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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 45

EM 3 DE MARÇO DE 1926

Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Rodrigues Gaspar

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Mariano de Melo Vieira

Sumário. - Aberta a sessão coma presença de 47 Srs. Deputados, é lida a acta e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia.- O Sr. Ramada Curto manda para a Meza e justifica um projecto de lei pelo qual é revogado o decreto n.º 5.229, de 10 de Março de 1919, requerendo urgência e dispensa do Regimento.

O requerimento é aprovado.

Posto em discussão o projecto, usam da palavra os Srs. Paiva Gomes, Carvalho da Silva, Alberto Jordão e, de novo, para explicações, o Sr. Paiva Gomes.

O projecto é aprovado na generalidade e na especialidade, sendo dispensada a leitura da última redacção.

O Sr. Afonso de Melo ocupa-se da tabela dos emolumentos judiciais e envia para a Mesa e justifica um projecto relativo ao assunto. Versa também o problema das estradas.

É. aprovada a urgência requerida para o projecto de lei.

O Sr. Custódio de Castro protesta contra uma violência, que afirma ter-se exercido contra o Sr. Eduardo Coimbra, delegado do Ministério Público no Tribunal das Execuções Fiscais de Lisboa, e pede providências.

O Sr. Ministro das Finanças (Marques Guedes) presta esclarecimentos e justifica a medida tomada contra o magistrado em questão.

O Sr. Custódio de Castro usa da palavra para explicações.

O Sr. Alfredo Guisado pede a comparência do Sr. Ministro do Interior.

O Sr. Rafael Ribeiro insta pelo envio de documentos.

O Sr. José Domingues dos Santos reclama a presença do Sr. Presidente do Ministério.

Ordem do dia.- É aprovada a acta da sessão anterior.

Fazem-se admissões.

Entra em discussão o projecto de lei n.° 13, que concede amnistia aos militares implicados no movimento revolucionário de 28 de Agosto de 1924.

O Sr. António Cabral manifesta-se favoravelmente e propõe um aditamento.

O Sr. Vitorino Guimarães requere a suspensão do debate até estar presente o Sr. Presidente do Ministério.

Consultada a Câmara, usam da palavra sôbre o modo de votar os Srs. José Domingues dos Santos, Ramada Custo, Cunha Leal e Alberto Dinis da Fonseca.

É aprovado o requerimento.

Realiza-se a interpelação do Sr. Joaquim Ribeiro ao Sr. Ministro das Finanças, defendendo o regime proteccionista para as indústrias nacionais.

O orador justifica a sua moção, que é lida e admitida.

Responde-lhe o Sr. Ministro das Finanças (Marques Guedes).

O Sr. José Maria Alvares requere a generalização do debate.

Os Srs. Alinha Leal e Carvalho da Silva falam sôbre o modo de votar.

O Sr. José Vicente Barata, sôbre a ordem, envia para a Mesa e justifica uma moção, que é admitida.

O Sr. Cunha Leal pronuncia-se mais uma vez sôbre a situação em que nos achamos em matéria de pautas e que considera ilegal.

O Sr. Joaquim Ribeiro usa novamente da palavra e substitui uma parte da sua moção.

O Sr. José Maria Alvares tem a palavra sôbre a ordem e justifica a sua moção, que é admitida.

O Sr. Presidente encerra a sessão e marca a imediata com a respectiva ordem.

Abertura da sessão, às 15 horas e 15 minutos.

Presentes à chamada, 47 Srs. Deputados.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Entraram durante a sessão 65 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Abel Teixeira Pinto.
Adolfo de Sousa Brasão.
Adolfo Teixeira Leitão.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Nogueira Gonçalves.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alexandre Ferreira.
Alfredo Pedro Guisado.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amilcar da Silva Ramada Curto.
Aníbal Pereira Peixoto Beleza.
António Augusto Rodrigues.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
Artur da Cunha Araújo.
Artur Saraiva de Castilho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Pais de Almeida.
Custódio Lopes de Castro.
Dagoberto Augusto Guedes.
Domingos José de Carvalho Araújo.
Felizardo António Saraiva.
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Pereira de Oliveira.
João Baptista da Silva.
João da Cruz Filipe.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Toscano Sampaio.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carlos Trilho.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Maria Alvarez.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
José Vicente Barata.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto de Moura Pinto.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro da Cunha Ferreira Leite.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Álvares Pereira Sampaio Forjaz Pimentel.
António Ginestal Machado.
António José Pereira.
António Lino Neto.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Marques Guedes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Custódio Martins de Paiva.
Daniel José Rodrigues.
Delfim Costa.
Diogo Albino de Sá Vargas.
Domingos Augusto Reis Costa.
Domingos Leite Pereira.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Elmano de Morais Cunha e Costa.
Filemon da Silveira Duarte de Almeida.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco Godinho Cabral.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Maria Pais Cabral.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Bernardino de Sousa Carvalho.
João José da Conceição Camoesas.
João de Ornelas da Silva.
João Raimundo Alves.
João Salema.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Maria de Oliveira Simões.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.

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José Marques Loureiro.
José de Moura Neves.
José Rosado da Fonseca.
Lourenço Correia Gomes.
Luís Gonzaga da Fonseca Moreira.
Luís de Sousa Faísca.
Manuel Alegre. Manuel da Costa Dias.
Manuel Homem de Melo da Câmara.
Manuel José da Silva.
Manuel Serras.
Manuel de Sousa Coutinho Júnior.
Mariano de Melo Vieira.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Maximino de Matos.
Pedro Góis Pita.
Raul Lelo Portela.
Rodrigo Luciano de Abreu e Lima.
Rui de Andrade.
Sebastião de Herédia.
Viriato Sertório dos Santos Lobo.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Carlos da Silveira.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo da Cruz Nordeste.
Álvaro Xavier de Castro.
Amâncio de Alpoim.
António Alves Calem Júnior.
António Araújo Mimoso.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António José de Almeida.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Maria da Silva.
Artur Brandão.
Augusto Rebelo Arruda.
Carlos de Barros Soares Branco.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Euseta.
Domingos António de Lara.
Eduardo Ferreira dos Santos Silva.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Idalêncio Froilano de Melo.
Jaime António Palma Mira.
João Estêvão Águas.
João Lopes Soares.
João Luís Ricardo.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Brandão.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José do Vale de Matos Cid.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Rocha Felgueiras.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Raul Marques Caldeira.
Severino Sant'Ana Marques.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vasco Borges. Zacarias da Fonseca Guerreiro.

Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 47 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofícios

Do Senado, enviando duas propostas de lei: uma determinando que o sêlo comemorativo da Independência de Portugal seja empregado, como franquia ordinária, só nos dias 16 e 17 de Junho de 1926, e a outra, tornando obrigatória de 5 a 15 de Maio do cada ano a aposição de selos determinada pela lei n.° 1:708, de Dezembro de 1924.

Para a comissão de correios e telégrafos.

Do Ministério das Colónias, satisfazendo, em parte, ao requerido em ofício n.° 203, para o Sr. Rafael Ribeiro.

Para a Secretaria.

Do Ministério da Marinha, satisfazendo ao requerido no ofício n.° 389, para o Sr. Rafael Ribeiro.

Para a Secretaria.

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4 Diário da Câmara dos Deputados

Do Ministério da Guerra, enviando documentos relativos ao ofício n.° 750, que transmitiu o requerimento do Sr. Pires Monteiro.

Para a Secretaria.

Do Conselho Superior de Finanças, dando informações a respeito da colocação na escola n.° 101, do 2.° Bairro da cidade do Pôrto, da professora Emilia Andrade da Cunha Cardoso.

Para a comissão de contas públicas.

Representações

Dos industriais de cordoaria, dos importadores de linhos, dos cultivadores de sizal e das colónias portuguesas, no Pôrto, pedindo que a extensão do artigo 6.° da lei de protecção à indústria da pesca do bacalhau n3o abranja as suas indústrias.

Para a comissão de comércio e indústria,

De António Martins Ramos, reconhecido revolucionário civil, pedindo uma certidão da pública forma com que instruiu a sua petição.

Passe-se do que constar.

Memorandum

Da Comissão Executiva da Junta Geral de Braga, para que lhe seja confiada a administração do ensino primário no seu distrito.

Para a comissão de administração pública.

Telegramas

Da Associação dos Negociantes de Vinhos, do Pôrto, pedindo que não seja aprovado o projecto sôbre graduação alcoólica do vinho do sul, sem algumas emendas.

Para a Secretaria.

De Manuel Diogo Barreira, de Vinhais, protestando contra o decreto n.° 11:069. Para a Secretaria.

Dos alunos da Escola Normal Superior, de Coimbra, acompanhando as reclamações dos seus colegas de Lisboa.

Para a Secretaria.

Da Companhia de Moagem Lusitana, do Pôrto; Electro-Moagem, do Marco;

Moagem o Electricidade, Limitada, de Arraiolos, e Moagem Eborense, de Évora, protestando contra a moção do Sr. Pires Monteiro, por representar a ruína da indústria e lavoura nacionais. Para a Secretaria.

Da Associação de Classe dos Industriais de Panificação Independentes, de Lisboa, protestando contra aqueles que pretendem que a Manutenção Militar seja privada do fornecimento de farinha às padarias independentes.

Para a Secretaria.

Do Miranda Henrique Rato, de Aveiro, protestando contra a moção do Sr. Pires-Monteiro, por ser a ruína da indústria e um prejuízo para a agricultura.

Para a Secretaria.

Do Sindicato Agrícola de Estremoz, aprovando a atitude dos Deputados Agrários.

Para a Secretaria.

Da Câmara Municipal do Amares, pedindo a aprovação dos duodécimos. Para a Secretaria.

Dos Funcionários das Execuções Fiscais do Seixal, protestando contra o artigo 3.° da lei n.° 1:839, de 3 de Fevereiro último, por reduzir as custas.

Para a Secretaria.

Requerimentos

De Alfredo do Vasconcelos Baptista, pedindo que seja reconhecido revolucionário civil.

Para a comissão de petições.

Do tenente de infantaria, João Augusto Machado, pedindo que se lhe conte a antiguidade desde 15 de Abril de 1926.

Para a comissão de guerra.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se ao período de

Antes da ordem do dia

O Sr. Ramada Curto: - Sr. Presidente:, chamo a atenção da Câmara para as ligeiras considerações que vou lazer.

Sabe V. Exa. e não ignora a Câmara:

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que em 1919, logo após o movimento monárquico do norte, inspirado num critério de defesa intensa da República, se promulgou, pelo Ministério José Relvas, um decreto, com fôrça do lei, que tem o n.° 5:229, de 10 de Março de 1919, pelo qual era autorizado o Govêrno a nomear, com dispensa de todas e quaisquer formalidades e do respeito devido às leis que regulam e tutelam as nomeações de funcionários públicos - especialmente a de 14 de Junho de 1913, chamada lei dos adidos - qualquer cidadão reconhecidamente republicano, o que como tal podia merecer a, confiança do regime. Essa lei foi necessàriamente uma lei de circunstância, e ao abrigo dela o Poder Executivo nomeou quem quis, e nesse momento muito bom, para exercer cortas funções directivas da alta burocracia.

Passou o tempo, e por lapso ainda hoje êsse diploma é lei do País, pois não foi revogado.

Desenhou se depois um movimento de restrição ao mecanismo burocrático português, em defesa das receitas orçamentais, e publicou-se em 1920, pelo Ministério a que tive a honra do pertencer, a lei n.° 971, restringindo os poderes do Executivo sôbre nomeações. Posteriormente êsse diploma é completado com a lei n.° 1:344, ainda inspirada no mesmo critério de restrição, do forma a, com a aplicação durante anos dessa lei, se obter a deminuição dos encargos orçamentais em matéria de pessoal.

Tenho a honra de fazer parte do Conselho Superior de Finanças, o neste organismo nós vemos com surpresa aparecerem, do vez em quando, certas nomeações, baseadas maiorum dictum no decreto n.° 5:229, de 10 de Março de 1919. E como êste decreto está em vigor, o Conselho Superior de Finanças tem-se encontrado na contingência de ter de apor o respectivo "visto".

Sr. Presidente: de forma alguma quero que a Câmara fique julgando que as minhas palavras estão inquinadas do mais pequeno vírus político.

Neste momento procuro exercer a minha iniciativa, única e exclusivamente para levar a maioria desta Câmara a dar a sua aquiescência à realização de um acto de administração, que eu julgo de carácter urgente.

Não quero fazer o mais pequeno comentário sôbre as razões de ordem moral e psicológica que têm levado o Govêrno a usar desta lei, que é manifestamente de circunstância, mas, desde que os membros do Poder Executivo tenham um critério diferente daquele que tem inspirado a Câmara na restrição das despesas públicas, nós temos de considerar letra morta todas as leis que defendem os réditos nacionais e que a República tem publicado desde 1920.

Sr. Presidente: porque isto é uma cousa insignificante resta cumprir esta simples formalidade, que é declarar que o decreto n.° 5:229 não tem razão de existir.

