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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 46

EM 4 DE MARÇO DE 1926

Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Rodrigues Gaspar

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Mariano de Melo Vieira

Sumário.- A sessão é aberta com a presença de 45 Srs. Deputados, procedendo-se à leitura da acta, que é depois aprovada. É lido o expediente, que tem o devido destino.

Antes da ordem do dia - O Sr. Filomeno da Câmara protesta contra o decreto n.º 86, do Ministério das Colónias. O Sr. Abreu e Lima, para explicações, diz que na comissão de colónias se encontra um projecto de lei modificando as disposições daquele decreto O Sr. Teixeira Pinto apresenta um projecto de lei tornando obrigatório o uso de para-quedas nos aviões. O St. Alberto Jordão refere-se a factos irregulares praticados pelo administrador do concelho da Golegã. O Sr. Adolfo Leitão pede que se reprimam os abusos cometidos nas nossas áquas por barcos estrangeiros de pesca. O Sr. Rafael Ribeiro refere-se às condecorações conferidas por motivo da repressão do movimento, de 18 de Abril. O Sr. João Salema diz que não deve ser permitida a entrada de milho exótico. O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia) manifesta o seu acordo com essa opinião. O Sr. Pires Monteiro pede, que se proceda ao desassoreamento do porto de Leixões e, que se conclua o ramal de Contumil. O Sr. Ministro do Comércio (Gaspar de Lemos) promete consagrar ao assunto todo o seu interêsse, O Sr. Pires Monteiro, para explicações, agradece as palavras do Sr. Ministro do Comércio.

Ordem do dia - Entra em discussão o Orçamento Geral do Estado, na generalidade. É aprovado depois de usar da palavra o Sr. António Cabral. Entra em discussão o parecer sôbre o orçamento de despesa do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Usam da palavra os Srs. Rafael Ribeiro, Agatão Lança, Teixeira Pinto, Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges), Dagoberto Guedes, Carvalho da Silva, Lino Neto e Alfredo Nordeste, que fica com a palavra reservada. Interrompida a sessão às 19 horas e 30 minutos, é reaberta às 21 horas e 45 minutos, concluindo o Sr. Alfredo Nordeste as suas considerações, e usando seguidamente da palavra os Srs. Manuel José da Silva, José Domingues dos Santos, Ministro dos Negócios Estrangeiros, Afonso de Melo, Dinis da Fonseca, Domingos Pereira e Agatão Lança. Feitas as votações das propostas apresentadas e das emendas da comissão, o Sr. Presidente encerra os trabalhos; marcando nova sessão para o dia imediato, com a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão às 15 horas e 11 minutos.

Presentes à chamada 45 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 76 Srs. Deputados.

Srs. Deputados que responderam à chamada:

Adolfo de Sousa Brasão.
Adolfo Teixeira Leitão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alexandre Ferreira.
Alfredo Pedro Guisado.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Rodrigues.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
Artur Brandão.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Pais de Almeida.
Dagoberto Augusto Guedes.
Domingos José de Carvalho Araújo.
Felizardo António Saraiva.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Filomeno da Câmara Melo Cabral.
Francisco Godinho Cabral.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Maria Pais Cabral.
Henrique Pereira de Oliveira.
João Baptista da Silva.
João da Cruz Filipe.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Maria de Oliveira Simões.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Toscano Sampaio.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Rosado da Fonseca.
José Vicente Barata.
Luís da Costa Amorim.
Luís de Sousa Faísca.
Mariano Melo Vieira.
Maximino de Matos.
Pedro Góis Pita.
Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.
Sebastião de Herédia.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abel Teixeira Pinto.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto Carlos da Silveira.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Nogueira Gonçalves.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo da Cruz Nordeste.
Álvaro da Cunha Ferreira Leite.
Amilcar da Silva Ramada Curto.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Alvares Pereira Sampaio Forjaz Pimentel.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António José Pereira.
António Lino Neto.
António Lobo de Aboim Inglês.
António de Paiva Gomes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur da Cunha Araújo.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Carlos de Barros Soares Branco.
Custódio Lopes de Castro.
Custódio Martins de Paiva.
Daniel José Rodrigues.
Delfim Costa.
Diogo Albino de Sá Vargas.
Domingos Leite Pereira.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Eduardo Ferreira dos Santos Silva.
Elmano Morais Cunha e Costa.
Filemon da Silveira Duarte de Almeida
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Bernardino de Sousa Carvalho.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Raimundo Alves.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carlos Trilho.
José Domingues dos Santos.
José Maria Alvarez.
José Marques Loureiro.
José de Moura Neves.
José de Vasconcelos de Sousa Nápoles.
Lourenço Correia Gomes.
Luís Gonzaga da Fonseca Moreira.
Manuel Alegre.
Manuel da Costa Dias.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Manuel Homem de Melo da Câmara.
Manuel José da Silva.
Manuel Serras.
Manuel de Sousa Coutinho Júnior.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.

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Sessão de 4 de Março de 1926 3

Raúl Lelo Portela.
Rodrigo Luciano de Abreu e Lima.
Rui de Andrade.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Vasco Borges.
Viriato Sertório dos Santos Lobo.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Afonso Augusto da Costa.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Xavier de Castro.
Amâncio de Alpoim.
Aníbal Pereira Peixoto Beleza.
António Alves Calem Júnior.
António Araújo Mimoso.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António José de Almeida.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Marques Guedes.
Artur Saraiva de Castilho.
Augusto Rebelo Arruda.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Fuseta.
Domingos António de Lara.
Domingos Augusto Reis Costa.
Idalêncio Froilano de Melo.
Jaime António Palma Mira.
João Estêvão Águas.
João Lopes Soares.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
José António de Magalhães.
José do Vale de Matos Cid.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano da Rocha Felgueiras.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Raul Marques Caldeira.
Severino Sant'Ana Marques.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Zacarias da Fonseca Guerreiro.

Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 45 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 11 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofícios

Do Senado, enviando uma proposta de lei que substitui o artigo 1.° da lei n.° 1:736, de 9 de Fevereiro de 1925.

Para a comissão de guerra.

Do Ministério dos Negócios Estrangeiros, satisfazendo ao requerido pelo Sr. Rafael Ribeiro, comunicado no ofício n.° 284, de 2 de Fevereiro.

Para a Secretaria.

Representações

Do capitão Salvador José da Costa, requerendo para ser presente à comissão de guerra, para ser resolvida a sua situação, o presente requerimento e mais documentos.

Para a comissão de guerra.

Do primeiro cabo reformado Gustavo Gonzalez d'Elpaz, pedindo para lhe serem aplicadas as disposições em vigor sôbre mutilados de guerra.

Para a comissão de guerra.

Admissões

Projecto de lei

Do Sr. João B. de Sousa Carvalho, concedendo a aposentação aos actuais oficiais de diligências das administrações do concelho e aos contínuos das câmaras municipais.

Para a comissão de administração pública.

Proposta de lei

Dos Srs. Ministros do Comércio e da Instrução Pública, autorizando o Govêrno a indemnizar o proprietário da Igreja de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra, com 20.000$.

Para a comissão de instrução superior.

Antes da ordem do dia

O Sr. Filomeno da Câmara: - Sr. Presidente: todos os Srs. Deputados têm

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4 Diário da Câmara em Deputados

lastimado a ausência do Govêrno nesta parte da sessão, antes da ordem do dia, que nos f acolita tratar de quaisquer assuntos e levar até S. Exa. as nossas reclamações.

Peço por isso a V. Exa. para transmitir ao Sr. Ministro das Colónias as palavras que vou pronunciar.

Tenho presente uma mensagem dirigida pelos funcionários da província de Angola ao Sr. Presidente da República, na qual reclamam contra o decreto n.° 86, que lhes veio cercear o direito que tinham de fazer-se acompanhar de suas famílias quando seguiam para o ultramar.

Ouvi há dias nesta casa o Sr. Ministro das Finanças defender a tese de que os funcionários, públicos deviam ser bem pagos; mas, eu pregunto se êsse modo de pensar se estende unicamente aos funcionários do fisco que, numa volta de mão, colhem benefícios de milhares de contos, e só se deixara, na mais precária situação os humildes funcionários das colónias.

Pregunto ainda se, numa administração desmoralizada como a nossa, há o direito de fazer míseras economias à custa da situação ministerial das famílias dos funcionários coloniais.

Antes, mesmo de ler esta mensagem eu já tencionava falar aqui sôbre êste assunto, porque tive de intervir no caso de um funcionário colonial que, se embarcou hoje para Angola, com a mulher e a filha, foi devido à minha influência privada, conseguindo que uma companhia de navegação lhe cedesse, a crédito, duas misérrimas passagens de terceira classe, para que elas não ficassem ao abandono em Lisboa sem abrigo e sem pão.

Eu tenho ainda bem presente a atitude aflitiva dêsse humilde funcionário, que conta já 15 anos de serviço nas colónias, e cujas pupilas estavam cobertas por um véu de lágrimas, atrás do qual eu vi todo o seu afecto e sentimento profundamente feridos por ter de deixar a mulher e a filha na miséria emquanto êle era atirado lá para fora.

Eu não posso deixar de ler a V. Exas. algumas das sentidas palavras desta mensagem. Refere-se ela a um célebre artigo 16.° do decreto n.° 86, que proíbe que os funcionários que tenham vindo à metrópole com licença graciosa ou da junta possam regressar com suas famílias.

Dizem êles:

Leu.

Não merece o nome de nação colonial, nem de nação civilizada, aquela que diz ao funcionário: "Vai para o sertão, junta-te a uma preta, cafrealiza se e abandona a tua mulher e a tua filha às misérias da actual vida portuguesa e aos dichotes dêsses indivíduos que, nas esquinas de Lisboa., dirigem frases galantes às mulheres que passam, não se importando com as condições de quem quer que seja".

Apoiados.

Nesta administração perdulária e nesta hora em que o Govêrno joga a banca sueca com os tabacos, desejando que se estabeleça a régie para dar um tanto banquete à sua clientela, pretendem-se fazer insignificantes economias à custa dos humildes funcionários coloniais......

Mas o que é mais curioso é que êsses funcionários alegam que, realmente, nenhuma economia resulta, dessa medida.

É justíssima esta observação e êles podiam ainda dizer mais.

Se nós, de facto, projectando a nacionalidade portuguesa além-mar, pretendemos ali criar novas nacionalidades e fazer com que não seja uma frase vã, de uma retórica vazia, o "Portugal maior", e se lá queremos ter alguém que tenha amor à nossa Pátria, é necessário que não criemos no ânimo daqueles que para lá vão um espirito de revolta, contra a Nação.

Quero crer que o Sr. Ministro das Colónias, a quem tributo as homenagens do meu respeito e da minha amizade, não considerou reflectidamente quando pôs o seu nome neste diploma.

Se S. Exa. tivesse visto, esmo eu, êsse funcionário, que deve estar aí esta hora sulcando as águas da barra, acompanhado de sua mulher e de sua filha transportadas a crédito numa terceira classe, talvez que compreendesse bem quanto iníquo é êste diploma.

Mas, Sr. Presidente, eu sei que o próprio Ministro das Colónias transgrediu êsse decreto abonando passagem à família fez outro funcionário.

Peço a V. Exa. a fineza de transmitir ao Sr. Ministro das Colónias estas considerações e espero que em cuido prazo,

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por nossa honra e brio de nação colonial, seja revogado êste diploma.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Abreu e Lima (para explicações): - Sr. Presidente: sendo a primeira vez que uso da palavra nesta Câmara, dirijo a V. Exa. as minhas saudações o a todos os representantes do País que nesta casa têm lugar.

Ouvi atentamente as considerações do ilustre parlamentar, o comandante Sr. Filomeno da Câmara, e como esclarecimento, apenas direi que na comissão de colónias, a que me honro de pertencer, está já um projecto que atendo à matéria a que S. Exa. acaba de aludir.

Êsse projecto está relatado e modifica o decreto n.° 86.

É razoável que se modifique o que está legislado sôbre esta matéria.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Teixeira Pinto:-Desejaria usar da palavra quando estivesse presente o Sr. Ministro da Guerra, mas como não tenho a certeza se S. Exa. virá ou não, eu vou tratar do assunto mesmo sem a presença de S. Exa.

Quando há dias se deu mais um desastre na aviação, V. Exa. ouviu de todos os lados da Câmara manifestações de sentimento, mas de prático não se resolveu cousa alguma em defesa dêsses heróicos rapazes.

Na verdade as condições da aviação em Portugal são más, devido a muitas circunstâncias, entre as quais, incontestavelmente, a má qualidade dos aparelhos.

É preciso que o Sr. Ministro da Guerra determine que só adoptem novos tipos.

Uma das causas, porém, dum grande número de desastres, é a falta de um aparelho que as nações mais adiantadas têm, o pára-quedas.

Na Inglaterra há muito que se usa pára-quedas, e os industriais são tam escrupulosos que, não tendo em Inglaterra aparelhos em condições, foram encomendá-los à América,

Os industriais americanos, também por escrúpulo, forneceram-se de seda no Japão.

O Govêrno inglês presta aos serviços da aviação um carinho que em Portugal não se presta.

A Direcção de Aeronáutica, consultada sôbre o uso do pára-quedas, deu parecer favorável.

A aprovação do projecto que vou ter a honra de mandar para a Mesa, obrigando o uso de pára-quedas, não aumenta a despesa, porque traz vantagens económicas.

Os desastres da aviação não deixam de representar encargos para o Estado.

O projecto que vou ter a honra de mandar para a Mesa não traz aumento de despesa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Alberto Jordão: - As considerações que vou fazer deviam ser duvidas por qualquer membro do Govêrno, designadamente o Sr. Ministro do Interior, mas S. Exa. continua a não vir à Câmara.

O Sr. Presidente: - Devo informar V. Exa. que o Sr. Presidente do Ministério não está presente por ter ido a um funeral.

O Orador:-Não sabia a razão e lamento que seja essa; mas o facto fica de pé, pois em geral nunca antes da ordem do dia S. Exa. está presente.

Já há dias um Sr. Deputado fez referência a factos irregulares cometidos pelo administrador do concelho da Golegã.

Ora, essa autoridade afirma que os actos que praticou, os que está praticando, bem como os que, porventura, continuo a praticar, são apenas resultantes de indicações que tem do governador civil o do Ministro do Interior.

Essa autoridade administrativa procede como se estivesse em terreno conquistado, Tem feito cousas singularíssimas e extravagantes!

A Câmara Municipal da Golegã é constituída por elementos heterogéneos: representantes do Partido Democrático, representantes da Esquerda Democrática, independentes, e até nacionalistas.

Pois o administrador do concelho investiu-se no direito de invadir as atribuições da câmara municipal e permite-se convocar sessões daquele organismo para quando entende com o auxílio de um seu

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6 Diário da Câmara dos Deputados

correligionário que foi presidente da câmara transacta. Depois de praticar uma série de actos contrários à lei, chegou a ter a audácia de proibir a entrada na câmara aos vereadores que não são correligionários seus. Isto é pavoroso!

Parece que não há leis ou então que são elas unicamente para se executarem a favor dos amigos do Govêrno.

O mais extraordinário é êsse administrador do concelho declarar que está nesse lugar sob a inspiração do Sr. Ministro do Interior.

Se acaso houvesse neste País um Poder Executivo que fôsse sensível às objurgatórias legítimas que aqui fazemos, eu tinha de esperar que o Govêrno viesse dar explicações à Câmara sôbre os actos que são verberados pelos Srs. parlamentes. Mas como não sucede isso, eu naturalmente terei a mesma sorte do Sr. Ribeiro de Carvalho.

Lavro, porém, o meu protesto contra os desmandos que se estão dando com o aplauso do Sr. governador civil e do Sr. Ministro do Interior, e lembro que o Govêrno tem de dar satisfação à opinião pública que não poderá continuar a suportar tantos abusos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Alberto Vidal: - Sr. Presidente: as considerações que tenho a fazer exigem a presença do Sr. Ministro da Marinha e, portanto, eu peço a V. Exa. que me conserve inscrito para me dar a palavra quando S. Exa. se encontre na Câmara.

O Sr. Adolfo Leitão: - Sr. Presidente: para as considerações que vou fazer queria chamar a atenção do Sr. Ministro da Marinha, mas como S. Exa. não está presente e na bancada do Govêrno se encontra o Sr. Ministro da Agricultura, eu peço a S. Exa. a fineza de as transmitir àquele seu colega.

Sr. Presidente: de vários pontos da costa oeste de Portugal se reclama contra a invasão de traineiras estrangeiras, no uso e abuso da pesca em águas territoriais portuguesas. Várias vezes tenho instado com S. Exa. o Sr. Ministro da Marinha para que intensifique a fiscalização da pesca na costa oeste de Portugal, mas até hoje nada se tem feito nesse sentido.

Hoje recebi de S. Martinho do Pôrto uma lamentosa queixa contra a invasão de traineiras francesas, na pesca da lagosta, o que vai prejudicar a classe piscatória daquela praia. Igualmente da Nazaré vêm idênticas queixas, fazendo-se notar que as traineiras estrangeiras não só cometem o abuso de pescarem em águas portuguesas, como ainda &e permitem fazer uso de dinamite. De Peniche há as mesmas queixas.

E necessário que o Sr. Ministro da Marinha ouça os clamores dessa, gente e turno providências para que não se vá agravando a situação desgraçada dos pescadores portugueses.

Agradeço ao Sr. Ministro da Agricultura o obséquio de levar ao conhecimento do Sr. Ministro da Marinha as considerações que acabo de fazer.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia): - Cumpre-me declarar que transmitirei ao Sr. Ministro da Marinha as considerações feitas pelo ilustre Deputado que acaba de falar.

O Sr. Rafael Ribeiro: - Sr. Presidente: desde l de Março que venho inscrevendo--me para usar da palavra na presença dos Srs. Ministros da Guerra e dos Negócios Estrangeiros, a fim de fazer diversas considerações sôbre assuntos que correm pelas pastas de S. Exas.

Estamos já a 4 de Março e, todavia, ainda não logrei ocasião de dirigir-me a S. Exas., visto que não têm aqui comparecido antes da ordem do dia, o que lamento:

Dispenso hoje a comparência de S. Exas. para o assunto de que vou tratar, reservando-me para versar os outros quando aqueles Srs. Ministros venham à Câmara, se é que S. Exas. ainda são Ministros.

Desejo registar a minha estranheza por uma local que li num jornal de Lisboa, a propósito do Conselho da Ordem da Torre e Espada.

Segundo essa local, o Conselho sancionou a proposta concedendo diversos graus da Ordem a diferentes militares por motivo do movimento republicano - acentuo a palavra "republicano" - de 18 de Abril último. Movimento republicano!

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Acentuo a palavra "republicano" porque já ouvi nesta Câmara contestar o republicanismo dêsse movimento.

O movimento de 18 de Abril foi tam republicano como os de 14 de Maio e de 5 de Dezembro.

Uma voz da esquerda da Câmara: - Não apoiado.

O Orador: - O chefe do movimento revolucionário de 5 de Dezembro era republicano.

Tenho a franqueza de assim falar, embora eu tenha sido um dos seus mais encarniçados inimigos.

Sou insuspeito. Todos sabem que eu combati Sidónio Pais.

O mesmo digo do movimento de 14 de Maio e do movimento de 18 de Abril. Para se provar que foi republicano o movimento de 18 de Abril basta lembrar que nele tomou parte a figura austera e honrada do ilustre oficial de marinha que é Filomeno da Câmara e o capitão Jaime Baptista, que era correligionário da maioria democrática. Ora, quando o movimento tinha a seu lado cidadãos confessadamente republicanos, figuras categorizadas da política republicana, eu pregunto se há o direito de se duvidar do seu republicanismo.

Nunca por virtude de movimentos revolucionários foi concedida a Ordem da Torre e Espada, que, conforme disposição do artigo 9.° do decreto n.° 11:012, de 30 de Julho de 1925, só pode ser conferida por altos feitos e valor nos campos da batalha, por actos de abnegação e coragem cívica, por altos e assinalados serviços à humanidade, à Pátria e à República, e por serviços prestados no comando de tropas em campanha, dos quais resultem incontestáveis vantagens e glória para a República e para a Pátria.

Sr. Presidente: por portaria de 29 de Outubro de 1924 foi nomeada uma comissão de generais com o fim de estudar as reclamações relativas às recompensas por serviços prestados na Grande Guerra, em França e em África, e propor o que julgasse conveniente. ; Pois até hoje os combatentes da Grande Guerra ainda estão à espera das resoluções dessa comissão!

E para lastimar que a êsses servidores da Pátria ainda não tivesse sido feita justiça e que aqueles que atacaram os heróicos combatentes de 18 de Abril, alguns estando dentro dos quartéis a dar ordens, já tivessem sido condecorados. Um deles é o nosso colega nesta Câmara, o Sr. Oliveira Simões, a quem eu presto a minha homenagem, pois reconheço as suas primorosas qualidades e por isso mesmo é que eu não acredito que S. Exa. queira manter o seu feito misturando a Torre e Espada, prémio de ataque aos seus irmãos republicanos, com aquelas condecorações que justamente lhe foram concedidas.

Diz-se que aqueles que atacaram o 18 de Abril prestaram um grande serviço à Pátria.

E um caso que ainda se está para ver.

Tenho dito.

O Sr. João Salema: - Sr. Presidente: desejo chamar a atenção do Sr. Ministro da Agricultura para uma notícia que vi na imprensa acerca da importação de um carregamento de milho que se encontra a bordo de um vapor recentemente chegado ao Tejo.

A confirmar-se a notícia, haveria razão para a lavoura erguer o seu protesto, porque tem os seus celeiros cheios daquele cereal.

Desejava saber o que a êste respeito pensa o Sr. Ministro da Agricultura.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia): - Sr. Presidente: é verdade a chegada do vapor a que se referiu o ilustre Deputado, mas posso tranquilizar S. Exa. dizendo que em caso algum será autorizado o desembarque do milho.

Não se compreenderia outro procedimento da parte do Estado, visto o País estar suficientemente abastecido daquele cereal.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Pires Monteiro: - Peço a V. Exa. o obséquio de chamar a atenção do Sr. Ministro do Comércio.

Aproveitando a ocasião de estar com a palavra, mando para a Mesa um requerimento.

Sr. Presidente: em 9 de Fevereiro passado dirigi ao Sr. Ministro do Comércio

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uma nota de interpelação referente à situação em que se encontra o Pôrto de Leixões.

Eu creio, Sr. Presidente, que o Sr. Ministro do Comércio já está habilitado a responder a essa interpelação, o assim eu peço a V. Exa. o obséquio de a marcar para ordem do dia.

