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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 66
EM 8 DE ABRIL DE 1926
Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Rodrigues Gaspar
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Mariano de Melo Vieira
Sumário. - Respondem à chamada 30 Srs. Deputados. Procede-se à leitura da acta e do expediente.
Antes da ordem do dia. - O Sr. António Cabral refere que a policia de Lisboa prendeu arbitrariamente variai, pessoas. Pede providências. O Sr. Ministro dos Estrangeiros (Vasco Borges) promete transmitir as considerações do orador ao Sr. Presidente do Ministério. O Sr. Carvalho da Silva pede que seria publicado o relutaria da sindicância aos Transportes Marítimos do Estaria. O Sr. Jorge Nunes ocupa-se, em negócio urgente, da inconstitucionalidade do decreto n.° 11:556. Responde o Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia).
Ordem do dia - Depois de o Sr. Vitorino Guimarães usar da palavra para explicações entra em discussão o parecer sôbre o regime da indústria e comercio dos tabacos. Usam da palavra os Srs. Pestana Júnior e Soares Branco. O Sr. Presidente interrompe a sessão, que é reaberta às 22 horas. Continua em discussão o orçamento do Ministério da Agricultura, que é aprovado com alterações, bem como o orçamento dos Serviços Florestais. O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte para o dia imediato, com a respectiva ordem dos trabalhos.
Aberta a sessão às 15 horas e l õ minutos.
Presentes à chamada 39 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 61 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo de Sousa Brasão.
Adolfo Teixeira Leitão.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Alexandre Ferreira.
Alfredo Pedro Guisado.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amâncio de Alpoim.
António Augusto Rodrigues.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António José Pereira.
Artur Saraiva de Castilho.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Pais do Almeida.
Dagoberto Augusto Guedes.
Domingos José de Carvalho Araújo.
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
João da Cruz Filipe.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carlos Trilho.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Maria Alvarez.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Moura Neves.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Lourenço Correia Gomes.
Luís da Costa Amorim.
Luís de Sousa Faísca.
Manuel José da Silva.
Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.
Rodrigo Luciano de Abreu e Lima.
Viriato Sertório dos Santos Lôbo.
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Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Zacarias da Fonseca Guerreiro.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto Carlos da Silveira.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Nogueira Gonçalves.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Marques Guedes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur da Cunha Araújo.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Rebêlo Arruda.
Carlos de Barros Soares Branco.
Custódio Lopes de Castro.
Custódio Martins de Paiva.
Daniel Rodrigues Salgado.
Delfim Costa.
Domingos António de Lara.
Eduardo Ferreira dos Santos Silva.
Filemon da Silveira Duarte de Almeida.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Godinho Cabral.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Maria Pais Cabral.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime António Palma Mira.
João Bernardino de Sousa Carvalho.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Raimundo Alves.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Maria de Oliveira Simões.
José António de Magalhães.
José Rosado da Fonseca.
Manuel Alegre.
Manuel da Costa Dias.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Manuel Serras.
Manuel de Sousa Coutinho Júnior.
Mariano Melo Vieira.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Maximino do Matos.
Raúl Lelo Portela.
Rui de Andrade.
Sebastião de Herédia.
Severino Sant'Ana Marques.
Vasco Borges.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Teixeira Pinto.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto de Moura Pinto.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo da Cruz Nordeste.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro da Cunha Ferreira Leite.
Álvaro Xavier de Castro.
Aníbal Pereira Peixoto Beleza.
António Albino Marques de Azevedo.
António Alves Calem Júnior.
António Araújo Mimoso.
António Augusto Álvares Pereira Sampaio Forjaz Pimentel.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António José de Almeida.
António Lobo de Aboim Inglês.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Fuseta.
Carlos de Moura Carvalho.
Diogo Albino de Sá Vargas.
Domingos Augusto Reis Costa.
Domingos Leite Pereira.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Elmano Morais Cunha e Costa.
Felizardo António Saraiva.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
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Francisco Cruz.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Pereira de Oliveira.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Baptista da Silva.
João Lopes Soares.
João Luís Ricardo.
João Salema.
Joaquim Nunes Mexia.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Toscano Sampaio.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José do Vale de Matos Cid.
José Vicente Barata.
Luís Gonzaga da Fonseca Moreira.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel Homem de Melo da Câmara.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Rocha Felgueiras.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Raul Marques Caldeira.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Às 15 horas e 5 minutos principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 39 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofício
Da Cruz Vermelha Portuguesa, convidando para a sessão solene do dia 9 de Abril, na Câmara Municipal, para receber a comissão dos Padrões da Grande Guerra.
Para a Secretaria.
Representações
Das Associações de Classe dos Tanoeiros de Almada, Pôrto, Gaia e Lisboa, pedindo que não seja aprovado o projecto de lei que regula o trânsito, importação e reimportação de cascaria.
Para a comissão de comércio e indústria.
Dos engenheiros formados pelos Tecnikums Alemães (Institutos Superiores Técnicos), em defesa do exercício da profissão do engenheiro em Portugal.
Para a comissão de instrução especial e técnica.
Telegramas
Das Juntas de Freguesia das Talhadas (Sever do Vouga) e Bordonhos (S. Pedro do Sul), pedindo a aprovação do projecto de lei concedendo personalidade jurídica à Igreja.
Para a Secretaria.
Dos combatentes da Grande Guerra, de Nelas, pedindo a discussão do projecto de lei n.° 54-K.
Para a Secretaria.
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de
Antes da ordem do dia
O Sr. António Cabral: - Sr. Presidente: já tinha pedido a palavra na sessão de anteontem, para me referir a um facto, muito deplorável, e para o qual desejava chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério, que, infelizmente, não vejo presente. Porém, como se encontra na sala o Sr. Ministro dos Estrangeiros, peço a S. Exa. a fineza de lhe comunicar as breves reflexões que vou fazer.
Quero referir-me à prisão que a polícia de Lisboa fez na segunda-feira de alguns cavalheiros, dignos de toda a estima e consideração, por andarem distribuindo pela cidade uma publicação que já tinha sido impressa no Diário de Notícias e que nada tinha de subversivo nem de atentatório das instituições vigentes.
Sr. Presidente: se estivesse presente o Sr. Presidente do Ministério, eu preguntar-lhe-ia qual a razão por que foram presos êsses indivíduos que no exercício da sua liberdade estavam praticando um acto que não era nem é proibido por lei alguma. Se verdadeiras são as informações que tenho, havia sido pedida autorização a alguém da polícia, que declarou ne-
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nhuma dúvida haver na distribuição dessa publicação.
Podia, Sr. Presidente, servir-me dos velhos tropos para castigar a prepotência da polícia, podia referir-me com palavras mais ou menos candentes ao procedimento da autoridade, podia censurar com violência o Govêrno, mas isso seria inútil.
Os governos da República têm muito costume de falar em liberdade, de encherem a boca com a palavra "liberdade", mas o que é certo é que, quando se trata de respeitá-la a valer, os governos da República atentam contra ela, como te fôsse uma concessão, que dependesse das suas mãos.
Preguntaria também, Sr. Presidente, qual é a indemnização que é dada a êsses oito ou nove cavalheiros, de toda a respeitabilidade, alguns deles tendo na sua ascendência pessoas que praticaram actos que mereceram a consideração geral do País, pelo vexame que sofreram, pelos prejuízos que possivelmente lhes advieram da falta de liberdade durante algumas horas, visto que, tendo sido presos na segunda-feira de tarde, só ontem, também de tarde, foram postos em liberdade.
Não há ainda muitas sessões que eu ouvi nesta Câmara o libelo acusatório feito pelo Sr. Ramada Curto à polícia de Lisboa. Ouvi na sessão de anteontem, as acusações graves, feitas pelo Sr. Raimundo Alves, à polícia de Lisboa. Porém, a verdade é que, não querendo atribuir-lhe todas as culpas, não deixe, todavia, de verificar que ela deixa de cumprir as suas obrigações, quando toca a factos gravíssimos, a crimes que revoltam e comovem a opinião pública, como aqueles de que a imprensa se está ocupando, e que, pelo contrário, priva da liberdade pessoas que não praticam actos atentatórios da lei, da moral e dos costumes do País.
Quando uma instituição como a policia de Lisboa, que deve olhar pela miséria que se arrasta pelas ruas, pela prostituição, poios atentados contra os costumes, deixa de cumprir os seus deveres, e trata de levar para os calabouços do Govêrno Civil cidadãos que nenhum mal fizeram, que nenhum atentado cometeram contra as leis, só merece a reprovação daqueles que põem acima da sua paixão o respeito pela lei e pela liberdade dos indivíduos.
Eu bem sei que o Govêrno pode vir dizer que não teve a menor responsabilidade no acto. Mas eu pregunto ao Govêrno, que é o responsável pelos actos dos seus subordinados, qual a razão por que a polícia infringiu o seu dever, prendendo cidadãos que não tinham cometido qualquer crime.
A prepotência de que foram vítimas aqueles rapazes cheios de vide, e de pundonor, incapazes de praticar qualquer acto que enchesse de lama os nomes de que são portadores, merece a condenação não só dos monárquicos, como até mesmo de muitos republicanos.
Apoiados.
Espero que actos desta natureza se não continuem a praticar, e peço ao Sr. Ministro dos Estrangeiros que comunique ao seu colega do Interior os meus protestos.
Bem sei que as minhas palavras, apesar de transmitidas ao Sr. Presidente do Ministério, não terão nos ouvidos de S. Exa. a repercussão devida; mas. em todo o caso, ficam sendo do conhecimento da Câmara e do País, que tam asperamente censura a violência praticada.
Espero que não tenha de voltar a formular mais protestos contra actos dêste jaez.
A polícia não se deve desprestigiar, antes paio contrário, se deve prestigiar o mais possível, e não é com actos como o que agora praticou que tal conseguirá.
O que disse foi afirmado com toda a cordura, e isto apesar de considerar que violências da natureza daquela a que me referi mereciam uma censura bem acre, e que o Sr. Ministro do Interior castigasse quem as praticou.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro dos Estrangeiros (Vasco Borges): - Sr. Presidente: devo informar o Sr. António Cabral que ouvi com toda a atenção as suas considerações, e que, muito gostosamente, O com todo o cuidado, as transmitirei ao Sr. Ministro do Interior.
Tenho dito.
O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: o assunto a que vou referir-me diz respeito à pasta do Comércio, mas, como
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O Sr. Ministro do Comércio não aparece nesta Câmara - o creio que nem mesmo no Senado - no período de antes da ordem, do dia. eu peço ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros o favor de transmitir àquele seu colega a seguinte pregunta: foi ou mão entregue no Ministério do Comércio o relatório respeitante à sindicância aos Transportes Marítimos do Estado?
O sindicante era o Sr. Pinto Ribeiro. Tendo se feito contra êle. pela demora havida no acabamento dos trabalhos da sindicância, várias acusações, o Conselho Superior da Magistratura Judiciária proferiu um acórdão, que vem publicado no Diário do Govêrno de 4 do Outubro de 1914, em que se louva S. Exa. pelo zelo com que estava desempenhando a sua missão.
O Sr. Dr. Pinto Ribeiro é um magistrado por todos respeitado - e digo isto com tanta maior imparcialidade quanto é certo que não se trata, de um correligionário meu-mas a Nação exige que, com relação a êsse escândalo, ou, antes, a essa série de escândalos, que são os mais tremendos que tem havido neste País, se lhe dê conhecimento da sindicância dêsse magistrado.
Não sei se o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros sabe se o relatório da sindicância já foi entregue; o que é certo, porém, é que êle ainda não foi publicado e que o País precisa e quere conhecê-lo.
Peço, pois, ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros o favor de instar com o seu colega do Comércio para que aqui venha ràpidamente e munido dos esclarecimentos precisos para me responder.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): - Sr. Presidente: devo dizer ao Sr. Carvalho da Silva que, com todo o prazer, transmitirei as suas considerações ao meu colega do Comércio.
Tenho dito.
É concedida a palavra ao Sr. Jorge Nunes para se ocupar do seu negócio urgente sôbre a inconstitucionalidade do decreto n.° 11:558, que promulgou a remodelação da Escola Agrícola de Coimbra, de 1 de Abril, publicado no "Diário do Govêrno" pelo Ministério da Agricultura.
O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: pedindo a atenção da Câmara para as considerações que vou fazer, eu não quero que por forma alguma se suponha que é por um acto de política partidária que eu vou apreciar o decreto n.° 11:506, dimanado do Ministério da Agricultura.
É apenas um ponto de vista de doutrina, e, como o Parlamento deve ser sempre sempre cioso dos seus direitos e d s suas atribuições, eu entendo que, estando êle a funcionar, o Poder Executivo deveria respeitá-lo.
Êste decreto revoga várias leis, e eu vou apreciá-lo fazendo apenas uma ligeira história da sua origem.
Estalou, como todos sabem, o movimento académico - o termo não é rigorosamente parlamentar, mas é muito expressivo - parece que motivado por qualquer resolução do Poder Executivo, que concedeu a individualidades que estavam habilitadas com os cursos dos institutos de comércio o poderem desempenhar funções que, por lei, cabiam apenas aos diplomados pelo Instituto Superior do Comércio.
O protesto tem um aspecto absolutamente justo; mas, a breve trecho, pela lei do menor esfôrço, outros entenderam que deviam acompanhar os seus colegas nas suas justas reivindicações, não para reclamar dos poderes públicos uma melhor instalação do ensino, mas sim apenas um título para si, como se um título alguma cousa significasse desde que seja desacompanhado das respectivas habilitações.
Não quero apreciar o conflito sob êsse ponto de vista; apenas desejo encarar a maneira como o Govêrno o tem pretendido resolver.
Assim, o Sr. Ministro da Instrução nomeou uma comissão numerosa para estudar essas reclamações; esta é que, é a boa doutrina.
Em seguida vi nos jornais a notícia de que o Sr. Ministro do Comércio se propunha apresentar uma proposta para a resolução do caso, na parte em que não carecesse absolutamente da sanção parlamentar.
O que é um facto é que o Instituto Superior de Agronomia entendeu que devia copiar absolutamente o que se encontrava na legislação francesa, isto no que diz
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respeito ao Instituto Superior de Agronomia, não tendo adoptado o mesmo critério e a mesma lógica relativamente à Escola Nacional de Agricultura.
Eu não quero discutir agora o que deve convir mais ao nosso País, dadas as condições em que nos encontramos sob o ponto de vista industrial, comerciais agrícola, isto é, se mais nos convirá ter altos estabelecimentos de ensino, se escolas secundárias, ou até mesmo primárias.
Não quero de modo algum discutir neste momento o assumo, nem essa matéria, tanto mais quanto é certo que êste é um assunto que há-de ser devidamente estudado e apreciado, a seu tempo, por esta Câmara.
O que eu quero mostrar à Câmara é que no momento em que a Escola Nacional de Agricultura tinha o seu ensino de harmonia com as escolas estrangeiras e estabelecido por lei, foi publicada uma lei para modificar êste estado de cousas.
Lembro-me que o malogrado republicano António Granjo, um dia a instâncias e a solicitações de toda a ordem, entendeu que devia publicar um decreto revogando as leis que acabo de citar à Câmara.
Fê-lo na melhor boa fé, e tanto assim que tendo depois aparecido reclamações e protestos, e tendo reconhecido o seu êrro, entendeu por bem suspender êsse decreto, por entender na verdade que êle não tinha nenhum fundamento legal.
Na verdade, Sr. Presidente, no Ministério da Agricultura o homem que devia ser a sentinela vigilante junto do Ministro, e chamar-lhe a sua atenção para certos actos irregulares, naturalmente será o primeiro a subrepticiamente colocar sôbre a secretária do Ministro certos diplomas desta natureza, como êste que começa por dizer o seguinte:
Leu.
Eu chamo a atenção de V. Exa. e da Câmara para as considerações que vou fazer sôbre o assunto.
Eu tenho aqui a organização do ensino superior de 1886, aquele que vigorou por largos anos, e que foi modificado pela organização de 1911, o que deu o seguinte resultado: Leu. Eu pregunto na verdade a V. Exa. e à Câmara, se isto faz sentido, se é lógico, e se é sério.
Como se aplicou, com efeitos retroactivos, a lei de 1911, tudo passos a ser engenheiro agrónomo e doutor.
Pois são estas entidades, sem distinguir o trigo do joio, enfeitando se com as penas a que não têm direito, que vêm contestar aos outros o uso legítimo de um título que está de harmonia com as suas habilitações pedagógicas técnicas, a exemplo do que se pratica em França, nessa nação que alguma luz tem irradiado para êste País.
Sem querer discutir se o ensino agrícola carece de outro desenvolvimento, sem querer pôr em destaque êste propósito já tentado de distanciar uns dos outros ...
O Sr. Artur Castilho: - Não apoiado!
O Orador: - V. Exa. é um engenheiro agrónomo para quem as minhas palavras nem ao de leve são dirigidas.
V. Exa. tem a sua preparação pedagógica correspondente ao título superior que usa.
V. Exa. pertence ao número daqueles que não se limitaram a trazer o seu diploma para casa para o invocarem nos momentos solenes.
O facto de V. Exa. não concordar com as minhas palavras que, embora violentas, são verdadeiras, é mais uma generosidade do seu carácter, unicamente.
Faço-lhe esta justiça.
Sr. Presidente: eu não venho fazer especulação política de nenhuma espécie.
Estive apenas a fazer a historia, ainda que muito ligeira, dos antecedentes dêste decreto.
Tive a rara fortuna de me socorrer a toda a hora da palavra prudente, conscienciosa e sabedora do meu companheiro Luís de Amorim, que se encontra aqui a meu lado.
S. Exa. é daquelas pessoas que. sem paixão de nenhuma espécie, estudam os assuntos e procuram-lhes a solução mais lógica, mais natural e mais justa.
Socorri-me do seu auxilio e tive sempre o conforto do seu apoio, porque também nunca lhe apresentei nenhuma sugestão que eu não considerasse absolutamente justa e honesta.
Um dia o nosso ilustre colega, o mesmo
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Sr. Amorim, com quem tinha por mais de uma vez trocado impressões, estando convencido de que o problema económico, neste seu conflito, seria solucionado no Parlamento, chegou junto de mim e disse-me que tinha informações de que o Ministério da Agricultura ia providenciar por si, isoladamente.
Dirigi-me ao telefone e comuniquei com o Secretário Geral dêsse Ministério.
Pela forma como esto funcionário trocou impressões comigo, vi que alguma cousa havia que confirmava as suspeitas do meu colega Sr. Amorim.
E então, como não tenho relações pessoais com o Sr. Ministro da Agricultura, pedi ao Sr. Fernandes de Oliveira, homem a quem não podem nesta Câmara atribuir-se simpatias partidárias especiais, que junto do Sr. Ministro da Agricultura tratasse de informar-se se, de facto, tinha fundamento o que eu tinha ouvido ao Sr. Amorim.
O Sr. Ministro da Agricultura, pelo que me informou o Sr. Fernandes de Oliveira, assegurou-lhe que, naquilo que fôsse atribuição do Parlamento, nada seria publicado pelo Ministério da Agricultura que não tivesse aqui a sanção respectiva.
Fiquei absolutamente tranquilo e descansado, porque o resto era secundário.
Dá-se, dizem os jornais, uma pseudo crise ministerial.
O Sr. Ministro da Agricultura retira-se para Coimbra, e eu alheio a tudo, mas pensando como um adivinho, ia reconstituir toda a scena.
O Sr. Ministro da Agricultura, naturalmente, já tinha assinado o decreto, mas, escravo da sua palavra, não o publicava no Diário do Govêrno.
Na secretaria do seu Ministério, supondo o já um Ministro recebendo os últimos sacramentos, calculando que S. Exa. não voltaria lá senão como simples particular, tratou se imediatamente de mandar a toda a pressa o decreto para o Diário do Govêrno.
Não garanto que isto assim se passasse, mas calculo que assim fôsse e por isso vou fazer uma declaração categórica.
Não tenho nestas minhas considerações qualquer propósito de fazer uma especulação política. Pertenço a um partido político que já, pela boca do seu chefe, fez declarações nesta Câmara.
Não estamos aqui a fazer sistematicamente ataques ao Govêrno. Estamos, sim, analisando a sua obra e apreciando os seus actos. No dia em que a sua acção mereça aplausos nós não lhos negaremos, mas também não o pouparemos nas censuras a que os seus erros dêem lugar.
O meu propósito é restabelecer uma situação legal, e assim eu vou enviar para a Mesa a minha moção, apenas com o intuito de afirmar um direito. Nessa moção proponho a suspensão do decreto n.° 11:556, que foi publicado pelo Sr. Ministro da Agricultura, mas como não me anima o propósito de qualquer especulação política declaro categoricamente que se o Sr. Ministro da Agricultura, reconhecendo que errou, nos disser que mandará suspender o decreto, eu de seguida pedirei à Câmara a necessária autorização para retirar a minha moção.
Se efeitos políticos eu quisesse tirar, não a retiraria.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Jorge Nunes.
Foi lida na Mesa e ficou admitida.
É a seguinte:
"A Câmara, reconhecendo que o decreto com fôrça de lei n.° 5:627, de 10 de Maio de 1919, só pode ser revogado por uma lei - resolve suspender o decreto n.° 11:556, de l de Abril do corrente ano, e passa à ordem do dia". - Jorge Nunes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura.
O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia): - Sr. Presidente: antes de entrar propriamente no assunto versado pelo Sr. Jorge Nunes em negócio urgente, seja-me permitido fazer, também, um pouco de história sôbre esta questão que suponho conhecer regularmente.
Quando o Sr. Fernandes de Oliveira me procurou, eu disse-lhe, de facto, que nenhuma resolução seria tomada pelo meu Ministério, sôbre o caso, emquanto não se pronunciasse a comissão nomeada pelo Ministério do Comércio, na qual o Minis-
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tério da Agricultura tinha um representante. Não afirmei a S. Exa. que eu estivesse no propósito de trazer ao Parlamento a proposta de qualquer medida que tendesse a resolver esta questão, que de há muito vem sendo debatida no Ministério da Agricultura.
Estando eu ausente do Ministério foi publicado o decreto, mas tenho a informação de que elo foi enviado para a Imprensa Nacional, depois de a comissão, a que já me referi, ter apresentado as conclusões do seu trabalho. Fora assim cumprida a promessa que eu fizera ao Sr. Fernandes de Oliveira. Entre as conclusões da comissão figura a que indica que a cursos versados em escolas médias não deverá corresponder o título do engenheiro, qualquer que seja o classificativo que se aplique a esta palavra.
Assim é que as cousas se passaram.
Eu não poderia ter afirmado que entregaria ao estudo do Parlamento essa questão, porque eu não era obrigado a isso. Não há nenhum diploma legal que me obrigue a trazer à Câmara a proposta de quaisquer medidas de carácter regulamentar.
Essas são da competência do Poder Executivo, nos termos da Constituição da República.
Passando agora a cingir-me propriamente ao assunto em debate, começo por declarar que é absolutamente descabida neste problema a questão do título de engenheiro.
Em nenhuma das organizações da Escola Nacional de Agricultura, excepção feita da de 1919, se atribui a essa Escola uma função de carácter técnico. Está nisto a razão da afirmação que acabo de fazer.
Só quem desconheça a índole da Escola Nacional de Agricultura é que poderá querer envolver a questão dessa Escola no problema, que agita o meio académico, de se conceder ou não designação de engenheiro aos diplomados nos diversos cursos do grau médio.
A engenharia constitui uma s ciência o n um conjunto de aplicações de sciência, que habilita um indivíduo para o exercício de uma profissão liberal.
Ora a escola de que se trata nunca teve nem deve ter essa função.
A Escola Nacional de Agricultura é para os filhos de lavradores grandes ou pequenos, que ali vão buscar uma preparação intelectual e técnica para depois de a obterem se dedicarem às culturas, realizadas nas suas casas.
O contrário disto é falsear a finalidade da Escola Nacional de Agricultura.
Se assim não fôsse não se teria entendido como necessária a Escola Técnica de Agricultura, instalada nas proximidades de Santarém, que forma regentes agrícolas. A êsses já é dada a profissão liberal, pelas características do seu diploma.
Daqui vem o defeito máximo que provém da má organização em que se encontra o ensino nessas escolas.
E notem V. Exas. que êste estado de cousas tem acarretado um grande prejuízo para o Estado.
São na verdade, Sr. Presidente, defeitos gravíssimos êstes que acabo de expor à Câmara, os quais de há muito vêm sendo verificados e de há muito também vêm impressionando muitíssimo o Ministério da Agricultura.
Esta é que é a verdade; é êste o estado verdadeiro em que as cousas se encontram.
Tem-se na verdade verificado o que afirmo, quere dizer que a maioria dos alunos ao completarem o 7.º ano dos liceus vêm em geral para a Faculdade de Sciências, para o exército, para a armada, para tudo, menos para a função a que a escola os destinava.
De resto, Sr. Presidente, tem-se verificado mais o seguinte, e é que estando os serviços técnicos divididos em secções, e tendo cada secção um professor autónomo, a maioria dos professores não se entendem uns com os outros.
E daqui que resulta o aniquilamento da escola de Coimbra.
Quando nos meus tempos de estudante eu passava por essa escola encontrava belos pomares, óptimas instalações de zootecnia, de lacticínios. Hoje o que lá encontramos são paredes e uma porção de sucata nos seus armazéns; e até um lagar de azeite que era modelo se encontra fechado e abandonado.
Como a Câmara vê, não é com espírito de révanche nem com o desejo de exalçar a classe dos engenheiros agrónomos nem contra a classe dos engenheiros agrícolas, que eu adoptei as medidas agora criticadas.
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Não foi de ânimo leve que se fez esta remodelação. Principiou por se fazer um inquérito às condições em que se encontrava a escola de Coimbra. Encarregou-se dêsse inquérito o antigo professor dessa escola Sr. Azevedo Gomes e nele se contêm razões de carácter pedagógico e técnico que são de considerar para dar nova vida àquela escola.
O Sr. Deputado interpelante veio enxertar nesta questão o título de engenheiro que com ela nada tem e a inconstitucionalidade do meu decreto.
O decreto n.° 5:627 determinava que aos alunos da escola fôsse concedido o título de engenheiros agrícolas e mais tardo um decreto de 1920 com fôrça de lei, porque se baseava nas autorizações parlamentares, dizia o seguinte:
Leu.
Esta questão não se deve relacionar com o conflito de momento.
Algumas démarches foram feitas junto do. antigo Ministro da Agricultura Sr. António Granjo para que o artigo fôsse retirado e então S. Exa. não revogou o decreto, mas apenas o suspendeu para os seguintes efeitos:
Leu.
Ora, se êste decreto tem fôrça legal suspender o anterior também tem fôrça legal para dar à instituição que aqui se apresenta o encargo da revisão.
O decreto n.° 7:068 encarrega da revisão o Conselho Agrícola.
Leu.
Daqui não há que fugir porque o artigo 2.° diz o seguinte:
Leu.
De maneira que não há dúvida nenhuma no meu espírito de que, assistido pelos votos do Conselho de Instrução Agrícola, organizado desta forma especial como Conselho Superior de Instrução Agrícola estava habilitado o Govêrno a pôr em execução tudo quanto êle me entregasse, depois de ter exercido aquela função de côntrole, que não podia deixar de ter.
O que se fez?... Pediu-se à Sociedade das Sciências Agronómicas que indicasse um seu representante, bem como à Associação Central de Agricultura e à Associação dos Regentes Agrícolas. Foram enviados os seguintes representantes:
Leu.
Reunido êste Conselho para os fins consignados no decreto n.° 7:068 emitiu o seu
voto que foi apresentado à assemblea pelo Sr. Paula Nogueira que exercia as funções de director do Ensino Agrícola na data em que foi publicada a reorganização de 1919.
E vejam V. Exas.:
Leu.
Era o que S. Exa. concluíra das resoluções da comissão central, cujos trabalhos eu ignorava em absoluto.
Votaram contra a deliberação do conselho apenas o Sr. Filipe de Jesus, presidente da Associação dos Regentes Agrícolas, e o representante da escola.
De maneira que eu, de posse do relatório do inquérito feito à escola, inquérito que demonstrava o descalabro em que ela estava, de posse da representação da associação dos regentes agrícolas, que estava arquivada, de posse da representação da Sociedade das Sciências Agronómicas, e não juntando ao processo nenhuma das representações que vieram a público referentes à questão pendente, deliberei, no fim de Janeiro, dar aquiescência aos pontos de vista emitidos por esta instância e mandei que o Conselho Escolar da Escola Nacional de Agricultura reorganizasse o sou ensino sob as normas que publiquei neste decreto, decreto que está dentro da doutrina por mim exposta e que não será fácil contraditar.
Quanto à constitucionalidade do decreto não tenho dúvidas nenhumas de que êle é tam constitucional como os outros, e que se procedeu nos termos do decreto n.º 7:068.
Deu-se a constituição que êsse decreto impunha ao Conselho de Instrução Agrícola.
Foi submetido à sua análise o problema, em face das informações que eu tinha, de que se ia atribuir à Escola Nacional de Agricultura a função de que ela tinha sido desviada.
Simultaneamente, porque o decreto n.° 7:068 se refere no artigo 2.° a reclamações pendentes, dei um parecer idêntico ao elaborado na comissão central.
Pôr em dúvida a constitucionalidade do decreto, só porque a lei de 1919 tem fôrça de lei, não é suficiente; houve decretos que se seguiram a esta lei e que modificaram a organização que então existia.
É claro que, desde que a questão não
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seja posta em termos, corremos o risco de cair no campo das retaliações pessoais entre engenheiros agrónomos e engenheiros agrícolas; entre os autores do uma organização e os da outra, e não convém, de modo algum, levar para aí a questão.
Temos de dar à Escola Nacional de Agricultura a organização mais conforme com a sua finalidade.
É um êrro que se comete no nosso País o de haver uma duplicação e, por vezes, triplicação de escolas com a mesma função.
Assim, não podemos especializar devidamente as aptidões naturais.
Estabelece-se uma confusão permanente, e se as confusões são perigosas, as confusões de ordem educativa são tremendas.
Nós temos a escola primária superior, as escolas complementares de comércio e indústria, a Escola Nacional de Agricultura, os Pupilos do Exército, os institutos, tudo para quê? ...
Para habilitar para o liceu e Universidades.
O que representa isto?
Uma confusão tremenda e um desconhecimento dos processos da pedagogia moderna, que tende a dar às nações elites especializadas em determinado ramo do saber.
Nem podia deixar de ser assim.
Hoje não podemos admitir a existência do enciclopédico da Idade Média.
Temos de adoptar aquilo a que se chama em fisiologia, em pedagogia, em economia a divisão do trabalho.
Foi em 1911 que a Escola Nacional de Agricultara se transformou num monstrozinho dentro da organização pedagógica do País e dentro da organização do Ministério da Agricultura.
Não há agora intuito de agravar quem quer que seja; há apenas o de apreciar os efeitos dessa reforma, para a remodelar no que ela tem de mau.
Há que defender a finalidade da escola.
Procurei garantir duma maneira completa os direitos dos alunos matriculados.
E assim:
Leu.
É outra disposição que tende a guardar os interêsses legítimos dos diplomados, porque aos ilegítimos não devo, não quis, nem quero atender.
Julgo ter provado: primeiro, a constitucionalidade do decreto, que estou absolutamente disposto a manter; segundo: que esta questão não pode, de maneira alguma, ser enquadrada na questão latente da engenharia; terceiro o que o que se pretende fazer é ditado pelos ensinamentos da prática, que aconselha a remodelação da Escola e o regresso à sua antiga finalidade.
Daqui não saio, porque sinto que do campo em que me coloquei difícil será tirarem-me.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a acta.
O Sr. Jorge Nunes: - Eu pedi a palavra para explicações ...
O Sr. Presidente: - É a hora de entrar-se na ordem do dia ...
O Sr. Jorge Nunes: - Peço a palavra para interrogar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.
O Sr. Jorge Nunes (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: quanto mais não seja, por um acto elementar de correcção, tenho o direito de pedir a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se ela consente que dê explicações em face da atitude assumida pelo Sr. Ministro da Agricultura.
Sou parlamentar lá quinze anos, quási, e pela primeira vez, que eu saiba, se nega a palavra a um Deputado, para explicações ...
O Sr. Presidente:- Não é negar a palavra a V. Exa., é que há vinte minutos já deveríamos ter passado à ordem do dia ...
O Sr. Jorge Nunes: - Mas porque é que V. Exa. não interrompeu o discurso do Sr. Ministro da Agricultura?
Acaso as oposições têm menos direitos?...
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V. Exa. nesse logar tem de aplicar o Regimento por igual a todos! ...
O Sr. Presidente: - Eu interrompi o Sr. Ministro da Agricultura.
S. Exa. pediu-me uns instantes, porque terminaria em breve ...
O Sr. Jorge Nunes: - Mas se V. Exa. quis ser delicado com S. Exa., porque razão não permite que eu use da palavra, para me explicar? ...
O Sr. Presidente: - Não faço excepções a ninguém.
Não posso dar agora a palavra a V. Exa., nem a ninguém, antes dó entrar-se na ordem do dia.
Não obsta isso a que V. Exa. use da palavra, pelo tempo que quiser, na devida altura ...
O Sr. Jorge Nunes: - ... na altura em que na Câmara não estejam a ouvir-me os Srs. Deputados que escutaram o Sr. Ministro da Agricultura? ...
