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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 39

EM 23 DE FEVEREIRO DE 1926

Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Rodrigues Gaspar

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Mariano de Melo Vieira

Sumário. - Aberta a sessão com a presença de 50 Srs. Deputados, lê-se a acta da sessão anterior e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Alberto Vidal pede que se providencie energicamente no sentido de se descobrirem os autores do atentado dinamilista contra o pároco de Oiã.

O Sr. Custódio de Castro trata do procedimento de um juiz que está realizando um inquérito em Angola; refere-se ò crise de trabalho em Gaia e ocupa-se do mau estado das estradas em Vila Nova de Ourem.

O Sr. Marques Loureiro insta pela remessa de documentos, protesta contra o atraso do pagamento a professores primários e censura uma transferência feita pela pasta da Instrução.

O Sr. Sant'Ana Marques insta pela remessa de documentos que solicitou.

O Sr. José Domingues dos Santos pede a repressão legal do jôgo ilícito, ou que êste se regulamente.

Responde lhe o Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva).

Os Srs. José Domingues dos Santos e Presidente do Ministério voltam a usar da palavra.

O Sr. Manuel José da Silva apresenta e justifica uma proposta no sentido de se fazer mais rápida e proficuamente a discussão do Orçamento. Requere urgência e dispensa do Regimento.

Admitida a proposta, usam da palavra sôbre o modo de votar o requerimento os Srs. Vitorino Guimarães, Manuel José da Silva e Carvalho da Silva.

O Sr. Cunha Leal agradece à Câmara as manifestações de pesar pela morte de seu pai.

São aprovadas a urgência e dispensa do Regimento para a discussão da proposta do Sr. Manuel José da Silva.

O Sr. Carvalho da Silva requere a contraprova com contagem.

Confirmasse a aprovação por 62 votos contra 23.

É aprovada, a acta da sessão anterior às admissões.

Ordem do dia. - Prossegue o debate sôbre a interpelação do Sr. Rosado da Fonseca ao Sr. Ministro da Agricultura a propósito da importação de trigo exótico pela Manutenção Militar.

O Sr. Aboim Inglês conclui o seu discurso, iniciado na sessão anterior.

O Sr. Ministro da Guerra (José de Mascarenhas) responde ao orador.

Os Srs. Eduardo Fernandes de Oliveira e Amando de Alpoim usam sucessivamente da palavra sôbre a ordem, fendo admitidas as respectivas moções.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Gaspar de Lemos) justifica e envia para a Mesa uma proposta de Lei pela qual se autorizam empréstimos mercantis às emprêsas da pesca de bacalhau, em designadas circunstâncias.

É aprovada a urgência.

Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. Carvalho da Silva ocupa-se do escândalo que diz ser o das percentagens de emolumentos e multas que percebem os funcionários incumbidos de aplicar as leis tributárias e chama para o facto a atenção da Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Presidenta encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.

Abertura da sessão, às 15 horas e 11 minutos.

Presentes à chamada, 50 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 58 Srs. Deputados.

Srs. Deputados que compareceram à abertura da sessão:

Adolfo de Sousa Brasão.
Adolfo Teixeira Leitão.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alfredo Pedro Guisado.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
António Augusto Rodrigues.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António de Paiva Gomes.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Pais de Almeida.
Carlos de Barros Soares Branco.
Custódio Lopes de Castro.
Dagoberto Augusto Guedes.
Domingos António de Lara.
Domingos Leite Pereira.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Filemon da Silveira Duarte de Almeida.
Francisco Godinho Cabral.
Henrique Maria Pais Cabral.
Henrique Pereira de Oliveira.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Baptista da Silva.
João Bernardino de Sousa Carvalho.
João da Cruz Filipe.
João José da Conceição Camoesas.
Joaquim Maria de Oliveira Simões.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Carlos Trilho.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Maria Alvarez.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Vasconcelos de Sousa Nápoles.
José Vicente Barata.
Luis da Costa Amorim.
Luís Gonzaga da Fonseca Moreira.
Luís de Sousa Faísca.
Manuel Alegre.
Manuel José da Silva.
Manuel Serras.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano da Rocha Felgueiras.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo Luciano de Abreu e Lima.
Severino Sant'Ana Marques.
Viriato Sertório dos Santos Lobo.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abel Teixeira Pinto.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alfredo da Cruz Nordeste.
Álvaro Xavier de Castro.
Amâncio de Alpoim.
Amilcar da Silva Ramada Curto.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Pereira Peixoto Beleza.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António José Pereira.
António Lino Neto.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Marques Guedes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur da Cunha Araújo.
Artur Saraiva de Castilho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Daniel José Rodrigues.
Delfim Costa.
Domingos Augusto Reis Costa.
Elmano Morais da Cunha e Costa.
Felizardo António Saraiva.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Coelho de Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime António Palma Mira.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Domingaes dos Santos.
José Marques Loureiro.
José de Moura Neves.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Rosado da Fonseca.
Manuel da Costa Dias.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Manuel Homem de Melo da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho Júnior.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.

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Sessão de 23 de Fevereiro de 1926 3

Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.
Raúl Lelo Portela.
Rui de Andrade.
Sebastião de Herédia.
Zacarias da Fonseca Guerreiro.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto Carlos da Silveira.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Nogueira Gonçalves.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro da Cunha Ferreira Leite.
António Alves Calem Júnior.
António Araújo Mimoso.
António Augusto Álvares Pereira Sampaio Forjaz Pimentel.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António José de Almeida.
Artur Brandão.
Augusto Rebelo Arruda.
Carlos Fuseta.
Diogo Albino de Sá Vargas.
Domingos José de Carvalho Araújo.
Eduardo Ferreira dos Santos Silva.
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Guilhermino Alves Nunes.
Indalêncio Froilano e Melo.
João Estêvão Águas.
João Lopes Soares.
João Raimundo Alves.
João Salema.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Nunes Mexia.
Joaquim Toscano Sampaio.
José do Vale de Matos Cid.
Lourenço Correia Gomes
Luís António Guerreiro Júnior.
Luís Vieira de Castro.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mariano de Melo Vieira.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Pedro Góis Pita.
Raúl Marques Caldeira.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.

Pelas 15 horas e 15 minutos declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta e o seguinte

Ofício

Da Junta de Freguesia do Bombarral, pedindo que seja votado o regime livre dos tabacos.

Para a Secretaria.

Representação

Do Grémio Técnico Português, refutando algumas das passagens da representação da Associação dos Engenheiros Civis sôbre o projecto de lei n.° 15-B.

Para a comissão de instrução especial e técnica.

Telegramas

Do Sr. Froilano e Melo, saudando, de Nova Goa, a Câmara.

Para a Secretaria.

Da Associação Académica do Pôrto, apoiando as reclamações das Faculdades e Institutos Superiores.

Para a Secretaria.

De uma comissão de operários manipuladores de borracha, lembrando a interpelação do Sr. Joaquim Ribeiro.

Para a Secretaria.

Da Câmara Municipal da Marinha Grande, pedindo a breve votação do projecto de lei sôbre cobrança coerciva dos impostos municipais.

Para a Secretaria.

O Sr. Alberto Vidal: - Sr. Presidente: desejava chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior para um facto insólito e criminoso

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que há mais de 15 dias se deu em Oiã, concelho de Oliveira do Bairro, mas, como S. Exa. não está, peço a V. Exa. o favor de lhe transmitir as minhas considerações que vão ser muito breves e ligeiras. Trata-se de pedir rápidas e enérgicas providências para que justiça seja feita e se investigue quem foram os criminosos que contra a residência do pároco da freguesia de Oiã, pessoa que não conheço nem de nome, lançaram uma bomba que fez grandes estragos materiais e só por feliz acaso não os fez pessoais.

Sou informado de que é conhecido o automóvel que minutos antes passou no lugar do atentado e que, se as investigações forem bem dirigidas, é fácil a descoberta do criminoso. A autoridade administrativa foi substituída quando se encontrava na capital do distrito a solicitar auxílio da polícia para proceder a investigações.

Peço ao Sr. Ministro do Interior que proceda às necessárias investigações o mais rápida e eficazmente possível.

O Sr. Custódio de Castro: - Sr. Presidente: desejava interrogar o Sr. Ministro das Colónias acerca de uma notícia publicada no Diário de Noticias referente a um inquérito judicial feito à província de Angola, mas só o pude fazer ràpidamente no "antes de se encerrar a sessão".

Desejava também chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças, e, como S. Exa. não se encontra presente, peço a V. Exa. o favor de lhe transmitir as minhas considerações.

Vila Nova de Gaia, concelho de Gondomar, é uma povoação das mais importantes na indústria de ourivesaria, a qual atravessa uma crise angustiosa.

O Sr. Sant'Ana Marques: - Como todas as indústrias.

O Orador: - Eu chamo a atenção do Sr. Ministro das Finanças a fim de conceder uma moratória para aqueles povos pagarem as suas contribuições.

Apoiados.

Também desejava que o Sr. Ministro do Comércio atendesse ao estado lastimoso em que se encontram as estradas do concelho de Grondomar.

Parece que os. poderes públicos desconhecem que existe o concelho de Gondomar.

Peço a V. Exa. o favor de transmitir a S. Exas. estas minhas considerações.

O orador não reviu.

O Sr. Marques Loureiro: - Sr. Presidente: desejava que V. Exa. me informasse se já estão feitas as cópias dos acórdãos das comissões de verificação de poderes. Afigura-se-me que já havia tempo de, sem grande esfôrço, a secretaria do Congresso ter feito essas cópias.

O Sr. Presidente: - Ainda não estão na Mesa as cópias.

O Orador: - Agradeço a informação de V. Exa.

O Sr. Ministro da Instrução já prometeu atender as reclamações dos professores primários de Viseu, quanto ao seu pagamento. Dizem com razão que o professorado superior é pago em dia, nós que o somos também e que não há razão para êles estarem em atraso, pois os inspectores já se prontificaram a organizar as folhas.

Hoje, depois das promessas do Sr. Ministro e das suas boas palavras, não há desculpa, há desleixo, ou S. Exa. se esqueceu, ou não fizeram caso do que S. Exa. disse.

E esta a única forma que tenho de dar satisfação às reclamações dos professores.

Poço a S. Exa. providências.

Devo ainda salientar que êste Parlamento - e digo Parlamento porque não foi só esta Câmara, mas também o Senado - se pronunciou no sentido de não estar em vigor um decreto que determinava à comissão distrital a organização das fôlhas. Dizem os interessados que a culpa é dos senhores políticos, que querem dar vida àquilo que já está moribundo, e a que falta apenas fazer o enterro, de que está encarregado o Sr. Marques de Azevedo, pois é S. Exa. o relator do parecer.

Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que transmita à comissão estas minhas reclamações, e se algumas dela dependerem, se manifeste, para evitar que eu tenha de requerer, nos termos do Regimento, que essa proposta seja discutida mesmo sem parecer,

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Ao Sr. Ministro da Instrução quero também transmitir reclamações que até mim chegam, por se dizer que foi ou vai ser lavrado um despacho preterindo determinado professor sob o pretexto de que o candidato é casado com uma professora que fica numa escola a menos de 5 quilómetros.

As minhas informações dizem que as certidões que foram apresentadas afirmam que a distância é inferior a o quilómetros, mas a entidade competente, a Divisão de Estradas, contesta isso, e diz que essa distância é de 6,5 quilómetros.

Sei que se procedeu à revisão dessa distância e que o resultado foi o mesmo, isto é, que a distância é superior a 5 quilómetros.

Afigura-se-me que o despacho não se poderá manter, e dignando-se V. Exa., Sr. Presidente, transmitir ao Sr. Ministro da Instrução estas minhas reclamações, evita o desprestígio que resulta de o Poder Executivo ser iludido, emitindo despachos que são manifestamente ofensivos, e que os tribunais competentes, para onde será interposto recurso, terão necessàriamente de anular. Por agora são estas as considerações que tenho a fazer.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Sant'Ana Marques (para interrogar a Mesa): - V. Exa., Sr. Presidente, diz-mo se na Mesa já se encontram cópias dos documentos que me são necessários para poder entrar na discussão de assuntos, que proximamente serão objecto de debate?

O Sr. Presidente: - Essas cópias ainda não estão na Mesa, e logo que chegarem serão entregues a V. Exa.

O Sr. José Domingues dos Santos: - Sr. Presidente: pedi a presença do Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior, visto que o assunto que desejo tratar diz respeito, especialmente, à pasta do Interior.

Sr. Presidente: os jornais de sexta-feira ou sábado passado trouxeram a notícia do assassinato do Ercole Mussaliiii, numa casa de batota, o Clube dos Patos.

Não me interessa o assassinato dêsse homem, pois que tal caso tem de ser resolvido exclusivamente pela polícia, a que está sujeito. Interessa-me, muito especialmente, o caso do jôgo.

Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Ministério é representante de um partido que no seu programa partidário inscreve o princípio da repressão do jôgo. Pertenci a êsse partido, e fôr das pessoas que dentro dele mais se empenharam para que fôsse estabelecido o princípio severo da repressão do jôgo. Recordo-me de que no último Congresso a que tive a honra de assistir, ao apresentar a fórmula que de via nortear a atitude do Partido Republicano Português, em face dêsse problema, todo o Congresso, sem excepção de uma só pessoa, se levantou aclamando estas palavras o afirmando a sua vontade iniludível do que a repressão do jôgo se fizesse.

