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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 30

EM 4 DE FEVEREIRO DE 1926

Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Rodrigues Gaspar

Secretárias os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Mariano de Melo Vieira

Sumário. - Respondem à chamada 41 Senhores Deputados.

É lida a acta, que adiante se aprova com número regimental.

Dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Tavares Ferreira trata dos interêsses vinícolas das regiões do sul e norte, com respeito à genuinidade da destilação, respondendo o Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia).

O Sr. Calem Júnior produz considerações sôbre o congresso anti-proibicionista do consumo de vinhos, que vai reunir na cidade do Pôrto, ficando o Sr. Ministro da Justiça (Catanho de Meneses) de as comunicar ao seu colega do Comércio (Gaspar de Lemos).

O Sr. Manuel José da Silva alvitra que em um dia por semana, e antes da ordem, o Govêrno se represente por um Ministro de determinada pasta, para se poderem tratar dos respectivos assuntos que lhe digam respeito, tratando em seguida de factos referentes ao Contencioso Administrativo.

O Sr. Ministro da Agricultura fira de comunicar as considerações feitas ao seu colega do Interior.

O Sr. Alberto Vidal trata da organização do orçamento dos estabelecimentos de assistência pública.

Responde o Sr. Ministro da Agricultura.

O Sr. Godinho Cabral manda para a Mesa um projecto de lei e faz considerações sôbre a destilação do álcool.

Responde o Sr. Ministro da Agricultura.

O Sr. Rosado da Fonseca trata da importação dos azeites, instando por documentos que requereu pelo Ministério das Finanças.

Responde o Sr. Ministro da Agricultura.

Ordem do dia. - Continua a discussão na generalidade do parecer n.° 14-A, sôbre o Banco Angola e Metrópole.

O Sr. Domingos Pereira, que vinha com a palavra reservada, continua e conclui o seu discurso.

Interrompe-se a sessão para o facto de reunir o Congresso.

Às 19 horas e 20 minutos é reaberta a sessão.

Usa da palavra o Sr. Carlos Soares Branco que apresenta uma moção de ordem, que é admitida.

Encerra-se a sessão, marcando-se a imediato para o dia seguinte.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. - Ultimas redacções. Pareceras Renovações de iniciativa. Projectos de lei.

Abertura da sessão, às 15 horas e 15 minutos.

Presentes à chamada, 41 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 79 Srs. Deputados.

Responderam à chamada os Srs.

Adolfo Teixeira Leitão.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Nogueira Gonçalves.
Alexandre Ferreira.
Alfredo Pedro Guisado.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amâncio de Alpoim.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Alves Calem Júnior.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
Artur da Cunha Araújo.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Pais de Almeida.
Dagoberto Augusto Guedes.
Diogo Albino de Sá Vargas.
Domingos António de Lara.
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
Francisco Godinho Cabral.
Guilherme Alves Nunes.
Henrique Maria Pais Cabral.
João da Cruz Filipe.
João Salema.
José Carlos Trilho.
José Maria Alvarez.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Moura Neves.
José Rosado da Fonseca.
José Vicente Barata.
Luís da Costa Amorim.
Luís de Sousa Faísca.
Manuel Homem de Melo da Câmara.
Manuel José da Silva.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Viriato Sertório dos Santos Lobo.
Zacarias da Fonseca Guerreiro.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Abel Teixeira Pinto.
Adolfo de Sousa Brasão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo da Cruz Nordeste.
Álvaro Xavier de Castro.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Anibal Pereira Peixoto Beleza.
António Albino Marques de Azevedo.
António Aagusto Alvares Pereira Sampaio Forjaz Pimentel.
António Augusto Rodrigues.
António Ginestal Machado.
António José Pereira.
António Lino Neto.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Marques Guedes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Carlos de Barros Soares Branco.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Lopes de Castro.
Custódio Martins de Paiva.
Daniel José Rodrigues.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Domingos José de Carvalho Araújo.
Eduardo Fernandes do Oliveira.
Eduardo Ferreira dos Santos Silva.
Elmano Morais Cunha e Costa.
Felizardo António Saraiva.
Filemon da Silveira Duarte de Almeida.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime António Palma Mira.
João Bernardino de Sousa Carvalho.
João Estêvão Aguas.
João José da Conceição Camoesas.
João Lopes Soares.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Raimundo Alves.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Maria de Oliveira Simões.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José do Vale de Matos Cid.
Lourenço Correia Gomes.
Luís Gonzaga da Fonseca Moreira.
Manuel Alegre.
Manuel da Costa Dias.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Manuel Serras.
Mariano de Melo Vieira.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Pedro Góis Pita.
Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.
Raul Lelo Portela.
Rui de Andrade.
Valentim Guerra.

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Sessão de 4 de Fevereiro de 1926 3

Vasco Borges.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Não compareceram à sessão os Srs.:

Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Carlos da Silveira.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro da Cunha Ferreira Leite.
António Araújo Mimoso.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António José de Almeida.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Maria da Silva.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Saraiva de Castilho.
Augusto Rebolo Arruda.
Carlos Fuseta.
Domingos Augusto Reis Costa.
Francisco Cruz.
Henrique Pereira de Oliveira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Baptista da Silva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Toscano Sampaio.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo do Lacerda.
Raúl Marques Caldeira.
Rodrigo Luciano de Abreu e Lima.
Severino Sant'Ana Marques.
Tomé José de Barros Queiroz.

Ás 15 horas principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 41 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 10 horas e 15 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Carta

De D. Margarida de Lima Mayer Peres, agradecendo o voto de sentimento desta Câmara pelo falecimento de seu marido o antigo Deputado Dr. Diogo Domingues Pores.

Para a Secretaria.

Representação

Da Junta de Freguesia de Lamas, concelho do Cadaval, contra a aprovação do projecto de lei n.° 466-F, do Sr. Dinis de Carvalho.

Para a comissão de administração pública.

Ofícios

Do juiz sindicante aos actos do vogal do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos, Sr. Amâncio de Alpoim, pedindo a comparência do Sr. Ramada Curto, para ser inquirido como testemunha.

Comunique-se que a Mesa só pode pedir a autorização a que se refere o artigo 16.° da Constituição.

Do Sr. Henrique Pires Monteiro, pedindo para se comunicar ao Ministério da Guerra que deixa de exercer funções no Estado Maior, emquanto funcionar a Câmara.

Expeça-se.

Telegramas

Da Junta de Freguesia do Peral, protestando contra o projecto alterando locais das assembleas eleitorais.

Para a Secretaria.

Da Associação dos Engenheiros do Norte, pedindo a aprovação do projecto, regulando o título do engenheiro.

Para a Secretaria.

Requerimentos

Do capitão de mar e guerra engenheiro Carlos Figueiredo de Miranda, para que num projecto, que se diz que vai ser apresentado à apreciação da Câmara, sejam salvaguardados os seus direitos, como maquinista naval.

Para a comissão de instrução especial e técnica.

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4 Diário da Câmara aos Deputados

De Henrique Marques, segundo sargento da companhia de reformados, para que lhe seja extensiva a lei n.° 1:811, publicada na Ordem do Exército n.° 10, de 31 de Julho de 1920.

Para a comissão de guerra.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de

Antes da ordem do dia

O Sr. Tavares Ferreira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro da Agricultura, porque desejava chamar a atenção de S. Exa. para um facto que me parece de certa gravidade.

Tenho recebido muitas cartas e telegramas de bastantes sindicatos e- corporações agrícolas, protestando contra o facto de se estar distilando álcool de melaços para o fabrico de vinhos finos do Douro, o que é absolutamente contrário às disposições legais em vigor, visto que, segundo as leis de 1908, foi proibido que para o fabrico e preparação do vinho do Douro se aplicasse aguardente que não fôsse proveniente da distilação do próprio vinho.

Êste assunto muito interessa àquelas regiões vinícolas porque, quanto maior fôr o consumo da aguardente no Douro, maior é o consumo do vinho no sul, por causa da destilação.

Peço. portanto ao Sr. Ministro da Agricultura, o obséquio de tomar todas as providências, para se pôr cobro a êsse abuso, que está prejudicando não só a região do sul, como a do Douro.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia): - Sr. Presidente: devo afirmar ao Sr. Tavares Ferreira, que as reclamações que S. Exa. formulou neste momento, correspondem a outras que já mo têm sido feitas por várias corporações e sindicatos agrícolas, câmaras municipais, etc.

O Ministério da Agricultara tomou já medidas tendentes à repressão da distilação do melaço, do açúcar e de outras matérias primas, como cereais, farinhas de mandioca ou de pau.

Isso tenho confiança no corpo do fiscalização, motivo por que determino que êsse serviço fôsse feito pelo próprio chefe.

As regiões de Santarém e Almeirim foram já visitadas, e nesta última foi encontrado açúcar destinado à destilação alcoólica.

A seguir, serão visitadas outras fábricas, uma das quais muito próximo de Santarém.

Existem também reclamações vibrantes, de protesto contra a distilação do figo. No distrito de Santarém existe hoje uma grande cultura da figueira, o que constitui uma grande riqueza regional, por isso que o figo, pelas condições de amadurecimento, não pode ser destinado à passa.

Suponho que êsse aspecto da questão precisa do ser estudado, antes de cair de chofre sôbre essa distilação que todo o País reconheço, e que representa uma modalidade importante da riqueza dessa região.

Quanto à distilação dos melaços e dos cereais, tenha V. Exa. a certeza de que medidas foram tomadas com energia, e só até agora apenas foram visitados dois ou. três locais, é pela determinação que fiz, do que êsse serviço fôsse feito pelo engenheiro Sr. Aurélio Marques Pereira, acompanhado de três ou quatro agentes de confiança.

O Sr. Tavares Ferreira (interrompendo):- Por informações que tenho na própria região duriense existem fábricas que estão distilando os melaços.

O Orador: - Tenho já nota das fábricas que fazem essa distilação e é possível que neste momento elas tenham já sido visitadas pela delegação do Pôrto. Apesar disso, irá do Lisboa quem possa, com maior desprendimento dos interêsses locais, coadjuvar essa inspecção.

Relativamente à distilação do figo, repito, é um assunto que precisa do ser estado, para o que já convoquei a comissão respectiva, a fim, de dar o seu parecer o mais depressa possível.

Ela dirá como devemos classificar êsso álcool.

Tenho dito.

O orador não reviu, nem o Sr. Tavares Ferreira fez a revisão do seu aparte.