Acaso alguém suporá que os argumentos de S. Exa. não são fáceis de quebrar? ...
Se esta questão se não esclarecer, o Govêrno não pode contar com mais um momento de tréguas por parte dêste lado da Câmara ...
O Sr. Presidente: - Mas essa questão não está ainda resolvida.
O que a Câmara resolveu foi que êste negócio urgente fôsse tratado no período de antes da ordem do dia.
O Sr. Jorge Nunes: - Mas então porque é que V. Exa. deixou que o Sr. Ministro invadisse o período da ordem do dia, durante vinte minutos ?
O Sr. Presidente: - Mas V. Exa. terá a palavra na devida altura ...
O Sr. Jorge Nunes: - Pois não perderá o Sr. Ministro da Agricultura pela demora, já que S. Exa. me levou para um campo em que eu, correctíssimamente, não queria entrar.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na ordem do dia.
Tem a palavra para explicações o Sr. Vitorino Guimarães.
O Sr. Vitorino Guimarães: - Preciso esclarecer a Câmara por me constar que foi mal interpretada a minha proposta a propósito da discussão do parecer sôbre a questão dos tabacos.
O que propus, e julgo que foi assim que a Câmara votou, foi que a parte das sessões de dia fôsse ocupada com a discussão dos tabacos, e ficasse o regime das têrças-feiras e quartas-feiras de sessão prorrogada.
E se V. Exa. reconhecesse que nos outros dias era necessário também haver prorrogação da sessão para discussão dêste assunto, V. Exa. o poderia fazer.
Foi nestes termos que propus.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Assim a Mesa resolveu.
Vai entrar em discussão o parecer sôbre o regime dos tabacos.
O Sr. Correia Gomes: - Requeiro a V. Exa. consulte a Câmara sôbre se dispensa a leitura do parecer.
Foi aprovado.
O parecer é o seguinte:
Parecer n.° 133
Senhores Deputados. - À vossa comissão de comércio e indústria foi enviada para estudo a proposta de lei n.° 38-A, da autoria do Sr. Ministro das Finanças, regulando o novo regime de fabrico e comércio de tabacos no continente da República, a partir de 1 de Maio de 1926, e bem assim a proposta de lei n.° 842-A, da iniciativa do então Ministro das Finanças Sr. Pestana Júnior, cuja iniciativa foi renovada na presente sessão legislativa pelos Srs. José Domingues dos Santos, Alfredo Nordeste, Carlos de Vasconcelos, Pestana Júnior e Pina de Morais. Sôbre esta última proposta foram emitidos pareceres pelas comissões de comércio e indústria e de finanças, da legislatura transacta, a cuja doutrina esta comissão se reporta, abrangendo as considerações que vão seguir-se a matéria de ambas as mencionadas propostas de lei.
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Findando, em 30 de Abril próximo, o actual regime dos tabacos e não tendo a Câmara transacta tomado quaisquer resoluções sôbre o assunto, necessário é, para prestígio da administração republicana, que êle seja discutido e regulado de forma que, ao começar o novo período dessa indústria estejam definitivamente assentes o fixadas pelas duas casas do Parlamento as condições essenciais da sua existência, das suas relações com o Estado e as modalidades fundamentais da sua actividade.
Para completo esclarecimento desta questão não podemos deixar de fazer um certo número de considerações respeitantes à situação actual da indústria, suas possibilidades e lugar que ocupa na economia geral, as lições do passado, as conclusões que dessa experiência se deduzem as modificações que lhes são impostas não só pela evolução do conceito da extensão da actividade do Estado, mas também pelas transformações na técnica da produção e, finalmente, o aspecto da oportunidade, no qual se encerra todo o significado político da solução - qualquer que esta seja.
A indústria dos tabacos representa um capital que se aproxima de 200:000 contos, e é das mais importantes, se não a mais importante, das cotas do capital industrial da nação.
O exclusivo dessa indústria é, presentemente, propriedade da Companhia dos Tabacos de Portugal, cujo privilégio termina em 30 de Abril de 1926.
Esta Companhia rege-se por estatutos, com data de 1 de Julho de 1907, aprovados por decreto de 11 do mesmo mês, e é gerida por um conselho de administração constituído por 16 membros (sendo 5 pelo grupo de Paris), do qual se destaca uma comissão executiva de õ membros.
O conselho fiscal é constituído por 11 membros.
O pessoal da Companhia é constituído por: empregados (directores e chefes do serviço, pessoal de escritório e mestres de oficinas) pagos mensalmente; por dezenários (encarregados de oficina, porteiros, etc.) pagos de dez em dez dias; e operários empreiteiros e jornaleiros que recebem semanalmente. O regime de trabalho fabril é o de empreitada.
As reformas do pessoal são asseguradas por diversas formas, tendo os fundos destinados a ocorrer a elas diferentes origens: a reforma do pessoal da régie é custeada pelo Estado; a do pessoal admitido posteriormente à concessão do monopólio é assegurada pela "Caixa de aposentação e reforma do pessoal moderno". Há ainda o legado de João Paulo Cordeiro, que melhora as pensões do pessoal abrangido pelas suas disposições.
A matéria prima que alimenta em Portugal a indústria dos tabacos é quási totalmente importada.
O problema da produção nacional não tem, pelo menos no que respeita ao continente da República, importância especial para esta indústria, visto numerosas experiências haverem demonstrado que o nosso Pais não tem condições naturais para o desenvolvimento da cultura do tabaco. Falharam por completo as tentativas feitas pela Companhia actual concessionária nas lezírias da Comporta e do vale do Sado; a produção no Douro é hoje tam somente uma reminiscência, tendo sido no ano findo de 47 quilogramas, de inferior qualidade; e das interessantes experiências do Emídio Navarro na região da Pampilhosa resta apenas o inço de pequenas culturas clandestinas naquele concelho e nos de Coimbra, Arganil e Oliveira do Hospital.
Entre as causas que desaconselham essa cultura em Portugal citam os técnicos: a falta de terrenos apropriados: a inferioridade e impropriedade do produto para o fabrico; a falta de preparação dos cultivadores; os exorbitantes preços por que ficaria o produto; e há que acrescentar, finalmente, a dificuldade de estabelecimento de uma eficaz fiscalização da cobrança do respectivo imposto para o Estado.
Das nossas colónias por emquanto pouco vem, e êste mesmo de cultura indígena e portanto de inferior qualidade. E de esperar, porém, que a generalização e intensificação das culturas dirigidas por europeus, já iniciadas em diferentes colónias, permitam estabelecer um juízo definitivo da capacidade de cada uma destas para tal produção e bem assim das diferentes características dos produtos respectivos, cuja introdução na metrópole, no estado de rama, merecerá ser protegida.
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Em vista da falta de matéria prima nacional, importam-se tabacos em rama, de várias espécies e das procedências seguintes:
Dos Estados Unidos da América do Norte: Louisville; Clarksville; Virgínia amarelo; Virgínia vermelho; Mason County; Paducah; Cincinatti; Burley; Kentucky.
Das Antilhas: Havana; Cuba; S. Domingos.
Do Brasil: Pique; Interior (para charutos).
Das índias Holandesas: Java léger; Java piqne; Java capilho; Samatra (para capas de charutos).
Das Filipinas: Manilha.
Das colónias portuguesas: Angola.
Da Argélia: Zinha; Bacati.
A indústria dos tabacos exerce-se actualmente nas quatro fábricas existentes:
"Lisbonense" e " Xabregas" em Lisboa, "Portuense" e "Lealdade", no Pôrto, que bastam para o consumo normal, podendo ainda a sua produção elevar-se a 3.840:000 quilogramas anualmente com dez horas de trabalho diário.
Pela actual organização do fabrico, embora se possam fazer todas as operações nas diferentes fábricas, é impossível manipular nelas todas as marcas não só pela diversa dotação do máquinas,- mas também pela diferente especialização do pessoal. Não há sobreposição delas, mas sim justaposição, resultado da eliminação pela régie de todas as fábricas mal situadas e deficientemente apetrechadas. O grupo que ficou satisfaz plenamente as modernas exigências do agrupamento das indústrias.
A "Lisbonense", por exemplo, realiza, no respeitante a maquinismos, as necessidades de uma concentração industrial: manipulam-se nela picados (Virgínia, Francês, Java o Duque) e bem assim todas as qualidades do cigarrilhas.
A "Xabregas" trabalha em picados (Virgínia, Francês e eventualmente Duque, de fabrico manual) e, em pequena quantidade, cigarros ordinários (Kentucky n.° 1, fabrico manual), charutos e todo o rapé.
A "Portuense" dedica-se ao fabrico de picados (Java o Duque), cigarrilhas (Lisboa, Incríveis, Pachás, Rufinas) o ao de cigarros finos (Marechais, fabrico manual), cigarros finos, cigarros ordinários (Kentucky n.° 1) e charutos.
A "Lealdade" é uma simples oficina, manipulando-se ali exclusivamente cigarros ordinários (Kentucky n.° 1).
Considerada em globo a produção total das quatro fábricas, sob o ponto de vista dos meios de produção, distribui-se pela forma seguinte:
Fabrico mecânico, 60 por. cento;
Fabrico manual, 40 por cento.
Sob o ponto de vista da função distribuidora e comercial, a Companhia concessionária, por necessidade de segurança das transacções e comodidade de transportes, firmou contrato com duas grandes sociedades de revendedores, uma no Norte e outra no Sul, e estabeleceu agentes de venda nas capitais do distrito para colocação dos sois produtos mediante uma percentagem, em todos os estanqueiros o pequenos comerciantes, compradores de pequenas quantidades, raramente de taras completas.
O pequeno lojista, salvo casos excepcionais, adopta o sistema de comprar pouco tabaco de cada vez, não só para evitar empate de capital, mas também para E ao correr o risco de, por deterioração ou por qualquer outra causa, ficar com a mercadoria por vender.
Parece que esta organiza-lo tem dado bons resultados para a Companhia concessionária.
O nosso consumo aproxima-se de 3.500:000 quilogramas, annnlmeui!;, do tabaco nacional.
Se é muito difícil calcular uma média digna de absoluta confiança para o consumo do tabaco nacional, quási impossível é fixá-la com exactidão relativamente ao estrangeiro. Dêste, por exemplo, importaram-se em um ano (1920-1921), excepcional é certo, 1.114:171 quilogramas, havendo em contraposição um de 48:241 quilogramas (1908-1909) o outros do 50:000, 60:000, 70:000, 100:000, 200:000, 390:000, 500:000 e 600:000 quilogramas. A média dos anos de 1907-1908 a 1917-1918, que
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é o período de divisa cambial mais estável, foi, porém, de cêrca de 60:000 quilogramas. No ano económico corrente essa importação não atingirá talvez 50:000 quilogramas.
Estas oscilações na importação dos tabacos manipulados têm sido determinadas sobretudo pelas pautas aduaneiras, influenciadas directamente pela divisa cambial.
Procurando a relação entre o tabaco importado manipulado e a importação total, vê-se que ela tem sido:
No regime de liberdade de indústria, 2,1 por cento. Na régie, de 2,5 por cento. No monopólio, de 1891 a 1906 (1.° contrato), de 1,6 por cento; de 1907 a 1914 (2.° contrato), 2,2 por cento; de 1914 a 1919 (período da guerra), 2,9 por cento: de 1919 a 1924 período de baixa do escudo), 16 por cento; de 1924 a 1926 baixou para 3 por cento, que pode ser considerada relação normal.
O desenvolvimento do consumo, que foi lento e relativamente regular até ao inicio da Grande Guerra, tomou grande incremento nos anos que se lhe seguiram e em que o gosto do supérfluo avassalou todas as classes sociais. Pode computar-se em 4 por cento, anualmente o aumento de que é susceptível em circunstâncias normais, não sendo provável a elevação desta percentagem, sobretudo porque actuam neste momento em sentido desfavorável ao aumento as restrições impostas aos consumos de luxo pela actual crise económica, restrições que se acentuarão se forem elevados os preços; não obstante o tabaco ter aumentado em preço apenas 12 ou 13 vezes mais do que era antes da guerra, o seu custo parece ter atingido um limite que não poderá ultrapassar-se sem provocar um retraimento do comprador, pelo menos temporariamente.
A curva do aumento do consumo desenvolve-se com pouca regularidade e, como se têm sucedido os regimes de exclusivo, de liberdade de fabrico, de régie e de monopólio privado, não é fácil discriminar nesse aumento o que é devido ao regime e o que é originado pelo normal crescimento da população.
Nota-se também aumento de consumo: parcial e com referência a certas marcas, sempre que nestas se anuncia, agravamento de preços e imediatamente antes de entrarem êstes em vigor; geral, quando as divisas cambiais facilitam a exportação clandestina para Espanha, e ainda quando se avizinham épocas de mudança de regime ou de alteração de contrato, provocado nestes casos pelos retalhistas, que se defendem, constituindo os possíveis stocks contra a eventualidade de elevação de preços. Nestes factos se encontra a explicação dos aumentos extraordinários que avolumam os números referentes a diversos anos.
A média dos preços de venda é, actualmente, por quilograma, de 76$18, incluindo o rapé e de 665, não incluindo o rapé,
A especialização por marcas e respectivos preços por quilograma, bem como a ordem de importância do consumo, são as seguintes:
Picados: Duque (565); Francês (80$); Virgínia (565); Java (52$).
Cigarros ordinários: Kentncky n.° 1 (67$50).
Cigarros finos: Marechais (70$).
Cigarrilhas:
Lisboa (80$), Tagus (903); Sereias (905); Turquesas (100$); Sado (87$); Mondego (87d); Luxo Havano (cm caixa de 10) (125$); Luxo Havano (em caixa de 100) (1205); Incríveis e Pachás (87); Francês (com boquilha) e Havano (905).
Charutos: Finos,
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As médias de consumo das diferentes variedades de tabaco por grupos de fabrico são as seguintes:
I) Picados ("Java" no norte e "Duque" no Sul) .... 73 por cento
II) Cigarros (finos e ordinários) .... 16,2
III) Cigarrilhas .... 8,1
IV) Charutos (e cigarrilhas com capa de tabaco) .... 1,5 V)
Rapé .... 1,2
Total .... 100
Exportação de tabaco nacional nenhuma se faz desde 1907, por não poderem concorrer os produtos da metrópole com os das fábricas do ultramar nos mercados coloniais, sendo também impossível a sua colocação nos mercados estrangeiros, em virtude das barreiras pautais que naqueles defendem a produção dos respectivos países.
A protecção pautal a esta indústria, para ser eficaz, deve ser estabelecida mantendo-se os direitos de importação num valor equivalente ao preço médio de venda do tabaco nacional acrescido de 30 por cento.
Esta imposição dará ainda margem para importação dos charutos caros e das cigarrilhas de luxo, defendendo, porém, as marcas nacionais mais populares e vendáveis.
É êste, de resto, o princípio que fica consignado nas nossas, emendas às bases anexas à proposta de lei.
Esboçadas em sucinto resumo as condições actuais desta indústria, lancemos uma vista de olhos para o que tem sido, em diferentes épocas, a questão da fixação do seu regime, melindrosa pelos aspectos económicos que reveste, múltiplos e desencontrados interêsses que movimenta, e pela tradição de lutas e de dificuldades administrativas a que em todos os tempos tem dado origem.
Tem-se afirmado, e não sem fundamento, que, para a indústria dos tabacos, o que está na nossa tradição administrativa é o monopólio, quer do Estado, quer privado.
Com efeito, já em 1664 era pela primeira vez dado o .exclusivo dessa indústria, sendo concessionária a Junta de Tabaco, mediante renda anual cujo quantitativo variou com o tempo, e que, computada em 1:364 contos no ano de 1846, atingiu 1:521 contos em 1864.
Indústria com limitada esfera de expansão num país de restrito consumo, cifrando-se ainda hoje a sua capitação entre as mais fracas da Europa (604 gramas em 1925, emquanto que a da França já em 1921 atingiu 1:386 gramas), bem se pode dizer que os dois primeiros séculos da sua existência quási não têm história.
Com a extinção do monopólio em 1864 iniciou-se uma experiência de regime de liberdade industrial, condicionada embora peias restrições e imposições indispensáveis para garantia dum rendimento razoável para o Estado.
O balanço económico de 24 anos dêsse regime pode estabelecer-se pela forma seguinte:
Sob o ponto de vista da indústria, uma áspera concorrência das fábricas entre si que, longe de acarretar à colectividade os benefícios clássicos da livre concorrência, desorganizou a produção, aviltando-a, e levou as emprêsas a lançar mão de todos os meios para poderem subsistir, desde a falsificação da matéria prima empregada até ao grosseiro defraudamento de pêso indicado nos invólucros em que era pôsto à venda o produto, inconciliável conflito de interêsses; desordem económica; constante flutuação da produção.
Para a mão de obra, crises frequentes e demoradas, porque as fábricas de de-
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grau em degrau na escala descendente da decadência começaram por reduzir o número de horas do trabalho a quatro e a. três em cada dia, acabando por licenciar os operários, substituindo os por aprendizes, recursos desesperados com que debalde procuravam manter-se naquela maneira de viver, que era, na frase sombria de Oliveira Martins - "um regime incerto e por vezes desgraçado".
Para o comércio, os inconvenientes da imobilização de capital nas inúmeras marcas criadas peia fantasia dos fabricantes, com grande percentagem de invendáveis, tornando incertos os lucros do negócio e reflectindo-se, naturalmente, no preço a pagar pelo consumidor.
Para o Estado, em fim, um rendimento fiscal, na sua quási totalidade proveniente das receitas aduaneiras, oscilando entre um máximo de 3:649 contos (1856-1.887) e um mínimo de 844 contos (1879-1880), débil contra-partida de tantos desastres e de tamanha miséria económica.
Nos últimos tempos de vigência do regime até mesmo êsse rendimento se apresentava tam pouco seguro que, em 1887. o Ministro da Fazenda Mariano de Carvalho, para acudir aos interêsses do Estado ameaçado, conseguiu a publicação de uma lei que, entro outras disposições, organizava o grémio dos fabricantes de tabacos, colectando-o em 4:250 contos anuais, e incluía as bases para a adjudicação do exclusivo da indústria.
O grémio não pôde satisfazer o encargo e a situação atingiu em 1888 uma gravidade tal que o Govêrno, ante as solicitações de toda a gente, a começar pelos industriais do tabacos, SG viu obrigado a novamente intervir.
Foi ainda por iniciativa do Mariano de Carvalho, que uma lei, de 22 de Maio de 1888, regulou a situação com a inteligência e lucidez que lhe eram peculiares.
Êsso diploma autorizava o Govêrno a expropriar todas as fábricas do tabaco e sou capital fixo o circulante, destinando-se para isso 7:200 contos obtidos por moio do uma emissão de obrigações amortizáveis em 50 anos com a anuidade máxima do 432 contos que passou a constituir encargo da Administração dos Tabacos (régie).
O novo organismo tinha a dirigi-lo um conselho de administração constituído por cinco membros: três de nomeação do Govêrno e um por cada uma das Câmaras dos Pares o dos Deputados, e um conselho fiscal com igual número de membros nomeados por forma idêntica a- do conselho de administração.
Dos lucros excedentes a 3:500 contos anuais eram destinados 5,1 por cento a remunerar diversas entidades pela forma seguinte:
Conselho de administração, 1/5;
Conselho fiscal, 3/50;
Pessoal não operário, 1/10;
Pessoal operário, 32/50.
O decreto de 29 de Novembro de 1888 criava duas inspecções de serviço para o norte e sul; na venda de tabaco, que continuava livre, estabeleciam-se zonas fiscais de fronteira com preços inferiores aos do resto do país.
Eram verdadeiramente esmagadoras as obrigações que o novo organismo assumia. O custo da expropriação de 26 fábricas nas mais absurdas localizações, com cêrca de 5:000 operários, número muito superior ao necessário, e a dum stock de 600:000 quilogramas de tabaco, grande parte do qual mal fabricado, constituíam um pêso morto do que só alguns anos de exercício poderiam libertar a régie.
Outra pesada herança fora a das numerosas marcas lançadas no mercado por essas fábricas, dificultando o conhecimento exacto do gosto do público; a sua excessiva variedade sobrecarregava o pequeno capital do comércio de retalho que, receoso, retraía-se nas compras.
O primeiro ano de gerência da administração presidida por Oliveira Martins constituiu, não obstante isso, uma interessante afirmação de competência e boa orientação financeira, melhorando-se o fabrico e deminuindo-se o excesso de produção sôbre as vendas.
O segundo ano de gerência da régie foi assinalado por uma melhoria económica no sistema de compras e pela redução no custo do fabrico.
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Não obstante as dificuldades do começo, a régie alcançara para o Estado uma média de rendimentos (4:133 contos anuais) que na época da liberdade de indústria jamais havia sido atingida, e é indubitável que, a continuar na sua administração, não obstante os seus encargos de origem, teria acabado por triunfar plenamente.
A situação financeira do país piorou, porém, consideràvelmente após o ultimatum de 1890, obrigando os Governos a lançar mão de todos os recursos para obter empréstimos que os banqueiros já não nos consentiam senão mediante verdadeiras hipotecas dos rendimentos do Estado, um dos quais, o dos mais apetecidos, ora o da administração dos tabacos.
Foi esta a primeira sacrificada e, pela proposta de lei do 19 de Maio do 1890, do Ministro João Franco, permitia-se a substituição da régie por um monopólio privado, reeditando-se, no relatório que a precedia, a clássica afirmação de que "como regra geral, a missão do Estado não é nem será o substituir-se aos particulares nas práticas industriais ou do comércio".
Não era pois em resultado de má administração por parto dos seus agentes que o Estado Português se resignava à abdicação da gerência directa de uma tam importante parcela do seu domínio industrial: os acontecimentos breve o demonstraram.
Em Dezembro de 1890 o Ministro da Fazenda Augusto José da Cunha, apertado pelas dificuldades financeiras de um pagamento que devia efectuar-se em Março de 1891, celebrava um acordo para um suprimento de avultada quantia por três meses e aquiescia a hipotecar para isso o rendimento dos tabacos. Essa garantia, por exigência expressa dos prestamistas, teria de ser sancionada pelo Parlamento português a fim de poder ter validade.
Procurando evitar a desagradável imposição, o Presidente do Ministério encarregou Mariano do Carvalho de entabular em Paris negociações para um empréstimo tendo por base os Caminhos de Ferro do Sul e Sueste ou o arrendamento dos tabacos. Foi esta a garantia preferida, tanto mais que já havia o precedente da Itália o da Sérvia.
Falhadas as primeiras negociações, entrara Mariano de Carvalho em combinações com outros banqueiros (o Crédit Lyonnais) quando em 26 do Fevereiro o Ministro da Fazenda assinou um acordo provisório com o Comptoir d'Escompte e com o Conde de Burnay, acordo ratificado por uma proposta de lei apresentada em 6 de Março à Câmara dos Deputados concedendo por 35 anos o exclusivo da indústria dos tabacos no continente a um consortium luso-franco-alemão, a troco de uma operação tendente à consolidação de uma parte da nossa dívida flutuante, do um suprimento para o serviço da divida externa, e do um empréstimo de 3(3:000 contos, que podia ser elevado a 45:000 contos - computados em francos nas obrigações.
Entraram assim os tabacos de novo no regime de monopólio privado; a companhia concessionária pagaria uma renda anual de 4:250 contos (papel), que poderia ser elevada até 4:500 contos, e era lhe garantido por 35 anos o exclusivo, que podia no emtanto cessar após 10 anos, desde que fôsse feita a denuncia com dois anos de antecedência e que previamente se amortizasse o empréstimo a que o monopólio servia de garantia, conservando porém a companhia em tal caso o direito de opção.
Em 21 de Maio de 1896 foram consignadas as receitas disponíveis dos tabacos à emissão de 40:000 obrigações no valor de 9:000 contos (ouro) destinados à aquisição do material naval, amortizáveis em 29 anos e meio, a fim de coincidir o prazo com o do fim do monopólio.
Os lucros dêste excediam, a olhos vistos, a expectativa, e a opinião pública começou a manifestar-se no sentido de providenciarem os Governos para melhorar em benefício do Estado as condições em que a concessão do monopólio fora dada.
A primeira tentativa neste sentido foi a proposta de lei apresentada por Ressano Garcia em 12 de Julho de 1897.
Por esta proposta o Estado desistia da faculdade de rescisão do monopólio em 1907, proibia-se a cultura de tabaco no Douro (aliás autorizada só até ao fim do 1890) e dava-se à Companhia o exclusivo da indústria e comércio do tabaco nas possessões ultramarinas (excepto na Guiné), em troca de uma mais favorável participação do
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Estado no excesso do produto líquido em relação ao de 1897, num mínimo anual de 670 contos a adicionar à renda fixa anual.
Entre outras disposições de menor importância, a proposta autorizava o Govêrno a contrair um empréstimo ouro tendo por garantia as receitas disponíveis dos tabacos e vencendo um juro efectivo não superior ao encargo da dívida externa, e ainda a contratar o reembolso das obrigações dos empréstimos de 1891 e 1896, e a, emitir um empréstimo amortizável em 75 anos, vencendo juro não superior a 4 e meio por cento num reembolso (obrigatório antes de 1 de Janeiro de 1900) dos títulos anteriores.
Após negociações com a Companhia, a proposta sofreu modificações: a Câmara dos Deputados baixou o mínimo da partilha de receitas a 575 contos e modificou as taxas de desconto, e a Câmara dos Pares também lhe introduziu alterações.
Ponderadas as circunstâncias, o Govêrno acabou por limitar o anterior pedido de autorização à faculdade de reembolso da parte das obrigações de 1891 a 1896 em dívida, e de emissão de novas obrigações amortizáveis em 75 anos, não podendo exceder 5 e meio por cento o encargo da operação.
Após todas estas vicissitudes, o que ficou estabelecido - mas só em 1899 pela lei de 29 de Julho - foi a autorização do reembolso daquelas obrigações e a emissão de outras a prazo de 75 anos, a 5 e meio por cento de juro, garantidas também pelo rendimento dos tabacos.
Em 1900 surgiu um concorrente a êste exclusivo, o que veio dar novo aspecto à questão: a Companhia dos Fósforos propôs ao Govêrno a reunião dos dois monopólios, oferecendo em troca várias vantagens.
O Ministro da Fazenda, Teixeira de Sousa, no intuito de melhorar a situação relativamente ao Estado e separar o exclusivo do fabrico da conversão das obrigações, procurou aproveitar a rivalidade entre os grupos financeiros dos tabacos e dos fósforos e aceitou entrar nas negociações que lhe eram propostas.
Estas, porém, protelaram-se até 1904 e, caído o Ministro Teixeira de Sousa, foi o Sr. Rodrigo Pequito quem as continuou, firmando em 16 do Julho dêsse ano um acordo provisório com a Companhia dos Tabacos e apresentando em 5 de Outubro uma proposta de lei aprovando o referido contrato provisório, que compreendia a emissão de um empréstimo de 300 milhões de francos ou 54:000 contos (ouro), que podia ser elevado a 350 milhões, com obrigações de 4 por cento e amortizável em 60 anos.
A renda fixa do monopólio aumentaria, por períodos de 5 anos, de 5:600 a 6:100 contos, e elevar-se-iam as percentagens da participação do Estado no excesso do lucros.
Prorrogava-se por 60 anos, a partir de 1905, o prazo do monopólio, podendo, todavia, o Govêrno dá-lo por findo em 1926 e após esta data, de dez em dez anos, tendo que avisar, com antecedência de dois anos, de qualquer resolução sua neste sentido.
A soma dos aumentos de renda de 1905 a 1926 atingiria 27:850 contos, de que beneficiaria logo o ano económico então corrente em 2:100 contos.
Havia sido convencionado que os compromissos reciprocamente tomados no referido contrato caducariam se as Câmaras legislativas o não validassem até fins de 1904.
As Cortes, porém, nada resolveram dentro do referido prazo, e o Govêrno teve d(c) iniciar novas negociações. Em 4 de Abril de 1905 assinava-se novo contrato provisório, que, como o anterior, estatuía a emissão de 350 milhões de francos em obrigações de 4 por cento, amortizáveis em 60 anos, garantidas pelo rendimento dos tabacos, sendo o preço superior ao do contrato de 1904.
Novamente se procurou separar da questão do exclusivo a operação financeira, denunciando-se o contrato do 1891, mas o Govêrno acabou, afinal, por "enganchá-las" no acordo, o que logo suscitou severas críticas.
As restantes cláusulas dêste eram: prorrogação do prazo do exclusivo até 1926; até l de Maio de 1907 era elevada a 6:000 contos a renda anual, que se manteria constante até o fim do prazo da prorrogação; finalmente, ao Estado competiriam determinados direitos por cada quilograma de excesso nas vendas - de 2.461:526 quilogramas (vendas no continente); de 293:518 quilogramas vendas para fora do continente) e de 51:829 quilogramas (tabaco manipulado importado), e receberia, garantidos pela Companhia, "mínimos" crescentes de 50 a 450 contos.
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Tornado público o contrato, a Companhia dos Fósforos propôs ao Govêrno condições para o monopólio por 60 anos (1907 a 1966) em troca de uma renda que aumentava de 6:000 a 7:750 contos, e dando maior participação ao Estado na partilha dos lucros.
Apresentava ainda a mesma Companhia uma proposta para emissão das obrigações de 4 por cento necessárias para representar o valor nominal das obrigações de 1891 e de 1896 que à data de 1 de Outubro de 1900 ainda estivessem em circulação.
Às duas Companhias rivais foi então dirigido convite para em 30 de Janeiro de 1905 apresentarem propostas para as obrigações de 4 por cento amortizáveis em 60 anos, com consignação do rendimento dos tabacos. O quantitativo do empréstimo devia ser o necessário para reembolso dos 37:061 contos das obrigações anteriores e 7:939 contos (ouro) para pagamento da dívida flutuante.
Em 20 de Fevereiro apresentou a Companhia dos Fósforos uma proposta para lhe ser concedido o monopólio até 1926, ficando a cargo dela a conversão das obrigações anteriores, tornando porém a declaração do preço dependente da forma como o Govêrno entendesse fazer a consignação da renda dos tabacos.
Ao mesmo tempo prosseguiam as negociações com outras firmas e com a Companhia dos Tabacos, e tendo o Parlamento sido adiado para Agosto, com aquela se concertou em 14 de Julho a prorrogação, até 31 de Dezembro, do acordo de 4 de Abril, no qual eram introduzidas diversas alterações. A Companhia, porém, em 27 de Dezembro, recusou-se a prorrogar até 30 de Junho de 1906 a validade do contrato de 4 de Abril, com o pretexto de deminuição nas vendas.
Com tais delongas e tergiversações, a questão dos tabacos agravou-se, dando causa à dissidência progressista chefiada por José de Alpoim.
Nos primeiros dias de Janeiro de 1906, o Conde de Penha Garcia, Ministro da Fazenda, dirigia convite a diferentes firmas nacionais e estrangeiras para enviarem propostas ao concurso que devia realizar-se em 29 daquele mês, para conversão das obrigações do empréstimo dos tabacos, garantida pelo rendimento dêstes, e mediante a tomada de novas obrigações de 4 por cento amortizáveis em 60 anos e no quantitativo indispensável, ao preço que se indicasse, para efectuar o resgate, ao par, das obrigações dos tabacos e, eventualmente, as precisas para perfazerem 13:000 contos (ouro).
No dia do concurso foram apresentadas propostas das Companhias dos Fósforos e dos Tabacos: nenhuma delas foi aceita. Pouco tempo depois era dissolvida a Câmara electiva, e em 21 de Março caía o Gabinete progressista, sendo substituído pelo regenerador, de que fazia parte Teixeira de Sousa como Ministro da Fazenda.
Novamente os grupos interessados procuraram levar o Govêrno ao "enganchamento" da concessão do exclusivo com o financiamento da conversão, tentativas que foram postas de parte ante as veementes manifestações da opinião pública, que pela questão dos tabacos extraordinariamente se apaixonara.
O que no momento sobrelevava em urgência a todo o mais era a resolução do, problema do monopólio de que o Estado tirava um rendimento inferior ao que era lícito esperar, e que tinha de ficar assente antes do fim do período de 16 anos, cujo termo era em 1907.
Em face da corrente dominante na opinião geral do país, o Govêrno teve que pôr de parte, na ocasião, a questão das obrigações e abrir concurso público, a realizar em 7 de Maio, para adjudicação por 19 anos do exclusivo da indústria dos tabacos no continente.
A base da licitação era a ronda fixa anual de 6:000 contos; lançar-se-ia um imposto sôbre o tabaco manipulado, vendido ou importado; constituía-se uma partilha de lucros com o mínimo crescente de 50 a 450 contos.
Como a renda aumentaria indubitavelmente, as garantias com que ficavam as obrigações de 1891 e 1896 resultavam mais sólidas e, cotadas naquela época acima do par, não viriam por certo os seus portadores reclamar o reembolso ao par em 1907. Era pois uma questão posta de parte, no momento.
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Apareceram no concurso três propostas, sendo a mais favorável a da Companhia dos Fósforos, que oferecia a renda fixa de 6:020 contos.
A Companhia dos Tabacos não apresentara proposta, mas sim apenas uma declaração de que se reservava para fazer uso, caso lhe conviesse, do direito de opção que o contrato de 1891 lhe garantia. Entre o Govêrno e a Companhia trocaram-se ofícios, em acirrada polémica; a Companhia pretendeu ainda recorrer ao conselho arbitral, mas por fim, em 1 de Junho, acabou por declarar que fazia sua a proposta da Companhia dos Fósforos, obrigando-se ao pagamento da renda anual de 6:520 contos (papel).