Êste princípio ainda não foi derrogado, e muito longe de se estabelecer qualquer princípio em contrário, no ano passado, nesta casa do Parlamento, estabeleceu-se o princípio de que o jôgo é um crime, crime severamente punido pela lei.

Sr. Presidente: eu não sei se o Partido Republicano Português quere ou não continuar dentro do princípio da repressão do jôgo; mas o que é indispensável é que êsse partido e os seus homens, quando Govêrno, tomem uma atitude de harmonia com os princípios. O que não faz sentido é estabelecer se nas leis e nos programas a repressão do jôgo e ao mesmo tempo por toda a parte se tolerar o jôgo, dando assim, ao país o espectáculo de que continuamos indefinidamente numa política de mentiras, que não serve a ninguém, que não serve os princípios, nem a moral nem o Estado.

Eu sou e continuo a ser pela repressão do jôgo. Sou homem que tenho criado inúmeros inimigos, mas tenho-me sempre oposto a que se regulamente o jôgo.

Recorda-se a Câmara de que, estando eu no Govêrno, o não me sendo possível impedir que se jogasse, ordenei o encerramento de todos os clubes, porque em certa altura, tendo determinado que se fizesse uma rusga a todos êles, isto por volta das 6 horas da tarde, às 7 horas já em todos se sabia dessa ordem.

Mas, Sr. Presidente, pregunto: está o Govêrno disposto a cumprir a lei?

Sr. Presidente: sou dos homens que

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6 Diário âa Câmara dos Deputados

têm tido até hoje nina atitude de coragem contra o jôgo, mas, vendo que os Governos o toleram e que na época balnear êle é permitido por toda a parte, e mesmo fora dessa época se joga desenfreadamente em todas as cidades, sem que qualquer espécie de repressão seja tomada, dando-se até o espectáculo nada dignificante de pessoas altamente colocadas frequentarem os clubes onde toda a gente sabe que se joga, eu quero chamar a atenção do Govêrno para que se tomem providências enérgicas.

Mas, se assim se não quiser proceder, então que se tome outra atitude mais séria e legal em face do país, regulamentando-se o jôgo.

Ninguém pode dizer que eu sou uma pessoa feita com os homens do jôgo.

Recordo-me bem do que naquela célebre madrugada em que o meu Govêrno foi derrubado, e em que eu ora acusado de ter nas galerias, às minhas ordens, os homens da Legião Vermelha, pude verificar que grande parte das pessoas que ali estavam eram criaturas do jôgo, que aqui esperavam ansiosamente que chegasse a hora do Govêrno cair.

Não podemos continuar nesta política de mentira, dizendo-se que se quere a repressão do jôgo, e, ao mesmo tempo, consentindo-o.

O Partido Republicano Português não pode continuar indefinidamente nessa posição.

Esta situação imoral, que não permite ao Estado adoptar uma atitude decisiva, tem de acabar para honra de todos nós.

Sou daqueles que não frequentam clubles, mas quero aqui dizer bem alto que acho preferível que se regulamente o jôgo a que se continue nesta situação de se permitir que se jogue desde que se recebe dinheiro por portas travessas.

Apoiados.

Hoje, como ontem, a minha atitude é absolutamente clara e definida: sou pela repressão severa do jôgo; mas, se V. Exas. o não sabem reprimir, tenham ao menos a coragem simples de trazer a esta Câmara um projecto de regulamentação.

Em qualquer dos casos não se salva a moral; mas, fazendo-se a regulamentação, zelam-se, ao menos, os dinheiros do Estado.

E bem mais preferível regulamentar o jôgo do que continuar nesta situação de as câmaras municipais e os governos civis estarem recebendo dinheiro por detrás da cortina, quando o poderiam e deveriam receber à luz clara do sol.

Nestes problemas, como em todos os demais que a Esquerda Democrática quere tratar perante o país, nós queremos fazer afirmações de princípios.

Somos pela repressão do jôgo; mas, ante esta situação em que todos nos encontramos, preferimos que êle seja regulamentado, já que o não sabem reprimir severamente.

Por toda a parte se joga hoje em Portugal com a cumplicidade das autoridades.

Porque o assassinato do Sr. Mussalini - não é o ditador - nos veio pôr em destaque o que se passa dentro dos clubes, eu quis chamar a atenção do Sr. Ministro do Interior para o facto, a fim de que êle diga à Câmara se tem ou não coragem para reprimir o jôgo.

Dizer por um lado que se vai reprimir o jôgo, e mandar-se depois dizer, particularmente. que podem continuar a jogar, não nos serve.

Não basta que o Sr. Ministro do Interior me diga que vai reprimir o jôgo. Queremos situações claras e definidas, de modo que todo o país saiba em que lei vivemos em matéria de jôgo, e certamente que S. Exa. nos vai dizer qual é essa lei.

E, por agora, tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. José Domingues dos Santos, a propósito de um assassinato praticado no Clube dos Patos, versou o problema do jôgo.

Toda a gente sabe qual é a minha opinião sôbre o assunto, traduzida até em diversos actos que tenho praticado.

Orgulhou-se o ilustre Deputado de, quando Presidente do Ministério, ter mandado fechar os clubes; mas, nesse caso, eu devo pedir para mina o direito de prioridade, porque já, anteriormente, os havia mandado encerrar por três vezes. E, se depois foram reabertos, foi porque

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chegaram até mim diversas reclamações, entre elas a de que os estrangeiros que visitavam Lisboa não tinham onde ser recebidos em condições convenientes. Porém, despachei por uma forma clara; pus mesmo polícia lá dentro, com o fim de impedir que se jogasse, mas, contudo, não posso dar a minha palavra de honra de que se tivesse deixado de jogar por completo.

Porque eram tais o meu expresso desejo e a minha vontade, algumas semsaborias eu tive com diversos governadores civis, como por exemplo o de Aveiro, que desejava que se continuasse a jogar em Espinho. E o ilustre Deputado, apesar de ter mandado encerrar todos os clubes de Lisboa, não pode garantir que durante êsse tempo se não tivesse continuado a jogar, por exemplo, em Espinho, etc.

Uma das pessoas com quem estive em luta mais aberta foi com o governador civil de Coimbra.

Mas, exposta a situação de que eu sou respeitador das leis, e que as leis não permitem o jôgo, devo afirmar à Câmara que proibi expressamente que nos governos civis se recebesse qualquer importância proveniente dos clubes.

Neste momento não se recebe cousa alguma, e eu tenho o dever de acreditar na honorabilidade da pessoa que está à testa do Govêrno Civil de Lisboa.

O Sr. José Domingues dos Santos não pode ter a certeza de que, durante o seu Govêrno, se não jogou em Portugal.

Eu não apresentarei ao Congresso da República projecto algum de regulamentação de jôgo; quem quiser que o apresente. Assim, respeitarei os princípios consignados no programa do meu partido.

Repito, não apresentarei nenhum projecto de regulamentação do jôgo, mas envidarei todos os meus esfôrços, fechando até novamente os clubes, se tal considerar necessário.

Se o Parlamento, na verdade, entende que o jôgo se não pode evitar, aplicando as leis existentes, e deseja, por êsse facto, regulamentá-lo, está na sua mão fazê-lo, apresentando uma proposta nesse sentido.

Devo dizer, em abono da verdade que, sendo contrário à regulamentação, conformar-me hei com a resolução que o Parlamento tomar sôbre o assunto, desinteressando-me, claro está, da sua discussão na generalidade e ocupando-me somente da sua discussão na especialidade, como me cumpre.

Pode V. Exa. estar certo de que vendar ordens terminantes não só ao Sr. governador civil, como ao director da polícia de investigação criminal, no sentido de que não seja permitido jogar, cumprindo-se assim a lei.

Pode V. Exa. estar certo de que, se eu verificar que essas ordens não são cumpridas, não terei dúvida em praticar um acto mais violento, qual seja o de mandar fechar todos os clubes.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. José Domingues dos Santos: - Sr. Presidente: o Sr. Presidente ao Ministério, na sua resposta que acaba de me dar, citou um facto que se deu em Espinho, quando eu fui Presidente do Ministério.

Sr. Presidente: êsse facto não é verdadeiro. Quando Presidente do Ministério, dei ordens terminantes para que se não permitisse o jôgo, tendo sucedido até em Viseu o caso de me ver obrigado a lá mandar uma brigada especial de polícias, visto o governador civil, meu amigo pessoal, não ter dado cumprimento às ordens recebidas.

Diz S. Exa. que, se tanto fôr necessário, não terá dúvida em praticar um acto violento, qual seja o de mandar fechar todos os clubes; porém, S. Exa. tem presentemente uma lei, que é da iniciativa de um seu colaborador, para resolver o assunto.

O que S. Exa. tem a fazer é mandar aplicar essa lei, pois não faz sentido que se seja contra a regulamentação do jôgo e se permita que êle se pratique em toda a parte, e muito principalmente na Figueira da Foz, onde nunca se deixou de jogar, mercê das influências políticas do Sr. Manuel Gaspar de Lemos.

Sabe toda a gente que na época balnear não é possível fazer a repressão do jôgo quer em Matosinhos, como na Póvoa de Varzim ou em Espinho, o alegam essas praias que deixarão de jogar sim, mas quando o jôgo fôr também proibido na Figueira da Foz. Os direitos, efectivamente, são iguais.

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Nós somos contra o jôgo e pedimos o cumprimento da lei.

É simplesmente isso o que eu venho reclamar mais vez.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: acho desnecessário voltar â carga.

Evidentemente que eu não posso desempenhar o papel de esbirro, andando a investigar por toda a parte se se joga.

O próprio Sr. Deputado nunca pôde evitar que se jogasse, porque quando se proíbo o jôgo num determinado local organizam-se comboios noutros sítios.

Não terei dúvida, à semelhança do que já mandei fazer e antes do Sr. José Domingues dos Santos, em ordenar que sejam encerrados os clubes onde se joga.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: através do quási três meses de acção parlamentar, dentro do regime em que as sessões legislativas ordinárias terminam, nos termos da Constituição, em 2 de Abril, eu, que venho acompanhando a vida parlamentar com todo o interêsse, tenho verificado da parto do todos os lados da Câmara, e a propósito do todos os assuntos que a ela são submetidos, referências feitas à necessidade do se trabalhar com mais eficiência e, muito em especial, à necessidade de o Parlamento não deixar de discutir e votar o Orçamento Geral do Estado, nos termos da Constituição.

A despeito da boa vontade de cada um dos membros da Câmara, o que é certo é que, dada a nossa maneira de trabalhar, nem o Orçamento nem as questões que dia a dia aqui se levantam encontram uma solução justa e oportuna.

A que se deve isto?

Certamente a um defeito ou a defeitos da nossa mecânica de trabalho.

Em consequência dêste fenómeno, a comissão do Regimento da Câmara foi apelada no sentido de alterar o Regimento da mesma.

Não sei se a comissão já e desempenhou dêsse mandato, nos melhores termos. O que é certo é que o Orçamento Geral do Estado é a medida fundamental de uma boa, sã e escrupulosa administração pública.

Todos nós temos visto as consequências desasírosíssimas do péssimo regime dos duodécimos.

É preferível o pior Orçamento que só arquitecte, feito sem grande escrúpulo mental, a um duodécimo votado com a maior seriedade.

No único intuito de procurar chamar a atenção da Câmara para êste problema fundamental, que é de resto um dever do Congresso da República, resolvi intervir hoje. pedindo a V. Exa., Sr. Presidente, que, com o seu prestígio pessoal e político o ainda com aquele que lhe advém da sua situação de relevo partidário como Presidente desta. Câmara, conjugue todos os seus esfôrços para que se olhe com urgência para êste assunto.

Entendo que dentro do Regimento, tal como elo está, não haverá possibilidade material do o Parlamento, no espaço de tempo que lhe resta, mesmo partindo do princípio de que iremos para uma ou mais prorrogações fatais, discutir o votar a série do questões, duma altíssima importância, que estão pendentes da sua apreciação.

Assim, sou de opinião que devemos desarticular do conjunto dessas questões, que em hora própria serão tratadas, o problema do Orçamento Geral do Estado.

Tive ontem ensejo, a propósito do debate aqui travado, de, num parêntesis, prestar a minha justa homenagem à comissão do Orçamento desta Câmara.

Não quero saber se os pareceres por ela elaborados estão bem ou mal feitos. Não é êste o momento de apreciar o caso.

No emtanto, o que isto representa de boa vontade, de nobre intenção de bem dotar a administração pública com o instrumento basilar da sua vida, merece o elogio de todos.

Entendo que, desarticulado o problema do Orçamento dos outros problemas, a Câmara dos Deputados, se quiser encará-lo a sério, tem de seguir um de dois caminhos. Vejamos o primeiro.

A Câmara reconhece que, por virtude dos seus métodos de trabalho e até talvez da indolência de nós todos, o não

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pode discutir no momento próprio, e então tem de adoptar um único princípio lógico: é que o Orçamento que não esteja votado até 30 do Março, e para o efeito de transitar para a outra Câmara, a cuja apreciação tem de ser submetido, considera-se aprovado.