Tanto é o cuidado que tenho, para que a minha atitude não possa ser classificada de exploração política, que fui ter com o meu colega, ilustre secretário desta Câmara, Sr. Baltasar Teixeira, membro da maioria e conhecedor dos factos que venho de apontar, e pedi-lhe que obtivesse o placet da maioria. Assim, verifica-se que o assunto está estudado e que as minhas palavras não são de ocasião, pois são coadas através do sensatíssimo espírito e ponderada reflexão do Sr. Baltasar Teixeira. O projecto consta de um artigo único, que diz:

Artigo único. E revogado o decreto com fôrça de lei n.° 5:229, de 10 de Março do 1919. - Amílcar Ramada Curto - Baltasar Teixeira.

Depois de escudado com o meu ilustre colega, secretário desta Câmara, atrevo-me a dizer aos membros desta casa do Parlamento que não é favor nenhum que fazem ao Deputado Ramada Curto, mas sim que é uma aquiescência prestada ao Sr. Baltasar Teixeira, pelo que peço a urgência e dispensa do Regimento para êste simples projecto, a fim de evitar que qualquer fabiano seja nomeado chefe de serviço por causa da defesa da República.

Esta designação de "chefe de serviço" tem uma latitude grande, e tam grande, que já terceiros oficiais, à sombra do decreto n.° 5:229, foram nomeados chefes de serviço. E a razão é simples. Os terceiros oficiais podem na falta dos segundos, e êstes na falta dos primeiros, de-

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sempenhar funções directivas. Isto é da lei.

Nestas condições mando pára a Mesa o referido projecto, para o qual, repito, me atrevo a pedir a urgência e dispensa do Regimento.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi aprovada a urgência e dispensa de Regimento.

O Sr. Paiva Gomes: - Sr. Presidente: na verdade é de aconselhar que êste projecto seja votado, porque o decreto a que faz referência é, sem dúvida, uma medida de circunstância, que de quando em quando ressuscita.

De seis em seis meses, de ano a ano, aparece um diploma com fundamento nesse decreto. Isso desorganiza os serviços, prejudica interêsses legítimos e é na verdade pouco lisonjeiro para os homens que estão à frente da administração pública.

Parece-me, pois, de toda a conveniência que a Câmara vote êste projecto de lei. Em nome do Grupo Parlamentar Democrático, declaro a V. Exa. que lhe daremos voto favorável.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: não é costume dêste lado da Câmara dar-se o voto de urgência e dispensa do Regimento sem se ler previamente a proposta ou projecto, para o qual se requere tal urgência e dispensa. No emtanto, o Sr. Ramada Curto, na exposição que fez, deu bem a entender o que é o decreto n.° 5:229, em discussão. Segundo êste, a única habilitação que é exigida para se ser nomeado funcionário público é a de... serviços que se alegue terem sido prestados à República, serviços em que está incluída, por exemplo, a fabricação de bombas e de outras cousas úteis para o regime vigente e de que tanto a República se tem servido. Ficamos, portanto, sabendo que no funcionalismo público, há inúmeros indivíduos nomeados sem competência alguma.

O Sr. Ramada Curto (interrompendo): - Eu queria pedir a V. Exa. um favor, que decerto não me negará, porque isso seria incompatível com a sua alta inteligência" O favor é o seguinte: o não fazer a êste seu velho amigo oposição num caso como êste, em que V. Exa. afinal, está de acordo,

O Orador: - Como é que eu posso, efectivamente, fazer oposição ao meu velho amigo quando S. Exa. pretende que se revogue um decreto, com o qual eu nunca concordei? ... Merecia, sim, a minha oposição, quando em 1920 o meu velho amigo consentiu ..

O Sr. Ramada Curto: - Mas o decreta não é meu!

O Orador: - Mas S. Exa. fazia parte da Câmara que o aprovou e consentiu, portanto, na publicação dêste decreto, a que S. Exa. chamou um decreto de circunstância ...

De sustância, de sustância para os nomeados é que êle é!

Era preciso não só revogar êste decreto, mas tantos outros que permitem a nomeação de funcionários públicos apenas com um atestado de bom republicano ...

O Sr. Ramada Curto: - Isso vai com o tempo! ...

O Orador: - Êste levou cinco anos de República para ir abaixo. Se demorarmos um tempo proporcional para revogar todos os outros, antes disso veremos no professorado das escolas superiores funcionários só porque sabem fazer bombas.

Dou, pois, o meu voto. Sr. Presidente,, ao projecto do Sr. Ramada Curto e felicito S. Exa. por ter tomado a iniciativa de uma medida moralizadora.

Lamento simplesmente que S. Exa. se tenha limitado a reclamar só contra o decreto n.° 5:229, deixando que continuem em vigor tantos e tantos decretos que ainda ficam na legislação republicana em que o critério das bombas é o adoptado para a nomeação dêste ou daquele funcionário ...

O Sr. Ramada Curto: - Deixo êsse trabalho para o Sr. D. Duarte Nuno! ...

O Orador: - Folgo por ver que S. Exa. se aproxima de nós e registo a oferta da

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sua colaboração para a futura monarquia.

Risos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Alberto Jordão: - Sr. Presidente: se bom. me parece, o projecto que está em discussão o para o qual foram votadas a urgência e a dispensa do Regimento, tem as assinaturas dos Srs. Ramada Curto e Baltasar Teixeira.

Acho sempre oportuno que êste ou aquele indivíduo, político ou não, mostre o seu arrependimento por virtude do erros passados.

Quanto ao Sr. Ramada Curto, na sua qualidade de autor do projecto em discussão, S. Exa. ficou bem colocado, visto que não tem responsabilidades em determinados factos passados ultimamente. Não sucede o mesmo com o Sr. Baltasar Teixeira, com o Sr. Paiva Gomes e tantos outros Srs. Deputados que militam nas fileiras democráticas ou que apoiaram essas situações, porque faziam parte do chamado Bloco, de tam triste memória.

Pensa se hoje que é justo o oportuno mesmo revogar determinado decreto, à sombra do qual se têm feito nomeações que são reputadas irregulares; mas oportuno e também verberar o procedimento daqueles homens que, sentando-se nas cadeiras do Govêrno, apoiados pelo Grupo Parlamentar Democrático e adjacências, apoiados pelo Sr. Baltasar Teixeira, pelo Sr. Paiva Gomes e outros Srs. Deputados, consentiram que tais nomeações se fizessem. E o que é mais lamentável para mim é ainda o facto de tais nomeações terem o visto do Conselho Superior de Finanças.

Aplaudo a iniciativa dos Srs. Baltasar Teixeira e Ramada Curto, e darei o meu voto ao projecto em discussão, mas não podia deixar de aproveitar êste ensejo para verberar, como acabo de fazer, o procedimento daqueles que têm culpas largas nesta administração acentuadamente anárquica.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Paiva Gomes (para explicações): - Sr. Presidente: pedi a palavra unicamente para dizer a V. Exa. e à Câmara que

compreendo a atitude que acaba de tomar o ilustre Deputado Sr. Alberto Jordão, Estávamos em vésperas de um negócio partidário; mas não sei, neste momento a que propósito vem o meu nome. É, porém, necessário, fazer uma preparação para êsse negócio, vamos a ver a corrente que vence. Nós, os espectadores, procuramos ver, com um pouco de perspicácia, a resultante dessa batalha.

Quanto à alusão que S. Exa. fez ao provimento dos lugares das secretarias das administrações, desculpe-me S. Exa. que eu lhe diga que os Ministros que assim procederam o fizeram dentro da lei, porque ela estabelece que não se faça o provimento dos cargos sem que se efectue s revisão dos diplomas orgânicos, isto com o intuito de se extinguirem determinados lugares, e de se conseguir assim uma compressão de despesas.

E um Ministro houve, o Sr. Sá Cardoso, que procedeu a êsse trabalho, depois de ver que o Conselho Superior de Finanças, sistematicamente, recusara e visto às nomeações daquela natureza. S. Exa., primeiramente, procurou informar-se das razões que levaram o Conselho ai proceder assim; e, depois delas lhe terem sido claramente expostas, é que fez a revisão dos quadros.

O Sr. Sá Cardoso, que eu duplamente lamento não ver aqui, teve a infelicidade de cair pouco tempo depois, e, então, outros se aproveitaram do que êle tinha, feito.

O Conselho Superior de Finanças precedeu sempre dentro da lei. e, se V. Exa. quiser, poderá verificar que, realmente, assim é.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Seguidamente foi aprovado o projecto.

O Sr. Ramada Curto (para um requerimento): - Requeiro a dispensa da leitura da última redacção.

Aprovado.

O Sr. Afonso de Melo: - Sr. Presidente: tenho pena de que não esteja presente o Sr. Ministro da Justiça - ao qual folgo de prestar as homenagens da minha consideração - para que êle me ouvisse.

Em 1924 foi publicado um decreto que-

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mandou aplicar aos tribunais de justiça uma nova tabela do emolumentos judiciais.

Êsse decreto visou a atender várias reclamações, mas, tendo-se depois feito na referida tabela algumas inovações relativas à percentagem das custas e à maneira de se fazerem as contas, os cálculos feitos para os emolumentos dos contadores saíram errados.

Por um mapa que eu consegui obter no Ministério da Justiça, verifica-se que a diferença entre os ordenados dos contadores e os dos escrivães é enorme.

Vê-se que os contadores estão recebendo, em regra, menos 20 por cento nas comarcas de primeira classe, menos 40 por cento nas do segunda, e menos 60 nas de terceira, do que os escrivães.

Isto é vexatório para a classe dos contadores, visto que êles tem o papel de fiscalizar os actos dos outros funcionários de justiça.

Elaborei, para remediar êstes inconvenientes, um projecto de lei, constituído apenas por um artigo, projecto que mando para a Mesa, e para o qual requeiro a urgência.

Ontem, quando o Sr. Ministro do Comércio aqui apresentou a sua proposta de lei para um empréstimo a favor da reparação das estradas, estava eu no lugar que V. Exa., Sr. Presidente, agora está ocupando, e não pude, por isso, fazer as observações que desejava.

Não sou daqueles que vêm para aqui tratar unicamente de conveniências eleitorais, nem armar à popularidade. Todavia, quero frisar que as observações aqui feitas pelo Sr. Aboim Inglês são, realmente, muito justas.

Se nós estamos empenhados em fazer a reparação das estradas arrumadas, mas que, em todo o caso, são estradas por onde se pode transitar ainda que com dificuldade, devemos também atender a que há algumas regiões do País que possuem muitas estradas que não estão concluídas, que causa enormíssimos transtornos.

Há estradas começadas há mais de 50 anos, como por exemplo as n.ºs 45 e 79, região da Beira Alta, que ainda não estão terminadas, mas a que faltam apenas uns minguados quilómetros.

Creio que o Sr. Ministro do Comércio

não deixará de dedicar também a sua atenção a êste aspecto do problema, que bem importante é.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi aprovada a urgência para o projecto enviado para a Mesa pelo Sr. Afonso de Melo, aumentando em designadas percentagens as verbas constantes da tabela dos emolumentos judiciais de 13 de Novembro de 1924.

O Sr. Custódio de Castro: - Sr. Presidente: desejaria usar da palavra quando estivesse presente o Sr. Ministro da Justiça; como, porém, S. Exa. não está, e eu não quero demorar mais as minhas considerações, folgo de que aqui se encontre o Sr. Ministro das Finanças, porque as observações que vou fazer de alguma maneira se lho dirigem também.

Chegou ao meu conhecimento que o Sr. Ministro da Guerra assinou há dias um despacho, reintegrando no lugar de juiz auditor junto do 1.° Tribunal Militar Territorial de Lisboa, o integérrimo magistrado Sr. Dr. Almeida Ribeiro.

O Govêrno não o fez com o intuito de prestar um preito ao homenagem à magistratura judicial, reparando assim um agravo do que essa mesma magistratura tinha sido vítima, mas sim porque o Supremo Tribunal de Justiça assim o obrigou a proceder, dando provimento ao recurso que êsse magistrado lhe dirigiu, devido a ter sido, violenta e ilegalmente, afastado do seu lugar.

Julgava eu que não se repetiam êstes actos, que há muito que não se praticavam pelo Poder Executivo; pois o Sr. Dr. Eduardo Coimbra, do Tribunal das Execuções Fiscais, foi pelo Ministro das Finanças exonerado, vindo no Diário do Govêrno apenas:

"É exonerado do lugar de ajudante do Tribunal de Execuções Fiscais o bacharel Eduardo Coimbra".

Mais nada.

Êsse magistrado tinha, pelo menos, direito a permanecer no cargo durante cinco anos.

Assim, por esta forma, toda a gente ficará julgando que êle praticou qualquer acto que deu lugar ao Poder Executivo,

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sem mais consideração, exonerá-lo sem ser ouvido, o que não deve ser.

Apoiados.

Já no Pôrto outro magistrado assim foi também exonerado; mas, recorrendo para o Supremo Tribunal, foi reconduzido no lugar, o que S. Exa. não aceitou por ter ido para outra comissão.

Vejo que são frequentes êstes atentados, mas é indispensável que o Poder Executivo não esteja vexando dêste modo a magistratura.