A não fixação na base ouro dessa renda acarretou mais tarde graves prejuízos ao Estado; por ocasião da baixa da nossa divisa cambial recebia êste da Companhia uma renda em escudos depreciados que não chegava para o pagamento do cupão-ouro das obrigações dos Tabacos.
Foi a esta anómala situação que se procurou pôr termo com a lei n.° 1:565, de 22 de Manjo de 1924, que autorizava o Govêrno a regularizar o assunto mediante um acordo com a referida Companhia. Os incidentes a que deram origem as divergências de interpretação dêsse acordo e a sua execução de tal modo são conhecidos e recentes que julgamos dispensável o seu relato minucioso neste momento.
A história das vicissitudes desta indústria e a das suas relações com o Estado Português presta-se a considerações de ordem vária; algumas saem fora da órbita do apreciação desta comissão; outras há, porém, que a seu tempo tocaremos. No emtanto, um ensinamento há que é por esta narrativa pôsto bem em evidência: o das dificuldades a que dou origem o facto de o Estado alienar, embora, temporariamente, a livre disposição da indústria dos tabacos, no que teve como principal e quási única justificação a gravidade das circunstâncias em que se viu obrigado a fazê-lo.
Não desconhecemos as responsabilidades acarretadas pelo encargo de dar parecer sôbre tam momentoso assunto, o que pela primeira vez a esta comissão acontece.
Improvisada em 1891, numa aguda crise financeira e enxertada num suprimento urgente ao Govêrno do então, a solução do problema dos tabacos jamais foi estudada em função das conveniências do comércio e da indústria em especial, mas sim e exclusivamente como problema fiscal e financeiro; e tanto na monarquia assim só pensava, que na discussão parlamentar dessa época, bem como nas de 1896,1904 e 1906, foram as comissões de fazenda das Câmaras dos Deputados e dos Pares as únicas a dar parecer sôbre o assunto.
O estudo dos diferentes regimes a que pode subordinar-se a indústria dos tabacos mostra-nos que exemplos há de países em que a liberdade de indústria é norma invariavelmente seguida: os de raça anglo-saxónica, de fortes tendências individualistas, como a Inglaterra e os Estados Unidos; há os que adoptam o monopólio privado, entre os quais a Espanha, a Sérvia e o Japão, e encontramos outros nos quais vigora o sistema de administrar ao directa pelo Estado, ou régie, tais como a França, ia Suécia, a Itália, a Suíça e a Tcheco-Slováquia.
Não nos deteremos no seu exame detalhado e comparativo porque entendemos que não deve a consideração dos exemplos de fora decidir sem apelo do sistema a adoptar entro nós. As variedades de modos de gestão de emprêsas dêste género são influenciadas, em glande parte, pela diversidade de origens e diferenças de fins a atingir; cada país adopta as soluções que mais lhe convêm, sancionadas pela experiência própria e aconselhadas peias suas tradições administrativas.
A questão em Portugal, reveste no actual momento um aspecto restrito e concreto, e de oportunidade. Encontramo-nos perante uma situação de facto: o Estado vai entrar na posse de uma organização em actividade, com os seus órgãos de fabrico e de coloração dos produtos em plena eficiência e tendo já dado, em suma, as suas provas; pretende-se fixar as condições mais vantajosas em que nessa posse o Estado poderá tirar proveito.
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E isto que importa estudar. Será isso o que procuraremos determinar.
Das três soluções que se nos apresentam - liberdade (condicionada ou não) de indústria e comércio, monopólio privado, administração pelo Estado, ou régie (com ou sem participação de capitais particulares) - qualquer delas tem defensores convictos.
Examinemos a aplicação de cada uma ao caso de que nos ocupamos.
Temos em primeiro lugar a da liberdade de indústria o comércio, que é defendida por muitos, alegando os elevados proventos que dela resultarão para o Estado e a melhoria proporcionada ao consumidor pela concorrência.
A crença nos elevados rendimentos provenientes dos direitos de importação ou outros no regime de liberdade industrial é uma ilusão que a experiência duramente desfaria. A fraude revestiria todas as formas o aniquilaria as esperanças nele depositadas.
Também não está provado que a concorrência dê sempre em resultado a melhoria do produto: tivemos o exemplo entro nós. Poderia acontecer até que em resultado da concorrência, a sua qualidade piorasse; e o artigo nacional não satisfazendo, resultaria daí larga importação do estrangeiro com os inconvenientes, entre outros, do uma drenagem de ouro para fora do país, desequilibrando mais ainda a nossa balança económica, o que a iodo o custo nos cumpre evitar.
Razões há de ordem económica que a todas sobrelevam para condenar a aplicação do sistema de liberdade à indústria dos tabacos.
A associação é a forma mais adequada à indústria de hoje; não nos compete aqui apreciar as vantagens ou desvantagens que dêsse facto resultam sob o ponto de vista social; rio momento presente, porém, não seria inteligente, nem vantajoso para ninguém, o abandonar à desordem económica um dos mais importantes organismos da produção nacional em que êsse sistema encontrou efectivação. Porque o certo é que o grupo industrial constituído pelos tabacos está organizado de forma a satisfazer cabalmente o nosso consumo, cujo lento aumento e as fracas probabilidades de expansão exterior da nossa produção não dão margem para a vida normal de mais do que uma unidade com o mesmo fim. A disseminação da produção por pequenas fábricas rivais seria mais um elemento perturbador da nossa vida económica, e acrescentaria à confusão já existente na nossa produção, os germes de uma nova guerra civil industrial com consequências iguais, senão piores, às da época de 1864 a 1888.
Em segundo lugar, a indústria dos tabacos é das que maior soma de capitais exigem para a sua instalação, e a rarefacção de capitais de que presentemente sofre o nosso País não permite acalentar a esperança de constituição de novas grandes emprêsas que substituam com vantagem a acção da actual concentração industrial; e quando porventura elas se constituíssem seria para lutarem sem tréguas até que uma, mais forte, realizasse em proveito próprio, mas sem lucro para o Estado, nova concentração - monopólio de facto.
A liberdade de indústria e comércio já fez entre nós as suas provas: no exame retrospectivo do que foi a sua vigência, vimos os resultados que deu.
Assim, a repetição da experiência não é de preconizar, acrescendo que um só dia da vigência dêsse sistema originaria a criação de interêsses tam poderosos que seria à custa de centenas de milhares de contos que o Estado se libertaria deles para reentrar na posse da indústria quando porventura as circunstâncias a isso o aconselhassem.
Cumpre-nos, ainda, referirmo-nos a uma fórmula intermédia que tem sido denominada - de liberdade condicionada.
Com efeito, o estudo aprofundado da questão e um detido exame das condições de funcionamento da indústria não poderiam deixar de levar muitos defensores do sistema de liberdade a preconizar o arrendamento dessas importantes parcelas do património nacional por grupos de fábricas constituídos pelas de Lisboa e pelas do Pôrto, demonstração cabal da necessidade de manter-se o princípio da concentração industrial. A uma liberdade em tais condições cabe indubitavelmente a designação de monopólio de facto, tendo relativamente a ela inteiro cabimento o que noutro lugar sôbre tais monopólios dizemos.
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O monopólio privado, regime sob o qual temos vivido, tem contra si várias razões que não aconselham a que o prefiramos.
Superior ao regime de liberdade industrial em resultados práticos expressos em rendimentos fiscais obtidos, essa espécie de monopólio apresenta, todavia, graves inconvenientes pela delicadeza e melindre das suas relações com o Estado, que dão por vezes origem a graves perturbações, como aconteceu entre nós. No emtanto, como vimos, muitos dos incidentes que entre nós se registaram, e que em épocas não muito remotas envenenaram a vida política nacional, foram em parte resultantes, não do sistema em si, mas sim das circunstâncias anormais e desvantajosas para o Estado em que foi dado êsse exclusivo, tantas vezes pomo de discórdia.
Reconhece-se, é certo, a vantagem, para a colectividade, do monopólio legal sôbre o monopólio de facto; mas a opinião geral cada voz mais se convence de que para certas indústrias que por sua natureza só em monopólio convém serem exploradas mais vale que o seu exclusivo seja dado em proveito de todos do que em beneficio de indivíduos isolados ou de companhias.
Resta a administração directa pelo Estado ou régie, já experimentada de 1888 a 1890.
Não cabe aqui reeditar os numerosos argumentos da polémica sôbre a extensão dos limites da actividade industrial do Estado, travada entre os economistas das diferentes escolas.
Constatemos, no emtanto, que vários de entre êles, e alguns de notoriedade mundial, como Leroy Beaulieu, admitem, e defendem mesmo, a possibilidade de o Estado gerir determinadas indústrias de técnica simples e fácil fiscalização, mormente nas de intuitos fiscais, que ô precisamente o caso da dos tabacos.
Acentuaremos também que as mais acerbas críticas ao Estado como gerente de emprêsas partem sempre da hipótese dum acréscimo do domínio industrial do Estado a título oneroso. Ora é precisamente o contrário o que no caso presente se verifica; para dar a liberdade à indústria dos tabacos seria o Estado quem alienaria uma parcela do seu património em condições que só desvantajosas poderiam ser, e com a agravante de ter mais tarde talvez que resgatá-la por elevado preço.
Os ataques à régie quási se têm limitado, no campo dos princípios, a ressuscitar os argumentos dos economistas individualistas, e as objecções apresentadas são sempre as mesmas: incompetência administrativa do Estado; perigo de infiltrações políticas que em breve corroerão o organismo da indústria nacionalizada, falseando os seus fins e destruindo quási totalmente a. sua produtividade, derivada no sentido da satisfação dos apetites de clientelas vorazes, e citam em apoio destas asserções exemplos recentes de emprêsas do Estado que redundaram em desastres financeiros.
A isto contrapõe-se que a explicação de tais desastres tem de procurar-se principalmente na consideração da época e das condições excepcionais em que o Estado tomou conta de tais emprêsas, improvisadas na maior parte dos casos durante o período incerto e perturbado da guerra e logo após esta e ainda que, se há casos que depõem contra a competência e orientação administrativa do Estado, outros há que não justificam as mesmas críticas. E mais: que, se é certo haver exemplos de má administração do Estado, não se prova que, como regra absoluta, as emprêsas particulares, só porque o são, administrem melhor, e que o mal tem infelizmente causas de ordem geral, mais remotas e profundas.
Acauteladas porém todas as possibilidades de desgoverno e desde que nas mesmas condições de fiscalização e de responsabilidade directa em que funcionam as explorações particulares seja colocada a empresa do Estado, esta não poderá deixar de corresponder aos seus fins.
O argumento da incapacidade do Estado, em absoluto, para gerir emprêsas industriais não colhe, pois, nem sob o ponto de vista doutrinário nem sob o aspecto da aplicação prática, e os receios de que a administração em régie reverta num farto bodo também não encontram justificação no caso presente. A faculdade de nomeação pelo Govêrno ficará sendo extremamente restrita, limitando-se a dois membros do conselho de administração e a um do conselho fiscal.
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O organismo industrial dos tabacos está de resto com o seu pessoal completo, não necessitando por êstes tempos mais próximos do efectuar novas admissões. As vagas na mão de obra serão preenchidas como na indústria privada e na medida estritamente indispensável em que o emprego dos maquinismos aperfeiçoados a não possa dispensar. A possibilidade de, no futuro, serem êstes empregados cada vez em maior escala na indústria dos tabacos constitui, de resto, uma das melhores garantias para a sua gestão pelo Estado.
Quanto ao pessoal burocrático, de administração e fiscalização, cujo número actual nos parece satisfazer largamente às necessidades de uma exploração em régie, quando nele se dêsse qualquer vaga, far-se-ia o respectivo provimento nos termos da lei dos adidos de 14 de Junho de 1913, servindo o pessoal em comissão e em regime contratual emquanto no serviço dos tabacos permanecesse.
É ainda finalmente o sistema que a maior número de pontos de vista satisfaz. Mesmo como solução provisória seria incontestável a sua superioridade.
Colocada a indústria sob a administração directa do Estado, ficaria êste ao facto das possibilidades económicas e grau de produtividade fiscal da sua exploração, e quando eventualmente se reconhecesse não lhe convir mante-la em tal regime, teria sempre aberto o caminho para uma solução definitiva, estudada com o profundo conhecimento de causa que só no campo da prática é possível obter.
E é, sob tal ponto de vista, tanto mais fácil e isenta de perigo a solução régie quanto é certo que todo o sistema, com os seus organismos de produção e distribuição, está pronto a funcionar, pessoal a postos e máquinas em condições de imediata laboração, bastando apenas instalar a nova administração e deixar funcionar, como até aqui, o mecanismo da indústria sem nada alterar nele de essencial.
Compreendem-se, até certo ponto, os receios duma ingerência perniciosa da política nessa indústria e da infiltração nela de viciosas práticas que desacreditaram alguns serviços do Estado: é para obviar a êles que se propõe a participação na formação do capital de maneio por meio de acções, das iniciativas particulares que com o Estado quiserem cooperar, e às quais será dada, com a representação nos conselhos, a faculdade de fiscalizar devidamente a marcha da exploração.
Por entidades competentes e zelosas, ficariam também devidamente acautelados os interêsses do Estado, constituídos pelos valores de inventário e industrial da exploração, a que seria atribuída valorização actualizada.
Somos assim levados à modalidade da régie em comparticipação de administração e capital, que merece todo o nosso apoio pelas garantias de segurança, de boa fiscalização, mínimo de interferência dos Governos e livre disposição por parte do Estado de tam importante departamento do seu domínio industrial.
A situação transitória que antecede a entrega da indústria ao Estado convém que seja prevista a fim de que os interêsses dêste sejam acautelados.
Nesta ordem de ideas, a comissão é de parecer que a proposta de lei do Sr. Ministro das Finanças merece ser aprovada desde que se lhe introduzam as emendas que em seguida vão indicadas, com as quais julgamos aproximar-nos o mais possível do desideratum acima enunciado.
A base 1.ª deve ser assim redigida:
"O fabrico e venda de tabacos no continente da República, com a ressalva expressa na base 14.ª, constituirá uma indústria do Estado, com plena autonomia administrativa e financeira, denominada "Tabacos de Portugal" e gerida por um conselho de administração sob a inspecção de um conselho fiscal".
A base 2.ª deverá ficar assim:
"O conselho de administração será composto de cinco membros, dos quais o presidente e o secretário do conselho serão de livre nomeação do Govêrno e os restantes escolhidos de entre os indicado"; em lista sêxtupla, como técnicos, pela assemblea geral dos portadores de acções, a emitir, para realizar o capital circulante da indústria""
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A base 3.ª ficará assim redigida:
"O conselho fiscal será assim constituído:
1 Presidente, de livre nomeação do Govêrno;
1 Vice-presidente eleito pela assemblea geral dos accionistas:
1 Vogal eleito pelo pessoal operário e não operário;
2 Vogais eleitos pelo Senado e pela Câmara dos Deputados.
A base 5.ª deverá ficar redigida pela forma seguinte:
"O presidente e vice-presidente do conselho de administração perceberão os vencimentos que por lei competirem ao cargo de director geral do Ministério das Finanças acrescidos, respectivamente, das gratificações mensais de 2.500$ e 2.0005.
Os vogais eleitos pela assemblea gerai terão os vencimentos que forem estipulados nos respectivos estatutos.
O presidente, vice-presidente e vogais do conselho fiscal receberão em senhas de presença e por sessão, igualmente, o que fôr fixado nos estatutos.
§ único. O presidente e vogais do conselho de administração prestarão caução de 50.000$ cada uniu.
A base 6.ª deverá ter a redacção seguinte:
"As funções de presidente e vice-presidente do conselho de administração são incompatíveis com as funções legislativas e as de quaisquer cargos, ainda que de eleição, dos corpos ou corporações administrativas, e serão inacumuláveis com as de qualquer outro emprego do Estado ou comissão de serviço público, bem como com as de cargos fiscais e administrativos em quaisquer sociedades civis ou comerciais.
§ 1.° (Como na proposta).
§ 2.° (Como na proposta)".
A base 7.ª deverá ser redigida:
(Como na proposta).
"§ único. Estas contas, depois de aprovadas na respectiva assemblea geral, serão submetidas á apreciação da comissão parlamentar de contas públicas do Congresso, que sôbre elas emitirá parecer".
A base 10.ª ficará assim redigida:
"Dos lucros de fabrico e venda de cada ano económico será retirada a importância necessária para constituir um fundo de reserva permanente, a distribuir eventualmente aos accionista" como acréscimo do dividendo mínimo, e gratificar os conselhos de administração e fiscal e o pessoal operário e não operário".
A base 13.ª deverá ser redigida assim:
"As vendas de tabacos fabricados no continente da República serão feitas pelo conselho de administração, garantindo-se aos antigos depositários, vendedores por grosso e a retalho e aos revendedores, a que se refere o § 5.° da base 9.ª da lei de 22 de Maio de 1888, um abastecimento suficiente para o consumo normal em quanto êles continuarem a prestar regularmente as suas contas.
§ 1.° A administração da indústria dos tabacos de Portugal poderá conservar ou estabelecer, mediante garantia hipotecária, agências e sub-agências de venda, para melhor satisfazer as necessidades do mercado de consumo.
§ 2.° (Suprimido).
§ 2.° (Será redigido como o § 3.° da proposta)".
A base 14.ª ficará assim redigida:
"Os tabacos manufacturados e despachados para consumo pelas alfândegas do continente da República continuarão a pagar os direitos a que se refere o decreto n.° 9:972, de 6 de Agosto de 1924, ou os que vierem a ser fixados para defesa da indústria nacional.
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A alteração dos direitos será feita pelo Govêrno, mediante proposta do conselho de administração dos Tabacos de Portugal, logo que se verifique qualquer modificação no preço de venda dos tabacos ou agravamento cambial, de modo a manter o direito de importação num valor equivalente ao preço médio da venda do tabaco nacional acrescido de 30 por cento.
§ único. (Como na proposta)".
A base 20.a ficará assim redigida:
"Até que sejam constituídos nos termos das bases anteriores os conselhos de administração e fiscal, o Govêrno nomeará uma comissão administrativa composta de um jurisconsulto, de um diplomado com o curso superior de comércio e de um engenheiro, todos de comprovada idoneidade administrativa, a qual será instalada em 15 de Abril de 1926.
§ único. (Como na proposta)".
Tabaco em rama importado e tabaco fabricado e vendido, de 1900-1901 a 1924-1925
[Ver tabela na imagem]
Valor venal do tabaco fabricado de 1918-1919 a 1924-1925
[Ver tabela na imagem]
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Tabaco fabricado em 1925
[Ver tabela na imagem]
Resumo
[Ver tabela na imagem]
Tabaco vendido em 1925
[Ver tabela na imagem]
Capitação (calculada secundo o censo de 1920):
Em pêso 604,838 gramas.
Em valor 35$08(3).
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Vendas por distritos no ano de 1925
[Ver tabela na imagem]
(a) Parte que a cada distrito cabe na capitação global do Pais relativa ao consumo de 1925.
Tabaco manipulado importado de 1907-1908 a 1924-1925
[Ver tabela na imagem]
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Estatística aduaneira dos tabacos importados para consumo na metrópole nos anos de 1892 a 1924 e 1.° semestre de 1925
[Ver tabela na imagem]
(a) No tabaco em folha dos anos de 1923 e 1924 vai incluído o tabaco em rolo.
(b) A pauta de 1923 inclui no artigo 852 - tabaco em charutos, cigarrilhas envolvidas por folha de tabaco, cigarros com tubo de papel, boquilha os resguardo de qualquer espécie, etc. Do ano de 3921 em diante deixou de se fazer estatística dos direitos aduaneiros.
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Produção de tabaco do Douro
[Ver tabela na imagem]
Observação. - O tabaco produzido no Douro é todo fabricado por conta dos produtores, sendo paga ainda pelo Estado a fermentação.
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Produção e vendas por grupos de fabrico em 1925
[Ver tabela na imagem]
Sala das sessões da comissão de comércio e indústria, 22 de Março de 1926.- Henrique Pires Monteiro - Henrique Pereira de Oliveira - Sebastião de Herédia - Adriano Gomes Ferreira Pimenta - D. António Pereira Forjaz (vencido) - José Maria Alvarez (com declarações) - Francisco Cruz (vencido) - António Aboim Inglês (vencido, com a declaração junta) - Manuel da Costa Dias, relator.
Declaração de voto
Senhores Deputados. - Foi presente à vossa comissão de comércio e indústria a proposta de lei do ilustre Ministro das Finanças sôbre o futuro regime dos tabacos de 9 de Fevereiro próximo passado, em que se pretende criar no continente da República o sistema da régie comercial e industrial.
Se o monopólio privado foi desde sempre o regime de preferência da monarquia para arrecadar as receitas da tributação dos traços, tendo, sido a régie do 1888 um preparo para um monopólio mais nítido e prejudicial à Nação; se o Partido Republicano condenou sempre todos os monopólios, quer privados quer do Estado, por serem impróprios da liberdade característica de todas as democracias; não compreendemos como invertendo todas as razões de liberdade desde sempre invocadas se venha hoje em regime republicano advogar a criação da régie dos tabacos, como solução preferível para a sua exploração!
As próprias razões que o ilustre Ministro das Finanças aponta como indicação para se usar neste momento o regime da régie servem para condenar tal sistema.
Ninguém pode actualmente com os meios que dispomos, com razão, ser partidário do sistema de monopólio privado: mas pretender firmar o estabelecimento do monopólio do Estado na corrente socialista da época, mascarando isso com uma participação de 1/4 por cento dos lucros líquidos em favor da Caba de Pensões e de formas e da Associação de Classe ou Sindicato Profissional; negando que a liberdade económica exista, quando ela eleva à mais alta preponderância as nações industriais, como a Alemanha, os Estados Unidos, a Itália, etc.; parece-nos contrário à lógica e aos interêsses nacionais.
Sabemos que a liberdade absoluta não pode existir, e não a preconizamos.
Mas a liberdade da indústria dos tabacos em Portugal, da lei de 1864, embora executada sem espirito de equidade e sem organização fiscal adequada, demonstrou a progressão de rendimento normal, embora contrariada pela pulverização da indústria contra a qual a lei cão tinha defesa.
Em 1865-1866 o rendimento dos tabacos foi de 1.880:538$653 réis e em 1886-1887 foi de 3.649:481$096 réis, ou seja em 21 anos uma progressão de rendimento de 4,0 por cento anual, que está de acôrdo com as actuais médias mundiais.
Condenamos a régie porque? como muito bem diz o Sr. Ministro das Finanças: quando o Estado tem disponibilidades; e o rendimento dos tabacos deve dá-las; e
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clientela ávida a servir, e creio que ela também existe; não deixaria êste sistema de trazer cónego o inevitável "regabofe".
A régie é condenada pelos economistas que pretendem obter o melhor rendimento do vício do fumo em proveito do Estado; e se lá fora se condena, em Portugal, onde os exemplos das explorações do Estado são tam deploráveis, não podemos fazer a sua apologia.
De régie com sociedade de emprêsas particulares, como se pretende modificar a proposta de lei do Sr. Ministro, apenas direi que êsse sistema terá todos os defeitos da régie simples e mais as dificuldades anuais do cálculo de lucros a que a sua participação obrigava; sem falar no prestar-se constantemente a fraudes nas compras das matérias primas impossíveis de obter.
Reservando-nos para discutir a desvantagem de tal sistema de exploração com mais detalhe na respectiva oportunidade, discordando fundamentalmente do parecer da vossa comissão de comércio e indústria; mas prestando a homenagem do nosso respeito ao ilustre relator: assinamos vencidos o dito parecer e vimos apresentar o presente contra-projecto, que temos a honra de juntar como declaração de voto para que seja discutido por V. Exas.
Preconizamos o regime de liberdade de comércio e fabrico condicionada, porque julgamos ser o que maior rendimento oferece ao Estado sem as desvantagens que apontamos para a régie, encarnando-se no espírito de liberdade que sempre temos defendido.
Dos números publicados no Diário do Govêrno deduzimos um consumo provável de tabaco no ano futuro de 4.000:000 de quilogramas.
Arrendando as fábricas de Lisboa àparte das do Pôrto com os seus pertences, pelo prazo de 3 a 5 anos, julgamos poder obter a colocação da grande maioria do pessoal dos tabacos e ficarmos aptos a encarar sem prejuízo para o Estado qualquer eventualidade que a anormalidade do momento nos aconselhasse.
No período do primeiro arrendamento somos partidários da limitação das fábricas às que actualmente existem, como medida de prudência que não devemos desprezar.
Com a tributação indicada no nosso projecto julgamos poder obter um rendimento de 160:000 a 200:000 contos anuais, mantendo os preços actuais para o tabaco picado ordinário e para os cigarros ordinários e elevando um pouco o preço das outras marcas.
Não nos repugna êste aumento, porque em todo o mundo o tabaco é colectado fortemente em favor do Estado.
As somas provenientes dêste rendimento devem, a nosso ver, ser divididas em três partes e constituir três fundos distintos.
Um fundo de garantia da nossa dívida de guerra, provando a nossa boa vontade de saldar essa dívida sagrada.
Outro fundo base do fomento nacional em que podia fundar-se o crédito industrial.
É o terceiro para saneamento do Orçamento Geral do Estado.
Somos apologistas da reforma do pessoal que já não possa trabalhar e de garantir a todos os seus legítimos direitos.
Julgamos que a regularização dos preços do mercado interno se fará automaticamente pela importação nos termos propostos.
Teremos a honra de minuciosamente expor a V. Exas. os detalhes dos números de que consta o nosso projecto:
Artigo 1.° Desde 1 de Maio próximo futuro entrará em vigor no continente da República o regime dos tabacos constante da presente lei e suas bases anexas que dela fazem parte integrante.
Art. 2.° Os prédios, fábricas, armazéns e suas dependências, utensílios, maquinismos e outros bens, que têm estado durante o prazo da concessão do monopólio, que na dita data termina, no usufruto da Companhia dos Tabacos de Portugal; quer os citados bens provenham da entrega feita à Companhia pela antiga Administração
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Geral dos Tabacos, em execução das bases anexas à lei de 23 de Março de 1891, quer tenham sido adquiridos pela Companhia posteriormente, serão arrendados a curto prazo, por meio de concurso público, anunciado em Portugal e no estrangeiro.
§ 1.° Os citados bens existentes em Lisboa constituirão objecto de um arrendamento separado dos que existam no Pôrto, não podendo ser adjudicados ao mesmo arrendatário.
§ 2.° O usufruto das marcas registadas de tabaco será concedido igualmente aos dois arrendatários.
§ 3.° A renda será paga no dia 1.° de cada mês, em escudos-ouro, depositando o arrendatário uma caução em títulos da dívida pública portuguesa, na Caixa Geral de Depósitos, como garantia do contrato.
§ 4.° Os arrendatários tomarão -10 seu cargo o pessoal actualmente ao serviço da Companhia dos Tabacos de Portugal, excepto o pessoal que um exame médico especial julgar incapaz de trabalhar, o qual será reformado por couta do Estado.
§ 5.° Nas lúbricas serão mantidos os actuais regulamentos de trabalho.
Art. 3.° Fica o Ministério das Finanças autorizado a abrir os créditos necessários para o cumprimento da presente lei.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrário.
BASE 1.ª
O exercício do fabrico e comércio dos tabacos reger-se há a partir de 1 de Maio próximo futuro, no continente da República, nas seguintes condições:
a) É livre a importação do tabaco não manufacturado (em rama, talo ou outra forma, pagando na alfândega uma taxa de importação de escudos-ouro 1$10 por cada quilograma de tabaco; tabaco que transitará da alíândega para as fábricas sob fiscalização aduaneira.
b) As fábricas ficarão sob fiscalização aduaneira, levando-se conta dos tabacos em bruto que importem e dos que fabricarem, discriminando as classes tipos. Êstes tabacos fabricados pagarão ao sair das fábricas, pelo sistema de aposição de estampilhas adequadas em cada pacote, o seguinte imposto de fabrico variável para cada classe:
[Ver tabela na imagem]
devendo a soma do pêso líquido dos tabacos manufacturados corresponder ao do tabaco em bruto importado.
c) É permitida a importação dos tabacos manufacturados por qualquer pessoa singular ou colectiva, pagando uma taxa de importação, reguladora do preço no mercado nacional, variável para cada classe de tabaco tipo. Esta taxa será paga mediante a aposição de estampilhas especiais em cada pacote ou caixa, igual à soma da taxa de importação (a) mais o imposto de fabrico (b), acrescida do diferencial de protecção à industria nacional de 15 por cento.
d) O tabaco manufacturado no continente continua a gozar dos benefícios diferencial á que actualmente lhe são assegurados nas colónias e ilhas adjacentes.
e) O tabaco manufacturado nas ilhas adjacentes e colónias gozará na sua entrada no continente os mesmos diferenciais que o do continente ali gozar.
f) O tabaco em bruto cultivado nas colónias portuguesas pagará menos 10 por cento de taxa de importação que o estrangeiro.
g) É proibido o cultivo da planta do tabaco no continente da República, ficando em vigor para todo o continente as penalidades respectivas já legisladas e em vigor.
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BASE 2.ª
A fiscalização das taxas o impostos a que esta lei se refere compete à Direcção Geral das Alfândegas.
a) A fiscalização directa das fábricas será efectuada por funcionários dependentes dessa Direcção, auxiliados por praças da guarda fiscal, para êsse fim requisitadas, ficando a cargo dos interessados todos os vencimentos dêste pessoal civil e militar.
b) A fiscalização fora das fábricas exercer-se há também pelo actual pessoal fiscal da Companhia, sob as ordens da Direcção Geral das Alfândegas.
BASE 3.ª
Os descaminhos de impostos e taxas, e as transgressões das disposições dos regulamentos, serão punidos nos termos do decreto n.° 2, de 27 de Setembro de 1894, na parte aplicável, estabelecendo se as penalidades respectivas, que poderão ser alteradas sempre que o Govêrno o julgue conveniente.
BASE 4.ª
A fiscalização técnica e estatística far-se há pelo Comissariado dos Tabacos, que se manterá com as modificações necessárias.
BASE 5.ª
O Govêrno regulamentará esta lei com os diplomas necessários para o seu cumprimento, atendendo aos legítimos interêsses do pessoal que actualmente serve a Companhia, a quem se garantirão as regalias que legalmente usufrua, o bem assim as do pessoal interessado no legado João Paulo Cordeiro, garantindo-se-lhe como fui calculado pela antiga Administração Geral dos Tabacos.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 26 de Março de 1926. - António Lobo de Aboim Inglês.
Penhores Deputados. - Não é próprio de qualquer Parlamento discutir teórica e doutrinàriamente um problema.
Mas é seu dever indeclinável escolher entre as doutrinas consagradas aquela que melhor permita uma aplicação prática no meio económico e social a que se dirige. E não pode o estudo do regime de exploração de uma indústria alhear-se da situação de facto criada e existente à data em que o novo sistema comece a vigorar.
Atendendo às condições sociais e económicas do momento e à situação particular do Estado, ao findar o seu contrato com a actual companhia concessionária do exclusivo, preconizou a vossa comissão do comércio e indústria a adopção da a Régie em comparticipação de administração e capital, como melhor regime de exploração da indústria do fabrico e venda de tabacos em Portugal.
Cabe à vossa comissão de finanças considerar êste problema sob o ponto de vista fiscal e orçamental, procurando qual a melhor maneira de atingir os tabacos como matéria tributável, e qual a melhor aplicação que à receita arrecadada devo consignar-se.
Do parecer da comissão do comércio e indústria pode concluir-se que a matéria prima é inteiramente obtida por importação em mercados estrangeiros muito numerosos, conhecidos e espalhados por diferentes partes do mundo.
A cultura dêste na metrópole não logrou êxito e é para condenar; o nas colónias, embora para alguns constitua uma esperança, para muitos essa esperança carece de confirmação.
A fabricação nacional, em regime de concentração pelo trabalho das quatro fábricas existentes, satisfaz as exigências do consumo, e os preços, à sombra dum exclusivo concedido, têm-se mantido abaixo daqueles valores que representariam a simples actualização derivada do enfraquecimento do escudo, e gozam duma protecção pautal menos gravosa do que a vigente em 1914.
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A complexidade de tabacos e matérias primas necessárias à confecção de cada produto oferecido no mercado, a facilidade com que ao próprio tabaco podem substituir-se, iludindo o paladar, sucedâneos muito mais ou menos à saúde, torna muito difícil garantir a sua "bondade" por qualquer fiscalização. Só o público, após demorada e infeliz experiência, pode reagir contra essa fraude, desorganizando o consumo.
O trabalho das fábricas nacionais desenvolve-se muito mais pela justaposição do que pela sobreposição das produções de cada fábrica actual.
Estas resultaram da prévia eliminação de outros 22 estabelecimentos de secundária importância incapazes de concorrerem com vantagem, mas adquiridos todos em 1888 por 7:200 contos apesar do seu muito deficiente rendimento fabril, em vista da indústria ter passado para o monopólio do Estado.