Não voa neste momento tratar do assunto, isto ó. da situação em que se encontra o Pôrto de Leixões, que está prejudicando, e muito, a economia nacional, desejando apenas referir-me a questão da dragagem.

Conhece V. Exa., o conhece a Câmara, a situação deplorável em que se encontra êsse porto, classificado por armadores nacionais, e infelizmente, estrangeiros como sendo um porto-ratoeira.

E absolutamente necessário que esta situação seja modificada, e assim eu espero que o Sr. Ministro do Comércio e o Sr. Ministro das Finanças, harmònicamentc, tratem de arranjar os meios necessários para fazer face a esía situação.

Eu, Sr. Presidente, na minha propaganda eleitoral, numa conferência que realizei no Centro João Chagas em Matozinhos, referi-me à necessidade que havia em atender à questão do Pôrto de Leixões.

Eu creio que neste ponto o Sr. Ministro do Comércio encontrará todo o apoio da parto do Sr. Ministro das Finanças para poder realizar essa obra, tanto mais quanto é certo que da verba inscrita no orçamento do 15:000 contos para realização de obras nos portos, uma parte insignificante poderá ser aplicada nessa obra, visto a junta autónoma, como V. Exas. muito bem sabem, não ter os meios necessários para a fazer, o ela necessitar de ser feita com a máxima rapidez.

Essa obra é de um alto interêsse nacional e pode V. Exa. ter a certeza de que o Ministro que a realizar prestará um grande serviço, pois a verdade é que hoje são poucos, muito poucos os navios que vão ao Pôrto de Leixões.

Se V. Exa. quiserem que eu justifique, e provo o que estou dizendo, não tenho dúvida alguma em o fazer, visto que tenho aqui os dados necessários.

Posso garantir a V. Exas. que hoje já ali não vão os vapores da Mala Real Inglesa, não só os grandes da série C. H.,

como os pequenos da série B., e ainda não há muito. Sr. Presidente, que nos passageiros que tinham de embarcar para o Brasil, se viram na necessidade de vir imediatamente para Lisboa a fim de embarcarem aqui, correndo o perigo de não chegarem a tempo, perdendo assim a importância da passagem que já tinham pago.

Êstes factos são para lamentar, e muito mais ainda, quanto é certo que êsses navios, em regra, estão actualmente indo para o porto do Vigo.

E portanto, absolutamente necessário que o Sr. Ministro do Comércio tome urgentemente as providências necessárias do forma a que Os to estado de cousas se modifique.

Os touristas não visitam o norte do País, limitando-se a ver Lisboa e os seus arredores.

Esta situação não se pode prolongar; mas há ainda um outro facto para que eu quero também chamar a atenção do Sr. Ministro do Comércio: é para a questão do caminho de ferro de Contumil a Leixões. É absolutamente indispensável que êsse ramal, que teve, por uma lei publicada em 1922, um crédito de 6:000 contos, sua ràpidamente concluído.

O desassoreamento do porto e a conclusão dêsse ramal dariam as receitas necessárias para a conclusão do porto de Leixões.

Essa obra é a mais desejada pelo norte do Pais, porque, concluído êsse porto, as suas riquezas se valorizariam, visto que êle seria um atrativo para aqueles que querem gozar as belezas do nosso excelente País.

Nós temos, como nenhuma outra nação, condições verdadeiramente excepcionais para atrair os touristas, condições naturais, é claro, porque a obra dos homens é bastante deficiente.

Não faço, neste momento, a minha interpelação ao Sr. Ministro do Comércio, e, por isso, reservo a documentação que tenho e o estudo que fiz sôbre as necessidades do porto de Leixões para quando V. Exa., Sr. Presidente, entender oportuno e conveniente marcar essa interpelarão, estando certo de que o Sr. Ministro ao Comércio esclarecerá o País sôbre o assunto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

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O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Gaspar de Lemos): - Ouvi as considerações do Sr. Pires Monteiro relativamente ao porto de Leixões, e devo dizer a S. Exa. que, oportunamente, me darei por habilitado a responder à sua interpelação sôbre o assunto.

Depois de ter recebido a nota de interpelação do ilustre Deputado recebi em audiência o Sr. engenheiro Xavier Esteves, que me veio expor a situação actual daquele porto.

Reconheço que é absolutamente necessário olhar para aquele porto, de modo a que êle exerça a função para que foi destinado, mas eu também sei, por informações recebidas, que se tem de fazer imediatamente o desassoreamento do porto.

Parece que o molhe norte não é o suficiente para proteger o porto das areias, o que torna perigosa a navegação; e, perante tal facto, já várias companhias de navegação não querem que os seus navios vão a Leixões.

A draga de que o porto dispõe tem apenas a capacidade de 1:500 a 2:000 toneladas por dia, de modo que se torna urgente lançar mão de providências excepcionais ; mas eu não sei se o poderemos fazer com os recursos do País; creio que não.

Assim, teremos, porventura, de pensar numa empreitada feita por uma empresa estrangeira e é nesse sentido que eu vou procurar dirigir as minhas diligências.

Não me deixarei também de ocupar do assunto relativo à conclusão do caminho de ferro de Contumil a Leixões.

Brevemente me darei por habilitado a responder à interpelação do S. Exa., e, então, teremos ocasião de mais detidamente conversar sôbre o assunto.

A questão dos portos não está posta como deve ser, e, se eu tiver tempo, procurarei trazer ao Parlamento uma proposta de lei sôbre o assunto, porque entendo que é necessário fazer previamente a classificação dos nossos portos, a fim de se verificar devidamente qual é a sua principal função, se de abrigo, se comercial, se de pesca, etc.

E, assim, o Estado, em cooperação com as regiões económicas interessadas, poderá, mais fàcilmente, arranjar os meios financeiros necessários para se iniciar um plano geral de obras a executar num prazo relativamente curto.

É necessário que as obras que se realizem nos portos se façam de modo a torná-los elementos de trabalho, e nesse sentido me orientarei.

Tenho dito.

O Sr. Pires Monteiro (para explicações): - Agradeço ao Sr. Ministro do Comércio o ter prometido tomar as rápidas providências de que o porto de Leixões necessita.

Concordo também com S. Exa. no que diz respeito à necessidade que há de se fazer uma lei de portos, para que se evite que continuem a ter o pouco rendimento que actualmente têm, devido à dispersão de actividades.

Pelo que se refere ao porto comercial de Leixões, não é absolutamente necessária a lei de portos, porque o seu lugar está já perfeitamente marcado, pela sua ordem de importância, entre os portos portugueses.

O porto de Lisboa e o porto de Leixões são dois portos que precisam de ser valorizados.

Agradeço as boas palavras do Sr. Ministro do Comércio porque deu ao País a esperança de que se vai resolver o grave problema a que me referi.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): - V. Exa. pode dizer-me se está na Mesa o parecer das comissões acerca da questão dos tabacos.

O Sr. Presidente:-À Mesa ainda não chegou nenhum parecer a êsse respeito. Foi aprovada a acta.

ORDEM DO DIA

Discussão orçamental, na generalidade

O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): - V. Exa. pode informar-me se há parecer sôbre todos os orçamentos.

O Sr. Presidente: - Não há.

O Sr. António Cabral: - Sr. Presidente: vou entrar na discussão dêste assunte

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sem que êle tenha o respectivo parecer que me guiasse nas minhas modestas considerações.

No tempo em que o Parlamento não tinha chegado ao nível em. que se encontra, só com raríssimas excepções se discutia na ordem do dia qualquer assunto sem que a respectiva comissão tivesse mandado para a Mesa o seu parecer e sem que êste fôsse publicado e distribuído pelos Deputados de todos os lados da Câmara. Agora, porém, tudo é diferente, discute-se tudo sem o mais leve conhecimento.

Estabelece-se sussurro que impede que o Sr. Deputado possa ser ouvido.

O Orador; - Sr. Presidente: veja V. Exa. como a Câmara se interessa por êstes assuntos!

Isto é uma cavaqueira infernal!

O Sr. Carvalho da Silva: - Daqui a pouco até se dará a medalha da Torre e Espada ao Deputado que esteja calado!

Trocam-se àpartes e o Sr. Presidente, agitando a campainha, reclama silêncio.

O Orador: - Ouço dizer mal do Parlamento, mas é o próprio Parlamento que justifica as censuras que lhe dirigem.

Eu bem sei. Sr. Presidente, que a minha palavra desluzida e frouxa...

Uma voz das esquerdas: - Apoiado!...

O Orador: - Agradeço a boa educação de quem me apoia...

Sr. Presidente: dizia eu que a minha palavra desluzida e frouxa- não merece talvez o interêsse da Câmara; mas num assunto de tam alta importância, como é o Orçamento Geral do Estado, no qual se baseia toda a engrenagem administrativa, não posso compreender a falta de atenção da Câmara para as minhas palavras.

Os Governos da República preferem hoje as largas autorizações parlamentares que lhe permitam fazer nomeações de toda a espécie ao sistema governamental que dantes se seguia, em virtude do qual as propostas de lei eram trazidas ao Parlamento, onde nas respectivas comissões eram estudadas cuidadosamente e onde recebiam os pareceres respectivos, para depois numa apreciação digna, alevantada e nobre serem tratadas.

Agora tratam-se os negócios do Estado por forma bem diversa. Não só as questões não são estudadas pelos Ministros como deviam ser, mas são aqui discutidas, bastas vezes, sem parecer da comissão respectiva, pedindo-se uma urgência e dispensa do Regimento, que são mais que dispensáveis. Daqui resulta que vão para o Diário do Govêrno medidas sem o estudo e o cuidado que deviam merecer aos representantes da Nação, atrapalhando a boa marcha dos negócios públicos e fazendo com que a Nação sofra tudo aquilo que está sofrendo.

O Sr. Ministro das Finanças apresentou, dentro do prazo constitucional, o Orçamento à Câmara. Nele indica S. Exa. um déficit que modestamente calculou em 83:000 contos. Mas não se passou muito tempo sem que um ilustre Deputado dês-te lado da Câmara provasse que êsse déficit ia muito além de 150:000. O primeiro reparo que há a fazer ao Orçamento é, portanto, êste: a falsidade neste ponto que apontei.

83:000 contos seria um déficit, por assim dizer, de "mel doirado" e já era muito para agradecer aos governantes da República; mas, infelizmente, repito, êsse déficit vai muito além, representa muitos milhares de contos acima ou abaixo (como V. Exas. quiserem) da cifra indicada pelo Sr. Ministro das Finanças.

Dizia-se dantes, nos tempos saudosos da propaganda, que "o povo não podia pagar mais"; mas o que se vê é que agora a avalanche dos impostos é cada vez maior e que o pobre povo vai pagando sempre o que se lhe pede. Em vez de se procurar fazer uma política de compressão de despesas, para entrar num caminho de administração regrada, pelo contrário, as despesas aumentam sempre a ponto de não sabermos a que ponto chegarão.

Temos uma dívida de guerra que avulta em muitos milhões de libras. Não sei o que o Govêrno pensa a êsse respeito.

Até hoje não o disse e por isso pregunto se haverá a intenção de consignar alguns rendimentos do Estado à amortização dessa dívida. Deixo a pregunta em aberto, sem esperança alguma de que o Govêrno me responda; mas o futuro tal-

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vez se encarregue de dar uma justificação a esta minha pregunta e ao desejo que eu tenho de obter uma resposta.

Disso o Sr. Ministro das Finanças, ao apresentar a proposta orçamental, que só para a guarda republicana eram absorvidas todas as receitas provenientes da contribuição industrial.

Veja V. Exa., Sr. Presidente, veja o País ao que nós chegamos.

Quando é que dantes a guarda chamada municipal absorvia - proporcionalmente, é claro - uma tam elevada soma?...

Mas o exagero das despesas públicas não é só da culpa dos Governos. Tenho idea que o Sr. Ministro das Finanças disse aqui que o Parlamento tinha aumentado as despesas públicas em 20:000 contos, se não estou em êrro. Efectivamente é justo dizer que o Poder Legislativo tem contribuído grandemente para a elevada cifra que hoje atingem as despesas públicas, com os vários projectos que têm sido aqui aprovados. Até agora não vi demonstrado que essas despesas fossem de utilidade geral ou tivessem um carácter de reprodutivas.

O que vejo é elas aumentarem assustadoramente pelo que respeita a pessoal, deminuindo pelo que respeita ao material indispensável. As estradas todos sabemos como estão.

Todos os dias se ouvem erguer-se aqui protestos enérgicos, não só dêste lado da Câmara, que podiam tornar-se suspeitos, mas da própria maioria.

Pregunto a V. Exa. e à Câmara se a República herdou as estradas da monarquia neste estado deplorável, transformadas em verdadeiros barrancos, em atoleiros, onde não há maneira de transitar, oferecendo assim um espectáculo vergonhoso aos estrangeiros que aqui vêm. E vemos assim que dum País tam próprio para turismo, onde podiam convergir os rendimentos daqueles que aqui viessem gastar algumas economias, percorrendo as regiões do belo e admirável País que é Portugal, ninguém se acerca, porque não quere arriscar-se a transitar em estradas que são um verdadeiro perigo para quem quer que as percorra.

Pregunto se foi para isto que se proclamou a República.

Mas a problemas desta magnitude não se olha; o que importa é encher bem a guela faminta daqueles que entendem que o Orçamento Geral do Estado tem obrigação do sustentar os que trabalharam pela República, ainda que o façam em prejuízo da Nação.

Sr. Presidente: todos V. Exas. sabem que a República, no tempo chamado saudoso da propaganda, prometia tudo quanto era possível prometer ao povo ingénuo. Prometia-lhe - visto que estamos tratando de finanças - melhores finanças; prometia-lhe orçamentos equilibrados. E, afinal, o que se vê? Vê-se que as finanças chegaram a um estado deplorável; vê-se que o desequilíbrio do Orçamento é cada vez maior, e que a Nação agoniza no meio da desgraça geral a que chegamos, sem termos meios para lhe acudirmos.

É por isso que o nosso descrédito chegou lá fora ao máximo que podia chegar; é por isso que nos vemos na situação angustiosa a que o Tesouro Público chegou.

Prometia-se também mais liberdade, e eu pregunto se há mais liberdade; prometia-se mais instrução, e eu pregunto se há mais instrução. Há, porventura, mais escolas no papel, mas essas não são aquelas que servem para instruir o povo; e é por isso que nós vemos o povo cada vez mais mal instruído ou habilitado apenas a ler rudimentarmente nos jornais de grande informação como se praticam crimes e roubos audaciosos, mas sem aquelas bases sólidas que são necessárias numa perfeita educação.

Prometia-se ainda um melhor passadio para todos, mas nós vemos o povo lutando com dificuldades pavorosas, olhando para o futuro particular das famílias e para o da Nação sem esperança de melhores dias. Efectivamente, pagam-se hoje impostos que são verdadeiramente espantosos; a bolsa do contribuinte chegou ar um tal estado que não me admirará nada amanhã ver os proprietários obrigados a entregarem as suas terras e casas ao fisco por se reconhecerem impossibilitados de pagar os pesados impostos que lhes são exigidos. E quando se trata de averiguar para onde é levado o dinheiro proveniente dêsses impostos, ou não se sabe ou, melhor, vê-se que é consumido na sua maior parte pelo pessoal que se emprega nos serviços respectivos.

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Pregunto se êstes factos nos dão prestígio, aquele prestígio que atingiu o País no tempo da Monarquia e pelo qual ainda ultimamente, no reinado dêsse grande rei que se chamou D. Carlos, vinham a Portugal os grandes potentados da terra, não só para prestarem homenagem ao grande rei que tínhamos a honra de ter e que foi cobardemente assassinado a uma esquina do Terreiro do Paço, mas chamados pelas belezas e encantos dum País que a natureza dotou com tantas galas, as quais, porém, os seus habitantes se esforçam por transformar em ninhos de sicários e de assassinos, levados por más companhias, por maus exemplos e más propagandas.

Não é assim que se prestigia o Pais no estrangeiro. Não é com desordens internas, contínuas revoluções e greves constantes, que podemos dar aos estrangeiros a indicação de que somos um povo que quere trabalhar e tem direito ao respeito das outras nações.

E não se governa pelo facto de se estar sentado nas cadeiras do Poder, mas obedecendo às normas daqueles que outrora levaram o País ao ponto de ser admirado por todos os povos do mundo.

Nós temos tido, efectivamente, Governos absolutamente nominais, porque são dirigidos por poderes ocultos que por trás da cortina os manejam.

No próprio Parlamento tá um exemplo semelhante; não é o Parlamento que resolve é a maioria que, antes de aqui vir decidir e votar, lá fora nas suas reuniões particulares resolve aquilo que se há-de lazer e votar, e se as questões devem ser fechadas ou abertas. E, se assim é, para que estamos aqui a discutir, se a maioria com o número esmagador dos seus votos resolve que as questões, por melhores argumentos que se apresentem contra a sua opinião, hão-de ser votadas como ela entender, porque nas suas reuniões particulares resolveu isso, que não é senão uma perfeita ditadura?

Isto é mais uma prova de que nada serve o Parlamento, como está funcionando!

Diga-me V. Exa., efectivamente de que é que serve um Parlamento que durante as discussões de interêsse se entretém a conversar?

Sr. Presidente: vai discutir-se o Orçamento Geral do Estado, mas dêste lado da Câmara não se conhece parecer algum a êsse respeito.

Antigamente discutiam-se primeiro os orçamentos de per si na sua generalidade; discutia-se o orçamento das receitas e depois o das despesas, mas tudo com pareceres das respectivas comissões que serviam de base à discussão geral, e assim com as emendas que, porventura, os Deputados mandavam para a Mesa, facilitava-se a discussão e tiravam-se muitos erros aos orçamentos, indo êles para o Diário do Govêrno o mais perfeitos possível.

Agora estamos a discutir no vácuo, estamos a discutir sem bases, sem fundamento de qualidade alguma. Não sei, francamente, qual seja a conveniência desta discussão, nem sei qual seja o fim com que se discute o Orçamento Geral do Estado nestas condições.

Com respeito à especialidade do Orçamento de cada um dos Ministérios não sei se se seguirá o mesmo caminho e se se entrará na discussão deles sem os pareceres das respectivas comissões.

É possível que no decorrer da discussão na especialidade venham ainda à Câmara os pareceres das respectivas comissões; até agora, pelo menos, não recebi nenhum parecer das comissões sôbre o orçamento de qualquer dos Ministérios.

Contra êste facto protesto em nome da minoria monárquica porque, querendo ela trabalhar, discutir com conhecimento e levar o seu estudo até onde deve levar, precisa para isso dos pareceres das comissões.

Dando por findas as minhas considerações repito que a minoria monárquica, querendo trabalhar, outro elemento não tem senão o seu próprio esfôrço, que assim se torna mais exaustivo, não só porque tem de se empregar com mais largueza e violência, mas ainda, porque, sendo a minoria monárquica composta dum limitado número de membros, tem de exercer um maior esfôrço sôbre si própria para poder cumprir o seu mandato e corresponder à confiança dos seus eleitores.

Contra a maneira atrabiliária com que se vai discutir o Orçamento, que é o documento mais importante de toda a vida nacional, lavro o meu protesto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

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O Sr. Presidente: - Como não está mais nenhum Sr. Deputado inscrito vai votar-se a generalidade de todos os orçamentos.

Foi aprovada a generalidade.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: como a Câmara dispensou para a discussão do Orçamento Geral do Estado a presença do Sr. Ministro das Finanças, eu lembrava a qualquer dos Srs. Deputados o propor a eliminação dêsse cargo visto não ser preciso.

A Câmara, votando assim o Orçamento Geral do Estado, sem o Ministro das Finanças, demonstra que é preferível eliminar essa pasta e eliminar também o Parlamento.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro das Finanças está representado pelo Sr. Ministro da Agricultura.

O Sr. Carvalho da Silva: - Isto é uma verdadeira comédia.

Há que tempos que anda aqui a pregar-se que é necessário discutir os orçamentos e começa-se a sua discussão sem pareceres.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Está em discussão, o capítulo 2.° do orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

O parecer sôbre aquele orçamento é concebido nos seguintes termos:

Parecer n.° 45-(b)

Senhores Deputados.- Não tendo chegado a ser discutida pelo Parlamento a proposta orçamental de despesa do Ministério dos Negócios Estrangeiros para o ano económico de 1925-1926, julga oportuno a vossa comissão do Orçamento, reproduzir aqui um certo número de considerações feitas no parecer da sua antecessora sôbre a referida proposta, visto não terem sido ainda remodelados os serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e, portanto, ser cada vez mais urgente que os representantes da nação avaliem com nitidez da imperiosa necessidade que há de reorganizar tais serviços.

Dizia-se no mencionado parecer:

"A vossa comissão do Orçamento, antes de entrar, propriamente, na análise da proposta orçamental da despesa do Ministério dos Negócios Estrangeiros para o ano económico de 1925-1926, não pode furtar-se a fazer algumas ligeiras considerações sôbre a actual organização dêste Ministério, que está longe de corresponder às presentes exigências da nossa política de relações e ainda, e principalmente, às urgentes necessidades da nossa vida económica.

Começaremos por salientar que é necessário acabar de uma vez para sempre com o arcaico e falso preconceito de que a nossa Secretaria de Estado nada mais pode ser do que um viveiro de funcionários agaloados, cuja acção a pouco mais se pode estender para além do limitado âmbito dum certo número de funções de carácter representativo.

Êste erróneo ponto de vista vem, desde longa data, provocando no espírito público uma visível má vontade contra as despesas feitas com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, e daí a relutância com que, muitas vezes, o Parlamento se mostra disposto a dotar convenientemente os respectivos serviços.

Urge modificar radicalmente tam perniciosa orientação e transformar o estatuto orgânico da nossa Secretaria de Estado, de molde a torná-la em um grande centro coordenador, regulador e orientador da nossa vida económica.

Hoje, mais do que nunca, a política internacional dos povos assenta nos seus respectivos interêsses materiais, e êstes nunca serão devidamente salvaguardados se o organismo a que tal defesa compete não estiver devidamente apetrechado para a fazer.

Ora, é forçoso confessá-lo, o nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros não se encontra ainda preparado para tal fim.

O ponto de vista que presidiu à organização dos diversos serviços que correm

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por aquele Ministério já, em parte, se não harmoniza com a finalidade a que, actualmente, deve tender a acção da nossa Secretaria de Estado. A sua acção, por exemplo, no que toca ao complexo problema da orientação e protecção da nossa enorme corrente emigratória. encontra-se, por assim dizer, em estado embrionário. Também, por falta de organização conveniente, não pudemos ainda medir no seu verdadeiro valor o colossal factor que o braço do nosso emigrante representa na economia dos países a que êle se destina, e por isso nunca- nos foi possível com tais países negociar tratados de comércio, ou acordos similares em que a economia nacional obtivesse justas compensações como contra-partida de tal emigração.