Apoiados.

A magistratura só pode exercer as suas funções livro destas peias.

Se um dia me vexarem com qualquer procedimento análogo, atiro à cara do Poder Executivo com o meu lugar de magistrado.

Apoiados.

Vozes: - Muito bem.

O Orador: - Eu lamento que o Sr. Ministro da Justiça permitisse que semelhante afronta, que tal enxovalho fôsse feito à magistratura.

Para que serve estar constantemente a dirigir elogios à magistratura?

Àparte do Sr. Marques Loureiro que não se ouviu.

O Orador: - Não só pode ser magistrado em qualquer lugar desta terra sem autorização da Travessa da Água do Flor.

Apoiados.

Não apoiados.

Não se pode exercer qualquer lugar se isso não agradar ao Directório do Partido Democrático, às comissões políticas ou ao Sr. Domingos Pereira.

Apoiados.

Não apoiados.

Tinha mais considerações a fazer, mas para não tomar mais tempo à Câmara reservo-as para numa interpelação escalpelizar êstes casos vexatórios e deprimentes.

Apoiados.

O orador não revia.

O Sr. Ministro das Finanças (Marques Guedes): - Sr. Presidente: o ilustre Deputado que acaba de usar da palavra, e que é magistrado do Ministério Público,

honrando muito a sua classe, entendeu que devia vir atacar, no uso pleno do seu direito, um acto meu.

Mas S. Exa. prestou ao sou colega o amigo um péssimo serviço, obrigando-me a vir à Câmara patentear o que quis ocultar no laconismo do meu despacho.

O Sr. Eduardo Coimbra estava desempenhando funções junto do Tribunal das Execuções Fiscais de Lisboa.

No exercício dêsse cargo cometeu vários erros de ofício e desleixo de que resultaram prejuízos para a Fazenda Nacional.

Durante o tempo do sen exercício só se preocupou em aumentar os seus benefícios, modificando a tabela de participação daquele tribunal, em prejuízo do juiz e de outros funcionários e em proveito próprio.

Entendi, portanto, que não estava indicada a continuação de semelhante magistrado no Tribunal das Execuções Fiscais, e defendi melhor o nome dele do que alguns dos seus amigos, fazendo cessar a sua comissão sem mais explicações.

O Sr. Custódio de Castro: apoiado.

O Orador: - Ninguém nesta casa tem mais respeito do que eu pela magistratura.

Sou advogado há 15 anos, lido continuamente com magistrados judiciais o do Ministério Público, e quando venho aqui dizer que essas duas magistraturas merecem o meu maior respeito não faço apenas uma frase.

Não costumo fazer frases para armar ao efeito.

Falo sempre com o coração nas mãos, mesmo quando as minhas afirmações possam porventura prejudicar os meus interêsses ou os interêsses do meu partido.

Desejei esconder as razões do meu despacho; forçaram-me a dizê-las, digo-as. Fui obrigado a retirar do Tribunal das Execuções Fiscais o Sr. Dr. Eduardo Coimbra por S. Exa. ser um mau funcionário.

De resto S. Exa. recorreu, e se o tribunal respectivo fôr capaz de demonstrar que errei no meu despacho, de boa vontade darei a mão à palmatória.

Tenho dito.

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10 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Custódio de Castro (para explicações): - Sr. Presidente: as minhas primeiras palavras são de agradecimento ao Sr. Ministro das Finanças pelas informações que acaba de prestar à Câmara.

Todavia eu devo explicar o meu "não apoiado" de há pouco e as palavras que proferi anteriormente.

Começou S. Exa. por dizer que, se eu era amigo do Sr. Dr. Eduardo Coimbra, decerto lhe havia prestado um péssimo serviço, visto que êste magistrado foi exonerado do seu cargo por ter dado as piores provas como funcionário e como magistrado.

Eu não sou da intimidade do Sr. Dr. Eduardo Coimbra; sou apenas uma criatura das suas relações e tenho por S. Exa. toda a consideração e aquele respeito que 36 deve ter por um magistrado integro, por um magistrado honesto.

S. Exa. pode ter errado -convenho em que porventura isso tivesse acontecido - mas indague o Sr. Ministro das Finanças no Ministério da Justiça, procure as comarcas onde o Sr. Dr. Eduardo Coimbra serviu como magistrado, e há-de verificar que S. Exa. é incontestavelmente um dos melhores magistrados do Ministério Público.

Disse o Sr. Ministro das Finanças que o magistrado Dr. Eduardo Coimbra havia praticado verdadeiros erros de ofício.

Mas então pregunto eu: onde é que está a soberania do Poder Executivo, que ao mesmo tempo que reconhece no Sr. Dr. Eduardo Coimbra um péssimo magistrado e um mau funcionário público, o nomeia para uma comissão de serviço, visto que S. Exa. pouco depois foi nomeado secretário interino da Procuradoria da República?

Então S. Exa. é um mau magistrado "quando serve no Ministério das Finanças e um óptimo magistrado para servir no Ministério da Justiça?

Quem é que fala verdade: é o Sr. Ministro das Finanças exonerando-o por um erro de ofício, ou o Sr. Ministro da Justiça dando-lhe quási que um prémio, uma compensação, nomeando-o secretário interino da Procuradoria da República junto da Relação de Lisboa?

Onde está a coerência do Poder Executivo?

Mas há mais.

Nunca um magistrado se tratou pela forma vexatória como o fez o Sr. Ministro das Finanças.

Um magistrado pode errar, pode porventura até cometer um crime; mas êsse magistrado deve ser ouvido, deve apresentar a sua defesa.

Eu pregunto ao Sr. Ministro das Finanças se porventura o Sr. Dr. Eduardo Coimbra foi ouvido.

Eu não quero entramos meandros nem nas tortuosidades dêste caso; mas posso afirmar à Câmara que o Sr. Dr. Eduardo Coimbra não foi, a bem dizer, exonerado pelo Sr. Ministro das Finanças. Foi afastado pelo juiz seu inimigo, que se sentava a seu lado, foi lançado à rua apenas pelo Sr. Dr. Calixto.

Era esta a resposta que eu devia dar ao Sr. Ministro das Finanças.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Alfredo Guisado: - Sr. Presidente: peço a V. Exa. a fineza de me informar se o Sr. Ministro do Interior se encontra no edifício do Congresso.

O Sr. Presidente : - Não me consta que S. Exa. tenha vindo ainda.

O Orador: - Nesse caso peço a V. Exa. que lhe transmita o meu desejo de, amanhã, antes da ordem do dia, lhe fazer aqui umas preguntas.

O Sr. Rafael Ribeiro: - Sr. Presidente: pregunto a V. Exa. se já chegou à Mesa a informação que pedi, pelo Ministério das Finanças, relativamente aos vencimentos dum juiz dum dos tribunais de Lisboa.

O Sr. Presidente: - Ainda não.

O Orador: - Peço, então, a V. Exa. que insista na remessa dessa informação, porque desejo, com ela, responder às considerações que o Sr. Ministro das Finanças acaba de fazer a respeito do Sr. Dr. Eduardo Coimbra.

O Sr. José Domingues dos Santos (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: eu e o meu colega Sr. Alfredo Nordeste pedimos a comparência do Sr. Presidente

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do Ministério antes da ordem do dia, porque os assuntos que desejamos tratar correm pela pasta do Interior.

Esta ausência do Sr. Presidente do Ministério não pode continuar, porque representa uma desconsideração que, por minha parte, não estou disposto a tolerar.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi lida e aprovada a acta.

Fizeram-se as seguintes

Admissões

Projecto de lei

Dos Srs. Francisco Cruz, João Soares e Alberto Vidal, admitindo à matrícula do 4.° ano das Faculdades de Direito nas Universidades de Lisboa e Coimbra, os alunos, em designadas condições, que o requeiram dentro de 10 dias a contar da publicação desta lei.

Para a comissão de instrução superior.

Propostas de lei

Do Sr. Ministro das Finanças, abonando ao cabo de mar da Nazaré, Joaquim Bernardo de Sousa Lobo, em substituição dos seus vencimentos, a pensão de 100$ mensais com as melhorias legais.

Para a comissão de marinha.

Do Sr. Ministro das Colónias, para que seja encarregado da organização da representação portuguesa, na 7.ª exposição internacional de produtos tropicais, um comissário geral do Govêrno.

Para a comissão de colónias.

Dos Srs. Ministros da Guerra e Finanças, abrindo um crédito especial de 300.000$, para legalizar despesas com a comissão de sepulturas de guerra, em França.

Para a comissão de guerra.

ORDEM DO DIA

Entra em discussão o projecto de lei n.° 13, que concede amnistia aos implicados no movimento revolucionário de 28 de Agosto de 1924.

O Sr. António Cabral: - Sr. Presidente: pedi a palavra a V. Exa. e pouco tempo

espero usar dela porque me limitarei a breves considerações.

Começarei por dizer a V. Exa. que, era nome da minoria monárquica, nós votamos o projecto que está em discussão,, mas devo, também, salientar que a forma como essa proposta está redigida não nos satisfaz.

Não concordo, porque nesse projecto não estão incluídos aqueles que há muitos anos se encontram no exício sofrendo uma pena que é violenta e injusta.

Uma voz: - Já não se lembram de 31 de Janeiro!

O Orador: - Não sei quem me interrompeu, mas devo lembrar que V. Exas.: estão muito esquecidos das amnistias que os monárquicos deram aos republicanos.

Já que me interromperam, terei de dizer mais alguma cousa além do que tencionava.

Bem fraco é o regime neste pobre País que precisa de ter ainda no exílio portugueses como Henrique de Paiva Couceiro, um homem que pelos serviços que ao País; tem prestado conquistou o direito de poder viver entre os seus concidadãos.

Quando geri a pasta da marinha tive a honra de ter como governador de Angola o Sr. Paiva Couceiro e posso afirmar a V. Exa. e à Câmara que êle soube sempre exercer êsse alto cargo com dignidade e brilho. Mas não é só a êle que eu me quero referir, e sim a todos aqueles que por uma prepotência dêste desgraçado regime estão sofrendo privações no exílio.

Não há talvez nas fileiras dos partidários do regime quem tenha sacrificado tanto aos seus ideais como Paiva Couceiro.

Recordo-me de que, quando o grande Napoleão batalhou na Rússia, o general Malé conspirava contra o imperador e, depois do regresso dêste, foi submetido a um tribunal onde lhe preguntaram quem eram os seus cúmplices e êle respondeu r: seriam V. Exa. e toda a França, se eu tivesse vencido. Foi fuzilado!

Sr. Presidente: recordo-me de que nas fileiras republicanas havia muitos que se insurgiam contra o decreto de 31 de Janeiro, por ser um decreto infame que mandava para o exílio muitos portugue-

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sés que aqui trabalharam pelo bom da sua Pátria.

Era um decreto violento, injusto e criminoso, era; mas então pregunto eu que coerência é esta?

Se porventura êsse decreto era violento e devia ser renegado, eu pregunto agora se, na verdade, as circunstâncias do País exigem ainda que se conservem no estrangeiro, além das fronteiras, êsses portugueses.

Que coerência é esta, Sr. Presidente?

Sr. Presidente: se é injusto que ainda se conservem lá fora êsses meus correligionários, muito mais injusto é o facto de por êste decreto êles terem de lá se conservar, sé não estou em êrro, até 1929; quere dizer, esta pena, já de si violenta e injusta contra os exilados monárquicos, vá mais longe, vai até o ponto de terem de lá se conservar ainda durante mais três anos.

Eu pregunto que fraternidade é esta, que consente que ainda se conservem no exílio irmãos nossos, que praticaram actos idênticos aos que já por varias vezes tem sido praticados pelos republicanos.

Não se compreende que se esteja procedendo assim contra irmãos nossos que tanto respeitamos pelas suas altíssimas virtudes.

Pretender ainda, Sr. Presidente, conservar êsses homens além fronteiras por mais três anos, ou quem sabe se indefinidamente, longe da Pátria e de suas famílias, não pode ser e não é justo.

Eu pregunto só a lie pública se sento assim tam anémica, que necessite conservar ainda lá fora longe da sua Pátria, homens que, se bem que não sigam a bandeira republicana, são verdadeiros portugueses.

Não, Sr. Presidente, se bem que êles não sejam republicanos, não no era tanto, verdadeiros portugueses, pois tenho a certeza de que, se amanha fôsse necessário defender a Pátria, nós todos não teríamos dúvidas de estar ao lado dos republicanos para a defender.

Sr. Presidente: dêste lado da Câmara, repito, votamos o projecto que está em discussão; mas o que desejaríamos é que êle fôsse mais extenso o que tivesse por fim abranger todas as pessoas, pois de contrário é tudo quanto há de mais injusto.

Por isso, tenho a honra de mandar para a Mesa, assinado por todos os Deputados dêste lado da Câmara, um aditamento ao artigo 3.°

Não quero fazer à Câmara a injustiça do supor que ela não queira dar o seu voto a êste aditamento.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Sr. Presidente: tinha pedido a palavra para pedir a V. Exa. a fineza de consultar a Câmara sôbre se consente a interrupção da discussão dêste projecto, até estar presente o Sr. Presidente do Ministério.