O consumo absorve nas seguintes proporções, aproximadamente, as várias classes de tabacos:
Picados .... 75 por cento
Cigarrilhas .... 8
Cigarros finos e ordinários .... 15
Charutos .... 1
Rapés .... 1
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tendo complementarmente, a servi-lo, a importação de tabaco estrangeiro manufacturado, quási circunscrito aos dois grandes centros de Lisboa e Pôrto, e representando em época normal cêrca de 3 por cento de todo o consumo.
A capitação em tabaco é das mais fracas da Europa, e tem vagarosamente aumentado, se atendei mós às estatísticas oficiais, pois tendo sido em média de 0,491 gramas em 1904-1905, apresenta-se em 1925 de cêrca de 0,602 gramas, isto é, com cêrca de 4,5 por cento de acréscimo por quinquénio.
Os preços de veada médios actuais de cada classe de tabacos são para:
Tabacos picados .... 61$50
Cigarrilhas .... 86$50
Cigarros ordinários e finos .... 67$75
Charutos .... 75$000
Rapés .... 35$25
O regime de vendas obedece ao princípio da constituição de centros distritais responsáveis para com o produtor pelo liquido das vendas mediante a comissão de 13,47 por cento q"e são obrigados a distribuir poios seus delegados, sub-agentes, retalhistas e revendedores, num mínimo de 10 por cento.
No consumo os tabacos apresentam-se entre nós, e em toda a parte, como mercadoria de uso muito generalizado, dividido e susceptível de crescente absorpção. Constitui uma. aparento manifestação de supérfluo de que até os pobres se não alheiam, talvez para terem ao menos uma vez a ilusão de que são ricos.
Colocando-se, no seu campo de vista económico, a comissão do comércio e indústria, depois de ter passado em revista a aplicação que em Portugal têm tido os regimes de exploração da indústria de fabrico, e venda de tabacos, na liberdade condicionada, na régie, e no monopólio entregue a um concessionário, e depois de terminado a questão da oportunidade derivada do facto do o Estado entrar em 30 de Abril na posse duma organização de fabrico e colocação de produtos experimentada e capaz, concluiu por afirmar que à economia do p aí s, convém:
a) Manter em trabalho conjugado e harmónico - isto é, em concentração industrial - os órgãos de fabrico à data em laboração e a entregar ao Estado, pelo concessionário, em 30 de Abril de 1926.
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b) Manter o regime de vendas estabelecido de há muito, isto é, em concentração de responsabilidades, e de irradiação distrital consequente.
c) Preferir ao monopólio de facto, que resultaria do sistema do concentração industrial que preconiza para melhor rendimento do trabalho, o monopólio legal.
d) Preferir ao monopólio legal, atribuído a um concessionário com interêsses particulares a satisfazer, o monopólio nas mãos do Estado, ao serviço do interêsse geral da colectividade.
Vejamos, então, como poderá ser analisado o problema sob o ponto de vista financeiro.
O sistema fiscal para tributação dos tabacos deverá garantir:
a) Bom rendimento para o Estado, para limites de preços de venda dos produtos a fixar, e para qualidades a garantir;
b) Redução na importação de tabaco manufacturado, evitando drenagem supérflua de ouro;
c) Exportar tabaco manufacturado para as colónias;
d) Receber, dando garantia antecipada de preço aos cultivadores, tabacos coloniais, se a sua quantidade e qualidade aconselharem semelhante aplicação no consumo.
Examinemos como podem estas condições ser satisfeitas pelos sistemas de tributação conhecidos na indústria livre. Consistem êstes:
a) Na incidência de direitos, a taxas muito elevadas, sôbre a matéria prima importada; ou
b) Na incidência de impostos, a taxas muito elevadas, sôbre os produtos manufacturados à sua saída para consumo;
c) No sistema mixto dos precedentes.
Para os mesmos preços e qualidades de produtos será melhor o sistema que exigir maior dispersão de impostos, mais fácil cobrança, menor distância entre o seu pagamento ao Estado, e o seu reembolso do consumidor.
Na indústria livro, se a incidência recai sôbre a matéria prima, isto é, na tributação quási exclusivamente por meio de direitos alfandegários, as taxas a aplicar têm de ser muito mais elevadas do que em outro qualquer sistema.
Afora a instalação de armazéns alfandegados - de serviço e fiscalização complexa para impedir fraudes - o fabricante terá de ser onerado em épocas fixas do ano com largas somas despendidas muito antes da entrega ao consumidor do produto, e nestas circunstâncias a repercussão do imposto nos preços será muito gravosa.
Além do que, a grandes direitos alfandegários corresponde sempre grande desenvolvimento de contrabando e a taxação por pêso, uniformemente, será sempre grave injustiça pela diversidade de preço do produto.
Se a incidência se faz sôbre o produto já manufacturado, torna-se necessário criar uma fiscalização privativa junto das fábricas, que seria certamente dispendiosa, iludida, e ainda por cima acusada do vexatória.
Quer o Estado tivesse que pagar essas fiscalização privativa das fábricas, quer a estas aparentemente coubesse êsse encargo, sempre a receita da indústria para o Estado viria a sofrer.
Além do que é bem conhecido o êxito dos manifestos e dos exames às escritas.
A aposição de selos, ou cintas seladas, variáveis com o valor da mercadoria e por pesos determinados, não podendo ser nunca dispensada para a unidade de venda exposta ao público para consumo, é uma operação morosa, dispendiosa e sujeita a constante descaminho de imposto.
Exigiria boletins de entrada e saída, varejos, contas de fabricação, etc., como esteve já em uso nos Açores, apenas em fábricas de muito limitada capacidade, mas perfeitamente impraticável na dispersão de várias e importantes fábricas.
O que é pouco prático para os fósforos, cujas qualidades, dimensões e unidade de venda são fàcilmente regulamentáveis, seria uma pura ilusão fiscal aplicada aos tabacos.
A combinação dos dois sistemas compartilharia, por certo, dos defeitos de um e outro,
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A menor tributação alfandegária deminuiria o contrabando e o reflexo nos preços de uma grande antecipação de cobrança, mas a existência simultânea do imposto de consumo, por meio de sêlo, acarretaria despesas de fiscalização nas fábricas e fraudes que anulariam o benefício de cobrança alcançado.
Foi largamente experimentado entre nós o regime de liberdade de indústria com principal tributação na alfândega e imposição subsidiária sôbre o produto manufacturado.
A legislação que fixou e alterou os direitos por quilograma de tabaco é a seguinte:
[Ver tabela na imagem]
O crescimento dos direitos percebidos pelo Estado, como rendimento dos tabacos, durante esta época, provém não só do aumento do consumo como também, e principalmente, do acréscimo de direitos que a lei de 1871 agrava em cêrca de 10 por cento, e que a lei de 1879 agrava para cêrca de 32 por cento dos de 1864.
Quando o regime da liberdade de indústria cessou em 1888 verificou-se que a matéria prima manipulada nas fábricas excedia em mais de 00 por cento a importada.
Não contando com o ano de 1887, em que se fizeram largas importações, justificativas do período transitório para novo regime de exploração da indústria, o consumo aumentou cêrca de 1,5 por cento por ano e a importação de tabaco manufacturado conservou-se, em média, em 2,1 por cento de consumo total.
A receita que os 40.659:831 quilogramas de tabaco importado durante 1864 a 1887 produziram para o Estado equivaleu a 1$44 (escudos ouro) por quilograma.
O regime era classificado em 1888 como sendo aquele que melhor só prestava ao adicionamento de matérias primas baratas sucedâneas do tabaco, em vez de uma parte do peto dêste, à fraude no pêso das vendas ao contrabando de matérias primas e às importações anormais de tabacos manufacturados capazes de desviar o mercado do sabor de produção nacional.
Na Inglaterra, país onde o regime de liberdade vigora, desde há muito, a tributação é essencialmente feita na Alfândega, mas existem armazéns alfandegados de onde o fabricante retira a matéria prima só à medida que dela vai carecendo nas oficinas.
Apesar da sua situação geográfica, de isolamento, do respeito que há para com o Estado, Mac-Culloch afirma que o sistema faz perder a Irlanda 3/4 e na Inglaterra 1/4 da matéria para o fisco.
É o que aliás sempre sucede quando os direitos têm elevadas taxas.
Para aqueles que tanto falam nesse exemplo de regime é bom lembrar como até 6ase povo, normalmente sincero para o fisco, prevarica;, em matéria do tabacos, e como só com. o aperfeiçoamento industrial existente podem os preços suportar as taxas em vigor.
Há liberdade, é facto, mas não dispersão industrial.
A Companhia Imperial do Tabaco, que prospera, tendo distribuído, em 1923, 20 por cento de dividendo, e em 1924 cêrca de 22 por cento, livre de impostos, é uma verdadeira concentração industrial.
A receita dos tabacos é realmente muito elevada, mas êsse facto deriva das taxas e das reexportações feitas de matéria prima devidamente preparada, e de produtos manufacturados-
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O total das importações tem sido o seguinte:
1922 .... 83.182:000 quilogramas
1923 .... 77.830:000
1924 .... 82.802:000
O total das exportações tem sido:
1922 .... 12.000:000 quilogramas
1923 .... 13.050:000
1924 .... 12.600:000
com receitas sucessivamente em:
1922 .... £55.197:000
1923 .... £ 50.825:000
1924 .... £ 51.880:000
e com taxas de direitos na Alfândega que, ao câmbio da libra a 95$, perfazem para o tabaco em bruto cêrca de 106$ por quilograma; para os charutos e cigarros cêrca de 196$ por quilograma; para os tabacos picados corça de 132$ por quilograma;
Há restituição parcial de taxas para o tabaco entrado em regime de drawback e direito preferencial para as procedências dos domínios com benefício de 25 por cento.
O imposto de licença para venda de tabaco é do cêrca de 255 por ano, e os de fabrico vão de cêrca de 500$ até a produção de 9:000 quilogramas, a cêrca de 3.000$ para produção de 45:000 quilogramas.
Apegar desta prosperidade e da vantagem dêste regime, um suplemento ao jornal lhe Economist ainda se referia nos seguintes termos à indústria dos tabacos durante o ano de 1924:
"Tempo houve em que as fábricas de charutos estiveram fechadas três meses no ano. Neste último foi possível evitar esta indesejável necessidade.
Os compradores mostram preferência para adquirirem tabacos de melhores qualidades".
O que em Portugal sucedeu fica sintetizado dizendo:
A régie em 1888, ao implantar se, fez o inventário da liberdade de indústria.
Teve que receber péssima matéria prima, reconhecer que a falsificação acusava mais de 4/3 de tabaco do que o manifestado aos direitos, que das 26 fábricas só 4 bastaram ao consumo, e que o hábito de não dar trabalho aos operários era tal que teve para se acreditar, que reconhecer e garantir o dia de 8 horas.
Mas não basta que o sistema de cobrança seja simples e económico, que a tributação alfandegária não conduza ao descaminho de direitos e que o imposto de fabrico não semeio as fraudes fiscais.
O maior rendimento como receita do Estado, para uma determinada tabela de preços e garantia da qualidade dos produtos, exige ainda a economia de exploração industrial e o constante aperfeiçoamento industrial.
Estas duas condições só são realizáveis pela associação das fábricas, constituindo uma grande indústria, com comando único e capital de maneio abundante.
Essa concentração industrial, êsse capital abundante, torna-se possível tam somente com a exploração em bloco das actuais fábricas do Estado, e o valor financeiro de que essa concentração é susceptível, deminui certamente se lhe não fôr concedido o exclusivo da fabricação e venda de matéria prima manufacturada no país.
Só a grande indústria - em cartel ou em trust - satisfaz a estas condições, e entre nós o agrupamento de Fábricas do Estado realiza pràticamente uma concentração desta natureza.
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O retraimento do público, derivado das tam infelizes experiências de financiamentos prestados pelos Bancos a emprêsas industriais sem condições naturais de vida, não deixará de revelar-se, tanto maior quanto menor fôr a potência industrial do agrupamento a alimentar.
Sabe-se que as fábricas actuais produzem, satisfazem o consumo e remuneram suficientemente o capital; desconhece-se o que resultaria do livre jôgo da concorrência de fábricas isoladas.
Em toda a parte, mas ainda mais entre nós, o crédito da grande indústria é fácil e confunde-se com os restantes créditos. Na pequena indústria, pela forma aleatória das suas operações, pela falta de preparação básica dos seus dirigentes propensos a trabalhar às cegas, ora no mais injustificado optimismo, ora no mais cruel pessimismo, o crédito é deminuto, quási nulo.
E sem crédito, ou com créditos fortemente onerados com prémios de risco, nem há possibilidade de economia na exploração, quanto mais de aperfeiçoamento industrial.
Os lucros deminuem e com êles as receitas para o Estado.
Por outro lado, na liberdade de indústria, as fortes tributações que lhe são inerentes nunca poderiam ser convenientemente distribuídas no consumo, por forma a garantir-se lucros compensadores, visando principal monte a expansão do consumo e não o aumento do preço por unidade de venda que origine os lucros.
Êste justo equilíbrio é impossível de obter-se num país sem cultura industrial, e sem instinto de previsão, no meio de uma concorrência Tumultuosa.
Viria ou o tabelamento para iludir-se ou a fraude da qualidade e do pêso e sempre a desorganização do mercado e consequentemente as grandes oscilações da receita do Estado.
Presentemente as indústrias em exploração dos "adubos e sabões" e da moagem falam claramente.
Ou se convertem em monopólios de facto - sem fiscalização nem concorrência- ou asfixiados por um pêso morto resultante de excessiva capacidade de laboração para as exigências do consumo, apesar dos tabelamentos das indústrias acessórias de que se socorrem e dos entendimentos que se firmem, não gozam da prosperidade que desperte no público a ânsia de participar no seu financiamento.
A redução da importação de tabaco manufacturado é impossível de ser assegurada na indústria livre. Como volante acode sempre que o mercado sofre com alternâncias de produção.
E estas, sendo frequentes e descompassadas, favorecem as importações que desorganizam o mercado, alteram o gosto do consumidor e ferem o trabalho nacional.
A exportação, sendo consequência de um bom e cuidado fabrico em preços módicos, não pode realizar-se com dispersão industrial.
A certeza do preço de venda de um produto é o melhor incentivo ao desenvolvimento da sua cultura.
A liberdade (exemplo o da França, antes da régié) só faz desanimar os cultivadores coloniais.
Eesummdo, pois, financeiramente, a liberdade de indústria:
a) Pela elevada taxa alfandegária, conduz aos descaminhos de direitos muito importantes;
b) Pelo lançamento de impostos de fabrico, conduz a ama complexa cobrança, cara, e impotente contra a fraude;
c) Favorece a importação de tabaco manufacturado;
d) Dificulta a economia e o aperfeiçoamento técnico industrial e consequentemente o rendimento a colectar;
e) Torna impossível a exportação.
No regime de exclusivo concedido a particulares, a longo prazo, e em condições estipuladas, é evidente que pode dar-se plena satisfação às condições que foram referidas como necessárias ao sistema fiscal dos tabacos. É precisamente essa circunstância que faz chamar aos monopólios desta natureza monopólios fiscais. Nestes o bom rendimento fiscal pode ser garantido pela renda fixa, num mínimo, e pela renda variável
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da partilha de lucros; os preços são limitados no seu crescimento por cláusulas, a qualidade de produto pode ser eficazmente fiscalizada no regime de centralização que vigorará.
A uniformidade da produção afastará as entradas fortuitas de tabaco manufacturado no estrangeiro.
A indústria concentrada, sob comando único, com capital abundante e de preço módico pela segurança do emprêgo, com largo prazo para usufruir as vantagens do exclusivo, tende para administrar com economia, e para se aperfeiçoar tecnicamente a fim de melhorar o seu lucro.
A abundância dêsses lucros e a protecção do Estado acêrca do pessoal trabalhador leva-a a oferecer lhe bons salários e regalias.
A adequada orgânica de serviços de informação e estatística permite-lhe manter o justo equilíbrio, para recolha de melhor receita entre a elevação dos preços e as possibilidades de absorpcão do consumo.
Mas um monopólio legal deriva de um contrato em que o interêsse particular de quem deve ter a iniciativa, responsabilidade e lucro da empresa, se sujeita em determinadas condições a pagar o privilégio, provisoriamente, cedido pelo preço das rendas ajustadas.
Essas rendas são função do preço fabril, dos direitos sôbre tabaco manufacturado que geralmente se entregam ao concessionário, de várias isenções de direitos sôbre matérias primas, etc., e representam a cobrança fiscal da receita.
Resultam, pois, de um ajuste de interêsses particulares e gerais e baseiam-se numa situação económica e financeira de ocasião.
Se essas situações sofrem profundas modificações, o equilíbrio desfaz-se, e normalmente é o Estado que vê prejuízos avultados.
Mesmo que as condições não se alterem, não raramente as cláusulas se prestam a interpretações que iguais prejuízos acarretam.
A história dos nossos monopólios é a confirmação constante das vantagens e inconvenientes que lhes apontámos.
Durante o primeiro contrato de 1891 a 1905 a percentagem da produção estrangeira admitida no consumo foi apenas em média de 1,7 por cento, elevou o consumo médio a 2.267:202 quilogramas e distribuiu ao Estado cêrca de 52 por cento das suas receitas brutas de venda, o que equivaleu à tributação por cada quilograma de tabaco importado durante êsse período de ls§30 (escudos ouro).
Durante o segundo contrato de 1906 patenteiam-se em toda a clareza as qualidades e defeitos dêste regime.
No período de 1907 a 1914, durante o qual as condições à data da celebração do contrato se mantêm sensivelmente, a percentagem de produção estrangeira e encorporada no consumo nacional é de cêrca de 2,7 por cento; decrescendo, com a elevação de preços de 10 por cento, a média do consumo que se fixa em 2.173:555 quilogramas, tendo descido em cêrca de 25 por cento a venda entre o ano de 1906-1907 e o de 1907-1908; e distribuiu ao Estado cêrca de 64,6 por cento das suas receitas brutas de venda, o que equivaleu à tributação por quilograma de tabaco importado, durante êsse período, de cêrca de 2$13 (escudos-ouro).
Durante a guerra, e no período que se lhe seguiu -1914 a 1919 - altera-se a situação económica e financeira.
A produção estrangeira sobe para 3,4 por cento do consumo geral, a média dêste, que ia refazendo-se, retoma apenas o seu antigo valor, e atinge2.397:362 quilogramas; ao Estado é atribuído apenas, depois do decreto n.° 4:510 que permite aumento de preço, 58 por cento da receita bruta das vendas, o que equivale à tributação por quilograma de tabaco importado naquele período de 1$77 (escudos-ouro).
A nossa moeda entra em franco declínio, as taxas alfandegárias sôbre a produção estrangeira, que ao concessionário eram entregues, mantêm-se, e então a produção estrangeira atinge 19,5 por cento do consumo geral no período de 1919 a 1924, o consumo médio do mercado sobe para 2.991:710 quilogramas, mas o tabaco, abaixo preço, transpõe clandestinamente a fronteira, e o Estado, receoso de fixar em novas bases as
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cláusulas contratuais que não têm expressão harmónica com o valor da moeda, recebe no entretanto das receitas brutas das vendas cêrca de 27 porcento, o que equivale a uma tributação alfandegária sôbre quilograma de tabaco importado do $47,2 (escudos ouro).
E como o descalabro da receita é evidente e se levantam dúvidas sôbre a partilha de lucros assim fixada, celebra-se em Agosto de 1924 o contrato provisório com o concessionário, mas, apesar de todos os esforços feitos, a importação estrangeira, retida pelas novas pautas, desce para 3,3 por conto do consumo geral, a média dêste sobe para 3.351:097 quilogramas, mas a percentagem percebida pelo Estado fica em quási metade da primitiva, pois apenas vai até 34 por cento da receita bruta das vendas, equivalendo a uma tributação quilogramica de matéria prima importada de cêrca de $56 (escudos-ouro).
O exclusivo da indústria de fabrico e venda de tabacos, nas mãos do Estado, constitui a chamada régie, que é um monopólio fiscal.
E hábito corrente acusar todo o monopólio porque não progrida devido ao estimulante chamado a concorrência.
Já provámos com factos ocorridos no nosso País que nem há concorrência, nem monopólios absolutos.
Da luta comercial entre os povos outras provas podem ainda encontrar-se.
Debate-se neste momento não num pais, mas no mundo, entre emprêsas de nacionalidades diversas, o problema das carreiras marítimas,
A concorrência trouxe, pela de proporção entre a capacidade de transporte- e a carga transportável, a ruma financeira das emprêsas.
Teve que firmar-se um entendimento: promover a paralisação das construções, e a readaptação do existente à situação de facto criada.
E hábito acusar a administração das régies de atrasada, morosa, sem estimulo capaz de conduzir ao maior rendimento industrial e portanto de receita do Estado. Pior que todos os seus erros são as fraudes ao fisco, cometidas no regime de liberdade, e as injustas distribuições de lucros nos monopólios particulares, logo que as condições iniciais dos contratos sofrem, por qualquer motivo imprevisto, sensíveis alterações.
Entre nós houve administração por conta da régie de Junho de 1888 a Março de 1891.
E durante êsse período de trinta e três meses, havendo-se produzido receita equivalente a 11:499 contos, pode-se caracterizá-la por uma receita líquida anual de 4:174 contos equivalendo a uma tributação quilogrâmica na alfândega sôbre o tabaco importado de 1$87 (escudos-ouro).
Do exame das condições de aplicação que cada um dos sistemas de exploração da indústria dos tabacos encontra no nosso Pais, julga esta comissão poder concluir que a obtenção de uma segura e importante receita orçamental exige:
a) A continuação do regime de exclusivo para a indústria do fabrico e venda dos tabacos como monopólio fiscal;
b) A administração pelo Estado em régie, só ou em comparticipação, das actuais fábricas de tabacos, entregues pela companhia concessionária em 30 de Abril de 1926.
Falámos da Inglaterra quando estudámos o regime da uberdade, vamos sucintamente dizer o que se passa em Espanha com a chamada "renda dos tabacos".
Vigorou em Espanha o exclusivo por conta do Estado durante largo período e os débitos de fornecedores, pela má distribuição e regime de vendas, onerou sensivelmente as liquidações das contas; mas apesar dêstes contratempos a percentagem entre o cobrado e a receita bruta fôra dos últimos anos da exploração por conta do Estado a seguinte:
1879-1880 .... 68,12 por cento
1880-1881 .... 67,94
1881-1882 .... 68,42
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1882-1883 .... 70,68 por cento
1883-1884 .... 67,08
1884-1885 .... 62,70
1885-1886 .... 60,54
muito superior à que deu entre nós qualquer dos monopólios, e de 1891 e o de 1906.
O consumo, que em 1872 era de 10.000:000 quilogramas, elevava-se em 1882-1883 a 13.000:000 quilogramas. Em 1886 o Ministro Luís de Puigcervede resolveu arrendar a um concessionário o exclusivo em virtude de um importante problema financeiro que tinha a resolver, respeitante à unificação e redução do capital da dívida pública. Em concurso público, o Banco de Espanha, com um importante grupo financeiro espanhol e estrangeiro, tomou a adjudicação, emitindo um capital de 60 milhões de pesetas, do qual metade ficou em carteira no Banco, reservando a outra metade para o grupo financeiro e para o público.
Por êste contrato fixou-se a receita mínima em 95 milhões de pesetas e uma participação ao Estado que variava na seguinte escala:
95 a 100 milhões .... 50 por cento
100 a 110 milhões .... 60
110 a 120 milhões .... 70
120 em diante .... 80
A receita deu ao Estado por cada quilograma de tabaco em pesetas:
1887-1888 .... 1,386
1888-1889 .... 1,346
1889-1890 .... 1,255
1890-1891 .... 1,170
1891-1892 .... 1,300
1892-1893 .... 1,401
1893-1894 .... 1,516
1894-1895 .... 1,261
1895-1896 .... 1,346
1896-1897 .... 1,279
1897-1898 .... 1,358
1898-1899 .... 1,950
e a receita para o Estado foi em milhões de pesetas:
1901 .... 126
1902 .... 131
1903 .... 133
1904 .... 132
1905 .... 129
1906 .... 113
1907 .... 133
1908 .... 136
1909 .... 133
1910 .... 120
Novo contrato se fez em 1910, passando as receitas do Estado a ser em milhões de pesetas:
1910 .... 142
1911 .... 138
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1912 .... 149
1913 .... 152
1914 .... 151
O desequilíbrio da moeda trouxe novas alterações de preços e as receitas foram em milhões de pesetas:
1914 .... 151
1915 .... 151
1916 .... 162
1917 .... 167
1918 .... 166
1919 (um trimestre).... 40
1919-1920 .... 159
Em 1919-1920 nova modificação se fez no contrato; houve aumentos de preços e as receitas vieram para (em milhões de pesetas):
1920-1921 .... 153
1921 (um trimestre).... 43
1921-1922 (três trimestres) .... 143
1922-1923 .... 223
1923-1924 .... 245
1924 (um trimestre).... 64
19234-1925 .... 256
O Banco de Espanha, como se sabe, é um Banco particular, mas com forte ingerência do Estado na sua administração e fiscalização.
Vejamos como funciona na Suécia o regime de tabacos que realiza uma comparticipação de capital do Estado e do público.
Segundo oficio A-22, de 3 de Maio de 1924, dirigido ao Govêrno Português pelo nosso Ministro em Estocolmo, e em referência a telegrama que o Ministério de então lhe dirigiu em 27 de Abril de 1924, o regime é o do monopólio concedido a uma sociedade sueca por acções, com 46 milhões de coroas de capital social, das quais-29 milhões foram tomadas pelo Estado.
Às acções subscritas pelo público deu-se o nome de "privilegiadas" porque o Estado, para animar a subscrição, garantiu-lhes um juro ou dividendo mínimo de 4 */2 Por cento (equivalente à taxa oficial de desconto do banco emissor).
Nenhum dividendo pode ser distribuído antes de se terem retirado dos lucros 2 por cento para amortizações dos imóveis, 10 por cento para o de material e 10 por cento para o fundo de reserva.
A sociedade não pode transferir os seus direitos a terceiro sem autorização do Estado, e êste reservou-se o direito de denunciar o contrato, obrigando-se nesse caso a reembolsar ao par as acções em posse do publico, adicionando-lhe o dividendo do último exercício.
O conselho de administração compõe-se de 8 membros - 4 de nomeação do Govêrno e 4 eleitos pelos accionistas.
O presidente e vice-presidente são escolhidos pelo Govêrno de entre os eleitos, mas o director-gerente é do eleição e escolha directa dos accionistas.
O mérito da combinação está no facto de que o Estado nunca pode perder, porque recebe sempre o imposto que lhe apraz fixar e que lhe é pago pela sociedade, deixando a fabricação e venda a cargo da sociedade, cujos lucros também partilhará como accionista.
Os impostos que o Estado cobra são:
a) Direitos na alfândega;
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b) Imposto de consumo ou transacção;
c) Imposto sôbre aplicação de capitais.
Pagos êstes impostos, a remuneração do capital accionista faz-se na seguinte escala:
Quando às acções privilegiadas competir 6 por cento, o Estado recebe 6 por cento.
Quando competir 7 por cento, recebe 13 por cento.
Quando competir 8 por cento, recebe 22 por cento.
Quando competir 9 por cento, recebe 31 por cento.
A fabricação nacional é exclusivo da sociedade; a importação é apenas para os produtos manufacturados dependente de uma licença especial, do pagamento de direitos e de uma tabela de preços de venda - fixada pela sociedade com exclusivo da fabricação nacional.
Os descontos para a revenda são cêrca de doas vezes para os produtos manufacturados no estrangeiro o que se estipula para os de origem nacional.
Passemos agora a analisar e comparar as diversas propostas de lei que têm pretendido resolver o problema dos tabacos desde 1924.
A primeira é da autoria do então Ministro das Finanças Dr. Pestana Júnior.
Preconiza a liberdade de indústria e funda o sistema fiscal no pagamento de direitos alfandegários sôbre a matéria prima e de imposto sôbre o produto manufacturado.
Embora o não diga explicitamente, parece ser intenção criar um grémio para repartir a contribuição, que fixa num mínimo, o da renda percebida pelo Estado em 1913-1914, considerada em ouro e ao par.
Ora como essa renda foi de 6:520 contos ou £ 1.448:888, ao par a mesma renda ao câmbio de £=95$00 será de 137:644 contos e admitindo uma importação de 100:000 quilogramas para o consumo de 3.400:000 de produção nacional dever-se-ia distribuir um contingente de
137:644 - 8:800 = 128:844 contos
Era um cálculo feito com perfeito conhecimento do futuro, pois os elementos posteriormente obtidos provam que a afirmação de então, pobre de documentação, era uma síntese justamente amoldada a uma indústria, ao tempo, tida como insusceptível daquele rendimento.
A protecção de 20 por cento dispensada à indústria nacional parecia deficiente para os preços actuais dos produtos nacionais e estrangeiros.
A cultura do Douro e "a produção agrícola de mais quantidade de tabaco" em região que se não fixa-mereciam na proposta especial desvelo.
A cultura do Douro parece que não justifica essa atenção e a colonial, a desenvolver-se, merece na verdade que obrigatoriamente seja adquirida se a qualidade e a quantidade a recomendarem.
A reciprocidade de tratamento na metrópole e ilhas adjacentes para o tabaco manufacturado era, e é, de aconselhar.
Mas o que parece, pelo menos, confuso é a alínea e) do n.° 3.° do artigo 1.°, pela qual o tabaco das ilhas manufacturado e importado pela metrópole, teria não só a protecção de 10 por cento, como a de nova dedução equivalente à tributação que no mercado de origem houvesse sofrido à saída.
Podia-se, desta forma, à custa da protecção na metrópole, beneficiar indefinidamente as receitas de exportação dos arquipélagos adjacentes.
Parece ainda a esta comissão quê dificilmente se poderia permitir a venda das fábricas do Estado, e que o seu arrendamento, acrescendo à receita acima encontrada, cons-
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títuiria um monopólio de facto impossível de evitar, apenas, com a arrematação, em separado, em hasta pública.
A liberdade não era condicionada nem pelos preços do produto, nem fiscalizada pela unidade fixa do pêso de venda, nem corrigida pelos direitos ad valorem à mercadoria.
A sua cobrança era avultada e segura como receita, mas daria lugar a descaminhos de direitos na alfândega e a perturbações de pagamento como no tempo do grémio criado em Agosto de 1887.
A alienação, ou mesmo a arrematação por arrendamento das fábricas do Estado em proveito dos particulares, não só era para rejeitar como, permitindo-se as instalações de novas fábricas o ficando os arrematantes com os encargos do actual concessionário, provocaria a desordem industrial e acabaria pela vitória da importação do tabaco estrangeiro manufacturado.
Seguidamente foi presente em Fevereiro de 1926, pelo actual Ministro das Finanças, Dr. Marques Guedes, uma proposta de lei que preconiza o regime de exploração da indústria do fabrico e venda dos tabacos em exclusivo, administrado em régie.
Sôbre esta proposta é que incidiu o parecer da comissão de comércio e indústria, perfilhando-a esta comissão de finanças, com algumas alterações derivadas, umas da simples redacção para certas bases, outras da variante que já publicamente o actual Ministro das Finanças havia lembrado e que transformava a régie, descrita na proposta, por uma co-régie, em que o capital accionista do público comparticipará, por meio de delegados da sua assemblea geral, na administração e no conselho fiscal da indústria que virá a chamar-se "Tabacos de Portugal".
Aceitando as alterações apresentadas pela comissão de comércio e indústria, vamos completá-los, financeiramente, determinando como deve ser feita a comparticipação do capital accionista, isto é, condições e direitos da emissão, partilha de lucros e constituição de fundo de reserva permanente e variável.
Pela forma como então o Estado virá a delegar, em representantes do capital, a gerência - dando-lhe completa autonomia e imunidade contra pressões de ordem política - torna-se necessário acautelar melhor os interêsses do pessoal operário e não operário, e nestas condições adicionaria também esta comissão outras bases novas, deixando para a futura administração a liberdade de resolver acerca da melhor forma de, sem prejuízo dos princípios representados pelo sistema de distribuição e venda, promover a mais equitativa fórmula de partilha das comissões de revenda, bónus, etc.
Foi ainda apresentada como declaração de voto um contra-projecto da autoria do Sr. Deputado Aboim Inglês, o qual, embora o seu autor pareça ter querido reservar-se para a discussão para fazer a prova da sua economia e razão financeira, mereceu a nossa especial atenção.
Tivemos, contudo, para podermos tirar conclusões das taxas a aplicar aos diferentes produtos dos tabacos, que harmonizar a divisão dos tipos ou classes dêstes com os da pauta de 27 de Março de 1923 e nomenclatura actual, e que admitir que o consumo se não desviaria, dada a variedade de preços que pelo projecto se faria no mercado, o que é quási absurdo.
Ainda quando se tratou de nos "picados" arbitrar uma taxa média na alfândega, visto serem propostas taxas diferentes para os "picados ordinários" e "finos", se admitiu a mesma proporção nas vendas actuais, o que ainda parece absurdo mas favorável à tese defendida pelo seu autor.
No contra-projecto pressupõe-se a liberdade de indústria e portanto do estabelecimento livre de fabrico.
No emtanto no relatório frisa-se a conveniência de, provisoriamente, o Govêrno não permitir a criação de mais estabelecimentos.
Supõe-se o arrendamento das fábricas do Estado em laboração, e em dois grupos, separadamente para as do norte e sul do país, e não para o mesmo arrematante.
