo que elas são feitas sem secundo sentido.

Interpretei as palavras do Sr. Rodrigues Gaspar no sentido seguinte: que a maioria democrática, concordando connosco nesta espécie de armistício, em que nós procurávamos apenas servir o País, daria depois número para continuar a sessão.

E não podemos compreender de maneira nenhuma que, uma vez votada a proposta dos duodécimos, fôsse qual fôsse a hora a que essa votação terminasse, nos encontrassemos em presença de n m Parlamento que não tivesse já número para poder funcionar.

Continuo confiante em que o Sr. Rodrigues Gaspar, assina como nós, votando o requerimento com o aditamento, nos obrigamos a dar número para discutir e votar a proposta de duodécimos, e a seguir O meu projecto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. José Domingues dos Santos o modo de votar): - Quando pedi a palavra ainda não sabia que o meu ilustre correligionário o amigo Sr. Sá Pereira já tinha afirmado a posição do Grupo Parlamentar da Esquerda Democrática no requerimento e aditamento a votar.

E assim, Sr. Presidente, nada tenho que acrescentar às considerações produzidas pelo Sr. Sá Pereira.

Mas, porque gosto de ser muito claro nas minhas afirmações, tenho a dizer que o Grupo Parlamentar da Esquerda Democrática, dentro das fórmulas regimentais, usará de todos os meios de oposição ao projecto que trata do afastamento dos oficiais implicados no movimento de 18 de Abril.

Afirmo isto lealmente à Câmara para seu inteiro conhecimento.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Sá Cardoso: - Sr. Presidente: como há pouco me pareceu que V. Exa. dissera que só nas sessões em que se discutem orçamentos é que há a divisão da ordem do dia em duas partes, peço a V. Exa. que nos diga se é isso que consta das alterações ao Regimento.

O Sr. Presidente: - A disposição regimental em vigor referente ao caso é a seguinte:

Leu.

O Orador: - Está muito bom. Não há restrição alguma.

O espírito da minha proposta era para que assim fôsse sempre, sendo, porém, as duas primeiras horas para a discussão dos orçamentos, quando a, Câmara deles só tivesse ocupado.

Quanto ao requerimento do Sr. Tavares Ferreira e aditamento do Sr. Alberto Jordão, cumpre-mo declarar em nome do Grupo de Acção Republicana que o facto, de darmos n nossa aprovação a um e a outro não nos obrigará a dar número.

Podemos vir ou não.

Isto não é ameaça. É simplesmente pôr as cousas a claro.

O orador não reviu.

O Sr. Rodrigues Gaspar: - Sr. Presidente: - Eu desejo esclarecer o ilustre Deputado e leader do Partido Nacionalista, Sr. Cunha Leal, que as minhas palavras devem ser interpretadas tal como as pronunciei.

Não há nelas qualquer pensamento reservado, nem porque eu tenha de sair ou tenha de ficar.

Aprovo o aditamento nas mesmas condições em que aprovo o requerimento do Sr. Tavares Ferreira.

Não há aqui duas interpretações a dar.

É só isto.

Simplesmente o que fiz sentir, e tenho de fazê-lo de novo, é que estamos aqui, sobretudo, por um alto problema de interêsse nacional.

Nestas condições, repito, é absolutamente preciso que antes de qualquer cousa se discuta a proposta do Sr. Ministro das Finanças.

Tenho dito.

Vozes: - Apoiado! Muito bem!

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: todos nós, feliz-

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mente, sabemos falar português. Parece-me...

E porque sabemos é que eu vou fazer a V. Exa. em nome da minoria nacionalista, a seguinte afirmação: a circunstância do votarmos o requerimento que vamos votar não nos obriga a mais do que aquilo que se pode, pura e simplesmente, deduzir de uma aprovação.

Não temos, portanto, compromissos de espécie nenhuma, nem para criar embaraços, nem para criar facilidades.

Se, porventura, com ameaças, certos fanfarrões (se é que não estão a jogar com interêsses superiores) munidos do uma lei abstracta, querem impor dois castigos pelos mesmos crimes, um dos quais cometido pelos próprios julgadores; se tais fanfarrões ousam dizer que são capazes do fazer obstrucionismo numa questão a que está ligado o nome de homens honrados e não o interêsse de A, de B ou do C, em vez do se limitarem a votar contra, mas nunca a fazer tal obstrucionismo, porque êste não se pode fazer em casos desta natureza, porque isso implica um ódio pessoal (Apoiados e não apoiados) que não é digno (Apoiados e não apoiados), ódio que concretamente define os homens que o manifestam, então eu direi que êsses fanfarrões não são legisladores, mas carrascos!

Apoiados.

Se isso é assim, a minoria nacionalista procederá também como muito bem entender.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o requerimento do Sr. Tavares Ferreira.

Os Srs. Deputados que o aprovam tenham a bondade de levantar-se.

Foi aprovado.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.

Procede se á contagem, sendo novamente aprovado por 64 votos contra 4.

O Sr. Ministro das Finanças (Tôrres Garcia): - Sr. Presidente: julgo conveniente, nesta altura do debate, esclarecer a Câmara sôbre as intenções do Govêrno, aproveitando, desde já, o ensejo para responder aos Srs. Carvalho da Silva, e Cunha Leal, visto que S. Exas. intervieram na discussão da proposta orçamental.

Começou o Sr. Carvalho da Silva por afirmar que o Govêrno pretendia fazer uma obra do ditadura financeira.

Não há, porém, da parto do Govêrno tal desejo, nem isso se pode de maneira nenhuma concluir da leitura desta proposta que julguei do meu dever trazer à Câmara dos Deputados. O que o Govêrno pretendeu fazer foi aquilo que o Sr. Cunha Leal afirmou nas suas palavras.

Quis, de facto, desprender-se um pouco da apertada malha em que o Poder Executivo se encontra quando pretende resolver qualquer assunto de administração pública.

Esta proposta visa a habilitar o Govêrno para quatro meses de administração; e como o Ministro das Finanças procura ser dentro dêsse prazo, não um elemento passivo, em face das necessidades da administração pública, mas, antes3 um elemento essencialmente activo para ocorrer a todas as necessidades de administração, foi por esto motivo que trouxe ao Parlamento a respectiva proposta.

No eu to preâmbulo da proposta, eu manifesto essa intenção, que também é a do Govêrno, porque entendo desde há muito que qualquer pessoa que assume uma pasta não poderá fazer nada de útil na resolução dos assuntos que estão a seu cargo se não tiver possibilidade de os remediar.

Antes, propriamente, de responder às afirmações dos ilustres Deputados, ou devo dizer a V. Exa., Sr. Presidente, e à Câmara que o Govêrno está na disposição de alterar a redacção do artigo 7.°, no sentido de que ninguém em Portugal, e muito menos os Srs. legisladores, tinha receio de que o Govêrno vai fazer qualquer cousa que seja ofensivo dos interêsses do Estado.

O Govêrno deseja apenas ficar habilitado a fàcilmente encetar negociações com o Banco de Portugal, não para fazer uma política de violências com os bancos emissores, mas uma política em que, ha-

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vendo um acordo mútuo, se efectivo a intervenção do Estado nossos organismos tal como o Sr. Cunha Leal expendeu com brilhantismo.

O modus faciendi dessa política do intervenção é que separou, creio eu, os dois Partidos da República.