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Sessão de 4 de Fevereiro de 1926 5

O Sr. Calem Júnior: - Sr. Presidente: pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro do Comércio, mas como S. Exa. não está, e se encontrem presentes dois dos seus colegas, vou fazer umas breves considerações sôbre um assunto que reputo do interesso nacional, na esperança de que S. Exas. se dignarão levar ao conhecimento do sen colega do Comércio a exposição que vou fazer.

Em meados do próximo mós do Maio, deve realizar-se na cidade do Pôrto um congresso da Liga Internacional Anti-proibicionista dos Vinhos, o qual é levado a efeito por iniciativa da Associação, Comercial do Pôrto.

É de esperar que a êsse congresso concorram 150 delegados de diversas nacionalidades.

As teses que se propõem discutir são todas tendentes a estudar a maneira de aumentar o consumo do vinho que, sem dúvida, é a nossa maior riqueza; essas teses tendem também a contrariar a propaganda que em vários países se faz contra as bebidas espirituosas.

Escuso do referir a V. Exa. a importância de êste congresso, visto a necessidade que temos de aumentar a exportação de vinho.

A Associação Comercial do Pôrto deseja mais uma vez ser gentil e atenciosa para com os seus hóspedes o pensa em levá-los à região Duriense, a fim de êles não só terem ocasião de verem e apreciarem a cultura da vinha, difícil como é, nessa região, mas também para apreciarem os encantos daquele famoso centro vinícola, dignos de ser admirados por todos.

Apoiados.

Mas para que os congressistas possam ar até o Alto Douro, Pedras Salgadas ou Vidago, há o caminho de ferro, mas na volta, pela região do Vila Real, Sabrosa até o Pinhão, a estrada está perigosa e seria uma vergonha o um perigo.

Essa estrada sobranceira a um temível despenhadeiro sôbre o rio Pinhão, oferece os maiores sobressaltos às pessoas que ali passam, e arriscado é por ali transitarem os automóveis.

A Câmara de Sabrosa já se dirigiu ao Sr. Ministro do Comércio, pedindo para ser reparada essa estrada, e eu, satisfazendo os desejos da comissão organizadora do
congresso, acompanho êsse pedido, a fim de o Sr. Ministro do Comércio mandar reparar essa estrada, que é de interêsse para o país.

Apoiados.

Vozes: - Muito bem.

O Orador: - Posso acrescentar que os Deputados pela região duriense estão de acordo com êste pedido.

Apoiados.

Peço ao Sr. Ministro da Justiça o favor de transmitir ao Sr. Ministro do Comércio estas considerações.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): - Realmente é de todo o interêsse o que o ilustre Deputado acaba do dizer, e o Govêrno não pode ficar indiferente diante dessa manifestação que; se há-de realizar no mês de Maio.

É para louvar êsse empreendimento, que vai trazer ao nosso país estrangeiros, o que não é indiferente para a economia nacional.

Transmitirei fielmente as observações do S. Exa. ao Sr. Ministro do Comércio, e estou convencido de que o Sr. Ministro do Comércio auxiliará tanto quanto passível essa manifestação e mandará reparar a estrada.

O Sr. Manuel José da Silva: - Desde o começo desta sessão legislativa que eu venho pedindo a presença do Sr. Ministro do Comércio, pois desejo tratar com S. Exa. assuntos do alto interêsse para os Açores, que em parte eu represento no Parlamento.

Infelizmente o Sr. Ministro do Comércio raras vezes vem a esta Câmara para o fim de os Srs. Deputados poderem apresentar as suas reclamações.

Aproveito a ocasião para V. Exa. me permitir a liberdade de apresentar um alvitro para melhor eficiência dos trabalhos parlamentares.

V. Exa., como Presidente, podia junto do Govêrno tratar por forma que às segundas-feiras viesse a esta Câmara o Sr. Ministro da Agricultura, às terças-feiras o Sr. Ministro das Finanças, às quartas-feiras o Sr. Ministro do Comércio, e assim os oradores sabiam com que Ministro podiam contar.

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6 Diário da Câmara dos Deputados

é muito fácil ser membro do Poder Executivo não vindo aqui responder a preguntas que lhe desejam fazer!

S cabem V. Exas. que, por virtude de um decreto publicado pelo Govêrno do Sr. Domingos Pereira, foi restabelecido em Portugal o Contencioso Administrativo.

Êsse diploma teve uma execução quási completa pelo que diz respeito às nomeações dos auditores. Sucede, porém, que, com relação aos Açores, onde foi criado um único Tribunal Administrativo, ainda se não fez a nomeação do respectivo funcionário. Consequências dêste facto? Aquelas que a Camara fàcilmente adivinhará.

O Poder Judicial não pode julgar as questões de carácter administrativo, e o Contencioso também o não pode fazer, por falta de auditor.

Há uma série de processos relativos a actos eleitorais reclamados e contestados que não podem ter seguimento, indivíduos ilegalmente eleitos estão em exercício de funções, e assim continuarão se, porventura, o Parlamento, pelas suas comissões, não resolver do pronto o assunto.

O que o Govêrno devia era fazer uma nomeação provisória de um auditor idóneo. Estará, porém, o Govêrno na disposição de dar esta solução ao caso?

Eu entendo que uma qualquer solução deve ser dada em termos de não levantar atritos.

Sei que, por vezes, os Governos são forçados à prática de actos que não são os melhores, mus entendo também que o Sr. Presidente do Ministério não pode proceder neste caso como tem procedido para com outros, isto é, deixando passar tempo.

Espero que o Sr. Ministro da Agricultura levará ao conhecimento do sen colega do Interior as breves considerações que eu fiz e que S. Exa. ràpidamente tomará as medidas que o caso requere.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia): - Sr. Presidente: pedi a palavra para afirmar ao Sr. Manuel José da Silva que transmitirei ao Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior as considerações que S. Exa. acaba de fazer.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Alberto Vidal: - Com a extinção do Ministério do Trabalho, eu não sei qual é hoje a repartição por onde correm as revisões e aprovações dos orçamentos das instituições de beneficência. E parece-me que não sou eu só que vivo nesta ignorância. Nas altas instâncias creio que existe a mesma dúvida.

Todos os dias recebo telegramas pedindo providências urgentes para o caso, porque as comissões de assistência elaboraram em devido tempo os respectivos orçamentos e enviaram-nos a quem de direito: mas o que é certo é que, oficialmente, ainda nenhuma palavra foi pronunciada sôbre tal assunto.

Não sei se devo pedir providências ao Sr. Ministro do Interior ou ao Sr. Ministro da Justiça.

E além disso, como não vejo presente nenhum deles, limito-me a pedir ao Sr. Ministro da Agricultura que transmita estas minhas considerações a quem de direito, a fim de que providências imediatas sejam tomadas no sentido de se reverem êsses orçamentos e dar cabal cumprimento à lei.

Os asilos o os hospitais não podem estar à mercê destas delongas. E necessário que se declare qual é a repartição competente para tratar dêste assunto e que ela seja obrigada a trabalhar.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia): - Comunicarei aos Srs. Ministros do Interior e da Justiça as considerações que o ilustre Deputado, Sr. Alberto Vidal acaba de fazer.

Eu julgo, porém, que a aprovação dos orçamentos dos estabelecimentos de assistência, como sejam asilos, hospitais, misericórdias, etc., cabe agora, como antes da extinção do Ministério do Trabalho, ao Instituto de Seguros Sociais.

E, posteriormente à publicação do decreto que extinguiu o Ministério do Trabalho, foi publicado um outro, mantendo na íntegra a constituição dêsse Instituto.

Apenas posso dizer isto ao ilustre Deputado, mas, repito, transmitirei a quem de direito as suas considerações.

Tenho dito.

O orador não reviu.

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Sessão de 4 de Fevereiro de 1926 7

O Sr. Godinho Cabral: - Tenho a honra de enviar para a Mesa um projecto de lei referente a:

Leu.

Por êste projecto protende-se regularizar a situação dêstes ajudantes que, até esta data, não tem sido resolvida da maneira mais eficiente, como seria para desejar.

Aproveito estar no uso da palavra, para me referir também a um assunto para que já hoje aqui foi chamada a atenção do Sr. Ministro da Agricultura.

Trata-se da distilação do figo para produzir álcool, e eu tenho de me regozijar, bem como a região que aqui tenho a honra de representar, por ver que o Sr. Ministro da Agricultura está na disposição de resolver esta questão da maneira mais equitativa.

Tôrres Novas e Tomar vivem, quási que exclusivamente, da distilação do álcool de figo, e, por isso, repito, felicito-me por S. Exa. ter declarado que serão salvaguardados os altos interêsses daquelas regiões.

O projecto de lei vai adiante publicado por extracto.

O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia): - Em resposta ao ilustre Deputado que acaba de falar, nada mais tenho a dizer senão que confirmo o que há pouco expus perante a Câmara.

O assunto da destilação do figo merece-me todo o interêsse, visto que o considero um problema de economia regional muito importante.

Vou estudar a questão, ouvindo as competentes instâncias técnicas, e depois concretizarei o resultado dêsse meu estudo, numa proposta de lei que submeterei à apreciação do Parlamento.

Até lá manterei o statu que.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Rosado da Fonseca: - Há já bastantes dias dirigi um requerimento ao Ministério da Agricultura e outro ao Ministério das Finanças, pedindo, respectivamente, uma nota das quantidades de azeite importado com a devida autorização e dos despachos feitos nas alfândegas com a menção das firmas importadoras.

Já recebi a nota pedida ao Ministério da Agricultura, mas ainda não recebi a pedida ao Ministério das Finanças.

Lamento que se dó esta demora em satisfazer o meu pedido, visto que necessito urgentemente possuir os elementos de que careço para tratar convenientemente do assunto, que é bastante importante.

Sr. Presidente: a importação de azeites está proibida desde 20 de Julho de. 1925.

Não pode importar-se nenhuma quantidade de azeite, sem que sejam satisfeitas determinadas formalidades.

Ninguém pode autorizar a sua importação, sem que, previamente, haja sido dado integral cumprimento à lei.

O artigo 9.° do decreto n.° 10:843, manda que, antes de se conceder autorização para importar azeite, se deverá fazer uma chamada à produção nacional, para se saber a existência que há no País para abastecimento do mercado.

Depois de se verificar que a existência, de azeites nacionais é insuficiente para atender às necessidades do consumo ou que o produto tende a atingir um preço de especulação, só então é que poderá ser autorizada a importação.