S. Exa. é o responsável pela política geral do País, e é quem pode elucidar a
Câmara, sôbre a oportunidade ou inoportunidade de neste momento se votar o
projecto de lei que está em discussão.

Não operemos do forma alguma dizer que não assiste uma certa razão e justiça no projecto.

Não sou partidário das amnistias, porque acho que tem sido um mal pernicioso, pelo exemplo que só tem dado de ver completamente isentos de culpa, e em liberdade, indivíduos que cometeram actos graves e perigosos, atentatórios da disciplina e das instituições republicanas.

Não recuso o meu voto ao projecto; mas, como republicano, tenho o dever do saber se na verdade a aprovação do projecto pode trazer quaisquer dificuldades.

Pedia, portanto, a V. Exa. d consultasse a Câmara se consente seja suspensa a discussão até a presença do Sr. Presidente do Ministério; e podia a V. Exa. solicitasse a presença de S. Exa. nesta Câmara para elucidar-nos sôbre o assunto.

Apoiados.

O Orador não reviu.

O Sr. José Domingues dos Santos: - Sr. Presidente: voto o requerimento do Sr. Vitorino Guimarães; mas quero fazer uma declaração: voto-o exclusivamente porque desejo saber qual a posição do Sr. Presidente do Ministério neste assunto.

Por mim, tenho a minha opinião inteiramente firmo sôbre a amnistia dos condenados pelo assalto ao Castelo.

Reputo o projecto ou aditamento do Sr. António Cabral sem aceitação alguma.

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A minha opinião está firme; mas, repito, desejo saber a opinião do Sr. Presidente do Ministério.

Voto o requerimento do Sr. Vitorino Guimarães.

O orador não reviu.

O Sr. Ramada Curto: - Faço a declaração de que o Partido Socialista vota o requerimento do Sr. Vitorino Guimarães.

Não interessam fundamente ao Partido Socialista as lutas do capitalismo, e o projecto poria em equação a amnistia legal e jurídica que tem de ser dada aos crimes sociais.

Não pedirei a amnistia para os crimes sociais.

Votamos o requerimento do Sr. Vitorino Guimarães; mais nada.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: o Partido Nacionalista vota o requerimento do Sr. Vitorino Guimarães, porque entende que é necessário para esclarecimento da Câmara que o Sr. Presidente do Ministério declare se sim ou não perfilha o projecto, e se é prejudicial à ordem pública a sua aprovação, com maior ou menor largueza.

A minoria nacionalista deseja ouvir a opinião do Sr. Presidente do Ministério para poder estabelecer qual a posição que toma neste debate.

E, assim, a minoria nacionalista precisa saber a sua opinião a propósito do problema.

A minoria nacionalista vota o requerimento do Sr. Vitorino Guimarães, e vai dizer qual a sua posição no debate.

A minoria nacionalista aprova o projecto de amnistia que está em discussão.

A minoria nacionalista aprova a amnistia aos indivíduos que por motivos políticos estão privados de entrar no País.

Aprova, portanto, a amnistia no seu maior carácter.

Precisa, porém, de esclarecimentos necessários para proceder com critério.

Aprovamos, pois, o requerimento do Sr. Vitorino Guimarães.

O orador não reviu.

O Sr. Alberto Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: a minoria católica vota também o requerimento do Sr. Vitorino Guimarães; mas entende ser necessário sôbre o assunto proceder de forma a que a discussão não tome um carácter incidental.

O orador não reviu.

É aprovado o requerimento.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na segunda parte da ordem do dia.

O Sr. Joaquim Ribeiro: - Sr. Presidente: a interpelação que eu vou ter a honra de fazer ao ilustre Ministro das Finanças e meu amigo, Sr. Marques Guedes, é, como toda a gente sabe, sôbre as pautas alfandegárias.

Não pretendo discutir as conveniências do regime livre ou do proteccionista; venho apenas constatar a necessidade que temos de adoptar por várias razões o regime proteccionista para as nossas indústrias.

As circunstâncias em que nos colocámos, sobretudo no período post-guerra, em que certas indústrias tomaram um grande desenvolvimento, mas que hoje, pelo reverso da medalha, se encontram em circunstâncias verdadeiramente aflitivas, levaram o Govêrno do Sr. Vitorino Guimarães a modificar o regime pautal e a nomear comissões com o fim de estudarem êste assunto. Essas comissões produziram trabalho que mais tarde serviu para a publicação de vários decretos com doutrina destinada à protecção das indústrias, mas muito falta ainda fazer porque, tendo-se levantado protestos contra a forma como elas trabalhavam, essas comissões deixaram de trabalhar.

É êsse, portanto, o objecto da minha interpelação. Sou proteccionista, acho que o Estado deve dar protecção às nossas indústrias, e sou daqueles que lamentam que até hoje em Portugal não se tenham estabelecido certas indústrias de forma a valorizarem a nossa riqueza pública e até os nossos domínios coloniais. Efectivamente, recordo-me bem de que várias nações pediram, passada a guerra, domínios em África com o fundamento de que, tendo grandes explorações industriais, necessitavam dar-lhes expansão. A nós mesmos nos disseram que não se compreendia a posse por nós de grandes territórios em África, porque para os desenvolvermos e dotarmos com os necessários caminhos

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de ferro o portos, etc., necessitávamos importar todos os materiais.

Entre as indústrias a que me quis referir, e que serviriam para o desenvolvimento rápido e perfeito do nosso dominio ultramarino, tem lugar de destaque a indústria siderúrgica, cuja conveniência de ter progressos no País já foi objecto de largo debate nas Constituintes. Ora. para isso, tem necessidade essa indústria de grande protecção pautal.

Além dessa - e porque, quando falo nesta Câmara, quási exclusivamente trato de assuntos agrícolas, visto não me reconhecer competência para mais e, por isso, cinjo a minha intervenção aos assuntos que mais conheço - outra indústria que carece do protecção do Estado, como já o disseram, ao Sr. Ministro da Agricultura vários Deputados e eu mesmo já tratei do caso, é a dos azeites, que necessita absolutamente de que se proíba a importação de certos óleos comestíveis, de forma a não se permitir a sua mistura com aquele produto, que é uma riqueza do País.

Realmente, hoje a falsificação dos azeites está a tomar um grande incremento, mercê da facilidade do entrada no País de óleos de várias procedências que se introduzem até nos mercados mais interiores, partindo daí para os grandes centros e até para exportação com o rótulo de azeite puro.

Também outra indústria que precisa da cuidadosa atenção do Estado é a do fabrico dos vinhos. Xá verdade, os viticultores do País, por intermédio dos seus sindicatos, dos seus representantes e, até, de comícios que têm realizado, por mais de uma vez se têm dirigido ao Govêrno, pedindo-lhe não só que não autorizasse a destilação dos melaços o de outros produtos que vêm concorrer com a cultura que é hoje bem florescente em Portugal, mas que já há anos sofreu uma grande crise, a cultura da vinha, como também que proíba a importação de álcool fabricado nas mesmas condições. Com efeito, hoje que os nossos vinhos do Pôrto têm lá fora uma grande aceitação, apesar das mixórdias os prejudicarem e até desvirtuarem o seu sabor e qualidade pelo hábito que os consumidores vão tendo daquilo que é mau produto, não apreciando depois o que é bom, torna-se absolutamente necessário que o Govêrno como severas providências de maneira a evitar as falsificações.

Apoiados.

Por consequência, eu quero ser proteccionista, desejando que o Govêrno proíba a importação do óleos, que sirvam pura. a falsificação de azeites, e impeça que se falsifique o álcool vínico; mas desejo que o Govêrno não fique em promessas e, pelo contrário, realize factos. E a êste respeito devo dizer que muitas vezes nos queixamos do Parlamento, porque a sua acção nem sempre é eficaz - o eu serei, porventura, das pessoas que algumas queixas têm feito - mas há que reconhecer que, se alguma vez o Parlamento fechou deixando o Govêrno livre para legislar, foi na última legislatura, e, apesar disso, o passado Govêrno não apresentou no interregno parlamentar senão uma legislação atrabiliária, fundamentando-se umas vezes em artigos da Constituição que nada tinham com o caso, baseando-se outras vezes em leis em que o não podia fazer. Tínhamos, realmente, surpresas todos os dias, e até verdadeiras cólicas, porque não podíamos protestar e defender aqui os interesses prejudicados.

Sr. Presidente: eu desejo falar pouco tempo, porque a hora vai adiantada, e desejo que o assunto fique arrumado hoje; por isso, vou resumir o mais possível as minhas considerações.

A argumentação que possa haver contra os abusos que as comissões do pautas, praticaram, por cousas que não vêm. para aqui, tem a sua proveniência na necessidade que elas tinham de fazer obra útil. Um dos membros dessas comissões, que me procurou para fazer valer as suas razões, ofereceu-me um extracto de uma conferência que fez e que o honra pela maneira elevada como a levou a efeito no Instituto Superior Técnico; é o Sr. Belo. Pois, por êsse extracto, se vê que S. Exa. começou a sua conferência demonstrando que são as próprias comissões que reconhecem que não puderam realizar uma obra útil, por falta de elementos para agirem. De facto, nem sempre ouviram todos os interessados, de forma que prejudicaram várias vezes algumas indústrias sem terem essa intenção.

Devemos notar que há 6 milhões de portugueses prejudicados pela exagerada protecção dada a indústrias que não a mere-

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cem, mas sei também que contra outras se praticaram abusos e que até mesmo a revisão das pautas não foi feita com aquele cuidado que era legitimo, apesar da competência das pessoas que intervieram no assunto.

Porque várias reclamações me têm sido dirigidas eu posso dizer a V. Exa. que algumas classes se encontram queixosas. Uma é a humilde classe dos pescadores. Por uma modificação introduzida nas pautas obriga-se essa classe a comprar a uma determinada casa portuguesa aprestos de pesca e por preços tão elevados que tornam pouco remuneradora a indústria da pesca.

Outros queixam-se de que o imposto sôbre a lagosta é demasiadamente pesado, pois vai a mais de vinte vezes o que era primitivamente.

Verifica-se, pois, que a comissão de pautas não fez sempre uma obra útil.

Termino enviando para a Mesa a minha moção.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vou pôr à admissão a moção do Sr. Joaquim Ribeiro.

Foi lida na Mesa e seguidamente admitida. É do teor seguinte:

A Câmara, reconhecendo a necessidade de um regime proteccionista para as indústrias;

Reconhecendo, porém, pela lei n.º 1:335, de 25 de Agosto de 1922, e o decreto n.° 8:741, de 27 de Marco de 19-3, e atendendo ao estatuído nos artigos 23.° e 27.° da Constituição, que é inconstitucional qualquer modificação feita nas pautas fora dos prazos fixados;

Reconhecendo também que pelo decreto n.° 4:500, de 8 de Julho de 1918, no n.° 6.° do' artigo 1.°, só é permitido ao Poder Executivo estabelecer direitos sôbre mercadorias que não tenham classificação na pauta (rubrica):

Resolve confiar ao Govêrno, a partir desta data, a apresentação ao Parlamento, como proposta de lei, de qualquer modificação de direitos sôbre mercadorias que na pauta actual não se encontrem isentas, isto é, livres. - Joaquim Ribeiro.

O Sr. Ministro das Finanças (Marques Guedes): - Sr. Presidente: a interpelação do Sr. Joaquim Ribeiro foi-me anunciada há bastantes dias nestes termos: "desejo interpelar o Ministro das Finanças sôbre o funcionamento abusivo da comissão de pautas".

Esta fórmula era demasiadamente vaga para eu saber com precisão o pensamento do Deputado interpelante.

Julgo, porém, que na tese enunciada há duas questões a discutir. A primeira è uma questão de natureza jurídica. A segunda é uma questão económica.

A primeira consiste em saber se, de facto, a comissão de pautas funciona abusivamente. A segunda consiste em sabei-se convém à economia nacional que a comissão continue u funcionar nas condições em que se tem mantido até agora-

Vamos por partes, para método e clareza da exposição a fazer.

Estará a comissão de pautas a funcionar abusivamente e consequentemente fora da lei e não serão, portanto, legais os decretos publicados pelos meus antecessores sôbre a base dos pareceres dessa comissão?

E eu, Sr. Presidente, refiro-me a decretos publicados pelos meus antecessores, porque tenho tido, desde que tomei conta da pasta das Finanças, o cuidado de não publicar nenhum decreto sôbre pautas a não ser o que foi publicado há dias, estabelecendo a taxa alfandegária de imposto sôbre enxofre em discos e paralelipípedos. Mas êsse foi um dos chamados decretos de omissão, que a legislação aduaneira me autoriza a publicar.

Fora disso, espero que o Poder Legislativo se pronuncie para saber qual é a política económica a seguir, justamente porque tenho as mesmas dúvidas que assaltam o espírito do ilustre interpelante.