Eu vou para uma forma ecléctica, a forma que pretendo conseguir à custa do um acordo entro as duas partes interessadas, o êsse acordo promovê-lo-ia pela forma imperativa como está transcrito no artigo 7.°, mas também não mo repugna promove-lo pedindo à Câmara apenas uma autorização que me leve a conversar de uma maneira oficial com o Banco por intermédio de uma comissão ou daquulo organismo que ou julgue mais útil, mas uma comissão ou organismo essencialmente técnico, essencialmente competente, para que dessa conversa resulte o acordo entro as duas partos o êsse acôrdo seja traduzido numa proposta de lei que o Govêrno venha apresentar ao Parlamento na devida oportunidade.

Assim viria à Câmara uma proposta já com o placet da assemblea geral do Banco de Portugal e viria aqui para receber também o placet da, permitam-me o termo, assemblea geral da Nação que é o Congresso da República.

De maneira que o Govêrno, pela minha pessoa, tem uma proposta de alteração ao artigo 7.° que contém êste princípio que acabo de expor.

Por essa proposta de alteração, o artigo 7.° ficará reduzido apenas a uma autorização dada ao Govêrno pelo Congresso da República para que encete negociações com o Banco de Portugal.

De maneira que assim fica pôsto a claro, perante a Câmara e o País, o interêsse que o Govêrno tem de resolver a questão com o banco emissor, dizendo respeito, sem dúvida nenhuma, à reforma bancária naquilo que lhe é aplicável, na definição dos direitos que cabem aos portadores das acções do Banco e que vai até ao ponto de permitir uma tentativa de melhor aproveitamento dos valores ouro do Estado.

O ponto do vista do Govêrno é o de que essa melhoria pode conseguir-se desde que os valores-ouro do Estado sirvam de garantia à circulação fiduciária e esta deixe de ser escriturada na conta de empréstimos, isto ó, desde que a circulação fiduciária tenha como contrapartida a representação-ouro que o Estado entregar ao Banco.

Mas assim o artigo 7.° - em minha consciência o entendo - em condições de poder ser aprovada pela Câmara, e fica também claramente expresso - isto em resposta ao Sr. Cunha Leal - o ponto de vista do Govêrno na execução da doutrina da intervenção do Estado na acção dos Bancos emissores. É um processo prudente, um método do cooperação que entendo ser o mais conveniente para resolver assuntos desta natureza.

Passemos agora, Sr. Presidente, a considerar um outro ponto trazido à discussão pelo Sr. Cunha Leal.

Disse S. Exa. que é perigosa a autorização que dá ao Govêrno a faculdade de abril na proposta orçamental para 1925-1920 os créditos suficientes ao financiamento da província do Angola.

Não contrario a idea de que a Câmara, se assim o entender, faça a fixação dessa verba.

São já duas as alterações introduzidas pelo Govêrno na proposta dos duodécimos.

A proposta do Banco de Portugal, que está posta pelo Govêrno sob o ponto do vista interpretativo, ficará reduzida a uma autorização habilitando o Govêrno a encetar negociações com o Banco para execução das alíneas da proposta que dizem respeito à reforma bancária na parte que cabe ao Banco do Portugal, à garantia dos direitos que cabem ao Estado como portador das acções, conforme está indicado nas alíneas c) e d).

O Sr. José Domingues dos Santos: - V. Exa. diz-me se é propósito do Govêrno, ao celebrar o contrato com o Banco de Portugal, revogar a reforma bancária?

O Orador: - Não, senhor. O Govêrno aplica a reforma bancária.

E que o Sr. José Domingues dos Santos não ouviu as minhas palavras que constam da proposta.

A redacção que havia, se a Câmara assim o entende, poderá ser substituída pela seguinte:

Leu.

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O Sr. José Domingues dos Santos: - Portanto é propósito do Govêrno manter a reforma bancária na parto que se refere ao Banco de Portugal?

O Orador: - Sim, senhor. Apenas tenho o meu modo de ver sôbre o modus faciendi.

O Sr. José Domingues dos Santos: - Está, pois, disposto a cumprir a reforma bancária com respeito ao Banco de Portugal.

O Orador: - Uso do processo ecléctico. Uso da transigência, para defender os interêsses do país.

O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - Para manter o ponto de vista que acabo de acentuar, o que nos interessa é o modus faciendi.

Não é indiferente, para entrar dentro de casa alheia, bater à porta e esperar que a abram, ou arrombá-la, se o dono não quiser abrir.

O Sr. José Domingues dos Santos: - V. Exa. quero entrar lá com a lei, de acordo com a lei; não entra com a guarda republicana.

Risos.

O Orador: - O artigo 6.° da proposta levantou celeuma. Vou responder aos Srs. Deputados o mais ràpidamente que possa.

O mecanismo da convenção de Dezembro de 1922 é conhecido de todos.

V. Exas. querem números? Vou ler números. Mais valem números do que um largo discurso de elucidação.

Evidentemente que se deu êsse desencontra entre as cambiais compradas nos Bancos de Portugal e os escudos emitidos em contrapartida dessas cambiais, em virtude da valorização do escudo. Foi por êsse motivo que começaram a ficar em circulação notas que não tinham já contrapartida na conta-ouro da mesma convenção. Sendo assim, não nego, nem tenho o propósito de negar, que se fez um aumento de circulação fiduciária.

Há hoje, em números redondos, um montante de 121:496 contos que não têm representação, na conta do chamado fundo de maneio da convenção de 1922, numa contrapartida ouro.

O Sr. Carvalho da Silva afirmou que faltava uma contabilidade própria desta conta, e que só agora é que sabe ou presume saber qual o prejuízo havido pelo uso da convenção de 1922.

O Sr. Velhinho Correia: - V. Exa. dá-me licença? Eu expliquei, quando da discussão da proposta do fundo de maneio, várias vezes à Câmara que o prejuízo nessa conta não ia muito além de 100.000 contos.

De resto, se houve prejuízo nessa conta, houve por outro lado compensações para o Estado resultantes da melhoria cambial. O número que V. Exa. traz aí é um número exacto, que eu não tinha; mas eu declarei à Câmara que êle excedia pouco 100:000 contos.

O Sr. Carvalho da Silva: - V. Exa. dá-me também licença?

Pregunto apenas se êsse número que V. Exa., Sr. Ministro das Finanças, indicou representa o prejuízo desde a data da execução da convenção de 1922, porque então, como se deu, depois dessa convenção, um agravamento cambial, o prejuízo deve ser muito maior.

O Sr. Velhinho Correia: - Essa argumentação não é absolutamente exacta.

Ouvi as considerações do Sr. Cunha Leal e devo dizer que não tirei essa conclusão.

O Orador: - Os números que aqui tenho referem-se a Outubro de 1924, e dizem o seguinte:

Leu.

Devo dizer à Câmara que aqui há também o prejuízo devido ao câmbio, pois a Câmara sabe bem que de meados do mês de Outubro até Novembro o câmbio entrou numa baixa assustadora, vendo-se o Estado na necessidade, por causa da desvalorização da moeda, de fazer compras avultadas de libras; muito principalmente na Bolsa do Pôrto, onde se chegou a fazer num só dia uma compra de 80:000' libras.