Os serviços de propaganda, hoje tam vitais para os países que curam com desvelo da valorização de todos os seus recursos, quási não podem ser feitos por falta do pessoal indispensável e por carência, por assim dizer, absoluta de recursos materiais para tal fim.

O estudo e a coordenação dos múltiplos e variados factores da economia, nacional, que convém apreciar nos seus mais minuciosos pormenores a fim de conhecer com exactidão a directriz a dar à nossa política externa, encontra-se confiado à Repartição de Expansão Económica, que, por lei, para tam vasto e importante trabalho apenas dispõe do seguinte pessoal: 1 chefe e 1 terceiro oficial.

Mas não é nosso intento alargar demasiadamente estas prévias considerações e, por isso, não nos deteremos â salientar pormenorizadamente como em todas, ou quási todas as outras repartições dêste Ministério, os serviços por elas distribuídos são, manifestamente,, superiores ao que é lógico esperar do máximo da capacidade de trabalho dos respectivos funcionários.

Passando dos serviços internos da Secretaria de Estado para os respectivos serviços externos, isto é, para os que estão a cargo das embaixadas, legações e consulados, notamos que, em geral, a mesma deficiência se nota. Há postos diplomáticos para onde não é possível nem justo mandar qualquer secretário que não tenha fortuna pessoal, pois que impossível lhe será manter o decoro inerente à sua situação com a exígua dotação orçamental.

Há consulados em que o serviço diário de expediente tem aumentado portal forma que é inteiramente impossível executá-lo sem o auxílio de pessoal extraordinário contratado para tal fim.

Nestes termos, como exigir das nossas embaixadas, legações e consulados que não têm pessoal para o desempenho dos serviços mais urgentes e inadiáveis, como exigir-lhes, repetimos, que estudem sob o aspecto financeiro, político, económico, social, intelectual e artístico, os países em que se encontram e que, como é seu dever, enviem amiudadamente, à Secretaria de Estado, memórias, relatórios e notas com os resultados dêsses seus estudos e investigações, cuja leitura e divulgação tam úteis deviam ser à vida nacional?

Impõe-se como uma necessidade urgente a reforma de todos os serviços da Secretaria de Estado.

Não cabe no apertado âmbito de acção da comissão do Orçamento remediar todos êstes males, porque para isso seria mester alterar profundamente a actual organização dos serviços".

Emquanto. porém, se não faz a reorganização de tais serviços entende a vossa comissão de Orçamento que, desde já, se façam as seguintes alterações à proposta orçamental de despesa do Ministério dos Negócios Estrangeiros para o ano económico de 1926-1927:

Que seja aumentada de 2,0005 a verba destinada pelo artigo 4.° do capítulo 2.° a "gratificações pelo serviço de telegramas".

Que seja deminuída de 10.000$ a verba destinada pelo artigo 5.° do capítulo 2.° a emissões extraordinárias do serviço público no estrangeiro".

Que no mesmo artigo 5.° do capítulo 2.°, se reduza de 50.000$ a verba destinada a "despesas de carácter reservado, propaganda, publicidade, etc.", e que se altere a redacção da mesma rubrica, suprimindo o "etc".

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Que, ainda, no artigo 5.° do capítulo 2.°, se aumente de 1.000$ a verba destinada a "remuneração de traduções", que se tem verificado ser insuficiente.

Tendo sido suprimida a nossa legação na Guatemala e Venezuela, propõe a vossa comissão de Orçamento que se reduza a 11 o número de "12 chefes de missão de 2.ª classe, Ministros plenipotenciários", constantes do artigo 6.° do capítulo 2.º, devendo, por isso, ser reduzida de 1.008$ a respectiva verba fixada em 12.096$.

Sendo, manifestamente, muito maior a- representação da nossa embaixada em Londres do que era quando apenas ali mantínhamos uma legação de 1.ª classe, propõe a vossa comissão de Orçamento que seja elevada a 9.600$ a verba atribuída no artigo 7.° do capítulo 2.° a "1 embaixador chefe de missão de 1.ª classe, em Londres".

Que as verbas de 2.000$ e 1.200$, atribuídas, no artigo 9.° do capítulo 2.°, respectivamente a "embaixada em Londres (ao embaixador) e legação em Tóquio (ao Ministro)", sejam transferidas para o artigo 11.° do capítulo 2.° sob a rubrica, respectivamente, de "para custeio da casa da embaixada em Londres" e "para custeio da casa da legação em Tóquio".

Tal como o sugeriu a nossa antecessora no seu parecer sôbre a proposta orçamental de despesa do Ministério dos Negócios Estrangeiros para o ano económico de 1925-1926, a vossa comissão de Orçamento julga que, em vez de se aumentarem certas verbas consignadas no artigo 15.° do capítulo 2.° "para despesas de material e expediente dos consulados geridos por cônsules de 1.ª classe", seria mais justo que, quando se tornasse necessário, o Ministro dos Negócios Estrangeiros estivesse autorizado a aumentar tais verbas da importância representativa de uma percentagem sôbre os emolumentos cobrados por êsses consulados. Por um tal critério, um consulado com mais movimento e, portanto, com maior receita ficaria automaticamente com mais recursos para fazer face aos encargos referidos no § 2.° do artigo 61.° da lei orgânica. Como, porém, não cabe dentro dos limites dêste parecer a alteração dos preceitos legais que regulam as "despesas de material e expediente dos consulados geridos por cônsules de 1.ª classe" e como, por outro lado, algumas das verbas arbitradas na proposta ministerial são, reconhecidamente, insuficientes, a vossa comissão de Orçamento propõe as seguintes alterações:

Ao consulado de Antuérpia mais 500$; ao de Boma mais 200$; ao de Cardiff mais 400$; ao de Demerara mais 200$; ao de Durban mais 200$; ao de Havre mais 200$; ao de Joanesburgo mais 200$; ao de Liverpool mais 300$; ao de New-York mais 300$.

A fim de eficazmente se efectivar o serviço de inspecções consulares que, até agora, não tem sido possível realizar com a largueza e continuidade que os interêsses do Estado reclamam, propõe a vossa comissão de Orçamento que a verba de 3.000$ inscrita para tal fim no artigo 16.° do capítulo 2.° seja elevado ao dôbro.

Tendo sido suprimidas as escolas oficiais portuguesas no estrangeiro, propõe a vossa comissão de Orçamento que se elimine a palavra "professores" nas rubricas contidas no artigo 20.° do capítulo 2.°

Propõe a vossa comissão de Orçamento que seja reduzido a £ 200 o subsídio atribuído pelo artigo 23.° do capítulo 5.° à Câmara Portuguesa do Comércio de Londres.

Igualmente propõe a vossa comissão de Orçamento, a redução a 18:000 francos da verba atribuída no artigo 23.° do capitulo 5.° para a "cota parte de Portugal nas despesas da Comissão Internacional de Navegação Aérea".

Propõe, finalmente, a vossa comissão de Orçamento que se suprima a verba de 2.000$ que pelo artigo 30.° do capítulo 8.° se destina a "serviço de piquetes nas Repartições". - António de Paiva Gomes - João Luís Ricardo - Filemon de Almeida - Artur Saraiva de Castilho - Amando de Alpoim (com restrições) - Tavares Ferreira - João da Cruz- Filipe - Henrique, Pires Monteiro - João Camoesas - A. Ginestal Machado (com declarações) - Armando Pereira de Castro Agatão Lança, relator.

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Alterações propostas ao orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros para 1926-1927

[Ver tabela na imagem]

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Resumo das alterações ao orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, propostas pela comissão parlamentar

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O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa a seguinte proposta:

Proponho que a 4.a verba do capítulo 2.°, artigo 5.°, de 150.000$, seja elevada para 175.000$. - O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Vasco Borges.

O Sr. Presidente: - Como a proposta do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não tem o "concordo" do Sr. Ministro das Finanças não pode ser admitida na Mesa.

O Sr. Rafael Ribeiro: - Sr. Presidente: o capítulo 2.° da proposta orçamental do Ministério dos Negócios Estrangeiros que vamos discutir trata de pessoal, legações e consulados. Julgo ser êste um momento oportuno para saber porque é que p Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros fez diversas nomeações por motivo de mérito, comprovado e urgente conveniência de serviço público, sabendo-se que os quadros estão fartamente excedidos.

Na última página da proposta que estamos discutindo vê-se que estão na disponibilidade, isto é, além dos quadros, quatro chefes de missão de 1.ª classe, cinco de 2.ª classe, três chefes de repartição, três primeiros secretários de legação, em 1.° oficial chefe de secção, dois primeiros oficiais, três cônsules de 1.ª classe, um empregado extraordinário e um chanceler, isto além do pessoal adido, que é um 2.° secretário, um segundo cônsul de 1.ª classe, um professor e um contínuo. Não sei, Sr. Presidente, quando é que êste pessoal foi passado à disponibilidade. O que sei é que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros desde que tomou conta da sua pasta tem-se entretido a passar pessoal à situação de disponibilidade para poder promover funcionários seus apaniguados. Elucidando a Câmara, que o mesmo é que elucidar o País, vejamos qual tem sido a obra do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros no capítulo de promoções.

Por decreto de 8 de Julho último passou à situação de disponibilidade o chefe de missão de 2.a classe António Patrício. Era uma vaga, e como era uma vaga vá de promover, por decreto de 5 de Agosto, a chefe de missão de 2.ª classe, por motivo de mérito comprovado e urgente conveniência de serviço público, o 1.° oficial João Maria de Santiago Presado, que na mesma data e no mesmo número do Diário do Govêrno foi também passado à situação de disponibilidade, por urgente conveniência de serviço público. Aberta assim outra vaga, promoveu-se, na mesma data e ainda no mesmo Diário do Govêrno, a chefe de missão de 2.ª classe, também por motivo de mérito comprovado e urgente conveniência de serviço público, o 1.° secretário de legação José de Morais de Carvalho Guimarães.

Por decreto de 28 de Agosto passou-se à situação de disponibilidade o 1.° secretário de legação Mário do Nascimento. Eis outra vaga e nela foi provido, por decreto da mesma data, também por motivo de mérito comprovado e argente conveniência de serviço público, o 2.° secretário de legação José Lima Santos. Para a vaga deixada por êste funcionário, foi promovido, também por motivo de mérito comprovado e urgente conveniência de serviço público, o 3.° oficial António Ribeiro de Lemos Rebelo da Silva.

Por decretos de 9 de Outubro, foram colocados na situação de disponibilidade os chefes de repartição António Dias e Sousa da Costa Cabral e Pedro Augusto de Carvalho Monteiro, sendo a vaga do primeiro provida, por promoção, por decreto de 30 de Outubro e também por motivo de mérito comprovado e urgente conveniência de serviço público, do 1.° oficial Tomás Ribeiro de Melo. Á quem caberia a sorte grande do preenchimento da vaga do Sr. Carvalho Monteiro? O Diário do Govêrno ainda não falou.

Quais os méritos comprovados dos funcionários promovidos? Qual a urgente conveniência de serviço público que levou o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros a fazer estas promoções e a passar pessoal à situação de disponibilidade?

Ignoro, Sr. Presidente, porque os decretos de nomeação não dizem uma única palavra a tal respeito. Decerto que o Sr. Ministro nos vai explicar tudo isto.

Uma vez que estamos discutindo o capítulo 2.° e dentro dele temos o artigo 6.° que trata do pessoal do quadro da Direcção Geral dos Negócios Políticos e Diplomáticos não quero deixar passar em claro

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o decreto de 26 de Junho, que nomeou 3.° oficial do Ministério o adido extraordinário de legação António de Mantero Bellard Velarde, pró vendo-se assim a vaga do 3.° oficial José Luís Archer, que por decreto de 9 de Janeiro do ano findo tinha sido colocado na situação de disponibilidade. Quere isto dizer que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros em vez de promover um indivíduo com concurso, que são os funcionários que entram para o quadro pela porta, promoveu um adido extraordinário, que são os que não precisam de concurso, pois que entram pela janela. É para isto. é para fazer destas promoções com preterição dos que se sujeitam aos concursos, que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros já assinalou a passagem pela sua pasta com a nomeação de treze adidos extraordinários de legação, que ao fim de três anos poderão entrar nos quadros sem terem de fazer concurso. Onça a Câmara os nomes dêsses adidos.

Leu.

Como a Câmara viu um dos adidos chama-se António Ferro. Não sei quem seja. Conheço, é certo, um escritor interessante que se chama António Joaquim Tavares Ferro, que foi, decerto, quem o Sr. Ministro quis nume ar. Mas António Ferro não é o mesmo que António Joaquim Tavares Ferro e, consequentemente, o Sr. Ministro julgando que tinha nomeado um determinado cidadão, não nomeou ninguém. Interessante seria saber quem foi que tomou posse do lugar. Pois, mesmo assim, a publicação do decreto fez-se em duplicado. Em 6 de Novembro e em 10 de Fevereiro.

Eu bem sei, Sr. Presidente, que os adidos extraordinários de legação não percebem quaisquer vencimentos, não pesando, portanto, no orçamento. São simples lugares honoríficos, que são concedidos por favor. E, porque assim é, é que eu estranho que os adidos nomeados pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros tenham quásí todos o mérito de serem sócios do Grémio Literário, onde se ataca rudemente, a República.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges) (em àparte): - Como é que V. Exa. sabe isso se nunca lá entrou?

O Orador: - Sei como a polícia sabe muita cousa sem ir aos próprios locais.

Sei até que V. Exa. demitiu o cônsul de Berlim, Sr. Paul Friedlander, por ter acusado o Sr. Veiga Simões e sei também que uma figura categorizada da República cortou as relações com V. Exa. por causa dêsses ataques à República. Sr. Presidente: eu sigo a doutrina de que dentro do regime republicano se deve fazer justiça a todos os portugueses, republicanos e monárquicos, mas favores só aos republicano B.

O Sr. Carvalho da Silva (em aparte): - E a justiça republicana.

Trava-se diálogo entre o orador e o Sr. Carvalho da Silva.

O Orador: - Sr. Presidente: devo declarar que não tenho nenhum propósito de atacar o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, apesar de estar maguado com o facto de S. Exa. ainda não se ter dado por habilitado a responder à interpelação que já há bastante tempo lhe anunciei.

Passemos agora a ver o artigo 13.° do capítulo em discussão, que trata da Direcção Geral dos Negócios Comerciais e Consulares, se bem que a Câmara continue a não querer ouvir-me, talvez como sinal de muito interêsse pelo Orçamento.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): - V. Exa. tem feito um sucesso.

O Orador: - Eu não vim para aqui fazer ou deixar de fazer sucesso, mas sim para proclamar a verdade ao País.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros criou nada menos do que onze consulados. Em Fall-River, New-Bedford, Providence, New-Haven, Bristol, Lowell-Lawrence, Oran, Cristiansund, Aalesund, Gotembnrg e Pau.

É interessante frisar e digno de registo para que se veja a precipitação com que estas cousas se fazem, que o consulado de Oran foi criado depois da nomeação do cônsul.

Quanto a cônsules, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros nomeou vinte e seis. Se até nomeou um indivíduo que não existe! É o caso da nomeação dum

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tal Fernando Arantes Pedroso, nomeado cônsul para Amsterdam. O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros quis decerto nomear o distinto oficial de marinha Sr. Fernando Felner Arantes Pedroso, mas a verdade é que, jurídica e legalmente, não foi êle o nomeado. Quem tomaria posse do lugar?

Tudo isto é muito interessante e mostra bem o carinho que vai pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Eu bem sei, não desconheço, que êstes lugares de cônsules não pesam no Orçamento do Estado, porquanto tais cônsules só cobram a parte dos emolumentos que lhes compete nos termos do artigo 34.° do regulamento consular, aprovado pelo decreto n.° 6:462, de 7 de Março de 1920. Mas o que estranho é que as nomeações obedecessem a princípios de amizade e não de competência, e que só para êsse efeito se tivessem exonerado outros funcionários que exerciam as funções. O que estranho é que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não fizesse caso, considerando-a letra morta, da clara o expressa disposição do artigo 24.° do regulamento consular.

Os cônsules que não sejam de carreira, como são todos aqueles que venho de referir, são nomeados por decreto, por iniciativa do Ministério dos Negócios Estrangeiros, ouvida a legação do País respectivo, e devendo ser escolhidos de entre os mais acreditados negociantes ou proprietários estabelecidos nas localidades onde houverem de servir, preferindo-se, em igualdade de circunstâncias, os de nacionalidade portuguesa e os estrangeiros que conhecerem a língua portuguesa. Olhe-se para a lista que acabei de ler à Câmara, e logo se vê como o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros respeitou o artigo 24.° do regulamento consular.

Sr. Presidente: nas considerações que venho fazendo alguma cousa vai da interpelação que anunciei ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que até agora ainda não se dignou responder.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): - Nem respondo.

O Orador: - Se V. Exa. não me responde por falta de consideração então terei de tratar a questão noutro campo.

V. Exa., como membro do Poder Executivo, não deve desconsiderar o Poder Legislativo. Apoiados.

O Sr. Francisco Cruz: - Isto não pode ser, Sr. Presidente; o Poder Executivo não pode amesquinhar o Poder Legislativo.

Vários apartes.

O Orador: - Eu não tenho precedido o meu nome das letras Dr., mas quero declarar, de uma vez para sempre, que não troco o meu fraco intelecto pelo intelecto violento do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros. Nada tenho com o Sr. Vasco Borges.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): - Garanto a V. Exa. que nunca me interessou o que*V. Exa. tivesse contra mim ou a meu favor.

O Orador: - Nada tenho com o Sr. Vasco Borges, repito. O que me interessa nesta casa do Parlamento é o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, aquele Ministro que ainda há poucos dias condecorou com a Ordem Militar de Cristo nove funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, sem que ninguém conheça quais os serviços prestados por êsses funcionários.

A Ordem Militar de Cristo é para premiar serviços relevantes prestados ao País ou à humanidade, conforme estatui o artigo 21.° do decreto n.° 11:012, de 30 de Julho de 1925.

Eu pregunto ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros quais foram os relevantes serviços que os novo funcionários chineses prestaram a Portugal ou à humanidade.

S. Exa., que tem um soberano desprêzo pelo Parlamento, que o achincalha, concedeu decerto essas condecorações para que haja reciprocidade.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): - V. Exa. não tem o direito de afirmar isso. Eu não achincalho o Parlamento. É uma mentira! Com que direito diz V. Exa. disse? Tenha a bondade de responder.

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O Orador: - Respondo quando S. Exa. me responder, dali, da cadeira ministerial, ao que acabo de preguntar e às considerações que acabo de fazer.

Tenho dito.

O orador mandou para a Mesa a seguinte proposta:

Proponho que a verba de 80.000$, consignada a "despesas com automóveis do Ministério" seja reduzida a 68.000$. - O Deputado, Rafael Ribeiro.

O Sr. Agatão Lança: - Desejaria, na minha qualidade de relator do orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, fazer uso da palavra depois de todos os Srs. Deputados terem feito as apreciações que entendessem sôbre a proposta que tive a honra de relatar.

Mas, Sr. Presidente, o ilustre Deputado Sr. Rafael Ribeiro iniciou a discussão do orçamento de uma maneira que se me afigura contrária, não só às disposições regimentais votadas nesta Câmara, mas também à letra expressa de algumas das leis do Estado.

Assim permita-se-me que cite o artigo 12.° da nossa lei de contabilidade.

Para a boa ordem dos trabalhos parlamentares, para que possamos obter um resultado útil sem perdermos tempo, chamo ainda a atenção de S. Exa. e da Câmara para a disposição do § único do artigo 8.° da mesma lei.

Afigura-se-me, pois, - e digo-o sem menos consideração para o ilustre Deputado Sr. Rafael Ribeiro - que as considerações de S. Exa. talvez não ficassem bem neste momento. Talvez constituíssem matéria para uma interpelação ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Pedi a palavra neste momento para chamar a atenção da Mesa para as disposições legais que acabei de citar, pedindo a V. Exa., Sr. Presidente, que as faça cumprir para que a discussão possa prosseguir com utilidade.

Agora, na minha qualidade de relator, voa responder ao Sr. Rafael Ribeiro, se V. Exa. mo permite.

Não precisa o ilustre Ministro dos Negócios Estrangeiros da. débil defesa que lhe possa fazer o relator do orçamento dessa Secretaria do Estado, mas em duas

palavras eu responderei inteiramente às objecções feitas pelo Sr. Rafael Ribeiro.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, passando à disponibilidade determinado pessoal do seu Ministério, fê-lo inteiramente dentro do artigo 87.° da respectiva lei orgânica, que diz :

Leu.

Ora, Sr. Presidente, evidente se torna que hão-de ser os titulares das pastas quem há-de saber quais as conveniências de serviço que os podem levar a transferir ou colocar na disponibilidade os funcionários seus subordinados. De resto, incluindo até as próprias pessoas que não se tem preocupado demasiadamente com os assuntos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, toda a gente sabe que há casos em que a passagem à disponibilidade se impunha não só para bem dos serviços mas ainda para prestígio da Nação e da República.

O Sr. Rafael Ribeiro: - Que data tem a lei orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros ?

O Orador: - Tem a data de 26 de Maio de 1911 e foi publicada pelo actual Chefe do Estado, Sr. Dr. Bernardino Machado.

Um àparte do Sr. Rafael Ribeiro.

O Orador: - V. Exa. está enganado. O Sr. Ministro, ao abrigo do artigo 87.°, passou à disponibilidade certo pessoal. Assim ficaram abertas determinadas vagas nos quadros e para elas fizeram-se depois promoções, do mesmo modo que se fazem no exército ou na magistratura.

O Sr. Rafael Ribeiro: - O mal é êsse!

O Orador: - Não estou a discutir se é mal se é bem. Digo apenas que são essas as disposições legais.

Preguntou o Sr. Rafael Ribeiro: "Que vencimentos têm êsses funcionários?" Para o saber bastará a S. Exa. ler o artigo 89.° da lei orgânica, no qual se encontram taxativamente- determinados êsses vencimentos, conforme o número de anos de serviço do interessado e as razões por que é passado à disponibilidade.

Há casos até em que não recebem cousa nenhuma, como sucede quando é o próprio interessado a requerer a passagem

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à disponibilidade ou quando não vá ocupar o seu pôsto dentro do prazo estabelecido.

Mas de onde é que sai o dinheiro ? É muito simples: sai do capítulo VII, artigo 27.° da lei orçamental. Há, é claro, um quadro de funcionários na disponibilidade.