Não vou pôr esta doutrina, porque entendo que é em torno dós orçamentos que os partidos e pessoas políticas podem fazer afirmações dos seus pontos de vista em matéria de política de administração, constituindo a sua discussão o melhor ensejo que os homens públicos podem ter de ventilar perante o país os pontos de vista que julguem mais convenientes para a economia nacional.

Assim, temos uma única forma de resolver o caso, e não é preciso arquitectar sistemas novos, grandes innovações, porque bastará reportarmo-nos a algumas das deliberações dos parlamentares anteriores, envolvendo alteração das disposições regimentais.

De facto, no rol dessas deliberações encontraremos algumas, à sombra das quais V. Exa., no exercício do seu alto cargo, poderá conseguir remédio para êste mal.

Nos termos das deliberações tomadas pelo Parlamento, em Maio de 1923, tem V. Exa. a faculdade de marcar sessões nocturnas, não só para a discussão dos orçamentos, mas ainda para a das questões que, interessando às finanças públicas, interessando à economia nacional, V. Exa. entenda deverem ser apreciadas urgentemente pelo Parlamento. No emtanto, não esquecendo que as sessões nocturnas tem uma tradição que não é das melhores dentro da nossa vida parlamentar, entendo que talvez pudéssemos adoptar uma outra fórmula, qual seja a de fazer marcar sessões matutinas, com a duração de quatro horas, principiando, por exemplo, às 9 horas para acabar às 13 horas, exclusivamente destinadas à discussão e votação dos orçamentos.

Só assim é que, perante o país, nos poderemos apresentar com a idoneidade moral precisa para que todo êle não perca a confiança que em nós depositou.

Sei que, de facto, muitas faltas de número que se verificam no funcionamento do Parlamento são devidas a um êrro basilar para que os homens públicos já deviam ter olhado, a fim de para êle encontrar remédio.

Na verdade, Sr. Presidente, há aqui duas categorias de parlamentares: a dos que não são funcionários públicos, recebendo os seus honorários apenas pela sua Câmara, e a dos que o são, optando pelos vencimentos dos seus respectivos cargos.

Daí resulta uma desigualdade de tratamento, visto que os primeiros são obrigados a estar aqui permanentemente e os segundos estão isentos do dever de comparecer nos seus empregos com o pretexto de terem de vir ao Parlamento, e não precisam vir ao Parlamento quando, porventura, tenham optado pelos vencimentos dêsses empregos. Se todos recebessem os seus honorários unicamente pela Câmara, se todos, quanto ao regime de faltas, estivessem abrangidos pelas mesmas sanções, creio bem que não se dariam muitas das faltas de número que aqui se verificam.

Não vale, porém, a pena estar a embrulhar questões, todas elas interessantes, todas elas devendo merecer a nossa atenção, porque isso é prejudicar a questão principal, e, quanto a esta, são neste sentido as afirmações de todas as figuras marcantes que aqui têm assento:

"O Parlamento, só quiser estar à altura da confiança que o país nele depositou, tem de discutir e votar os orçamentos a bem, só a bem de uma escrupulosa administração pública".

Nestes termos, Sr. Presidente, vou mandar para a Mesa uma proposta concretizando o meu ponto de vista e, porque não desejo que de qualquer lado da Câmara possa sair a insinuação, até com carácter amistoso, de que estou fazendo um serviço a êste ou àquele partido, porque unicamente tenho a intenção de cumprir o meu dever de parlamentar, devo dizer que não me importa que seja esta a solução adoptada. Quero, sim, uma qualquer que atinja êste objectivo: é que, tendo já sido enviados para a Mesa alguns dos pareceres sôbre os orçamentos, imediatamente entremos na sua discussão e votação.

Lembre-se V. Exa. de que entre o conjunto de disposições regimentais em

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vigor há uma de que, estou certo, a Câmara relevará o não cumprimento, já que por vezes ela tem feito olhos tam mortos a respeito de outra que seria de exigível discussão. Refiro-me à que impõe que haja uma discussão de generalidade dos orçamentos só quando na Mesa se encontrem todos os pareceres.

Se, porventura, pusermos de parte essa disposição e correspondermos ao bom desejo da comissão do Orçamento, apreciando e votando os pareceres já enviados para a Mesa sôbre os orçamentos dos Ministérios do Interior e Estrangeiros, estou certo de que prestaremos um óptimo serviço ao país.

Peço a V. Exa. para a minha proposta b melhor da sua atenção e, para que se não diga que ela tem o intuito de atirar para o rol do esquecimento com algumas das questões que estão postas, peço ainda a V. Exa. que ela fique na sua mão, com o requerimento que ora lhe faço de urgência e dispensa do Regimento, para quando V. Exa. entender oportuno submetê-la à apreciação da Câmara.

Tenho dito.

O orador não reviu.

É lida na Mesa e admitida a proposta do Sr. Manuel José da Silva, concebida nos seguintes termos:

A Câmara dos Deputados, procurando não faltar ao cumprimento dos seus deveres para com a nação; tendo no devido respeito a disposição do n.° 3.° do artigo 26.° da Constituição;

Ponderando os inconvenientes que resultam para a administração pública de se não votar o Orçamento Geral do Estado dentro dos prazos constitucionais;

É verificando ser avultado o número de questões interessando a economia nacional, sôbre as quais o Congresso tem de se pronunciar dentro de curto prazo:

Reconhece a necessidade da adopção de providências especiais quanto aos seus processos de trabalho no sentido de evitar que sejam proteladas as soluções que do Parlamento dependem e a nação ansiosamente espera; e, assim,

Resolve manifestar perante o venerando Presidente da Câmara o seu desejo de que, nos termos da alínea c) do n.° 8.° das alterações ao Regimento, aprovadas na sessão de 12 de Maio de 1922, sejam

marcadas sessões nocturnas ou matutinas, com a duração de quatro horas, sem chamada, a não ser para efeitos de faltas, e nos termos do Regimento, destinadas exclusivamente à discussão e votação do Orçamento. - Manuel José da Silva -Domingos António de Lara-Artur da Cunha Araújo - José Rosado da Fonseca - Custódio Lopes de Castro - Artur Saraiva de Castilho.

É pôsto à votação o requerimento do Sr. Manuel José da Silva, sôbre a urgência e dispensa do Regimento para a sua proposta.

O Sr. Vitorino Guimarães (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: na verdade, é preciso que a Câmara tome providências rápidas a fim de que se inicie a discussão dos orçamentos, o mais tardar, em 1 de Março. Como, porém, achamos mau precedente estar a interromper assuntos em discussão, peço a V. Exa. que consulte a Câmara no sentido de que a urgência e a dispensa do Regimento para a proposta do Sr. Manuel José da Silva seja concedida para quando terminar o actual debate sôbre o abastecimento de trigos.

O orador não reviu.

O Sr. Manuel José da Silva (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: não tenho nenhuma dúvida em aceitar a plataforma posta pelo Sr. Vitorino Guimarães, porque, de facto, a sua intenção se irmana absolutamente com a minha. Não quero prejudicar qualquer debate de reconhecida importância e sou o primeiro a reconhecer a do que se está fazendo sôbre trigos. Assim, estou de acordo com a modificação proposta por S. Exa.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: é já facto que a experiência tem confirmado que uma proposta, como aquela que foi apresentada pelo Sr. Manuel José da Silva, visando a restringir os direitos dos Deputados na discussão do diploma mais importante da administração do Estado, só consegue perturbar ainda mais a boa marcha dos trabalhos parlamentares, obrigando-nos a perder tempo. S- Exa. declarou também que queria ver discutidos já

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os orçamentos dos Ministérios do Interior e dos Estrangeiros.

Eu tenho a dizer simplesmente que o Orçamento é um diploma da maior importância, mas que é absolutamente necessário discutil-o com seriedade.

E não é trabalhar com seriedade o fingir, como se tem feito, que se discute o Orçamento, analisando retalhos dele a propósito dum qualquer Ministério. Quem quere discutir a sério um orçamento discute primeiro o Orçamento Geral das receitas ...

O Sr. Manuel José da Silva: - V. Exa. dá-me licença? Desejava que V. Exa. me dissesse qual é o país do mundo em que se discute primeiro o Orçamento das receitas?

O Orador: - Em quási todos! Mas há mais:

O Sr. Afonso Costa, nesta casa do Parlamento, tanto no tempo da monarquia, como no da República, sempre defendeu êsse princípio, como não podia deixar de ser. O que é um Orçamento? Uma previsão de contas. Ora, como é que se pode discutir o que há a gastar não sabendo a importância de que se pode dispor?... Êste é que é o bom princípio e o resto é uma comédia, em que não colaboraremos.

O Sr. Vitorino Guimarães: - V. Exa. dá-me licença? Êsse princípio tem sido defendido talvez por dar uma maior facilidade de discussão parlamentar; mas permita-me V. Exa. que lhe diga que, sob o ponto de vista da técnica financeira, é uma heresia. Um país que se administra bem, primeiro trata de saber o que tem a gastar. A boa teoria é, portanto, a de que a discussão do Orçamento das receitas se faça depois de discutido convenientemente o das despesas.

O Orador: -Não apoiado! V. Exa. segue um princípio que está de acordo com uma afirmação feita pelo Sr. Ministro das Finanças, a de que havia uma herança que paga para o Estado, só de contribuição de registo, mais de 20:000 contos. E o Sr. Soares Branco, em àparte declarou que ela devia pagar mais de 40:000 É isto que representa o aniquilamento completo da fortuna nacional e da matéria colectável, que V. Exa. defende. O Sr. Vitorino Guimarães entende que se devem cobrar tantos impostos quantos os indispensáveis para a loucura das despesas do Estado. É a inversão completa dos princípios que devem nortear a administração do Estado!...

O Sr. Manuel José da Silva: - V. Exa. dá-me licença? Ou reconhecemos a necessidade do Estado organizado ou não. Se a reconhecemos, temos de avaliar o montante do quantum indispensável para a sua manutenção, em harmonia com as exigências taxativas, categóricas da nação, indo depois pedir ao país os recursos precisos para lhos fazer face!

O Orador: - Então V. Exa., dono de uma casa comercial, para calcular as despesas que pode fazer, não deve, porventura, ir primeiro saber as receitas com que pode contar? Se o não fizer, V. Exa. não inverto os bons princípios da administração?

Não havia casa comercial capaz de resistir perante essa administração que V. Exa. e o Sr. Vitorino Guimarães preconizam.

Sr. Presidente: dito isto, peço a V. Exa. que, defendendo o prestígio do Parlamento, não consinta que aqui se represente uma comédia, votando-se retalhos de um Orçamento, quando é certo que a proposta orçamental é uma e tem de principiar a discutir-se na generalidade.

Para terminar, afirmo mais uma vez a V. Exa. que êste lado da Câmara não se associará a qualquer comédia dessa natureza que se pretenda representar na discussão do Orçamento Geral do Estado.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: - Eu pedi a palavra apenas para agradecer comovidamente a V. Exa. e à Câmara o voto de sentimento aqui aprovado por ocasião da morte de meu pai.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: -Vai votar-se o requerimento do Sr. Manuel José da Silva. Os Srs. Deputados que aprovam a urgência e dispensa do Regimento para a pro-

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posta do Sr. Manuel José da Silva, com a restrição que propôs o Sr. Vitorino Guimarães, tenham a bondade de levantar-se.

É aprovado o requerimento, em prova e contraprova, requerida pelo Sr. Carvalho da Silva, por 52 votos contra 23.

Admissões

Projectos de lei

Do Sr. António Pereira Forjaz, modificando, mediante a multiplicação por determinado coeficiente, as propinas a pagar nos estabelecimentos de ensino.

Para as comissões de instrução primária, instrução secundária, instrução superior e instrução especial e técnica, conjuntamente.

Do Sr. Alberto Jordão, dando a classificação de chefes de repartição aos chefes dos armazéns gerais industriais criados pelo decreto n.° 783 de Agosto de 1914 e reorganizados pelo n.° 4:626 de Julho de 1918.

Para a comissão de administração pública.

Do Sr. Agatão Lança, sôbre contagem de tempo de serviço aos empregados que o prestaram nos antigos Paços e são hoje funcionários do Estado.

Para a comissão de administração pública.

Do Sr. Rafael Ribeiro, autorizando o Govêrno a reorganizar os quadros dos Ministérios, suas dependências e serviços autónomos.

Para a comissão de administração pública.

O Sr. Presidente:-Vai entrar-se na

ORDEM DO DIA

Continua a discussão sôbre a interpelação do Sr. Rosado da Fonseca ao Sr. Ministro da Agricultura, relativa à importação de trigo exótico pela Manutenção Militar.

O Sr. Aboim Inglês: - Sr. Presidente: dizia eu ontem que a Manutenção Militar tinha comprado ilegalmente o último carregamento de trigo e que ilegalmente
também tinha dele disposto. Isto ficou plenamente provado com a discussão que aqui se estabeleceu em torno da interpelação do Sr. Rosado da Fonseca.