Nesse tempo a libra, como a Câmara muito bem sabe, chegou a ter uma descida de 6$ a 1$ por dia, razão por que o

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Govêrno se viu na necessidade absoluta de ir à praça fazer compras avultadas de libras, para assim impedir uma baixa desordenada, que na verdade ninguém sabia onde ia parar.

O Govêrno viu-se na necessidade do tomar esta providência:

Leu.

Aqui tem já V. Exa. um prejuízo do algumas dezenas de milhares de contos para o Estado.

O Sr. Cunha Leal: - E as cambiais provenientes da venda da prata?

O Orador: - A prata está em Londres à ordem do Govêrno. O fundo não tem deminuído; pelo contrário, tem sido aumentado.

O Sr. Cunha Leal: - Estando a prata à nossa ordem, em face do n.° 2.° do artigo 2.° podia substituir-se.

O Orador: - Em resposta, devo já dizer que não posso nem devo fazer isso, pois êsse depósito em Londres tem exercido uma acção benéfica na praça.

O Sr. Cunha Leal: - Eu disse isto em acordo com o pensamento do partido de V. Exa.

O Orador: - De maneira que em 30 de Junho de 1925, data a que se reporta o último mapa que vou ler a V. Exas. a situação da conta era a seguinte:

Leu.

Mas temos do estudar êste número, porque êle não representa, do facto, o prejuízo tido pelo listado na política que se orientou ora a convenção do 1922. Já aqui está incluído o prejuízo tido no milhão de libras que o Estado julgou do seu dever perder para efeitos da melhoria cambial e que, portanto, não pode levar-se à conta de má qualidade do processo, mas à intenção louvável do Govêrno de evitar piores males para a Nação.

Em Fevereiro havia um saldo de libras na conta, que ao câmbio médio de 161$, dava o seguinte:

Com êstes números respondo ao Sr. Carvalho da Silva, que afirmou que as libras do Estado só serviram para entregar à Caixa Gorai de Depósitos para ela socorrer os afilhados.

Devo dizer à Câmara que a referida Caixa não realizou até agora nenhum desconto e que não tem sido a monopolista dos valores-ouro do Estado. Encontra-se neste mapa uma venda ao balcão e, portanto, ao público; encontram-se também vendas a banqueiros, e mais as seguintes:

Leu.

A Caixa Geral de Depósitos, como V. Exas. sabem, tem de fazer face às necessidades ouro dos serviços do Estado - e já V. Exas. viram, que ela pouco mais recebeu, deduzido isso, do que receberam os bancos! - e às necessidades daqueles que foram directamente comprar ao balcão, na Inspecção do Comércio Bancário. Temos, portanto, um total de sã das seguinte:

Leu.

A conta final em 30 de Junho é esta:

Leu.

Do então para cá não tem havido prejuízos, visto que o câmbio se tem mantido.

Trocam-se explicações entre o orador e os Srs. Velhinho Correia e Morais Carvalho.

O Orador: - Quando íamos na desvalorização da moeda já os Governos tinham de intervir para evitar um mal maior, e para intervir tinham de levar o Estado a perder. Mas era dever moral dos Governos impedirem tanto quanto pudessem a marcha ascensional do valor da libra.

Nesta altura o orador é novamente interrompido pelo Sr. Morais Carvalho, intervindo simultaneamente o Sr. Velhinho Correia e havendo troca de explicações.

O Orador: - Entram também as cambiais que são oferecidas.

O Sr. Velhinho Correia: - É que a, baixa cambial não se passou numa curva regular, mas numa curva muito irregular. Com períodos de baixas e altas.

O Orador: - Vamos detalhar a conta a fazer de quem o Estado perdeu.

A maior parte do dinheiro perdido é representado pelas notas em circulação.

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O Estado perdeu o favor dos portadores de cambiais.

O prejuízo real foi a favor dos elementos activos do comércio e da indústria, dos representantes da economia nacional.

O prejuízo foi de alguns milhões.

Multiplicando-se a diferença por que foram compradas as cambiais aos exportadores e depois vendidas pelo Estado dá 98:566 contos.

Esta quantia foi omitida pelo Estado, não para fazer face de maneira nenhuma aos seus encargos, mas a favor dos portadores de cambiais de exportação.

Sem se dar por isso, o Estado realizou uma acção proveitosa em favor da economia do País.

O Sr. Carvalho da Silva: - E porque o Estado comprava mais baixo.

O Orador: - O que afirmo é que, se se examinar esta verba, encontrar-se-hão 980:000 contos que foram emitidos pelo Estado, a favor dos portadoras de cambiais de exportação.

Evidentemente! Isto é inegável! Se as libras entravam por um lado para a conta-ouro e os escudos em representação saíam para a mão dos portadores das cambiais de exportação, a diferença que houve depois, por virtude da baixa de câmbio, traduz-se numa circulação fiduciária emitida exclusivamente em favor dêsses portadores das cambiais e portanto a economia nacional, muito mais que o Estado, aproveitou da emissão feita através da proposta de 23-24.

O Sr. Carvalho da Silva (em àparte): - A economia nacional não! Algumas pessoas...

O Orador: - Mas os seus lucros iam entrar depois no giro económico da actividade geral da Nação.

Não houve, portanto, só prejuízos. Na comissão levada em conta na compra das cambiais, quer na Caixa Geral de Depósitos, quer no balcão, o Estado levava a devida percentagem, como, aliás, não podia deixar do levar. E isso trouxe para o Estado 12:106 contos; mas como foram levados à conta da Convenção, temos de os incluir dentro da conta geral da mesma Convenção.

O prejuízo, no saldo existente em 30 de Junho era de:

Leu.

Com uma pequena diferença de câmbios que houve, foram 10.508 contos. Foi necessário deduzir a quebra de certas moedas, como o franco belga; dessa quebra resultou:

Leu.

E assim chegámos à verba final de 191:406 contos.

De maneira que parece-me que disse já o bastante para tranquilizar V. Exas. Estão referidos os números que mencionei a 30 de Julho do 1925. A operação, assim, ficou detalhada e compreendida, pois, por todos.

V. Exas. compreendem que a proposta do Govêrno devo merecer a aprovação da Câmara.

Se V. Exas. entenderem que se deve substituir a condicional que se encontra no artigo 2.° pela totalidade da verba a que me referi, apurada em 30 de Junho de 1924, o Govêrno aceita essa solução. Mas o que é certo é que o Govêrno não pode desinteressar-se dêste ponto de vista. Está explicado, explicadíssimo já o que se vai fazer.

Como ontem eu disse particularmente ao Sr. Carvalho da Silva, êstes números que elucidam absolutamente o assunto, vão ser publicados pelo Ministério das Finanças, de maneira a dar a todos os portugueses os elementos de estudo precisos, para ajuizarem da acção do Estado.

O Sr. Morais Carvalho (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença? Poderia dizer-me a que data respeitam êsses números?

E desde a criação do fundo de maneio?

O Orador: - Sim senhor.

Sr. Presidente: eu tinha aqui muito mais números que poderia citar, mas eles não se prendem directamente com o assunto.

Devo fazer uma referencia ainda à circulação fiduciária e à influência que a aprovação desta proposta do lei pode ter nela.

Como V. Exas. sabem, em virtude da transferencia da prata para Inglaterra e

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da sua conversão lá em valores-ouro, depositados à ordem do Estado, intactos nesta data e aumentados até, desapareceu a circulação representativa dessa prata recolhida pelo Banco de Portugal o também a circulação que o Banco tinha em representação do seu próprio depósito em prata.