Não posso tratar agora, com aquele desenvolvimento que o assunto requere, esta, questão da importação de azeites, porque, como já disse, apenas tenho na minha, posse a nota enviada pelo Ministério da Agricultura.

Confesso porém, desde já, que antevejo nesta questão um caso gravíssimo.

O Ministério da Agricultura autorizado a importação de três partidas.

Essa autorização foi dada para todas elas em 30 de Dezembro de 1925.

Particularmente sei que depois da datada proibição - 20 de Julho de 1925 - até à de 30 de Dezembro de 1925, em que foi dada a autorização citada, foram, despachadas nas alfândegas portuguesas algumas quantidades de azeite.

Mas, Sr Presidente, êste caso aumenta de gravidade, quando se sabe que tais importações são feitas no momento das colheitas, e que são feitas, principalmente, com destino à indústria de conservas.

Dizem que em Portugal não há azeita próprio para um determinado tipo de conservas, cujo mercado tem exigências especiais.

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8 Diário da Câmara dos Deputados

Para êsse tipo de conservas tem de se usar um azeite a que se chama clarificado.

Ora a verdade é que em Portugal há azeite tam bom como o espanhol, existindo ainda uma circunstância a favor do azeite português: é que parte do azeite espanhol que vem para a indústria portuguesa, com a designação de azeite puro de oliveira, não passa de ser azeite de bagaço refinado.

E um óleo.

Não é azeite.

Também sei que alguém poderá dizer que a refinação dos nossos azeites não está tam perfeita que possa obter-se aquelo tipo clarificado que exige a indústria de conservas.

Tenho aqui na minha carteira amostras de dois tipos do azeite espanhol que é consumido pela indústria nacional de conservas, o amostras de azeite português, fabricado pelos mais modernos processos, em Estremoz, numa casa portuguesa, cuja firma é Américo Cruz, Limitada.

Êste azeite em nada desmerece do azeite espanhol.

Então eu pregunto ao Sr. Ministro da Agricultura por que razão, tendo nós azeite tam bom como o espanhol, se permite, e contra lei, a importação de azeite espanhol em detrimento da colocação do produto nacional?!

Êste caso rios azeites é complicado.

Êste produto, como tantos outros, está sujeito aos efeitos do regime de falsificações em que vivemos.

A importação de óleos comestíveis faz-se a despeito da representação que a lavoura apresentou ao Sr Ministro da Agricultura, que era o Sr. Tôrres Garcia, obtendo ela nessa ocasião a promessa de S. Exa. de que essa impor tacão seria proibida.

Mas, mercê de circunstâncias alheias à vontade do S. Exa., não foi possível obter mais uma assinatura indispensável para se publicar o decreto, que já estava lavrado e assinado por S. Exa.

Posteriormente o Sr. Tôrres Garcia sobraçou a pasta das Finanças, em cujo Ministério havia emperrado o decreto que proibia a importação.

Quero crer que S. Exa. teve então rasões poderosas para não ter aproveitado & circunstância de garantia que para a lavoura representava o facto de S. Exa. estar no Ministério das Finanças, para fazer publicar a medida que havia prometido.

Sr. Presidente: reservo-me para tratar oportunamente dêste importante caso dos azeites, visto que neste momento não possuo todos os elementos de informação que considero indispensáveis para poder ocupar-me desenvolvidamente do assunto.

Por agora espero que o Sr. Ministro da Agricultura me dê uma resposta à pregunta que lhe dirigi, a fim do ficar sabendo se há razões poderosas para se pôr de lado a lei.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia): - Sr. Presidente: começando pelo fim das considerações feitas pelo ilustre Deputado Sr. Rosado da Fonseca, devo dizer a V. Exa. e à Câmara que, de facto, quando sobracei a pasta da Agricultura em Julho do ano passado, redigi e referendei um decreto proibindo a importação de azeites estrangeiros.

Não se converteu êsse decreto em instrumento legal porque mio obteve a concordância das instâncias competentes do Ministério das Finanças, que também tinham de pronunciar-se sôbre o caso.

Estive depois na gerência da pasta das Finanças, mas não podia assinar êsse decreto, simultaneamente, como Ministro da Agricultura e como Ministro das Finanças, quando apenas era Ministro das Finanças.

Todavia reconheço que a fórmula que queria seguir-se é imperfeita. Não satisfaz!

E digo que não satisfaz porque, se de um lado havia a proibição da importação de óleos comestíveis, por outro lado ficava livre para as oleaginosas, de onde êles são extraídos.

De maneira que o assunto é mais complicado do que eu julgava.

Procurei de facto encontrar uma solução conveniente, qual foi a de tributar, pelas pautas alfandegárias, a entrada dêsses óleos.

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Sessão de 4 de Fevereiro de 1926 9

O Sr. Rosado da Fonseca: - Mas a taxa foi modificada.

O Orador: - Depois o Conselho pronunciou-se pela modificação da taxa; porém nenhuma outra medida foi publicada, sendo apenas tomadas várias medidas tendentes a melhorar o preço do azeite nacional, como por exemplo a da exportação livre do azeite, medida esta que foi tomada com o propósito de reconquistar o mercado do Brasil, que tínhamos perdido.

Êste assunto foi devidamente estudado no Conselho Técnico Aduaneiro, que o encarou na ver dado debaixo dêste critério: reconquistar os mercados que havíamos perdido.

Foi, a meu ver, esta uma medida de justiça que teve por fim único melhorar as condições da indústria do azeite nacional.

Já vê V. Exa. que alguma cousa procurei fazer no intuito de atender tanto quanto possível as reclamações feitas pela agricultura, havendo, porém, algumas que estão ainda sem solução, como, por exemplo, a que diz respeito aos óleos comestíveis, assunto êste que, a meu ver, só se resolverá por meio de uma vigorosa fiscalização, pois a verdade é que eu estou convencido de que êsses óleos são vendidos misturados com azeites nacionais, atendendo à má fiscalização que se faz, visto que, quando há qualquer suspeita, os fiscais chegam quási sempre tarde, ou então não encontram senão azeite.

Eu entendo na verdade, Sr. Presidente, que se torna absolutamente necessário estudar convenientemente o assunto, pois a verdade é que, atendendo ao grande desenvolvimento que se tem dado, não só na cultura das oliveiras, como na indústria dos azeites, nós temos azeite em quantidade suficiente para o nosso consumo.

O outro ponto para o qual S. Exa. chamou a minha atenção é o que diz respeito à importação de azeito para conservas, importação essa que se tem feito segundo uma disposição legal.

Temos na verdade vivido até hoje num regime muito especial relativamente ao assunto.

Foi proibida a entrada de azeite estrangeiro no País, proibição esta que se tem
mantido relativamente ao azeite comum para alimentação e que se manterá, o mesmo não acontecendo com o azeite destinado à indústria das conservas, a que se chama óleo refinado, geralmente importado da região de Huelva, óleo êste que já se achava encomendado e pago.

Trata-se de três encomendas, uma das quais já se encontra no Tejo, outra era trânsito e a terceira esperando embarque.

Tendo sôbre o assunto consultado o Conselho de Comércio Agrícola, êle foi de opinião e achou justo que se permitisse o despacho dêsse óleo, visto que a sua importação tinha sido feita à sombra de uma disposição legal.

Tem de se adoptar o mesmo tratamento para todos, a fim de não poder dizer-se que se fazem favoritismos, e assim mandou-se levantar um embargo ao despacho.

Mas a questão não ficou nem está solucionada, porque os industriais das conservas dizem que necessitam dêsse azeite para satisfazer os mercados externos, que lhes não aceitam as conservas preparadas sem os óleos refinados espanhóis.

Esta afirmação é contestada por muita gente, que crê que a indústria nacional fábrica hoje óleos nas mesmas condições físicas e químicas dos azeites refinados espanhóis.

Essa contestação foi levada ao Conselho de Comércio Agrícola, foi aí ponderada e ficou encarregada a parte química do Conselho, que é constituída pelo chefe dos serviços técnicos da fiscalização e pelo professor Charles Lepierre, de pedir amostras às fábricas nacionais e fazer um estudo comparativo entre êsses produtos e os de origem espanhola. Essas amostras já estão sendo submetidas a um estudo e aguardamos as conclusões a que chegarão essas entidades - cuja competência todos temos de reconhecer - para se tomar uma resolução definitiva.

Da outra parte, continua a afirmar-se que o azeite refinado português, tal como é fabricado, com os processos em uso, não serve para as necessidades de certos mercados externos a que se destinam as conservas. Assim, diz-se que êsse azeite não é completamente incolor, que é muito gordo e que, ás baixas temperaturas, torna-se uma pasta que repugna aos

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consumidores, ao passo que o azeite espanhol se conserva sempre no estado líquido e com ama magnífica aparência.

São êstes os factos apontados e que vão ser verificados. Mas emquanto não existir essa verificação técnica, que a todos dê garantias, não podemos afirmar que os industriais das conservas não têm razão ao porem de parte os óleos refinados portugueses. Aguardemos, portanto, êsses ensaios, que legara seu tempo a fazer-se.

Eu - e comigo suponho que todos os portugueses se encontram neste ponto - tratarei de fazer o possível para que o caso se resolva da forma mais harmónica com o interêsse nacional.

Folgaria, multo que se provasse que a indústria da refinação dos azeites nacionais chegou a um grau de perfeição capaz de rivalizar com a espanhola.

Mas, se se demonstrar tecnicamente que. os azeites refinados em Portugal não satisfazem, não há o direito de evitar, >ue se fabriquem no país conservas com óleos espanhóis, desde que êsses óleos mós permitem consolidar a nossa situação em mercados onde só se aceitam óleos insípidos, límpidos, incolores e conformes com o paladar dos consumidores dessas regiões.

Por emquanto encontra-se proibida a Importação dêsses óleos, até ser publicado o resultado do estudo que só está fazendo e a que me referi.

Como a Câmara vê. o problema oferece uma multiplicidade de aspectos a considerar, mas trabalha-se activamente para chegarmos a uma solução que seria óptima se o estudo demonstrasse que os industriais não tam razão e que podem
empregar com segurança os azeites refilados em Portugal, em substituição dos azeites refinados em Espanha. Eu teria um grande prazer se essa viesse a ser a conclusão dos técnicos encarregados dêsse estudo, conclusão que destruiria por completo os argumentos dos industriais de conservas.