O Sr. Ministro da Agricultura documentou esta afirmação de tal maneira que o Sr. Ministro da Guerra ficou numa situação que, politicamente, poderemos dizer que não é muito para desejar. Efectivamente, a documentação do Sr. Ministro da Agricultura desfez completamente as afirmativas que o Sr. Ministro da Guerra anteriormente fizera.

Houve um outro ponto que também ficou provado e que é deveras para lamentar.

Na resposta a um oficio do Ministério da Agricultura, de 4 do Fevereiro, a Manutenção Militar fugiu a declarar a quantidade de trigo dêsse embarque, sôbre que devia inculta a diferencial, com a desculpa de que esperava do Ministério da Guerra a nota de qual a quantidade de trigo necessária para o exército.

Ora a verdade é que quando em 4 de Fevereiro se escreveu êsse ofício, já a Manutenção Militar sabia a quantidade do trigo que lhe sobrava e a prova disso é que tinha vendido grande parte da farinha do trigo importado. De maneira que êsse ofício foi escrito de má fé. Isto é impróprio dum estabelecimento oficial como é a Manutenção Militar.

Também ficou provado que a Direcção da Manutenção Militar não é boa administradora.

Abrir um concurso para comprar trigo exótico, num momento em que se sabia que o seu preço ora o mais elevado, dizer que não queria os preços que lhe ofereciam e ir comprar depois, à porta fechada, por preço superior, pode ser bom para uma casa particular, mas para um estabelecimento público não.

Devo declarar a V. Exas. que ponho acima das minhas palavras a honorabilidade da Direcção da Manutenção Militar. Tenho os seus directores na conta de homens honestos e portanto... o seu a seu dono. Condeno os processos, mas não posso pôr em jôgo a honorabilidade de pessoas por quem tenho o maior respeito.

Êstes processos de administração não são próprios dum estabelecimento do Estado.

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Já ontem me parece ter demonstrado o quanto a acção da Manutenção Militar, com relação à compra de trigo feita no Alentejo por um preço maior que o da tabela e tudo quanto se seguiu a isso, teve de impróprio de um estabelecimento do Estudo.

Os estabelecimentos oficiais têm obrigação de procurar aumentar a confiança da lavoura nas estâncias oficiais. E justamente o que a Manutenção Militar consegui, com êsse modo de agir, foi que aqueles que não queriam vender às estâncias oficiais continuem cada vez mais agarrados a êsse êrro.

Há uma idea em relação à Manutenção Militar que eu entendo que deve ser desfeita. Ela, mesmo nos tempos da sua utilidade, não foi mantida para fazer concorrência á indústria particular.

Apoiados.

Vivemos num regime em que, infelizmente, o Estado é o pior concorrente da indústria particular que há em Portugal.

Desculpe-me o Sr. Ministro da Guerra que eu irise um ponto que julgo muito criticável na administração pública. Não compreendo como o Arsenal do Exército, como o Parque Automóvel e tantos outros estabelecimentos do Estado estejam a fazer uma concorrência desleal à indústria particular, obrigando-se os particulares a pagarem contribuições exaustivas com que não podem. Se o Sr. Ministro das Finanças fôr ver a relação das contribuições que estão neste momento para relaxe, verá que não é sem perigo que o Estado assim procede.

Isto sucede justamente com a Manutenção Militar.

Um dos ilustres oradores que me antecederam fez referência ao grande número de fábricas de moagem que há no país. lios, portugueses, temos ainda a noção defeituosa do "8 ou 80".

Não tínhamos fábricas de moagem bastantes para o nosso trigo. Pois bem: hoje temos fábricas para moer o trigo necessário para Portugal, para Espanha e talvez para a Europa inteira. A Manutenção Militar veio agravar esta situação, porque não precisava ter instalações para 300:1100 quilogramas por dia.

O êrro cometeu-se e agravou-se de tal maneira que, se formos ver a parcela de riqueza pública que em Portugal é absorvida por fábricas de moagem, encontramos uma quantia pavorosa.

A Manutenção Militar veio agravar êste mal e ainda o torna maior pela concorrência desleal que faz à moagem particular.

Não se julgue que estou aqui a defender quaisquer sindicatos ou quaisquer moageiros. Eu só estou a defender a razão, a justiça e a economia nacional.

A propósito da discussão travada à volta da interpelação do Sr. Rosado da Fonseca, o Sr. Presidente do Ministério declarou que a Manutenção Militar podia fazer isso à custa dos seus ganhos.

Quando se dizia que a Manutenção Militar ganhava muito dinheiro, S. Exa. disse que era a única forma de fazer face aos créditos cedidos aos estabelecimentos de beneficência e às várias unidades do exército, visto que apareciam 13:000 contos de dívidas que eram cobertos pelos seus ganhos.

Também se disse que a Manutenção Militar não tinha nenhuma verba no Orçamento do Estado.

Todas essas declarações deram-me uma impressão muito triste. Deram-me a impressão de que é fácil abrir a boca e deixar sair números, sem pensar no que se diz e sem haver a preocupação de verificar de onde vêm os ganhos.

O Sr. Pires Monteiro: - O Sr. Ministro da Guerra disse que os créditos da Manutenção Militar, em relação às diversas unidades do exército, eram de 13:000 contos...

O Orador: - Eu refiro-me ao que disse o Sr. Presidente do Ministério.

Por eu estranhar êsse dizer é que faço ao caso referência. Houve uma grande facilidade em dizer, aqui, cousas que só denotam falta de conhecimento. Por isso mesmo eu já disse que havia recolhido da discussão feita a impressão de que só o Sr. Ministro da Agricultura estudou o assunto da interpelação do Sr. Rosado da Fonseca. Foi só S. Exa. quem nos trouxe provas e documentos. Os restantes procuraram desculpar-se como melhor puderam fazer na ocasião, o que foi mau, porque afinal não se sai assim do debate em condições que nos honrem.

Deu-se até um caso nunca visto no

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Parlamento, qual foi o de se haver travado discussão entre os próprios Ministros da Guerra e da Agricultura que estiveram em contradição. É um caso novo! Mas como já sou velho tenho visto muita cousa...

Não forçarei pois essa tecla. Outros que a toquem.

Disse-se que a Manutenção Militar não tinha verba no Orçamento do Estado e que, portanto, era uma benemérita instituição que, sem essa verba. ganhava o bastante para ter 13:000 contos de créditos em casas de beneficência e em várias unidades do exército, como sé fôsse possível haver ganhos sem se darem prejuízos.

Para alguém ganhar ô preciso que alguém perca.

Vamos a ver quem são os consumidores da Manutenção Militar. São as unidades do exército e os estabelecimentos de beneficência.

Quem paga a essas entidades?

Não será o Estado?

Donde vem o dinheiro?

Não vem do Orçamento?

Vem do Orçamento. Dizer-se, então, que a Manutenção Militar não tem verba no orçamento não traduz um facto. Não! A Manutenção Militar tem vivido, vivo e há-de viver do Orçamento.

A afirmação em. contrário é só para inglês ver.

Tem-se dito também, e, ainda há pouco mo afirmaram, que a Manutenção Militar tem uma vigilância exercida pelos vários conselhos de administração, que quando lhes convém compram noutro feitio.

Só quem desconhece o regime de calote em que, infelizmente, se vive é que pode fazer disso argumento.

Os estabelecimentos pios o de beneficência ainda agora têm em dívida 13:000.0005 à Manutenção Militar. Quero dizer: foram pouco a pouco acumulando fornecimentos sem efectuarem o pagamento, até que chegaram à importância de 13:000.000$.

Qual seria o fornecedor particular que ia dar crédito de 13:000.000$ aos estabelecimentos pios?

Conhecem V. Exas. algum? Eu não conheço.

Só isso impõe ao consumidor o dever de não regatear qualidades e, portanto.

a Manutenção Militar, pela circunstância de poder fazer fornecimentos a fiado, no valor de milhares de contos, tem possibilidade de entregar aos seus consumidores toda a porcaria que entenda fornecer com o nome de pão - como se verifica. pela amostra apresentada pelo ilustre interpelante - pois êsses consumidores, que são os estabelecimentos de beneficência e as unidades do exército, não têm outro- remédio senão aceitar o que ela lhes fornece, visto que é a fiado e nessas condições não arranjam outro fornecedor.

Nestes termos demonstrado fica que não tem valor o argumento de que os vários conselhos de administração fazem a fiscalização.

Ainda por último a Manutenção Militar prejudica a indústria particular, porque esta não fabricando bom, dentro da competência que existe, não encontra compradores, ao passo que a Manutenção tem os seus fregueses assegurados.

Há ainda o capital fixo dessa grande emprêsa que foi, creio, primitivamente de 5:000.000$ que, com a diferença dos câmbios de hoje para os de então, representa 100:000.0003.

Que juro venceram?

Que amortização tiveram?

Nada.

Foi um capital que morreu e que estai dando os seus resultados, mas ninguém vai à busca da sua amortização nem dos seus juros.

Estabelece-se no orçamento do Ministério da Guerra que haja nas várias unidades 5:000 homens que vencem a tanto por cabeça e tanto de rancho; mas eu não sei se há exemplos do que um ano passasse sem haver um reforço de verba, apesar de nas unidades não haver tanta gente.

Ora êsse reforço de verba porque é?

Porque o dinheiro não chega.

Os preços subiram? Mas as cabeças deminuíram.

O próprio Sr. Ministro da Guerra declarou que nas unidades não há tantos homens como se marca no orçamento.

Porque serão então essas diferenças?! Não serão a consequência de excessos de preços?

Isso não vai parar para a Manutenção Militar?

No que toca a forragens e a solípedes,

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há sempre o mesmo caso, mas não quero fazer referência a essa questão.

Nunca chega o dinheiro. Há sempre ampliações de verbas do orçamento.

Também uma parte dessas diferenças não irá para a Manutenção Militar?

Mas chegamos a um resultado que era de prever. Vemos o Estado comprar e vender a si próprio e depois diz-se que há lucros à custa do próprio Estado. Mas afinal, se a Manutenção arrendasse as suas fábricas à indústria particular e se fôsse possível abastecer as várias unidades por concurso público sério, parece-me que o Estado ganharia com isso.

Mas eu não me atrevo a pretender converter o Sr. Ministro da Guerra à minha teoria de arrendar as fábricas da Manutenção Militar, porque seguramente S. Exa. me dirá que se trata de um estabelecimento modelar, que é necessário manter. Que já tem prestado bons serviços e que é possível que em qualquer eventualidade venha a prestá-los ainda.

Mas eu já disse, aqui, ontem, a S. Exa. que os seus pontos de vista militaristas são diversos dos que eu tenho e, portanto, poderá ser que a razão esteja do lado de S Exa. Ou encaro a maneira por que o Estado possa gastar menos do que gasta actualmente por moio da Manutenção Militar.

Mas esta questão é ama questão de princípio e o defeito que apontei é um defeito de origem, é um defeito de organização que não podemos remediar dum momento para outro.

O Sr. Ministro da Guerra disse, quando respondeu às referências aqui feitas ao estado péssimo do pão fornecido às unidades, que se a Câmara lho votasse uma maior quantia, muito gosto teria com isso, porque já poderia melhorar a qualidade do pão; e disse que a falta de dinheiro no exército era de tal ordem que alguns oficiais comiam êsse pão, porque não podiam comprar melhor.

A afirmação de S. Exa. é grave e denota que aqueles que servem a nação não têm a paga que deviam ter.

Sou civil e tenho a orientação de não querer o predomínio da classe militar, mas entendo que aqueles que são militares devem ganhar o bastante para não comerem o péssimo pão que no outro dia o Deputado interpelante aqui apresentou, e também
sou de opinião de que se reduza o supérfluo que há na fôrça armada.

Estas afirmações deram aso a que eu fôsse ver a quanto monta o orçamento que V. Exa. apresentou e fiquei apavorado ao reconhecer que o orçamento para 1926-1927 trazia o seguinte:

Leu.

V. Exa. declarou que não tinha soldados para os quadros, que não tinha cavalos, que não tinha material; emfim que não tinha nada.

Então com uma verba destas, como é que não chega para dar melhor pão ao soldado?

Provavelmente o orçamento não chegará, e será necessário reforço de verbas.

Gasta-se com a fôrça armada, exceptuando a polícia, 472:000 contos, assim discriminados:

Leu.

Qual é a nação do mundo que em relação às suas receitas tem uma despesa tam grande com a fôrça armada?

E depois disto declara-se que não temos nem exército nem armada!

Isto não pode ser e V. Exa., Sr. Ministro, que é uma pessoa inteligente e de muito valor, certamente que não quere tornar-se cúmplice nesta situação.

E preciso que se tenham a coragem de encarar as cousas de frente e traga V. Exa., em vez de números, as medidas necessárias para que isto se modifique.

Porque não se manda fechar o Colégio Militar e a Escola de Guerra, afim de não se fabricarem mais dêstes infelizes que têm de comer o pão do soldado?

Eu bem sei que S. Exa. pela sua orientação não pode estar de acordo comigo, mas permita-me que eu lhe diga ainda mais alguma cousa.

Há pouco tempo encorporaram-se milhares de recrutas e como não havia espingardas foi necessário fazer concentração.