Quis saber se havia no Ministério quaisquer dados que me levassem a saber se a comissão estava funcionando legalmente ou se devia considerar desde já, ou há muito, terminada a sua missão. Encontrei o seguinte: em sua sessão de 21 de Janeira do ano findo, o Conselho Técnico Aduaneiro dirigiu ao Ministro das Finanças uma exposição sôbre a qual o Ministro das Finanças, que era o Sr. Álvaro de Castro, lançou despacho que tem a data de 21 de Janeiro de 1924.

Para esclarecimento da questão foi feita

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16 Diário da Câmara dos Deputados

uma consulta à Procuradoria Geral da República.

Em todo o caso, depois do parecer da Procuradoria Geral a Direcção Geral das Alfândegas teve dúvidas por julgar que tinha havido um lapso na forma como redigira a consulta. Êsse lapso não influíu na doutrina do parecer, mas a Direcção Geral das Alfândegas, escrupulosa como sempre, levou as suas dúvidas ao Ministro.

Um àparte do Sr. Cunha Leal.

O Orador: - Além dêste parecer a que me refiro, houve outro, reforçando o primeiro.

São êstes os termos em, que a questão se encontra sob o aspecto jurídico. Quanto ao seu aspecto económico, parece-me não ter que responder ao Sr. Deputado interpelante, visto que S. Exa. entende que é de conveniência do Estado seguir-se uma política proteccionista e eu sou da mesma opinião.

É claro que, quando só diz que é necessário proteger as, indústrias nacionais, se subentende que se trata das que, realmente, merecem essa protecção. Há que se parar as indústrias parasitárias daquelas que têm condições de uma vida normal desafogada, e, digamos, sadia. Para executar essa separação de uma maneira eficaz, para habilitar o Executivo ou o Parlamento a determinar, entre as indústrias, quais têm vida própria o quais são parasitárias, só um inquérito industrial seria eficaz. Êsse inquérito, porém, seria muito demorado e dispendiosíssimo. Afigura-se-me, portanto, que as comissões de pautas, fazendo os seus inquéritos parciais e elaborando os seus relatórios por escrito, como tenho recomendado desde que ocupo esto lugar, vão juntando elementos de estudo para êsse inquérito que, apesar do tudo, há-de um dia realizar-se no nosso País a bem da economia nacional.

Parecem-mo ociosas todas as razões que aqui possam ser aduzidas para defender a doutrina do que é necessário proteger o trabalho nacional. Diga-se o que se disser, a economia portuguesa não pode viver sem essa protecção.

Carecem dela todas as indústrias, incluindo a agrícola, e V. Exa. sabe bem em que regime anti-liberal, sob o ponto de vista económico, vive, por exemplo, a lavoura do norte. Por um regime especial que só criou para os vinhos do Douro, chegou-se ao encerramento da barra do Pôrto a vinhos que não sejam produzidos nessa região. Não podem actualmente passar vinhos do sul além de Gaia.

E nesta legislatura já o ilustre Deputado e velho amigo meu Sr. Calem Júnior aqui apresentou um projecto de lei para que os vinhos do sul não passem além de Aveiro. Havemos de confessar que é por virtude dêsse regime anti-liberal e anti-económico em face das doutrinas que o Douro vive e prospera, do mesmo modo que, pelo regime do protecção em que tem vivido, a nossa cultura cerealífera também tem aumentado.

Tenho uma opinião um pouco diversa daqueles que afirmam que Portugal é um país essencialmente agrícola. Poderia e deveria sê-lo. mas não o é, por ora, devido a vários factores geo-climáticos, que aliás podemos e devemos corrigir por uma inteligente política, de irrigação o de fomento. Portugal é, a par de país agrícola um país comercial e industrial, porque, se quisermos ler com atenção os livros dos nossos historiadores económicos, a começar em Gama Barres, havemos do ver, desde os primeiros tempos, a nossa indústria p roem ando pioduzir, além do pão necessário à alimentação do homem, o fato com que só cobrir - e, quando digo o fato, digo tudo o que é necessário ao vestuário, como, quando digo o pão. digo tudo o que é preciso à alimentação.

A nossa própria história, a partir da revolução burguesa de D. Fernando, é a história da intervenção das classes comercial o industrial na vida política. Foram elas que a dirigiram, desde a proclamação do Mostro de Avis à conquista de Ceuta e à grande aventura das descobertas. Mais que o lavrador, foi o mercador e o "mesteiral" quem fez a nossa história.

Isto, porém, é uma dissertação que não vem. para o caso e que eu não quero fazer aqui. Seria interessante fazê-lo na minha escola, aos meus alunos, mas não é próprio que o faça a V. Exas., que muito melhor do que eu conhecem êstes assuntos.

Dizia eu, Sr. Presidente, que, sob o

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ponto de vista económico, o trabalho nacional deve ser protegido. Todos os países seguem essa política, por vezes até com uma rapidez de acção a que podemos precisar de responder com armas iguais.

Ora a modificação das pautas na mão do Executivo é uma arma magnífica para proteger o trabalho nacional o até um óptimo instrumento para a realização do tratado de comércio. Só tivesse de sair da sua mão, se tivesse do ficar pendente da discussão do Parlamento, sempre demorada, embora esclarecida, a aprovação de qualquer modificação das pautas, se o Govêrno, nos interregnos parlamentares, não pudesse usar dêsse meio do acção, nós ficaríamos porventura desarmados perante os nacionalismos económicos que por todo o mundo se estão manifestando. Presentemente, a nossa vizinha Espanha, alarmada com a invasão dos seus mercados por produtos de indústrias portuguesas, especialmente de tecidos o da chamada indústria das caixas abatidas, num momento, em menos de quinze dias, modificou a sua pauta de tal maneira que os mercados espanhóis se fecharam completamente a êsses produtos da indústria portuguesa. Bastou para isso estabelecer os coeficientes do moeda desvalorizada para que em Espanha não entrassem nem mais um metro de tecido português nem uma só caixa abatida da nossa indústria de sei ração de madeiras.

Quanto à última parte da moção do Sr. Deputado interpelante, devo dizer que o Executivo não pode aceitar, pelo menos com prazer que se lhe tiro da mão, a êle, que tem os seus órgãos técnicos e os elementos de informação, esta arma magnífica e maleável de poder modificar os artigos da pauta quando as necessidades o exijam. Fazê-lo seria, a meu ver, levar muito longe o zelo pelas prerrogativas parlamentares. Ninguém respeita o Parlamento mais do que eu, mas entendo que o Poder Executivo fica bastante desarmado se se lhe tirar das mãos esta autorização.

Apoiados.

É claro que eu aceito, em todo o caso, a parte da moção que diz que essa alteração nunca poderia atingir os artigos que estão isentos.

Apoiados.

Tenho dito.

O Sr. José Maria Alvares (para um requerimento) - Requeiro a generalização do debate.

O Sr. Cunha Leal (sobre o modo devotar): - Sr. Presidente: tem sido sempre uso estabelecido, não sei se contra as disposições do Regimento, ou ao abrigo dêle, que, quando numa interpelação se apresenta uma moção, se considera generalizado o debate.

Portanto, se esta doutrina é regimental, V. Exa. não terá de pôr à votação o requerimento do ilustre Deputado Sr. José Maria Alvarez.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: entendo também, como o Sr. Cunha Leal, que, sendo o assunto de interêsse geral, de nenhuma maneira se precisa pôr à votação da Câmara o requerimento do Sr. José Maria Alvarez.

Êste lado da Câmara entende que é necessário tratar com largueza o assunto em discussão, porque é preciso proteger eficazmente o trabalho nacional, não esquecendo os grandíssimos serviços que as indústrias prestaram ao país durante a guerra.

Como Deputado, que tenho a honra de ser, por um dos círculos mais industriais do País, eu declaro com muito prazer, que esto lado da Câmara vota a generalização do debate, para que seja protegida a indústria nacional.

Tenho dito.

O orador não reviu.

É votada a generalização.

O Sr. José Vicente Barata: - Sr. Presidente: cumprindo uma disposição regimental, mando para a Mesa a minha moção de ordem:

A Câmara dos Deputados, reconhecendo a necessidade de proteger as indústrias nacionais em termos necessários e convenientes, resolve estudar a questão do crédito industrial e o aproveitamento das energias hidráulicas, bem como a remodelação das pautas aduaneiras, e confia no Poder Executivo os necessários pode-

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res, para tal efeito, e passa á ordem do dia.

3 de Março de 1926. - José Vicente Barata.

Sr. Presidente: desde 1907 até 1914 acompanhei, muito de perto, o comércio de adubos químicos, e por isso, sei que pelos anos de 1909 a 1914 a Companhia União Fabril fez uma tal concorrência de preços no mercado do País, com os seus superfosfatos, que conseguiu oferecê-los por monos 15a 18 porcento que os superfosfatos estrangeiros ao tempo importados.

Isto quere dizer que nesse tempo os superfosfatos nacionais estavam em condições de preço que não permitiam com vantagem a importação de adubos estrangeiros similares.

É certo que logo que foi posta fora do combate a única casa concorrente da União Fabril, a do Henry Bachofen, da Póvoa de Santa Iria, os preços dos adubos foram subindo até ao nível dos importados do estrangeiro.

Sr. Presidente: se ainda hoje as condições de produção dos adubos nacionais são as mesmas que acabo de dizer, significa que esta indústria não precisa da protecção aduaneira. Não é porém isto que se afirma, diz-se que as condições desta indústria são diferentes do que eram então, porque, adquirindo ao tempo as fosforites da Argélia a um preço baixo, tal não sucede hoje, que custam um preço muito superior, o que, conjugado com umas condições de trabalho também mais onerosas, a colocou em má situação.

Se é assim, precisa da protecção aduaneira; mas quem há de julgar dessa necessidade são as instâncias competentes, num inquérito escrupuloso.

Essa indústria está monopolizada no País por um grande industrial que tem monopolizado todas as indústrias que tem querido, falhando-lhe apenas o monopólio dos movimentos revolucionários por, como é sabido, ser grande a concorrência; não se livra, todavia, de que lhe atribuam grandes responsabilidades em alguns, o que não obsta a que neste momento, e nesta casa do Parlamento, com menos justiça e trate do problema industrial.

Senhor presidente: representando neste Parlamento um círculo essencialmente industrial, cuja sede - a Covilhã - a Nacognomina, e muito bem, de Manchester portuguesa, não podia eu deixar de entrar neste debate.

A indústria dos tecidos de lã atravessou uma vida tão precária desde 1892, data em que foram decretadas as pautas que vigoraram até 1923, que em 1907 e 1908 faliram algumas das casas mais importantes daquela cidade.

Em 1923, foram os direitos da pauta de 1892 reduzidos a menos de metade, e o resultado foi que a referida industria entrou logo em chômage, e desde então necessário é afirmar que algumas das lendárias fortunas, feitas durante os anos de desvalorização da moeda, estão já desfeitas.

Sr. Presidente: sinto necessidade de dizer isto à Câmara e ao País, para que não possa afirmar-se que nas reclamações dos industriais de lanifícios há uma ganância desmedida.

Os industriais da Covilhã e de todo o País desejam mais alguma cousa, para além dos seus interêsses individuais: pretendem assegurar a laboração das suas oficinas e o trabalho aos operários que nelas se empregam e que são alguns milhares.

Sr. Presidente: a protecção dispensada à indústria nas pautas de 1892 regula nas diferentes classes de tecidos por trinta por cento.

Pois ainda hoje, com a modificação dê Fevereiro de 1920, não passa de quinze a dezoito por cento, com a correcção que temos de fazer em presença dos direitos que na mesma data foram aplicados à matéria prima, especialmente fios penteados.

Sucede que existem no Pais oficinas de penteação de lãs, às quais é justo que as pautas aduaneiras dispensem a necessária protecção; mas o que a comissão revisora das pautas deve ter em conta é que nas oficinas nacionais não podem pentear-se lãs fazendo fio com uma metragem superior a quarenta mil metros, tendo de importar do estrangeiro fio cuja metragem vai até cento e vinte mil metros por quilograma.

Se é justo proteger a indústria nacional do tecidos, é conveniente proteger também os fios penteados da lã nacional; porém, o que é inconveniente é sobrecarregar com excessivos direitos os tipos de fios que não podem ser fabricados no País.

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Apenas uma oficina em Portugal produz fio em argola e êsse mesmo em pouca quantidade e má qualidade, não chegando para uma décima parte do consumo nacional. Pois também esto fio está fortemente protegido, o que certamente não sucede por a referida oficina ser de um estrangeiro.

Sr. Presidente: foi com imensa satisfação que ouvi o Sr. Ministro das Finanças manifestar-se proteccionista do trabalho nacional.

Nem outra afirmação era de esperar de S. Exa.

O Sr. Ministro das Finanças está-se afirmando um grande valor. Não o digo à Câmara na qualidade de um dos mais modestos correligionários de S. Exa.; digo com a consciência de que presto justiça a um dos membros do Poder Executivo, que em todas as suas atitudes e em todos os seus actos vem mostrando ao País que sabe cumprir o seu dever.

Sendo S. Exa. um professor distinto, do uma escola técnica no norte, certamente que a questão das indústrias nacionais tinha do merecer-lhe, independentemente da sua alta função política, a maior atenção e um aturado estudo.