Quanto à circulação, sôbre a rubrica de "empréstimos ao Govêrno" temos:

Leu.

Deduzindo os 121:500 contos que são OS prejuízos acusados temos apenas uma circularão de 52:153 contos, exactamente a quantia escudos que representa o saldo do valor-ouro da Convenção em 30 de Junho ou sejam 508:000 libras.

Aqui está, portanto, o controla para as contas que são apresentadas à Câmara,

De maneira que, tendo nós em 30 de Novembro de 1924 uma circulação total do 1.767:000 contos, temos hoje 1.628:000 contos, quere dizer, fizemos uma redução do quantum global da circulação fiduciária de 139:000 contos.

Procurou-se assim dar cabimento aos 121:500 contos que transitarão desta proposta, que tive a honra de apresentar a Câmara, da rubrica Convenção para a rubrica empréstimos.

De maneira que reputo o assunto esclarecido o de relativa simplicidade. Não aceito de boa monte que estas cousas sejam consideradas complexas ou transcendentes. Êste é um caso da máxima simplicidade e a forma como se apresenta o também simples.

Recapitulando o que disse em resposta aos ilustres oradores que me precederam, afirmo que o Govêrno não tem dúvida era modificar, no sentido que acabei de expor, o artigo 7.°, garantindo-lhe uma boa situação para conversar com o Banco acerca do que está escrito nas alíneas dêsse artigo.

Quanto ao § único do artigo 1.°, porque êle não tem as intenções que lhe foram atribuídas, quere o Govêrno o seguinte:

Há um determinado serviço que no ano económico se encontra sem meios orçamentais para viver, mas o Govêrno encontra em outras verbas do Orçamento possibilidades de fazer face a essa falta de recursos.

Quere o Govêrno ficar autorizado a poder realizar essa transferência na tabela orçamental.

A segunda parte do § único é para mi m também, pessoalmente, muito importante.

Eu tenciono fazer uma política de severa compressão do despesas.

Os diplomas que posso expedir nesse sentido saem no Diário do Govêrno, e eu queria que dos se traduzissem numa alteração das verbas orçamentais, para que amanha se não volte atrás.

Dir-me-hão V. Exas., com uma certa lógica, que, suprimidos os serviços, ficam, suprimidas as respectivas verbas no Orçamento.

Mas eu quero imediatamente abater às somas as verbas que faziam face àquilo que suprimo.

Aqui tem V. Exa. porque êsse § único não tem outra significação diferente da que acabo de dizer.

O Sr. Morais Carvalho (interrompendo): - Mas o que V. Exa. não poderá dizer é que não traz: aumento de despesa.

O Orador: - Este parágrafo, repito, não tem outro objectivo, o de resto trata-se de um trabalho de compressão de despesas.

O Sr. Morais Carvalho (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença?

O que aqui está escrito é o seguinte:

Leu.

O Orador. - Em todo o caso não terei dúvida em aceitar qualquer proposta tendente a esclarecer êsse ponto.

Creio ter demonstrado quais os propósitos do Govêrno.

Devo também acrescentar que aceito, igualmente, qualquer proposta de modificação ao artigo 6.°, que diz respeito à inscrição da verba relativa à conta de maneio, e que mandei para a Mesa uma emenda que diz respeito aos encargos de Angola, para que o § único seja exclusivamente destinado à despesa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi lida uma substituição na comissão de negócios estrangeiros.

O Sr. Presidente: - Fica interrompida a sessão até as 21 horas o 30 minutos.

Eram 19 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Continua em discussão a proposta de lei n.° 974.

Eram 22 horas e 15 minutos.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: começo as minhas considerações por lavrar o meu protesto contra o procedimento de V. Exa. no exercício das suas funções de Presidente desta Câmara.

Vê-se que a V. Exa. não serviu de lição a maneira como se conduziu no exercício dêsse lugar o Sr. Domingos Pereira, actual chefe do Govêrno.

V. Exa. devia lembrar-se de que quando aquele senhor ocupou êsse lugar nunca transigiu com o facto de as sessões funcionai em sem número, ou abrirem fora da hora designada para o seu início.

V. Exa. sabe muito bem que, se uma sessão é interrompida casualmente, quando recomeça não há tolerância de tempo como costuma haver nas sessões em que há chamada prévia.

V. Exa. desde que marcou a reabertura da sessão para as 9 horas e 30 minutos da noite, era a essa hora que a devia reabrir, estivesse quem estivesse.

O próprio chefe do Govêrno não concordará certamente com o procedimento de V. Exa.

As infracções, as contemplações constantemente cometidas por V. Exa. é que têm dado lugar a que à hora regimental não haja o número de Deputados preciso para a Câmara poder funcionar.

Se V. Exa. fôsse rigoroso no cumprimento do Regimento podia ter a certeza de que à hora marcada havia número na sala, mas a brandura dêsses costumes estabeleceu já o precedente e todos confiam nele.

O Sr. Presidente: - Devo dizer a V. Exa. que estava aqui a cumprir a minha obrigação à hora regimental.

Não tenho culpa de que não houvesse número suficiente.

V. Exa. parece estar a querer moer a nossa paciência.

O Orador: - V. Exa. é que tem moído constantemente o Regimento. Cumpra-o V. Exa. e não seremos nós que lhe faremos reparos, como nunca os fizemos ao Sr. Domingos Pereira.

Que tem V. Exa. que haja Deputados ou não, se a sua obrigação é ocupar êsse lugar à hora de abrir a sessão?

V. Exa. tem abusado da nossa paciência e visto que hoje terminam os nossos trabalhos eu, salvando a minha responsabilidade, lavro o meu protesto, sem propósito do ofensa pessoal, contra a maneira, como V. Exa. dirige os trabalhos desta Câmara, aceitando por vezes as sugestões de Deputados da maioria.

Aqui tem V. Exa. a resposta merecida às suas intempestivas observações.

O Sr. Domingos Pereira nunca admitiu sugestões e muitas vezes foi contra a própria maioria.

Antes de iniciar as minhas considerações desejo fazer uma declaração prévia ao Sr. Presidente do Ministério, Domingos Pereira; não veja S. Exa. no decurso das minhas considerações qualquer propósito de agravo pessoal - pessoalmente S. Exa. merece-me toda a consideração.

Claramente o tenho manifestado; por várias vezes tive ocasião, quando S. Exa. exercia o lugar de Presidente desta Câmara, de lhe dirigir palavras de elogio pela forma como S. Exa. desempenhava as suas funções.

Portanto, o que vou dizer sôbre a proposta em discussão, especialmente pelo que diz respeito a S. Exa., não quere dizer qualquer agravo a S. Exa.

Sr. Presidente: está em discussão uma proposta destinada à votação de quatro duodécimos, relativamente aos meses que decorrem de Setembro a Dezembro do corrente ano.

Nessa parte a proposta em discussão apenas difere das outras que anteriormente têm sido votadas em respeitar a quatro duodécimos, quando até aqui. pelo menos na presente sessão legislativa, isto é, desde que eu ocupo lugar, nesta Câmara, apenas se tem feito a votação de um duodécimo.