Procurarei agir nesse sentido, mas necessitamos de tempo para que êste caso, que é bastante complicado, chegue a bom termo.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi aprovada a acta.

ORDEM DO DIA

Continuação na generalidade, do parecer n.° 14-A. sôbre o Banco Angola e Metrópole

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à ordem do dia.

Continua no uso da palavra o Sr. Domingos Pereira.

O Sr. Domingos Pereira: - Sr. Presidente: no momento em que interrompi as considerações que vinha fazendo sôbre o parecer em discussão, dizia eu, que não é legítimo responsabilizar a República ou os governos de não terem, tomado todas as medidas necessárias para que o caso da burla do Angola e Metrópole, não tenha aquela conclusão que devia ter, de servir a verdade e a justiça e fazer com que os responsáveis respondam pelas suas responsabilidades. Referi-me também à acção que o Govêrno actual e o anterior tiveram no caso, para tirar a conclusão justa de que não era legitimo considerar, como aqui se fez. que o processo do Angola e Metrópole é o processo da própria República. Se o Govêrno ou a República resolverem o caso, como devo ser resolvido, de forma a elevar a justiça, prestarão um serviço ao País; no caso contrário desonrarão o País,

Não é legítimo pôr o dilema desta maneira, porque não se faz justiça nem aos homens que ocuparam o Poder antes dêste Govêrno nem ao actual.

Considerando os homens só por aquilo que por si sabem nenhum deles deu a ninguém o direito de ser considerado como encobridor de criminosos, como aqueles que praticaram a grande burla do Angola o Metrópole.

Nem o actual Govêrno, nem o anterior, nem mesmo os governos que antecederam dêsse, nenhum deixaram de adoptar todas as medidas necessárias para se averiguar a verdade.

O Govêrno presidido pelo meu ilustre amigo Sr. Vitorino Guimarães, desde logo que foi requerida a autorização para que esto Banco se formasse, empregou todos os esfôrços para que se soubesse o que era êsse Banco e quais eram as pessoas que requeriam a sua fundação, e de onde é que vinham os capitais que constituíam o fundo bancário.

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Se aos Governos não podem ser atribuídas responsabilidades, a quem se podem pedir?

Eu não quero irisar um ponto que foi já aqui destacado e na imprensa, mas há um organismo que se chama a "inspecção Bancária", que procedeu com uma ligeireza digna de ser censurada.

Não quero pormenorizar os incidentes que então se produziram. Não quero fazer censura a qualquer pessoa, mas o assunto já veio a público e lançaram-se suspeitas sôbre nomes que pouco depois já não havia dúvidas para se suspeitar.

O Govêrno a que tive a honra do presidir, antes da campanha jornalística que se fez, adoptou em conselho de Ministros as providências necessárias para saber o que havia acerca do Banco Angola e Metrópole e das personalidades que o dirigiam.

Assim, em 12 de Novembro último, foi resolvido que se fizesse um inquérito ao Banco Angola e Metrópole.

E já nessa altura, devido a informações obtidas pelo Govêrno no estrangeiro através do seu pessoal diplomático, se sabia que o capital dêsse Banco não era de origem alemã ou russa, mas que era originário da casa Waterlow.

Foi isto sabido devido a uma informação fornecida pelo embaixador de Portugal em Londres, depois de ter recebido instruções do Govêrno para proceder a averiguações. Tendo um seu enviado especial procurado a direcção da casa Waterlow, para obter a confirmação ou o desacordo da afirmação que se fazia de que tinha sido feita uma emissão de notas, e que essas notas tinham sido impressas na casa Waterlow, essa casa respondeu que sim, e que tinham feito essa impressão em virtude de contratos em termos legais com o Banco de Portugal.

Acrescentava, já nesse momento, o telegrama do Embaixador de Portugal em Londres que se tratava, evidentemente, de uma monumental falsificação de contratos e de assinaturas.

Êsse telegrama deve fazer hoje parte do processo, visto que se encontrava no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Desde logo o Embaixador de Portugal em Londres não aceitou a possibilidade de que o Banco de Portugal tivesse cumplicidade naquele formidável caso, e viu-se que acertou.

Foram então podidas várias informações oficiais a respeito da idoneidade de pessoas que, tendo habitado largo tempo no estrangeiro, apareciam depois como dirigentes dessa, enorme casa bancária. Essas informações foram as piores, o que levou o então Ministro das Finanças, Sr. Tôrres Garcia, a ordenar um inquérito ao Banco Angola o Metrópole, a Em de averiguar pela sua escrita o que era êsse mistério.

O Sr. Tôrres Garcia (interrompendo): - Eu ordenei êsse inquérito, para se apurar qual a origem do capital dêsse Banco, porque ela era absolutamente desconhecida.

O Orador: - Perfeitamente.

Quere isto dizer, que não é justo, nem: legítimo que, num caso desta natureza, e apenas por paixão política, se venha arguir os Governos da República de não terem procedido com aquele cuidado, comi aquela justiça e com aquele rigor que as circunstâncias impunham.

É fácil produzir palavras de ataque, quando se está na situação de oposição ao regime e ao Govêrno, porque esta situação auxilia muito a oratória, mas quem quiser ser justo, e quem tiver o cuidado de prestar homenagem aos homens e às instituições, tem de chegar à conclusão de que nem as instituições republicanas nem os Governos da República podem ser acusados de negligência, quanto mais de cumplicidade.

Apoiados.

O Govêrno actual publicou um decreto que foi já julgado como inconstitucional - e eu quero discutir o assunto sob êste ponto de vista, tanto mais que sou de opinião de que êle é constitucional;

Êsse decreto reorganizava os serviços de investigação, entregando a direcção das averiguações a um juiz do Supremo Tribunal de Justiça; e então eu pregunto são que quis fazer com isto o Govêrno?

Quis pôr um ponto final no assunto nessas investigações que estavam já sendo sujeitas à crítica e tinham passado ao palco das revistas de teatro?

Não sei se as actuais investigações; têm sido conduzidas com aquele rigor que, todos desejam: quero crer que sim, mas eu não quero entrar na apreciação

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detalhes das investigações, mas sim chegar à conclusão de que o Govêrno, reorganizando êsses serviços, quis apenas contribuir para que a verdade se esclareça.

Então para que atacar o Govêrno por êsse facto?

Então não é justo que o Sr. Ministro da Justiça venha aqui apresentar uma proposta de lei, que acautele as consequências ruinosas que resultam, ou podem resultar das negociações realizadas pelo Angola e Metrópole?

Mas em roda desta proposta de lei surgem, ataques contra o Govêrno actual!

Sr. Presidente: não compreendo esta lógica! A proposta era imperfeita? Não ia direita aos objectivos que o Govêrno desejava atingir? Continha erros?

Mas a Câmara estudaria, modificando-a, aperfeiçoando-a, como julgasse mais conveniente.

Mas atacar o Govêrno, dizendo ao mesmo tempo que êle tem responsabilidade" porque não quere, porventura, que a verdade se averigúe, isso é que eu não compreendo que alguém de boa fé possa dizer. Ao contrário do que sucede tantas vezes nesta casa do Parlamento, a proposta apresentada pelo ilustre Ministro da Justiça teve o estudo e parecer imediatos da comissão do legislação civil e comercial.

Qual é a conclusão a tirar daqui? A conclusão que se pode e deve tirar é justamente aquela que eu já deduzi: que o próprio Parlamento da República considerou como caso de tanto melindre, de uma urgência tam grande que a sua comissão de legislação civil e comercial trouxe o mais breve que lhe foi possível o seu parecer à Câmara, modificando nalguns pontos a proposta do Sr. Ministro da Justiça, modificações que S. Exa. aceitou, para que a Câmara se pronunciasse e resolvesse esta matéria no mais curto espaço de tempo. Pode, portanto, atacar-se o Govêrno ou o Parlamento da República, quando é certo que êles procederam assim? Sr. Presidente: é preciso realmente que a paixão política, o desejo de ataque incondicional à República e aos seus Governos ditem as palavras de oposição que foram proferidas nesta casa do Parlamento.

Antes de esta proposta vir ao Parlamento, a Câmara dos Deputados tinha votado
uma medida absolutamente excepcional e grave, medida cheia de melindres, que eu não votei por não estar presente, mas à qual não sei se eu chegaria a recusar o meu. voto por a considerar excessiva, e por ela representar um precedente altamente perigoso. A Câmara aprovou-a sob uma imensa coacção moral, que a não honra: refiro-me, Sr. Presidente, à suspensão das imunidades parlamentares.

Apoiados.

Mas o que é certo, Sr. Presidente, é que chegando o Parlamento a aprovar essa medida tam grave, deu a todo o País a prova mais cabal de que não hesita diante de quaisquer meios, sejam de que natureza forem, para desembaraçar o caminho de verdade, para a descoberta dos criminosos e para que os verdadeiros réus paguem o delito que praticaram.

Apoiados.

Mas então, em face disto tudo, a que vêm palavras como estas que aqui se lêem?

Leu.

Palavras do ilustre Deputado Sr. Pinheiro Tôrres. As palavras de S. Exa. não encontram a menor justificação em qualquer acto ou facto; só se explicam pela paixão política de S. Exa., paixão que o honra, porque é sincera, mas que o cega ao ponto de à sua lucidíssima inteligência fazer ver os factos inteiramente ao contrário do que êles são.

Apoiados.

Quais são as coacções que se pretendem exercer sôbre quem quer que seja que pretenda a descoberta da verdade? j Nesta Câmara, no Govêrno ninguém as descobre! A que vêm então as palavras de S. Exas.?... Eu julgo, Sr. Presidente, que as considerações do Sr. Pinheiro Tôrres podem bem considerar-se o esfôrço de... "arrombar" uma porta aberta...

Mas ao mesmo tempo que se lança sôbre o Govêrno e sôbre o Parlamento da República a suspeita de que êles desejam embaraçar a verdade, classifica-se a proposta em discussão como inaceitável, por ser uma, medida de excepção. E então vem a longa catilinária de sempre contra o regime republicano, que abusa das leis de excepção, quando nas leis e códigos portugueses se não encontram as medidas necessárias para resolver casos como

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estes ou para castigar criminosos da natureza dos do Banco Angola e Metrópole!

Algumas leis de excepção se têm, efectivamente, publicado adentro do regime republicano. Não custa nada confessá-lo.