Como já há algumas vagas nesse quadro, algumas das pessoas que o Sr. Ministro passou àquela situação vão ocupar tais vagas. E - preguntará o ilustre Deputado - aqueles que não tiverem lugar aí? Também é matéria assente : vão receber pela verba de exercícios findos.

Um àparte do Sr. Rafael Ribeiro.

O Orador: - Eu não entendo bem o que é que o Sr. Rafael Ribeiro deseja. Quererá S. Exa. que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros decrete que não se pague aos funcionários do seu Ministério? Se o quere, isso é uma questão a discutir entre S. Exa. e o Sr. Ministro. O que é certo, como demonstrei à face dos textos legais, é que o Sr. Ministro procedeu por uma forma absolutamente legal, não me parecendo que o ilustre Deputado tenha tocado em qualquer outro ponto que eu possa esclarecer.

Um àparte do Sr. Rafael Ribeiro.

O Orador: - Pregunta o Sr. Rafael Ribeiro que vencimentos receberão os cônsules de 2.ª classe, fora da carreira, que o Sr. Ministro tenha nomeado. A êste respeito devo dizer que, ao ver o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros atacado num jornal de Lisboa por ter nomeado certos cônsules extra-carreira, fiquei deveras surpreendido, tanto mais que o director dêsse jornal é uma alta individualidade política que ocupa, também, uma alta posição na burocracia portuguesa.

Na verdade, Sr. Presidente, da nomeação dêsses funcionários não resulta nenhuma despesa para o Estado. Da sua não nomeação é que pode resultar.

V. Exas. compreendem : se se criar um consulado na cidade de X do país Y e se nessa cidade houver muitos portugueses, se lá houver importantes interêsses portugueses de ordem comercial, evidentemente que nesse consulado se produzirá um certo movimento. O cônsul, porém, não receberá nem sequer cinco réis do Estado, visto que os chamados cônsules comerciais apenas têm a participação de 50 por cento até o montante de 3.000$, ouro, nos emolumentos cobrados, e, quando êsse montante é ultrapassado, todo o excedente pertence ao Estado.

Nenhum prejuízo há, portanto, com a nomeação dêsses funcionários; pelo contrário, dela resultam vantagens de ordem financeira e patriótica para a Nação.

Temos por êsse mundo fora muitas colónias que têm estado quási abandonadas, sem a assistência de ninguém que olhe pelos seus interêsses e às quais se torna mester levar um pouco daquele carinho que a Pátria deve dispensar a todos os seus filhos.

O Sr. Rafael Ribeiro: - O que desejo saber é se dos cônsules agora nomeados algum recebe quaisquer gratificações ou ajudas de custo.

O Orador: - Garanto a V. Exa. que dos cônsules que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros nomeou, nenhum recebe gratificação especial. Que me conste, há apenas dois ou três cônsules que o recebem, mas estabelecida por Ministros anteriores, e há muito tempo, e êsse facto é justificado pelas circunstâncias políticas da Nação que impõem a manutenção de um agente consular que olhe pelos interêsses portugueses, alguns bem graves e ainda há pouco debatidos, em localidades cujo movimento não produziria receita bastante para que alguém lá se pudesse conservar.

O que eu posso garantir a V. Exa. é que muitos dêsses funcionários deixaram de receber essas quantias.

Posso garantir a V. Exa. que o Ministério dos Negócios Estrangeiros extinguiu todas essas gratificações, o que significa que a situação dêste ano, comparada com a do ano passado, é muito melhor.

O Sr. Rafael Ribeiro (interrompendo): - V. Exa. pode-me dizer o seguinte?

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não deu nenhuma ajuda de custo a êsses cônsules que nomeou?

O Orador: - O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não deu nenhuma aju-

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da de custo, nem despesas de viagem e instalação a nenhum dos cônsules que nomeou.

Posso garantir isso a V. Exa.

O Sr. Rafael Ribeiro: - Registo a declaração do V. Exa.

O Orador: - Posso garantir a V. Exa. porém, ainda não há muito, que eu recebi uma carta em que se me afirmava que um determinado consul, que tinha sido nomeado, tinha recebido não só ajuda de custo como desposas de viagem e instalação, quando na verdade êsse indivíduo nem sequer foi nomeado.

Por isto se vê, Sr. Presidente, a facilidade com que se dizem certas e determinadas cousas que não têm fundamento algum.

Referiu-se também o Sr. Rafael Ribeiro à nomeação do Sr. Arantes Pedroso para cônsul de Portugal em Amsterdam.

Devo dizer a V. Exa. que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, tendo nomeado o Sr. Arantes Pedroso para cônsul de Portugal em Amsterdam, fê-lo num legítimo direito, como posso garantir a V, Exa. que êle, desde que foi nomeado, deixou de receber os seus vencimentos como segundo tenente da armada.

Pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros foram cortados todos os vencimentos a que me acabo de referir.

Acaso será justo que se critique o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, pelo facto de ter colocado em Amsterdam no lugar de cônsul, um português onde estava um estrangeiro?

Entenderá, porventura, o Sr. Rafael Ribeiro, que o Sr. Arantes Pedroso não poderá cuidar melhor do que um estrangeiro, dos interêsses nacionais?

O Sr. Arantes Pedroso é um distinto oficial da marinha, digno do nosso respeito e da nossa consideração.

O Sr. Rafael Ribeiro: - A êsse também eu presto toda a minha homenagem, mas o nomeado para Amsterdam não é oficial de marinha. O nomeado chama-se Fernando Arantes Pedroso, e o oficial de marinha Fernando Felner Arantes Pedroso.

Trocara-se àpartes.

O Orador: - Creio ter dado ao Sr. Rafael Ribeiro as devidas explicações sôbre os pontos que S. Exa. versou nas suas considerações sôbre o capítulo 2.° do orçamento.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Teixeira Pinto: - Pedi a palavra para enviar para a Mesa uma proposta. Acerca dela não farei quaisquer considerações e limito-me a dizer que não desejaria que êste orçamento fôsse discutido e lá fora se pudesse dizer que não houve dentro do Parlamento uma voz sequer, que se levantasse protestando contra o facto de a República Portuguesa, que não reconhece religiões, manter a sua representação junto do Vaticano.

A minha proposta é para que seja extinta a legação portuguesa junto do Vaticano.

Não tenho ilusões a respeito da sorte desta minha proposta. Mas eu apenas desejo fazer uma afirmação de princípios,

O orador não reviu.

A proposta é a seguinte:

Proponho que no capítulo 2.° do orçamente em discussão, seja reduzido a seis o número de chefes de missão, e Ministros Plenipotenciários de 1.ª classe, pela extinção da Legação junto do Vaticano.

O Deputado - Abel Teixeira Pinto.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): - Sr. Presidente: iniciarei as minhas considerações em resposta às que foram produzidas por um Sr. Deputado, fazendo uma afirmação à Câmara, embora julgue que não tenho absoluta necessidade de o fazer.

É que tenho a mais alta consideração pelo Parlamento da República e, portanto, nesta consideração vai todo o meu respeito pela Câmara dos Deputados.

Declarei já que não tinha necessidade de fazer esta afirmação. Com efeito uma tal afirmação saída da minha boca, torna-se ociosa. Sou antigo parlamentar e assim não podia eu deixar de ter a devida e justificada consideração por um Poder do Estado, ao qual eu próprio pertenço e nestas condições procuro sempre prestigiar a instituição parlamentar.

Sr. Presidente: o Sr. Rafael Ribeiro

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fez várias críticas e comentários a factos relativos ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, a propósito da discussão do orçamento do mesmo Ministério. Permito-me acentuar, como, de resto, já o fez o Sr. Agatão Lança, que algumas dessas considerações não têm cabimento próprio neste momento. Aquele Sr. Deputado creio mesmo que declarou que de certo modo aproveitava a ocasião para se referir a factos que desejava tratar numa interpelação.

Esta afirmação de S. Exa. é bastante para me dar razão no sentido de, com efeito, eu não ter neste momento de responder a quaisquer considerações que não digam claramente respeito à discussão em causa, o que não quere dizer, evidentemente, que noutra ocasião, e logo que isso me seja facilitado pelos muitos afazeres que me sobrecarregam, eu não venha, com todo o prazer, ouvir o que o Sr. Rafael Ribeiro tiver para me dizer, e responder-lhe conforme me fôr possível. E não tem S. Exa. que surpreender-se com o facto da provável demora, demora que aliás outras interpelações que têm sido anunciadas estão sofrendo; e não têm que queixar-se com justiça, porque o facto de eu ainda não me ter considerado habilitado a responder-lhe, não representando desconhecimento dos assuntos, apenas corresponde à circunstância de os muitos afazeres e responsabilidades que neste momento me estão confiados não terem ainda consentido que eu tivesse tido o tempo preciso para vir a esta Câmara responder às interpelações que me estão anunciadas.

Toda a gente sabe que de facto, neste momento, são variadíssimos os assuntos que correm, pela pasta dos Negócios Estrangeiros, variadíssimos e dos mais importantes e complexos, os quais me obrigam a um esfôrço e um trabalho de tal ordem que diariamente isso faz com que eu - com o que a Câmara, de resto, nada tem - tenha de procurar algumas horas de repouso às 6 horas da madrugada e mais tarde.

São, portanto, os serviços da República e da Nação que não têm permitido que eu me tenha já declarado habilitado a responder às notas de interpelação dalguns ilustres parlamentares, tanto desta como da outra casa do Parlamento"

Foi por isto que eu declarei ao Sr. Rafael Ribeiro que em relação aos assuntos que diziam respeito à sua interpelação, neste momento não responderia.

Mas ainda a outros factos S. Exa. se referiu, a que eu não tenho obrigação legal, digamos, constitucional, de responder, e êsses são, por exemplo, os que dizem respeito à colocação do pessoal do meu Ministério, a qual só a mim exclusivamente pertence, como membro do Poder Executivo.

Da colocação de pessoal, sou eu, com efeito, o juiz, muito embora das minhas decisões, despachos ou decretos, os funcionários que se julguem lesados tenham o direito de recorrer para os tribunais competentes.

Relativamente a factos respeitantes a nomeações de pessoal, a que S. Exa. se referiu, quero explicar a S. Exa. que êsses factos referidos não comportam qualquer espécie de ilegalidade, nem qualquer espécie de abuso que eu tivesse cometido.

Sr. Presidente: resulta da orgânica do meu Ministério que para os funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros são situações normais qualquer das seguintes que vou apontar: ou a de prestarem serviço no Ministério como primeiros, segundos e terceiros oficiais, chefes de repartição e directores gerais, ou a de prestarem serviço no estrangeiro como cônsules ou funcionários diplomáticos, e a de se encontrarem na disponibilidade, situação acerca da qual só ao Ministro compete decidir e resolver, podendo colocar qualquer funcionário na disponibilidade sempre que por conveniência de serviço o Ministro assim o entenda, sem que das conveniências que a isso o levaram tenha de dar conta seja a quem fôr. É da lei orgânica do meu Ministério.

Os funcionários que coloquei na disponibilidade não acarretam, em virtude dessa colocação, qualquer aumento de despesa para o Estado, não representam qualquer infracção legal, porque mesmo se essa situação representasse qualquer infracção legal, com que êsses funcionários se julgassem afectados, decerto êles teriam recorrido dêsses despachos ou decretos, sem necessidade de que o Parlamento interviesse para que lhes estivesse garantida a justiça que lhes assistisse.

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Sr. Presidente: pelo que respeita, por exemplo, aos funcionários colocados na disponibilidade, não só a verba respectiva não foi esgotada como até creio não ter sido integralmente preenchida.

Mas, diz o Sr. Rafael Ribeiro, há necessidade de compressão de despesas. Posso afirmar à Câmara é a, S. Exa. que êsse também tem sido um dos critérios que tem dominado a minha administração no departamento do Estado que me está entregue.

Tenho procurado deminuir despesas suprimindo situações diplomáticas, suprimindo postos diplomáticos que julguei desnecessários para os interêsses do País, e, pelo que respeita às nomeações de cônsules fora da carreira para as legações, de modo nenhum representam ou representaram qualquer espécie de encargo para o Estado; pelo contrário, dessas nomeações só poderão advir proventos para o Estado.

Acusou-me o Sr. Rafael Ribeiro de ter substituído alguns funcionários consulares de fora da carreira por cidadãos portugueses; creio que está no animo de toda a Câmara que, sendo um português, melhor servirá os interêsses portugueses do que um estrangeiro. Portanto, julgo um critério louvável a seguir que, sempre que ao Ministro se ofereça ensejo de substituir um funcionário estrangeiro por um português idóneo o Ministro dos Estrangeiros o deve fazer.

Sr. Presidente: pareceu-me ou rir pôr em dúvida que a nenhum funcionário consular, fora da carreira, nomeado por mim, eu tenha atribuído qualquer subsídio, remuneração ou ajuda de custo. Não há que duvidar; é a verdade integral.

Tenho com efeito nomeado várias pessoas para lugares de cônsules fora da carreira, mas, a nenhum eu atribuí qualquer espécie de remuneração ou subsídio.

Nomeei, é certo, um cônsul para Roma em substituição de um francês que desempenhava essas funções, e, é certo que êsse cônsul recebe um subsídio mas não é menos certo que não fui eu quem lho atribuiu, já o tinha por despacho anterior. Se êsse subsídio acompanhou o funcionário para o pôsto para onde foi nomeado, o mesmo sucedeu com o cônsul colocado por mim em Ayanionte, cônsul português também, em substituição dum

cidadão espanhol, e que recebe no novo pôsto um subsídio que já recebia como cônsul em Tui.

Sr. Presidente: são subsídios que não é muito difícil justificar perante os próprios interêsses da Nação, são cônsules em localidades onde os interêsses portugueses tornam conveniente que haja uma autoridade consular portuguesa, e, sendo certo por um lado que a criação de consulados de carreira nessas localidades importa despesa muito maior para o Estado, também é certo por outro lado que os interêsses do Estado, a que me referi, não se harmonizam com essa situação exercida por estrangeiros; ainda mais barato fica ao Estado colocar aí pessoas a quem com efeito paga um subsídio, aliás modesto.

Nem seria lógico que, precisando o Estado de funcionários da sua confiança nessas localidades, não lhe convindo por uma questão de compressão de despesas aí criar consulados de carreira, não pagasse, ainda que deficientemente, àqueles funcionários de cujos serviços necessita.

Sr. Presidente: se de facto tenho substituído funcionários consulares fora da carreira, que eram cidadãos estrangeiros, por cidadãos portugueses, foi a êste critério que o meu procedimento obedeceu.

Pelo que respeita às nomeações de adidos de legação, a lei não proíbe que elas sejam feitas em qualquer número, e antes o permite; e nem admira, que assim seja, porque podendo os funcionários dessa categoria prestar serviço, não representam despesa alguma para o Estado.

Creio ter assim respondido de um modo geral às considerações que fez o Sr. Rafael Ribeiro.

Também o Sr. Teixeira Pinto, mandou para a Mesa uma proposta no sentido de ser extinta a nossa legação no Vaticano.

Devo declarar à Câmara que, como Ministro dos Estrangeiros, não posso estar de acordo com essa proposta, pelo menos por emquanto, porque os interêsses da Nação e até os da República não se harmonizam com essa extinção. Bem sei que o Estado português é neutro em matéria religiosa, mas nem por isso a República Portuguesa deixa de ter interêsses consideráveis ligados à sua representação junto do Vaticano. Até mesmo nações protes-

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tantes têm o seu representante acreditado junto do Vaticano

Nestes termos, sem com isto querer contrariar a intenção, aliás legítima, do Sr. Teixeira Pinto, suponho que a Câmara está convencida de que isso iria prejudicar os interêsses da Nação e da República, e que a Câmara me dispensará de fazer mais largas considerações, certo como estou que já respondi satisfatoriamente às considerações produzidas pelos oradores que apreciaram o capítulo em discussão.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Rafael Ribeiro: - Sr. Presidente: o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, querendo dar algumas explicações às observações que fiz sôbre os negócios da sua pasta, disse-nos que as nomeações do pessoal tinham sido feitas em harmonia com a lei orgânica do Ministério. Mas há que observar, Sr. Presidente, que a cumprir a disposição do artigo 87.° da lei orgânica de 26 de Maio de 1911, sem ter em conta o artigo 2.° da lei de 29 de Abril de 1913, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros pode agarrar-se à conveniência de serviços e passar todo o pessoal do Ministério à situação de disponibilidade, e promover quem muito bem quiser e entender, servindo-se da rubrica de mérito comprovado e urgente conveniência de serviço.

Relativamente à substituição de cônsules disse S. Exa. que eu havia censurado o facto de ter substituído os cônsules estrangeiros por portugueses. Ora eu não disse isso. O que eu afirmei é que êles tinham sido substituídos sem consideração alguma pelos serviços prestados.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges) (interrompendo): - Usei da consideração que devia usar e a alguns dei as honras de cônsules honorários.

O Orador: - Com referência aos cônsules que não são de carreira e que recebem subsídio pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros temos, no ano económico de 1924-1925, os de Dakar, New-Castle, Brest, Sevilha, Swansea, Orense, Rotterdam, Corunha, Rouen, Fall-River, New-Bredford, Providence, Lowell, Fresno e Hong-Kong, com os quais se gastou 22.8600 ouro.

No ano económico de 1925-1926 temos os cônsules de Hong-Kong, Dakar, New-Castle, Brest, Sevilha, Swansea, Orense, Rotterdam, Corunha e Rouen, com os quais se despendeu 11.760$ ouro. A êste respeito diz o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que dos subsídios actualmente pagos nenhum foi autorizado por S. Exa. Registo e votos faço para que tais subsídios deixem de pesar no Orçamento. Não quero deixar de estranhar o facto de na lista dos cônsules que recebem subsídio, lista que é oficial, não figurar o de Tuy e o de Ayamonte, que eu sei que os recebem.

Trava-se diálogo entre o orador e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Orador: - Sr. Presidente: lamento profundamente que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros tivesse, há pouco, dito que eu mentia. Quero declarar à Câmara que não sei mentir. Na verdade aproveitei o ensejo, como previamente declarei, de agarrar-me à discussão do orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros para falar sôbre os assuntos que devia tratar numa interpelação que há já bastante tempo anunciei ao titular da pasta. Mas, fazendo as observações que fiz, não menti. Podia ser inexacto, mas, em minha consciência, afirmei só verdades. O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, vendo que eu não estava fazendo observações exactas, que eram erradas, tinha o dever de pedir a palavra para explicações e do seu lugar de Ministro diria de sua justiça com aquela correcção e delicadeza que se impõe a todos os homens educados. Dadas as satisfatórias explicações do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros retirando qualquer palavra mais violenta que tivesse proferido, dou por terminado êste incidente retirando também qualquer palavra menos cortez que tivesse proferido no calor da discussão.

Tenho dito.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): - Sr. Presidente: o Sr. Rafael Ribeiro no decorrer das suas considerações fez comentários que, pelo

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aspecto pessoal que revestiram, me deram a impressão de que com efeito S. Exa. procurava ser-me desagradável.

Na verdade, Sr. Presidente, S. Exa., nas considerações que fez relativamente às pessoas que nomeei, apresentou objecções de ordem particular que, na verdade, nada têm com a discussão do orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e que só foram ditas, na Verdade, com o intuito de me ser desagradável, tanto mais quanto é certo que as afirmações que foz não são exactas.

S. Exa. referiu-se a uma pessoa que é meu consócio num grémio a que pertenço e onde vão pessoas do melhor meio social desta cidade, onde há monárquicos, onde há republicanos e onde nunca houve política.

O Sr. Rafael Ribeiro fez uma afirmação verdadeiramente afrontosa para mim, qual foi a de ter afirmado, num momento talvez de exaltação, que eu lá fora achincalhava o Pari amputo.

Sr. Presidente: na minha qualidade de parlamentar uma tal afirmação é verdadeiramente afrontosa para a minha dignidade.

Ainda convidei o Sr. Rafael Ribeiro a pensar no que tinha dito, porém, S. Exa. insistiu, e assim o Ministro dos Negócios Estrangeiros, que é um homem, sentindo--se agravado, respondeu como, na sua qualidade de homem, entendeu que devia responder.

Lamento, Sr. Presidente, que o facto se tivesse dado; mas não me pertence a mim a responsabilidade do que aconteceu, visto que não me pertence a afirmação, e se nesse momento alguma palavra disse mais viva e imprópria do Parlamento, ainda, Sr. Presidente, como prova do muito respeito que tenho pelo Parlamento, eu peço licença a V. Exa., Sr. Presidente, para retirar essa expressão. Tenho dito. O orador não reviu.

O Sr. Dagoberto Guedes: - Sr. Presidente: não serei muito extenso nas considerações que vou fazer, cingindo-me estritamente, nas minhas palavras, a algumas rubricas do capítulo 2.° do Orçamento em discussão.

O ilustre relator, no parecer da comissão do Orçamento, acentua uma vez mais
que o Ministério dos Negócios Estrangeiros "está longe de corresponder às presentes exigências da nossa política de relações e ainda, e principalmente, às urgentes necessidades da nossa vida económica". E mais adiante reconhece e afirma também o ilustre relator que: "os serviços de propaganda, hoje tam vitais para os países que curam com desvelo da valorização de todos os seus recursos, quási não podem ser feitos por falta de pessoal indispensável e por carência, por assim dizer, absoluta de recursos materiais para tal fim".

Não obstante reconhecer esta verdade, a comissão do Orçamento propõe uma redução de 50.000$, precisamente na verba do capítulo 2.°, artigo 5.°. destinada a "despesas de carácter reservado, propaganda, publicidade, etc.", sem dar qualquer explicação das razões que a determinaram a propor essa redução na proposta orçamental.

Há uma evidente contradição entre as palavras que acabo de ler no relatório e a proposta de redução do ilustre relator. Eu compreendo, porém, os razões que levaram o ilustre Deputado Sr. Agatão Lança - a quem presto a minha homenagem pela dedicação com que estudou o orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros- a propor uma redução nessa verba. São naturalmente as mesmas razões que me levam a concordar com ela.

É indispensável, Sr. Presidente, realizar e manter uma intensa propaganda no estrangeiro da nossa cultura, das nossas possibilidades económicas, do nosso progresso colectivo e, muito especialmente, da nossa acção colonizadora. É necessário criar uma opinião pública no sentido de se reconhecer que não podemos conservar-nos isolados da vida internacional moderna, em que as nações intensificam as suas relações, por um inter-câmbio de ideas e por um conhecimento profundo do progresso social e económico de todos os povos cultos que fazem parte da comunidade internacional.