Assim parece admitir-se o princípio da concentração industrial, e, desejando evitar o monopólio de facto, apenas nominalmente tal se consegue, pois nunca poderia impedir-se o arrendamento único por um grupo financeiro e industrial embora sob designação diversa para as licitações
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No projecto nem se fixa a renda mínima para a licitação, nem a duração dêsse arrendamento.
Como já o demonstrámos, é o progresso técnico industrial uma das bases do melhor lucro e portanto da melhor receita a pedir pelo Estado.
Ora a duração, normal, de amortização de máquinas não é inferior a dez ou doze anos, e se, como no relatório se diz, o prazo do arrendamento fôsse de três a cinco anos - condenado estaria êsse factor do melhor rendimento do trabalho.
Se o arrendamento fôsse de dez a doze anos, seria orna limitação para o problema desvantajoso e híbrido da liberdade e monopólio de facto sem as compensações do monopólio legal do Estado ou de um concessionário.
Toma-se como sistema fiscal um mixto de tributação na alfândega à entrada da matéria prima, e de tributação à saída do produto do fabrico para o consumo.
É uma imagem do que se efectuava nos Açores pelo decreto de 8 de Outubro de 1885 o que se pretende realizar com o concurso do pessoal da Direcção Geral das Alfândegas.
Êstes impostos de fabrico sôbre o tabaco dos Açores caducaram com a lei n.° 1:368.
Reviveriam agora, não para pequenas fábricas, de fácil fiscalização, mas para uma capacidade de laboração de cêrca de 4 milhões de quilogramas.
Havia então, e passaria agora a haver para tornar efectiva essa fiscalização, registo de entradas e saídas de tabaco, nas oficinas e nos depósitos, registos de quebras e constantes varejos, etc.
O imposto de fabrico sendo ad valorem exigirá não uma cintagem e selos de volume equivalente ao pêso de 1 quilograma, mas selos ou precintas por unidade de venda ao público para complemento de fiscalização.
Voltaria o problema do tabaco reentrado na fábrica para beneficiar, que motivou a portaria de 10 de Março de 1888.
Apareceria a questão das quebras que seria injusto desprezar como a proposta o prevê, e seria uma causa de novas imposições disfarçadas.
Nos Açores essas quebras verificadas oscilavam de 3,4 a 5 por cento durante o regime já citado e para tal o tabaco era pesado à entrada no depósito, pesado à entrada das oficinas, e pesado à saída das oficinas para consumo.
Sempre muda de pêso, e o trabalho que esta verificação, feita a sério, produzirá, e a fraude que esta fiscalização, feita a iludir, Criará, não é motivo de dúvidas para ninguém.
A protecção de 15 por cento a dispensar aos tabacos produzidos na metrópole é, como se deduz dos quadros anexos, mais que reduzida - nula.
O exame dos quadros juntos, elaborados para as taxas fixadas e preços de fabrico para cada classe, equivalentes aos actuais, leva-nos n concluir que houve a preocupação de deminuir o preço de venda dos picados, elevar fracamente o preço médio de venda do conjunto de todas as classes, mas conseguindo:
a) Arruinar a produção nacional para outro produto que não seja o do "picado" ordinário - cuja qualidade baixaria ainda;
b) Basear o rendimento financeiro dos tabacos na imposição fiscal sôbre a produção estrangeira importada, embora de tal advenha grande drenagem supérflua de ouro;
c) Entregar aos particulares, de arrendamento, as fábricas do Estado adquiridas em nome, e por benefício, do interêsse geral;
d) Favorecer o comércio importador, em desproveito da indústria nacional e do trabalho do operário português.
Nestas condições, esta comissão não pode dai-lhe a sua aprovação.
Resta, ainda, averiguar da melhor aplicação da receita obtida pela indústria e veada dos tabacos.
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Esta comissão não pretende que com precipitações se procure mobilizar essa receita como no passado as crises financeiras o forçaram.
Felicita-se, mesmo, por poder pela primeira vez separar, e completamente, a questão fiscal, da financeira, o que só devia ser motivo de louvor aos homens que têm administrado a cousa pública, porque, a despeito de situações bem difíceis e de ofertas bem oportunas, nunca consentiram em ligar a sua responsabilidade a operações que em 30 de Abril de 1926 pudessem dar motivos para pressões de toda a ordem.
Mas há uma crise monetária na metrópole a legalmente regularizar; nas colónias, a de facto e legalmente acudir.
Há problemas instantes de fomento que quanto mais demorados de solução mais graves se tornam, e há a certeza de que os prestamistas exigem, para modicidade de taxas, garantias especiais.
Á progressão dos rendimentos ouro do Estado (receitas-ouro) cobrados nas alfândegas, afora sobretaxas, fundo marítimo e faróis, é de:
1922 .... £ 810:744
1923 .... £ 1.090:775
1924 .... £ 1.172:646
1925 .... £ 1.667:283
E os encargos totais da divida externa não atingem £ 1.000:000, das quais cêrca de 2/2 a converter em escudos.
Nestas condições esta comissão julga oportuno constituir na alfândega receita suplementar que, junta à que fica inteiramente livro; perfizesse cêrca de £ 1.000:000, para o que bastaria o pagamento de um direito de importação pelo tabaco em bruto à taxa de 1$ (ouro) em quilograma.
Findo êste exame das soluções alvitradas, é esta comissão de parecer que deveis aprovar a proposta apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças com as emendas indicadas pela comissão de comércio e indústria e com as que tem a honra de também vos propor para complemento da variante da régie que aquela comissão preconizou.
No artigo 1.° substituir a palavra "comércio" pela palavra "venda".
O artigo 2.° deve ser assim redigido: É fixado em 1:500 contos (ouro) o capital circulante que o Estado poderá empregar na exploração do fabrico e venda dos tabacos a que a presente lei se refere.
O capital vencerá o juro equivalente à taxa de desconto do Banco de Portugal acrescida de 50 por cento daquela taxa.
Acrescentar um artigo novo: Artigo 4.° O Govêrno poderá emitir, para realizar o capital circulante referido no artigo anterior, acções privilegiadas de valor nominal de 4$50 (ouro) e até a importância de 1:500 contos (ouro), as quais terão direito a um dividendo mínimo de 6 por cento, acrescido da importância que lhes couber da partilha de lucros líquidos em conformidade com o preceituado nas bases 1.ª-A e 7.ª
§ único. O pagamento do dividendo mínimo de 6 por cento das acções privilegiadas é assegurado com o rendimento liquido efectivo do fabrico e venda da Indústria dos Tabacos em Portugal, podendo, mediante autorização do Parlamento, o capital ser aumentado, no futuro, se as necessidades do desenvolvimento industrial assim o aconselharem e ficando ao Govêrno o direito de reembolsar cada acção ao par, pago o dividendo ainda não distribuído.
Acrescentar uma nova base:
BASE 1.ª-A
O capital social da Indústria dos Tabacos de Portugal será constituído por 9:000 contos (ouro), dos quais 5/6 serão representados no activo pelos bens referidos
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no artigo 2.° da proposta a que estas bases se referem, e 1/6 constituirá o capital circulante.
§ único. No caso de o Govêrno emitir, para realizar o capital circulante, acções privilegiadas de dividendo mínimo de 6 por cento, a partilha de lucros realizada de harmonia com a base 7.ª, para completar o dividendo dos accionistas privilegiados, será realizada sob as normas seguintes:
Para saldo de ganhos e perdas:
De 40:000 contos (dividendo global) .... 6 1/2 por cento
De 45:000 contos (dividendo global).... 7
De 50:000 contos (dividendo global).... 8
De 55:000 contos (dividendo global).... 9
De 60:000 contos (dividendo global).... 11
De 70:000 contos (dividendo global).... 13
De 80:000 contos (dividendo global).... 14
De 90:000 contos (dividendo global).... 15
De 100.000 contos (dividendo global).... 15,5
De 110:000 contos (dividendo global).... 16
Acrescentar à base 2.ª um parágrafo:
§ único. As sessões do conselho de administração assistirá, mas com voto apenas consultivo, o secretário-comissário a fim de se certificar do exacto cumprimento dos estatutos e regulamentos em vigor, poder apreciar a situação da indústria e particularmente o que se refira à aquisição de matérias primas.
A base 7.ª deve ficar assim redigida:
No dia 30 de Junho de cada ano económico o conselho de administração mandará proceder ao balanço e depois de abatidos todos os encargos referentes ao fabrico e venda dos produtos, remunerações dos conselhos de administração e fiscal, do capital accionista, e despesas gerais, separar-se há do saldo de ganhos e perdas:
a) 0,5 por cento para o conselho de administração;
b) 0,175 por cento para o conselho fiscal;
c) 0,2 por cento para o pessoal não operário;
d) 0,4 por cento para o pessoal operário;
e) 2 por cento para fundo de reserva permanente destinado a constituir capital suplementar até 20 por cento do capital emitido;
f) 2 por cento para fundo de reserva variável destinado a amortizar prejuízos da massa geral de valores da indústria e a aperfeiçoamentos técnicos;
g) A importância necessária para completar o dividendo a que os accionistas tenham direito nos termos da base 1.ª-A.
A base 8.ª acrescentar dois parágrafos:
§ 7.° São mantidas as Caixas de Reforma e de Socorros existentes e com regime de obrigatoriedade para todo o pessoal operário e não operário..
§ 8.° As vagas que ocorrerem nos quadros do pessoal não operário só poderão ser preenchidas por funcionários do Estado, observando-se o disposto no § 1.° da presente base.
A base 12.ª deve acrescentar-se um parágrafo:
§ único. Ouvido o conselho fiscal e o secretário-comissário.
A base 13.ª deve acrescentar-se um parágrafo novo:
§ 3.° Para defesa da indústria as licenças para a venda de tabaco estrangeiro, quer por grosso, quer a retalho, só poderão ser concedidas a quem venda tabaco de fabricação nacional, devendo ter dêste um regular abastecimento exposto ao público.
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A base 16.ª deve ser assim redigida:
"... pela administração dos Tabacos de Portugal para as fábricas do Estado e mediante o pagamento de 1$ (ouro) por quilograma".
A base 17.ª deve ser assim redigida:
Para efeitos de fiscalização técnica são mantidos os serviços da secretaria da fiscalização dos Tabacos com todas as actuais atribuições e aquelas que venham a ser decretadas, devendo os funcionários do quadre, bem como aqueles que na mesma secretaria prestem serviço e não possam ser dele dispensados, ser incluídos nos quadros do pessoal da administração dos Tabacos de Portugal, com todas as regalias que a lei lhes confere, e considerados como os mais antigos dentro das respectivas categorias.
§ 1." Exceptuam-se desta disposição os actuais secretário-comissário da fiscalização dos Tabacos e o comissário do Pôrto, que continuam no desempenho das funções que exercem ou daquelas que lhes vierem a ser determinadas em diploma especial, além das que desempenhe junto do conselho de administração o secretário-comissário.
§ 2.° O pessoal considerado indispensável para os serviços da secretaria da fiscalização dos Tabacos será requisitado à administração dos Tabacos de Portugal pelo secretário-comissário mediante proposta do mesmo funcionário, aprovada pelo Ministro das Finanças.
§ 3.° Um dos actuais inspectores servirá de comissário adjunto.
A base 18.ª deve ficar assim redigida:
Todas as despesas com os serviços da secretaria da fiscalização dos Tabacos serão custeadas pela administração dos Tabacos de Portugal, que as inscreverá no seu orçamento e as liquidará do mesmo modo que as da administração central.
MAPA I
Regime de liberdade
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(a) Média anual da consumo.
A percentagem de tabaco estrangeiro importado foi de 2,1 por cento.
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MAPA II
Vigência da "régie"
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A percentagem de tabaco estrangeiro importado foi de 2,5 por cento.
Recebeu cêrca de 600:000 quilogramas da indústria livre.
Entregou cêrca de 1040:000 quilogramas à Companhia dos Tabacos de Portugal, pelo preço de $17(9) o quilograma.
Começou em liberação em Junho de 1888. Cessou a laboração em 1 de Abril de 1891.
MAPA III
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A percentagem de tabaco estrangeiro importado foi de 1,6 por cento.
MAPA IV
Monopólio de 1907-1926
[Ver mapa na imagem]
a) A percentagem é de 2,2 por cento.
(b) A percentagem é de 2,9 por canto.
(c) A percentagem é de 16 por cento.
(d) A percentagem é de 3 por cento.
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MAPA V
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MAPA VI
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MAPA VII
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Observações. - Nos preços de fabrico compreende-se: ordenados do pessoal de fabrico, salários, armazenagem e depósitos, reparação de máquinas, quebras em armazém, transportes, água, sal, luz e carvão em 1924-1925. - Salários e horas extraordinárias: despesa 17:875 contos.
MAPA VIII
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MAPA IX
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Cálculo financeiro da "régie"
Preços actuais de venda
[Ver tabela na imagem]
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A Cálculo financeiro do contra-projecto Aboim Inglês
Consumo de produção nacional 3.400:000 quilogramas.
Consumo de produção estrangeira 100:000 quilogramas.
[Ver tabela na imagem]
Preços por que deveriam vender-se os produtos suportando os direitos referidos e supondo que nenhuma renda se levava pelas fábricas
[Ver tabela na imagem]
Comparação dos preço" dos produtos actuais e da contra-proposta
[Ver tabela na imagem]
Resultado.- O mercado seria totalmente servido pelo tabaco importado já em manufactura.
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Protecção pautal projecto Aboim Inglês - Câmbio £ 94$50
[Ver mapa na imagem]
Resultados para a indústria - Proposta Aboim Inglês
[Ver mapa na imagem]
Por êste mapa se verifica que:
a) Nos picados a importação do estrangeiro e favorecida por quilograma em
(5$07 - 3$48) = 1$59
b) Nas cigarrilhas a importação do estrangeiro é favorecida por quilograma em
(28$50 - 19$00) = 9$50
c) Nos cigarros a importação do estrangeiro é favorecida por quilograma em
(18$99 - 2$65) = 16$34
d) Nos charutos a importação do estrangeiro é favorecida por quilograma em
(19$50 + 15$15) = 34$65
e) Nos rapés a importação do estrangeiro é favorecida por quilograma em
(5$35 + 21$36) = 26$71
Sala das sessões da comissão de finanças, 29 de Março de 1926. - Daniel Rodrigues - Amilcar Ramada Curto (vencido) - Lourenço Correia Gomes - João Tamagnini (vencido, com declarações) - Manuel da Costa Dias - João da Cruz Filipe - Felizardo António Saraiva - José Carlos Trilho - Carlos Soares Branco, relator.
Proposta de lei n.° 38-A
Senhores Deputados. - Findando em 30 de Abril do corrente ano o exclusivo do fabrico e venda dos tabacos no continente da República, adjudicado pela lei que aprovou o contrato de 8 de Novembro de 1906, tem o Parlamento de definir e regular o novo regime fiscal daquela indústria e comércio a partir de 1 de Maio próximo futuro.
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O monopólio privado foi o regime da decidida preferência da monarquia constitucional, porventura menos por preocupações doutrinarias do que pela necessidade premente de acudir aos apertos frequentes das suas crises financeiras.
Um dos decretos de Mousinho estabeleceu o monopólio dos tabacos, preceituando que "o tabaco seria vendido por conta do Estado, quer por arrematação a contratadores, quer por administração directa".
Mas, depois de sucessivos diplomas legais mandando proceder à arrematação do tabaco, o decreto de 30 de Junho de 1844 liga essa arrematação à condição de um empréstimo de 4.000 contos, com a declaração expressa de serem recebidas as letras e obrigações do Tesouro como dinheiro nas prestações em que o empréstimo houvesse de realizar-se.
Esta última cláusula seria estranha se as dificuldades financeiras do Estado a não explicassem.
Criava-se com ela uma situação de privilégio no concurso da arrematação para os credores do Estado, que podiam realizar o empréstimo fàcilmente com os títulos do próprio crédito. "Os encargos orçamentais, escreve, a propósito, Oliveira Martins, e os encargos novamente criados com o plano de construção de obras públicas pareceram aos estadistas justificar o aumento dos impostos, aumento que propunham encoberto sob a forma de uma reorganização das leis tributárias, que era com efeito uma das urgentes necessidades contemporâneas".
O dinheiro do empréstimo dos 4:000 contos já a monarquia liberal o tinha recebido; pagava-o com a arrematação do monopólio dos tabacos.
Constituíu-se então a companhia do contrato do tabaco, sabão e pólvora, que arrematou os exclusivos por doze anos e pelo preço anual de 1:521 contos.
Depois do crédito de 1865 e da carta de lei de 13 de Maio de 1864, segue-se uma política fiscal titubeante e estabelece-se e remodela-se consta e temente um regime híbrido de liberdade e de restrições, ora mandando fazer arrematações extraordinárias do exclusivo, ora tributando fortemente os tabacos e estreitamente restringindo o número e o labor das fábricas.
As exigências orçamentais determinavam as oscilações desta política incoerente.
Em 1888 entra se no terceiro período da exploração dos tabacos e êste período é francamente dominado pelo sistema do monopólio.
Apressada em liquidar ràpidamente o regime da régie, que, onerado de começo com o encargo pesadíssimo das expropriações, não dava os réditos que trouxessem alívio às necessidades aflitivas do Tesouro, a monarquia liberal tinha pressa (precipitação, escrevia Fuschini) em voltar ao monopólio, enganchado nas cláusulas de um empréstimo salvador.
A proposta de lei de João Franco, em 14 de Setembro de 1890, tinha já preparado o terreno.
Pelo contrato de 26 de Fevereiro de 1891, era emfim o monopólio do tabaco adjudicado a uma companhia, mediante um empréstimo, negociado em condições deploráveis.
Êsse empréstimo seria de 36:000 contos, amortizáveis no prazo de 85 anos.
O pagamento das anuidades de juro e amortização tinha hipoteca especial sôbre a renda fixa a pagar pelo concessionário do exclusivo.
Comentou-se então, o com verdade, que o contrato estabelecia um puro côntrole em que se dava à companhia o direito de reter as rendas devidas emquanto lhe não fossem pagos os juros e amortizações do empréstimo.
Mas, mau grado a viva oposição que suscitara, o contrato foi aprovado pelo Parlamento, o Ministro da Fazenda declarava-o indispensável e todos estavam no fundo convencidos dessa triste verdade. E nem assim a bancarrota se evitou ...
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A partir de então, as necessidades do Tesouro complicam a questão inextricàvelmeate. A conversão das obrigações de 4 1/2 por cento das leis de 23 de Março de 1891 e 21 de Maio de 1896, que seria a medida preliminar da rescisão do contrato, foi comprometida pelas necessidades financeiras, que obrigavam os Governos a negociar a novação do monopólio com a Companhia dos Tabacos.
Como escreveu alguém, desde que se levou a efeito o exclusivo dos tabacos do contrato de 1891, assumiu o contrato dos tabacos uma gravidade especial: a remissão do monopólio complica-se com a operação financeira.
Outra tem de ser a política fiscal da República quanto à exploração da indústria e comercio dos tabacos.
Ninguém pode já, nesta altura, defender a renovação do monopólio privado.
A guerra aos monopólios foi pregada na propaganda republicana como uma das suas reivindicações fundamentais.
Extinguindo o exclusivo dos tabacos, quando mais se não conseguisse, salvavam-se os princípios, e há sempre qualquer cousa de ganho moral e politicamente quando os princípios se salvam.
A própria vantagem - é a única! - que a monarquia liberal lhe achou e alguns teimam ainda em descobrir-lhe, homos de considera Ia um mal.
Podia, com efeito, efectuar-se sôbre a renovação do exclusivo dos tabacos uma operação financeira, que por algum tempo dêsse um grande desafogo às finanças do Estado?
Mas, se é certo que tal desafogo não deixaria de trazer consigo o regabofe, inevitável quando o Estado tem fartas disponibilidades e clientelas ávidas a servir, não é menos certo que os efeitos imediatos de tal operação financeira na economia nacional seriam inevitavelmente desastrosos.
Provocando os milhões de um empréstimo dos tabacos uma rápida valorização do escudo, a crise económica, que já nitidamente se desenha, tornar-se-ia, sem exagero, aflitiva e desesperada. Creio que já não há ninguém que, à vista do que se vai passando, deseje loucamente uma valorização rápida da moeda que, prejudicando quási todos, a ninguém viria afinal a aproveitar.
Em troca dêsses males, a renovação do monopólio nenhuma vantagem nos traria e daria maior alento a um potentado financeiro, cuja acção em meio tam pequeno não poderia deixar de continuar a ser perturbadora.
Abandonada a miragem do ouro, que daria o sinal da orgia, dado que dificilmente êle se iria com escrúpulo inverter na obra vasta de fomento nacional a realizar, é menos sedutora, mas mais prudente, a idea sã de que é com as pratas da casa e com o nosso esfôrço que é mester valorizar a terra e a grei.
A régie dos tabacos é, em princípio, a solução preferível para a sua exploração.
Compraz-se com ela a corrente socialista, que vai irresistivelmente alargando a esfera da acção do Estado na vida económica. Mas mais burguêsmente nela se encontram empenhados os compromissos das tradições republicanas. No Parlamento da monarquia, quando se discutia a eterna questão dos tabacos, pela boca dos Deputados republicanos se afirmava que, sendo mester que ao Estado voltasse o que do Estado era, a régie dos tabacos seria o regime fiscal a adoptar dentro da República.
Se a liberdade, de facto, está dentro dos imortais princípios de 1789, não esqueçamos que as exigências económicas da sociedade actual, tendo quebrado há muito os
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quadros da Democracia individualista, saída da Grande Revolução, reclamam hoje uma organização democrática nova, uma - como direi? - democracia orgânica, em que o Estado não pode continuar a ser a fôrça omnipotente, mas indiferente e inerte, ante a poeira dos indivíduos desarmados contra a prepotência das organizações económicas capitalistas.
Bem podemos afirmar que a liberdade económica já não existe.
Nas relações internacionais, por exemplo, não há hoje tempo para bradar em prol de um livre cambismo, que em país algum existe, pois todos êles, incluindo a Inglaterra, são mais ou menos proteccionistas.
Na ordem interna, o princípio de liberdade de trabalho, que orienta e informa todas as legislações industriais, sofre na prática as mais variadas restrições.
Se essa liberdade se manifesta pela liberdade na escolha da profissão dos lugares do trabalho, dos processos a adoptar nesse trabalho e na aquisição dos bens que o tornem possível ou o facilitem, a verdade é que nem há a absoluta liberdade de escolher a profissão, nem a de manter a oficina onde aprouver ao industrial nem a de escolher os processos ou adquirir os bens que os tornem viáveis.
Os graus de capacidade adquiridos nas escolas, a legislação que regulamenta a localização e funcionamento de várias indústrias, mormente das incómodas, insalubres, tóxicas e perigosas, e as condições do exercício de todas as indústrias, quer quanto à utilização dos elementos naturais, quer quanto à higiene e segurança dos operários e das oficinas, são outras tantas restrições, algumas verdadeiramente proibitivas, daquela liberdade de trabalho, tam dominante e sedutora... em teoria.
Neste caso particular dos tabacos a experiência da liberdade de indústria já foi feita com resultados pouco animadores.
O objectivo que, com a lei de 1864, Lobo de Ávila pretendera,, de aumentar os rendimentos do Estado, não pôde ser atingido.
As tarifas tiveram de ser sucessivamente aumentadas. E reconhecendo-se afinal que no mundo económico como no mundo físico as resultantes de pequenas fôrças dispersas não podem jamais atingir em intensidade e grandeza a duma grande e única fôrça, teve de começar a caminhar-se, de restrição em restrição, para a concentração industrial, que veio a fazer-se nas mãos do Estado com a régie de 1888.
Estabeleceram-se, com efeito e sucessivamente, diversas disposições restritivas, relativamente ao estabelecimento das fábricas no continente, declarando caducas desde a data do decreto as licenças estabelecidas pelos decretos de 21 de Outubro de 1863 e 22 de Dezembro de 1864, concedidas a fábricas de tabacos que há mais de três meses tivessem interrompido a sua laboração; não se permitiram, até ulterior resolução do Poder Legislativo, o estabelecimento de novas fábricas no continente do reino, a ampliação ou modificação das existentes ou a reabertura das que há mais de três meses tivessem interrompido a sua laboração. Medidas que não foram mais que o preliminar da reintrodução do monopólio ... O mesmo sucedeu com os fósforos.
O concurso do exclusivo do fabrico dos fósforos, autorizado pela lei de meios de 1891, tendo como base de licitação a ronda anual líquida, para o Tesouro, de 2:500 contos, ficou assente.
Viveu-se em regime de liberdade. Pois apesar de todas as medidas de garantia que sucessivamente se tomavam, desde o regime da avença para as fábricas até o da selagem dos fósforos, os rendimentos do Estado iam caindo de 103 contos, números redondos, em 1893 para 80 em 1894 e 41 em 1895!...
E em face da crescente escassez das receitas dos fósforos, propôs Hintze Ribeiro o seu monopólio num contrato pouco feliz, que, tendo imposto ao concessionário do exclusivo o encargo da expropriação das fábricas, preparou as dificuldades, ainda hoje quási insuperáveis, para uma solução capaz a adoptar para o fabrico e venda dos fósforos.
Será necessário demonstrar que, a tam curto prazo da sua promulgação, a liberdade proclamada pela lei n.° 1:770 mostrou já à saciedade a sua inviabilidade lamentável?
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Resta a solução da régie do Estado, em regime de completa autonomia administrativa e financeira.
Em 8 de Outubro de 1906 o partido republicano, pela boca dos seus Deputados: afirmava na Câmara que a liberdade de indústria dos tabacos e dos fósforos era inviável, porque, decretada ela, ficavam as companhias exploradoras senhoras do mercado,
E na moção então apresentada terminava-se por se reconhecer "a necessidade de se fazer voltar ao Estado a administração dos tabacos, sob a forma da régie".
Não é, pois, procurando estabelecer a liberdade, mas a régie, que se honram as tradições e os compromissos da oposição republicana.
De resto, não se pode dizer com justiça que entre nós se tenha feito já uma verdadeira experiência da régie.
Não há dúvida de que a carta de lei de 27 de Maio de 1888 implantou um regime, a que chamou, régie, dispondo que o fabrico dos tabacos no continente seria feito exclusivamente por conta do Estado.
Para as indemnizações, capital fixo e circulante, liquidação de contas de transição e mais pagamentos legais, poderia o Govêrno levantar até à quantia de 7:200 contos, emitindo para isso obrigações amortizáveis no prazo máximo de 50 anos, com encargo não excedente a 432 contos anuais para juro e amortização, e que ficaria a cargo da administração do fabrico dos tabacos.
O decreto de 13 de Agosto do mesmo ano mandava criar pela Direcção Geral da Dívida Pública 390:000 obrigações de 90$000 réis cada uma, no total nominal de 35:100 contos, destinados à expropriação das fábricas do Estado no continente e ao pagamento das despesas extraordinárias do exercício corrente, resgatando em 1 de Outubro as obrigações do empréstimo de 5 por cento de 1881 e declarando que as mesmas obrigações seriam ao portador com vencimento de juro de 4,0 por cento ao ano, a contar de 1 de Outubro de 1888.
A amortização devia efectuar-se dentro do período de 75 anos, e, assim como o juro, seria paga semestralmente, depois de decorrido o primeiro semestre, vencido nos dias 1 de Abril e 1 de Outubro de cada ano.
Tal o formidável "peso morto" com que a régie em 1888 tinha de começar a sua exploração. Junte-se a isto a, quantidade de tabaco que teve do comprar a mau preço aos expropriados e com que teve trabalho para um ano inteiro; junte-se o contrabando de tabaco, que se fez em larga escala pela fronteira terrestre, e compreender-se hão as dificuldades tremendas com que a régie teve de haver-se na sua administração.
Acrescia a circunstância de ela ser uma régie incompleta, unilateral, pois, concentrando nas mãos do Estado a exploração industriai, deixava livre o comércio, que podia ser uma mais abundante fonte de lucros que o próprio fabrico.
Pois, apesar disso, se quisermos considerar esta tentativa como uma experiência de régie, porque não confessar que ela não deixou má recordação na nossa história financeira?
Em quási todos os países a régie dos tabacos tem a mais velha tradição.
Na França, na Inglaterra, na Áustria, na Espanha, pode datar-se da segunda metade do século XVII. A Itália, desde a soa unificação, monopolizou para o Estado o fabrico e venda dos tabacos.
Entre nós, desde os primeiros tempos, a venda de tabacos foi exclusiva da Coroa e feita por estanque.
Ninguém contesta que a grande receita que se pode tirar do tabaco sai de uma imposição fiscal que é inofensiva e moral.
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O tabaco não entra no fabrico de nenhuma outra indústria; onerando-o, não se agrava nenhuma outra indústria.
De resto, o uso do tabaco não é em boa verdade útil ao homem; dizem mesmo que êle tem efeitos nocivos sôbre a saúde física e intelectual do fumador. E, sobretudo, o imposto, pesado embora, sôbre o consumo do tabaco é um imposto voluntário.
É justo por isso pedir-lhes grandes receitas.
Pois, com direitos muito elevados (escreve mestre Leroy Beaulieu) "o monopólio governamental é o único processo para ter produtos capazes, higiénicos e não sofismados".
Êste facto é fora de dúvida.
Nas discussões do Parlamento alemão em 1877 e 1878 sôbre o imposto do tabaco, o seu vice-presidente, von Stanffenberg, dizia: "Nós outros, fumistas, sabemos que fumamos, mas estamos longe de saber o que fumamos: o emprego de sucedâneos do tabaco pratica-se já agora em tam larga escala que se podia fazer toda uma lição de botânica sôbre os vegetais que se juntam nos nossos cigarros e charutos, desde a folha de beterraba à da cordeira.
Que será quando o tabaco fôr sobrecarregado com uma taxa de 55 e de 75 por cento!".
Os direitos em França são bem mais elevados do que aquele de que falava o orador do Keichstag, e os produtos são puros.
Eis aí um grande argumento em favor do monopólio:
"Quando se trata de uma matéria tam. simples, como o tabaco, que só exige cuidado e lealdade, de um produto que é, de resto, nocivo, o monopólio não é uma má cousa, sobretudo quando produz 290 a 300 biliões líquidos ao Estado".
Quando aqui se fala em monopólio entende-se, é claro, monopólio fiscal do Estado, porque só êle garante os tais produtos capazes, higiénicos e não sofismados, de que fala o grande economista francês, tam estruturalmente individualista. Só o Estado pode auferir dos tabacos uma grande receita e garantir a genuinidade dos produtos, sem a preocupação do dividendo ao accionista exigente e voraz.
E certo que contra a régie se repete o argumento de que o Estado é mau administrador - argumento simplista, comenta o italiano Nitti, economista e homem de Estado.
Entre os indivíduos que lutam no interêsse próprio e o Estado, não há dúvida de que a superioridade está do lado do primeiros; mas entre o Estado e a grande sociedade anónima, em que os accionistas se contam por milhões sem saberem mesmo o carácter da exploração industrial, de cujos lucros participam, poder-se há dizer que seja grande a diferença?
A luta entre as grandes emprêsas industriais torna-se dia a dia mais perigosa e de dia para dia se atenua a antipatia contra certas espécies de monopólios fiscais.
A proposta de lei que tenho a honra de apresentar ao vosso estudo e discussão, estabelecendo a régie dos tabacos no continente da República, ao mesmo tempo que procura evitar o grande inconveniente da de 1888, tenta desviar de sôbre a sua gerência os maiores perigos da pletora burocrática, que é de uso assacar-se às administrações do Estado.
Por isso se proclama a régie industrial e comercial.
Entrando na posse das fábricas e instrumentos de trabalho, nos termos contratuais, recebe o Estado a exploração industrial já montada.
Adaptando à sua exploração a organização comercial da Companhia e que esta, em grande parte, aproveitou dos regulamentos da régie de 1888, o Estado faz, pela sua administração, todo o comércio dos tabacos, com as garantias especiais da cobrança coerciva dos seus créditos pelos processos da cobrança e execução fiscal - tam firmado está já em direito financial o princípio do que as relações jurídicas entre as régies e
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os vendedores dos seus produtos são do domínio do direito público financeiro - devendo, por isso, ser julgados exclusivamente segundo as regras daquele direito e regulados pelos órgãos da administração financeira do Estado.
Para evitar a inércia de acção burocrática e a pletora dos quadros do pessoal, estabelece a proposta a intervenção na administração de representante dos organismos comerciais e industriais. E no conselho fiscal dando satisfação às suas modernas reivindicações sociais, abre-se lugar a um representante do pessoal, a êste se reservando também, uma larga percentagem nos lucros de cada exercício.
Sobretudo procura organizar-se uma régie autónoma com a mais ampla autonomia administrativa e financeira.
Todo o pessoal se recruta e mantém no regime contratual, que é, de resto, aquele que tende, mesmo nos serviços do Estado, a dominar o estatuto de todo o funcionalismo.
Mantêm-se os quadros actuais do pessoal, que pode ser deminuído mas nunca aumentado.
Procura-se, na medida do equitativo, respeitar as situações legitimamente adquiridas, mas deixam-se à administração os braços livres para actuar no sentido da maior produção e do maior lucro.
Tenho a convicção de que nenhum outro regime poderá, como êste, servir os interêsses fiscais do Estado. O consumo do tabaco em Portugal é pequeno, não devendo exceder, em média, 3 milhões de quilogramas anuais. A nossa capitação de consumo de tabaco é das menores da Europa.