São, porém, as circunstâncias que têm justificado a decretação dessas medidas excepcionais, e se a adopção delas é censurável, não é ao Partido Monárquico que assiste autoridade moral para censurar tais medidas.

Durante o regime monárquico - a história que o diga e história bem recente - as leis de excepção foram, por assim dizer, o pão nosso de cada dia. E eu que leio alguma cousa, gosto sobretudo de ler a história política contemporânea da minha terra. Indo, de quando em quando, escavar no terreno da Monarquia, encontro paralelos que se não podem ser honrosos para a política da República, são todavia argumentos a opor aos que quiserem agravar a República, quando ela decreta pelo seu Govêrno ou pelo Parlamento medidas idênticas às que a Monarquia promulgou.

Ainda há tempos tive ocasião de ler em discurso do grande orador e glória da raça portuguesa que foi António Cândido, em que se justifica a adopção de medidas excepcionais depois do movimento revolucionário de 31 de Janeiro. Eu já calculo o que o Sr. Pinheiro Tôrres está raciocinando neste momento: tratava-se dum facto grave, excepcional, ao qual deviam corresponder medidas excepcionais também. Era uma tentativa de subversão das instituições, é certo.

Mas é exactamente do que a República tem tido necessidade em certos momentos difíceis e em face de altos interêsses nacionais.

Apoiados.

Se o pensamento do Sr. Pinheiro Tôrres era, efectivamente, aquele que eu enunciei, recordo-me que outro tanto não pensavam os políticos e parlamentares do tempo.

O Govêrno de então, ao qual pertencia António Cândido, foi rudemente atacado por pares que eram monárquicos. Recordo-me ainda de que um dos pontos em que essa medida de excepção foi atacada com violência foi aquele que estabelecera o estado de sítio em todo o continente em vez de ser circunscrito ao local onde se tinha produzido o movimento revolucionário. Efectivamente, como V. Exas. sabem, o movimento revolucionário de 31 de Janeiro foi ao Pôrto, apenas, mas o Govêrno entendeu que devia decretar o estado de sítio em todo o País, arvorando-se em ditadura e dando pálidas explicações ao Parlamento quando lho foram pedidas.

E o que foi a ditadura de João Franco?... Quantas medidas de excepção?...

Houve uma que foi tremenda, que fez estremecer a consciência jurídica dos jurisconsultos da época e o coração de toda a gente: foi o célebre decreto de 31 de Janeiro de 1908.

Mas se eu preguntar ao Sr. Pinheiro Tôrres, aos representantes da minoria monárquica nesta casa do Parlamento, qual o tipo de monarquia que mais desejariam ver implantado em Portugal, todos, com excepção do Sr. António Cabral, responderão: a monarquia de João Franco; seria ela que mais completamente realizaria as nossas aspirações!

Então quem pensa desta maneira, pode vir arguir o Govêrno actual de pretender porventura que a verdade se não descubra no caso do Banco Angola e Metrópole, deixando esta suspeição a pairar no ar?

O Govêrno vem com medidas de excepção justamente por considerar que adentro do Código não há possibilidades de resolver satisfatoriamente a questão, manifestando assim, cabalmente, o proposto...

O Sr. Pinheiro Tôrres: - V. Exa. dá-me licença? Eu julgo que V. Exa. está confundindo. Uma cousa é a reparação civil, outra a responsabilidade criminal. Desculpe-mo V. Exa. esta interrupção.

O Orador: - Mas, sabe V. Exa., nós não podemos separar inteiramente a responsabilidade civil da responsabilidade criminal.

O Sr. Pinheiro Tôrres: - Entendo que sim.

O Orador: - Considero absolutamente indispensável que realmente se acautelem os interêsses legítimos que podem ter

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sido feridos pelas negociações do Banco Angola e Metrópole.

O Sr. Pinheiro Tôrres: - Deve abranger-se tudo na lei.

O Orador: - Eu cão tenho procuração para falar em nome da maioria, mas devo dizer que não estou inteiramente de acordo com o artigo 4.° do parecer nesta parte: eu desejaria que as responsabilidades fossem apenas pedidas depois do julgamento. Esta é a rainha opinião individual.

O Sr. Presidente: - Devo prevenir V. Exa. que é a hora de interromper a sessão para se reunir o Congresso.

O Orador: - Se a Câmara me consente, para não ficar mais uma vez com a palavra reservada, tomo-lhe mais uns minutos, a fim de terminar as minhas considerações.

Sr. Presidente: eu desejo tirar uma conclusão contida aã s palavras que acabo de proferir e que levaria um pouco mais longe se não fôsse a necessidade de reunir-se desde já o Congresso, embora eu esteja convencido de que é necessário que esta discussão não seja demasiadamente prolongada.

Apoiados.

Não se ganha, efectivamente, absolutamente nada com o seu excessivo prolongamento; o que é necessário é que o Parlamento resolva e aperfeiçoe a proposta em discussão, se ela é susceptível de aperfeiçoamento; o que é necessário é que na discussão da especialidade se introduzam todas as emendas de quem quer que queira intervir para o esclarecimento da verdade e para acautelar os interêsses legítimos que possam ter sido defraudados pelas negociações escuras do Banco Angola e Metrópole.

O que é necessário é que o Parlamento resolva, mas resolva duma maneira rápida que não exclua a sensatez e a prudência. Fazendo assim - e estou certo que o fará - o Parlamento colaborará com o Govêrno actual, colaborará com toda a gente que em Portugal deseja a averiguação da verdade e se preste justiça a quem a mereça, castigando quem prevaricou.

Mas a conclusão que deseje tirar das minhas palavras, é esta verdade que não posso deixar de pôr em foco: apesar do desejo de certas pessoas de comprometerem neste caso escandaloso e som par os políticos e os homens da Republica, a verdade rebrilha com tal fulgor que ninguém poderá obscurecê-la, afirmando que os políticos e os homens da República não saíram dêste caso tremendo que tem sido objecto de tantas paixões com a cabeça erguida e a sua honra impoluta.

Apoiados.

Estas verdades é preciso dizê-las desde já, porque não se poderá generalizar nunca qualquer responsabilidade que venha a ser definida visto que, duma maneira geral, os homens da República ficarão dentro da política republicana absolutamente respeitados e tendo jus no respeito de toda a gente.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Pinheiro Tôrres não fez a revisão dos seus àpartes.

O Sr. Presidente: - Como doa a hora de se realizar a reunião do Congresso, interrompo a sessão.

Eram 17 horas.

As 18 horas e 20 minutos é reaberta a sessão.

O Sr. Soares Branco: - Sr. Presidente: cumprindo um preceito regimental, começo por ler a seguinte:

Moção

A Câmara, considerando que se torna absolutamente necessário tomar medidas especiais para, com a indispensável rapidez e eficácia, se apurarem as responsabilidade para crimes e prejuízos como aqueles que prevê a proposta de lei em discussão, e que tam largamente afectaram o prestígio e o crédito nacional, continua na ordem do dia.- Carlos Soares Branco.

Sr. Presidente: sendo-me concedida a palavra pela primeira vez, é gostosamente que cumprimento esta Câmara em V. Exa.,

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juntando a êsses meus cumprimentos as minhas homenagens pessoais.

Não quero mesmo, neste momento, esquecer aqueles homens públicos do meu país que, antes de me saberem filiado num partido da República, confiaram na honestidade do meu trabalho, na lealdade que prestaria às instituições, o me chamaram a uma cooperação que muito me honrou.

A estima de um amigo há alguns anos, atirara-me para preocupações que até então não tivera, justamente no momento em que todos os nossos males, como que hipertrofiados pela guerra e pela política que só lhe seguiu, exigiam o esfôrço de nós todos, e Sr. Presidente, eu nunca me recusei a prestar o esfôrço que na medida dos meus recursos fôsse capaz de prestar.

Essa mesma guerra fora uma escola de provações, mas constituíra também uma razão para que muitos daqueles que nos eram quási estranhos passassem a ser nossos amigos, e, eu como técnico, prestei, na medida da minha acção, todos os serviços que a política de mim exigiu, por isso que sou daqueles que, sendo técnicos, entendem que são as directivas políticas que orientam os técnicos o não os técnicos que orientam a política.

Apoiados.

Assim, quási que sem o pressentir, fui envolvido por essas pessoas com quem trabalhava, numa atmosfera de favor que não merecia (Não apoiados], mas foi essa atmosfera que me trouxe a esta Câmara sem que eu tivesse de ostentar pergaminhos que não possuo, nem que andar a rondar pelas ante-câmaras em busca de lugares políticos que me acreditassem junto de V. Exa. e que o meu bom senso nunca ambicionou.

A todos aqueles que julgaram que eu era digno da sua estima, endereço, pois, o meu reconhecimento.

Até hoje - e espero que nunca me venha a suceder o contrário - jamais servi outro patrão que não fôsse o Estado, que ainda hoje mo manda pagar, e do qual ùnicamente recebo aquilo que possa constituir o prémio do meu trabalho. Sou daqueles que, nesta hora, crêem na acção da justiça; sou daqueles que sabem que dessa justiça há-de sair a verdade inteira para glória da Pátria e da República.

Sr. Presidente: sou daqueles que ainda querem crer que não é um crime que desonra uma pátria, mas que a impunidade para êsse crime é que poderia causar tal desonra.

Apoiados.

Sei, também, que é necessário investigar.

Sr. Presidente: apresentei uma moção; e é, pois, minha obrigação defendê-la.

E, como me habituei sempre a fundamentar a minha opinião com alguma lógica, e como V. Exas. todos podem reconhecer em mim alguns erros, quero crer, no emtanto, que nunca serão capazes de supor que eu prevariquei; e, assim, eu entendo que em voz alta devo justificar o meu voto e a minha opinião, definidos nos termos da moção que mandei para a Mesa.

Para o fazer, permitam-me V. Exas. que diga o que penso sôbre os crimes que agora nos preocupam a todos.

Quanto a mim, êsses crimes têm três fases distintas.

Há uma primeira fase em que trabalham os percursores do Banco Angola e Metrópole, mas essa primeira fase não creiam V. Exas. que tivesse saído do génio único de alguém. Não.

O que houve foi um sistema como o dos tubarões que andam no rastro dum navio, e êsse navio é o Estado, à espora que alguma vítima caia, para satisfazerem os seus apetites, ou que vão buscar os sobejos, que da tolda lhes atiram, para os aproveitar - e se, porventura, êsses sobejos não aparecerem, haverá quem os roube!...