Trata-se, portanto, Sr. Presidente, de um caso excepcional, sem precedentes, visto que até hoje apenas semelhante a êle foi a proposta do Sr. Vitorino Guimarães, apresentada à Câmara há cêrca de um mês e relativa à votação de seis duodécimos, da qual resultou a Comissão do Govêrno a que S. Exa. presidiu.

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Quere dizer, com uma alterarão insignificante, que nada representa por si, o actual Govêrno, por intermédio do Sr. Ministro das Finanças, renova a proposta Vitorino Guimarães, relativa à votação d w mais um duodécimo para facilitar a vida administrativa do actual Govêrno.

Estou convencido, embora tardiamente, de que não há-de ser com pouca energia o violência, usando todos os meios dentro do Regimento, que o Sr. Vitorino Guimarães vai combater a proposta em discussão.

O ilustre Sr. Vitorino Guimarães tem assistido às sessões em que êste assunto tem sido debatido.

S. Exa. é uma pessoa coerente com os seus actos o afirmações; veio à imprensa o correu do boca em boca a declaração, que S. Exa. fez, do que não votava mais duodécimos.

Não sei se isto é verdade ou não; o que sei é que não veio qualquer desmentido nesse sentido.

Nestas condições, parece-me que S. Exa. não deixará de se manifestar contrário à proposta em discussão, porque o que se pretende agora é precisamente o mesmo que S. Exa. pretendia, agravado com as autorizações para o Govêrno poder dispor dos dinheiros e dos interêsses públicos.

Já êste lado da Câmara se manifestou por intermédio do meu ilustre amigo Sr. Carvalho da Silva, num discurso brilhantíssimo cheio do argumentação o de lógica, e que se outra vantagem não tivesse, tinha pelo menos, o que já é cousa muito rara no Parlamento, a de conseguir provocar da parte do Sr. Ministro das Finanças, considerações relativas a uns certos pontos e que foram, de algum proveito para o país.

Manifestou-se também a minoria nacionalista, e, ouvindo o brilhante discurso do seu ilustre leader, fiquei com a convicção do que realmente a minoria nacionalista sinceramente entendia que a proposta era ruinosa para o país, que não podia ser aprovada o que não deviam ser concedidas ao Govêrno as latas autorizações que Cie pediu e que não têm precedentes, estou convencido, no Parlamento português.

Qual foi portanto a minha surpresa quando vi que o Partido Nacionalista se serviu do uma proposta que tinha acabado de combater energicamente para plataforma, e tam inabilmente colocou a questão num tal pé, que a êle próprio e a nós criou embaraços.

Estamos convencidos que a minoria nacionalista vai ser iludida na sua ingenuidade, e portanto sentimo-nos à vontade para discutir esta proposta, sem qualquer sombra do remorso, porque ternos a certeza de que o projecto do Sr. Cunha Leal, relativo aos oficiais que foram ilegal e injustamente demitidos, não logrará obter a votação da Câmara porque parte dela há-de iludir a minoria nacionalista e convencê-la, embora tarde, do grave êrro que da cometeu em consequência do um aditamento ao requerimento do Sr. Tavares Ferreira.

Deve a minoria nacionalista lembrar-se do que sucedeu há pouco com dois grupos pai lamentares que lho prometeram votar sem restrições uma determinada moção para depois, contra o próprio Regimento, tendo votado individualmente sem declaração de voto, mandarem no fim uma declaração de voto que inutilizava inteiramente o conteúdo dessa moção.

Quero dizer, êsses dois grupos tinham captado os nacionalistas para depois faltarem inteiramente àquilo que, se não era bem uma certeza, era uma esperança para êles.

Tenho a certeza de que não será votada a medida justa que o Sr. Cunha Leal propõe, porque, dado mesmo o caso da proposta do Sr. Ministro das Finanças ser aprovada e em seguida a do Sr. Cunha Leal, haverá no Senado quem não a deixe votar.

Pregunto a V. Exa. se com isto a minoria nacionalista fica satisfeita, indo cantar vitória e dizer que conseguiu justamente uma maravilha, que era ver aprovar na Câmara dos Deputados uma proposta de lei que o Senado não votara ou se manifestara contra ela.

Sr. Presidente: porque é esto o meu convencimento, ninguém tem o direito do nos atribuir quaisquer responsabilidades no facto do não ser votado o projecto do Sr. Cunha Leal destinado a reintegração dos distintíssimos oficiais do exército que foram separados do serviço pelo Govêrno anterior; e basta que o País conheça as declarações formais forças aqui pelos Srs. Sá Pereira e José Domingues dos Santos

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para não poder haver quem tenha ilusões a êsse respeito.

Anunciou-se obstrucionismo a essa proposta e estranho é que até declarassem colaborar nesse obstrucionismo camaradas dos oficiais que foram ilegalmente separados. Honra seja feita à comissão de guerra que sem discrepância e não obstante ser constituida por indivíduos de todos os lados da Câmara, deram voto favorável ao projecto. Em contraposição a êsses vamos ver outros camaradas fazer obstrucionismo a um projecto só para que não seja votado pela Câmara dos Deputados.

E esta a liberdade dos tais chamados radicais ou extremistas da República; é sancionar um ilegalíssimo acto do Govêrno anterior, tam ilegal que, estando no Poder um membro dêsse Govêrno, o titular da pasta da Marinha não tem coragem de aplicar a mesma medida ao chefe do último movimento.

Querem êsses amigos do povo, êsses que pretendem a igualdade para todos, sejam gigantes ou pigmeus, fazer obstrucionismo para que a lei se não cumpra e as cousas se não ponham no seu lugar.

Sr. Presidente: o movimento de 18 de Abril não foi um movimento monárquico e ninguém põe em dúvida que tomaram parte nesse movimento muitos oficiais republicanos. Isso não nos preocupa. Queremos que justiça se faça a todos e devo declarar que, sendo um dos chefes dêsse movimento um republicano filiado e respeitado nos meios republicanos, não tenho dúvida em prestar homenagem às suas qualidades de oficial.

Por isso revolta-nos o procedimento adoptado pelo Govêrno que os afastou e estamos prontos a dar o nosso voto ao projecto do Sr. Cunha Leal, se porventura fôr discutido e votado nesta Câmara.

O que não podemos admitir é que a questão seja posta nos termos em que o foi - irredutível - não pela maioria que deseja votar os duodécimos, mas pela minoria republicana que nos coloca perante o dilema de votar os duodécimos e não ser votado o projecto Cunha Leal.

Não nos deixamos iludir.

A nossa convicção está já formada. Se porventura pelo cansaço nos vencerem, não terão direito a dizer que foi porque nos lançaram o engodo do projecto Cunha Leal. Como tal, nunca a maioria nos há-de comer. Iremos até onde pudermos, mas nunca porque nos deixemos iludir com as propostas do Sr. Rodrigues Gaspar, tenha V. Exa. a certeza disso.

Iremos até onde pudermos e não vamos mais longe porque não podemos, mas nunca porque nos iludamos com as promessas feitas pelo Sr. Rodrigues Gaspar ou quaisquer outras que surjam ainda.

Se nós pudéssemos obter hoje, neste lado da Câmara, o número de assinaturas que o Regimento marca para ser apresentada uma questão prévia, eu começaria por apresentá-la à Câmara no intuito de a forçar a manifestar-se acerca da constitucionalidade da proposta apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças.