Não é, porém, exagêro supor que o rendimento do tabaco num país em que (apesar da larga importação e consumo de tabaco estrangeiro) a companhia respectiva paga ao Estado mais de 71:000 contos de renda anual, e ainda colhe lucros com que beneficia largamente os seus accionistas em pingues dividendos, possa atingir uma média de 100:000 contos anuais.
É supérfluo lembrar como tal receita pode trazer um poderoso auxílio à tarefa de saneamento financeiro que vimos realizando com um esfôrço que seria imperdoável injustiça negar.
Receio que o regime da liberdade disperse e enfraqueça tal receita.
Mas ao vosso patriótico arbítrio, Srs. Deputados, fica a escolha dos meios que vos antolharem os mais úteis aos interêsses do Estado o à economia nacional.
Não é justo, porém, terminar as ligeiras palavras dêste relatório sem acentuar que é a primeira vez que sucede abrir-se um novo período de exploração dos tabacos sem se encontrarem penhoradas as suas rendas.
E êsse, através de iodas as acusações, um dos títulos de honra da administração Republicana.
Proposta de lei
Artigo 1.° O fabrico e comércio de tabacos no continente da República ficam sujeitos, desde 1 de Maio de 1926, às disposições das bases anexas à presente proposta de lei, da qual fazem parte integrante.
Art. 2.° Naquela data o Estado entrará na posse dos prédios, fábricas, armazéns e suas dependências, utensílios e maquinismos que estiveram durante o prazo da
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concessão, que na mesma data finda, no usufruto gratuito da Companhia dos Tabacos do Portugal, quer os citados bens provenham da entrega feita à Companhia pela antiga Administração Geral dos Tabacos em execução das bases anexas à lei de 23 de Março de 1891, quer tenham sido adquiridos posteriormente.
Art. 3.° É fixado em 15:000 contos o capital circulante que o Estado poderá empregar na exploração do fabrico e comércio dos tabacos a que a presente proposta de lei se refere. Aquele capital vencerá o juro que fôr fixado em 30 de Junho de cada ano para a dívida flutuante.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrário.
BASE 1.ª
O fabrico e comércio de tabacos no continente da República, com a ressalva expressa na base 14.ª, constituirá um serviço fabril e comercial do Estado com plena autonomia administrativa e financeira, denominado "Tabacos do Portugal", e gerido por um conselho de administração, sob a inspecção de um conselho fiscal.
BASE 2.ª
O conselho de administração será composto de õ membros, nomeados pelo Govêrno, e dos quais um, que será presidente, e outro, vogal delegado e secretário do conselho, serão da livre nomeação do Govêrno; o terceiro será um representante da Procuradoria Geral da República; os restantes serão escolhidos de entre os indicados em lista tríplice pelas associações comerciais e industriais de Lisboa e Pôrto.
BASE 3.ª
O conselho fiscal será assim constituído:
1 presidente, que será um representante da Direcção Geral da Contabilidade Pública;
1 representante do Conselho Superior de Finanças, que servirá de secretário;
1 vogal eleito pelo pessoal operário e não operário;
1 vogal eleito pelo Senado;
1 vogal eleito pela Câmara dos Deputados.
BASE 4.ª
Os conselhos de administração e fiscal servirão por períodos de três anos económicos, podendo ser reconduzidos os seus membros. Se no decorrer do triénio se der alguma vaga nos conselhos, quem a preencher terminará o seu mandato no fim dêsse triénio.
BASE 5.ª
O presidente e vogais do conselho de administração perceberão mensalmente o vencimento, que por lei competir ao cargo de director geral do Ministério das Finanças, competindo mais ao presidente e ao vogal delegado o secretário as gratificações mensais de 2.500$ e 2.000$ respectivamente.
O presidente e vogais do conselho fiscal receberão em senhas de presença 100$ por sessão até o máximo do 48 sessões em cada ano.
§ único. O presidente e vogal delegado do conselho de administração prestarão a caução de 50.000$ cada um.
BASE 6.ª
As funções de presidente e de vogal delegado do conselho de administração, são incompatíveis com as funções legislativas e as de quaisquer cargos, ainda que do eleição, dos corpos ou corporações administrativas, e serão inacumuláveis com as de
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qualquer outro emprego do Estado ou comissão de serviço público, bem como com as de cargos fiscais e administrativos em quaisquer sociedades civis ou comerciais. As funções dos restantes vogais do conselho são inacumuláveis com as de qualquer emprego do Estado ou comissão de serviço público.
§ 1.° O empregado público que aceitar a sua nomeação para o conselho de administração passa à situação de licença sem vencimento, deixando vago o respectivo cargo, mas contando-se-lhe, para efeitos de aposentação no mesmo cargo, todo o tempo que servir no referido conselho, mediante o pagamento das respectivas cotas para o Cofre de Aposentações.
§ 2.° Findas que sejam as funções do conselho de administração para que tiver sido nomeado é aplicável a êsse empregado o disposto no artigo 10.° da lei de 14 de Julho de 1913, devendo, emquanto não mudar de situação, o vencimento, a que tiver direito, ser-lhe, pago pela Administração dos Tabacos de Portugal.
BASE 7.ª
As contas da Administração dos Tabacos de Portugal serão organizadas por anos económicos e publicadas até o dia 31 de Outubro do ano seguinte àquele a que respeitarem, precedidas de relatórios minuciosos dos conselhos de administração e fiscal.
§ único. Essas contas serão submetidas à apreciação do Congresso da República e emitirá sôbre elas parecer a comissão parlamentar de contas públicas.
BASE 3.ª
O recrutamento e movimento de todo o pessoal operário e não operário, bem como a fixação dos seus ordenados e salários, constituirão actos de exclusiva competência do conselho de administração, que deles dará conhecimento ao conselho fiscal.
§ 1.° O pessoal operário e não operário será recrutado e mantido sempre em regime contratual, nos termos da legislação civil e comercial vigente.
§ 2.° São mantidos em vigor os actuais regulamentos do serviço interno e de trabalho, das penas disciplinares e motivos de suspensão e despedida de pessoal operário e não operário.
Quaisquer modificações nesses regulamentos só serão introduzidas e postas em vigor depois de prévia audiência, dos delegados das respectivas classes.
§ 3.° São mantidas as tabelas reguladoras de salários de 15 de Março de 1890 e quaisquer outras actualmente em vigor na administração da Companhia dos Tabacos, emquanto as condições do fabrico o permitirem, devendo, quando se criarem marcas novas, estabelecer-se o salário proporcional ao fabrico das referidas marcas.
§ 4.° O pessoal operário e não operário, que pertenceu à antiga Administração Geral dos Tabacos e que esteja, inscrito nos registos da secretaria da fiscalização dos tabacos, será consertado ao serviço das fábricas do Estado, sendo-lhe mantidos os direitos de que actualmente goza.
§ 5.° O pessoal operário e não operário admitido além daquele pela Companhia dos Tabacos de Portugal e actualmente inscrito nos registos da referida secretaria, será mantido ao serviço, salvo se o conselho de administração poder reduzi-lo sem prejuízo da produção.
§ 6.º Ao pessoal operário e não operário actualmente existente e interessado no legado de João Paulo Cordeiro será garantido êsse benefício, calculado como o foi pela antiga Administração Geral dos Tabacos.
BASE 9.ª
Serão mantidas em laboração duas fábricas em Lisboa e duas no Pôrto salvo se deminuição no consumo ou prejuízo industrial obrigarem a reduzir êsses números.
§ único. Serão aplicáveis àquelas fábricas todas as disposições da legislação vigente sôbre higiene e segurança das oficinas e dos operários.
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BASE 10.ª
Dos lucros líquidos de cada ano económico será retirada a importância correspondente a 5/12 por cento dêsses lucros para ser distribuída pelos conselhos de administração e fiscal e pelo pessoal operário e não operário pela forma seguinte:
1/8 por cento para o conselho de administração;
1/24 por cento para o conselho fiscal;
1/4 por cento para o pessoal operário e não operário.
§ 1.° Os quinhões pertencentes aos conselhos de administração e fiscal serão divididos igualmente pelos seus membros.
§ 2.° Do quinhão destinado ao pessoal operário e não operário será atribuída uma parte a dotação da Caixa de Pensões e Reformas, sendo o restante entregue pelo conselho de administração à respectiva associação de classe ou sindicato profissional.
BASE 11.ª
São transferidas para a Administração dos Tabacos de Portugal as obrigações que para a Companhia dos Tabacos estão estipuladas no artigo 6.°, n.° 12.°, do contrato de 8 de Novembro de 1906, em garantia dos tabacos produzidos no Douro.
BASE 12.ª
As compras de tabaco estrangeiro e de outras matérias primas serão feitas precedendo concurso público, aberto no continente da República ou nos principais mercados e centros produtores.
§ único. Exceptuam-se os fornecimentos que, em caso de reconhecida urgência, determinada por circunstâncias imprevistas ou por motivo de interêsses da administração, não possam sofrer a demora da adjudicação em praça ou os casos em que não convenha usar dêsse processo de aquisição, devendo nestes casos ser previamente ouvido o conselho fiscal.
BASE 13.ª
As vendas dos tabacos fabricados no continente da República serão feitas pelo conselho de administração, garantindo-se aos antigos depositários, vendedores por grosso e a retalho e aos revendedores, a que se refere o § 5.° da base 9.ª da lei de 22 de Maio de 1888, um regular abastecimento e comissões ou descontos não inferiores a 10 por cento em quanto êles continuarem a prestar regularmente as suas contas.
Aos depositários, vendedores e revendedores serão ainda garantidos, além dos 10 por cento referidos, descontos progressivos em relação à importância das compras realizadas em cada trimestre pela forma seguinte:
de 3.000$ a 45:000$ .... 4 por cento.
mais de 45.000$ .... 5,5
§ 1.° Estas comissões são independentes de quaisquer descontos por pronto pagamento.
§ 2.° O conselho de administração poderá modificar a forma de venda para a facilitar e desenvolver e para simplificar a forma de cobrança e arrecadação dos rendimentos.
§ 3.° A cobrança coerciva dos créditos da Administração dos Tabacos de Portugal pela venda de tabacos será feita nos mesmos termos que a das contribuições directas do Estado.
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BASE 14.ª
A venda de tabacos fabricados no estrangeiro e despachados pelas alfândegas do continente da República será livre, mediante o pagamento dos direitos actualmente fixados ou do s que o vierem a ser.
A alteração dêsses direitos será feita pelo Govêrno, sob proposta do conselho de administração dos Tabacos de Portugal, sempre que se produza qualquer modificação no preço dos tabacos, agravamento ou melhoria cambial, de modo a manter uma diferença até 30 por cento entre o preço de venda do tabaco manufacturado no estrangeiro, acrescido dos respectivos direitos.
§ único. Não podem ser submetidos a despacho pelas alfândegas do continente da República, seja qual fôr a sua procedência, os produtos que contenham a designação de tabaco nacionalizado ou qualquer outra que possa induzir em êrro ou seja semelhante à do tabaco manufacturado nas fábricas do Estado.
BASE 15.ª
O tabaco manufacturado no continente da República continuará a gozar dos benefícios diferenciais que lhe são actualmente assegurados nas colónias portuguesas até serem modificados convenientemente os respectivos regimes aduaneiros.
§ 1.° O tabaco continental pagará nas ilhas adjacentes o direito aplicável ao estrangeiro, menos 10 por cento.
§ 2.º O tabaco manufacturado nas ilhas adjacentes, ao entrar no continente, pagará os mesmos direitos que o tabaco estrangeiro, menos 10 por cento.
§ 3.° O tabaco estrangeiro que fôr reexportado do continente da República para as ilhas adjacentes pagará ali, ao ser despachado para consumo, o mesmo direito que o tabaco estrangeiro de qualquer outra proveniência.
BASE 16.ª
É proibido nas alfândegas do continente da República o despacho para consumo de tabacos em rama, folha, talo ou outra forma não manufacturada, a não ser pela Administração dos Tabacos de Portugal para as fábricas do Estado.
§ único. A Administração dos Tabacos de Portugal poderá, mediante prévia autorização do Govêrno, importar e introduzir no consumo tabacos manipulados no estrangeiro.
BASE 17.ª
O pessoal da Secretaria da Fiscalização dos Tabacos, a que se refere o decreto n.° 10:270j de 10 de Novembro de 1924. passará, com todas as regalias e direitos que a lei lhe confere, para o serviço da Administração dos Tabacos de Portugal, devendo de preferência ser colocado no desempenho de funções idênticas às que actualmente exerce e ser considerado dentro dos respectivos quadros gerais do pessoal da Administração o mais antigo nas suas categorias.
§ único. O disposto nesta base não é aplicável ao actual secretário-comissário junto das fábricas de tabacos de Lisboa, cujas funções são desempenhadas junto do conselho de administração.
BASE 18.ª (transitória)
A Administração dos Tabacos de Portugal receberá da Companhia dos Tabacos, no dia 1 de Maio de 1926, os 800:000 quilogramas de tabaco a que se refere o n.° 6.° do artigo 6.° do contrato de 8 de Novembro de 1906 e pagá-los há de conformidade com o estabelecido no § 1.° do artigo 4.° do acordo realizado em 4 de Agosto de 1924.
§ 1.º O Govêrno abrirá, com as formalidades legais, os créditos especiais necessários para êste fim, e a Administração dos Tabacos de Portugal reembolsará o Te-
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souro das respectivas importâncias logo que o possa fazer com o produto da venda do referido tabaco.
§ 2.° O pagamento à Companhia dos Tabacos de Portugal do custo dos referidos 800:000 quilogramas de tabaco ficará, porém, dependente da liquidação com o Estado da renda suplementar e da participação nas vendas respeitantes aos meses de Fevereiro a Abril de 1926.
BASE 19.ª (transitória)
Para execução do disposto no artigo 3.° desta proposta de lei fica o Govêrno autorizado a abrir no Ministério das Finanças, com as formalidades legais, o respectivo crédito especial.
BASE 20.ª
O conselho de administração, que há-de servir desde 1 de Maio de 1926 a 30 de Junho de 1929, instalar-se há oito dias antes, pelo menos, do termo do contrato de 8 de Novembro de 1906 com a Companhia dos Tabacos..
§ único. O primeiro ano económico da Administração dos Tabacos de Portugal compreenderá as operações realizadas nos meses de Maio a Junho de 1926.
BASE 21.ª
Continuam em pleno vigor todas as disposições repressivas do contrabando, descaminho e transgressões dos regulamentos relativos a tabacos actualmente em vigor. Lisboa, Fevereiro de 1926. - O Ministro das Finanças, Armando Marques Guedes.
N.° 12-L
Exmo. Sr. Presidente. - Para os devidos eleitos comunicamos a V. Exa. que adoptamos a proposta de lei sôbre "regime dos tabacos" apresentada pelo signatário, Sr. Manuel Gregório Pestana Júnior, publicada no Diário do Govêrno n.° 296, 2.a série, p. 3718.
Sala das Sessões, 20 de Janeiro do 1926. - José Domingues dos Santos - Alfredo da Cruz Nordeste - Carlos Eugénio de Vasconcelos - Manuel Gregório Pestana Júnior - Pina de Morais.
Parecer n.° 903
Senhores Deputados.- A vossa comissão de comércio e indústria aceita a separação do problema dos fósforos do dos tabacos, como vos é proposto pela comissão de finanças. Analisando a proposta ministerial em questão, verifica-se que ela pretende arrumar o assunto num simples artigo, o terceiro, em que fixa um pouco doginàticamente a liberdade de indústria e as rendas que, por um processo meramente fiscal, devem ser trazidas ao Tesouro Público pela aplicação da nova fórmula. E dizemos um pouco dogmàticamente porque o relatório da proposta é omisso a respeito de considerações elucidativas.
Assim, diz-se que o regime monopolista foi imposto, por semelhança com o dos tabacos, ao Estado, pela crise tremenda do ultimatum que levou os estadistas do tempo a transportar o problema do campo fiscal, onde o Ministro apresentante quere repô-lo, para o campo financeiro, que indicou o regime ainda vigente. Já esta afirmação do relatório da proposta sugere à vossa comissão de comércio e indústria, já que os não sugeriu à comissão de finanças, alguns reparos. Não será a situação de hoje mais crítica, ou pelo menos mais instável, do que aquela que derivou do ultimatum, ou antes da bancarrota de 1891?
Não seria elementar a demonstração, e não a afirmação, de que é dispensável o estudo financeiro do problema, já porque não contém possibilidades financeiras, já porque não precisando delas, caso existissem, nós podemos afoitamente ir pôr em justa e coerente equação os nossos princípios políticos com os factos e as realidades num
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campo sempre condicionado por tantas reservas? Não seria elegante e não viria a talho de foice fazer o cálculo do valor comei ciai actual da indústria e do comércio dos fósforos no país para fins de traspasse, possivelmente devido ao Estado? Supomos que sim. Tanto mais que é sempre possível calcular, num dado momento, o valor de certo negócio, seja êle qual fôr.
E tudo isto se poderia e deveria fazer sem preocupações do regime explorativo final, porque se dirigia à essência económica e financeira do problema e não impedia uma coerente acomodação dos princípios à fórmula boa que viesse a fixar-se. Pondo a liberdade de indústria como processo imperioso, devia o Sr. Ministro apresentante desdobrar o problema nos múltiplos aspectos que êle comporta, exigentes em resolução simultânea, e verificar se a fórmula nua e crua que propunha tinha elasticidade, ou capacidade, para tanto. E isto porque estamos convencidos de que êsse desdobramento é fatal e necessário e porque êle elucidaria a Câmara sôbre a verdadeira finalidade da proposta e instruiria a Câmara na sua exequibilidade.
Aqui, à mão de semear, temos as seguintes objecções a pôr, ou antes, as seguintes reflexões a fazer:
1.ª Pode a liberdade de indústria, conforme o enunciado da proposta, assegurar a receita calculada e pedida pelo Sr. Ministro das Finanças?
Responde a douta comissão de finanças que não e demonstra-o pelos seus cálculos.
2.ª Renderá a operação qualquer apportt qualquer traspasse, para o Estado pela cedência de direitos que, a partir de 25 de Abril de 1925, o Estado tenha, por funções de domínio público, sôbre a indústria dos fósforos? Se a possibilidade existe, não se concluí ela da redacção da proposta.
3.ª Garante a liberdade de indústria, referimo-nos sempre à fórmula ministerial, o desaparecimento do monopólio de facto, a exercer possivelmente pela actual Companhia, depois de decretada aquela fórmula? Esta dúvida é posta por muitos que vêem um perigo nas fábricas, no operariado adestrado e na larga cópia de capitais da empresa.
4.ª Será possível, ainda, num reprime de liberdade dar garantias ao pessoal operário, já assistido pelo Estado em 1895?
5.ª Não vai a autorização de fabrico e importação de acendalhas fazer desaparecer o pavio ou palito fosfóricos, matéria prima essencialmente apta para fins fiscais? Um acendedor equivale a muitos centos ou mesmo a muitos milhares de caixinhas de fósforos e, por mais que se tribute aquele, não haverá possibilidade de estabelecer igual equivalência no rendimento fiscal. Poderá dizer-se isto.
6.ª Como evitar e reprimir, convenientemente, o fabrico e uso clandestino de acendalhas e de fósforos? Sabida a inventiva fértil, e já experimentada, do nosso aldeão e conhecida, a facilidade técnica de produzir, parece pouco viável.
7.ª Está definida a vantagem ou desvantagem do monopólio quanto à origem, por facto individual ou por via da autoridade; quanto às pessoas a quem pertence; quanto à extensão; quanto à utilidade dos objectos ou serviços, e se neste caso é de primeira necessidade ou de fácil renúncia? Nada consta, e da mesma maneira quanto ao fim, quanto à sua legitimidade, etc., etc.
8.ª Tende a proposta ao barateamento do preço, à sua manutenção ou ao seu agravamento? Se se pensa no tabelamento, vamos deminuir a liberdade do comércio, e a coerência que obriga contra o monopólio obrigará também contra êsse acto menos democrático e menos liberal, j A coerência é uma, rígida e indeformável, dirão!
9.ª Mas, se para obter a renda calculada é necessário, como diz a comissão de finanças, agravar o preço dos fósforos, o povo não sentirá os benefícios da subordinação dos factos aos princípios e. mormente, quando se lhe afirmou, e afirma, que uma das maneiras de o livrar do voraz apetite dos exploradores e a destruição pura e simples dos monopólios. Não devemos nunca ministrar desilusões ao povo que pode verificar que, quanto mais o querem defender, mais engordam, e à tripa forra, os seus verdugos.
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E isto por via da fatalidade- histórica dos acontecimentos indígenas ou porque êsses verdugos, quando se vêem ameaçados, começam a dizer nos mentideros, na imprensa, no manifesto, nas assembleas, palavras rubras contra aquilo que lhes convém para que o assomadiço e insipiente contendor, impando a fórmula controvertida, se lhes vá prender no anzol precavido.
Srs. Deputados: a vossa comissão de finanças, cingida à fórmula ministerial, fez a história pregressa do problema e conclui um pouco contrariamente às afirmações e demonstrações que no seu relatório produz.
A nudez técnica e logística do parecer, que para nós tem explicação na subordinação restritiva ao ponto de vista ministerial, deixa suspensas as preguntas que formulámos sôbre a letra da proposta governamental. Não cabe à vossa comissão de comércio e indústria suprir as insuficiências do processo, mas tem de rebater, desde já, uma das conclusões da comissão de finanças. Diz que a diminuição da percentagem do comparticipação do Estado no valor bruto das vendas feitas pela companhia concessionária, que foi inicialmente de mais de 25 por cento e desceu a 4 por cento em 1923, é devida "à elevação do custo das matérias primas empregadas ao fabrico, da mão de obra e das contribuições gerais sem a correspondente actualização dos preços de venda". Não é assim, salvo o devido respeito.
A renda fixa e a renda complementar foram fixadas em função do número de caixinhas rendidas pela Companhia e não em referência ao seu preço. Verificasse pelo aumento progressivo, à razão média de 3.000:000 dê caixinhas por ano, que as rendas aumentaram dentro da fórmula contratual, mas que as causas aduzidas pela comissão do finanças não são de considerar. Logo que foi possível ao Estado modificar a fórmula, por comparticipação ao preço pelo despacho de 6 de Junho de 1923, que autorizou o fabrico dum novo tipo de fósforos, a renda aumentou em 1:200 contos, conforme constata a mesma comissão de finanças. Estas considerações não são de crítica porque já dissemos que a comissão de finanças aceitou os pontos de vista da proposta ministerial e desinteressou-se das outras modalidades do problema. Também ela, como nós, teve certamente dificuldade em colhêr elementos, o que se deve, em grande parte, ao excesso de trabalho da comissão técnica há muito tempo nomeada pelo Govêrno para preparar a solução da questão dos fósforos. No estudo técnico que a vossa comissão de comércio e indústria vai fazer, no seguimento dêste parecer, voltará novamente a certas conclusões da comissão de finanças que lhe causam sérios reparos.
Srs. Deputados: o monopólio com exclusivo de fabrico e imposição dos produtos, como norma fiscal, foi processo constante da monarquia. Encontramos a prova desta afirmativa numa copiosa legislação a partir das inquirições de 1220, em que se fazem referências a "privilégios en las cosas". Segundo Rebelo da Silva, na idade média constituíram objecto de monopólio os mais variados objectos de comércio: o sal, o pau Brasil, a pimenta, as madeiras, o tabaco, o açúcar, a seda, os sabões, etc.
Em 1480, as cortes, alegando razões de economia doméstica, requereram a abolição do "estanco do sabão". Pombal, encontrando a economia do país arrumada pelo tratado de Methwen e vivendo numa época em que imperava o princípio do justo equilíbrio entre a produção e o consumo realizado por inteimédio da protecção, privilégios e monopólios, deu fôrça a êstes institutos fiscais pela criação da Companhia do Grão Pará e do Maranhão e outras com as mais largas concessões. Determinou a passagem do monopólio do fabrico da pólvora das mãos dos particulares para as do Estado, concedeu novas regalias aos exclusivos da refinação do açúcar, realizando, emfim, uma intensa obra dentro da doutrina económico-financeira do monopólio. O regime liberal praticou também largamente o processo e poucos foram os seus estadistas de tomo que não o advogassem. Até Oliveira Martins, a seguir a 1891, lançou mão do monopólio das lotarias. Nos últimos tempos da monarquia, a velha prática deu formidável escândalo, principalmente a respeito dos tabacos, e como a propaganda republicana se fazia intensamente não é para estranhar que os seus caudilhos aproveitassem politicamente
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o incidente e dominados pelas ideas modernas do campo económico tivessem proclamado a ruindade do processo e decretado a sua abolição quando fossem detentores dos selos do Estado. Caberia neste lugar abundante dissertação sôbre as várias maneiras de exploração das indústrias monopolizáveis pelo Estado, mas isso constituiria feia injúria e agressivo vexame à vossa inteligência e comprovada cultura.
O monopólio atribuído aos particulares pelo Estado vai morrer como forma de exploração da indústria dos fósforos em Portugal. E morre muito bem pela mão da República, que assim o prometeu. Concorda com isso em principio a vossa comissão de comércio e indústria.
O monopólio exercido pelo Estado não dá também garantias e supomos esta verdade tam evidente que nos dispensamos de a provar. Velha e desacreditada fórmula de socialismo de Estado, traduzir-se-ia em mais um lamentável desastre, dada a insalubridade do meio social em que vivemos.
Exclusivo do Estado - tipo democrático-social, com participação administrativa dos produtores e organização scientífica do trabalho à maneira de Taylor? Já temos como exemplo a iniciativa posta em prática na fábrica da Marinha Grande. Mesmo porque a Companhia dos Fósforos, honra lhe seja, já por zelo, já pela natureza propícia da indústria, não deixou nada por fazer nas aplicações dos modernos princípios de exploração industrial, tanto sob o ponto de vista técnico como sob o ponto de vista de higiene, segurança e salubridade.
Temos, por fim, a liberdade de indústria pura e simples como a preconiza a proposta ministerial ou a- liberdade condicionada como insinua a comissão de finanças, sem, no emtanto, a definir com clareza e precisão. Esta sugestão da comissão de finanças impressionou-nos e, procurando dar-lhe corpo, determinámos-lhe esta expressão:
O condicionamento do regime da liberdade da indústria pode ser feito fiscalmente pela comparticipação do Estado 77os rendimentos da indústria e financeiramente pela sua associação ao capital explorador da mesma.
Esta determinação foi deduzida do estudo que segue.
Pelo contrato de 25 de Abril de 1895, a Companhia, aceitou o pagamento de rendas fixa e complementar calculadas em função da sua produção em caixas de fósforos.
Pelas contas da comissão de finanças verifica-se que nos primeiros anos o pagamento ao Estado dessas rendas representava uma comparticipação de 25 por cento no valor bruto das vendas da Companhia, e que o seu elevado quantum não prejudicou o desenvolvimento económico e financeiro da empresa.
Os preços contratuais dos fósforos eram de cinco réis por caixa para os chamados fósforos de enxofre, que deviam ter 60 milímetros de comprimento e 2 milímetros de diâmetro e deviam ser vendidos em caixa contendo 50 a 60 fósforos, e de dez réis para os fósforos de segurança ou amorios, com as mesmas dimensões dos anteriores, e para os fósforos de cera, que deviam ter 35 milímetros de comprimento e também 2 milímetros de diâmetro.
Se nestas condições a Companhia pôde suportar as rendas, que se traduziam na alta percentagem sôbre as vendas que já referimos, hoje está em muito melhores condições para as sofrer. E se não vejamos:
1.° A produção dos fósforos aumentou e em maior progressão do que aquela que aponta a comissão de finanças. A companhia deve fabricar 220 caixotes de 3:600 caixinhas por dia. o que dá 237.600:000 caixinhas por ano.
2.° Os antigos tipos de fósforos desapareceram e hoje no mercado só se encontram fósforos a $20 a caixa, preço que significa uma actualização de 40 a 20 vezes dos preços do contrato. A actualização existe e, em média, e superior à desvalorização do escudo.
3.° O número de fósforos por caixa deminuíu para os limites mínimos inscritos no rótulo das caixinhas, nem sempre atingidos, embora nunca excedidos. Representa êste facto uma subida de preço que orça em média por 20 por cento.
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4.° Apesar de estar defendida pela actualização e pela deminuição do número de fósforos por caixa, a Companhia aproveitou o ensejo, alegando o aumento do custo das matérias primas, da mão de obra, etc., para modificar os formatos e tipos dos fósforos, empregar matérias de menor valor, baratear a embalagem, e muitas outras combinações de ordem técnica.
5.° O êxito destas combinações era sempre e uniformemente garantido pelo uso simultâneo dos artigos 1.° e 2.° do capítulo 1.° das suas contas, e que respectivamente se referem a "assinaturas, anúncios e publicações" e "donativos e g ratificações". É surpreendente o poder anestésico destas rubricas. Adiante! Como diria a nossa comissão de finanças.
6.° No tocante à substituição de matérias primas, é de crer que a Companhia, à maneira espanhola, tivesse substituído o clorato de potássio pelo bióxido de manganês; a cera e parafina por resinas, carolo, barita, gêsso e terra fóssil; o choupo da Rússia pelo pinho nodoso do país, etc., etc. Deixou de usar cartolina e papel nas caixinhas e, portanto, as gomas e dextrinas; reduziu extraordinàriamente as dimensões dos pavios e fê-lo vagarosamente e com prudência: hoje um aperto de uma décima de milímetro nos micrómetros das fieiras, amanhã um milímetro a menos no comprimento.
O duplo decímetro da fiscalização não dá por isso e ... calcule-se o valor destas migalhas milimétricas em quilómetros e quilómetros de pavio que hoje tem um aspecto filiforme e arde quási instantaneamente, j Mas nunca se viu uma campanha contra os fósforos! Os artigos das contas da Companhia que já referimos tudo concertam. Sendo a química uma sciência essencialmente combinatória e sabendo se que no armazém geral de uma fábrica de fósforos regularmente montada deve haver mais de 80 espécies de matérias primas, desde o acetato de chumbo até o alúmen, do bicromato de potássio ao nitrato de chumbo, do óxido de zinco ao azul da Prússia, do ácido azótico ao zarcão, da cera até as parafinas, gomas e dextrinas, da carnaúba ao carolo, gesso e barita, etc., etc., nada há que admirar nas habilidades postas em prática.
Tudo isto, e o muito mais que há-de ser exposto à Câmara de viva voz, serve para demonstrar que a indústria dos fósforos pode suportar melhor do que nunca uma forte comparticipação do Estado no valor bruto das suas vendas.
Êste princípio já foi aceito, aliás, pela Companhia dos Fósforos quando o actual Ministro das Finanças, Exmo. Sr. Vitorino Guimarães, lho impôs, pelo sou despacho de 6 de Junho de 1923, que rendeu para o Estado 1:200 contos. A verosimilhança dos factos referidos torna se realidade quando examinamos os dividendos distribuídos pela Companhia, quando vendia ainda fósforos a $05 a caixinha. Chegou a distribuir mais de 40 por cento aos seus accionistas e para êsse facto não foram evocadas as causas que sempre serviram para ludibriar o Estado e fugir ao pagamento do que seria justo pagar-lhe. Há também a considerar que as matérias primas empregadas no fabrico dos fósforos são quási todas estrangeiras, o que significa que o seu preço cif Lisboa ao Douro está deminuído em mais de um têrço por motivo da melhoria cambial.
Êste princípio de comparticipação está sendo aplicado quanto aos tabacos, donde se demonstra que não é novidade que assuste.
Aceitando o número inexacto de uma venda de 180.000:000 de caixinhas, oferecido pela Companhia, tínhamos um valor bruto de vendas de 36:000.000$ que, em comparticipação de 25 por cento para o Estado, daria a êste uma renda de 9.000.000$. Mas, como já referimos, a produção deve ser muito maior; a Companhia, ou seja a indústria, deve produzir para venda no contigente, ilhas, colónias e exportação cêrca de 240.000:000 de caixinhas e que dando uma venda bruta no valor de 48:000.000$, proporcionaria ao Estado uma renda de 12:000 contos. Assim achamos os números limites da renda por comparticipação de 25 por cento.
Poderá manter-se o preço dos fósforos neste regime, ou, antes, terá a Companhia, que é a indústria, lucros bastantes para, sem perigo de insolvência, dar aquela comparticipação?
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Vejamos : até 1914, antes da guerra, verifica-se pela conta da Companhia (mapas de armazéns, etc.), que um caixote de fósforos que lhe ficava por 9$ (preço industrial) era vendido por 36$, com 10 por cento de abatimento para revenda, o que daria um lucro bruto superior a 250 por cento. Admitindo que as despesas de administração, muito variadas como já vimos, sobrecarregavam o produto com 700 por cento, taxa verdadeiramente espantosa, teríamos ainda um lucro líquido de 100 por cento, números redondos, o que quere dizer que a Companhia deve ter arrecadado uma receita líquida média de 20:000.000$ por ano. Pode, pois, como fica demonstrado, a indústria dos fósforos suportar, dentro dos preços actuais, a comparticipação referida, ficando ainda uma indústria das mais remuneradoras do País. Por êste processo chegar-se-ia a uma renda base de 10:500 contos, já bastante próxima daquela que é pedida pela proposta ministerial.