As despesas com a propaganda do nosso Pais no estrangeiro devem ser consideradas legitimamente como despesas produtivas, porque são, sem dúvida, de elevados resultados morais e económicos.

Mas o que é necessário é que as ver-

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bas a êsse fim destinadas tenham a devida e justa aplicação.

Uma voz: - O que é preciso é que o dinheiro se gaste no estrangeiro...

O Orador: - Como, porém, pelo que se tem passado nos anos anteriores, essas verbas não têm tido, provavelmente, a aplicação útil que deviam ter, talvez seja por isso que o Sr. relator propõe a sua redução, quando de facto reconheceu a sua insuficiência.

Temos de fazer no estrangeiro uma propaganda inteligente, sistemática, metódica, da nossa função social, política, económica e colonial. Para isso é necessário que no orçamento se inscrevam as verbas indispensáveis, quando as possibilidades financeiras o permitam.

Mas não devemos malbaratar dinheiro a título de propaganda, sem plano e sem objectivo, e sem que se vejam os resultados da sua aplicação.

Eu ouso preguntar ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros como se tem cuidado e como se tem orientado a propaganda do nosso País por parte das nossas legações e consulados.

Que publicidade só tem feito pela imprensa? Podemos dizer que tem sido quási nula.

Sr. Presidente: eu tenho saído por diversas vezes no País, em viagens de estudo e tenho tido o cuidado de observar como todos os países fazem uma intensa e activa propaganda da soa situação e dos seus progressos em todos os ramos de actividade social, dir-se-ia em competência uns com os outros. Essa propaganda reflecte-se extraordinàriamente nas relações comerciais e políticas entre os povos.

Tenho verificado que Portugal raramente aparece revelando ao mundo o nosso enorme esfôrço colectivo, quer no continente, quer nas colónias, na mesma febre de expansão internacional com que se preocupam vivamente grandes e pequenos povos. Todos os que viajam e se interessam por êstes problemas reconhecem que até países de pouca importância política, sem colónias, e não tendo grande necessidade de expansão mundial, realizam contudo uma intensa propaganda e desenvolvem uma actividade prodigiosa

para se tornarem conhecidos do mundo, em todas as suas manifestações de vitalidade, de energia e de progresso ...

O Sr. Lago Cerqueira: - A propaganda que êsses países fazem pela imprensa é muito cara, porque os jornais estrangeiros fazem-se pagar bem. A nossa imprensa, de que por vezes dizemos mal, é mais generosa ...

O Orador: -É certo. A publicidade pela imprensa é cara, mas é o meio a que recorrem todos os países. Nós teremos que fazer o mesmo. V. Exa. que tem viajado bastante deve ter reconhecido que por falta de propaganda e de publicidade, em certos meios, e até dos mais importantes, quási se desconhece a existência do nosso País.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): - Mas V. Exa., assim, defende o aumento de verba destinada à propaganda.

O Orador: - Sem dúvida. Mas só votarei uma suficiente verba quando os serviços estejam organizados por forma a darem o resultado prático desejado.

Existem algumas entidades que recebem subsídios do Estado, mas a sua acção quási não se faz sentir.

A Propaganda de Portugal, por exemplo, é subvencionada pelo Estado. Que acção no estrangeiro tem exercido essa colectividade?

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): - Alguma! Faz .o que pode!

O Orador: - Vende bilhetes de caminhos de ferro...

O Sr. Lago Cerqueira: - O que ela não tem é dinheiro!

O Orador: - Tem o dinheiro da subvenção; mas é muito possível que a verba que devia ser destinada à propaganda, seja absorvida por alguns elementos que dela se aproveitam para viverem bem instalados em Paris.

A secção da "Propaganda de Portugal"

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em Paris, visto que é subvencionada pelo Estado, devia ser um centro donde irradiasse uma propaganda inteligente e patriótica pelo levantamento do prestígio da Nação.

Mas muitas vezes tem sido um centro onde se diz mal do País.

Já tem sucedido irem lá indivíduos para se informarem das cousas portuguesas e responderem: - "Aquilo vai de mal a pior!"

É preciso dizer-se que algumas das pessoas que lá estão a dirigir são inimigas das instituições republicanas ...

O Sr. Teixeira Pinto: - Peço perdão a V. Exa.. mas parece-me que não é assim. Estive em Paris o ano passado e fiquei com. as melhores impressões ...

O Orador: - Ao pronunciar estas palavras, Sr. Presidente, não mo move má vontade contra a "Propaganda de Portugal".

O meu desejo é que as verbas destinadas a subvencionar colectividades como esta, cujo objectivo deve ser altamente patriótico, não se desviem da sua função e sejam gastas em manter no estrangeiro certas personalidades que nada fazem pela propaganda do País, mas que estão tratando dos seus negócios ou gozando uma vida despreocupada e feliz, ao mesmo tempo que, nas horas de ócio, ainda dizem mal desta República que, mensalmente, lhe entrega urna boa subvenção ...

Sr. Presidente: é preciso, repito, criar o ambiente necessário para que o País reconheça que as despesas a fazer com a propaganda são indispensáveis e produtivas.

Quanto mais conhecido fôr no estrangeiro o nosso esfôrço colonizador e o nosso desenvolvimento económico e social, maior é o nosso prestígio de potência colonial o maior o conceito mundial das nossas faculdades de raça.

Há ainda sôbre êste assunto um ponto interessante a registar. E o que diz respeito à propaganda dos nossos produtos que exportamos. Essa propaganda é indispensável para intensificar o nosso comércio externo.

V. Exa. sabe bem que todos os países que têm devidamente organizados êstes serviços pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, cuidam duma maneira persistente em fazer a propaganda dos produtos que exportam, estabilizar e criar novos mercados, de forma que os seus produtos se acreditem e obtenham o maior valor e a mais alta cotação mundial.

Nós pouco nos preocupamos com êstes factos, que são de grande importância e da maior vantagem económica para a Nação.

Estive na Bélgica em 1924 e, conversando com alguns compatriotas nossos que ali tem casas comerciais, ouvi muitas lamentações por não cuidarmos da propaganda dos nossos vinhos licorosos e das nossas conservas naquele país.

Em virtude da depreciação da nossa moeda, ao contrário do que sucedia com a moeda espanhola, o mercado belga abriu-se para os nossos vinhos, em competência com os vinhos espanhóis.

As vendas aumentaram extraordinariamente. Mas por parte do Govêrno e mesmo dos exportadores, não houve o cuidado absolutamente necessário para, por uma propaganda e organização inteligente, se acreditarem profundamente as nossas marcas, criando raízes nesse importante mercado.

De maneira que, porque a nossa divisa cambial melhorou, as nossas exportações têm diminuído muito mais do que sucederia se- cuidássemos a sério da propaganda activa dos nossos produtos.

O que dizemos do que se passa na Bélgica, podemos dizer que o mesmo sucede em todos os países.

Trocam-se diversos àpartes.

O Orador: - A propósito das considerações do Sr. Rafael Ribeiro sôbre a colocação em Rouen dum cônsul não de carreira, eu devo dizer à Câmara que é muito lamentável que não se transformem em consulados de carreira, consulados importantes como o de Rouen e tantos outros, que dão grande rendimento e que nada absolutamente justifica que se encontrem entregues a indivíduos que não pertencem ao quadro do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Sr. Presidente: eu não pretendia cansar a Câmara, mas desejava fazer estas considerações que, aliás, mereceram já alguns aplausos e vários apartes discordantes, o que prova ser assunto de inte-

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rêsse para o País e digno da discussão parlamentar. Para êles desejo chamar a atenção do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros; como, porém, não é o momento oportuno para deles tratar detalhadamente, reservar-me hei para os abordar noutra ocasião.

Quanto propriamente ao capítulo em discussão, devo dizer que voto a redução da verba proposta pela comissão, pelo receio que tenho da sua aplicação pouco vantajosa para a propaganda, pois que os serviços respectivos estão mal organizados, como muito bem acentua o relator do parecer.

Realmente, a nossa - vida social e a nossa acção colonial é desconhecida ou mal conhecida no estrangeiro, porque pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros não se exerce uma activa propaganda, em virtude da insuficiência da verba destinada a êsse fim, mas também e muito especialmente sem censura para ninguém, porque os nossos representantes diplomáticos e consulares, por motivos de ordem vária, pouco se preocupam com essa propaganda, não executando assim completamente as suas funções.

Para terminar, Sr. Presidente, desejava que o Sr. relator explicasse porque há disparidade nas verbas do artigo 7.° do capítulo 2.°, respeitante às despesas de representação destinadas às legações de Madrid e Roma.

Eu, que acompanho a acção dos nossos diplomatas, não ignoro que o nosso Ministro em Espanha emprega todos os meios para dar o maior realce à sua acção junto do Govêrno espanhol, e tem realizado na legação recepções brilhantíssimas, não só em homenagens a portugueses ilustres, mas também a personalidades de alto relevo na sociedade e na corte espanhola.

O mesmo não sucede em Roma, pois que o nosso Ministro junto do Quirinal vive modestamente nessa cidade e, naturalmente porque o meio é diferente do de Madrid, não tem realizado recepções diplomáticas na legação, nem realizado outras despesas de representação. Contudo a verba que é destinada para a representação da nossa legação em Roma é superior à que se destina à legação de Madrid.

Tenho dito.

O Sr. Agatão Lança (em àparte): - Se se reduzisse a verba, praticar-se-ia uma injustiça.

V. Exa. o que estranha é que o Ministro de Portugal em Roma não dê grandes recepções.

Leu-se na Mesa uma proposta de emenda do Sr. Rafael Ribeiro a qual foi admitida pela Câmara.

O Sr. Carvalho da Silva:-Sr. Presidente : são muito poucas as palavras que vou pronunciar, e, se bem que elas se não refiram propriamente ao capitulo em discussão, espero que a Câmara me releve esta falta, tanto mais que, depois do que vou dizer, deixaremos ficar V. Exas. descansados na discussão do orçamento.

Desde que na tabela da ordem do dia de hoje foi marcada a discussão do orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e, desde que se começou a discutir o Orçamento Geral do Estado, na generalidade, sem parecer de qualquer comissão, e, até mesmo sem a presença do Sr. Ministro das Finanças, que, segundo me informam, está doente, o que eu muito lastimo, nós abstemo-nos de tomar parte na discussão do Orçamento.

Desde que a representação nacional entende que a discussão e votação do Orçamento se devem fazer em três ou quatro minutos, a minoria monárquica, vendo a situação gravíssima do País, e o estado aflitivo em que êle se encontra, resolve não discutir uma cousa que não é o Orçamento, deixando essa responsabilidade aos Srs. Deputados republicanos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Lino Neto: - O Sr. Alberto Pinto Teixeira acabou de mandar para a Mesa uma proposta de extinção da nossa legação junto do Vaticano.

Não deixou semelhante iniciativa de causar na Câmara um certo espanto; e com razão.

Sempre ela seria injustificada, mas nunca podia ter sido tão inoportuna como no presente momento.

Por isso ficou inteiramente isolada, sem correspondência de qualquer dos lados da Câmara.

O próprio proponente nem uma palavra

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sequer proferiu para lhe dar um ar de justificação.

O parecer n.° 45-B, da comissão do Orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em parte alguma a abona.

Dai se deve inferir, portanto, que a maioria, lhe não dá a sua solidariedade.

Também por parte do Govêrno, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros se levantou para afirmar - e com brilho o fez - que a legação junto do Vaticano era considerada imprescindível para os interêsses de Portugal.

Vê-se, por conseguinte, que o gesto do Sr. Pinto Teixeira é um gesto isolado, mas nem por isso é menos lamentável.

Entre as diversas legações que temos lá fora, a do Vaticano é, por certo, a que sobreleva a todas em importância.

Ao passo que as outras legações se ocupam de interêsses políticos e económicos, esta trata sobretudo de interêsses morais, e com êstes se conjugam importantíssimos interêsses políticos e económicos.

Emquanto as demais legações são junto do potências estrangeiras, a do Vaticano é junto de uma potência que é alguma cousa da nossa Pátria.

É bom lembrar que do mais alto corpo consultivo da Santa Sé, o Sacro Colégio, faz parte a figura veneranda do grande português que é Sua Eminência o Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, e da Igreja são todos os prestigiosos bispos de Portugal todo o seu prestantíssimo clero, e a quási totalidade da nossa população.

É a Santa Sé um dos mais decisivos meios de influência dos povos latinos sôbre todos os povos da terra; são latinos os seus diplomatas, latina a sua língua, latino o fundo da sua mentalidade.

A Santa Sé representa o órgão da mais alta espiritualidade que vem orientando o mundo.

Erguem-lhe estátuas, em reconhecimento, os povos mussulmanos numa das praças de Constantinopla; tendem a unir-se-lhe os povos protestantes, aproveitando para êsse fim, especialmente, a mediação da gloriosa, figura que foi o Cardeal Mercier; aproximam-se dela os povos greco-scismaíieos; outros povos, como o Japão e a China, quebram os seus antigos quadros religiosos, abrindo-se os doces influências da Igreja.

E é nesta altura que se faz a insólita proposta para a extinção da legação portuguesa no Vaticano?!

Esqueceu o Sr. Deputado proponente que somos a terceira potência colonial do mundo, e que, fora dos nossos territórios ultramarinos, temos ainda a vastíssima esfera de influência política que nos dá o chamado Padroado do Oriente.

Pois tudo isso, para eficazmente se manter entrelaçado na nossa soberania, carece de relações muito íntimas com a Santa Sé.

Basta ver o que valem como instrumento de acção social as missões religiosas.

Da Santa Sé, recebe a maior parte da nossa população as inspirações e regras da sua fé.

Como é que, nestas condições, pode haver quem traga à Câmara, uma proposta de extinção da legação de Portugal no Vaticano?

Seria alhear a Nação de si própria, seria desintegrar o Estado do nosso povo, seria negar em parte a vida da Pátria.

Mas isto ocorre naturalmente ao espírito de quem pense, e por certo não escapou também ao do Sr. Pinto Teixeira.

O que pretenderia então êste Sr. Deputado com a proposta?

Talvez quisesse pintar-se de avançado e de radical, como foi costume durante muito tempo, supondo que assim mais grada às multidões.

Se êsse foi o seu sentido, errou.

Hoje. o Estado - infelizmente para êle - já não está com a Igreja; o clero já se não encontra nos mais altos cargos da administração política, já não há pretextos para descarregar os males do Estado sôbre a Igreja; são exclusivamente dêle e só dele!

Quanto ao favor das multidões, êle tem de ser, vem sendo, e há-de ser da Igreja.

E no povo que a Igreja recruta a maior parte dos seus Ministros e é ao povo que a Igreja dirige principalmente a sua voz.

Leiam a pastoral, que acaba de sair, de S. Exa. Revma. o Sr. Bispo Conde: não é só de palavras autorizadíssimas; anuncia também ao país o funcionamento duma instituição pelos operários, que é já maravilha.

Deixem-se, pois, os que pretendem fingir de avançados de explorar com a Igreja,

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Estão-lhes quebradas nas próprias mãos as armas que tinham.

São outros os tempos e as circunstâncias.

A Igreja é em Portugal um facto nacional da maior importância.

Para que não sirva de instrumento das facções e dos partidos é que se organizou o Centro Católico, de que êste lado da Câmara tem a representação.

A questão religiosa há-de deixar de ter razão de ser.

Ainda hoje, os jornais publicam uma representação ao Sr. Presidente da República, assinada pelo grupo dos combatentes pelo regime, afirmando a necessidade de se tranquilizar a consciência religiosa pelo reconhecimento das respectivas liberdades.

Pode declarar-se ateu quem quiser, protestante, judeu, ou o que fôr; o que ninguém, porém, pode, seriamente, é rejeitar as relações do Estado, com a Santa Sé; fazendo-o, é como sonâmbulo através da vida da Nação, é como quem se mantivesse alheio às realidades e circunstâncias da hora presente.

Lavro por isso, o meu protesto, em nome da minoria católica, contra a proposta do Sr. Pinto Teixeira, lamentando-a sinceramente como um facto infeliz.

Tenho dito.

O Sr. Alfredo Nordeste: - Sr. Presidente: quero meter-me, nas considerações que vou fazer, precisamente dentro do artigo 12.° de contabilidade. Entendo, e nisso estou de acordo com o Sr. relator, que nesta altura da discussão da proposta orçamental do Ministério dos Negócios Estrangeiros não interessam aquelas considerações que porventura não estejam de inteira harmonia, não só com o parecer da nossa comissão, como ao mesmo tempo com o que está inscrito nas diversas rubricas do Orçamento. Nestas condições, .eu vou ocupar-me nesta altura somente do capítulo 2.°, referindo-me principalmente à verba 4.a do seu artigo 5.°

No parecer da comissão, que eu li com toda a atenção, propõe-se que esta verba seja reduzida.

Senti com isso uma grande satisfação porque eu, que já fui funcionário dependente do Ministério dos Negócios Estrangeiros, sei quantos abusos se têm praticado à sombra de semelhante verba.

Não está certo que ao lado da epígrafe "despesas de propaganda e publicidade" apareça esta outra: "despesas de carácter reservado".

Para aquelas eu direi que todo o dinheiro é pouco, porque realmente necessitamos fazer muita propaganda.

Apoiados.

Quanto às outras acho que a comissão andou muito bem propondo a redução da verba.

Entendo, porém, que a redução proposta é pequena. Eu proponho que, em vez de 50 contos, seja de 100 contos.

Os Srs. Domingos Pereira e Agatão Lança trocam, simultaneamente, explicações com o orador.

O Orador: - Sr. Presidente: devo dizer ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que há pouco, quando o nosso colega Sr. Rafael Ribeiro usando da palavra se referiu a certos subsídios a consulados que não são de carreira, S. Exa. não tinha que se zangar, porque o que quis dizer êsse nosso colega era que dessa verba saíam determinados subsídios para funcionários que se encontram lá fora em missão de carácter oficial. Êsses indivíduos pedem para ser nomeados sem vencimentos e depois não deixam os Ministros, pedindo que lhes dêem os meios necessários para a sua sustentação.

Eu faço justiça ao ilustre relator, que tam bem viu e tratou êste assunto.

O Sr. Agatão Lança (interrompendo): - Agradeço a V. Exas. as suas boas palavras. Devo informá-lo que há ainda uma outra verba de 36 contos que também tinha êsse destino.

O Orador: - Verifiquei que V. Exa. estudou com muita atenção êste assunto.

Agradeço a indicação de V. Exa. tanto mais que eu não sabia que havia uma verba de 36 contos para subsídios desta natureza.

O que digo a V. Exa. é que concordando com a redução praticava um acto de grande alcance reduzindo esta verba de 100 contos. Farei a proposta na devida altura.

O Sr. Agatão Lança (relator): - Efectivamente no ano passado reduzi a verba

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de 200 contos, ouro, para 100 contos, oure, mas devo dizer que julgo em consciência que êsses 100 contos não chegarão para certos serviços que por êste Ministério é necessário lazer no estrangeiro. Por isso é que êste ano não fiz uma redução tam grande como desejava,

O Orador: - O ilustre relator tem naturalmente elementos que eu não tenho para poder saber só é ou não possível reduzir essa verba apenas a 50 contos.

Creio que 100 contos ainda é uma verba enorme para se fazer o que se tem feito até agora.

A uma outra verba me quero referir: são os 80 contos para despesa de automóveis.

Sou daqueles que reconhecem que os Ministros, nos tempos que vão passando, tem de ter um automóvel para seu serviço, mas esta verba de 80 contos, em minha opinião, deve sofrer uma redução.

Repito: sou daqueles que reconhecem que o Ministro necessita dêsse meio de condução; o que não compreendo nem consinto, pelo meãos com o meu voto, assista como o voto dêste lado da Câmara, é que o Ministério dos Negócios Estrangeiros tenha ao seu serviço dois automóveis, facto que só não dá em mais Ministério algum.

É certo que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros tem uma situação do representação, mas situação de representação tem também o Chefe do Govêrno, tanto assim que as leis do nosso Pais quando se referem a representação não tratam apenas da representação que tem. o ilustre titular da pasta dos Estrangeiros; as leis dizem que tem representação o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Presidente do Ministério.

Pois bem, ao serviço do Ministério dos Estrangeiros encontram-se dois automóveis, "m para serviço do Sr. Ministro e outro para andar a fazer carretos do Ministério para casa dos funcionários o de casa dos funcionários para o Ministério. Se. porventura, reconhecesse- que o trabalho ora extraordinário dentro daquele Ministério, q no impedia a saída a horas certas, àquelas horas a que, habitualmente, os funcionários têm de regressar as suas casas, após o serviço público, não era eu que protestava contra êsse facto;

mas, muitas vezos - e não há Ministros que tenham a coragem de impedir os se abuso, porque muitos já têm tentado pôr aquilo em ordem - muitas vezes, repito, os funcionários entram a uma e duas horas para trabalhar e só muitas vezes lá ficam depois da hora regulamentar é porque querem ficar, porque vão tarde.

Relativamente a êste assunto enviarei para a Mesa em ocasião oportuna uma proposta no sentido do ser reduzida esta verba de 80 contos do forma a ficar igualada à dos outros Ministérios.

Interrupção do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que não se ouviu.

O Orador: - Pretendeu o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros convencer-me de que eu não tinha razão. Não o conseguiu.

Encontrei lá por fora nas mesmas condições as secretarias das delegações que, quando precisavam de automóveis, alugavam-nos, o que sai muito mais barato do que ter automóvel e chauffeur.

O Sr. Presidente: - Deu a hora para interromper a sessão.

O Orador: - Se V. Exa. me permite fico com a palavra reservada.

O Sr. Presidente: - Está interrompida a sessão para reabrir às 21 horas e meia.

Eram 19 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 21 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Continua no uso da palavra o Sr. Alfredo Nordeste.

O Sr. Alfredo Nordeste: - Sr. Presidente: estava-me há pouco ocupando do artigo 5.° do capítulo l2.° da proposta orçamental, e tencionava- mandar para a Mesa uma proposta, acerca das despesas com os automóveis do Ministério. Porém, como o seu relator me apresentou razões que me convenceram, eu não o farei.

No emtanto, quero declarar que, se é certo que essas razões mo convenceram da necessidade de manter esta verba na actual proposta ornamentai, é igualmente

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certo que, se porventura para o próximo ano o actual titular da pasta dos Estrangeiros fôr Ministro, não devo trazer ao Parlamento esta verba, que dá a impressão de que existem para serviço dois automóveis.

Eu já disso que, quando o Ministério dos Estrangeiros tenha necessidade, para festas protocolares, de dar transporte condigno ao secretário geral do Ministério, que S. Exa. disse estar em contacto permanente com os Ministros plenipotenciários acreditados junto do Govêrno português, faça o que lá fora se faz, alugue os automóveis precisos.