Efectivamente, se nós quisermos analisar documentos que já são públicos - e eu simplesmente farei uso daqueles que, publicamente, todos podem conhecer - iremos encontrar nessa primeira fase, que é uma burla e uma falsificação, ideas que, com um fim muito diverso, umas foram tornadas públicas, outras eram de reserva oficial, mas que alguém as forneceu aos criminosos.

Sr. Presidente: nunca faço afirmações que não seja capaz de comprovar, e que ninguém tire, do que vou dizer, conclusões, senão aquelas que se contêm nas minhas palavras!

O primeiro elemento que publicamente levantou a possibilidade que os crimino-

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sós criminosamente aproveitaram, mas. quero crê-lo -e, se assim não o quisesse crer, não fazia esta afirmação - feito com intuitos honestos, foi êste documento que aqui tenho, produzido pela Associação Comercial do Pôrto e que tendia a trazer soluções para a grave crise do Angola. É datado de Março de 1924, e é a primeira pedra que os criminosos aproveitam.

Tendia êle a unificar a moeda da Metrópole com a de Angola. Constituía uma heresia económica, mas era um êrro que todos nós podíamos cometer com boas intenções.

Evidentemente, não posso dizer a V. Exas. que lhe encontro justiça, porque todos nós, que lidamos, mesmo ao de levo, com questões económicas e financeiras, sabemos o que é um papel moeda, sabemos que não é uma mercadoria, sabemos que tem créditos diferentes, sabemos que a economia de Angola nada tem de comum com a da Metrópole.

Sr. Presidente: continha o mesmo documento a que me estou a referir umas bases que se mantêm dentro dos mesmos moldes. Sendo, porém, do domínio público, nada temos de averiguar como os criminosos delas tomaram conhecimento.

A seguir, o Sr. Alto Comissário de Angola, baseado exactamente naquelas informações que as entidades técnicas e competentes lhe davam para resolver a crise que êle pretendia debelar, pretendeu criar um banco que se chamaria Banco de Angola.

V. Exas. encontram a prova do que afirmo nas portarias legislativas de Agosto de 1923.

Formulou o. Govêrno de então, presidido pelo Sr. Álvaro de Castro, um relatório e umas bases que eu pedi pelas vias competentes para consultar, e que possuo, não porque o tivesse roubado, nem porque me tivesse sido confiado no exercício das minhas funções.

Desse relatório eu vou extrair somente o que para V. Exas. há-de ser a prova de que os criminosos tiveram conhecimento dele, fornecendo-lhes ideas que depois, caldeadas nos intentos de que estavam possuídos, os levaram a êsses miseráveis contratos que não resistem à mais leve crítica.

Dizia, entre outras cousas, o relatório :

Leu.

Depois, vêm umas bases, nas quais só preconiza na 3.ª, 4.ª e 6.ª o seguinte:

Leu.

Pois muito bem!

Êste relatório oficial foi presente por ordem do Ministro Sr. Álvaro de Castro ao Banco de Portugal, e êste respondeu primeiro pela boca do seu governador e depois pela boca do seu conselho geral. Não vou fatigar a Câmara com a leitura completa das respostas, mas todos os Deputados podem Iê4as na íntegra e ver se aquilo que vou ler delas não é o repúdio mais formal à doutrina preconizada nas bases.

Diz o Sr. governador:

Leu.

O conselho geral segue o mesmo rumo.

O que é que se reconhece?

É que, como sei, houve uma busca por toda a parte daquilo que convinha; e, depois, num almofariz fez-se a mistela, e esta conduziu a uma burlai e a urna falsificação.

O que se tinha em vista?

Primeiro, um fim: ter notas, ter dinheiro, ter um capital que até aí se não tinha obtido.

Esta foi a primeira fase.

A segunda fase foi tornar êsse fim num meio, e êsse meio servir a fins que por, hora são desconhecidos.

Como se conseguiu esto desideratum, e porque é que se requereu a constituição, do famoso Banco Angola e Metrópole?

Também tive uma curiosidade financeira de o poder explicar a mim próprio, e vou dizer a V. Exa. a que conclusão cheguei.

Como V. Exas. sabem, tudo tem duas fases: é a preparação e depois o desenvolvimento dessa mesma acção.

Ora, como é do domínio público, já consta que as notas começaram a aparecer no princípio do ano de 1925, e durante todo êsse tempo preparou-se em segredo o que em Abril de 1925 havia dever a luz do dia: o trabalho de preparação.

Mas as notas amontoam-se, são muitas, as entidades particulares não chegam, é preciso um banco.

Êste trabalho de preparação tinha tido,

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realmente, alguns ensinamentos da guerra. Na guerra, quando se faz um ataque, coloca-se à frente uma cortina de fumo para que se não veja o que se passa à retaguarda. E, Sr. Presidente, V. Exa. sabe muito bem, sabe tam bem como eu, o que foram êsses meses até Abril de 1925. Todos nós, sem o pressentirmos, dando aso às nossas divisões, fazendo explodir todos aqueles dissídios que hoje tanto nos contristam, andávamos, sem saber porquê, a empurrar-nos uns aos outros, não sabendo cada um a mola oculta que o fazia vibrar.

Havia para o público, para o País qualquer decreto? Êsse decreto era ilegal porque não viera do Parlamento. Havia propostas que se faziam ? Dizia-se logo que eram inconstitucionais. Havia quaisquer mudanças políticas ou não políticas? Nós não percebíamos bem nem nos entendíamos uns aos outros, mas o que percebíamos é que nem as próprias amizades, cimentadas por muitos anos, algumas resistiam a êstes choques.

Quando mo lembro dêstes factos lembro-me com tristeza. Nessa ocasião estava eu nos bastidores da política, via tudo e não percebia nada.

Mas, preparou se o ataque e o ataque teve o sou início quando se entregou ao Sr. Ministro das Finanças, que ora ao mesmo tempo Presidente do Ministério, o requerimento e os estatutos completamente prontos para a fundação do Banco Angola e Metrópole.

E para que era isto necessário? Era porque o volume das notas era grande, e, como era necessário transferi-las, fazer grandes cauções, tornava-se indispensável constituir um estabelecimento, soi disant, de crédito e apareceu o Banco Angola e Metrópole.

Mas, como é que se formou o capital dêsse Banco?

Disso-o o Sr. Ministro das Finanças, sem que ninguém tivesse desembolsado em escudo.

As acções eram todas beneficiárias.

Sr. Presidente, é preciso que se diga que ninguém soube como era constituído êsse capital, porque aquelas entidades não do país, que davam informações às estações competentes, lhas davam de maneira a fazer crer que êsse capital ora de facto uma amostra de um grande capital que do estrangeiro vinha entrar em Portugal.

O capital era estrangeiro, e, porque era estrangeiro, era de aceitar. Em sendo estrangeiro tem sempre aceitação; não se discute.

Pode ser um capital misterioso, mas é com certeza muito bom porque não é português.

Entrava assim na finança, na alta finança que muita gente pensa que é muito forte, mas que eu, que lido muitas vezes com ela e com ela nunca me misturei, garanto que é muito fraca, e é fraca porque tem muito, e, como tem muito, tem muitos receios de perder.

Das pessoas que constituíam êsse Banco alguns nomes eram suspeitos, mas, como não havia dificuldades que se não pudessem vencer, a êsses nomes suspeitos juntaram-se outros nomes bons.

Como acabei de dizer, houve muito interêsse.

O que se verifica é que muitos estão dentro da torra nacional e outros foram para mais longe, mas nem uns nem outros deixaram de representar fortíssimos interêsses.

Qual foi o resultado de tudo isto? Felizmente foi muito menos do que desejavam.

Vem a providência ou o que quiserem e o que resultou foi averiguar-se que o Banco tinha o seu côntrole defeituoso; pois era ainda o mesmo de 1887.

Em 1887 era bom, pois ninguém nessa época imaginava que poderia haver uma casa fornecedora de notas que as fizesse falsas.

Era o próprio Banco que dizia aos burlões, faça mais notas.

Assim como foi com 1:000 contos podia ser 300:000.

Felizmente que nem todos os homens são maus e foi um dos mais humildes que teve um bom gesto. No Banco nem todos foram cegos e foi um modesto empregado que mostrou não ser cego.

Chegou ao Banco Emissor essa notícia, e no dia seguinte o Banco de Portugal tomou a resolução de enviar ao Pôrto empregados, os quais, depois de várias pesquizas, descobriram então a falsificação por duplicação de números.

Mas, Sr. Presidente, o que é facto é que se então se chegou à conclusão do

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que havia uma duplicação, agora está-se reconhecendo que essas notas foram feitas em triplicado.

Reconheceu-se que devia haver 600:000 notas falsas, o que na verdade são muitas notas; porém, reconheceu-se quando da troca das mesmas que o número entrado era muito maior.

Cheguei agora ao momento de eu me pronunciar sôbre o assunto como Deputado e como pessoa que tem dedicado muita atenção a assuntos económicos e financeiros.

Trata-se agora de saber só o Banco procedeu bem ou mal trocando todas essas notas.

Sr. Presidente: eu devo dizer, em abono da verdade, que no regime em que vivemos de papel moeda, representando êsse papel o crédito do Estado, seria um crime se essa troca se não fizesse, e a êste respeito eu não posso deixar de lembrar à Câmara uma frase de Lloyd George sôbre o assunto, isto é, que as notas do Banco de Inglaterra circulam em todo o mundo, e que todo o mundo lhe dá aceitação, por isso que têm a assinatura da própria Inglaterra.

Sei que havia criaturas que tinham a opinião de que essa troca se não devia fazer, tendo chegado até a ler isso nos jornais; porém os homens que faziam parte do Banco de Portugal compreenderam, e muito bem, o grande prejuízo que isso representaria para muitas pessoas, a cujas mãos foram parar essas notas em troca de certos valores.

Qual é o resultado dêste acto criminoso dos burlões, inevitável por parte da instituição burlada?

É que o preço do dinheiro há-de subir; é que as emprêsas hão-de aumentar alguns escudos ao preço da produção; ó, ^m última análise, que êste crime de burlões há-de ser parcialmente suportado não sõ pela alta finança - se tosse só por essa alta finança eu não falava aqui, porque não sou representante dela - como pelo pobre consumidor e por êsses proletários que se servem da fôrça dos seus braços ou da sua inteligência. E, Sr. Presidente, para que êstes resultados não perdurem é que eu dou principalmente o meu voto à proposta em discussão, porque só com ela é que se conseguirá arrolar ràpidamente bens e realizar deles aquilo que a justiça diga que deve cobrir prejuízos e novamente devolver ao honesto produtor, ao honesto distribuidor da riqueza aquilo que lhe é devido.