Infelizmente não nos foi possível obter o número de assinaturas preciso, e não podemos, portanto, enviar para a Mesa a nossa questão prévia, mas isso não nos impede de apreciarmos a proposta do Sr. Tôrres Garcia sob o seu aspecto constitucional.

As atribuições do Congresso republicano acham-se determinadas no artigo 26.° da Constituição nos termos seguintes:

Leu.

Eu sei bem que esta Câmara republicana nem de dia costuma velar pela Constituição, por isso escuso de ter esperanças que ela de noite vele por essa respeitável senhora, de forma a poder viver tranquila.

Entretanto cumpro o meu dever indicando quais as disposições legais a êsse respeito.

A maneira como os preceitos constitucionais foram cumpridos é demonstrada pela própria proposta em discussão apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças.

Todos os regulamentos publicados pelos Governos da. República são provisórios, visto que nunca são apresentados ao Parlamento. Haja em vista as leis do Govêrno Provisório.

Aqui tem V. Exa., Sr. Presidente, aqui tem a Câmara quais são as funções que competem ao Poder Legislativo e nomeadamente quais são os casos taxativamente expressos na lei constitucional e que o Parlamento pode delegar no Poder Executivo o exercício de determinadas funções.

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Essas delegações são unicamente as do n.° 4.° do artigo 26.º relativo à realização do empréstimos o aquela que se refere à declaração de guerra em casos determinados.

Eu pregunto a V. Exa. e à Câmara, eu presunto ao Sr. Ministro das Finanças, que é um homem sincero e bem intencionado, onde é que está, dentro da Constituição, qualquer artigo, número ou parágrafo, que de longe ou de perto consinta ao Parlamento votar a lei que S. Exa. apresentou.

Será para realizar empréstimos?

Disso não se fala na proposta e basta lê-la para só concluir pela negativa.

Será para declarar a guerra ou fazer a paz pelo menos?

A não ser que o Sr. Domingos Pereira entenda que a proposta vem estabelecer a anunciada paz, não digo na família portuguesa, mas sim na família republicana.

Nestas condições, Sr. Presidente, só lamento que o Sr. Tôrres Garcia não quisesse reparar o êrro que cometeu, e que, andando a saltar de pasta para pasta, julgando-se enciclopédico, ao menos não tivesse oposto a sua recusa formal à apresentação duma proposta desta natureza.

Foi com mágoa que vi esta proposta, e fôra também com mágoa que vira o Sr. Ministro das Finanças saltar da pasta da Agricultura para a das Finanças, quando é certo que na pasta da Agricultura podia ainda vir a prestar bons serviços.

Aqui tem V. Exa., Sr. Presidente, resumidamente posta a questão prévia que apresentaria a consideração da Câmara se fôsse possível, dentro do Regimento, enviá-la para a Mesa, e pregunto a V. Exa. se, depois da proposta de lei votada, resta ao Sr. Ministro das Finanças, que a apresentou, cão Parlamento, que a votara, qualquer autoridade para falar na Constituição, e para combater aqueles que dizem que foram contra a Constituição, e de arvorarem o pendão de revolta contra aqueles que porventura triunfam contra a mesma Constituição.

Não são palavras, simplesmente, aquilo que estou a dizer. Li todas as disposições da Constituição que respeitam a êste assunto. Propositadamente referi-as uma a uma, para as lembrar ao Sr. Ministro das Finanças, não porque S. Exa. nunca as tivesse lido, mas porque certamente se não recordou delas na ocasião em que redigiu o, subscreveu a proposta de lei que mandou para a Mesa.

Chego mesmo a supor que o Sr. Ministro das Finanças terá porventura o desejo do que os duodécimos não sejam votados. S. Exa. devia calcular antecipadamente que a proposta dos duodécimos encontraria, pelo menos do nosso lado, não apenas o emprego duma arma para obter uma plataforma à moda nacionalista, mas sim um combate decidido para que os duodécimos não fossem votados.

O Sr. Ministro das Finanças devia contar com que as autorizações que pede para os artigos imediatos, para os que respeitam propriamente aos duodécimos, não seriam votadas em quanto nós não tivéssemos esgotado todos os recursos ao nosso alcance.

Pensou S. Exa. em vencer-nos pelo cansaço?

Só poderia ser essa a única esperança do S. Exa.

Mas há mais, Sr. Presidente. Ainda sôbre o ponto de vista constitucional, chamo a atenção do Sr. Ministro das Finanças para o artigo 27.° da Constituição e que eu invoco, não porque me preocupe a Constituição republicana, mas sim por ser lei do país.

Diz êsse artigo:

Vem a propósito formular uma pregunta ao Sr. Ministro das Finanças, a que espero S. Exa. terá a amabilidade de responder.

Pensa S. Exa. em cumprir o artigo 27.° da Constituição, que o autoriza apenas a usar uma só vez das autorizações que a Câmara lhe vai dar?

Ou de contrário, do atropelo em atropelo, o Sr. Ministro das Finanças está disposto a infringir o artigo 27.° como infringiu, com a sua proposta, o artigo 26.°?

Pensa S. Exa. em cometer o acto arrojado, verdadeiramente extraordinário, que foi cometido pelo Sr. Álvaro de Castro no seu desgraçadissimo Governo, o pior entre os piores, que tem estado, no Poder nos últimos, anos, de usar, como S. Exa. mesmo confessou, por 39 vezes de uma autorização parlamentar?

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Faço-lhe a justiça de pensar que S. Exa. não fará isso.

Se isto interessa sabê-lo com outros Governos, muito mais interessa com o Govêrno presidido pelo Sr. Domingos Pereira.

E costume dizer que gato escaldado de água fria tem medo.

O gato aqui, permita-se-me a expressão, é o País.

Quem o escaldou foi o Sr. Domingos Pereira e o seu famigerado Govêrno de 1919, que durante um período de 90 dias lançou sôbre o desgraçado País o mais tremendo dos cataclismos de que todos nós ainda estamos sendo vítimas.

Por isso eu dizia que com qualquer Govêrno interessa saber o uso que fará das autorizações, mas muito mais. isso interessa com um Govêrno como o actual, por ser presidido pelo mesmo homem que presidiu ao Govêrno que se sentou nas cadeiras do Poder desde 30 de Março de 1919 até 30 de Junho do mesmo ano.

Não é já com o receio de que repita o condenável, ilegal e abusivo procedimento dos Governos anteriores, e nomeadamente do Govêrno do notável financeiro Sr. Álvaro de Castro, porque o perigo é muito maior.

Desde que ainda não ouvi que publicamente o Sr. Domingos Pereira se penitenciasse da obra do seu Govêrno de 1919, tenho direito a duvidar de que S. Exa. pense de maneira diferente e publique mil suplementos do Diário do Govêrno com decretos postos em vigor à sombra de uma lei que o autoriza a tudo.

Quando, em 6 de Junho de 1919, o Govêrno do Sr. Domingos Pereira se apresentou ao Parlamento que fora eleito em 11 de Maio do mesmo ano, o Sr. Domingos Pereira leu à Câmara uma declaração ministerial em que, depois de alardear serviços -que supôs ter prestado ao País, emprega esta expressão que realmente traduz a verdade: que fora imensa a tarefa do Govêrno. Realmente essa justiça temos de fazer lhe.