Sr. Presidente: o parecer da nossa comissão, é interessante e curioso. Assim, no artigo 15.º, capítulo 2.°, encontramos o seguinte:

Leu.

Isto é uma cousa que à primeira vista pode parecer extraordinária, qual é a de propor o aumento das verbas inscritas na proposta orçamental, mas bem hajam a comissão e o senhor relator.

Eu, que conheço alguns dêstes consulados, sei perfeitamente o regime de pobreza franciscana em que êles vivem, apesar do Estado auferir, por intermédio dolos, grandes rendimentos. O ilustre relator estudou convenientemente a vida dêstes consulados, e não teve dúvidas em assumir a responsabilidade de propor aumentos em certas verbas. O Ministro quere isto, mas a comissão entende que é necessário dotar êsses consulados com os elementos precisos, para dar todo o auxílio que os nacionais deles careçam.

Sr. Presidente: só eu porventura louvo a nossa comissão o o Sr. relator, tenho de lamentar no emtanto, que ela não tivesse aconselhado o Sr. Ministro no sentido de corrigir certos desmandos, que desde há muito só vêm cometendo.

Não é intenção minha censurar o actual titular da pasta dos Estrangeiros, mas se, porventura, S. Exa. segue o caminho dos seus antecessores, faça o favor de enterrar a carapuça. O que não se pode compreender é que à sombra de uma lei que permite a situação da disponibilidade, se esteja permanentemente a aumentar o quadro dos funcionários do Ministério dos Estrangeiros, e se venha dizer que isso não traz aumento de encargos. Desde que se colocam na situação de disponibilidade determinados funcionários para se darem as vagas e se proceder à nomeação doutros indivíduos, e depois os primeiros voltam a exercer funções, há evidentemente aumento de encargos.

Dentro de uma semana colocaram-se três funcionários na disponibilidade a fim de arranjar vagas.

Isto é que é preciso acabar.

Disse o Sr. relator que nem sempre essas nomeações trazem encargos para o Estado, mas eu vou provar que trazem, e não são pequenos êsses encargos.

Chamo a atenção de V. Exa. para o seguinte:

Leu.

O Sr. Agatão Lança (relator): - Repare V. Exa. que eu digo no meu relatório que é preciso reformar a lei, mas o que não se pode é fazer isso de um momento para o outro.

O Orador: - A explicação de V. Exa. é de aceitar, mas pode V. Exa. também aconselhar o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros a que siga esta minha doutrina, que é a melhor.

Muito tenho a dizer, mas por agora findo as minhas considerações.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: antes de iniciar as considerações que tenciono fazer sôbre o assunto em discussão, permita-me V. Exa. que eu felicite a Câmara dos Deputados por ter votado na generalidade os orçamentos.

O Orçamento Geral do Estado, na generalidade, não pode ter outra apreciação que não seja a sua aprovação pura e simples.

No emtanto cada pessoa pode aproveitar a discussão dêste diploma para emitir as suas razões sôbre a administração pública, o assim eu aproveito o capítulo 2.° para fazer algumas considerações, para as quais chamo muito especialmente a atenção do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

A comissão do Orçamento elaborou um parecer sôbre esta proposta, mas o ilustre Deputado e relator Sr. Agatão Lança fez o seu parecer análogo ao do ano passado.

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Dentro e fora do Parlamento advoga-se a necessidade de remodelar os serviços públicos, o que, de facto, é preciso que se faça, para bem dos serviços e da economia pública da Naç3o.

O público, em geral, julga que os funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros só servem para vestir uma farda. Êsses funcionários servem para além fronteiras representarem o nosso País.

Não podemos, nem devemos esquecer que o Ministério dos Negócios Estrangeiros, com uma orgânica defeituosíssima, é, ainda assim, um dos departamentos de administração pública que têm receitas Cobrindo as suas despesas.

Apoiados.

Se a orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros fôsse aquilo que, de facto, devia ser, não tenho dívida que o processo de arrecadação das receitas próprias do Ministério seria muito mais eficaz.

Lembro-me, Sr. Presidente, de que o programa do Partido Republicano, de 1891, consignava a doutrina de que, proclamada a República, seria pôsto termo à existência duma representação diplomática como a que então existia; que o corpo consular seria transformado numa magistratura, para o efeito das relações de direito internacional.

Proclamada a República, verificámos que essa parte do programa não podia ter efectivação, porque nós tínhamos de satisfazer necessidades de ordem política de tamanha transcendência que seria indispensável o garanti-las com uma representação diplomática à altura. Mas se êste pensamento agitou a mente dos homens que interpretaram a revolução triunfante, infelizmente a reforma dos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros, feita em 1911, pela veneranda figura que é hoje o Sr. Presidente da República, pôde verificar-se dentro em breve que não correspondia àquilo de que a República carecia: o ter uma representação diplomática que soubesse interpretar, não só os interêsses do País, como, os do regime.

Os diplomas que em 1919 foram publicado s, e que envolviam modificações à orgânica de 1911, não satisfaziam às exigências resultantes da guerra.

Surgiu depois uma tentativa de reforma e pouco importa neste momento citar o nome dos homens que a subscreviam. Não importa também lembrar as condições políticas em que essa reforma foi lançada para o Diário do Govêrno. No emtanto, crítico imparcial como sou, devo apressar-me a dizer que essa tentativa de remodelação dos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros foi honesta.

Infelizmente as circunstâncias políticas levaram os homens do Govêrno que se seguiu a pôr de parte, apenas por conveniências de momento, êsse programa, ficando apenas de pé, se bem ma recordo, o estabelecimento dos direitos consulares em ouro.

Se assim não fôsse, Sr. Presidente, nós não estaríamos hoje discutindo os orçamentos da forma como o estamos fazendo.

Esta é que é a verdade, e lembro-me bem que é devido à acção do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros actual que se tem conseguido fazer os acordos realizados até hoje.

Refiro-me ao estabelecimento da pauta dupla, ao estabelecimento da lei de protecção à marinha mercante.

Foi, na verdade, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros actual, quem publicou aquelas medidas de fomento e de alta defesa nacional.

Tudo isto tem um altíssimo alcance para Portugal, como nação colonial, e assim devo dizer a V. Exa. e à Câmara que não posso de maneira nenhuma esquecer o que foi feito em 1915 pela Sociedade de Geografia, o que na verdade representou um grande esfôrço por parte daquela Sociedade.

Diz o parecer da comissão de Orçamento que ao Ministério dos Negócios Estrangeiros cabe um altíssimo papel na economia geral da Nação. Sem dúvida. De entre todos os valores que figuram no rol das nossas riquezas económicas, o parecer cita, pondo-o em destaque, o valor das nossas populações emigratórias, fazendo votos para que, em relação a êsses que lá fora continuam, numa afirmação nobre de patriotismo, procurando realizar para o seu País qualquer cousa que os que cá estão não podem nem têm querido realizar, deve o Ministério dos Negócios Estrangeiros dispensar muito e muito em assistência,

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em assistência de toda a natureza, e, daqui a pouco, quando tiver de falar mais em detalho sôbre a nossa emigração, eu direi qual a modalidade de assistência a fazer.

Lembro, Sr. Presidente, que nos países em que, como no nosso, se verifica a existência de uma população destinada à emigração, países grandes e a engrandecer-se, países pequenos e a fazer-se grandes, como a Itália, a Tcheco Slováquia, a Finlândia, todos os Governos se estão ocupando do seu principal problema, do problema da migração, olhando-o em todos os seus aspectos, no seu aspecto de reflexos internos, no seu aspecto quanto à vida de relações com os outros povos, no seu aspecto económico a traduzir-se em ouro. Eni Portugal temo-nos limitado apenas a fazer uma pequenina política de emigração com o carácter único - o carácter repressivo - e dentro de um sistema de leis que estão condenadas pela experiência. O esfôrço do quem dirige êsses serviços e o esfôrço de quem tem de colaborar com quem os dirige, traduzem-se numa perfeita inutilidade; no entretanto, pendente desta Câmara está, salvo êrro, uma proposta aqui apresentada há tempo. Não sei neste momento se ela, de facto, encarava o problema em todos os seus aspectos, mas, pelo menos, poderia servir para provocar um debate sério em que os homens com responsabilidades de Govêrno fizessem afirmações, contribuindo com o seu estudo para a solução de um problema que, infelizmente, continua em Portugal sem querer ser visto por êsses homens.

Um àparte.

Quero dizer: um problema que precisava de ser estudado, sob o ponto de vista de fomento interno, pelos Ministérios da Agricultura e do Comércio, que precisava de ser estudado, sob o ponto de vista de aptidões do emigrante, pelos Ministérios do Comércio e da Instrução,, do forma a colocar o emigrante em condições de Igualdade em relação aos indivíduos que de outros países marcham para êsses centros destinados à imigração - êsse problema encontra-se, por assim dizer, abandonado. O nosso emigrante leva consigo apenas uma grande dose de patriotismo, que nunca perde, e uma grande vontade de trabalhar.

Em matéria de contratos de trabalho, porventura temos feito alguma cousa no sentido de facilitar lá fora a situação do emigrante mal chega? Nada.

Quanto à última étape, aquilo que por vezes se traduz na desgraça - a repatriação- que temos feito? Nada, absolutamente nada.

Sou de uma região que, antes do actual modus vivendi com os Estados Unidos da América do Norte, teve uma grande corrente emigratória para êsse país. Conheço razoavelmente o problema, pelo menos no" aspecto que interessa a essa colónia emigratória; no entretanto, e a despeito de eu ter de considerar as altíssimas conveniências de ordem económica regional que dessa emigração têm resultado, entendo que, a bem da economia nacional, teremos de reduzi-la a um mínimo inevitável, colocando êsse mínimo inevitável nas melhores condições possíveis, a fim do que se torne o mais proveitoso, quer para os que emigram, quer para os que o deixara, emigrar, quer para os que o vão receber como immigrante. Estou convencido de que, quanto a êsses países que constituem dois grandes centros immigratórios - o Brasil e os Estados Unidos da América do Norte - com um pouco de tato diplomático o atenta a situação geográfica que tem Portugal, fácil seria negociar um modus vivendi em que os nossos interêsses, sob o ponto de vista de país de emigrantes, fossem acautelados. £ Quererá o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros pensar nisto a serio? Faço votos porque S. Exa. com a sua inteligência, tendo atrás de si um partido que lhe deve dispensar todo o apoio, desde já esboce uma obra nesse sentido, certo de que ninguém, esteja em que partido estiver, encontre-se em que ponto do País se encontrar, deixará de lhe dirigir os devidos louvores.

No parecer elaborado pelo meu querido amigo o ilustre Deputado Sr. Agatão Lança faz-se referência à evidente falta de pessoal em muitas das nossas legações e na maior parto dos nossos consulados, assoberbados muitos deles com uma enorme quantidade de trabalho.

Isto na verdade é assim.

Sr. Presidente: a falta que foi aqui notada talvez não se tivesse dado se nós seguíssemos uma política cuidadosa no sentido de atender sempre às exigências

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do interêsse nacional, porque assim nós teríamos nos lugares próprios os funcionários competentes, embora, sejam insuficientes em número os do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Falou-se na Repartição da Expansão Económica.

Pala latitude das suas funções a Repartição da Expansão Económica devia ter uma orgânica diversa da que tem actualmente.

É fantasticamente ridículo que uma tal repartição tenha apenas um chefe e um terceiro oficial.

Verifica-se assim, que, por vezes, em matéria de orgânica dos serviços públicos, tocamos uma ou outra tecla acertada, mas adoptamos apenas procedimentos de circunstância, não encarando as dificuldades a solucionar para atender apenas a situações pessoais de modo que êste ou aquele Amigo veja acautelados os seus interêsses de momento.

Não seria melhor confessar que o Ministério dos Negócios Estrangeiros, não se interessa nada pelo problema da expansão económica, devendo assim, suprimir-se a repartição respectiva?

Desde que alguém reconheceu a necessidade dela existir, acho que deverá ser devidamente organizada para poder realmente cumprir a sua missão.

Vamos aumentar pessoal?

Talvez. Mas eu lembro ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que nos Ministérios da Agricultura o do Comércio há serviços absolutamente afins com os da Repartição da Expansão Económica, e que também nada fazem de útil. Porque não ligar todos êsses elementos dispersos?

As deficiências dos elementos burocráticos do Ministério dos Estrangeiros dão-nos um conjunto defeituoso, embora só contem lá dentro alguns elementos de valor moral e de capacidade intelectual, bem revelados.

Defeituosa tem sido a série de acordos que temos feito há anos a esta parte, muitos dos quais são prorrogados, sem que saibamos porquê, sem que nem mesmo os Ministros o saibam, e outros são denunciados sem que o Ministro tenha elementos para avaliar da conveniência de se fazer desta ou daquela forma. É a carência absoluta de elementos.

De passagem direi que, há dias, mandei para o Ministério das Finanças dois pedidos de elementos para averiguar das vantagens do acordo com a França feito o ano passado, e ainda não me foram enviados êsses elementos.

Há um acôrdo com a Alemanha que foi prorrogado por motivo de urgência, mas essa urgência ninguém sabe qual é.

O Sr. Presidente: - Já passou a meia hora que V. Exa. tinha para falar.

Vozes: - Fale, fale!

O Orador: -Vou terminar as minhas considerações.

No orçamento do Ministério dos Estrangeiros pouco se poderá ser no sentido de reduzir as despesas.

Termino mandando a minha moção para a Mesa.

O orador não reviu.

A moção é a seguinte:

A Câmara dos Deputados, reconhecendo a necessidade do se discutir e votar o Orçamento Geral do Estado com receitas e despesas em nível de equilíbrio, afirma o seu propósito de colaborar nessa finalidade; e

Considerando, a bem da Nação, a urgência de se proceder à reorganização dos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros: exprime o voto de que êsse diploma seja elaborado por forma a que os interêsses do Estado, da economia nacional e dos portugueses espalhados pelo mundo, encontrem nesse departamento da administração pública um seguro instrumento de valorização e assistência.

Câmara dos Deputados, 4 de Março de 1926. - Manuel José da Silva.

É lida a moção do Sr. Manuel José da Silva.

O Sr. Presidente: - A meu ver, a matéria desta moção diz respeito à discussão do orçamento na generalidade.

Como já se fez a sua aprovação na generalidade parece-me que a moção não pode entrar em discussão.

O Sr. José Domingues dos Santos: - A Esquerda Democrática encarregou o Sr. Alfredo Nordeste de estudar o orçar

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mento do Ministério dos Negócios Estrangeiros e de em nome dela falar.

O Sr. Alfredo Nordeste, com a competência que todos lhe vão reconhecendo, com um estudo cuidadoso e com uma notável imparcialidade, acaba de expor o que a Esquerda Democrática pensa quanto aos vários assuntos que correm pela pasta dos Negócios Estrangeiros.

Levou a sua imparcialidade a ponto de, sabendo que não havia número para votações, não ter mandado para a Mesa a sua moção, não querendo assim prejudicar os trabalhos da Câmara e não dando azo a que a sessão se interrompesse.

A afirmação de imparcialidade feita por S. Exa., em nome da Esquerda Democrática, fica sem exemplo.

Nós estamos na Câmara, mas não temos obrigação de dar número para que ela possa funcionar. Todos têm obrigação de aqui comparecer e se, porventura, a alguém interessa que os orçamentos se discutam, êsse interesso pertence principalmente à maioria democrática.

A Esquerda Democrática está em oposição ao Govêrno e se não quere pôr embaraços na discussão dos orçamentos, também não quere colaborar na discussão dos mesmos quando não haja número bastante.

Fica assim assente, para de futuro, e feito o aviso: De ora avante, quando não houver número, não será com a presença da Esquerda Democrática que essa discussão prosseguirá.

Veja-se a bancada ministerial deserta só estando presente o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Se a todos nos interessa a votação dos orçamentos, mais interessa ao Govêrno e, contudo, o Govêrno prima pela sua ausência a esta Câmara, pelo que me permito levantar o meu protesto veemente contra semelhante procedimento.

Quero fazer esta afirmação de princípios e definir a nossa posição para que amanhã ninguém fique surpreendido com a nossa atitude.

Quando tive a honra de ser Presidente do Ministério iniciei, em nome do Govêrno, as combinações necessárias para o reatamento das nossas relações com a Rússia. Tal assunto não teve seguimento, visto que caímos dentro em poucos dias.

Pela proposta orçamental, que está agora em discussão, vejo que nela continua a
figurar um funcionário, ministro de 2.a classe em Petrogrado, com a respectiva verba.

Pregunto, temos lá ministro?

Se não temos para que consta da proposta orçamental tal verba?

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): - Na proposta devia dizer-se Leninegrado e não Petrogrado. O funcionário a que se refere a verba mencionada na proposta orçamental exerce as suas funções em Varsóvia:

O Orador: - Entendo que já é tempo de a República Portuguesa sair do isolamento em que vive nesta matéria e seguir o exemplo dos povos europeus nossos aliados, reatando as relações com a Rússia som se importar com o regime que lá vigora.

Pregunto ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros qual o receio que temos dêsse estreitamento de relações.

Porque não havemos nós de caminhar ao lado daqueles povos, mostrando que não temos medo do papão bolxevismo?

Porque havemos nós de continuar assim, pois isso nem sequer se pode justificar por causa da aliança com a Inglaterra, pois a própria Inglaterra recebe os seus representantes?

Nós continuamos a ter representantes em países com quem estivemos em guerra e não temos representantes na Rússia com quem nunca estivemos em conflito.

Temos representante em Berlim e não o temos junto da República dos Sovietes.

Não será tempo bastante de mostrarmos que não temos medo dêsse papão?

Há um país florescente que vai progredindo dia a dia tanto em ordem administrativa como na política e até financeira. E a Tcheco-Slováquia; é um grande país a que hoje preside o mais alto espírito da moderna democracia. O presidente daquela República é o chefe de Estado mais culto do mundo.

Que relações temos nós com a Tcheco--Slováquia?

Nenhumas, absolutamente. Não temos ali um representante, continuamos a permanecer isolados do convívio europeu.

Qual a razão porque, após a guerra, o Govêrno não estabeleceu relações com a Tcheco-Slováquia? Qual a razão por-

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que não demos à Tcheco-Slováquia o tratamento próprio de um país grande e admirável como é?

Continuamos a desconhecer a Europa, apesar de termos entrado no conflito europeu.

Fomos para a guerra, de onde devíamos retirar grandes ensinamentos, e, contudo, terminada a guerra continuamos isolados, ninguém conhece que existe aqui uma República que quere viver; os nossos representantes, os que V. Exas. vão nomeando para serem representantes da República, quási têm vergonha de dizer que a representam, e contudo é indispensável que se saiba em toda a parte que aqui existe uma democracia forte, que, só porventura tem erros, não perdeu a fé no futuro, tem grandes recursos com que se poderá impor à admiração do mundo.

Qual a razão porque não havemos de dizer aos nossos representantes que cumpram o seu dever de afirmar que são representantes da República Portuguesa?

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges) (interrompendo): - Se V. Exa. me permite, discordo da sua afirmação.

Não me consta que haja algum nosso representante no estrangeiro que se envergonhe de representar a República; se tivesse conhecimento de algum caso dêsses, V. Exa. poderia estar certo que êsse funcionário seria demitido imediatamente.

O Orador: - Quantos não há que não dizem em parte alguma que são representantes da República

Ainda há dois dias jantei com um engenheiro que estava na Suíça há anos, e êle contou-me que se deu lá uma festa a que compareceu toda a colónia portuguesa. Pois não se arvorou a bandeira portuguesa t E porquê? Porque muitas das pessoas que tinham assistido a essa festa não eram republicanas e o Ministro tinha vergonha de dizer que era republicano.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): - Não sei há quanto tempo isso se possa ter dado. Custa-me a acreditar que fôsse no tempo do Sr. Bartolomeu Ferreira.

O Orador: - Não estou aqui para denunciar; ao Govêrno é que compete averiguar por que funcionários o Estado republicano é servido. O que posso dizer é que a gente nova que tem ido para as legações ultimamente não é republicana; tem vergonha de dizer que - é republicana.

Ora, se essa gente moça quere representar o País tem de se afirmar republicana.

Apoiados.

Quero ainda referir-me a outro ponto, embora ligeiramente, porque a hora aperta e eu quero ser escravo do Regimento.

O assunto é um tudo nada melindroso, mas eu vou tratá-lo com a simplicidade que é meu hábito e sem necessidade de tocar seja em quem fôr.

Pelo Sr. Teixeira Pinto foi apresentada uma proposta suprimindo a Embaixada do Vaticano; idênticas propostas foram apresentadas em sessões legislativas anteriores, sendo uma delas pelo Sr. Almeida Ribeiro, proposta que então votei e com a qual ainda hoje estou de acordo.

A Esquerda Democrática não praticou nenhum acto de perseguição ou hostilidade para a igreja. O Ministério a que tive a honra de presidir foi recebido com hostilidade por parte dos católicos, mas êstes nunca sofreram nenhuma perseguição por parte dele. Entendo que o problema religioso deve ficar na consciência de cada um. Entendo que o Estado não pode perseguir qualquer espécie de religião, mas também não pode protegê-la.

O Estado deve ser absolutamente neutral em matéria religiosa. E porque assim penso, julgo que não temos obrigação de manter junto do Vaticano um Embaixador ou Ministro.

Quero ser imparcial.

A igreja católica é. de facto, a que maior número de crentes conta, mas não é aquela que tem à sua volta a totalidade deles.

Há muito religioso sem ser católico e até mesmo sem ser cristão. Eu não sou cristão nem católico, e não faço esta afirmação por luxo. Houve tempo em que era chie ser ateu; hoje é chic ser católico.

Eu sou em matéria religiosa absolutamente descrente: sou-o porque o estudo do fenómeno religioso a tanto me levou. Fui crente, fui católico.

Houve até uma época em que fui ingè-

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nuamente crente, como são ingenuamente crentes os homens da minha terra.

Escrevi até artigos religiosos que têm servido a certos imbecis para sorrirem.

Todos sabem que andei num seminário e que lá fui educado durante alguns anos.

Não tenho vergonha em o recordar, e não teria dúvida em afirmar que continuava a ser católico se porventura o fôsse. Não tenho vaidade em ser descrente. É esta uma afirmação que ninguém me pede mas que julgo necessário fazer neste momento em que tenho de tratar um problema que toca no problema religioso.

Afirmo a V. Exas. que, mesmo que católico fôsse, eu votaria a supressão da nossa Embaixada junto do Vaticano, porque entendo que não temos necessidade de ter um representante político junto da Santa Sé.