Licenceiem êsses homens e mandem-nos para casa e façam o mesmo a uma grande parte de oficiais que tenham outro modo de vida, mas não se continue com o espectáculo de se gastarem verbas fabulosas e de se reconhecer que não temos exército nem armada.

Disse S. Exa. que os exércitos permanentes pertencem ao passado.

Então vêm V. Exas. dar razão às mi-

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nhãs afirmações de que o exército miliciano era necessário.

Por que não havemos de ter um exército miliciano como a Suíça?

Para que havemos de ir buscar à Suíça outros exemplos maus como êsse ignóbil imposto de taxa militar, e não havemos de ir lá buscar salutares exemplos?

Nós temos também, além do exército continental, de ter o exército colonial.

Mas isso não entra no que estamos aqui a dizer.

Há necessidade de modificar esta enormidade de orçamento.

Se S. Exa. encontra outra maneira de obviar a esta despesa de 500:000 contos, sem que haja um exército de milícia, então sim.

Mas nós não podemos continuar com um orçamento desta natureza, vindo ainda S. Exa. dizer que é preciso mais dinheiro para poder dar melhor pão ao soldado.

Precisamos deminuí-lo seriamente em alguns milhares de contos, de forma que chegue para as necessidades de um pequeno exército.

Sr. Presidente: sem querer, derivei para outro ponto; e eu disse não querer prolongar muito o meu discurso.

Desculpe-me V. Exa. e a Câmara.

Vou porém terminar.

Repito: não podemos conseguir que a Manutenção Militar entre no seu papel?

Tinha tenção de propor o seu arrendamento; mas a minha intenção neste momento é condenar a desorientação em que se vive, e ao mesmo tempo ver se se evita a repetição de factos ilegais.

Se S. Exa. o Sr. Ministro da Guerra não puder fazer entrar a Manutenção Militar no bom caminho, pense no arrendamento.

Creio ser qualquer cousa, um alvitro que se não deve desprezar.

Tenho dito.

O Sr. Ministro da Guerra (José de Mascarenhas): - Sr. Presidente: começo por agradecer ao Sr. Aboim Inglês as amabilidades que me dirigiu na sua interpelação, e tomei nota das palavras de S. Exa. e dos seus argumentos relativamente à Manutenção Militar.

S. Exa. disse que a Manutenção Militar não tinha autorização para fazer a importação que fez. Eu continuo a sustentar que a Manutenção Militar tinha autorização para isso, porque não há lei nem decreto, absolutamente algum, que lho impeça fazer.

Fê-lo ao abrigo da lei n.° 1:554.- Podia importar até 24:000 toneladas de trigo. No diploma regulando a Bolsa Agrícola não se fala, nem se podia falar, na Manutenção Militar.

E um decreto do Ministério da Agricultura, e por emquanto a Manutenção Militar está subordinada ao Ministério da Guerra. E um estabelecimento militar.

O Sr. Aboim Inglês: - Mas V. Exa invocou o decreto.

O Orador: - O que é facto é que nada está aqui em referência à Manutenção Militar.

Não podia deixar de importar, como importou, 24:000 toneladas, visto que os depósitos da Manutenção Militar se achavam exaustos.

Tinha 30:000 homens a quem dar de comer, e desde que tinha autorizarão para fazer a importação, fê-la.

Declarei à Bolsa Agrícola que ia importar.

O Sr. Ministro da Agricultura tanto reconheceu êsse direito que foi êle próprio que em 19 de Janeiro se dirigiu à Manutenção Militar pedindo que lhe dêsse trigo exótico, lhe fornecesse 74:000 toneladas.

E o próprio Sr. Ministro da Agricultura que reconhece êsse direito.

Eu não vinha munido de documentos porque a parte que interessava ao Ministro da Guerra era só sôbre se a Manutenção Militar cumpria ou não. Nada me interessava se havia prejuízo para os agrários, para a moagem.

Hoje, porém, para satisfazer V. Exas., venho munido de documentos.

A Manutenção entra por sua livre vontade no rateio, não faz concorrência a ninguém.

A Bolsa Agrícola pede para a Manutenção entrar no rateio. Com os que não dão ao manifesto não tem a Manutenção Militar nada; depois compram no mercado mais barato ou mais caro.

Ainda nenhuma entidade oficial protestou.

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Por esta série de guias, que aqui tenho, prova-se que o prazo foi prorrogado, para todos, até 31 de Janeiro, e, portanto, só não mandaram o trigo foi porque não quiseram. A Manutenção Militar é que não podia estar à espera de que passassem as chuvas.

O Sr. Aboim Inglês: - Isso, que a V. Exa. parece uma cousa insignificante, é o suficiente para não se poder dar um passo.

O Orador: - Disso mais S. Exa. no último dia, e creio que hoje repetiu a mesma afirmação, que o concurso não tinha obedecido a todas as praxes legais, já ainda uma má informação que foi dada a S. Exa.

Como V. Exas. sabem, a Manutenção Militar tem um agente em Bruxelas; êsse agente prometeu fornecer a melhor farinha a 291 e a 300 xelins.

Como se demorasse a importação do trigo exótico, o resultado foi êste é que, quando se fechou o concurso, êsse agente respondeu de ]á com um telegrama dizendo que já não podia fornecer a farinha.

A seguir foi se a outra entidade que fornecia mais barato, o Sr. Manuel José da Silva, e foi a êste senhor que foi adjudicado o fornecimento. Havia mais barato, mas eram farinhas de inferior qualidade.

A adjudicação foi feita em presença de cartas abertas perante o Conselho da Administração Militar e estando bem patentes as condições do fornecimento.

Disso mais S. Exa. que não se devia comprar agora trigo, pelo facto de os preços estarem altos.

Mas que culpa tem a Manutenção Militar de que a agricultura não fornecesse a tempo o trigo que lho estava distribuído?

O Sr. Aboim Inglês: - Não comprou porque não quis.

Ainda hoje, se a Manutenção quiser comprar...

O Orador: - A Manutenção Militar compra o que a Bolsa Agrícola lhe distribui.

Então êsses indivíduos faltam à lei, querendo só ter direitos o não deveres?

O Sr. Aboim Inglês: - Não têm obrigação nenhuma.

O Orador: - S. Exa. contínua hoje a1 manter a afirmação de que a Manutenção Militar fazia concorrência à indústria particular. Não vejo que assim seja.

O Sr. Aboim Inglês: - Ainda ontem andou no Pôrto um oficial da Manutenção Militar a oferecer farinha a menos $40 cada quilograma.

O Orador: - Porque é que a moagem não faz a mesma cousa que a Manutenção Militar?

O Sr. Aboim Inglês: - Porque paga aos seus operários.

O Orador: -A Manutenção Militar paga. também, e talvez mais. A diferença está em que a moagem ganha muito mais do que devia ganhar.

Disse também S. Exa. que a1 Manutenção Militar pesava no Orçamento.

O Sr. Aboim Inglês: - Indirectamente.

O Orador: - Não pesa indirectamente nem de forma alguma.

A Manutenção Militar funciona como qualquer estabelecimento particular.

Se amanhã mandar fazer pão numa padaria, tenho de pagar êsse pão; na Manutenção Militar acontece a mesma cousa.

Se havemos de pagar a um particular,, pagamos à Manutenção Militar.

O Sr. Aboim Inglês: - O Orçamento de cada unidade tem uma quantia destinada ao pagamento dêsses fornecimentos, mas, como em geral êsse dinheiro não é recebido nos prazos competentes, a Manutenção Militar fia.

O Orador: - Perdão, a Manutenção Militar não fia nada.

Acrescentou ainda S. Exa. que a Manutenção Militar se locupletava com a diferença de rações que sobravam, pelo facto de não haver nas fileiras o número de homens que lá deviam estar.

Ora, se a Manutenção Militar só cobra

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mensalmente das unidades o custo das rações, já vê S. Exa. que as unidades só lhe pagara as rações que fornece.

Essas quantias não chegam, visto que a Manutenção Militar se vê na necessidade de adquirir vários artigos cá fora, cujos preços são variáveis, como S. Exa. muito bem deve saber.

Trocam-se apartes.

O Orador: - Assim, por exemplo, S. Exa. tem as hortaliças e as batatas que são artigos que a Manutenção se vê na necessidade de adquirir cá fora, cujos preços são variáveis, como muito bem se sabe.

Trocam-se àpartes.

O Orador: - Podem S. Exas. ter a certeza absoluta de que a Manutenção Militar tem procedido com toda a legalidade, e disto estou absolutamente convencido, emquanto me não provem o contrário, e até agora ainda não foi aqui apresentado nenhum argumento que me prove que estou em êrro.

Outros assuntos há. Sr. Presidente, que eu me reservo tratar quando aqui se discutir o orçamento do Ministério da Guerra; porém, um há a que me quero referir desde já, se bem que ligeiramente, qual é aquele a que V. Exa. se referiu relativamente ao serviço militar na Suíça.

Disse S. Exa. que nós fomos copiar à Suíça o que era mau, e deixámos o que era bom, como. por exemplo, o serviço militar miliciano.

Devo dizer a S. Exa. a êsse respeito que, se pudéssemos adoptar entre nós o que se faz na Suíça, a êsse respeito, isto é, estabelecer o regime militar miliciano, teríamos de gastar muitíssimo mais do que gastamos.

Podem S. Exas. ter a certeza absoluta de que a verba inscrita no Orçamento não chegaria, o que fàcilmente se compreende, visto que nesse caso ver-nos-íamos obrigados a dar instrução a todos os mancebos que estivessem aptos, despesa que seria muito maior do que é, mas, em períodos curtos e anualmente, teriam de se fazer as escolas de repetição com todas as classes do exército; tinham assim de se chamar, além dos contingentes das fileiras, as dez primeiras classes a prestar as semanas de serviço.

O Sr. Aboim Inglês (interrompendo): - Mas, sendo assim; porque é que a Suíça não gasta com o exército nada que se pareça com o que nós gastamos?

O Orador: - A Suíça nau teve o que nós tivemos: a participação na guerra. A maior parte das desposas do orçamento do Ministério da Guerra dizem ainda respeito à guerra. Se não temos material, é porque o que havia se tem estragado em exercícios e em serviço, e porque outro tem sido vendido. Uma das grandes verbas é a da aviação, que é uma arma nova.

O Sr. Aboim Inglês (interrompendo): - Mas os outros não têm nada disso.

O Orador: - Porque abriram créditos para a compra dêsse material. E ainda nós não temos grandes esquadrilhas, nem tanks nem carros de assalto, etc.

Mas ainda há mais: na verba relativa a pessoal, os encargos com os inválidos e os oficiais milicianos são enormes. E só as promoções, absolutamente desnecessárias, que foram votadas pelo Parlamento anterior, trouxeram um aumento de despesa de 20:000 contos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Eduardo Fernandes de Oliveira: - Sr. Presidente: vou procurar ser o mais breve possível nas minhas considerações, porque não quero que por minha causa êste debate se prolongue por muito tempo. Começo por enviar para a Mesa a seguinte moção:

A Câmara dos Deputados, reconhecendo que o decreto n.º 10:694 retirou à Manutenção Militar a faculdade de intervenção no abastecimento público, faculdade que só lhe pode voltar a ser concedida pelo Ministério da Agricultura, nos termos das leis em vigor, e reconhecendo a necessidade de remeter o referido estabelecimento do Estado ao fim exclusivo do abastecimento do exército e instituições oficiais, como preceitua o artigo 174.° da Organização Geral do Exército, de 25 de Maio de 1911, passa à ordem do dia.

Sala das sessões, 22 de Fevereiro de 1926.- Eduardo Fernandes de Oliveira,

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Em primeiro lugar, e antes de começar a justificar a minha moção, quero dizer ao Sr. Ministro da Guerra, em meu nome pessoal e em nome dos Deputados agrários que aqui representam a União dos Interesses Económicos, que temos por S. Exa., pessoalmente, e pelo alto cargo em que está investido, o maior respeito e a maior consideração.

Apoiados.

Nós, Deputados agrários, temos pelo "exército e pela fôrça armada o maior culto; empregarei mesmo uma frase que já ouvi aqui êste ano a um Sr. Ministro, creio que o da Agricultura: "que o exército deve ser o expoente máximo das virtudes da raça". Ora é isso, justamente, o que nós queremos que êle seja. O exército devo ainda ser uma instituição dignificada e um exemplo constante de ordem, de disciplina e de espírito do sacrifício.

Prestada, portanto, a homenagem dêste lado da Câmara às instituições militares, e, porque um dos estabelecimentos dessas instituições faltou ao respeito pela lei, é que nós chamamos a atenção do Sr. Ministro da Guerra para que só não tornem a repetir factos desta natureza.

Sr. Presidente: na moção que mandei para a Mesa começo por afirmar que a importação dos 7 milhões feita em Janeiro último pela Manutenção Militar foi ilegal.

A demonstração disto já foi brilhantemente feita pelos oradores que me precederam, não me tendo convencido as explicações dadas pelo Sr. Ministro da Guerra.

Está dentro da boa doutrina a exposição feita pelo seu colega da Agricultura, relativamente do decreto n.° 10:664, que está em vigor, e sôbre a sua interpretação creio que não pode, nem deve, haver dúvidas.