Esta receita deveria ser cobrada por estampilha, à saída das fábricas, e da maneira que viesse a regulamentar-se. É uma maneira de grande adaptabilidade, tanto porque se refere ao preço do custo, podendo o acompanhar, tanto porque é de fácil fiscalização e cobrança. Ainda a indústria fica com uma possibilidade de remuneração muito grande. Para o caso da actual Companhia, referindo-nos ao seu capital social, essa possibilidade vai até 50 por cento.
Além da comparticipação deve tentar-se a associação do Estado ao capital das emprêsas existentes (Companhia) e das que vierem a instalar-se.
Fundamentamos êste critério na existência dum direito a um apport ou traspasse devido ao Estado pela cedência do seu domínio sôbre a indústria no dia 26 de Abril de 1925.
Para calcular o valor dêsse apport, temos de nos referir ao valor comercial actual do negócio dos fósforos que não foi determinado, como dissemos, nem pelo Ministro nem pela comissão de finanças. Êsse valor é, para um rendimento liquido de 18:000 contos, de 360:000 contos, que fica reduzido a 250:000 contos se entrarmos em linha de conta com uma depreciação de 30 por cento respeitante ao ónus legal do pessoal, depreciação de máquinas, etc. É, pois, de £ 2.500:000 o valor da indústria, mas abatendo-lhe a deminuição de 50 por cento proveniente da comparticipação do Estado no valor bruto das vendas, nos termos que enunciámos, o apport devido ao Estado fica em £ 1.250.000. Como ir buscar êsse valor? Por meio da entrega ao Estado de acções, em ouro e preferenciais, naquele montante, entrega a fazer pelas emprêsas constituídas ou a constituir.
A propósito da actual Companhia formular-se há a seguinte dúvida: mas a Companhia tem um valor que são as suas fábricas. Sim, tem, mas êsse valor inutiliza-se se o Estado decretar o monopólio da importação a seu favor e não permitir o fabrico dentro do Pais. É, pois, o Estado ainda a entidade que detém em suas mãos êsse valor e a possibilidade do seu isso e tanto mais que a indústria dos fósforos não trará, pela sua paralisação, problemas graves de chômage nem afectará a economia nacional, porquanto só usa matérias primas de importação. Á. receita assim obtida pela comparticipação e associação, há a juntar aquela que deve ser obtida pela tributação das acendalhas. A êste respeito, a vossa comissão de comércio e indústria aceita o uso da acendalha como um facto consumado e generalizado em alta escala. Se diminuiu o consumo dos fósforos, essa influência já se fez sentir, e o que se torna necessário é procurar no fenómeno uma nova fonte fiscal.
Propõe a vossa comissão que as acendalhas sejam seladas nas contrastarias, ou como fôr determinado, e que paguem um sêlo de 10$. Admitindo que possam ser usadas 100:000 acendalhas e que a repressão seja enérgica e eficaz, nós temos um complemento de renda de 1:000 contos que viriam dar realidade ao objectivo fiscal da proposta. Falta-nos resolver o problema do pessoal, em face da liberdade de indústria. O Estado só tem obrigações, em nosso entender, para com o pessoal que transitou do regime livre para a Companhia monopolista em virtude da imposição do contrato de 25 de Abril de 1895. Êsse pessoal ainda é hoje constituído por 400 operários, números redondos. Muitos deles, velhos e bastante tocados pela toxicidade da indústria, não podem ser abandonados pelo Estado. O encargo geral do pessoal da Companhia é
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de 4:000 contos, devendo para aqueles 400 ser inferior a 1:800 contos. Nem a Companhia nem o Estado se lembraram de instituir uma caixa de reformas e pensões, embora, devemos dizê-lo como preito à justiça, a Companhia tenha feito, por outros processos, uma permanente e cuidada assistência ao seu pessoal. Entendemos que o Estado deve pensionar os antigos operários que uma junta médica encontre incapazes; deve também o Estado garantir essa regalia aos que se forem impossibilitando e impor a todos os industriais, existentes ou a existir, a instituição de caixas de reforma e pensões ou o seguro contra a velhice e invalidez. Assim, sumariamente, porque não houve tempo para mais, ficam expostos os pontos de vista da vossa comissão de comércio e indústria sôbre o novo regime a adoptar para a exploração da indústria dos fósforos em Portugal, e desfeitas, tanto quanto lhe foi possível, as reflexões, que a proposta podia sugerir pela sua deficiente exposição e elucidação.
Para concretizar, apresentamos à vossa esclarecida apreciação a seguinte contraproposta:
Artigo 1.° Desde 26 de Abril de 1925 por diante são livres o fabrico e a venda de acendalhas, pavios ou palitos fosfóricos, ficando sujeitos ao disposto nas seguintes bases:
BASE A
É livre o exercício da indústria do fabrico de fósforos no continente e ilhas adjacentes pelas actuais fábricas ou outras que venham a instalar-se, desde que estas entreguem ao Estado 25 por cento do seu capital social, em acções, tipo ouro e preferenciais.
BASE B
O Estado cobrará das emprêsas constituídas ou a constituir 25 por cento do valor bruto das suas vendas, por meio de sêlo imposto sôbre cada uma das caixinhas que sair das fábricas, cujo preço de venda não poderá exceder os actuais.
BASE C
Os acendedores (acendalhas da proposta) só serão permitidos depois de pagarem um imposto de sêlo de 10$ por acendalha, além do custo do sêlo metálico ou taxas de contrastaria que forem exigíveis. O Govêrno poderá fixar os tipos de acendedores a admitir à selagem.
BASE D
O Govêrno poderá autorizar a importação de fósforos, cobrando um diferencial alfandegário a favor da indústria nacional, nunca inferior a 25 por cento.
BASE E
A partir de 25 de Abril de 1925, caso não se verifique o exercício da indústria dos fósforos em condições de satisfazer as necessidades do mercado, e nos termos das bases A e B, o Govêrno chamará a si o exclusivo da importação.
Êste sistema será, porém, sempre considerado como provisório.
BASE F
A importação de matérias primas destinadas à indústria dos fósforos só pode ser permitiria às fábricas instaladas e matriculadas no Comissariado Geral dos Fósforos que deve ser adaptado ao novo sistema.
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BASE G
Todas as emprêsas exploradoras da indústria dos fósforos são obrigadas a instituir caixas de pensão e reforma ou a fazer o seguro do sen pessoal contra a velhice e invalidez.
BASE H
O Govêrno garantirá e fará garantir os direitos dos antigos operários que transitaram para as fábricas da empresa monopolista em virtude do contrato de 1895.
Art. 2.° Fica o Govêrno autorizado a publicar todos os diplomas necessários ao cumprimento desta lei.
Art. 3.a Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Comissão de Comércio e Indústria, 27 de Março de 1925. - Aníbal Lúcio de Azevedo - Jaime Pires Cansado - Sebastião de Herédia - Nuno Simões - António Alberto Tôrres Garcia.
Senhores Deputados.- A vossa comissão de finanças, examinando a proposta do Sr. Ministro relativamente ao regime dos tabacos e fósforos, após o termo dos contratos de exclusivo, entendeu em princípio que os dois assuntos deviam ser tratados em separado, porquanto relação alguma, havia entre êles mais do que a resultante da identidade do regime em que as duas indústrias presentemente se encontram.
Demais, o contrato do exclusivo dos fósforos termina em 25 de Abril do corrente ano e o dos tabacos somente em 30 de Abril de 1926, não sendo por isso mesmo talvez lícito às Câmaras actuais o pretenderam resolver o momentoso problema; e, a insistir se pela sua imediata solução, essa deliberação poderia ser, ou não, respeitada pelas próximas Câmaras Legislativas.
Tais as considerações feitas ao ilustre autor da presente proposta de lei.
Porém o Sr. Ministro das Finanças actual encara a questão como nós e por isso é que a vossa comissão apresenta separadamente o parecer sôbre a parte respeitante ao regime dos fósforos, sem embargo de ir procurando carretar todo o material que possa para uma boa solução do problema dos tabacos, o maior de todos, que merece o mais desvelado e consciencioso estudo por banda, daqueles que, servindo o País com inteira abnegação e extremado amor cívico, ponham a sua inteligência honestamente ao serviço de uma tam grande causa, bem merecedora das suas atenções.
Senhores Deputados: a primeira tentativa para o exclusivo do fabrico de acendalhas, palitos ou pavios fosfóricos foi feita em 1891 com a mim na obtenção de uma maior receita para o Estado, que estava atravessando uma crise financeira agudíssima.
Pela. lei de meios, de Junho de 1891, foi o Govêrno autorizado a adjudicar em concurso público o exclusivo do fabrico dêstes produtos pelo prazo não superior a 12 anos e mediante a renda anual, líquida para o Tesouro, de 250.000$ e com a cláusula restritiva da conservação dos preços de venda criados durante o livre exercício dessa indústria, os quais eram de 5 réis para as caixas de fósforos de madeira, ordinários e amorfos, e de 101 réis para os de cera.
O concurso, realizado em 13 de Setembro de 1891, ficou deserto, atribuindo-se êsse malogro ao curto prazo por que devia durar a concessão que "não indemnizava O concessionário das obrigações a que se sujeitava e principalmente do capital que
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tinha a empregar na expropriação das fábricas existentes", como se regista no relatório que precede o decreto de 14 de Março de 1895.
Para tal insucesso concorreu não menos a limitação dos preços de venda.
Não se abriu nova praça e ensaiou-se a avença colectiva pela lei de 12 de Abril de 1892, mediante a quantia fixa de 260.000$ e a cota de 10.000$ por cada série de 30:000 grosas de caixas, além de 500:000, ao mesmo tempo que era autorizada a elevação do preço de venda dos fósforos amorfos para 10 réis, embora com aumento, não proporcional aliás, de número de fósforos por caixa e bem assim pela diminuição do número de fósforos por caixa dos de cera, que passaram de 50 a 60 para 35 a 40.
O preço dos amorfos subiu na realidade de 5 para 6,3 réis e os de cera passaram de 10 para 15,1 réis.
Somente os de enxofre mantiveram o preço de 5 réis.
A mesma lei, prevendo porém a hipótese de se não realizar o contrato de avença dentro de certo prazo, criou o imposto de fabrico a pagar à saída das fábricas na importância de 6$ por cada série do 25 grosas do caixas de fósforos com enxofre e de 14$ para igual quantidade dos restantes.
Pretendeu o legislador levar as diversas fábricas que se encontravam disseminadas em número excessivo pelo País, e arrastando uma vida precária, a uma concentração industrial, mas baldadamente.
E assim, verificada a segunda hipótese, recorreu-se, pelo decreto de 13 de Abril de 1893, à selagem das caixas armazenadas, ou expostas à venda.
Desde então começou a cobrar-se com certa normalidade a receita daí derivada para o Estado; mas esta, que foi do 190:752$000 em 1893-1894, passou a 83:870$000 no primeiro semestre de 1894-1895, deduzidas as respectivas despesas com a fiscalização.
Isto mau grado os direitos aduaneiros serem quási proibitivos para os fósforos estrangeiros, por forma tal que a receita desta proveniência se anulou.
Por estas razões entendeu o Govêrno dever decretar o exclusivo, o que levou a efeito pelo decreto de 14 de Março de 1895.
A adjudicação à actual Companhia fez-se em concurso público pelo prazo de 30 anos e mediante a renda fixa de 280:500$000, acrescida de 347$000 por cada série de 1:000 grosas de caixas, além de 750:000 grosas de produção anual.
Assim obrigou-se a referida Companhia a pagar, em relação às primeiras 750:000 grosas de produção mínima, a importância de 3$72,6 (sensivelmente) por grosa, ou seja mais de 2,58 réis por caixa.
Ao passo que, em relação ao excedente de produção, 3$470 por grosa, correspondendo, portanto, a mais de 2,41 réis por caixa.
O que tudo significa que a Companhia contraiu desde logo o encargo de pagar, como de facto, mais de 2õ por cento do produto bruto da venda ao público.
Com efeito, no primeiro ano de vigência do contrato, a um produto de venda de 737:000$000 correspondeu a renda de 280:500$000, representando 37,9 por cento daquela verba.
No segundo ano, de 1897, essa percentagem foi de 36,6, apesar do encargo resultante da expropriação das 69 fábricas existentes, do pessoal operário que teve de receber, porventura em excesso, e da dificuldade e dispêndio dá fiscalização do fabrico clandestino.
Em 1914 essa cota foi de 24 por cento, para subir a 25 por cento nos três anos imediatos e vir descendo seguidamente até o mínimo de 4 por cento no exercício de 1922, elevando-se a 8 por cento em 1923 e não atingindo sequer esta percentagem no último ano talvez.
Êstes números são já por si de molde a mostrar-nos à evidência a deficiente situação em que se encontra o Tesouro Público um face desta indústria.
A elevação do custo das matérias primas empregadas, da mão de obra e das contribuições gerais, sem a correspondente e gradual actualização dos preços de venda dos fósforos, foram os factores principais que levaram a êstes resultados.
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Só em 1923, por despacho ministerial de 6 de Junho, foi criado um novo tipo de fósforos amorfos, ditos de luxo, pelo preço de $20, cabendo ao Estado, desta importância, a magra comparticipação de $01,0 por caixa.
Como no emtanto a veada dêstes fósforos se faz em larga escala, sendo representada na gerência de 1924 por 87.046:000 caixinhas, com um total de 196.974:000, a receita daí derivada ascendeu a 1:205.000$, para um global que não deverá ir muito além de 1:800.000$.
A produção de fósforos passou de 102.910:000 caixas em 1896 a 196 974:000 em 1924, havendo portanto uma elevação média de 3.243:600 durante os 29 anos (sensìvelmente) decorridos.
O produto da venda ao público dos fósforos fabricados passou de 737.081$, em 1896, a 25:540.960$, em 1924.
O lucro bruto da exploração desta indústria, que foi de 605.177$ no exercício de 1896, subiu a 7:279.730$ no de 1923, não devendo ser inferior a 15:000.000$ no de 1924.
A estas importâncias dos lucros brutos da Companhia corresponderam para o Estado as receitas de 280.500$ em 1896, de 1:045.447$ em 1923 e possivelmente de 1:800.000$ em relação ao último ano.
Em face de todos êstes números, qual deveria ser a renda a arrecadar pelo Tesouro em 1924?
Em princípio não deveria ser inferior a 25 por cento do produto da venda ao público, ou seja de 6:336.491$ e de 2:985.640$ no exercício de 1923.
Quam longe estamos destas rendas e mais ainda da previsão ministerial de 11:220.000$!
Certo, porém, que, se tivermos em conta o aumento de produção e a desvalorização do escudo, os 35L.OOOã da renda relativa a 1914 deveriam ser hoje representados por quantia muito aproximada daquela cifra. Aplicando-lhe o coeficiente de desvalorização 22, teríamos a importância de 11:078.000$.
Muito mal preparados nos encontramos, pois, para a resolução dêste problema
Pelo sistema de liberdade de fabrico, tanto mais que, em contrário do que se dá com a indústria dos tabacos, as fábricas são pertença da Companhia detentora do exclusivo.
Grande êrro foi não ter sido feita por conta do Estado a expropriação das fábricas existentes à data da concessão do exclusivo.
Se assim se fizesse, disporíamos hoje do um valioso trunfo, cuja aquisição, segundo os relatórios da Companhia, importaria em 2:447.000$, já certamente a esta hora amortizados.
Bem sabemos que a situação financeira do País era nessa época muito crítica; mas tal operação poder-se-ia ter realizado por forca da verba das rendas, emitindo obrigações que seriam bem recebidas (e que não fossem!) por muitos industriais para quem o novo regime fora a salvação.
Senhores Deputados: Passando à análise da proposta ministerial, entende esta comissão igualmente que podemos adoptar o regime da liberdade de fabrico dos fósforos, mas com a indispensável e bem alisada prudência, a fim de não reincidirmos em erros passados que levaram esta indústria à ruína.
Preconizamos por isso uma liberdade condicionada (como aliás devem ser todas estas liberdades bem compreendidas) à obtenção de uma receita condigna para os cofres do Estado e aos legítimos interêsses da mão de obra especializada nesta indústria e do capital nela comprometido, receando porém muito justamente que no tocante aos interêsses da Fazenda Pública fiquemos, pelo menos nos primeiros tempos, aquém da previsão ministerial.
Queremos e aceitamos a liberdade de exercício desta indústria, movendo se ela dentro do âmbito dos interêsses superiores da colectividade e não ao sabor de interês-
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sés restritos, de certo modo precários aliás, perante o espírito, muito em voga entre nós, da imitação e desordenada concorrência nos empreendimentos que exigem pequenos capitais.
Somos um país de pequena população para alimentar várias emprêsas dêste ramo industrial, tanto mais hoje com o notável aperfeiçoamento da utensilagem empregada.
Em uma visita que o relator desta proposta fez à Fábrica do Beato, teve ocasião de ver laborar uma bela máquina que só por si produzia em oito horas de trabalho 660 grosas de caixinhas de fósforos de luxo, sem necessitar de mais de três operários, e uma pequena e interessante máquina que fabrica com notável simplicidade fósforos esféricos, cuja patente foi adquirida pela Companhia e pode vir a revolucionar esta indústria.
Da referida visita colheu o relator as melhores impressões sôbre o bem-estar, correcção a disciplina do pessoal, condições higiénicas da fábrica e boa eficiência de direcção e produção.
O bem-estar do pessoal, para o qual a Companhia tem olhado com certo cuidado, segundo é voto unânime do mesmo, não pode deixar de continuar a merecer agora por banda do Estado igual tratamento.
Por êstes motivos entende a vossa comissão que, em regime de liberdade de fabrico, as licenças para êste fim só devam ser concedidas mediante sérios encargos e obrigações.
Concorda esta comissão igualmente com a liberdade de importação dos fósforos, sendo essa a única forma segura de nos acautelarmos contra o fácil e possível monopólio de facto, como tantos outros que medram entre nós como em excelente terreno. O público simplista não vê êsses monopólios, embora lhe sinta os efeitos perniciosos sôbre a sua magra bolsa.
Grita-se apenas contra os monopólios que vivem à luz do dia, e cuja acção pode ser eficazmente regulada e fiscalizada. Adiante! ...
Achamos porém que o diferencial de 20 por cento a favor da indústria nacional será acaso deficiente, não nos abalançando no emtanto a propor a elevação desta percentagem, sempre aliás difícil de traduzir em números exactos dentro do critério proteccionista, porque somente por meio de honesto e minucioso inquérito se poderá chegar a resultados insofismáveis.
A indústria dos fósforos é fortemente tributária do estrangeiro e está na Europa especialmente nas mãos de poderosos trusts.
Quanto ao rendimento fiscal fixado pelo n.° 2.° do artigo 3.°, não se nos afigura possível atingir desde já a cifra pretendida, como já demonstrámos.
Exigir uma renda dupla, em relação ao padrão ouro, da estipulada em 1895, se a produção não duplicou sequer, nem os preços de venda se encontram actualizados, não é pelo menos razoável.
Demais as matérias primas empregadas tiveram um acréscimo da preço superior em média, e em relação a 1923, a 25 vezes sôbre o exercício de 1914, e a mão de obra, cuja tabela actual não consegui obter, não deve ter subido menos de 20 vezes. Ora, relativamente a 1924, 109.900:800 caixas de fósforos tiveram o preço do $10, apenas 10 vezes superior ao de 1914, e 87.073:200 e de $20, 20 vezes mais elevado. Segundo uma nota fornecida pela Companhia, o custo das matérias primas empregadas durante os exercícios de 1914 e 1923 foi de 180.022$ e 8:375.993$, respectivamente.
Sendo assim e tendo em conta o aumento de produção, que foi de 66 por cento, o custo dessas matérias primas ter-se-ia elevado sensivelmente de 29 vezes.
Para obter, portanto, a receita prevista na proposta ministerial seria necessário elevar o preço dos fósforos.
De qualquer maneira que se considere a questão, o facto é que nos encontramos colocados desagradàvelmente entre os pontos do seguinte dilema:
Ou nos resignamos a receber do exercício desta indústria uma quantia muito in-
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ferior àquela que o Estado deve legitimamente pretender, o que é um êrro, ou elevamos o preço da venda de fósforos, sem esquecer a qualidade do produto.
Dêste terreno não nos é dado sair.
Acabamos, aliás muito tardiamente, com o pão político e conservamos os tabacos e fósforos políticos, o que é bom pior em relação aos tabacos.
Ao menos os fósforos beneficiam, tanto ou quanto, a toda a gente, ao passo que o tabaco, de resto nocivo à saúde, e, portanto, eminentemente tributável, aproveita a um número limitado de indivíduos.
E, de passagem, não será mau salientar que a receita proveniente da indústria do tabaco, irrisória nos últimos anos, somente pelo recente acordo, cujas negociações tam arrastadamente se fizeram, mercê em especial das campanhas, nem sempre desinteressadas e de boa fé, perante as quais os poderes públicos lamentàvelmente acuaram por vezes, virá a atingir, conforme a previsão ministerial, a verba de 46:871.666$, quando essa receita, atento o aumento de produção, que foi de 70 por cento em relação a 1919, e à desvalorização do escudo, deveria ser presentemente representada por um mínimo de 225:000.000$.
Os poderes constituídos devem meditar bem nestes números, a fim de nos aproximarmos, como se impõe e urge, daquela receita.
Para obtermos o rendimento de 11:200.000$ da proposta ministerial seria preciso sobrecarregar a produção com $05,6 por caixa de fósforos, o que era indubitavelmente incomportável.
Temos, pois, a escolher entre as duas situações que- nitidamente se nos oferecem.
Pelo artigo 4.° fica o Govêrno autorizado a adoptar todas as medidas indispensáveis à completa execução da presente proposta, o que se nos afigura o único meio de resolver o problema com a necessária eficiência e prontidão.
Não sabemos, porém, se as "medidas indispensáveis" podem abranger a tributação dos acendedores mecânicos, do cordão para os isqueiros, e bem assim de todos e quaisquer artigos que substituam ou possam vir a substituir, isto é, que sejam sucedâneos dos fósforos.
Se assim não sucede ou se as nossas dúvidas são justificáveis3 é necessário ter essa circunstância em conta quando da discussão.
Mas entendemos desde já que um artigo novo devemos apresentar à consideração da Câmara, referente à importação do fósforo branco ou amorfo e à massa fosfórica, para efeito duma mais eficaz fiscalização do imposto.
Essa importação constituía exclusivo da própria Companhia, entendendo a vossa comissão que ela deverá passar agora a ser feita somente pelas entidades providas da respectiva licença de fabrico, e ainda por intermédio do Estado.
Assim propomos:
Artigo novo. A importação de fósforo branco ou amorfo e da massa fosfórica só poderá ser feita por intermédio do Estado, pelas entidades munidas da respectiva licença para o fabrico dos fósforos.
Sala das comissões. 17 de Março de 1925. - A. de Portugal Durão (com declarações) - Joaquim de Matos - Mariano Martins (com declarações) - Pinto Barriga (com declarações) - Lourenço Correia Gomes (com declarações) - F. G. Velhinho Correia (com declarações) - Prazeres da Costa - Artur Carvalho da Silva (vencido) - António de Paiva Gomes, relator.
Proposta de lei n.- 842-A
Senhores Deputados.- O País conserva bem fixas na memória as condições adversas e deploráveis em que, no meio de perturbações causadas pelo ultimatum de 11 de Janeiro de 1890, os credores da dívida flutuante externa, servidos por instrumentos funestos das finanças de Portugal, exigiram e conseguiram o monopólio do fabrico dos tabacos e a liquidação dos seus créditos por um empréstimo ruinoso,
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completado em 1896 com a garantia da renda fiscal daquela concessão e amortizável até Abril de 1926.
Todos se lembram igualmente das maquinações feitas em 1905 e 1906 pela Companhia dos Tabacos, em ligação com elementos da situação ao tempo dominante, para obter por mais tempo e com possibilidades de maiores lucros o usufruto do mesmo exclusivo, empregando para isso a oferta aliciadora de outro empréstimo em conversão do antigo.
As duas operações foram separadas uma da outra, por efeito das campanhas oposicionistas em que entrou o Partido Republicano, tendo sido apenas remodeladas as cláusulas do monopólio, pelo prazo que estava assegurado virtualmente desde 1890. Conseguiu o Govêrno alguns aumentos imediatos e futuros de renda, pelo contrato de 8 de Novembro de 1906, sem que, no emtanto, a Companhia dos Tabacos deixasse de ser considerada como um factor adverso ao levantamento das finanças e da economia de Portugal,
Sem dúvida alguma as funestas ambições da Companhia e as suas relações íntimas com políticos dos Partidos Monárquicos, foram uma das cansas que mais contribuíram para a queda do antigo regime, fazendo, juntamente com outras, crescer no País a opinião de que era preciso outro sistema governativo que, limpando a atmosfera da administração pública, desafrontasse os interêsses e os destinos da Nação.
Assim se formou no espírito de numerosos homens públicos, até dentro dos grupos monárquicos, e mais ainda nas correntes intelectuais do Partido Republicano, a idea firme de que, ao terminar em 1926 o prazo do monopólio e da amortização do empréstimo, deveria ser abolido o regime do exclusivo, para só implantar o da liberdade de indústria, de importação e de comércio com as necessárias vantagens para o Tesouro.
Uma necessidade superior de ordem moral e até política, na mais elevada acepção desta palavra, exige que desde Abril de 1926 esta solução seja praticada, até porque também a da régie não é aconselhável neste período pelos contratempos que vêm tendo em geral as administrações industriais feitas pelo Estado. Uma razão igualmente poderosa impõe êsse novo caminho para a exigência de todas as garantias possíveis para os reditos da Nação. Sejam quais forem as condições de carácter agrícola, industrial e operário que possam estar ligadas ao assunto dos tabacos, ninguém contesta sequer o princípio geral de que êle, acima de tudo, oferece um interêsse fiscal.
A renda respectiva da Fazenda Nacional deve pois ser a melhor de todas no quadro geral das receitas orçamentais. Ao mesmo tempo tem de ser o mais decisivo recurso de que lançar mão para a reforma financeira e económica que o Govêrno vai empreender.
Foi ultimamente posta em evidência, diante do Parlamento e do País, a quebra imensa que tiveram os rendimentos públicos dos tabacos pela desvalorização da moeda e por outros motivos, a par do grandíssimo desequilíbrio que se estabeleceu por êsse modo entre êles e os encargos do empréstimo a cujos serviços estão consignados. É desnecessário, por isso, insistir sôbre êste assunto.
A proposta orçamental rectificada, de 4 de Novembro dêste ano, tendo já em vista o disposto na recente lei e no tam discutido acordo sôbre os tabacos, eleva a renda fixa é 22:351.666$66 e a participação de lucros a 26:520.000$, ou um total de 48:871.666$66, que transformado ao câmbio de 101602,5 a libra, figurado naquele documento, representa apenas cêrca de £ 483.750 ou 2:176.875$ (ouro). Não chegaria isto a ser metade da receita anterior ao monopólio, e seria apenas cêrca de um têrço da que o Estado tinha ao desencadear-se a guerra europeia.
As necessidades superiores de reconstituição nacional exigem que de 1926 por diante a renda fiscal dos tabacos pelos direitos aduaneiros e imposto de produção, seja progressiva e corresponda inicialmente à de 1914, computada em ouro, havendo entre os primeiros e os segundos um benefício diferencial nunca inferior a 20 por cento a favor da indústria portuguesa.
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A esta orientação obedece a proposta de lei agora apresentada, tratando de elevar-se desde já a receita respectiva nos arquipélagos adjacentes, onde o Estado não está sujeito presentemente a nenhum regime contratual.
Na sua essência, a mesma doutrina tem de ser adoptada por motivos semelhantes, quanto ao fabrico e à importação de acendalhas, pavios ou palitos fosfóricos, uma vez que o monopólio industrial disfrutado pela Companhia Portuguesa de Fósforos termina em 25 de Abril de 1925.
A receita fiscal fixa proveniente dos fósforos é de 280.500)5, não havendo nela por vício do contrato a necessária progressividade. Na proposta orçamental rectificada ela atinge a verba total de 1:876.500$, ou 1:500 libras pelo câmbio acima considerado, ou ainda 80.325$ (ouro), o que é verdadeiramente insignificante.
O contrato de 25 de Abril de 1895 estabeleceu que a renda do exclusivo seria de 280.500$ acrescida de 3:47$ por cada série de 1:000 grosas do caixas, além de 175:000 de produção anual.
Passados já trinta anos, não é muito exigir que a receita dos fósforos se aproxime do dôbro da primitiva em ouro e que ela cresça com o desenvolvimento da população e da riqueza.
As ideas fiscais acima expostas exigem naturalmente que a fixação dos direitos e impostos, quer dos fósforos, quer dos tabacos, seja feita sucessivamente pelo Estado em harmonia com os princípios fundamentais estabelecidos para que os respectivos rendimentos sigam a necessária evolução.
Tanto é o que pretende a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° Desde 1 de Junho de 1926 vigorará no continente o seguinte regime dos tabacos:
1.° Liberdade de fabrico, pagando as fábricas por cada quilograma de tabaco produzido o imposto necessário para o Govêrno obter dêste e do direito aplicável à importação do tabaco estrangeiro manufacturado uma receita que no primeiro quinquénio seja, pelo menos, igual à que o Estado obteve pelo regime fiscal dos tabacos no ano industrial de 1913-1914, considerada em ouro ao par e que aumente sempre 7 por cento, pelo menos, em cada novo quinquénio, havendo um benefício diferencial de 20 por cento entre o mesmo imposto e o mesmo direito, os quais serão fixados sucessivamente em aplicação do que fica preceituado;
2.° Liberdade de importação, pelas fábricas, de tabaco em rama, talo, rolo ou outra forma não manufacturada, ficando elas sujeitas, mediante rateio, às obrigações que para a Companhia dos Tabacos de Portugal estão estipuladas no artigo 6.°, n.° 12,°, do contrato de 8 de Novembro de 1906, em garantia dos tabacos produzidos no Douro;
3.° Liberdade de importação de tabacos manufacturados por qualquer pessoa singular ou colectiva, pagando o direito fixado em harmonia com o n.° 1.°
a) Se fôr necessário ou conveniente proteger a produção agrícola de mais quantidade de tabaco, será isso feito de modo que o Estado tenha uma receita nunca inferior à que teria pelo que dispõem os n.°* 1.° e 3.°;
b) As fábricas serão vendidas ou arrendadas pelo Estado separadamente em hasta pública, antes de Janeiro de 1926, podendo sê-lo desde já para serem entregues nas condições em que EIS tem de deixar a Companhia dos Tabacos de Portugal, em 1 de Maio do mesmo ano, sendo os preços as rendas pagos em ouro. O Govêrno fixará as garantias a dar ao pessoal a que se refere o n.° 7.° do artigo 6.° do contrato com a Companhia dos Tabacos de Portugal, de 8 de Novembro de 1906;
c) O tabaco manufacturado no continente continuará a gozar dos benefícios diferenciais que lhe são assegurados nas colónias portuguesas, até serem modificados convenientemente os respectivos regimes aduaneiros;
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d) O mesmo tabaco pagará nas ilhas adjacentes o direito aplicável ao estrangeiro, menos 10 por cento;
e) O tabaco manufacturado nos arquipélagos adjacentes e importado no continente pagará os direitos estabelecidos em harmonia com os n.ºs 1.° e 3.° dêste artigo, menos 10 por cento, deduzida a importância do imposto pago na origem.
Art. 2.° Aplicar-se há nos arquipélagos adjacentes, desde a data dêste diploma, o seguinte regime, vigorando o disposto na primeira parte do n.° 3.° do artigo 1.°:
1.° O tabaco manufacturado que fôr importado em cada um deles pagará 3$50 (ouro) por quilograma, gozando do benefício diferencial de 10 por cento o que houver sido fabricado no outro arquipélago ou no continente;
2.° O tabaco manufacturado em cada um dos arquipélagos pagará um imposto de produção igual ao direito que o n.° 1.° dêste artigo estabelece, menos 20 por cento;
3.° Os aumentos de receitas que resultarem das disposições dêste artigo não serão compreendidos por quaisquer preceitos anteriores que tenham dado destino especial a rendimentos fiscais dos tabacos.
Art. 3.° Desde 26 de Abril de 1925 por diante são livres a importação e o fabrico de acendalhas, pavios ou palitos fosfóricos e ficam sujeitos ao seguinte regime no continente e ilhas adjacentes:
1.° O Govêrno fixará anualmente o direito aplicável à mesma importação e o imposto correspondente ao referido fabrico, de forma que entre aquele e êste haja um beneficio de 20 por cento a favor da produção nacional.
2.° A mesma fixação deverá ser feita de maneira que haja um rendimento fiscal progressivo, não podendo êle ser inferior, no primeiro quinquénio, ao dôbro da renda fixa anual estipulada na condição 2.a do contrato de 25 de Abril de 1895, ou 561 contos (ouro) por ano, e em cada novo quinquénio a esta renda acrescida de 7 por cento pelo menos.
Art. 4.° O Govêrno publicará os diplomas que forem indispensáveis para a completa execução do disposto nesta lei, atendendo aos legítimos interêsses do pessoal operário das duas indústrias.
Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrário.
Lisboa e Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 16 de Dezembro de 1924.- O Ministro das Finanças, Manuel Gregário Pestana Júnior.
Proposta de lei n.° 785-A
Artigo 1.° A contravenção ao disposto no artigo 1.° da lei de 23 de Agosto de 1913, que não permite o uso de acendedores portáteis, é punida com a multa de 2$.