Mas esta segunda fase ainda tem uma particularidade, que deve ter tudo muito trabalho aos técnicos da banca ou advocacia.

Sr. Presidente: com as notas emitidas adquiriram-se bens, mas, se Cabes bens não fossem, engenhosa e enigmaticamente colocados, seria fácil a apreensão.

O Banco Angola e Metrópole realizou, tam idealmente todas as suas operações, que, como já disse aqui, numa das últimas sessões, o Sr. Ministro das Finanças, tem no seu activo 250 acções do Banco de Portugal.

O resto? Bens mobiliários. Os mobiliários foram, como nós militares podemos dizer, mobilizados e mobilizador um nome de entidades ou pessoas que muito distante pudessem ficar duma rápida apreensão, duma rápida cobertura dos prejuízos que causavam. E, então, nós, que assistimos a tudo isto, nós, que apenas estamos raciocinando em voz alta que se ouça em todo o País, podíamos ficar de braços cruzados à espera que os trâmites das leis, a coberto das quais os outros se tinham acautelado, fossem seguindo em enormíssimas chicanas sem os prejuízos ser em cobertos?

Não! Isso nunca seria com o meu voto.

Apoiados.

Não desejo nunca votar leis de excepção, mas quando a natureza do crime seja, como aquela de que se trata, não tenho dúvida em votar todas as excepções possíveis às fórmulas do direito comum e do processo, nunca com o espírito de fazer uma fogueira onde ardam o criminoso e o inocente, mas simplesmente com o fim de pôr nessa pianha de fogo ùnicamente quem lá deva estar.

Sr. Presidente: eis-me chegado à terceira fase.

A primeira e a segunda são do direito comum. Têm maior ou menor engenho. A primeira é fàcilmente liquidada, porque é bem verdade o que diz um ditado conhecido.

Quanto à segunda, eu sei bem a delicadeza da situação de quem queira julgá-la. Nunca, nem pela minha situação, pela minha cultura, eu seria capaz de a

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julgar. E muito francamente digo porquê. É porque a terceira fase dêsse crime horroriza-me de tal maneira, que eu seria o primeiro a dar-me por suspeito para distinguir o consciente do inconsciente nesta segunda fase que acabo de descrever.

A terceira fase, para mim, é de ordem moral. É-me indiferente o que a justiça diga. Respondo pelas minhas palavras, pelos meus actos, julgo-os no tribunal da minha consciência.

Sr. Presidente: quando o grito de "salve-se quem puder" fôr denunciador da debandada, e essa debandada começou, quando a falsificação de notas fôr feita, pelo que leio, pelo que ouvi e pelo que sei, eu tenho a certeza de que a última ordem de serviço da seita foi esta: "Mente, mente sempre, porque alguma nódoa há-de cair sôbre o pano".

Mente sempre, porque mesmo aqueles que não eram criminosos como nós, que não sabiam o que nós tínhamos feito, mas que não queriam saber de onde o dinheiro vinha, hão-de ser forçosamente uns cobardes morais, e isso há-de levá-los a defender-nos.

Roçaram-se por nós, e não se limparam. Não eram nossos cúmplices, mas hão-de passar a sê-lo.

Ah! Sr. Presidente: não há justiça, não há verdade que êles profiram que, quando eu tiver a prova evidente de que se tornaram em carrascos da honra alheia, quando eu tiver a certeza de que êsses homens conscientemente amarraram a sua acção à defesa inventada, êsses homens não têm direito à minha consideração.

Apoiados.

Sr. Presidente: Assim termino o que desejava dizer, e o que eu suponho que devia dizer para justificação do meu voto.

V. Exas. têm sido de uma amabilidade extraordinária para mim, o eu reconheço-a com muita gratidão, não me interrompendo, apesar de eu ter sido avisado de que a primeira vez que falasse teria interrupções, porque sabiam os meus defeitos. Estava pronto para elas, pois não queria deixar de falar, para que ninguém suspeitasse que tenho medo.

Há duas sessões, falando o Sr. Pinheiro Tôrres, eu, levado por êste meu defeito, julguei ver no âmago de uma dúvida que S. Exa. apresentava qualquer cousa de desarmónico com o conceito em que eu tinha S. Exa. e nas explicações que depois trocámos nesta mesma sala, depois de acabada a sessão, levaram-me ao convencimento de que tinha prestado um grande serviço ao Sr. Pinheiro Tôrres, evitando que as suas intenções fossem deturpadas, e que as suas palavras fossem exploradas por aqueles que estão à espreita do que nós dizemos, para fazer delas, não aquilo que nós queremos, mas aquilo que os outros querem.

Visto que não refiro a êste assunto, nãa posso deixar de manifestar a S. Exa. a minha diz urgência absoluta da maneira de intervir no caso Angola e Metrópole.

Eu recordo-me de que S. Exa. enquadrou o caso Angola e Metrópole numa passagem em que se descortinavam os erros da administração pública, os desequilíbrios orçamentais, a intranquilidade dos espíritos receiosos pela sorte do nosso domínio colonial, e ao mesmo tempo a falta de fé cristã no nosso povo.

Permita-me S. Exa. que eu também descreva, e a largos traços, o horizonte que eu descortinava miando surgiu o caso Angola e Metrópole.

Eu era optimista, eu via como nós, desde 1922 para cá, estávamos fazenda um grande esfôrço que nos conduzia, de um profundo desequilíbrio financeiro, a uma grande prosperidade, ao nivelamento das nossas contas.

O desnível das nossas contas era ainda um facto, mas tinha, a compensá-lo, as nossas disponibilidades que, embora flutuantes, eram um indicativo de confiança.

Eu via que o nosso câmbio, que começava a seguir o figurino da moeda alemã, de repente tinha estacado no abismo, começando a melhorar sensivelmente e estabilizando-se.

Eu sei que se desconfiou e se disse que tudo isto era uma mistificação; mas os factos vieram falar mais eloquentemente que todos os argumentos invocados pelos défaitistes.

Parece-me estar ainda a ouvir as lamentações sentidas que a imprensa, e muita gente que não era da imprensa, soltou quando a prata velha saiu das caves do Banco de Portugal e seguiu, para muito longe.

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Houve quem dissesse nessa altura que estávamos no começo do fim, que lá se iam as últimas reservas.

A prata conservo-as e absolutamente intacta em Londres, e com legítimo orgulho aqui tem sido sempre afirmado que essa prata foi a origem, do crédito para a nota portuguesa.

Nós estamos, financeiramente, acima da França. Estamos, sim, e é preciso que se faça justiça aos homens que têm ocupado as cadeiras do Poder nos últimos tempos.

Não, muito ainda que pertenço ao Partido Democrático.

Eu não tenho responsabilidade s na política, mas devo ser justo, dando aos outros aquilo que a mim não pertence.

Eu fui um daqueles técnicos inhabeis que colaboraram na obra do Sr. Vitorino Guimarães, a qual foi "sabotada", porque não foi seguida daquelas medidas que um iam grande plano necessitava.

Caillaux em França fez o mesmo, mas não previu a hipótese de o câmbio melhorar até uma determinada cifra.

Nós estamos acima da França em matéria financeira?

Estamos, sim, senhor!

Qual foi o povo que conseguiu fazer a mobilização de todo o ouro?!

Fala-se no nosso domínio capital.

Eu sei qual foi a obra do Sr. Marquês de Soveral, um grande diplomata e um grande português; sei que o tratado Windson do 1889 tinha retirado dos corações dos portugueses um grande pesadelo e que as canseiras do Príncipe de Connaught eram pouco tranquilizadoras para o nosso domínio colonial.

Mas. Sr. Presidente, o que eu sei, e soube-o primeiro do que entrasse nesta Câmara, porque sou militar acima de tudo e primeiro do que tudo, é que se verteu sangue português em Africaena Flandres.

E sei também que êsse sangue português não se verteu no serviço de ninguém, mas sim em serviço da causa da defesa dos nossos interêsses coloniais.

Foi êsse mesmo sangue que nos salvou em Versailles, e hão-de ser os nossos pergaminhos, escritos com as suas manchas vermelhas, que nos hão-de salvar sempre que em risco estiver o nosso património colonial, ao qual devotamos todas as nossas energias e todos os nossos recursos, e pelo qual bastantes sacrifícios fazemos, até mesmo com prejuízo da própria Metrópole.

Apoiados.

Além disto, há também uma grande fôrça espiritual, que é a fé cristã.

Eu não me apresento nunca senão tal qual sou.

Não sou um ateu, e sobretudo sou alguém que muito respeita todas as convicções e todos os credos que, sinceramente, diante de mim se evoquem.

Só as feras é que não podem pensar assim.

Nós temos o atavismo de muitos séculos atrás de nós.

E, aqueles que tem um lar, não podem esquecer os entes que nesse mesmo lar estão.

Nós temos sempre nos nossos olhos qualquer negrume que nos indica que não podemos ter outra conduta senão a de sermos crentes.

Desculpem-me V. Exas. que eu evoque as reminiscências dos meus estudos.

Eu, quando tinha tempo, lia, e muitas vezes, a História Francesa. E isto não é um hábito que não seja conhecido dos portugueses, porque a maior parte deles conhecem até melhor a história dos povos estrangeiros do que propriamente a nossa.

Ora dessas mesmas reminescências ou vou tirar um pequeno trecho.

Pelos princípios do século XIII, fins do reinado do Filipe Augusto, de Franca, ou mesmo depois da sua morto, apareceu uma seita chamada a dos "Albigenses", que eram cristãos que acreditavam em dois deuses : um era o bom, o do céu, que presidia a todos os seus invisíveis; o outro era o Deus mau, vivia na terra e presidia aos homens e a todos os sores visíveis.

O Papado do então, que era uma verdadeira Internacional, adentro do cristiamo, resolveu, mesmo sem consultar o rei de França, enviar uma cruzada contra os infiéis.

Era delegado do papa Armand de Amorim.

Nesta cruzada, iam todos absolutamente galvanizados por uma grande fôrça espiritual, irmanados os seus elementos o mais puro da fé cristã.