Não insisto, Sr. Presidente, sôbre êste ponto, porque, repito, está provada a ilegalidade praticada pela Manutenção Militar com a demonstração já feita pelos oradores que me precederam, incluindo a do Sr. Ministro da Agricultura. Mas afirmo mais que essa interpretação, além de ilegal, foi inoportuna por desnecessária, em face da declaração feita pelo Sr. Ministro da Guerra de que a Manutenção Militar tinha nessa altura compras feitas de trigo nacional na quantidade de 3 milhões de quilogramas.

Sr. Presidente: alegou o Sr. Ministro da Guerra que a Manutenção Militar tinha dificuldades em mandar vir êsse trigo por falta de transportes; mas eu quero crer que com um pouco de boa vontade os teria conseguido.

Apoiados.

Devo referir-lhe, Sr. Presidente, e à Câmara, um exemplo de quanto pode a boa vontade, quando ela é sincera e as circunstâncias o impõem.

Quando o ilustre professor Sr. Azevedo Gomes tomou em Dezembro de 1924 conta da pasta da Agricultura, encontrando-se sem farinha para fornecer Lisboa, conseguiu, com a tal boa vontade a que mo referi e com o auxílio patriótico que lhe prestaram os directores dos caminhos do ferro, que convergem a Lisboa, trazer em poucos dias para Lisboa muitos vagões com trigos, que a também então alegada dificuldade de transportes retinham nos centros produtores.

Já vê, portanto, a Câmara que se a Manutenção Militar tivesse-a mesma "boa vontade" teria conseguido que pelo me nos uma grande parte dêsses 3 milhões de quilogramas de trigo viessem para Lisboa em curto prazo.

Não quero insistir mais sôbre êstes pontos da ilegalidade e da inoportunidade da importação porque quero passar a referir-me à acção da Manutenção Militar sôbre o mercado do trigo, para afirmar que ela tem sido, por vezes, antipática, perturbadora e perniciosa. Haja em vista o que se passou durante o período da guerra, em que ela se prestou a ser o agente executor das maiores extorsões feitas aos lavradores, vítimas de violentas requisições, factos que não podemos esquecer.

Apoiados.

Refiro-me ao tempo em que era mais perigoso para a segurança pessoal dos produtores ter trigo nos celeiros do que explosivos, como ainda ontem aqui referiu o Sr. Aboim Inglês!

Passo agora a referir-me à sua acção perturbadora no mercado dos trigos.

Êste ano, no começo da colheita, supôs toda a gente que estávamos em face de uma grande colheita de trigo, e que o déficit seria quási nulo. Em vista desta informação que corria mundo em Portugal os industriais da moagem, começada a

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colheita, principiaram a fazer grandes compras, procurando assim adquirir, como é natural, o máximo de matéria prima para as suas fábricas. Excederam-se demasiadamente nessas compras, indo além das suas possibilidades financeiras, o que deu em resultado que em determinada altura se encontrassem impossibilitados de satisfazer uma grande parte dos compromissos tomados, visto que lhes faltou o crédito bancário com que contavam. Viu-se então, de repente, a moagem obrigada a parar as compras. Êste facto trouxe uma gravíssima perturbação nos negócios do trigo.

Também no começo da colheita a Manutenção Militar concorreu à compra de trigo no mercado livre, mas fê-lo por uma forma condenável, porque lhe não era lícito fazê-lo e porque veio trazer a desorientação a êsse mercado. Começou por comprar trigo por preços superiores aos da tabela, para mais tarde o passar a fazer por preço inferior, aproveitando-se do pânico o das grandes baixas que resultaram da suspensão brusca das compras, motivada pelas razões atrás expostas.

Quere dizer, foi um estabelecimento do Estado a concorrer, com o seu desrespeito pela lei para estabelecer o caos e a confusão!

Para obviar a êste estado do cousas D Sr. Ministro da Agricultura procurou por várias vezes os dirigentes da lavoura organizada para lhes pedir que fizessem a propaganda do manifesto.

E a isso respondiam-lhe que tal não poderiam fazer, sem que S. Exa. garantisse aos manifestantes que o trigo que fôsse, em virtude do manifesto, distribuído às fábricas, que alegavam não ter dinheiro, lhes seria pago.

O Sr. Tôrres Garcia, que nessa ocasião era Ministro das Finanças, no sincero intuito de servir a economia do país -e folgo poder, nesta ocasião e dêste lugar, prestar-lhe, em nome da lavoura, os nossos agradecimentos - arranjou solução para o caso. procurando e obtendo no crédito particular com o aval do Estado uma quantia que atingiu cêrca de 12:000 contos, e com a qual habilitou a Bolsa Agrícola a pagar de pronto todo o trigo manifestado, procurando assim levantar o crédito da lavoura no manifesto.

Q descrédito do manifesto e das leis começou desde que se estabeleceu o regime do "pão político", e acentuou-se extraordinariamente quando o ano passado a moagem se negou claramente a pagar os trigos manifestados e o Ministério da Agricultura não quis ou não teve fôrça para a obrigar a êsse pagamento. Oxalá que para êste ano o Sr. Ministro, com a mesma boa-vontade, consiga e obtenha os meios necessários para que os seus esfôrços sejam coroados de êxito.

Sr. Presidente: não quero deixar dê levantar uma afirmação feita ontem aqui pelo ilustre Deputado e meu amigo Sr. Soares Branco. S. Exa., quando falava o Sr. Aboim Inglês, disse que nós estávamos a defender os interêsses da grande moagem.

Ora eu devo dizer que nós aqui defendemos os interêsses legítimos seja de quem fôr. e o Sr. Soares Branco sabe muito bem que somos insuspeitos nessa defesa porque os lavradores e a moagem não fazem boa liga; somos, permitam-me a expressão, como "o cão e o gato".

O Sr. Soares Branco (em àparte): - Não sabia.

O Orador: - Sabe-o toda a gente, e V. Exa. também, e até o sabe por tradição de família!

O Sr. conselheiro João Soares Branco, que foi um dos mais distintos ornamentos desta Câmara e que tam relevantes serviços prestou no antigo Mercado Central dos Produtos Agrícolas, e em tantos outros departamentos de serviço público no tempo da monarquia, que alcançou a cadeira de Ministro da Fazenda, no tempo em que a craveira para Ministro era bem mais elevada do que hoje, é o parente a que V. Exa. a ontem se referiu. Pregunto V. Exa. a seu tio, e verá que êle lhe confirmará que sempre a moagem e o lavrador nunca, fàcilmente se entenderam, e se eram ou não como "o cão e o gato".

Mas, Sr. Presidente, não é a grande moagem, que é a maior vítima da Manutenção Militar; é principalmente a média e a pequena moagem, e vou explicar a razão.

A Manutenção Militar, por exemplo, com êste carregamento último de 7 milhões do melhor trigo do mercado, pode tirar dele 52 de esplêndida farinha de 1.ª e 26.

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de magnífica farinha de 2.ª, pois trata-se de um trigo de 83 quilogramas de pêso específico, cuja extracção pode ir até 83, num diagrama feito para trigo de 78.

Supondo que a Manutenção tem uma -capacidade de laboração de 260:000 quilogramas diários, dispôs, pelo menos, de 104:000 quilogramas diários de farinha de 1.ª, isto é, a bastante para ser absorvida pelo consumo de todas as padarias independentes de Lisboa, que constituem a clientela com que pode contar a média e pequena moagem, que não tem padarias, que ficaram assim na impossibilidade de colocar as suas farinhas de 1.ª, extraídas de trigos menos finos que o Manitola n.° 1, tanto mais que a concorrência que lhes faz a Manutenção não é só na qualidade, mas no preço.

Ainda há pouco eu fui aqui informado, nesta Câmara, pelo ilustre Deputado da maioria, o Sr. Baptista da Silva, que um major da administração militar andou pelo Pôrto e pelo norte a oferecer farinha de 1.ª por menos $40 em quilograma que o preço da tabela. E isto defensável? Pode-se admitir que um estabelecimento do Estado, que tem mão de obra barata, que não tem capitais a remunerar, que não paga contribuições, falseando a sua missão, desrespeitando a lei, fazendo preços fora das tabelas decretadas, faça assim uma tam desleal concorrência a uma indústria, que o Estado tem obrigação de defender e não de atacar, quanto mais não seja para que ela possa pagar os pesados tributos que lhe exigem?

Não pode ser! Não deve ser!

No cortejo, que, sem querer, ia a chamar carnavalesco, o cortejo da rainha dos mercados, a Manutenção Militar exibiu também um carro em que dizia num grande letreiro que era fornecedora de farinhas, pão, massas e biscoitos ao exército, hospitais, asilos, etc., etc.

Os etc., etc., referiam-se às padarias!

A grande moagem, Sr. Soares Branco, tem as suas padarias próprias que lhe consomem a farinha de 1.ª e V. Exa. sabe que é na farinha de 1.ª que a moagem encontra a compensação dos prejuízos de baixos preços da farinha de 2.ª

O papel da Manutenção Militar não é fazer concorrência às outras indústrias.

Apoiados.

Não deve ser. O seu papel é mais nobre, como é próprio das instituições militares.

Permita-me o Sr. Ministro da Guerra que lhe dê um alvitre: a Manutenção de via fabricar um pão de tipo único e com trigo rijo que tem mais glúten e portanto mais sadio e alimentar. E com o glúten que o organismo faz o músculo que nos torna ágeis e fortes e a fibrina do sangue que nos vivifica os tecidos. Com o pão de trigo rijo o soldado seria melhor alimentado.

No último Congresso de Tuberculose, que se realizou em Paris, demonstrou-se que o pão de trigo rijo é mais higiénico e nutritivo que o de trigo mole.

Muitos de V. Exas. que me ouvem e que passam semanas e meses na província e principalmente no Alentejo têm comido decerto aquele belo pão de trigo rijo, de farinha chamada "toda uma" o sabem quanto êle é nutritivo e saboroso. Todos os oficiais o poderiam comer e não só aqueles que, como o ajudante do Sr. Ministro da Guerra, sem terem outros recursos que o seu magro soldo, têm que comer hoje o pão do soldado. Se a Manutenção adoptar êste meu alvitre, os oficiais ricos, ou os que têm outras achegas além do soldo, se quiserem pão de luxo, os chamados "papos-secos", que os comprem nas padarias.

A Manutenção Militar não se fez para fornecer pão de luxo!

Interrupção do Sr. Amaral Reis que não se ouviu.

O Orador: - Agradeço essa explicação, mas quando o Sr. Ministro da Agricultura falou e apreciava o decreto n.° 10:694, eu estava, junto de V. Exa. e pareceu-me que V. Exa. concordava quando o Sr. Ministro afirmou que aquele decreto, da autoria de V. Exa., revogava o decreto n.° 10:554.

Nova interrupção do Sr. Amaral Reis.

O Orador: - Mesmo na hipótese de assim não ser, nem por isso a Manutenção Militar deixou de estar fora da, lei, porque os 7 milhões importados não o foram para repor o stock de 10 milhões a que seria obrigada. Foram para ser ràpidamente consumidos, pois creio que os 7 milhões até já voaram, deixando grandes lucros!

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Para terminar, insisto por que a Manutenção Militar seja normalmente a fornecedora do exército e estabelecimentos de beneficência e só excepcionalmente venha para o mercado público. Transformar-se normalmente num estabelecimento industrial, concorrente da indústria particular, é que entendo que não pode nem deve ser.

Apoiados.

Acabo como comecei: tenho pelo exército o maior respeito e consideração e porque o desejo sempre ver dignificado e respeitado é que desejo também que todas as instituições dele dependentes mereçam a nossa consideração ê o nosso respeito, dando sempre um exemplo de ordem, de disciplina e de respeito pelas leis.

Tenho dito.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Sr. Presidente: nos termos regimentais, começo por mandar para a Mesa a seguinte moção:

A Câmara dos Deputados, tomando conhecimento das acusações formuladas contra a Manutenção Militar, espera que o Govêrno ordene as averiguações necessárias para apuramento das responsabilidades que porventura possam existir;

E reconhecendo:

Que o actual regime de protecção à cultura dos trigos não satisfaz em nenhum modo o interesso nacional nem o dos lavradores, dos consumidores e até dos moageiros;

Que essa protecção vem sendo exercida com prejuízo de todos os outros ramos da actividade económica ,do País, asfixiando o - comércio e a indústria, prejudicando a lavoura em geral e lançando, na miséria os consumidores;

Que, não obstante os sacrifícios por todos realizados, o déficit frumentário se mantém o agrava, demonstrando que é impossível arrancar ao solo português a totalidade de pão necessário ao consumo do País;

Que a Manutenção Militar não é organismo idóneo para corrigir ou auxiliar o mercado particular de moagem e panificação:

Espera que o Govêrno proponha modificações do actual regime legal frumentário, no sentido de apenas ser protegida, em termos razoáveis, a cultura, do trigo nas regiões idóneas, e de serem fomentados os outros géneros de cultura quer pela exportação, produzem o ouro necessário à cobertura do déficit de cereais;

Que o Govêrno auxilie os municípios e cooperativas na função que lhes incumbe de corrigir as deficiências e os desmandos das indústrias de moagem e panificação. E passa à ordem do dia.

Sala das sessões, 23 de Fevereiro de 1926. - Amâncio de Alpoim.