Temos de reconhecer essas qualidades ao Sr. Domingos Pereira e aos seus colaboradores de então. Realmente não é sem grande trabalho que se produz uma obra daquelas dimensões, sôbre a qual eu fiz uma pequena estatística, alguma cousa interessante e elucidativa, embora não tenha chegado ao ponto de proceder como certos jornais que, para demonstrarem pràticamente a sua expansão, para confrontarem o pêso das edições que imprimem, põem essas edições no prato duma balança e no outro prato por exemplo a Torre Eiffel ou estendem por quilómetros as resmas de papel despendidas, para dizerem que o jornal, tal estendido pela estrada fora, atingiria a distância de tantos mil quilómetros.

Mas, Sr. Presidente, se a minha estatística, por deficiência de instrumentos e de tempo, não chegou a essa minúcia pelo que respeita à obra desgraçada do Govêrno do Sr. Domingos Pereira, em 1919, não deixa em todo o caso de ser expressiva e de revelar à Câmara porventura factos que ela ainda ignora ou que tem querido ignorar, porque democráticos, nacionalistas, independentes dependentes agrupados, etc., lembram-se bem de toda a sua responsabilidade nessa obra, visto que todos, incluindo os socialistas, tiveram representação nesse Govêrno.

Apresentou-se o Sr. Domingos Pereira à Câmara, que acabara de ser constituída sem que houvesse monárquicos nela, não porque os monárquicos nesse tempo não tivessem votos que pudessem trazê-los aqui, mas porque não tinham resolvido ainda nessa ocasião entrar num novo campo de luta a que mais tarde se abalançaram.

Lida a declaração ministerial, desfizeram-se em .louvores ao Govêrno, sem em todo o caso referirem qualquer pormenor da sua obra desgraçada, por parte da maioria democrática o Sr. António Maria da Silva, por parte dos que então se chamavam creio eu que evolucionistas o Sr. António José de Almeida, por parte dos unionistas o Sr. Aresta Branco.

Sr. Presidente: honra seja feita a dois parlamentares que fizeram excepção, o Sr. João Pinheiro, que tinha sido Ministro no tempo do Sidónio Pais e representava mais ou monos a corrente que apoiou êsse malogrado Chefe de Estado, e o Sr. Alberto Xavier.

Um pouco tardiamente o Sr. João Pinheiro referiu-se à obra do Sr. Domingos Pereira preguntando apenas só, dado o estado em que se encontrava o País, dadas as circunstâncias em que o País se debatia, se podia arcar com a extraor-

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dinária despesa que trouxe a obra nefasta do Govêrno; formulou a pregunta e escusado será dizer que não obteve resposta.

Mas há mais: esperava-a o Sr. Alberto Xavier, que suponho ser ainda nesse tempo membro do Partido Republicano Português. S. Exa. tem o costume do redigir por escrito as suas opiniões, especialmente quando elas se destinam a marcar uma posição o definir responsabilidades.

Foi já seguindo essa maneira do proceder que o Sr. Alberto Xavier, na sessão em que o Govêrno do Sr. Domingos Pereira fez a sua apresentação à Câmara, mandou para a Mesa, uma declaração discordando e na qual pede que a Câmara formule o seu juízo.

Eu lerei apenas duas passagens a propósito dum dos decretos que o Sr. Domingos Pereira tinha promulgado e que dizia o seguinte:

Leu.

Foi a primeira nota discordante que o Sr. Alberto Xavier lançou contra a obra do Govêrno da presidência do Sr. Domingos Pereira.

Depois acrescentou:

Leu.

Quero dizer que o Sr. Alberto Xavier verberou em termos desmedidos a obra ditatorial do Govêrno de então, que era presidido pelo mesmo homem.

Sr. Presidente: dir-me-hão V. Exas. que essa obra não foi tam grande como apontam; que essa obra foi útil ao País, vantajosa para a sua economia, para o equilíbrio das suas fianças e para a administração dos negócios do Estado.

Mas, visto que se trata de dar uma autorização ao Govêrno, eu julgo que a Câmara necessita saber se, para êste efeito, êste Govêrno lhe pode merecer confiança.

Sr. Presidente: se em 1919, conforme ou já tive ocasião de dizer à Câmara e repito agora, um Govêrno sem autorizações algumas, durante o prazo de três meses, publicou 689 decretos, sem autorizações algumas, repito, eu pregunto quantos decretos êsse Govêrno poderá publicar se esta Câmara lhe votar as autorizações que são pedidas pelo Sr. Ministro das Finanças na sua proposta?

O Govêrno de 1919 foi constituído em 30 de Março e abandonou as cadeiras do Poder em 30 de Junho, porém durante o período do tempo em que ocupou o Poder, realizou a obra a que me referi, e o mais interessante, Sr. Presidente, é que êsse Govêrno, só me não engano, não foi derrubado por nenhuma moção de desconfiança da Câmara, êsse Govêrno caiu constitucionalmente, pois a verdade é que o Govêrno do Sr. Domingos Pereira, se bem que tivesse o apoio da Câmara, entendeu que era chegada a hora de apresentar a sua demissão, e foi então a Belém pedi-la.

Êsse Govêrno caiu, na verdade, constitucionalmente, visto que a Câmara lho não apresentou nenhuma moção de desconfiança, não obstante ter realizado a obra nefasta a que me referi.

Desde 30 de Março a 10 de Maio o Govêrno Domingos Pereira publicou 194 decretos.

Depois publicou mais 368 decretos.

De 10 de Maio a 30 de Junho publicou 27 decretos.

Isto é, em três meses, noventa dias, publicou 689 decretos, o que de uma média de oito decretos por dia, incluindo feriados e domingos.

Até 10 de Maio as cousas não correram mal, o Diário do Govêrno saiu normalmente; mas chegou-se a 10 de Maio e o Govêrno viu-se neste dilema: nós temos muito que fazer e não podemos deixar de levar a cabo a nossa obra, a obra republicana, mas amanhã, 11, são as eleições e não podemos depois continuar a publicar decretos desta natureza.

O que é que se fez?

Fez-se no dia 10 de Maio o maior Diário do Govêrno, desde que há mundo, e desde 10 de maio a 24 houve apenas suplementos.

E no dia 24 foi publicado um decreto que convocava as Câmaras para o dia 2 de Junho.

O Govêrno durou até 30 de Junho.

E estava já demissionário havia dois ou três dias, em 28 de Junho, mas ainda publicava suplementos ao Diário do Govêrno de 10 de Maio!

O suplemento n.° 30, conformo consta de uma nota lançada no fundo da primeira página, foi publicado mês e meio depois da data a que correspondia.

Porque é que êsse Govêrno não publicou mais?

Porque entrou nesse dia em crise, e foi

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substituído em 30 pelo Govêrno do Sr. Sá Cardoso.

Se mais tempo tivesse, mais publicaria.

Se mais tempo lhe dessem, mais teria cavado a ruína do País.

E, como não conseguiu realizar por completo a obra demolidora em que se tinha empenhado, é de recear que, voltando anos depois ao Poder, o Sr. Domingos Pereira ainda sinta aquela necessidade, que então sentia, de dar largas á sua expansão legislativa.

Em questões de nomenclatura e paginação de decretos é também muito interessante aquilo que a estatística nos oferece.

Os trinta suplementos ocupam 740 páginas.

Vão da página 816 à página 1346, 10-C.

Começou a obra legislativa do Sr. Domingos Pereira em 30 de Março, pelo decreto n.° 5:568, e chega até ao suplemento n.° 17, com o n.° 5:787.