A igreja católica é uma associação religiosa. O Estado nada tem que ver com a sua vida.

Não compreendo o que faz um Ministro junto do Vaticano onde se trata apenas, e tam somente, de problemas de ordem religiosa. Se ao Estado não interessam problemas dessa ordem, pregunto: que faz o nosso ministro junto do chefe religioso? Não entendo pois que haja necessidade de termos um Embaixador junto do Vaticano. Para mais o Vaticano é em Roma, e em Roma temos outro ministro. Pelo "menos diz vagamente o Diário do Govêrno que temos em Roma um ministro, mas creio que em Roma êsse ministro também é vagamente desconhecido. Lamento ser obrigado a dizê-lo porque se trata de um velho republicano, mas esta é a verdade.

Pessoas que têm ido a Roma me têm dito que o Sr. Eusébio Leão é desconhecido do mundo diplomático, e mora num quarto andar. Não é por essa forma que se pode exercer a função de um ministro junto de qualquer potência estrangeira.

Para que precisamos de ter dois Ministros em Roma?

É verdade que há aquela velha desavença entre o Quirinal e o Vaticano, mas ela não nos diz respeito.

Assim não julgo necessário ter em Roma dois Ministros. Já o pensava dentro do Partido Republicano Português, e assim continuo a pensar, porque não mudo de ideas com facilidade a não ser quando

me convenço que a idea que defendia é absolutamente errada.

O Sr. Lino Neto, que ouvi com a atenção e respeito que S. Exa. merece, afirmou que neste momento há necessidade de firmar a paz religiosa nas consciências. Sem dúvida. Mas eu pregunto: o facto de não termos um representante político junto do Vaticano em que pode influir na paz religiosa?

Sei bem que nas democracias todos devem pensar em afastar as lutas religiosas, que a ninguém interessam.

Radicalismo não quere dizer anti-religiosismo. O problema da esquerda é sobretudo de ordem económica.

Mas há ainda a atender que em Portugal não há apenas a religião católica. Todos sabem que há também muitos protestantes, e eu pregunto porque havemos de estar a dar as honras dum representante político à religião católica e não a havemos de dar também à religião calvinista.

Não temos, o Estado português não tem nenhum representante junto dessas confissões religiosas.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): - Nem tem mesmo junto de quem acreditá-los.

O Orador: - Eu entendo, emfim, e para pôr termo neste diálogo, que o Estado neutral em matéria religiosa não tem que dar preferência à religião católica.

Dou o meu voto à proposta apresentada pelo Sr. Teixeira Pinto.

Esta posição que a Esquerda Democrática toma é apenas de coerência com o seu passado. Não queremos levantar nenhum estandarte de revolta em lutas de ordem religiosa, seja contra quem fôr, queremos mantermo-nos absolutamente estranhos e alheios a todas as confissões religiosas.

É por isso que a Esquerda Democrática vota a supressão da embaixada junto do Vaticano.

Temos assim postas as nossas posições.

Obrigado ficaria no emtanto se o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros nos dissesse o que pensa - não a respeito da supressão da embaixada no Vaticano, porque, visto a maioria votar contra, já sabemos o resultado da proposta-mas que nos dissesse porque é que não reata-

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moa as relações com a Rússia, e porque é que não temos relações diplomáticas - embaixador ou cônsul ou encarregado de negócios - junto da Tcheco-Slováquia.

Não são problemas sem importância. A Rússia é um País grande, tem possibilidades de estabelecer relações comerciais connosco, que muito podiam beneficiar a nossa indústria e contribuir para o nosso desenvolvimento económico.

Porque é que nós desprezamos êsses factores de riqueza?

Estamos ainda com medo do papão bolchevista vir perturbar a vida pacata do português?

Queremos continuar nesta posição ridícula de sermos o único Pais da Europa que teima em não querer ouvir a linguagem europeia que se fala em toda a parte?

Não é indiferente, para nós, Esquerda Democrática, êste assunto, e creio que o não é também para a Nação.

Espero que o Sr. Ministro nos elucidará sôbre o assunto.

Já pus a questão quando da apresentação dêste Ministério sem ter conseguido obter uma resposta, mas desta vez não acabará a discussão do orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros sem sabermos o que há sôbre esta matéria.

E por agora, tenho dito, Sr. Presidente.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): - Pedi a palavra para dizer ao ilustre Deputado Sr. José Domingues dos Santos que não estou de acordo com S. Exa. sôbre o reconhecimento político do regime dos soviets, que implicaria a representação de Portugal junto daquele Govêrno.

Ouvi dizer, quando o Sr. José Domingues dos Santos proferia o seu discurso, que quási todas as Nações tinham já os seus representantes junto dêsse Govêrno o que Portugal era excepção.

Esta afirmação não é exacta, sendo o contrário dela a verdade, porquanto é a maioria das Nações que não têm representante acreditado junto do Govêrno dos someis, por ainda não terem reconhecido êsse Govêrno, e constituindo excepção os que estão representados.

Citando de memória não me lembro doutros Países que tenham reconhecido o Govêrno dos soviets e que tenham lá representação senão a França e a Alemanha, referindo-me a Países europeus.

Posso garantir que a Inglaterra não tem representação diplomática no Govêrno dos soviets, não tem relações com êsse Govêrno.

O Sr. José Domingues dos Santos: - Peço desculpa, mas a Inglaterra reconheceu e tem relações com o Govêrno dos soviets.

O Orador: - Não tem representação diplomática e creio que não terá reconhecido o Govêrno dos soviets. Apenas esteve junto dêsse Govêrno uma missão inglesa temporária para tratar de questões económicas. Se a Inglaterra tivesse relações diplomáticas com o Govêrno dos soviets, também êsse Govêrno teria representação diplomática junto do Govêrno de Londres e não a tem. A meu ver, ainda não chegou a oportunidade de estabelecermos relações com aquele Govêrno e junto dele termos um representante diplomático e êle ter, junto de nós, também um representante acreditado.

Quanto à Tcheco-Slovaquia, tem o Sr. Deputado razão quando diz que é um País que está afirmando a sua vitalidade e o seu progresso, e onde conviria que tivéssemos representação. Simplesmente sucede que os postos diplomáticos se limitam àqueles que a lei orgânica estabeleceu e autorizou. Mediante orna proposta de lei, poderá estabelecer-se junto do Govêrno da Tcheco-Slovaquia a representação diplomática de Portugal, mas tanto eu tenho a faculdade de trazer ao Parlamento uma proposta de lei nesse sentido como S. Exa. Nada impede que o Sr. Deputado apresente um projecto de lei que assim o determine.

Se S. Exa. o fizer, encontrará a minha anuência a êsse projecto.

Pelo que respeita à nossa representação diplomática junto do Vaticano, julgo conveniente que a mantenhamos.

É certo que o Estado é neutral em matéria religiosa, mas isso não impede que tenhamos relações e vivamos em regime de concordata com a Santa Sé.

A República Portuguesa ainda tem uma concordata subsistente com a Santa Sé. Bastava êsse facto, de que resultam intensas relações, para tornar necessário

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junto da Santa Só alguém que represente os interêsses que essas relações comportam.

Portanto, não posso estar, nessa parte, de acordo com o Sr. José Domingues dos Santos e terei de manter o meu ponto de vista, que é o de declarar á Câmara que julgo necessária e conveniente a conservação da Legação de Portugal junto do Vaticano,

O orador não reviu.

O Sr. Afonso de Melo: - Não se assustem V. Exas. que eu não vou fazer uma análise minuciosa do Orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Isso não me interessa por agora, nem é crítica que eu entenda dever, neste momento, preocupar demasiadamente os Deputados da Nação. De resto, pequenas verbas, pequenos detalhes foram já hoje aqui examinados, e o que havia a dizer sôbre o assunto está mais ou menos dito.

O que me levou a pedir a palavra foi a necessidade que eu tenho de acentuar, por parte dêste lado da Câmara, que, sôbre os dois graves problemas aflorados pelo Sr. José Domingues dos Santos, nós temos também as nossas opiniões, em parte divergentes, em parte concordes.

Quanto à legação junto do Vaticano, nós somos dos que pensam que é absolutamente necessário mante-la. Não são só os interêsses puramente materiais aqueles que governam o mundo. O próprio Sr. José Domingues dos Santos, representante de uma corrente que não pode deixar de ser animada por um idealismo elevado, será o primeiro a reconhecer que governam a mundo tanto as ideas e os sentimentos como os mais crassos interêsses materiais. Se Portugal mantém legações junto de países longínquos, com os quais tem minguadas relações comerciais e dos quais não pode recear agressões armadas, não há motivo algum para que junto do Vaticano, com o qual conservamos interessantes e frequentes relações, deixemos de ter uma legação. Protestante é a Inglaterra e mantém uma legação junto do Vaticano. Não se dirá que é para tratar dos interêsses meramente espirituais da grande maioria dos seus súbditos, que não são católicos; é que a Inglaterra, grande País, País prático e cheio de bom senso, sabe que não é com extremismos em matéria diplomática que ela pode condicionar os múltiplos interêsses que tem a defender em toda a parte do mundo.

A existência de um Padroado no Oriente em regime concordatário com a Santa Só seria o bastante para justificar uma legação junto da Santa Só.

Mas, independente disto, não podemos esquecer que o problema religioso, embora de natureza espiritual, interessa a todos os portugueses, mesmo aos não católicos, quer do continente, quer das colónias.

Quando mais não fôsse, a catolização das nossas colónias africanas seria só por si um elemento de civilização, para lhes dar um carácter nacional tam grande como nós pudemos dar ao Brasil.

Para que as nossas colónias africanas se aproximem o mais possível da estrutura moral e mental do povo português, é preciso que êsse povo siga uma evolução análoga à que nós sofremos.

Embora muitos se julguem ilusoriamente libertos de preconceitos religiosos, a verdade é que nós os portugueses, no nosso modo de ser social, na nossa vida íntima, na nossa própria estrutura moral, somos essencialmente religiosos.

É preciso que a evolução das nossas colónias se faça paralelamente, para que amanhã, entre a mentalidade do português do continente e o português do ultramar, não exista uma diferença tam profunda que nos leve a uma rápida separação.

Êstes problemas são muito mais complexos do que parecem à primeira vista.

Quanto às nossas relações com a Rússia, devo dizer que já uma vez, entrando eu nesta Câmara na discussão do Orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, me manifestei a êsse respeito contrariamente à criação de uma legação junto dos sovietes. Se bem me recordo, foi isso há quatro ou cinco anos.

Nesse tempo, nenhuma dúvida podia haver de que qualquer passo dado nesse sentido seria extemporâneo, seria até criminoso, debaixo do ponto de vista dos interêsses da política portuguesa de então. Hoje posso já fazer algumas modificações ao meu modo de pensar.

Por mais arreigado conservador que eu seja, não posso negar que o fenómeno soviético é um fenómeno que eu tenho de

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considerar. Eu não posso esquecer que êsse fenómeno se vai estendendo por todo o mundo; eu não posso esquecer a progressiva extensão que dêsse fenómeno se está realizando.

Ainda não há muito tempo que eu recebi um volume contendo na íntegra o código civil e o código comercial da nova Rússia. É um volume interessante, é um documento que merece ser lido, (Apoiados) para que nós possamos fazer um juízo do que é a Rússia moderna, muito diferente do que dizem alguns jornais que se comprazem em espalhar o que se seguiu à revolução russa, nos desgraçados primeiros meses do seu triunfo.

O aspecto geral que hoje me dá a evolução do povo russo, é muito análogo àquela por que nós passámos depois de 1820.

Lá, como cá, em que se entrechocaram os revolucionários e as resistências opostas de uma classe de há muito acostumada à dominação do império, estabeleceram-se reacções de tal maneira violentas que ultrapassaram todos os limites.

Nós evidentemente não podíamos ter relações com povos que se esqueceram de todas as regras em uso nos povos civilizados, mas essa época vai passando e hoje ficamos surpreendidos ao vermos que a Rússia de hoje está promulgando leis sôbre a propriedade, sôbre a família, sôbre a constituição das sociedades, sôbre o usufruto e sôbre a educação, dignas de serem estudadas.

E quando nós nos lembramos de que na Rússia, ao tombar D seu império, existia um homem que possuía só êle 84:000 quilómetros de terras, isto é, uma superfície maior do que Portugal, podemos reflectir um pouco nisso e compreender quais as razões sociais do movimento que ali se deu, isto é, a transformação daquele povo, mais do que num povo comunista, num povo de pequenos proprietários territoriais, pelos quais foi dividida em glebas, não muito extensas, a grande massa dêsses antigos latifúndios, e podemos ainda comparar o que lá se está fazendo com o que nós nos vimos obrigados a executar no tempo dos morgados.

Os critérios do Ministério dos Negócios Estrangeiros e nessa figura nobre, altamente inteligente e superiormente prática, que é o Sr. Presidente da República, devem orientar a nossa acção no sentido do estreitamento das nossas relações com a Rússia.

Sempre tivemos comércio com a Rússia. De lá nos vinham vários produtos e para lá exportávamos muito vinho generoso. Só de vinho da Madeira nós chegámos a exportar para aquele país 6-000 contos por ano e o comércio de retorno aumentara o movimento de muitas casas comerciais.

Eu estou certo de que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não deixará de encarar êste lado delicado do problema, não esquecendo a situação da maioria das potências da Europa com a Rússia.

Para terminar as minhas considerações, eu devo dizer que não me parece de uma grande necessidade, e digo até, de uma grande economia, a criação do uma legação junto da Tcheco-Slováquia.

Eu sei o papel que a Tcheco-Slováquia representa no conjunto das nações modernas.

Não me quero referir ao aspecto económico das nossas relações com a Tcheco-Slováquia, que são notáveis já hoje e estão a desenvolver-se, não pelo que nós para lá mandamos, mas pelo que estamos mandando vir.

A Tcheco-Slováquia hoje, sobretudo pela intimidade das suas relações com a França, que constituem por assim dizer uma aliança, formal, tem um grande prestígio diplomático. Êsse prestígio é alguma cousa de atender no momento presente, mas não é motivo suficiente para que nós vamos criar de propósito uma legação em Praga.

Nós não somos satélites de potência nenhuma: nós temos a nossa autonomia diplomática; somos um País livre e se tivermos de entrar em algum sistema de alianças é no sistema defensivo.

O facto da Tcheco-Slováquia ser uma espécie de muleta da França, para conseguir o equilíbrio da Europa Central, não me parece ser de molde a nos levar a estabelecer uma legação naquele País.

Todavia, se amanhã por necessidades diplomáticas se quisesse mudar o eixo da Europa Central, seria de encarar a transferência da nossa legação de Viena para Praga, visto que hoje a Áustria, infeliz-

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mente para ela, já não tem o valor diplomático dos outros tempos.

Nós temos uma representação diplomática na Roménia, que pela sua situação sôbre o Mar Negro e pelas suas dificuldades de reinvidicação territorial em relação à Rússia, precisa ser solicitamente amparada pelas potências que amanhã possam ver-se envolvidas nessa grande baralha que eu estou convencido virá do Oriente.

Mas eu creio que o nosso Ministro em Viena poderia ser encarregado de representar-nos em Praga, à semelhança de vários países que têm os seus representantes em Madrid, que o são também junto da Nação portuguesa.

Eram estas breves considerações que eu tinha a fazer sôbre o assunto.

Lida a proposta do Sr. Alfredo Nordeste, foi admitida.

É a seguinte:

Proponho que a verba destinada a despesas de carácter reservado, propaganda e publicidade, etc., constante do artigo 5.°, capítulo 2.°, se reduza de 50.000$ e que se altere a redacção daquela rubrica, suprimindo não só o "etc.", proposto no parecer, mas também as palavras de "carácter reservado".

Lisboa, 4 de Março de 1926.- Alfredo Nordeste.

O Sr. Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: eu não usaria da palavra se porventura há pouco, quando o Sr. José Domingues dos Santos falava e eu lhe pedi licença para lhe fazer uma pregunta, êle ma tivesse consentido.

Essa pregunta era apenas para refutar um único argumento apresentado por S. Exa., que dizia não devermos ter representação junto do Vaticano porque já a tínhamos junto do Quirinal.

Ora eu desejava preguntar a S. Exa. porque motivo trinta e tantas nações do mundo têm representação junto do Vaticano e junto do Quirinai, e principalmente preguntar-lhe porque é que essas nações, algumas das quais são oficialmente protestantes, entendem necessário ter essa representação e nós devíamos pensar de maneira contrária, nós, um País em que a maioria dos habitantes é católica.

Era esta pregunta que eu desejava fazer a S. Exa. e antecipadamente sabia que ficava sem resposta, porque S. Exa. não poderia responder-me, e assim eu teria inutilizado o único argumento que apresentou.

As relações com a Rússia não me metem medo.

Eu entendo que o bolchevismo na Rússia foi um facto providencial.

Sabem V. Exas. que o Vaticano foi o primeiro a mandar um emissário sou para avaliar dos resultados da transformação por que a Rússia passou.

Devo notar que a situação dos católicos na Rússia é hoje melhor do que antigamente, visto que então quem se revoltasse contra o czar era acusado de atentado político e religioso, visto que o czar era ao mesmo tempo chefe político e religioso.

Quebrada essa unidade, a situação da Igreja na Rússia é hoje mais favorável do que era antes, muito embora a continuem a perseguir.

Não ó, portanto, sob êsse ponto de vista que nós devemos considerar as relações com a Rússia, mas sim única e simplesmente encarar o assunto sob o ponto de vista político.

Nós temos os nossos interêsses ligados com os de Inglaterra, e não convirá que reatemos as nossas relações com a Rússia Cantes que ela o tenha feito.

E apenas sob êste ponto que devemos encarar esta questão.

Quanto à Tcheco-Slovaquia, entendo que não há razão para que não tenhamos lá um representante, e quando o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros entenda necessário estabelecer essa legação serei o primeiro a dar o meu voto à proposta que apresentar nesse sentido.

E isto que eu tenho a dizer sôbre o assunto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Domingos Pereira: - Sr. Presidente: duas palavras apenas.

Êste lado da Câmara precisa dizer alguma cousa sôbre as considerações produzidas neste debate travado em torno do orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

O primeiro orador começou por se referir à necessidade de se reorganizarem

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os serviços do Ministério. É uma verdade e uma necessidade afirmada já por toda a gente, e sobretudo apontada por quem na sua vida pública teve a oportunidade de dirigir a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros.

A organização existente é anacrónica e ineficaz; algumas tentativas têm sido feitas para reorganizar os serviços daquele departamento do Estado, e eu mesmo, quando passei por aquela pasta, pensei reorganizar os seus serviços, chegando a elaborar uma proposta de lei. Não a apresentei, mas, se o tivesse feito, o Parlamento não se teria pronunciado sôbre ela, como aliás tem acontecido com outras que ainda não foram convertidas em lei.

Á organização do Ministério dos Negócios Estrangeiros ouve nos tempos que decorrem, essencialmente práticos, obedecer ao critério de aproveitar alguns dos seus serviços para fins de propaganda económica, ou, pelo menos, distanciar de tal maneira os serviços diplomáticos dos serviços económicos que êstes fiquem com uma característica absolutamente inconfundível.

Por estas razões, e sabendo a Câmara que a actual organização não faculta de modo algum o desenvolvimento económico do País, porque é ainda uma organização antiquada, com certeza todos os Deputados estão de acordo sôbre a necessidade de reorganizá-la, dando-lhe uma feição moderna.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que é conhecido por todos nós como uma pessoa que não gosta de estar parado, que gosta de produzir trabalho, tendo apresentado em tempos, como disse, uma proposta de reorganização dos serviços do Ministério, naturalmente não deixará a sua pasta sem lutar e combater por que essa reorganização seja votada pelo Parlamento.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): - Tenho essa intenção, trazendo à Câmara o meu projecto de lei, agora transformado em proposta de lei e já modificado.

O Orador: - Folgo muito com isso, pois é absolutamente indispensável e urgente fazer-se a reorganização.

O parecer em discussão refere-se ligeiramente, como não podia deixar de ser, embora brilhantemente, à propaganda. Põe em relevo a necessidade que temos de fazer a propaganda do nosso País no estrangeiro. É efectivamente uma das deficiências mais notáveis do nosso Ministério.

Bem sei que a verba destinada para custear essas despesas é muito reduzida, por causa da situação do Tesouro, mas, logo que as circunstâncias o permitam, não devemos hesitar em ampliá-la devidamente.

Apoiados.

Há anos, quando Ministro dos Negócios Estrangeiros, recebi a visita no meu Ministério duma alta individualidade da Finlândia, antigo Ministro da Justiça daquele país e um dos mais notáveis professores da Faculdade de Direito de Helsing-fords, que trazia a incumbência do seu Govêrno de percorrer todos os países da Europa central e ocidental, ao mesmo tempo que outros delegados eram encarregados de correr outros países da Europa e da América, a fim de mostrarem ao mundo o que era êsse País, que há pouco tempo se destacara do império da Rússia, não sendo o país selvagem e escondido na bruma do norte que se podia imaginar, mas sim um país progressivo, desenvolvido, e onde até podíamos ir buscar lições para o nosso fomento e desenvolvimento, em muitos aspectos da vida nacional. Êsse homem trazia várias publicações em que se consignava, por escritores dos mais notáveis e técnicos especializados, o desenvolvimento da Finlândia.

Essa publicação dizia-nos que efectivamente a Finlândia estava num largo e profundo período de ressurgimento, de reconstrução e progresso. Era um volume enorme, bem impresso, encadernado em explêndida percalina, com letras douradas no frontespício e cheio de gravuras.

Êsse livro, escrito em francês, fazia-nos uma exposição tam clara e minuciosa dos vários aspectos da vida finlandesa, dando-nos um tam seguro relato do que eram as caixas económicas da Finlândia, do que era a sua expansão, do que eram os seus objectivos, do que era a obra produzida pelo fomento naquele país, que, confesso, me deixou assombrado.

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Não havia recanto por mais afastado, sobretudo nas províncias do norte em que a população é realmente muito densa, onde não existissem as caixas económicas.

A expansão das escolas primárias, a existência do escolas primárias fixas e escolas primárias móveis verificava-se por êsse volume em números incontestáveis, números não só quanto à totalidade dessas escolas, mas quanto à população dessas mesmas escolas, contendo até pequenos detalhes pedagógicos.

A mesma cousa em relação ao desenvolvimento florestal, a obra realmente admirável que estava fazendo em sementeiras por toda a parte do País; caminhos de ferro, estradas, vias fluviais, tudo isso, emfim, nos era exposto nesse volume de muitos centos do páginas e exposto até com um grande luxo material.

Pregunto a V. Exa.: fez a Finlândia uma obra inútil? Suponho que não.