Sr. Presidente: a meu ver - e nesta afirmação não vai nenhuma censura - tem havido uma relativa curteza de vistas no debate travado em torno dêste caso da Manutenção Militar, dando-lhe um aspecto mais restrito do que aquele que em verdade a questão comporta.

Não estão sendo neste momento apenas na Câmara processadas a acusação e a defesa à administração da Manutenção Militar.

Através das queixas que de todos os lados da Câmara se têm apresentado, pela voz dos lavradores e daqueles que falam em nome dos consumidores, pela voz dos que defendem a Manutenção Militar, resulta nítida e incontestável a necessidade de constatar o seguinte facto: o regime de protecção cerealífera que existe actualmente em Portugal não satisfaz os consumidores, nem os lavradores, nem os moageiros.

Todos se queixam, numa espécie de pandemónio de recriminações, do qual é lícito tirar para o assunto a seguinte clara conclusão: "terra onde não há pão - tal como em casa onde não há pão - todos bulham e ninguém tem razão".

Nós estamos recolhendo, dentro do regime republicano, a herança da inconsciência que a monarquia nos deixou. Tendo sido proclamada a República em, nome de necessidades de ordem económica e social, ainda não se tentou, em qualquer aspecto do problema nacional,. resolver a situação aleijada e defeituosa, que o antigo regime nos legou.

Lei da fome se chamou, no tempo da, propaganda republicana, à lei de protecção cerealífera.

Votado e pôsto em vigor, em 1888, o regime de protecção à lavoura dos trigos, foi nessa altura preconizado como fórmula

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indispensável de acudir à economia nacional, porque nesse tempo ainda era dogma entre os políticos e entre os economistas o princípio do imperialismo económico, que fazia considerar como uma verdade incontestável a afirmação de que "uma nação só pode ter progresso e bem estar desde o momento em que pela sua produção se basto a si própria por inteiro".

Era nome dêste princípio se fez toda a política económica portuguesa desde a Restauração, em 1640.

O princípio aqui correu ao encontro de necessidades de ordem política e de ordem sentimental, ao encontro de uma preocupação do independência que era compatível com a economia do tempo.

Dizem internacionalistas baratos - eu chamo-lhes baratos porque realmente não merecem melhor classificação - que a independência portuguesa só realizou apenas como uma consequência de um jôgo de intrigas em que andavam metidos os jesuítas combatendo a casa da Áustria por conta de Richelieu, e afirmam que a restauração da pátria portuguesa mais derivou da ambição pessoal de um Bragança o dos dinastas que se lhos seguiram do que das necessidades incontestáveis da grei portuguesa.

E facto que todo o esfôrço que o povo português consagrou à independência portuguesa é uma consequência real da diferenciação profunda que existe entre a nossa grei e a grei espanhola. Mas é preciso reconhecer que os elementos políticos fomentaram o ódio à Espanha e que essa diferenciação política principia em Portugal, por êsse facto, desde o começo das lutas restauracionistas, conseguindo, é certo, a liberdade política, mas pagando-a por um preço muito caro - a proibição de todas as possibilidades de contrato económico com a Espanha.

Se olharmos para a Bélgica o para a Holanda, países pequenos como o nosso, com uma diferenciação profunda, nós teremos de reconhecer que, o sentido da sua consolidação histórica - porque não foram lançadas no formidável conflito político em que històricamente temos vivido com a Espanha - tem consistido na sua situação de entreposto, como hinterland, por serem, pontes de passagem para o interior alemão o francês.

Aproveitando-se desta situação, mais do que do próprio esfôrço isolado, a Bélgica e a Holanda têm tornado mais fortes os fundamentos da sua nacionalidade.

Portugal, pela necessidade de resistir ao golpe político da Espanha, numa preocupação de isolamento, viu-se forçado a procurar na Inglaterra o bem caro ponto do apoio com que pudesse opor-se às tentativas de domínio da Espanha nossa vizinha.

E se conseguiu, com vantagem, manter a sua independência política, pagou por caro preço o isolamento económico que nos concedeu a possibilidade do sermos, perante o Atlântico, o entreposto europeu para os produtos do sul da Europa.

Esta preocupação política definiu-se, necessàriamente, numa formidável preocupação do imperialismo económico.

Não há em toda a Europa país demais feroz defesa económica dos seus produtos do que Portugal.

Ramada Curto, fazendo blague com o assunto, disse que é tam alta a preocupação de proteccionismo dos políticos portugueses que se conseguiu criar em Portugal uma Alfândega da Fé, para colectar a fé que porventura possa entrar no país.

Pisos.

E se atendermos à política pombalina, como ela se desenvolveu em Portugal, temos de reconhecer que em nenhum dos países da Europa foram os princípios do Colbert tam rigorosamente aplicados à risca.

Tornou-se um princípio assente a preocupação de isolar toda a nossa produção.

A preocupação feroz, justamente feroz, da nossa independência, colhia vantagem com essa orientação económica. A preocupação do proveito da nossa economia, porque o facto do sermos proprietários do Brasil e senhores da África nos permitia essa preocupação de defesa económica, também colhia vantagens com o sistema; somente as condições do passado histórico, que tinham permitido, que tinham tornado útil êsse movimento nacional, modificaram-se por completo.

Á economia europeia transformou-se fundamentalmente com a descoberta da máquina a vapor, com o caminho do ferro, com a navegação a vapor.

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A élite portuguesa, sonhando glórias pela voz, pela acção dos intelectuais da monarquia, obstinava-se na sua preocupação de fabricar o imperialismo português contra as circunstâncias económicas do ambiente.

E o tam conhecido sonho de industrialização do país de Fontes Pereira de Melo, o tam conhecido sonho, o já demodé sonho do exclusivo de exploração agrícola de Barros Gomes.

Dentro dessa preocupação imperialista afirmaram-se dois chavões de propaganda patriótica que a realidade dos nossos dias destruiu por completo.

O primeiro chavão afirmava que o futuro de Portugal estava no mar; o segundo chavão era de que se tornava necessário industrializar o país, pondo-o, pela própria produção de todos os artigos, ao nível das civilizações económicas que lá por fora criavam riqueza.

Ora um país que não tem carvão, um país que não tem possibilidades de uma desembaraçada indústria não podia de forma alguma sacrificar todas as possibilidades de produção a obstinações sem realidade e sem base.

Na Holanda, que ao tempo era um país cerealífero, na Bélgica, que era ao tempo um país cerealífero, não vingaram as doutrinas da protecção feroz à agricultura, resolvendo-se antes modificar as condições de produção da terra, criando em substituição da indústria cerealífera a indústria dos gados, a indústria dos lacticínios.

O Sr. Rosado da Fonseca: - Porque o clima o permite.

O Orador: - O nosso também.

A Bélgica e a Holanda modificaram as suas condições agrícolas e hoje são países com verdadeira riqueza agrícola, que não é cerealífera.

Essa formidável máquina de riqueza e produção, que é a Inglaterra de hoje, come o melhor pão do mundo o importa todos os anos para nove meses de consumo nacional; a formidável Alemanha importa todos os anos seis meses do seu consumo, e a própria Espanha, que não quis sacrificar tanto como nós à protecção da produção cerealífera a sua nascente indústria, possuindo, como nós não possuímos, terrenos de cultura riquíssima dê trigo, ainda assim importa três meses de consumo nacional.

Um dos motivos por que a monarquia se arreceou da importação foi a concorrência dos mercados americanos, cujo cereal estava em melhores condições de preço do que o português.

Desde 1855 que no nosso Orçamento económico aparece um déficit cerealífero de cêrca de 100:000 toneladas e em 1888 os políticos da direita monárquica, preocupados com a votação da aldeia, afirmando que o leão dos campos rugia, publicaram uma lei a que a esquerda monárquica chamava a "lei da fome".

Não obstante a publicação dessa lei e do aproveitamento de muitos terrenos, o deficit não deminuiu.

Em 1899, quando foi publicada a lei de Elvino de Brito, em que se fez a duplicação do preço ouro do trigo - de 30 réis para 65 réis - apesar disso, o déficit das 100:000 toneladas mantinha-se.

Em 1909 veio de visita ao nosso país Léon Poinsard e ficou admirado da confiança dos portugueses nas leis cerealíferas, e escreveu o seguinte:

Leu.

Se nós observarmos a exposição que Léon Poinsard faz e o que os economistas, de dentro de casa, dizem, conhecemos quanto é certo o aforismo de que "ninguém é profeta na sua terra".

Um profeta lá de fora vem claramente expor as consequências da organização artificial portuguesa.

A um déficit que era de 100:000 toneladas substitui-se o actual que é de 150:000.

Ano bom, ano mau!...

Num regime económico, em que o nosso povo come o pão mais caro do mundo, entram pela barra portuguesa vinte navios carregados com trigo para o consumo do país.

Saem da economia nacional para se sobreporem ao nosso déficit frumentário perto de dois milhões e meio de libras, que não encontram uma contrapartida, nem industrial, nem agrícola, nem de qualquer espécie, adentro do país.

Temos de reconhecer, pela confissão dos próprios economistas que escrevem sôbre o problema português que, adentro da Europa, onde há populações quási

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balcânicas quási primitivas, Portugal é o país que menor quantidade de trigo arranca ao seu solo em proporção com a sua extensão e população territorial.

Estamos abaixo da Turquia, abaixo da nossa vizinha Espanha. E quando na Holanda o factor de produção se eleva a 32, o factor português, pelos números de Bento Carqueja, não passa de 4,5!

Estamos num país em que, numa confissão que entristece, temos de dizer, lendo os nossos primeiros técnicos em matéria de política frumentária - e devo dizer que muito me interessa o assunto e que a todos eu tenho lido, desde Luís de Castro, na monografia brilhante que mandou para a exposição de Paris até ao técnico ilustre que é Azevedo Gomes, na memória enviada à Comissão Executiva da Conferência da Paz, passando por Fialho e lendo o livro tam vulgarizado de Pequito Rebêlo - temos de dizer, com todos os técnicos portugueses no. assunto, que a média de produção nacional é de 8,5 em sementes.

Através da protecção da lei, na região do Ribatejo, em volta da Lisboa até, onde se faz a cultura mais intensa, não se consegue, nos anos melhores, mais do 4 sementes por grão semeado.

Como pretendemos, em matéria cerealífera, concorrer com a Europa, que mesmo na vizinha Espanha avança nas suas regiões de trigo até 20 e 25 sementes?

Como pretendemos isso, quando os países da Europa, através da selecção dos trigos e dos terrenos que cultivam, conseguem resultados médios de 35 sementes?

Será a incompetência do lavrador que produz esta disparidade?

O certo é que estamos perante uma realidade que não pode ser contestada pelos nossos desejos de ter trigo.

Eu próprio procurei nos livros de todos os técnicos portugueses encontrar a justificação da cultura cerealífera em terras de Portugal, e confesso, com tristeza, que a não encontrei em nenhum.

Todos êles confessam que o nosso clima é mau para tal cultura; todos êles se queixam da pobreza dos terrenos, a não ser das lezírias do Tejo e Sado, e reconhecem mesmo que se a cultura do trigo se faz nalgumas regiões do Alentejo é
devido a haver falta de braços e de regas para a pequena cultura de horta.

Não há um técnico que afirme que o país tem condições para produzir pão, e todos êles constatam, com mágua, que, dentro da lei actual, não é possível fazer-se, capazmente, tal cultura. Só num futuro, que não é muito próximo, e apenas em parte, se poderá conseguir tal.

Nós somos a região da Europa que come o pão mais caro.

Já por mais de uma vez, nesta Câmara, alguns ilustres Deputados, e até o Sr. Presidente do Ministério, tomaram à sua couta, com irrisão e blague, a afirmação que dêste lado -socialistas e esquerda democrática-temos feito de que o nosso país é um país do esfarrapados.

Nós não nos quisemos referir ao problema do vestuário, mas sim a outro mais grave. Em Portugal, a maior parte dos seus habitantes não tem pão suficiente para o seu consumo.

Como querem V. Exas. que a indústria nacional viva desafogada se o consumidor não tem capacidade de compra?

Quer antigamente, quer mesmo actualmente, quási todos apenas têm o suficiente para atender às necessidades mais instantes da vida animal.

O Sr. Fernandes de Oliveira (interrompendo): - O pão em Portugal não está actualmente mais caro do que no resto da Europa.

O Orador: -Já falaremos a êsse respeito.

Como querem V. Exas. que a indústria nacional progrida, se a sua base de produção tem de ser consumida no mercado português, e se o consumidor português não tem dinheiro para lhe comprar os seus produtos?

Corram V. Exas., como bons portugueses, os casebres sujos e primitivos das nossas aldeias, e verificarão, por seus próprios olhos, que o problema da côdea de pão que se há-de consumir no dia seguinte é o problema fundamental daquela pobre gente.

Apoiados.

Realmente, o pão em Portugal não é hoje, mas apenas hoje, mais caro do que noutros países.

E porquê?

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Porque a República, por parte dos seus Ministros da Agricultura, quis colocar-se no moio de todos os interêsses que se suscitam á volta do problema.