Reconhecendo então que na sua frente

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iam ter fiéis e infiéis, os cruzados preguntaram ao Papa: o Senhor, como havemos de distinguir, na matança que vamos fazer e vós ordenais, os fiéis dos infiéis?

E o Papa respondeu: Matem-nos a todos. Deus no céu fará a escolha...

O Sr. Dinis da Fonseca: - Peço desculpa a V. Exa., mas não é verdade.

O Orador: - V. Exa. encontra o que lhe acabo de dizer na História de Henri Martin, no 2.° volume, traduzida por Pinheiro Chagas.

Sr. Presidente: eu sei que os cristãos de hoje, com a moral elevada que têm, eram absolutamente incapazes de fazer uma afirmação idêntica àquela que fez o Papa, e eu trouxe êste exemplo para mostrar o justo receio que me invade de que esta máxima do Papa, a que mo referi, se traduza hoje, no caso que discuto, por esta outra: prendam-nos a todos que depois se fará a distinção. Há quem use dêste processo: fuzilar uns para maior liberdade dos outros.

Sr. Presidente: vou terminar, agradecendo à Câmara a atenção com que me ouviu; mas antes permitam-me V. Exas. mais duas palavras.

Em Março de 1910, tinha eu pouco mais de vinte anos, quási metade da idade que tenho, falei em público, pela última vez, no Centenário de Alexandre Herculano, em nónio da minha academia.

Tinha de sintetizar a obra de Alexandre Herculano, tirar ensinamentos dessa obra magnífica, mostrando o respeito que a nós, mocidade, merecia a figura de Herculano.

Disse também que desejava que, em face dêsses ensinamentos, nós compreendêssemos bem como era indispensável que todos o esfôrços fossem congregados.

Dizia isto então.

Efectivamente é uma regra de sociologia.

Uni povo não pode durar muito se não tiver uma série de regras morais, de sentimentos comuns, que possam abraçar todos, os seus filhos.

E essa regra moral, êsse sentimento comum -não lho discutiremos o valor teórico - que tem sempre através de todas as épocas conduzido o povo do marasmo à civilização.

E concluía então, como concluo hoje divididos como estamos, ha para nós todos que temos pátria, que com pátria queremos ficar até o fim e legá-la aos nossos filhos, um lugar onde todos cabemos: é o templo que elevemos à Pátria!

Aí cabem todos os credos e têm lugar todas as convições.

Assim, quando nesta pátria surja um caso como aquele que nos absorvo neste momento, nós só temos de bemdizer esta democracia que foi capaz de vencer e septicismo com que se contava; nós só temos que bemdizer esta democracia que, com uma audácia de gavroche, que poderia até parecer insensatez, desprezou tudo> e todos para somente ver a verdade.

Nós, que temos essa pátria, o que devemos fazer é purificar a sua atmosfera e afastar dela tudo o que possa conduzir a um outro caso do Angola e Metrópole.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O orador foi muito cumprimentado pela estreia parlamentar.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

Lê-se na Mesa e é admitida a moção do Sr. Soares Branco,

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia que estava dada para a sessão de hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão.

Últimas redacções

Do projecto de lei n.° 20-B, que aprova, para ratificação, a modificação à Convenção assinada em Paris em 20 de Maio de 1875 para assegurar a uniformidade internacional e aperfeiçoamento do sistema métrico.

Aprovada a última redacção.

Remeta-se ao Senado.

Do projecto de lei n.° 20-C, que aprova, para ratificação, o acordo internacional

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para a criação em Paris de nina Repartição Internacional das Epizootias.

Aprovada a última redacção.

Remeta-se ao Senado.

Pareceres

Da comissão de administração pública, sob o n.° 12-G-G, que cria assembleas eleitorais nas freguesias de Lousa, Canecas e Póvoa de Santa Iria e extingue a de Monta chique.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Da mesma, sôbre o n.° 7-A, que cria na freguesia de Barcarena, concelho de Oeiras, uma assemblea eleitoral.

Paia a comissão de legislação civil e comercial.

Da mesma, sôbre o n.° 12-A-A, que cria no concelho de Vila Nova de Gaia as assembleaa eleitorais de Canelas, Candal e Crestuma.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Da mesma, sôbre o n.° 12-H, que autoriza a Câmara Municipal de Ovar a expropriar por utilidade pública uns terrenos na praia do Faradouro.

Para a comissão de legislação civil e comercial,

Da comissão de administração pública, sôbre n.° 12-Q, que cria duas assembleas eleitorais, uma em Ameixial e outra em Querença, no concelho de Loulé.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Ma mesma, sôbre o n.° 12 J-J. que transfere a sede da assemblea eleitoral da freguesia de Duas Igrejas para a de Seminu, ambas do concelho de Miranda do Douro.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Da mesma, sôbre o n.° 12-B-B, qae divide o concelho de Paredes em cinco assembleas eleitorais, com sede em Baltar, Castelões de Cepeda, Cete, Rebordosa e Recarei.

Para a comissão de legislação civil e comercial,

Renovações de iniciativa Renovo a iniciativa dos projectos de lei n.03 830-A e 835-C, da autoria, respectivamente, dos Srs. Adriano A. Crispiniano da Fonseca e Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa, apresentados em 3 e 11 de Dezembro de 1924.

Sala das Sessões, 4 de Fevereiro .de 1926.- Alberto Jordão.

Juntem-se aos processos e enviem-se à comissão de legislação civil e comercial.

Renovo a iniciativa do meu projecto de lei n° 61-G-G.

Sala das Sessões, 4 de Fevereiro de 1926. - João Salema.

Junte-se ao processo e envie-se à comissão de administração pública.

Renovo a iniciativa do meu p rói PC to de lei n.° 526-A.

Sala das Sessões, 4 de Fevereiro de 1926. - João Salema.

Junte-se ao processo e envie-se à comissão de administração pública.

Renovamos a iniciativa do projecto de lei n.° 717-C, apresentado em 8 de Maio de 1924, a que corresponde o parecer n.° 797 da comissão de administração pública, de 17 de Julho de 1924, e da comissão de guerra, de 15 de Acosto de 1924. desejando que no artigo 1.° se adicionem à palavra "busto" as palavras "e mais peças".

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, Fevereiro de 1925. - Mariano Melo Vieira - Raúl Marques Caldeira.

Junte-se ao processo e envie-se à comissão de administração pública.

Renovo a iniciativa do meu projecto de lei sôbre a repressão do uso de alcalóides, publicado no Diário do Govêrno de 14 de Novembro do 1924, 2.a série, n.° 268.

Lisboa, 3 de Fevereiro de 1926. - A. Crisipiniano da Fonseca.

Junte-se ao processo e envie-se à comissão de legislação criminal.

Projectos de lei

Do Sr. Pina de Morais, passando à situação de terceiros oficiais do quadro administrativo do Ministério da Agricultura os actuais seis auxiliares contratados de estatística agrícola.

Para o "Diário do Govêrno".

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Do Sr. Rafael Ribeiro, compreendendo das disposições da lei n.° 1:158, de Abril de 1921, os militares que provarem que, para implantação do regime republicano, comandaram núcleos de fôrças civis ou militares.

Para o "Diário do Govêrno".

Do Sr. Francisco Godinho Cabral, determinando que os escrivães, ajudantes dos juizes de investigação criminal, distritos criminais e do registo criminal que, nos termos da lei n.° 1:481, de 1923, tenham sido ou venham a ser aprovados em concurso para escrivães de direito, sejam considerados escrivães de 3.ª classe e incluídos no respectivo quadro.

Para o "Diário do Govêrno".

Proposta de lei

Do Sr. Ministro do Comércio, para que não se considerem abrangidas por disposições que regulam o contrato de arrendamento de prédios rústicos ou urbanos as concessões feitas pela Administração Geral dos Caminhos de Ferro do Estado ou por emprêsas concessionárias de caminhos de ferro, de terrenos, construções ou edifícios existentes na área das estações.

Para o "Diário do Govêrno".

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me seja fornecida cópia de toda a correspondência que desde 1 de Julho de 1923 foi trocada com as entidades competentes referentemente ao aluguel ou cedência de terrenos na cidade de Viana do Castelo.

4 de Fevereiro de 1926. - Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.

Expeça-se.

Requeiro que, pelo Ministério da Instrução Pública, e para efeitos da discussão do Orçamento, me sejam enviadas notas discriminadas por liceus:

1.° Das verbas arrecadadas por virtude da execução da lei n.° 1:363, de 13 de Setembro de 1922;

2.° Da sua aplicação.

4 de Fevereiro de 1926, - Manuel José da Silva.

Expeça-se.

Requeiro que, pelo Ministério dos Estrangeiros, me seja fornecida nota das quantias abonadas ao Sr. Veiga Simões e a que título, bem como se êsse funcionário pretende, por o ter requerido, o pagamento dos vencimentos como Ministro de Portugal em Berlim depois de ter sido demitido.

3 de Fevereiro de 1926. - Joaquim Ribeiro.

Expeça-se.

Requeiro que, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, me sejam fornecidos:

a) Relação nominal e quantitativo, total das reclamações de cidadãos portugueses, tendo por fundamento contratos celebrados entre nacionais nossos e alemães e não cumpridos por motivo da declaração do guerra, e de todos os processos de reclamações relativos a dívidas de alemães a portugueses, não pagas também por motivo da declaração de guerra;

b) Indicação da estação oficial em que se encontram presentemente e onde podem ser consultados os processos a que se refere a alínea a) e, bem assim, cópia da correspondência enviada pela Legação da República Portuguesa em Berlim aquele Ministério sôbre as aludidas reclamações;

c) Cópia de todos os telegramas do Ministro do Portugal em Berlim sôbre a posição de Portugal no problema das reparações, desde a aceitação do Acôrdo Bemelmans até a suspensão da entrega de reparações en nature, e de todos os telegramas e ofícios sôbre êste assunto enviados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros àquele Ministro;

d) Cópias das notas trocadas entre o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Ministro da Alemanha em Lisboa, relativamente ao acordo comercial luso-alemão, de 8 de Dezembro de 1921, e ao decreto n.° 7:978, de 20 do Janeiro de 1922, que revogou disposições jurídicas de carácter excepcional respeitantes à situação jurídica dos nacionais alemães em Portugal.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 4 de Fevereiro do 1926. - Francisco Godinho Cabral.

Expeça-se.

O REDACTOR - Sérgio de Castro.

33 - Imprensa Nacional - 1925-1926

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