Mus, como o suplemento n.° 17 foi publicado em 24 de Maio. isto é, precisamente no mesmo Diário do Govêrno que tinha de publicar também o decreto convocando o Parlamento, teve que manter o n.° 5:787, socorrendo-se, porém, do alfabeto, mas pondo de parte as letras X e V.

Fazendo, pois, as contas às 23 letras do alfabeto que foram empregadas, chega-se a esta conclusão: que só aqueles 30 suplementos publicaram 368 decretos. O primeiro tem o número 5:568, e o último o n.° 5:787, 6-S.

Mas depois, como os caixotins estavam esgotados numeraram atrás e adiante e assim, ao passo que temos 5:887-OOO, temos no fim o mesmo decreto 6-SS.

Mas V. Exa. e a Câmara dirão: agora falta o principal; é preciso que você nos diga se a obra, essa obra fecunda, essa imensa tarefa de que se vangloria o Sr. Domingos Pereira, foi uma obra útil para o País ou se, pelo contrário, lhe acarretou encargos incomportáveis, dificuldades e embaraços.

Sr. Presidente: iniciei, mas, infelizmente, não pude concluir uma estatística a êste respeito.

O que posso dizer a V. Exa. e à Câmara é que, antes dos suplementos, quere dizer, no período que medeia de 30 de Março até 10 de Maio de 1919, o Govêrno de então, tendo publicado 194 decretos, teve esta glória: a de apenas um ou dois dêsses decretos respeitarem a assuntos que interessavam à economia do País.

O Sr. Tavares de Carvalho (interrompendo): - Já está a falar há uma hora e um quarto! Entretanto o Sr. Domingos Pereira está a ouvir V. Exa. com toda a atenção.

O Orador: - Se V. Exa. quere, eu aproveito esta ocasião para protestar também contra o modo como se está exercendo o jôgo.

O Sr. Tavares de Carvalho: - E eu teria muito prazer em ouvi-lo; nesse ponto apoio-o plenamente.

O Orador: - Visto que o Govêrno quero autorizações, eu. queria dar-lhe a minha para que reprima o jôgo.

O Sr. Tavares de Carvalho: - Muito bem, muito bem.

O Orador: - Sr. Presidente: dos 194 decretos a que aludi, 18 foram destinados à abertura de créditos especiais; 3 à realização de empréstimos; 20 respeitaram à reorganização ou remodelação de vários serviços que, como V. Exa. e a Câmara sabem, importaram a criação de novos lugares e portanto um aumento extraordinário de despesas; 31 foram motivados por melhoria de vencimentos a funcionários públicos; 13 à criação de serviços e lugares em repartições novas; 4 a subsídios e pensões. E, pelo que respeita a créditos especiais, é interessante salientar que nesta primeira fase da sua obra legislativa, o Govêrno atirou para a voragem de investigações e inquéritos, pelo decreto n.° 5:583, de 12 de Abril de 1919, nada menos de 2:000 contos que, nessa altura, ainda valiam 2:000 contos. Atirou para a crise de trabalho 250 contos e para os Bairros Sociais, para o sorvedouro também uma importante verba.

Aqui tem o Sr. Ministro das Finanças as razões tanto de ordem moral como de ordem política que nos impedem de po-

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dermos concordar com semelhantes autorizações.

Para não fatigar mais a atenção da Câmara, vou terminar as minhas considerações, mandando para a Mesa uma moção que sintetiza a maneira de pensar da minoria monárquica, e que passo a ler:

"A Câmara, reconhecendo que a proposta em discussão - além de prejudicar a aprovação da o atra proposta pendente, reclamada pela opinião pública, sôbre revogação dos decretos que separaram do exército distintos oficiais - representa a sanção do regime caótico de contas públicas em que se tem vivido sem orçamentos aprovados, e contém, contra o Regimento da mesma Câmara, matéria vaga sem qualquer conexão entre si e sobretudo nela se incluem autorizações amplíssimas cujo objectivo pode acarretar os maiores males a êste País, continua na ordem do dia.

Sala das Sessões, 14 de Agosto de 1925. - Paulo Cancela de Abreu".

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi lida na Mesa a moção e seguidamente admitida.

O Sr. Morais Carvalho: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

Procede-se à contraprova a contagem.

O Sr. Presidente: - Estão de pé 31 Srs. Deputados e sentados 11. Não há número.

Vai fazer-se à chamada.

Procede-se à chamada.

Disseram "aprovo" os Srs.:

Abílio Marques Mourão.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
António Abranches Ferrão.
António Lino Neto.
Artur de Morais Carvalho.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Dinis de Carvalho.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José António de Magalhães.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Manuel de Brito Camacho.

Disseram "rejeitos" os Srs.:

Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Augusto Pires do Vale.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Funesto Carneiro Franco.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João José Luís Damas.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

O Sr. Presidente: - Aprovaram a admissão 13 Srs. Deputados; rejeitaram-a 34.

Amanhã há sessão à hora regimental com a mesma ordem de trabalhos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Parecer

Da comissão de finanças, sôbre o n.° 945-B, que passa para a posse da Divi-

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são Hidráulica do Tejo, para efeitos de conservação, a estrada que liga a Azambuja com Ponte da Barca.

Imprima-se.

Admissão

Do projecto de lei do Sr. Ribeiro de Carvalho, concedendo à Associação dos Bombeiros Voluntários da Marinha Cirande 60.000$ para compra do material destinado à extinção de incêndios.

Para a comissão de administração pública.

Do Sr. José Pedro Ferreira, tornando extensivo aos sargentos músicos, mestres de clarins e corneteiros, o disposto na lei n.° 1:811, excepto na parte a que se refere o § 3.° da mesma lei.

Para a comissão de guerra.

Substituição

Substituir na comissão parlamentar de inquérito aos serviços dependentes do Ministério dos Negócios Estrangeiros o Sr. Lúcio de Campos Martins, pelo Sr. João Vitorino Mealha.

Para a Secretaria.

Cartas

Do Sr. Deputado João Vitorino Mealha, pedindo que se comunique ao Govêrno Civil de Faro, onde é secretário geral, que faz parte da comissão de inquérito a todos os serviços dependentes do Ministério dos Estrangeiros, nos termos da lei n.° 916, de 9 de Dezembro de 1919. Comunique-se ao Ministério do Interior.

Oficio

Do Sr. Pires Monteiro, com alegações relativas à lei n.° 1:466 e decreto regulamentar n.° 9:487 e solicitando que o dito oficio seja publicado no Boletim Oficial.

Para a Secretaria.

Do Sr. Deputado Francisco Dinis de Carvalho, e tira que seja comunicado ao Ministério da Guerra, que faz parte, como vogal, da comissão de inquérito aos Bairros Sociais.

Comunique-se.

Do Sr. Deputado José Pedro Ferreira, para que se comunique ao Ministério do Trabalho, a que pertence o Hospital do Caldas da Rainha, D. Leonor, onde exerce o cargo de fiscal e secretário da comissão administrativa, que é vogal da comissão de inquérito â questão dos trigos.

Comunique-se.

Do Sr. Deputado Delfim Costa, para que se comunique ao Ministério das Colónias que faz parte da comissão parlamentar de inquérito àquele Ministério.

Expeça-se.

O REDACTOR - Avelino de Almeida.

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