O que é certo é que eu, Ministro dos Estrangeiros duma República europeia, duma República progressiva, confesso a minha ignorância, desconhecia a Finlândia sob êstes aspectos.

V. Exas. sabem que Portugal é desconhecido, e de tal maneira, que o nosso amor próprio se sente ofendido.

Ainda há pouco tempo aconteceu que uma carta - dirigida de Inglaterra para Lisboa, trazia no endereço: Lisboa - Espanha.

Devo acrescentar que esta carta provinha duma repartição oficial inglesa.

Vejam V. Exas. a nossa situação.

Quando se contesta a legitimidade de mantermos ainda hoje o nosso vasto império colonial, que tanto sangue nos custou a conquistar e a manter, nós só temos de nos queixar de nós, o de mais ninguém.

A verba de propaganda devia ainda ser aumentada, e eu não mando para a Mesa uma proposta nesse sentido, porque as condições do Tesouro Público o não permitem; mas faço votos para que tal se faça logo que seja possível.

Noto que o ilustre relator, no que se refere ao embaixador de Portugal em Londres, elevou a verba consignada no orçamento, de 7.000$ para 9.600$, equiparando a assim à dotação que tem o embaixador de Portugal no Rio de Janeiro.

Nada mais justo. A vida em Londres é muito mais cara do que no Rio de Janeiro, e, por isso, não fazia sentido que a dotação do nosso embaixador naquela cidade fôsse inferior à do nosso embaixador nesta última.

O ilustre relator introduziu uma emenda reduzindo a verba de representação, que assim fica muito inferior ao que devia ser, porque não há paridade nenhuma entre as despesas que tem de realizar o embaixador de Portugal em Londres e as do embaixador de Portugal no Rio de Janeiro. Assim, não posso concordar com o critério do ilustre relator, suprimindo a verba de 2.000$ que figura no artigo 9.º Parece que o que se pretendeu foi arranjar uma compensação do aumento da dotação.

O Sr. Agatão Lança (interrompendo). - Eu não suprimi nada. Nós não temos de pagar hoje em Londres a renda da casa, que era de 2.000$, e, assim, evidentemente que ela não deveria figurar no orçamento; mas, como no palácio da embaixada há salas que necessitam de várias reparações, fiz a transferência dessa verba.

O Orador:-Depois das considerações que acaba de fazer o Sr. relator, as minhas observações não têm razão de ser.

Desde que a nossa Embaixada em Londres está nas condições deploráveis que eu verifiquei, deprimentes para nós, porque o embaixador não pode receber a visita de qualquer diplomata ou mesmo a de qualquer pessoa socialmente acreditada em Londres, indispensável era consignar no Orçamento qualquer verba para melhorar as suas instalações.

Apoio calorosamente a iniciativa do ilustre relator, que mais uma vez demonstrou aquilo que todos nós sabemos: que S. Exa. é um patriota, disposto sempre a servir a sua Pátria, mesmo com riíico da própria vida, como já tem demonstrado.

Referiu-se o ilustre leader da Esquerda Democrática, Sr. José Domingues dos Santos, à necessidade de estabelecer as relações diplomáticas de Portugal com a Rússia. O Sr. Ministro dos Estrangeiros, quando respondeu a S. Exa., declarou que não considerava oportuna a ocasião para se restabelecerem as nossas rela-

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coes diplomáticas com a República dos soviets. Não me repugna absolutamente nada, por muito que a minha declaração possa produzir estranheza, o reatamento dessas relações, porém com uma condição: é a de que isso nos traga quaisquer interêsses económicos, políticos ou de qualquer outra natureza.

Neste momento, porém, estou de acordo com as considerações do Sr. Ministro dos Estrangeiros, não julgando, também oportuno o restabelecimento dessas relações.

Sr. Presidente: referindo-me agora à proposta que foi aqui apresentada pelo Sr. Teixeira Pinto, eu devo dizer, em nome do Partido Republicano Português nesta Câmara, que não podemos de forma alguma concordar com ela, visto que não estamos de acordo com o fim que ela tem em vista, qual seja a da extinção da Legação junto da Santa Sé, a qual é absolutamente necessário manter-se, conforme já aqui foi dito não só pelo Sr. Afonso de Melo, como pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e pela palavra brilhante e quente do Sr. Lino Neto.

Na verdade não há razão alguma que justifique a extinção dessa Legação, tanto mais quanto é certo que isso se não dá com a Inglaterra, país essencialmente protestante, o mesmo acontecendo com o Japão e a China.

Na verdade, Sr. Presidente, a conservação da Legação DO Vaticano impõe-se, pois a verdade é que, desde que os países que indiquei reconhecem a necessidade de ali terem as suas legações, nós com muita mais razão temos de reconhecer que é absolutamente necessária a sua conservação.

É um êrro, Sr. Presidente, na verdade, o que muita gente pensa sôbre o assunto, isto é, que para se ser um bom republicano se deve ser agressivo para com a igreja católica.

Sr. Presidente: há cousas que não podem ser ditas no Parlamento, que é uma assemblea pública em que se fala para todo o País, e não podemos, portanto, garantir a reserva sôbre as palavras aqui proferidas. Não podemos dizer quais são as vantagens que vêm para Portugal, para os seus interêsses como nação, da manutenção de relações entre a Santa Sé e a República Portuguesa.

Se aqui o disséssemos, dar-se-ia lugar, porventura, a especulações que é conveniente evitar.

Nestas condições eu, que já tenho passado pela pasta dos Negócios Estrangeiros, limito-me a declarar que a manutenção de relações afectuosas entre a Santa Sé e a República Portuguesa dá em resultado grandes vantagens para Portugal, para os nossos interêsses nacionais e interêsses coloniais, e digo claramente interêsses coloniais para que todos possam compreender tudo aquilo que mais claramente não posso expor.

Tenho a certeza de que êste meu depoimento, como antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros, está sendo corroborado em espírito pelo actual titular daquela pasta.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): - Apoiado.

O Orador:-E vantajoso para os nossos destinos coloniais estreitar as boas relações existentes entre a República Portuguesa e a Santa Sé.

Apoiados.

Quem quiser ver as cousas com reflexão não pode tirar conclusões opostas às que eu tiro.

Vemos que a França radical não se isola do Vaticano.

É certo que o Govêrno Herriot, para dar satisfação a promessas feitas na propaganda, fez votar na Câmara dos Deputados uma proposta extinguindo a Embaixada* ]unto da Santa Sé, mas foi rejeitada no Senado, o que Herriot, que tinha predomínio nas Câmaras francesas, podia ter evitado se quisesse. Estou convencido de que êle, ao sentir sôbre os seus ombros as responsabilidades do Govêrno, foi o primeiro a arrepender-se de afirmações que não podia manter e entre elas estaria a de que seria suprimida a representação no Vaticano.

De maneira que tranquilizem-se os ânimos daqueles que porventura se consideram pouco republicanos pelo facto de não atacarem as nossas relações com o Vaticano, e façam me a justiça de não me julgarem menos republicano por ter apresentado estas ideas, pois que entendo que a República só se enaltece com essas relações, seguindo, de resto, o procedimento das repúblicas mais avançadas.

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Mas ainda se reconhecem as vantagens das relações com o Vaticano para o efeito da concordata ligada ao nosso Padroado do Oriente.

Além disso, a acção do Centro Católico e dos nossos prelados tem sido uma acção patriótica e não seria justo, por isso, que não lhe correspondêssemos de uma maneira digna, mas sim com uma atitude intempestiva.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Agatão Lança: - Sr. Presidente: em vista da boa vontade que eu vejo dos ilustres parlamentares para se discutir ràpidamente o Orçamento e de certo modo recuperarmos o tempo perdido, embora, segundo o meu modo de ver, os Deputados que têm intervindo no debate não se têm cingido às disposições regimentais, porque têm feito discussões na generalidade, vou procurar responder dum modo breve a todos os oradores que usaram da palavra.

Ao ilustre Deputado Sr. Rafael Ribeiro já tive ocasião de responder durante a sessão da tarde. Julgo que S. Exa. está esclarecido e satisfeito com as informações que lhe dei.

Sinto, porém, que um ligeiro mal-entendido se tivesse suscitado entre S. Exa. e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, mas foi com particular agrado que constatei o alto espírito de concórdia do Sr. Vasco Borges, que levou a sua gentileza e correcção a dar àquele Deputado e à Câmara todas as explicações.

Apoiados.

Foi com prazer que constatei que esta discussão se fez sem qualquer nota discordante e que os ilustres parlamentares que me deram a honra de discutir êste parecer todos êles concordaram com as orientações nele expendidas.

Foi, efectivamente, com regozijo que eu vi que os pontos principais que expus sôbre a orientação a seguir adentro desta Secretaria do Estado, sôbre a reforma que é urgente fazer na mesma Secretaria, tiveram um bom acolhimento de quási todos os ilustres parlamentares que usaram da palavra.

O Sr. Dagoberto Guedes julgou ver uma contradição no facto de eu desejar uns serviços de propaganda mais largos e melhor apetrechados, e, por consequência, melhor dotados, ao mesmo tempo que vinha fazer uma redução de 50.000$, ouro, nas despesas de publicidade e carácter reservado.

Sr. Presidente: lendo-se com um pouco de atenção o meu parecer verifica-se que contradição não há.

Evidentemente, se a nossa Secretaria de Estado estivesse devidamente apetrechada, se a tivéssemos transformado num centro regulador da nossa vida económica internacional, evidentemente, repito, essa verba orçamental não poderia ser reduzida, e seria até insuficiente. Mas, como essa circunstância se não dá, e, como até essa repartição, que altíssimas funções poderia desempenhar, funções económicas, tem apenas como pessoal um chefe e um terceiro oficial que está ausente num pôsto diplomático, no estrangeiro, não é necessário que esta verba continue no seu quantitativo, no Orçamento, porque ela permite que, por vezes, a se ela vão buscar determinadas quantias, umas vezes para reforçar outras verbas, o que não se daria se ela não existisse, e, outras vezes, para dar largas à magnanimidade ministerial.

Respondendo assim ao Sr. Dagoberto Guedes julgo ter respondido a todos os outros Srs. Deputados que a esta verba se referiram, e, em especial, ao Sr. Alfredo Nordeste, que, mais minuciosamente, mais detalhadamente, discutiu não só a verba 4.ª do capítulo 2.°, mas todo o capítulo 2.° da proposta orçamental.

Disse eu então, em àparte, ao ilustre Deputado Alfredo Nordeste que não era só essa a verba que eu reduzia, que também reduzia a verba de missões de serviço público ao estrangeiro, verba em ouro que foi sempre nos orçamentos anteriores a 1921 uma quantia aproximada a 24.000$ ou 25.000$.

Depois, atentas as necessidades que surgiram durante o tempo das sucessivas missões parlamentares ao estrangeiro e das conferências internacionais que se realizaram, essa verba teve de ser aumentada para custear as despesas que os enviados da República Portuguesa tinham do fazer no estrangeiro. Como, porém, essas missões no estrangeiro vão sendo em menor número, reduzi essa verba, não

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exactamente àquilo que tinha antes dêsse período da guerra, mas ...

O Sr. Manuel José da Silva (interrompendo): - Essas comissões eram pagas pelas despesas da guerra.

O Orador: - Foram muitas cobertas por essa verba.

Eu sou de opinião de que os números que figuram no orçamento devem ser reduzidos, mas não de forma a que pouco tempo depois o Ministro tenha do vir pedir reforço de verba.

Mas êsses números não são excessivos, como posso demonstrar.

Leu.

Com estas verbas eu garanto que durante êste ano o Sr. Ministro há-de vir pedir o reforço da verba.

Ainda o ilustre Deputado Sr. Alfredo Nordeste se referiu à verba de 80.000$ para automóveis.

Com respeito a haver dois automóveis no Ministério eu tenho o critério que quem exerce determinadas funções públicas o protocolares deve fazê-lo com prestígio para o regime.

Não compreendo como é que um secretário geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que tem de ir às legações estrangeiras, um funcionário que tem honras de embaixador, não tenha um automóvel para se fazer conduzir às legações!

Os assuntos tratados pelo Sr. Manuel José da Silva já tinham sido tratados por mim no meu relatório.

Mas disse o ilustre parlamentar Sr. Manuel José da Silva que o relator se tinha quási limitado a transcrever o parecer do ano passado.

Assim é, e nem outra cousa podia ser, porque, se o ano passado o orçamento tivesse sido discutido, eu teria procurado apresentar à Câmara os meus pontos de vista.

Interrupção do Sr. Manuel José da Silva, que não se ouviu,

O Orador: - Agradeço as explicações que V. Exa. acaba de dar-me, e nem outra cousa era de esperar de S. Exa., que costuma ser sempre de uma extraordinária correcção com os seus colegas.

Aproveito o ensejo para dizer que o orçamento do ano passado andava por cêrca de 40:000 contos e que o dêste ano anda à volta de 30:000 contos, de onde se verifica que houve uma redução de despesas de perto de 5:000 contos.

Se o orçamento tivesse sido discutido o ano passado, eu teria tido ocasião de mostrar à Câmara, com a hombridade que me caracteriza, algumas situações irregulares adentro do Ministério dos Estrangeiros. Todavia, quero agora afirmar com prazer, como republicano e como Deputado, que do ano passado para êste desapareceram muitas despesas supérfluas, muitas situações ilegais, perante a lei orgânica dêsse Ministério.

Julgo ter respondido aos pontos principais a que o Sr. Manuel José da Silva se referiu.

Também o Sr. Alfredo Nordeste versou um ponto que é interessante, qual é o das despesas de material e expediente dos consulados.

S. Exa. fez-me justiça declarando que eu não aumentara a verba de material simplesmente para talhar mais para a direita ou para a esquerda.

Há consulados cuja verba de expediente não chega quando lá está determinado funcionário e chega estando qualquer outro.

Houve consulados que renderam quantias fabulosas e tiveram um movimento extraordinário.

Quere dizer, aumentaram-se aqueles consulados que, pelos seus rendimentos, pelo seu movimento, se reconheceu ser absolutamente exígua a verba que lhes estava consignada no Orçamento.

E assim eu posso garantir à Câmara que o Ministério dos Estrangeiros no ano de 1924-1925 deverá ter aproximadamente, e digo aproximadamente porque ainda faltam as verbas integrais de três ou, quatro consulados e as verbas do último semestre de alguns outros, 58:000 contos.

O Sr. Manuel José da Silva:

E isto sem inspecção.

O Orador: - Já que V. Exa. falou sôbre êsse assunto, devo dizer que os serviços de inspecção não têm sido feitos como era mester que se fizessem, porque a verba consignada no Orçamento não chega.

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3.000$, ouro, deram para inspeccionar apenas os consulados da Espanha, da França e creio que de alguns da Alemanha.

Desejaria que o Sr. Ministro dos Estrangeiros aumentasse esta verba para o dôbro. Mas S. Exa. nem sequer o pode fazer, visto não estar presente o Sr. Ministro das Finanças para assinar essa proposta.

Ainda assim quero apenas mostrar à Câmara a necessidade dêste serviço.

Há consulados que ainda não mandaram ao Ministério dos Estrangeiros a nota das suas receitas no ano económico de 1922-1923.

E ainda, Sr. Presidente, para mostrar a importância que êste assunto merece àqueles países em que o serviço do Ministério dos Estrangeiros está devidamente montado, citarei o caso dos Estados Unidos da América, que tem uma inspecção permanente aos serviços dos consulados.

O Sr. Manuel José da Silva (interrompendo): - Tem V. Exa. inteira razão quanto à exiguidade da verba.

Mas devo dizer que da fiscalização feita no ano passado os resultados obtidos foram nulos.

O Orador: - Essa afirmação não é inteiramente exacta, porque garanto a V. Exa. que devido à inspecção do ano passado foi chamada a atenção de alguns cônsules para uma determinação legal que há muito existe no Ministério dos Estrangeiros que os obrigava sempre que têm uma quantia superior a X, remetê-la ao Ministério.

O Sr. Manuel José da Silva: - Posso afirmar a V. Exa. que as inspecções feitas durante o ano passado não deram resultado algum.

O Orador: - Não estou agora a procurar as disposições legais que comprovam o que afirmo.

Outros Srs. Deputados, como os Srs. José Domingues dos Santos, Afonso de Melo e Domingos Pereira, referiram-se às Legações no Vaticano e em Petrogrado.

Não me compete a mim, como relator do orçamento, fazer a sua defesa.

Quero apenas afirmar que considero um êrro eliminar a nossa representação junto do Vaticano.

Êste ponto de vista já foi suficientemente defendido pelo ilustre leader do meu partido, de uma forma brilhante, como S. Exa. o sabe fazer e que eu não posso igualar ou imitar.

Sôbre a legação em Petrogrado eu quero dizer que a reputo tam necessária que nem sequer mando para a Mesa uma moção mudando essa legação de Varsóvia para Petrogrado, e reputo um êrro que tal não se tenha feito há muito tempo, êrro de ordem económica que reveste aspectos muito graves.

A maneira como se está exportando para a Rússia a nossa cortiça prejudica consideràvelmente o interêsse nacional, em benefício de intermediários estrangeiros.

De resto eu não sei como se possa assustar alguém com o estabelecimento das nossas relações com os Soviets, estando nós num regime democrático e não nos assustando as relações que mantemos com a vizinha monarquia espanhola.

Se nós temos receio que a vinda dos navios e de passageiros russos ao nosso País nos venha prejudicar, fraca idea damos da nossa capacidade mental.

Quero ainda agradecer as palavras amáveis, embora imerecidas, que me dirigiram quási todos os Srs. Deputados, e mandar para a Mesa duas propostas de emenda, uma ao artigo 16.° do capítulo 2.°, suprimindo um "etc.", porque acho um sistema de má administração haver rubricas que tenham "etc.", e outra ao artigo 15.° do capítulo 2.°, que se refere ao consulado de Liverpool em que, por êrro tipográfico, está 400$ em que se transformava a verba de 700$ quando eu tinha modificado a verba de 1.200$ para 1.500$.

Não é uma despesa nova, e por isso julgo que esta minha emenda será aceita na Mesa.

Trata-se apenas de rectificar um êrro de tipografia da Imprensa Nacional.

Tenho dito.

As propostas são as seguintes:

Capítulo 2.°, artigo 16.°: Suprimido o "etc." na rubrica "despesas diversas, extraordinárias dos consulados, com telegramas, máquinas de escrever, remessas de documentos, etc." - Agatão Lança, relator.

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Capítulo 2.°, artigo 15.°: Na rubrica "consulado em Liverpool" modificar a verba para 1.000$. - Agatão Lança, relator.

Foram lidas, admitidas e postas à discussão as propostas de emenda do Sr. Agatão Lança.

Como sôbre elas ninguém pedisse a palavra o Sr. Presidente encerrou a discussão.

Sucessivamente foram lidas e rejeitadas as propostas dos Srs. Abel Teixeira Pinto, Rafael Ribeiro e Alfredo Nordeste.

Foram lidas e aprovadas as propostas de emenda do Sr. Agatão Lança.

Foram sucessivamente lidas e aprovadas sem discussão as propostas de emenda da comissão.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanha à hora regimental, com a seguinte ordem do dia:

Interpelação do Sr. Joaquim Ribeiro ao Sr. Ministro das Finanças.

Parecer n.° 13, que concede amnistia aos militares implicados no movimento militar de 28 de Agosto de 1924.

Projecto de lei n.° 1-C, que concede a quaisquer igrejas ou confissões religiosas personalidade jurídica.

Parecer n.° 44, que altera a alínea a) do n.° 27 do decreto n.° 10:039, de 26 de Agosto de 1924.

Parecer n.° 878 (emendas do Senado), que dá nova redacção ao artigo 11.º da lei de 31 de Agosto de 1915.

Esta encerrada a sessão.

Era 1 hora e 5 minutos.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Projecto de lei

Do Sr. Abel Teixeira Pinto, tornando obrigatório a todo o pessoal que faça ascensões ou voos em aeronaves do Estado o porte de pára-quedas individuais.

Para o "Diário do Govêrno".

Constituição de comissão

Pescarias:

Presidente o Sr. João Estêvão Águas. Secretário o Sr. Rodrigo Luciano Abreu Lima.

Para a Secretaria.

Pareceres

Da comissão de administração pública, sôbre o n.° 6-Z, que cria uma nova freguesia, com sede na Trafaria, concelho de Almada.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Da comissão do Orçamento, fixando as despesas do Ministério da Guerra para o ano económico de 1926-1927.

Imprima-se com a máxima urgência.

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério da Justiça e dos Cultos, me seja consentido consultar o processo que no Conselho Superior Judiciário se organizou para o provimento de uma vaga de escrivão na 3.ª vara cível de Lisboa, dando-se as necessárias ordens para que eu possa tirar os apontamentos que entender necessários para fundamentar uma interpelação que desejo fazer ao respectivo Ministro.

Lisboa, 4 de Março de 1926. - Alfredo da Cruz Nordeste.

Expeça-se.

Requeiro que pelo Ministério das Finanças me sejam fornecidos os elementos seguintes:

a) Quantidades de açúcar importadas na Madeira em cada um dos anos de 1918 a 1925 e valores dos direitos e mais impostos pagos;

b) Quantidades de açúcar da Madeira importadas pelas alfândegas do continente, de 1918 a 1920;

c) Quantidades de melaço importadas na Madeira em cada um dos anos de 1918 a 1925, e valores dos direitos pagos;

d) Quantidades de vinhos da Madeira exportados em cada um dos anos de 1920 a 1925.

Sala das Sessões, em 4 de Março de 1926. - Manuel da Costa Dias.

Expeça-se.

Requeiro que pela Exa. ma Presidência da Câmara se insista pela remessa imediata e urgente doa documentos que pedi a diferentes departamentos ministeriais em requerimentos com as seguintes datas:

Ministério do Interior em 4, 14 e 15 de Janeiro e 2 de Fevereiro.

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Sessão de 4 de Março de 1926 53

Ministério das Finanças em 26 de Janeiro e 5 de Fevereiro.

Ministério da Guerra em 7 de Janeiro.

Ministério dos Negócios Estrangeiros em 18 de Dezembro e 25 de Janeiro.

Ministério do Comércio em 17 de Dezembro, 4, 7 e 18 de Janeiro e 12 e 24 de Fevereiro.

Ministério das Colónias em 18 de Janeiro e 22 de Fevereiro.

Ministério da Instrução em 22 e 26 de Fevereiro.

Ministério da Agricultara em 25 de Janeiro.

Lisboa, 4 de Março de 1926. - Rafael Ribeiro.

Expeça-se.

O REDACTOR - Herculano Nunes.

33 - Imprensa Nacional - 1925-1926

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