É isso para ruim um múltiplo motivo de satisfação, e é para os povos do círculo que aqui represento, como para o País, uma garantia do que os legítimos interêsses de todas as fontes produtoras da riqueza nacional hão-de ser por S. Exa. tratados com o carinho e atenção que merecem.

Eu não quero, entretanto, dispensar-me de salientar à Câmara um facto que Sr. Exa. afirmou e que eu já conhecia. E que até a nossa vizinha Espanha concebe às suas indústrias uma protecção tal que torna impossível a entrada nesse País de qualquer dos tipos dos nossos tecidos.

Mas não é só a Espanha que assim protege as suas indústrias.

A França também pratica fortemente essa protecção, e a Inglaterra livre-cambista está estinhindo uma reclamação dos seus industriais de lanifícios em que se pede uma protecção que vai até trinta e três por cento.

Diz uma revista que tenho presente, Le Nord Textile, órgão oficial da Federação Industrial e Comercial de Roubaix.

que as respectivas comissões de estudo se inclinam para indicar ao Govêrno inglês que essa protecção deve ser convertida em lei.

Isto faz-se na Inglaterra livre-cambista, tradicionalmente livre cambista, único país do mundo que não importa nenhum tipo de lãs do estrangeiro para abastecer as suas indústrias.

Isto passa-se num país onde o mercado de lãs dá preços para toda a Europa, um país que exporta para a própria Alemanha centena e meia de milhões de quilogramas de lãs, e é também país exportador dos melhores carvões.

Como é então que a indústria de lanifícios nacionais pode viver encontrando-se com um diferencial, entre os direitos que incidem sôbre a matéria prima e os tecidos, que não chega a 15 por cento do seu valor?

Necessário se torna que a Câmara defina, sôbre êste assunto, doutrina aberta e franca. Se porventura quere deixar asfixiar a indústria de lanifícios, qualquer das indústrias, por uma pauta aduaneira que a coloca a descoberto, então diga-o francamente, corajosamente ao País. Mas não será assim; eu não posso tal acreditar, e espero que a Câmara votará a minha moção, confiando ao Poder Executivo os precisos poderes para que êste assunto seja tratado com o carinho, zelo e inteligência que o Sr. Ministro das Finanças acabou de afirmar à Câmara.

Tenho dito.

Foi lida e admitida a moção do Sr. Vicente Barata.

O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: não é a primeira voz que me ocupo da situação ilegal em que vivemos em matéria de pautas e continuarei protestando contra o atropelo feito às leis em virtude da publicação dos decretos que alteram as pautas, posteriormente ao fim do ano de 1923. O Poder Executivo, usando e abusando da lei, tem feito umas vezes cousas acertadas, outras vezes cousas disparatadas. Tem o feito por sua livre vontade, e quando no Parlamento se levantam vozes isoladas, protestando, o Poder Executivo agarra-se a vagas e curiosas interpretações de leis, feitas pela Procuradoria Geral da República, no sentido de demonstrar que os abusos devem continuar.

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Protesto contra isto e apelo para a consciência jurídica do Sr. Ministro das Finanças, apelo para os seus sentimentos patrióticos e republicanos no sentido de não consentir o actual estado de cousas, não impedindo, em todo o caso, que qualquer membro desta Câmara trate do assunto.

Sr. Presidente: êste assunto é daqueles que devem interessar a atenção da Câmara. E qual é a principal culpa de que podemos acusar o Poder Legislativo?

Primeiro, do abuso do sistema das autorizações; e segundo, das abdicações sucessivas perante o Poder Executivo.

Hoje não há leis. As leis são aquilo que os Governos querem que seja e nós constatamos que êsse desrespeito pela lei tem feito com que a imoralidade se possa, por vezes, introduzir na administração pública.

E a falta de respeito pelas leis de contabilidade que tem dado lugar a tantos abusos e a tantos escândalos.

Vejamos, Sr. Presidente, antes de entrar na análise do aspecto económico da questão, se tenho razão quando afirmo que, posteriormente a 1923, já não se podia publicar nenhum decreto alterando as pautas, quando é certo que numerosos decretos têm sido publicados alterando-as, por vontade dos Ministros.

Merece a pena meditar um pouco na redacção da lei n.° 1:330, e merece também a pena comparar o texto dela com as fantásticas respostas da Procuradoria Geral da República, que não a honram, e que demonstram que ela se pode converter, em dado momento, num simples instrumento nas mãos do Poder Executivo.

A lei n.° 1:335, que tem a data de 25 de Agosto de 1922, visa a autorizar o Govêrno a publicar uma reforma das pautas aduaneiras. Tem numerosas bases e a sua mecânica é esta:

Pensavam os autores desta autorização, o Parlamento de 1922, que, não tendo tempo nem competência técnica para estudar uma alteração profunda das nossas pautas, se devia confiar ao Poder Executivo para, por intermédio dos seus órgãos técnicos, fazer essa reforma. Mas, ela não correspondeu aos resultados que se esperavam, e então, para melhorar a, obra do Govêrno, admitiu-se a seguinte

técnica. Têm os interessados seis meses para reclamar. Durante êsse prazo,, apresentam as suas reclamações e o Conselho do Serviço Técnico Aduaneiro tem dois meses para as examinar. Ao fim dêstes dois meses apresenta em globo o resultado das suas apreciações, e para isso poderá fazer inquéritos parciais às indústrias, ou proceder conforme as circunstâncias aconselharem.

Ao fim dêsse prazo apresenta o seu relatório, e então, sem prazo marcado taxativamente na lei, o Govêrno poderá publicar os decretos que entender, fazendo boas ou não as indicações do Conselho do Serviço Técnico Aduaneiro.

Quem fôr capaz de interpretar a lei de outra maneira, ou é demasiadamente esperto, porque consegue demonstrar que onde está branco se deve ler preto, ou então redondamente estúpido.

Dada a autorização em Março de 1922, toda a gente podia pensar que, uma vez que o Govêrno pedia uma autorização, tinha o seu estudo feito sôbre a matéria. Calculava-se que por Setembro ou Outubro de 1922 o Diário do Govêrno publicaria as pautas, com as alterações que o Govêrno podia fazer. O Govêrno pedia autorização anteriormente a Agosto de 1922 e aproveitou essa autorização publicando a revisão.

Em 27 de Março estavam publicadas as pautas. Seis meses depois estavam prontas todas as reclamações. Oito meses depois estavam julgadas.

Havia um prazo para julgar se as pautas refundidas correspondiam aos interêsses do País. Os interessados reclamavam, os consumidores apresentavam as suas reclamações e o Parlamento, que já tinha uma obra do Govêrno corrigida, tinha, oito meses para apreciar.

A primeira cousa que se fez foi o seguinte: em lugar de se trabalhar nada se fez.

Os seis meses eram suficientes para se apresentarem as reclamações pelos industriais, mas o que não era suficiente era julgar em dois meses as reclamações apresentadas.

Nós vemos o Sr. Joaquim Ribeiro defendendo a lavoura contra a indústria dos fosfatos.

Vemos o Sr. Vicente Barata atacar a fiação e defender a indústria das lãs.

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O Sr. Vicente Barata: - Eu falei na indústria da penteação.

O Orador: - Eu não sou técnico, mas posso tirar das palavras de S. Exa. as conclusões que entender.

Dois meses são insuficientes para um inquérito industrial.

A comissão encontrou-se em presença duma impossibilidade material: não podia dar o exame concreto de todas as reclamações no prazo de dois meses e então apelou para o Ministro, expôs-lhe as suas dificuldades, e o Ministro de então, que é por acaso um defensor da Constituição, que tem pela Constituição um respeito sagrado, que a defende como pode defender uma propriedade sua, e exactamente porque o Sr. Álvaro de Castro, Ministro em questão, tem esta familiaridade com a Constituição, permitindo-se de quando em quando maltratá-la, tal como certas pessoas tratam mal outras pessoas de família, embora as queiram impor ao respeito de todos, prorrogou os prazos marcados pela lei.

O Ministro omnipotente diz: "vamos lá rasgar um bocadinho das vestes da Constituição", e despacha prorrogando os prazos; mas o Conselho de Serviços Técnicos Aduaneiros, com certeza um pouco ofendido no seu espírito jurídico pela circunstância desta prorrogação ilegal, diz ao Ministro que é melhor consultar a Procuradoria Geral da República. Assim acontece, e então a Procuradoria, que deve servir para zelar o respeito pelas leis, trata a lei n.° 1:330 com a mesma sem cerimónia com que a tratou o Sr. Álvaro de Castro, faz da lei uma rodilha e formula dois pareceres que seriam o bastante para o Poder Legislativo se convencer de que dentro do espírito desta lei está o direito de o Poder Executivo se substituir permanentente ao Poder Legislativo.

Eu, que não tenho espírito jurídico, entendo que para se fazerem leis assim então melhor seria ficarmos sujeitos à vontade dos Govêrnos, porque ao menos êstes têm de assumir perante nós, claramente, a responsabilidade dos actos que praticaram.

Sr. Presidente: o actual Sr. Ministro das Finanças disse o bastante para nos convencer de que está de acordo connosco, mas porque é que S. Exa., autorizado como está por um despacho magnânimo do Sr. Álvaro de Castro prorrogando os prazos marcados pela lei, porque é que o Sr. Ministro das Finanças, autorizado pela interpretação da Procuradoria Geral da República, que consegue demonstrar que isto de saber leis e escrever não serve de nada porque quando se lê branco se deve ler preto, porque é que S. Exa. até agora não publicou nenhum dos decretos alterando a taxação de certos artigos da pauta, como lhe tem sido solicitado, com certeza, muitas vezes?

Não o fez porque S. Exa. tem a certeza de que a interpretação da Procuradoria da República não está dentro da lei.

Não se trata, para mim. de estabelecer se queremos ou não proteger determinadas indústrias; evidentemente, todos nós queremos proteger o trabalho nacional, mas queremos proteger o trabalho nacional dentro daqueles limites que o interêsse comum comporta.

Evidentemente êste problema é complexo, porque certas medidas de actividade nacional opõem-se umas às outras, e, de um certo modo, dentro de um regime exageradamente proteccionista, há, pelo menos, uma entidade que tem de considerar-se, que é o consumidor, que naturalmente é desfavorecido por exageros de protecção.

Eu não quero que a protecção se não dê, quero que a protecção se estenda a todas as indústrias cuja vida seja viável dentro do respeito pelo consumo, porque precisamos produzir para vivermos e porque, na situação em que estamos, atentar contra a actividade nacional é cometer um crime contra a Nação.

Êsse estudo, repito, é complexo e então o Poder Executivo encontra-se em face não de tentativas de estudo integral do problema, mas em face de pedidos contínuos para que num dia se altere a situação relativa a um artigo, no dia seguinte relativa a outro, vivendo-se assim em regime atrabiliário, atendendo dia a dia os interêsses novos que vão surgindo, em lugar do Poder Executivo se procurar munir de elementos suficientes para que em regime de pautas consolidemos uma certa situação.

Se o Ministro não tem leis para decretar tem obrigação de pôr o problema perante o Poder Legislativo.

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o Poder Legislativo decretar uma reforma de pautas sujeita posteriormente a reclamações, cujos prazos de reclamação e estudo fixaríamos de harmonia com a experiência; ou quero o Poder Legislativo reconhecer a sua própria incompetência como todos os dias amavelmente está reconhecendo, e entregar ao Poder Executivo o direito de, à face de uma certa lei que substitua a lei n.° 1:335, arranjar uma pauta que estude conscienciosamente até que o Parlamento se julgue habilitado, por sua vez, a fazer a revisão dessa pauta? Estas duas atitudes é que o Sr. Ministro das Finanças tem obrigação de pedir que se desenhem.

Acreditem V. Exas. que só num Pais como o nosso, de desregrada vida administrativa, em que a lei é cousa nenhuma, são possíveis casos como os Bairros Sociais, Banco Angola e Metrópole, Transportes Marítimos, etc.

Pareceu-me, pela leitura feita da moção do Sr. Vicente Barata que pretendia dar uma espécie de autorização ilegal ao Govêrno para continuar a proceder como quisesse; não é um bill de indemnidade que se pretende dar ao Govêrno para os pecados do passado, é uma permissão dada ao Govêrno para continuar a tentar contra o espírito e letra das leis.

Pois não é muito mais simples que respeitamos as leis?

Quando as leis sejam insuficientes fabriquemos leis novas; é muito mais simples isso do que vivermos em regime de arbítrio, de à vontade ministerial.

Acredito que o actual Sr. Ministro das Finanças não abusaria da lei, mas. amanhã, nas mãos de qualquer inexperiente, poderia ser a forma fácil de satisfazer todos os interêsses ilegítimos.

Quanto à parte económica da questão todos estamos de acordo. Só podem viver em regime não proteccionista aqueles países que têm tal abundância de capitais que têm as suas indústrias montadas de tal forma que podem concorrer em preço com as indústrias estrangeiras congéneres. Entre nós, se não dermos protecção ao trabalho nacional, evidentemente que se há-de dar uma invasão grande do produto estrangeiro.