A República, pela preocuparão do voto, tinha de garantir aos consumidores um regime de protecção. E vivendo numa política do logro, ela pensou que, através dessa política, poderia obrigar o lavrador a cultivar a terra, na esperança de uma tabela compensadora, que mais tarde lhe é negada.

Apoiados.

O que se não pode admitir, Sr. Presidente, a meu ver, é que se esteja desprotegendo uns em benefício de outros; porém é esta a orientação política que ou vejo que infelizmente se vem seguindo.

Eu entendo, na verdade, Sr. Presidente, que, se querem dar essa protecção à lavoura, o devem fazer desassombradamente, isto é, como na realidade se fez no tempo da monarquia, quando era Ministro o Sr. Elvino de Brito.

Tenham a coragem de o fazer, como o fez a monarquia, repito, dizendo-o clara e desassombradamente ao povo, pois na verdade não julguem os homens da República que podem continuar com os processos que têm usado até hoje, em defesa de um regime que não agrada a ninguém, nem à indústria nem à lavoura.

Para mim, Sr. Presidente, a única protecção que se pode dar à lavoura é fornecer-lhe em boas condições os adubos necessários para ela poder adubar as suas terras.

Terrenos há entre nós que são pouco recomendáveis para a cultura do trigo, prestando-se mais para a cultura de árvores de fruto.

Eu tive, Sr. Presidente, ocasião de ver, numa das minhas recentes viagens ao estrangeiro, que têm sido poucas, por isso que as faço à minha custa, venderem-se pêssegos embrulhados em papel do seda, no mercado do Paris, por três e quatro francos, que nós aqui costumamos dar aos porcos.

Eu sei que uma das causas da grande fortuna do célebre Leandro do incêndio da Madalena foi a exportação para Espanha das porás de Aragão - as nossas pêras saloias!

O problema da produção do nosso país está no âmbito do Ministério da Instrução porque é necessário mandar para a escola a maior parte dos nossos lavradores.

Os nossos frutos e os nossos legumes têm nos mercados da Europa uma grande aceitação, não só pela sua excelente qualidade, mas porque êles nascem um mês mais cedo do que nos outros países.

Eu sinto ainda na face a vergonha que senti quando, conversando com um francês, êste me contou que num mostruário de resinas de diversos países a nossa resina estava cheia de pedras e pregos!

Ainda há pouco tempo um italiano contava me que as conservas de sardinha eram pelos balcânicos comidas da seguinte forma:

Na lata faziam um furo e chupavam porque nós só lhe mandávamos cabeças e tripas de sardinha!

São os mixordeiros do Douro quem desacredita os vinhos daquela região!

Não há ninguém que possa afiançar que o nosso país tem condições de poder concorrer com as culturas da América o da Rússia!

As tabelas da nossa produção cerealífera estão falsificadas, porque as bases estão duplicadas.

Nós atiramos para fora do país com alguns milhões de libras sem nos preocuparmos com mais nada.

Quem tudo ganha são os intermediários que fazem fortuna com a importação do trigo, sem mais trabalho do que avisar quando o navio está no Tejo!

Não há risco de capital porque êle sai do Banco de Portugal que ainda há pouco pagou o seguinte:

Leu.

Em Portugal, todos o sabem, pequenas fortunas se fazem pelos agentes de fiscalização.

Não podendo realizar lucros honestamente, entram pelo terreno da fraude.

O Sr. Joaquim Ribeiro (em àparte): - Tenho agora pena da moagem...

O Orador: - Vejo fazer a defesa da grande moagem e não da pequena.

Os interêsses da moagem não são interêsses de classe ligados em conjunto.

Há impossibilidade de transportes em certas regiões, por isso é prejudicado o regime dos próprios trigos, o que faz

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com que não produzam tanto os lavradores da nossa terra.

A Manutenção Militar, apesar de fornecer trigo estrangeiro de primeira qualidade, e não pagar mão de obra e indústria particular, dá de comer aos seus soldados essa porcaria que o Sr. Rosado da Fonseca apresenta aqui.

O Sr. Ministro da Agricultura informou que o diagrama do pão estabelecido para o soldado é realmente o diagrama do castigo, que só se pode admitir pelos deveres que impõe a disciplina militar.

Falou assim o Sr. Ministro da Agricultura.

Não apoiados.

É realmente uma intragável porcaria.

Não há razão que subsista para aumentar o prestígio oficial, sendo o diagrama do pão do soldado inferior, quando devia ser superior, pelo sacrifício que o soldado faz da sua personalidade ...

O Sr. Ministro da Guerra (José de Mascarenhas): - V. Exa. está exagerando.

O Orador: - Foi o que disse aqui o Sr. Ministro da Agricultura.

O Sr. Ministro da Guerra (José de Mascarenhas): - Para se ver que há exagêro nisso, basta dizer que a maior parte dos castigos dados aos soldados é pelo motivo deles venderem o pão à população civil.

O Orador: - Tudo se vende. É questão de preço. Também se vendem botas e fatos velhos. Tudo se vendo.

Trocam-se explicações em que vários Srs. Deputados interveem simultaneamente.

Orador: - Falo pela boca do Sr. Ministro da Agricultura.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Porque não fala pela boca do Sr. Ministro da Guerra?

O Orador: - Porque S. Exa. para êste efeito não é tam técnico como o Sr. Ministro da Agricultura.

O Sr. Ministro da Guerra (José de Mascarenhas): - Se o pão vendido ao soldado fôsse tam mau como se diz, não se daria o caso de êle o vender aos civis. Estabelecem-se diálogos.

O Orador: - Mas quem suporta êsses prejuízos? E o soldado, que devia comer um pão melhor.

Sr. Presidente: a política da República tem sido muita vez uma política de auxílio e de amparo à moagem.

Não desejo essa política. Quero a indústria da moagem com as suas capacidades normais, em condições de produção adentro do mercado normal: nem proibição de importação, nem obrigação de compras monstruosas.

É isso o que o país deseja. Não tenhamos modo de que a modificação do regime legai dos trigos possa lançar o país na miséria, porque o nosso sistema em matéria de política frumentária é de há muito êste: "Viva a cidade na miséria para que a aldeia na miséria viva".

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

Lida na Mesa a moção do Sr. Amando de Alpolm, é admitida e posta em discussão.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Gaspar de Lemos): - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de lei para protecção à indústria da pesca do bacalhau.

Fui procurado por diversas comissões de pescadores do bacalhau, os quais vieram reclamar contra a pouca atenção dos poderes públicos para essa indústria, dizendo que ela está em franca decadência e que êles se vêem ameaçados de não poder enviar quaisquer navios, êste ano, à referida pesca.

Elaborei uma proposta de lei, que acabo de enviar para a Mesa, na qual ataco a questão, visando quatro aspectos do problema: o aspecto fiscal, o militar, o de crédito e o de organização do trabalho. Embora esta questão não seja conhecida dum modo geral, infelizmente, a pesca

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4o bacalhau não nos dá, nem de longe, o suficiente para mantermos as nossas necessidades. Necessitamos de 50 milhões de quilogramas e, em 1924, pescámos 6 milhões e 500:000 quilogramas. Notem V. Exas. que o bacalhau seco perde 30 por cento do pêso em relação ao fresco. Em 1924 foram à pesca 70 navios. Foi o nosso maior esfôrço. Em 1925 foram apenas 48 navios. Houve, portanto, uma deminuição de 22 navios e ficaram em terra 593 homens. Ora esta situação é aflictiva.

As emprêsas não conseguem créditos nos Bancos. Eu procuro, com esta proposta de lei, organizar pelo Fundo de Protecção à Marinha Mercante Nacional êsse crédito até onde fôr possível.

Sôbre a pesca do bacalhau têm, nos últimas anos, incidido pesadas contribuições. Procuro também, com esta proposta de lei, suavizar êsses encargos. Também, sob o ponto de vista militar, eu procuro resolver dificuldades. Quási todos os homens que querem sair têm menos de 45 anos. Parece-me que o problema se pode resolver, à semelhança do que se faz em França, não os considerando saídos para porto estrangeiro.

Finalmente, encaro o problema da organização do trabalho. Devem os pescadores ter um salário fixo e outro variável, proporcional à pesca que efectuem.
Requeiro à Câmara autorização para a publicação do relatório desta proposta no Diário do Govêrno, requerendo, também, para ela a urgência, visto que o assunto é realmente gravo e premente.

Os navios estão a aparelhar e devem sair em Abril ou Maio. Parece-me que haveria vantagem em procurar acudir à situação, ainda êste ano, visto que o bacalhau pesa na balança económica do país tanto como o trigo e o carvão juntos.

Êste problema é pouco conhecido, e por isso, eu fiz um relatório um pouco mais longo do que é uso.

Aproveito a ocasião para mandar para a Mesa outra proposta de lei.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi aprovada a publicação no "Diário do Governo" do relatório da proposta que o Sr. Ministro do Comércio e Comunicações mandou para a Mesa, relativa à pesca do bacalhau.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Carvalho da Silva: - Eu tinha pedido a palavra estando presente o Sr. Ministro das Finanças. Porém, como S. Exa. não está, peço ao Sr. Ministro do Comércio a fineza de transmitir àquele seu colega as considerações que vou fazer.

Ouço a todo o instante clamar, na imprensa republicana e na Câmara, que é indispensável tributar, por todas as formas, as fortunas e o capital; mas, Sr. Presidente, ao mesmo tempo que isto sucede, eu vejo, com enorme espanto, que inúmeros funcionários recebem, em multas, verdadeiras fortunas.

Sou informado de que o Estado, acaba de cobrar uma multa de 25.000 contos, sôbre um contribuinte, por virtude de uma herança; mas soa também informado de que, dessa multa de 25.000 contos, o Estado apenas recebe 9.000.

Para quem vão, pois, os restantes 16.000?

4.500 contos para o funcionário que levantou o auto, outros 4.500 para o denunciante, e, finalmente, 6.000 para distribuir por pouco mais de vinte funcionários.

E, então, eu pregunto: Quem são os ricos dêste país? São aqueles que recebem, num instante, milhares de contos, ou são aqueles quê, numa vida inteira de trabalho, conseguiram aumentar o capital nacional, para que o Estado, de repente, lhes arranque dezenas de milhar de contos?

E, eu pregunto ainda: Pode continuar a vigorar uma legislação que deixa assim, enriquecer os donos dêste país?

Apoiados.

à Porventura, não é melhor impulsionar o aumento da riqueza nacional?

Isto é moral?

Isto é, ou não, um verdadeiro saque à fortuna do país?

Apoiados.

Contra êste facto protesto indignadamente, e peço, mais uma vez, ao Sr. Ministro do Comércio que transmita ao seu colega das Finanças e ao Sr. Presidente do Ministério as minhas considerações,

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de forma a que se evite êste regime de saque em que se vem vivendo há tanto tempo, com gravo prejuízo para o país.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Sampaio Maia.

O Sr. Sampaio Maia: - Visto não se encontrar presente nenhum membro do Govêrno, peço a V. Exa. o obséquio de me reservar a palavra para a sessão de amanhã.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão será amanhã à hora regimental, com a mesma ordem do dia de hoje e mais a proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Manuel José da Silva.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 35 minutos.

Documentos enviados para durante a sessão

Propostas de lei

Do Sr. Ministro da Agricultura, determinando que o imposto de produção sôbre a aguardente, a que se refere o decreto de 11 de Março de 1911, passe a ser de 2$50 por litro, sendo l $50 para receita da estação agrária da Ilha da Madeira e 1$00 para receita da câmara municipal onde fôr produzida a aguardente.

Para o "Diário do Govêrno".

Do Sr. Ministro do Comércio, facultando, da verba do "Fundo de protecção à Marinha Mercante" a importância de 6.000 contos para realização de empréstimos mercantis às emprêsas de pesca de bacalhau, para designados fins.

Para o "Diário do Govêrno".

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto n.° 605-A com parecer n.° 737 de 1923.

Em 23 de Fevereiro de 1926. - Felizardo António Saraiva.

Junte-se ao processo e envie-se à comissão de agricultura.

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério da Instrução Pública, me seja fornecida uma nota, com relação aos anos lectivos de 1922-1923, 1923-1924 e 1924-1925, do seguinte;

1) Número de alunos matriculados nas escolas primárias superiores;

2) Número de alunos aprovados na 3.ª classe das mesmas escolas;

3) Montante das quantias abonadas aos concelhos administrativos das mesmas escolas nos anos económicos correspondentes.

Em 23 de Fevereiro de 1926. - Rafael Ribeiro. Expeça-se.

Requeiro que, pelo Ministério da Marinha, me seja fornecida cópia do parecer da Procuradoria Geral da República, de 7 de Maio do 1924, que está junto ao processo n.° 2õ de 1925, referente a uma reclamação da súbdita espanhola D. Dolores Marquina Kindelan sôbre barcas de passagem no rio Minho.

Em 23 de Fevereiro de 1926. - Rafael Ribeiro.

Expeça-se.

Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me seja permitido consultar o processo referente às acusações feitas ao professor efectivo do Colégio Militar, capitão capelão José de Jesus Peixoto.

Em 23 de Fevereiro de 1926. - Carlos Soares Branco.

Expeça-se.

O REDACTOR - Avelino de Almeida.

33 - Imprensa Nacional - 1925-1926

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