Mas não estamos agora a discutir isso. Discutimos apenas como é que se deve dar a protecção às indústrias. Há uns que dizem: vamos protegê-las de acôrdo com o estudo dos técnicos e dentro das disposições legais: há outros, que, com um desrespeito absoluto pelas leis, dizem: temos de protegê-las de qualquer forma e não nos importamos se estamos ou não habilitados a dar essa protecção.

Ora, como eu reputo esta última opinião um mau princípio, como considero o Sr. Ministro das Finanças como um homem honesto, atrevo-me a dar-lhe um conselho: se S. Exa. entende que lhe deve ser concedida uma autorização semelhante à da lei n.° 1:335 que o diga francamente à Câmara; se não entende assim, apresente ao Poder Legislativo o trabalho que confeccionar sôbre a remodelação das pautas aduaneiras.

Caso contrário, viverá fora da lei e um dia, quando porventura se dêem cousas graves, quem sabe se acusarão S. Exa. e todos os Ministros que têm mostrado desrespeitar as leis do terem favorecido a tendência do povo português para o não cumprimento das disposições legais.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Joaquim Ribeiro: - Sr. Presidente: parece-me que a Câmara está convencida já da utilidade desta interpelação.

Ouvi com atenção a resposta que deu o Sr. Dr. Marques Guedes, ilustre Ministro das Finanças. Como muito bem disse o Sr. Cunha Leal, o Sr. Ministro das. Finanças estava tam certo da razão que assistia à minha pessoa e a todos os que pensam como eu, que esperou que na Câmara se definisse doutrina para então resolver.

Quere dizer: aquilo a que se recorreu, que foi uma decisão da Procuradoria Geral da República, que é um bocado - é preciso confessá-lo - acomodatícia aos desejos dos Governos, não justificava o processo que se estava seguindo de os vários Ministros que passavam peia pasta das Finanças estarem de vez em quando a modificar as pautas aduaneiras.

Sr. Presidente: eu disse aqui que falava como lavrador. A lavoura é uma indústria que precisa do maior carinho e protecção.

Apoiados.

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É a única indústria que vive no meio de dificuldades de toda a natureza e, como disse o Sr. Ministro das Finanças, é uma indústria fàcilmente falível, quando as condições climatéricas e outras semelhantes lhe são adversas, o que acontece, infelizmente, muitas vezes. Não é, pois, uma indústria remuneradora, como tantas outras.

Desempenhando, como desempenha, um papel de primacial importância na nossa vida económica, ela deve ser, repito, olhada com o maior carinho.

Sr. Presidente: estranhei que o Sr. Vicente Barata, Deputado pela Covilhã, longo de defender os interêsses dessa região, viesse aludir, pela forma por que o fez, à questão dos superfosfatos.

Uma vez que S. Exa., vagamente é certo, limitando-se a falar em simples possibilidades - porque não conhece o assunto - diz ser possível, ser necessária mesmo a produção dos superfosfatos, tenho a dizer a S. Exa. e à Câmara que, nessa questão, como nas restantes que respeitam a êste debate, só me norteiam os altos interêsses da lavoura.

O Sr. Vicente Barata: - Eu aventei apenas a hipótese. Ao competente organismo cumpre averiguar se a produção se impõe ou não...

O Orador: - Repito a V. Exa. que só me norteiam os altos interêsses da lavoura nacional. Competia-me estudar também êsse aspecto da questão, e creia V. Exa. que ou nunca falaria se não reputasse absolutamente legítimo o que defendo.

Apoiados.

Sou incapaz de malquerenças ou ódios, o jamais perseguiria com pensamentos ruins qualquer indústria.

Apoiados.

Ao Sr. Vicente Barata permita-me V. Exa., Sr. Presidente, que eu diga que a produção nacional do superfosfato do ano findo foi consumida, que houve uma exportação de 2:500 toneladas e que para o consumo público foi necessário importar 30:000 toneladas de superfosfato estrangeiro.

Essa indústria tem uma protecção natural. Tenho comigo documentos que qualquer Sr. Deputado pode apreciar.

Em França uma tonelada de superfosfato custa pouco mais de 160$; em Portugal importa em 252$20.

Vamos a ver o que é a indústria de superfosfatos em Portugal.

Existem três fábricas do género: uma, grande, que honra a indústria nacional pelo esfôrço que representa e pela maneira como está instalada. Sou insuspeito - diga-se de passagem - fazendo uma afirmação desta natureza. As outras duas, mais modestas, sem as capacidades de produção que possam torná-las suficientemente remuneradoras do seu trabalho, e que, portanto, não podem competir com a primeira.

A Inglaterra, que não é um país agrícola, senão sob o ponto de vista secundário, fabrica qualquer cousa como um milhão e meio de toneladas.

A Inglaterra, onde o proteccionismo raras vezes vinga, vê todos os dias os seus mercados inundados de superfosfatos estrangeiros. Uma relação que aqui tenho demonstra que, do ano para ano, a distribuição de superfosfato em Inglaterra aumenta e que a protecção deminui.

E, então, os fabricantes, os interessados, apelaram para o Govêrno, para que protegesse a indústria nacional.

O Govêrno nomeou uma comissão, à frente da qual colocaram juizes e Deputados, que estudaram com cuidado as reclamações apresentadas. Tempo depois o Govêrno respondia:

"Poderá o Govêrno proteger essa indústria no dia em que ela se modernize".

Quere dizer: o Govêrno entendia que não devia proteger a indústria nacional, que não fazia por se colocar à altura das estrangeiras congéneres. Só mereciam protecção aquelas que procurassem servir o consumidor, modernizando-se.

Tive, como agricultor, de intervir perante os vários Ministros das Finanças, mostrando ser injusto o que se estava fazendo na comissão de pautas.

Lastimei que o Parlamento estivesse fechado, porque viria aqui para pedir contas a quem de direito.

Sr. Presidente: parece-me não ter de arrepender-me de me levantar mais uma vez em defesa dos interêsses da lavoura,

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que estão tara postergados, porque nós vivemos na mais triste das situações.

O enxofre, que é hoje um produto estrangeiro, está monopolizado nas mãos de um único homem em Portugal.

Se êsse homem que monopoliza o enxofre monopolizasse os superfosfatos, consequência lógica dessa protecção pautal, viria a monopolizar o sulfato de cobre, porque o homem que viesse a ter êste monopólio praticaria um acto benemérito.

Temos de nos defender contra as atitudes dos que, julgando que são poderosos, assim procedem, para o que contribuirei com o meu esfôrço, a bem de nós mesmos.

É uma ilegalidade o que se está fazendo.

Parece que está mais que justificado o meu fim, que é o alto interêsse do País.

E estou bem à vontade quando assim falo em nome da Câmara a que pertenço. Por isso, mando para a Mesa uma substituição à última parte da minha moção. Procuro assim legalizar uma situação.

Disse o Sr. Ministro das Finanças que, em virtude da impossibilidade constatada pelo seu antecessor de actualizar a pauta antiga, achava conveniente a actualização de outros artigos para que ainda não temos tabela, e ainda não estão actualizados.

Que o Sr. Ministro e o Govêrno se disponham, de urna vez para sempre, a fazer uma medida geral sôbre pautas, protegendo aquelas que devem ser protegidas, porque nem todas merecem protecção, porque não têm garantias de existência.

A substituição que mando para a Mesa, à última parte da minha moção, é a seguinte:

Substituir na moção a partir de "resolve" por: "Resolve autorizar o Govêrno a actualizar, no prazo de seis meses, os direitos sôbre mercadorias que na pauta actual não se encontram isentas isto é livres". - Joaquim Ribeiro.

O orador não reviu.

O Sr. José Maria Alvarez: - Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que uso da palavra nesta Câmara, cumpre-me dirigir a V. Exa. os meus respeitosos cumprimentos; a todos os ilustres parlamentares igualmente os meus cumprimentos. Sr. Presidente, se ousei pedir a palavra neste debate, relativo à interpelação feita pelo ilustre Deputado e meu amigo Sr. Joaquim Ribeiro ao Sr. Ministro das Finanças, foi por julgar indispensável que esta Câmara se pronuncie sôbre se é ou não favorável à protecção, dar às indústrias nacionais, e se, também, acha ou não indispensável facilitar à indústria portuguesa todos aqueles factores que igualmente se tornam necessários ao sou desenvolvimento, nesse sentido mando para a Mesa a seguinte moção que passo a ler:

A Câmara dos Deputados, reconhecendo a crise que vem assoberbando a indústria portuguesa, ameaçando aniquilar o trabalho nacional, podendo assim levá-la a uma situação de ruína que gravemente afectaria a economia da Nação, resolver:

a) Estudar a melhor forma de promover a fortificação do seu crédito, pela criação do "crédito industrial".

b) Facilitar quanto possível a exportação dos seus produtos, de maneira a poderem concorrer com os similares uos mercados estrangeiros;

c) Actualizar as pautas de importação de molde a conceder-lhe uma devida, justa e equitativa protecção aduaneira;

d) Simplificar e suavizar o actual sistema tributário de forma a não tolher o desenvolvimento e eficácia do trabalho nacional;

e) Prestar a sua melhor atenção aos problemas das estradas, caminhos de ferro e portos, elementos de fomento a que urge atender inadiàvelmente coma factores essenciais do desenvolvimento de toda a produção, e continua na ordem do dia. - José Maria Alvarez.

Sr. Presidente: a indústria nacional há muito tempo que vem atravessando uma crise assustadora; urge que lhe acudamos o mais ràpidamente possível.

Sempre que se fala em auxílio às indústrias, pensam quási todos que êsse auxílio, a dar, se restringe à protecção pautal. A indústria precisa tanto menos ser auxiliada pela pauta aduaneira quanto mais a sua vida lhe fôr facilitada por vários factores de actividade económica.

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Sempre que se trata de protecção pautal levanta-se uma enorme celeuma contra a indústria.

Sr. Presidente: quero afirmara V. Exa. e à Câmara que estou aqui defendendo a indústria em geral, não como industrial mas como Deputado.

Quero que as indústrias sejam protegidas, mas não perdendo de vista a economia nacional.

Quási sempre ao referirem-se às industrias ouço esta expressão: "indústrias que têm razão de ser e indústrias parasitárias", palavra esta que, confesso, não gosto de ouvir nem de pronunciar.

Defendendo a indústria, eu quero principalmente defender o trabalho nacional e não quero que se use e abuse do sistema de atacar a protecção às indústrias que dizem têm razão de existir para atacar aquelas que não têm razão de ser.

Sôbre a crise que a indústria está atravessando eu julgo que é indispensável que o Govêrno, e muito especialmente o Sr. Ministro das Finanças, facilite à indústria nacional o crédito indispensável, estabelecendo o "Crédito Industrial".

Eu sei que o crédito industrial nem por todos é defendido, eu sei mesmo que muitas das propostas que têm sido levadas junto dos governos, algumas das quais, até, estudadas com intervenção de alguns digníssimos parlamentares, não têm merecido o acordo de todos, mas eu tenho inteira confiança no Sr. Ministro das Finanças, e sei que S. Exa., pelo seu talento e pelas suas qualidades de trabalho, poderá com facilidade resolver êste problema.

O que falta à indústria é o crédito a longo prazo. Alguns bancos e casas bancárias alguma cousa estão a fazer nesse sentido, mas, salvo pequenas excepções, levam um juro elevadíssimo que em muitos casos chega, entre juro e comissões a 20 e 24 por cento.

Para que a indústria possa utilizar-se dêsse crédito, de maneira a poder desenvolver-se, deve-se tomar sempre em conta o juro módico e o longo prazo.

Há uma indústria que está em crise que eu tenho a certeza de que, se o crédito industrial já fôsse um facto, estaria por certo atenuada: refiro-me à crise da indústria da construção civil. Há ainda a atender que a solução da crise desta indústria viria sancionar igualmente a crise de muitas outras indústrias que são fornecedoras da construção civil.

Sr. Presidente: a protecção aduaneira a dar às industrias nacionais tem de lhes ser facultada através das pautas de exportação o importação.

Relativamente à pauta de exportação, felizmente, nestes últimos tempos, tem sido modificada, mas a última modificação feita ainda pelo ilustre Deputado Tôrres Garcia, quando Ministro das Finanças, como julgo ter sido incluída no número de decretos julgados inconstitucionais, ainda não teve aplicação. Informam-me de que está em qualquer comissão desta Câmara; urge que, se, efectivamente, assim é, elas dêem o seu parecer a fim de que seja discutido com a máxima urgência porque dessa pauta depende o futuro das nossas indústrias exportadoras.

Fazer entravar de qualquer maneira a exportação dessas indústrias é um verdadeiro crime de ordem económica. Bem basta o que, há muito tempo, a maior parte dessas indústrias está sofrendo, e eu quero referir-me a várias indústrias exportadoras, todas elas com uma posição bem nítida e marcada na nossa pauta de exportação, tais como as indústrias da cortiça, das conservas, electro cerâmicas, de porcelanas, de faianças, resinosas, e todas atravessando uma vida bem difícil.

Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, emquanto não tivermos resolvido o problema das estradas, factor êste muito importante para facilitar a nossa exportação, não pensarmos em alterar as tarifas dos caminhos de forro, e não tratarmos dos nossos portos, é escusado pensar em desenvolver as nossas indústrias extractivas, pois a verdade é que não temos forma de tentar marcar uma situação no mercado mundial.

Na verdade, Sr. Presidente, as dificuldades que se levantam à indústria de exportação são enormes, não podendo nós de maneira nenhuma concorrer com o estrangeiro, tanto mais quanto é certo que em todos os países se está, não só facilitando a exportação, como ainda se facultam às indústrias prémios de exportação.

Nós vemos, Sr. Presidente, por exemplo, que em Lisboa a cutilaria se está comprando mais barata do que se com-

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pra na Alemanha, o mesmo só dando com os cristais, com a porcelana e as louças.

Assim, Srs. Deputados, eu não compreendo por que motivo não há-de o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros fazer uma consulta por intermédio do todos os nossos cônsules, sôbre o assunto, verificando quais os países que exercem o dumping sôbre o nosso mercado.

É absolutamente necessário, a meu ver, que S. Exa. faça a esto respeito um rigoroso inquérito, tomando depois as medidas que julgar necessárias.

A lei que estabeleceu, o ad valorem foi a lei mais perniciosa para a exportação dos nossos produtos, foi o verdadeiro travão, da nossa exportação.

É uma lei, Sr. Presidente, que deve ser revogada, atendendo porém aos direitos criados às câmaras municipais.

Assim, na verdade, não há meio de podermos competir com o estrangeiro, isto é, do podermos marcar uma situação nos mercados estrangeiros.

Portanto, torna-se absolutamente necessário, a meu ver, que o Sr. Ministro das Finanças consiga da respectiva comissão a pauta de exportação, se bem que algumas das taxas tenham de ser modificadas, como por exemplo as que dizem respeito às pirites, pranchas de cortiça, lagostas e caulinos.

Visto que falei na comissão do pautas, permita-me o ilustre Deputado e meu amigo Sr. Joaquim Ribeiro que lhe diga que foi injusto na forma como apreciou aquela comissão.

Não afirmo isto por ser eu um dos membros da referida comissão, acaso dos mais humildes e o que menos serviços tem prestado, mas porque posso ter o prazer do declarar à Câmara que fazem parte da comissão de pautas individualidades dignas de toda a nossa consideração, como são os representantes das alfândegas, das colectividades económicas e dos Institutos Superiores do Comércio e Técnico e Conselho Superior do Comércio e Indústria.

Essa comissão tem trabalhado o mais que tem podido.

A situação em que se encontram as indústrias é a consequência do salto brusco que deram os câmbios, passando a libra de 150$ para 100$.

Tendo havido a esperança de se chegar à estabilização da moeda, entendeu-
se que a indústria ficava protegida pela diferença cambial.

Não foi previsto aquele salto brusco de câmbio.

Foi êle assim que deu causa aos sacrifícios da indústria, que a breve trecho só encontrou na necessidade de vender os seus stocks com prejuízo para fazer faço à concorrência estrangeira.

Afluíram então muitas reclamações, que tem de ser atendidas, pela comissão de pautas e cujo estudo levará ainda algum tempo, para se poder produzir trabalho útil e consciencioso.

Sr. Presidente: desejo referir-me à indústria das conservas, pois foi com espanto que ouvi ao ilustre Deputado Sr. Amâncio de Alpoim acusá-la de pouco escrupulosa na sua exportação.

De facto, durante a guerra, deram-se casos anormais, mas não podemos fazer uma idea por um caso excepcional.

Desejo referir-me aos azeitas indispensáveis a esta indústria e não quero que os Srs. Deputados agrários vejam nas minhas palavras um ataque à lavoura; todos sabem que a Câmara me merece a maior simpatia e eu sempre a tenho defendido nas comissões de que tenho feito parte.

A indústria dos azeites é uma das indústrias que mais se têm desenvolvido de há anos para cá, e. só não fôsse assim, a indústria das conservas não teria tido tam grande incremento.

Os azeites nacionaes já hoje são adquiridos pela maioria das fábricas de conservas, provando assim quanto se tem desenvolvido entre nós a indústria dos azeites.

Mas, Sr. Presidente, fábricas há que ainda têm de importar azeites finos para as suas conservas, azeites que ainda não encontram nos nossos mercados, de qualidade igual àquela que lhes exigem os mercados compradores.

Para êstes azeites, Sr. Presidente, temos de manter o regime de drawbrack existente.

A defesa dos azeites nacionais está em sobretaxar mais fortemente os óleos comestíveis. Aí é que está a protecção. Essa taxa já foi aprovada pela comissão de pautas e a indústria espera que o Sr. Ministro das Finanças a publique.

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Há quatro meses que já estão aprovadas variadíssimas taxas, sem que até hoje tenham sido publicadas.

Ouvi com satisfação a opinião do Sr. Ministro das Finanças no que respeita à protecção pautal; mas devo dizer que me preocuparam as criteriosas palavras do ilustre Deputado Sr. Cunha Leal pela incerteza em que fico só dêste debate sairá a indispensável autorização para que o Sr. Ministro das Finanças possa legalmente fazer as alterações indispensáveis às pautas aduaneiras.

Na minha moção peço uma justa e equitativa protecção. E eu, que sempre tenho pugnado pela valorização da indústria nacional, presto aqui, neste momento, a minha homenagem ao operariado português, que eu considero dos melhores do mundo. Com esplêndidas qualidades de adaptação, a deficiência de instrução profissional do operariado é fàcilmente substituída pela sua inteligência e pela sim aplicação, e, ainda que muitas vezes seja levado para o mau caminho por aqueles que só precisam dele para determinados fins, na sua grande maioria honra o trabalho nacional.

Apoiados.

E é para a defesa do trabalho nacional que eu quero que a indústria portuguesa seja convenientemente defendida nas pautas aduaneiras.

Sôbre importação nada mais tenho a dizer senão que espero que o Sr. Ministro das Finanças, a quem presto a minha homenagem, depois dêste debate traga à Câmara, se assim o julgar indispensável o com n urgência devida, o que entender necessário para se poderem pôr imediatamente em vigor as taxas já aprovadas e a aprovar.

Sr. Presidente: julgo indispensável manter a comissão de pautas mesmo com carácter permanente. Tem de fixar-se, naturalmente, o prazo para as reclamações, até para só não estar sempre a mexer nas pautas e para o Sr. Ministro dos Estrangeiros ter facilidade de poder negociar tratados de comércio com os outros países, mas o que é indispensável é que aquela comissão se mantenha com carácter permanente para poder estudar e avaliar das necessidades da indústria.

Sr. Presidente: antes de terminar as minhas considerações quero referir-me ao

inquérito industrial preconizado por todos os oradores que me precederam neste-debate.

É. na realidade, absolutamente indispensável fazer-se o inquérito industrial. Ele pode fazer-se por intermédio dos organismos técnicos já existentes e muito pode ser ajudado pela comissão do pautas, trabalhando em conjunto com aqueles organismos. Esta comissão já está produzindo nesse sentido alguma obra, mas muito mais poderá fazer logo que se encontre liberta das reclamações que tem ainda que estudar.

Termino, Sr. Presidente, apelando para. a Câmara e para o Govêrno a fim de que dediquem toda a sua melhor atenção às indústrias do País, facilitando-lhes o mais possível a sua vida e contribuindo assim para o progresso da riqueza pública. Não sou daqueles pessimistas e derrotistas que vêem constantemente um destino negro para Portugal; pelo contrário, pertenço ao número dos optimistas, tendo uma grande fé nos destinos do País o a certeza da prosperidade da minha Pátria.

E assim V. Exas. facultem a vida industrial do País que a minha esperança e a minha convicção se transformarão em realidades próximas.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador foi muito cumprimentado pela sua estreia parlamentar.

E lida e admitida a moção.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, com a seguinte ordem do dia:

Parecer n.° 45-B, orçamento do Ministério dos Estrangeiros.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Pareceres

Da comissão de legislação criminal, sôbre o n.° 64-A, que abrange na alínea h) do artigo 3.° da lei n.° 1:629, de Julho de 1924, os crimes e transgressões de matéria civil a que corresponda pena até 6 meses, com ou sem multa, excepto de furto, abuso de confiança e burla.

Imprima-se.

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Da comissão de finanças, sôbre o n.° 3-C, que autoriza o Govêrno a decretar o regulamento disciplinar da guarda fiscal.

Imprima-se.

Da mesma, sôbre o n.° 11-A, que determina que os oficiais que fizeram parte do serviço de aviação militar, em designadas condições, gozem das vantagens da lei n.° 940, de 13 de Fevereiro de 1920.

Imprima-se.

Da comissão de instrução primária, sôbre o n.° 948-F, que autoriza o Govêrno a vender os edifícios onde se acham instaladas as escolas primárias de Cadima e de Aljuriça.

Para a comissão de administração pública.

Projectos de lei

De Sr. Alfredo de Sousa, promovendo a capitão o tenente de cavalaria Carlos da Cunha Pinto Balsemão e contando-se-lhe a antiguidade dêsse pôsto desde 11 de Março de 1911.

Para, o "Diário do Govêrno".

Do Sr. Pedro Pita, desanexando da assemblea eleitoral de Vila Velha de Ródão a freguesia de Fratel, que constituirá outra assemblea eleitoral.

Para o "Diário do Govêrno".

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, Repartição Central da Direcção Geral de Contabilidade Pública, me sejam fornecidas cópias dos seguintes documentos referentes ao processo n.° 118, livro 9, respeitante a Ana da Conceição Neves, viúva do segundo sargento reformado Francisco Matias:

1) Do requerimento do 12 de Outubro de 1923;

2) Do mapa da inspecção sanitária feita em 4 de Março de 1922 no Hospital Militar de Lisboa;

3) Da cópia da informação da 5.ª Repartição da 2.a Direcção Geral do Ministério da Guerra, constante da nota n.° 7:433, de 6 de Novembro de 1923; e

4) Do parecer n.° 952, livro 50, de 30 de Novembro de 1923, da Procuradoria Geral da República.

3 de Março de 1926. - Rafael Ribeiro.

Expeça-se.

Requeiro que, pelo Ministério da Instrução Pública, Direcção Geral do Ensino Secundário, me seja fornecida cópia da informação do Sr. reitor do Liceu de Santarém e da respectiva acta do conselho escolar, uma e outra relativas à reclamação de Mário Guimarães Nobre no concurso para professor provisório do mesmo liceu para o ano lectivo de 1925-1926, e bem assim da informação emitida sôbre o assunto pela competente repartição e do despacho que obteve.

3 de Março de 1926.- Rafael Ribeiro.

Expeça se.

Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me sejam enviados:

Almanaque do exército;

Lista de antiguidades, dos sargentos referidos a 31 de Dezembro de 1925.

Caso ainda não fossem publicados êstes diplomas, solicitava a remessa dos já publicados, devidamente actualizados, e que restituirei no prazo máximo de um mês.

Necessito dêstes documentos, como relator da comissão de guerra, no estudo do decreto n.° 11:294.

3 de Março de 1926. - Henrique Pires Monteiro.

Expeça se.

Requeiro que, pelo Ministério da Instrução Pública, me seja passada cópia do processo em que foi julgado absoluta e permanentemente impossibilitado de exercer as suas funções o professor da Escola Primária Superior de Bragança, Augusto César Moreno.

Outrossim requeiro que, pelo Ministério das Finanças. Repartição Central de Contabilidade Pública, me seja entregue cópia do auto de exame de sanidade a que o mesmo funcionário foi submetido em Dezembro de 1925 e que deu o referido funcionário como apto para o serviço.

3 de Março de 1926.- Lopes Cardoso.

Expeça-se.

Ofícios

Do Ministério da Marinha, solicitando uma cópia autêntica da moção aprovada pela Câmara, que mandou baixar o decreto n.° 11:306, de 30 de Novembro de 1925, às respectivas comissões para sôbre êle emitirem parecer.

Satisfaça-se.

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Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados.- Pelo Boletim Oficial do Congresso n.° 52 tomei conhecimento das declarações de voto feitas a propósito da moção que tive a honra de apresentar e foi aprovada em sessão de l do corrente.

Nunca foi minha intenção lesar os legítimos interêsses da indústria de moagem particular. A lavoura nacional ratifico as minhas homenagens, não podendo ser abrangida pelo conteúdo da referida moção.

A moção, que foi largamente discutida não tem outro objectivo que não seja manter a situação legal e necessária aos interêsses superiores do Estado que a Manutenção Militar ocupa neste momento.

As outras moções aprovadas na mesma sessão confirmam esta orientação. A resolução da maioria da Câmara dos Deputados, aprovando a referida moção, outro alcance não poderia ter.

Sala das sessões, 3 de Março de 1926. - Henrique Pires Monteiro.

Para a acta.

O REDACTOR - Avelino de Almeida.

33 - Imprensa Nacional - 1925-1926

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