§ único. Em caso algum serão apreendidos os acendedores a que se refere êste artigo, devendo apenas no respectivo auto de infracção efectivar-se o seu exame por dois peritos.
Art. 2.° Fica revogado o artigo 2.° da lei de 23 de Agosto de 1913, e mais legislação em contrário.
Palácio do Congresso da República, em 23 de Julho de 1924.- António Xavier Correia Barreto - Luís Inocêncio líamos Pereira.
Projecto de lei n.° 674
Senhores Senadores.- São gerais os clamores da opinião pública contra as irregularidades praticadas pelos fiscais da Companhia dos Fósforos, e da guarda fiscal ao serviço da mesma Companhia, que abusivamente se permitem proceder a buscas em casas particulares, e revistar cidadãos honestos e cumpridores dos seus deveres cívicos, com o fim de os autuar e os obrigar a pagar multas, sob o pretexto de usarem acendedores, cuja importação foi proibida por decreto de 3 de Abril de 1911;
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E considerando que a Companhia dos Fósforos cão cumpre as cláusulas do contrato de 25 de Abril de 1895;
Considerando que a referida Companhia se recusa a fornecer todos os tipos de fósforos que é obrigada a expor à venda, em especial dos destinados às classes menos abastadas e para fins domésticos;
Considerando que os únicos tipos expostos à venda, intitulados de luxo, são do péssima qualidade e fabricados com matérias explosivas, de que tem resultado vários incidentes lamentáveis;
Considerando que toda a acção do Govêrno por intermédio dos seus delegados nenhuns resultados profícuos tem produzido;
Considerando que os fósforos constituem um artigo de primeira necessidade, indispensável ao povo:
Por êstes fundamentos submeto à apreciação do Senado o seguinte projecto do lei:
Artigo 1.° A contravenção ao disposto no artigo 1.° da lei de 23 de Agosto de 1913. que não permito o uso de acendedores portáteis, é punida com a multa de 1$.
§ 1.° Em caso algum serão apreendidos os acendedores a que se refere êste artigo, devendo apenas no respectivo auto de infracção efectivar-se o seu exame por dois peritos.
§ 2.° Julgada improcedente a acusação, nos autos levantados por fiscais da Companhia, terá o arguido o direito de receber desta a indemnização de 20$.
Art. 2.° Fica revogado o artigo 2.° da lei de 23 de Agosto de 1913 e mais legislação em contrário.
Lisboa, 20 de Junho de 1924, -O Senador, Joaquim Crisóstomo.
Exmo. Sr Presidente da Câmara dos Deputados. - Estando a terminar (25 de Abril do 1925) o contrato para a adjudicação, por trinta anos, do exclusivo do fabrico de acendalhas e palitos ou pavios fosfóricos e isca, e sendo, por consequência, de presumir que o Estado, por intermédio do seu Govêrno e do Parlamento, dentro de breve tempo proceda ao estudo das bases a apresentar para um novo contrato ou para o estabelecimento dum regime diferente, os operários manipuladores de fósforos vêm, por intervenção da sua associação de classe, requerer desde já a V. Exa. para que, seja qual fôr a resolução que o Govêrno da República ou o Parlamento tomem sôbre tal assunto, não deixem de os ouvir antecipadamente, porquanto êles se encontram habilitadas com estudos baseados nos conhecimentos que a prática lhes forneceu para em qualquer hipótese poderem auxiliar os Governos e o Parlamento nesse trabalho com vantagens para o Estado.
Acresce ainda que, sendo esta associação a defensora dos interêsses duma enorme e laboriosa classe, julga ser de justiça, dadas as circunstâncias especiais que pelo contrato que vai findar agora lhe foram criadas, que êles sejam ouvidos sôbre um problema que tem para a sua vida a mais alta e capital importância.
E assim, confiados no espírito democrático e nos elevados princípios da justiça, da razão e do direito que devem nortear os dirigentes da República:
Esporam que V. Exa. se digne apresentar êste requerimento à Câmara a que V. Exa. tam dignamente preside.
Lisboa, 31 de Julho de 1924.
Pela Associação de Classe dos Operários Manipuladores de Fósforos Lisbonenses - Jerónimo Correia de Figueiredo - António Simões - José Rodrigues.
Pela Associação de Classe dos Operários Manipuladores de Fósforos do Pôrto - José Agueda - José dos Santos Trindade - António José da Silva Garganta.
Exa. mcts Srs. Deputados. - Perante V. Exas. vêm os signatários, importadores de tabacos, reclamar contra o decreto n.° 9:972, publicado no Diário do Govêrno, 1.ª série, de 8 do corrente.
Exmos. Srs. Deputados: a doutrina dêste decreto é o aniquilamento completo de
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uma classe, que tem tanto direito a viver como todas as outras, e que assim fica não só proibida de exercer o seu comércio, como até perdido fica o seu trabalho de muitos anos, visto que os preços por que têm o tabaco em casa depois do sobrecarregado com os 20 por cento do solo ultimamente levado a efeito, nem poderão vender as suas existências em comparação com os preços leitos pela Companhia e, assim, terão que vender ao desbarato o próprio tabaco que têm em casa ainda com os direitos antigos. Com os direitos novos não mais se despachará um cigarro; talvez alguns charutos havanos, e assim verá o Estado fugir-lhe uma receita que terá sido muito apreciável e que, cremos, não terá compensação.
Exmos. Srs. Deputados: o atropelo foi tam longe e a Companhia enredou de tal forma o Ministro que até o tabaco que estava na Alfândega - algum com despacho já feito e apenas não pago e selado muito por culpa da própria Alfândega, que não tinha pessoal, nem selos - querem que pague os novos direitos! E flagrante a injustiça, que o Ministro quere remediar, mas que diz não poder...
Exmos. Srs. Deputados: sempre se respeitou não só o que estava na Alfândega, mas o que estava em caminho e até o encomendado à sombra da lei vigente. Nos dois últimos anteriores aumentos foram os importadores prevenidos em suas casas de que até uma determinada data mandassem despachar, senão teriam que pagar os novos direitos; e assim se tem feito sempre. Agora, Exmos. Srs. Deputados, é o que V. Exas. vêem; e não fica por aqui a ambição dêsse colosso, pois que até os desgraçados estanqueiros, a quem a Companhia concedia um bónus especial nas marcas por ela criadas, fora dag da régie, ficam sem essa regalia e hoje terão que viver com uma média de 9 por cento, que será também a ruína de muitos, e assim é natural que agitem a classe e que esta defenda os seus direitos.
E a luta pela vida, Exmos. Srs. Deputados, em que todos são sacrificados e só a Companhia ganha.
Será racional que a Companhia tenha uma protecção, mas essa já a tem, que é a proveniente do câmbio, e, se outra lhe querem dar, que seja a equivalência entre o aumento que ela faça nos seus produtos e o seu preço actual.
Isso é que seria racional e nunca o que se decretou, que é a ruína completa dos importadores e dos vendedores de tabacos.
Terminamos, Exmos. Srs. Deputados, pedindo-lhes que revoguem a tabela dos direitos do importação anexa ao referido decreto e bem assim o artigo 3.° do referido acordo, pois, além do se tornar uma concorrência desleal, não é justo que a referida Companhia seja ao mesmo tempo fabricante e importadora, e que na elaboração doutra sejam salvaguardados os interêsses de todos.
Saúde e Fraternidade.
Lisboa, 11 de Agosto do 1924.- O gerente da Casa Haranesa, João Antunes Baptista - Manuel Vicente Nunes d' Ca. - Simas C' Ca.a, Lda. - Viuva Contreras & filhos- João de Oliveira Júnior - Roque, Pinto, Lda.
Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados.- Perante V. Exa. vem a Companhia Portuguesa de Fósforos expor os factos e considerações de ordem legal abaixo expendidos e pedir, em consequência, em defesa dos direitos postergados da reclamante, a valiosa e justa interferência do V. Exa.
Com fundamento no litigo 1.°, § 1.°, do decreto n.° l de 27 de Maio de 1911 e n.° 2.° do artigo 2.°, § único, do mesmo decreto, foi proibido no continente da República e ilhas adjacentes o fabrico, venda e uso de quaisquer acenderes portáteis análogos àqueles cuja importação fora proibida por decreto de 3 de Abril de 1911.
Foram estas disposições legais não só consequência legitima do dever do Estado na manutenção integral dos direitos que para a reclamante derivavam do contrato do exclusivo com ela celebrado, mas ainda a resultante natural do que dispõe a condição 26 a do mesmo decreto; e tanto mais de acatar eram tais disposições quanto o abuso sucessivo dos acendedores portáteis não deixava que as vendas de fósforos tivessem a amplitude que as condições do mercado poderiam facultar, com dano grave para a ré-
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clamante e não menor prejuízo das receitas do Estado, que são tanto maiores quanto mais subido o número de caixas vendido.
Recentemente e por virtude do disposto no artigo 3.fl da lei n.° 1:502, de 1 de Março de 1924, foram as multas impostas pelo uso dos referidos acendedores elevadas, juntamente com as demais imposições de idêntica natureza, embora essa elevação muito afastada se conservasse ainda das proporções em que a nossa moeda se encontra desvalorizada.
Mais recentemente ainda, no Senado da República e por proposta de um ilustre Senador, foi votado um projecto de lei, segundo o qual o uso dos acendedores portáteis seria punido com a multa de 2$ (a que inicialmente era imposta); os acendedores não seriam apreendidos e quando julgada improcedente a acusação, nos* autos levantados por fiscais da Companhia, terá o arguido o direito de receber desta a indemnização de 20$.
Ora, Exmo. Senhor, a proibição do uso dos acendedores é um direito adquirido pela Companhia, o qual como constituindo hoje parte integrante do seu contrato, não podem os poderes públicos ilidir, sem o prévio acordo da outra parte contratante; a perda do instrumento de delito, o acendedor, é uma consequência legal da pena aplicável, e constitui também uma garantia concedida à reclamante, que sem lesão dos seus direitos lhe não pode ser retirada: e a pena que se pretende impor, por motivo da improcedência da acusação, não passa duma violência, que facto algum pode justificar, desde que se não prove abuso ou ofensa de direitos por parte dos agentes.
Emfim, o aumento da multa, decuplicando-a, é harmónico com o que se procedeu relativamente a todos os casos semelhantes, inferior ao que deveria ser, tendo-se em conta a desvalorização da moeda, e uma garantia, com razão estabelecida, para pôr cobro ao abuso que em larga escala se está praticando do acendedor automático, violando-se os nossos direitos contratuais e defraudando-se, como acima dizemos, os interêsses do Estado.
A V. Exa. pedimos, pois, que se digne interpor a sua alta influência, a fim de que seja negada a aprovação na Câmara dos Deputados à proposta votada no Senado, e isto com a possível urgência, para se evitar que, não sendo revogada naquela Câmara, ela se torne lei da República.
Pede a V. Exa. deferimento. - Espera receber justiça. - Companhia Portuguesa de Fósforos - O administrador delegado, D. Luís de Lancastre.
O Sr. Presidente: - Está aberta a inscrição.
O Sr. Amâncio de Alpoim: - Disseram-me que estavam esgotados os exemplares do parecer. Pregunto a V. Exa. se não é possível ordenar uma nova impressão.
O Sr. Carvalho da Silva: -Ontem já sabiam tudo; hoje já não há pareceres...
O Sr. Presidente: - Está já a fazer-se urna nova impressão, apesar de já terem sido mais da dos distribuir pareceres aos Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Pestana Júnior.
O Sr. Pestana Júnior:-No cumprimento da disposição regimental, mando para a Mesa a minha moção:
Considerando que o regime de industrialização do Estado, com ou sem participação de capital particular, só é aconselhável naquelas indústrias que directamente se destinam à defesa e segurança da Nação:
Considerando que aos princípios republicanos repugnam os monopólios privados, constituídos por disposições de lei, e reconhecendo que a manufactura nacional de tabacos é hoje uma indústria de que vivem alguns milhares de famílias operárias e a que são devidos protecção e estimulo, sem esquecer que ela deve ser igualmente a maior fonte de receitas fiscais.
A Câmara dos Deputados convida as suas comissões especiais a rever os projectos e contraprojectos apresentados, elaborando um diploma que se baseie nos seguintes princípios:
1.° Liberdade, economicamente assegurada, da indústria e comércio dos tabacos, garantindo o pessoal operário e não ope-
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rário nela actualmente empregado, os consumidores e os vendedores;
2.° Arrendamento das fábricas do Estado;
3.° Rendimento fiscal mínimo de 7:500 contos (ouro), e passa à ordem do dia.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, Abril de 19á6.-Pestana Júnior.
Sr. Presidente: permita V. Exa. que eu estranhe a posição que me foi reservada neste debate.
Propositadamente não quis reservar para mim esta posição, o que podia ter feito de princípio se apressadamente tivesse pedido a palavra, para ter as primazias que essa posição dá.
Esperava que da maioria, daquela parte da maioria que propositadamente se desviou do seu programa partidário, se afastou dos velhos princípios da propaganda (Apoiados), e elevou adentro dos velhos princípios republicanos, o princípio de estatificação da indústria dos tabacos, esperava que da parte dessa maioria, da parte do Deputado que com declaração de voto mandou para a Mesa um projecto de lei, que foi relatado conjuntamente pela comissão de indústria e finanças, se pedisse a palavra.
Tal facto, porém, não se deu.
Saliento-o e faço-o gostosamente na posição, que todos os meus colegas me reservaram, de ser eu o Deputado que inicia o debate, com as faculdades e garantias que essa posição me dá.
Sr. Presidente: disse, ao iniciar as minhas considerações, que ia mandar para a Mesa uma moção em que ficam afirmados mais uma vez os princípios do meu Partido e 08 meus a respeito do problema que estamos a discutir. Essa posição eu a devo à minha situação partidária de republicano, que vem de longo tempo, desde que, tinha ouvido a propaganda sôbre a qual se fez a República, (Apoiados) e tinha lido o programa do velho Partido Republicano Português.
Ainda neste ponto mantenho os princípios de então, dessa propaganda em que se formou o meu espírito, ao tempo bem novo, e me firmou o não ter ainda motivo nenhum para passar para um regime de estatificação.
Sr. Presidente: esta questão apaixona o espírito nacional, como sempre apaixonam estas questões quando tratam de uma modificação de contratos da indústria dos tabacos; preciso fazer da minha parte uma declaração: conseguimos chegar até êste momento sem que possa haver uma suspeita de que os pontos de vista aqui manifestados sejam trazidos à discussão por qualquer interêsse particular.
Apoiados.
Sr. Presidente: é êste já um serviço que à República prestam os republicanos; na discussão de problema de tam magna importância não há ódios, e ninguém pode dizer que essa posição é tomada para defesa de um velho interêsse particular.
Há porém um ponto que eu hoje não versarei. Vou ter tempo para o tratar com demora.
Quero acentuar que se não trata de interêsses particulares; não há o desejo, o condenável desejo, de mostrar as clientelas famintas em volta de um determinado princípio político de um partido adentro da República.
Apoiados.
Seria uma política, má política, porém.
Apoiados.
Não me referirei, porém, hoje a êsso aspecto da questão porque desejo ao iniciar êste debate que êle seja e carado apenas sob o ponto de vista técnico, económico e financeiro.
Sr. Presidente: as informações que nos trouxeram as nossas comissões de estudo, as próprias informações escassas que nos trouxe o Sr. Ministro das Finanças, e aquelas ainda mais escassas informações que há cêrca de um ano eu pude trazer a, esta Câmara, quando daquele lugar sobraçava a pasta das Finanças, indicam bem que ao problema dos tabacos, por incúria de quem o devia estudar a tempo, por incúria - porque não dizê-lo? - da própria Câmara, que há mais de um ano nomeou uma comissão de estudo de todos os assuntos que se referissem a tabacos para poder assim estar informada e senhora da causa, por incúria dos funcionários que representam o Estado dentro na Companhia, a verdade é que lhe faltam muitos dados, dados que não poderão ser trazidos por nenhuma das nossas comissões, nem mesmo pelo Sr. Ministro. Tive, portanto, de procurar informações por outra via. E não me fica, o País devendo
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favor de espécie alguma, porque aos políticos o País não fica devendo favores quão do êles cumprem o seu dever.
Apoiados.
Procurei fazer um estudo consciencioso da situação, procurando tirar elementos dos números arrecadados pela Companhia, dos números, um pouco de duvidar, dados pela Alfândega, como sendo o do tabaco importado em rama. talo ou rolo; procurei-os na vasta literatura que sôbre matéria de tabacos existo, sobretudo nos países onde a indústria dos tabacos é uma riquíssima indústria, doublée duma grande indústria fabril; procurei averiguar do que êles valem sob o ponto de visto económico e aquilo que a indústria consegue dar nos estudos da Europa e até aos estados americanos.
Sr. Presidente: uma das cousas que saltam imediatamente aos olhos, quando lemos, ainda que seja à vol d'oiseau, os pareceres das nossas comissões especiais que estudaram êste assunto, é a falta de determinados dados, como seja o preço, custo cif Tejo, do tabaco a importar para manipulação completa e fabrico do tabaco nacional, e as chamadas cotas de fábricas, ou seja o custo da produção de cada uma das espécies gastas em Portugal. Sem isso parecem e que não haveria possibilidade de andar.
Tive, por consequência, de pôr os meus órgãos informadores na pesquisa dêstes pontos, para chegar à convicção, como cheguei, de que estou hoje senhor do que vale essa indústria, da forma como ela procedeu, do custo da matéria prima e do custo ou cota do fabrico.
Sr. Presidente: talvez porque nasci numa terra onde a influência do meio britânico se faz sentir, sempre a clareza do espírito anglo-saxónico, que. se não é, porventura, capaz de se elevar a grandes concepções ideológicas, é decerto capaz de se firmar em sólidos princípios que na prática dão óptimos resultados, me tentou; e, assim, procurei sobretudo começar o meu estudo pela técnica industrial e comercial dos tabacos na Inglaterra.
Sabe V. Exa. e a Câmara que na Inglaterra não há propriamente o sistema conhecido entro nós poio sistema das pautas aduaneiras. Lá os 40, 50 ou 70 artigos que hoje sofrem imposições fiscais para a entrada, em Inglaterra têm fixados na discussão e votação dos orçamentos quais os direitos de importação que terão de pagar.
Os últimos direitos de importação fixados na Inglaterra para tabacos, salvo êrro, são: 9 xelins sôbre quaisquer tabacos em bruto e 18 xelins sôbre tabacos manufacturados, por pêso-libra. Êstes números são de fixar para nós.
E verdade que a Inglaterra, possuindo um grande hinterland, tendo uma população exuberante e fumadora, conseguiu poder adoptar o regime dos drawbacks à espécie dos tabacos, fazer uma exportação superior àquela quantidade que no seu hinterland se gasta, tirar do tabaco consumido em Inglaterra uma larga e valiosissima receita dalgumas dezenas de milhões de libras e ter nos mercados externos os seus tabacos em competência com os tabacos doutras proveniências.
Escuso de dizer a V. Exas. que, cotejando mediamente os preços dos tabacos de Inglaterra e da imposição que lhes é lançada com os preços por que êles são vendidos no estrangeiro, nós temos a certeza de que os industriais dos tabacos fazem um descaradíssimo dumping.
Conhecem V. Exas. esta instituição económica de liberdade pela qual um país que tem um largo hinterland consegue tirar dum determinado produto uma larga receita fiscal e atirar o mesmo produto nas mesmas condições de manufactura, por preços irrisórios, sôbre os outros países, matando assim a mão de obra deles. É também esta uma consideração que não podemos ter em vista, pois que temos de defender em Portugal alguns milhares de famílias de operários que nesta indústria se empregam.
Apoiados.
Postas estas considerações, vou pròpriamente reverter à história do contrato dos tabacos, na parte em que elo mais directamente nos interessa, isto é, na sua última fase: 1907-1908 até 1926.
Quem cotejar os números fornecidos pela Companhia, e não corrigidos mesmo, como eu depois tive ocasião de corrigir, verá que nos últimos cinco anos o tabaco consumido em Portugal- e eu tomo sempre em todos os meus cálculis, e peço a V. Exas. para que se recordem disso, o, último quinquénio - foi, em nédia, por ano, 3.000.774 quilogramas, visto que se
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gastou nos cinco anos o seguinte, a saber:
Leu.
Evidentemente devemos ter uma explicação para esta importação larga de l milhão de quilogramas de tabaco manipulado em 1920-1921. Todos sabem porque êsse facto se deu, não vale a pena esmiuçar.
Vemos, porém, que êste consumo anual médio de 3 milhões deve ser o consumo português.
Uma das nossas comissões, não sei se a de finanças se a do comércio e indústria, fixou a capitação portuguesa de consumo de tabaco em 602 gramas; não deve andar longe da verdade êsse cômputo feito pela nossa comissão. Os números rectificados a que cheguei dão-me 630 gramas de tabaco consumido por cabeça em Portugal, não por cabeça de fumador mas da população. Êste número é inferior a todos os números conhecidos da Europa.
A capitação francesa é de 1:440 gramas a capitação italiana é de 960 gramas, a capitação espanhola, mal computada, anda por cêrca dum quilogramas, a capitação inglesas mal computada também, pelos livros que pude haver à mão, e num ainda bem recente, do ano passado, está calculada em 1:250 gramas. Vêem V. Exas. que a capitarão portuguesa de consumo, sendo a mais fraca, sendo menos de metade da capitação, podemos dizer, europeia, nos dá a segurança de que qualquer cálculo que laçamos com um número de 3 milhões e meio a 4 milhões de quilogramas está garantido êsse número de consumo, visto que tudo indica que aumenta êsse vício, que representa como muito bem diz a comissão de finanças, um vício a que se dão os pobres com desejo de manifestarem talvez a sua riqueza.
Êsse vício tende a aumentar e nós podemos ter, por conseguinte, a certeza de que, baseando todos os nossos cálculos nos 3 milhões e meio a 4 milhões de quilogramas, veremos dentro em pouco que êsse cálculo deve ser excedido e portanto que o nosso cálculo financeiro está bem baseado.
Outra cousa interessante de ver.
A Companhia dos Tabacos de Portugal firmou com o Estado um contrato, que foi depois aprovado por carta de lei de 27 de Outubro de 1907, pelo qual a Companhia
se obrigou a dar, afora de comparticipações sôbre excedentes de consumo, 6:520 contos, que, ao tempo, em 1907, eram 6:520 contos ouro, ao par.
É interessante ver qual era o lucro do Estado em cada quilograma de tabaco nesse primeiro decénio que vai de 1906 a 1916; tive a paciência de fazer êsse cálculo. Deixem-me, porém, V. Exa. dizer que fui levado a isso por o contrato me indicar que devia tomar êsse caminho.
O contrato dos tabacos, prevendo num dos seus artigos a cessação do monopólio privado e passagem à regi e ou à liberdade, estabeleceu que a Companhia entregaria ao Estado, quando da cossação do monopólio, 800:000 quilogramas de tabaco, e fixou qual o preço pelo qual o Estado receberia êsse tabaco.
Era assim redigida a cláusula 6.a do artigo 6.°:
Leu.
Quere dizer, calculava o contrato que sôbre o preço da venda bruta de tabaco o Estado recebia 68 por cento ficando, portanto, 32 por conto, para a Companhia, para o custeio das suas despesas e lucro industrial.
Fui ver se, na realidade, durante o decénio, que, podemos dizer, de normalidade da vida económica portuguesa, decénio de 1906 a 1916, o Estado havia recebido nessa proporção ou se essa proporção era apenas fixada para no final do tempo o Estado receber tabaco ainda com bonificação do preço.
E fácil de ver que não: nos primeiros dez anos de regime a renda média foi de 6:850 contos, e a venda média durante êsses dez anos foi de 2.550:000 contos. Se V. Exas. dividirem o primeiro pelo segundo número obtêm três escudos certos como receita do tabaco que o Estado recebeu por cada quilograma, e se forem ver aos preços médios do tabaco verifica-se que êsse preço médio da venda de tabaco foi de 4:400 contos nessa altura no decénio de 1906 a 1916. Se dos 4:400 contos o Estado recebeu 3:000 contos, a Companhia ficava com 1:400 contos, para fazer o maneio da sua indústria.
Será verdadeira esta conclusão assim tirada a priori?
É verdadeira. Se V. Exas. tomarem conta nos números, que estão apenas rectificados por ruim às dezenas de contos,
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nos números que as nossas comissões de estudo nos deram e dividiram a receita bruta do Estado pela quantidade de tabaco vendido em cada ano, vêem qual a porção de escudos que o .Estado recebeu por cada quilograma de tabaco.
Quere dizer, o Estado viu as suas receitas deminuídas.
Não se diga que esta queda de vendas foi derivada de quaisquer circunstâncias económicas e financeiras que impedi: em a Companhia de actualizar os seus preços. Não, porque ela baixou as suas vendas um têrço.
Vamos ver se eu consigo estabelecer uma média de preço dos tabacos, porque a Companhia faz segredo não só para o público como também para as próprias comissões.
O Sr. Soares Branco (relator): Nem eu lhe preguntei.
O Orador: - É claro. V. Exa. bem sabia que ela nada lhe dizia!
Eu soa um tomador, mas nunca julguei na minha vida de ter de percorrer a até estanco do País, de norte a sul, para saber quais os preços de todas as marcas; mas sei por bem empregado o tempo, porque consegui organizar uma tabela.
Leu.
Se V. Exas. entrarem com os preços da Companhia em falta desta conta encontram uma média do preço do tabaco de 63£30.
Mas há uma cousa que a comissão não quis dizer: qual foi a cota de fabrico das espécies vendidas pela Companhia.
Era interessante saber-se!
Sem se saber o preço da empreitada não é possível ter uma média do preço do fabrico.
Leu.
Dito isto, eu abro um parêntesis para discutir o problema da régie e o da liberdade de indústria.
Poderá o rapé da Companhia entontecer o País mas não chegará, a êste ambiente e nós poderemos ser claros sem infringir os princípios daqueles que sendo republicanos se habituaram a ter como lema a liberdade de indústria.
Não vou falar apenas para os meus dois ilustres colegas da minoria socialista
nem só para aqueles que me escutam nesta sala, mas para o País inteiro.
O Estado moderno vive afastado já cios princípios da violência - e eu chamo, como muitos tratadistas, princípios de violência aqueles em que a soberania de um homem domina e os outros obedecem - isto é, em plena democracia, salvas aquelas excepções que conhecemos na Europa, e a que nós, republicanos de sãos princípios, não podemos dar a nossa adesão, porque elas são, evidentemente, esporádicas e passageiras.
Todos os tratadistas modernos entendem que o Estado, hoje, não pode ser já o Estado do século passado. Quere dizer, todos estão de acordo em que ao Estado não compete apenas a salvaguarda dos interêsses nacionais; e, assim, sob o ponto de vista de industrialização, todos também concordam em que o Estado não só tem o direito, mas até o dever de ternas . suas mãos aquelas indústrias que directamente contendam com a defesa e com a segurança nacional.
Não entendem, porém, os tratadistas modernos de direito público, até mesmo os tratadistas socialistas, que ao Estado, de que êles, socialistas, são inimigos, incumbe, noutra qualquer industrialização, uma intervenção que não seja momentânea e apenas em casos fortuitos.
O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - Menos quanto às actividades fiscais - e a indústria dos tabacos está nesse caso - porque essas pertencem ao Estado.
O Orador: - Se V. Exa. se conjugou com a direita democrática, pela boca do seu homom técnico, a quem neste momento presto a minha rendida homenagem ao seu talento e à sua inconcussa probidade e às suas faculdades de trabalho, se V. Exa., repito, está de acôrdo com o meu amigo, Sr. Soares Branco, permita-me também que eu estranhe tal facto.
Que o Sr. Soares Branco, da direita conservadora, considere o problema dos tabacos um problema fiscal, está bem; mas que o Sr. Amâncio de Alpoim, da extrema esquerda socialista, considere êsse problema, àparte de 5:000 famílias portuguesas que dele vivem, e só o
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encare como um problema fiscal, é que eu não compreendo.
Entendo que o problema é, evidentemente, um problema fiscal, mas que tem uma base económica que nos cumpre estudar, analisar e defender.
Sr. Presidente: uma industrialização de Estado, que põe o tabaco nas mãos do Estado, sobretudo do Estado actual europeu e do Estado português, que não é nem melhor nem pior do que os outros, mas que é, igual, é Sr. Presidente, querer atirar sôbre os nossos olhos o rapé da Companhia dos Tabacos e eu não estou disposto a receber êsse rapé.
Todos nós sabemos, e não fica mal que se diga, que já lá vai o tempo em que o funcionário público era amante da sua profissão, cumpria os seus deveres, entrando e saindo às horas regulamentares. Hoje, infelizmente, ou porque o Estado não pague condignamente aos seus funcionários, ou porque elos tenham mais ambições, dividem a sua actividade, pelos interêsses do Estado e pelos interêsses particulares.
Sabemos também que a moralidade geral da sociedade e que a moralidade profissional têm descido muito. E estou já a ver o católico olhar para mim, e dizer que nós é que temos a culpa, por motivo da teoria "sem Deus nem religião".
Risos.
Se a situação é esta, se nós sabemos qual o pessoal com que podemos contar, é preciso, senhores, termos cautela com o que vamos fazer (Apoiados] para que o tabaco, receita fiscal do capital importância, se não dissolva entre os dedos, se não esvaia em fumo, e o Estado não tenha como em quási todos os serviços autónomos do Estado português, de receber cousa nenhuma e ir ainda todos os anos, por empréstimo, cobrir os deficits da respectiva exploração.
Apoiados.
De pensar, parece que são êstes princípios e êstes pontos de vista que estou a pôr a V. Exas. e notem que estou a pô-los sinceramente, sem parti pris, porque não quero misturar hoje, neste momento, a questão económico-financeira, como há pouco disse, com a questão política, que também tratarei.
Mas sinceramente estou a expor a V. Exas. o resultado do meu estudo, pois
julgo que a atenção do País deve ser chamada para êste assunto, para que êle saiba que há pelo menos alguém nesta Câmara, e não seremos poucos, que vê com desconfiança, que as circunstâncias actuais do País, da moralidade geral e da moralidade profissional em especial, desaconselham a régie.
Interrupção do Sr. Amando de Alpoim que não se ouviu.
O Orador: - As condições da indústria particular, se me afligem como português, não me afligem como representante da Nação, como sendo uma das parcelas da organização do Estado.
Apoiados.
O Sr. Amâncio de Alpoim: - Não apoiado.
O Orador: - V. Exa. diz "não apoiado", mas ainda ontem esteve aqui com o Banco Ultramarino nas mãos, e com razão, ano querer que se valesse ao Banco, porque entendia que, desde que êle se havia metido em cavalarias altas, se apeasse como quisesse.
O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo). - Mas valeram-lhe.
O Orador: - Valeram-lhe. Mas se o valimento é só aquele, também lhe digo que estou convencido de que é pouco.
O Sr. Amâncio de Alpoim (interrompendo): - Estamos de acordo.
O Orador: - A régie de Estado num País em que os caminhos de ferro do Estado dão deficit, em que a administração dos portos e dos correios e telégrafos não têm orçamento, nem apresentam as suas contas senão com quinze anos de atraso, ir, num País nestas condições, meter os tabacos nesse regime pelo qual o Estado confessa deslavada e vergonhosamente a sua incompetência administrativa, pedindo emprestado dinheiro que não precisava, pedir, pois outra cousa não representa a subscrição de acções privilegiadas com um juro em escadinhas, não compreendo.
Para que pedir êsse dinheiro emprestado à indústria particular?
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Apenas para que ela possa lá meter alguns administradores que cubram com a sua responsabilidade qualquer fracasso da exploração.
O parecer da comissão não é bom nem corajoso.
Efectivamente, se um Ministro das Finanças ou uma maioria, cônscia da sua fôrça, sabendo já quais as cabeças em que haveria de colocar as carapuças dos lugares chorudos e pequenos., viesse dizer que ia para a industrialização do Estado, não concordava, mas deixava-me numa posição de franca simpatia, visto que gosto som pró das situações corajosas, mas, aquilo que se fez não é bom nem corajoso, repito.
Então não haverá forma de nós condicionarmos, vá lá o têrmo, a liberdade de importação dos tabacos nas diversas espécies, de nós condicionarmos a indústria dos tabacos, por forma a que ela dê, sem. grande gravame do actual consumidor, uma receita três vez PS maior do que aquela que actualmente dá?
A comissão de finanças, pelo punho do seu relator, o Sr. Soares Branco, ao tratar ràpidamente da proposta de lei que eu tive a honra de apresentar à sanção da Câmara, quando Ministro das Finanças, teve um admirável sorriso, próprio da correcção de S, Exa., mas correcção que envolve um tanto de desdém, em que prova, apenas, o facto de S. Exa. se sentir leader, neste caso, de uma maioria esmagadora.
A minha proposta de lei que, lida por quem a quisesse ler sinceramente era apenas um conjunto de bases para estudo da Câmara e a directriz dada pelo Poder Executivo no sentido de melhor condicionar o interêsse do Estado, deixando à Câmara toda a liberdade para desenvolver, aperfeiçoar e modificar essas bases, foi considerada pelo Sr. Soares Branco uma proposta confusa, nada explicando. Contudo todos sabem que eu só tinha podido dar uma directriz, visto que nem a mim nem aos que me sucederam na pasta das Finanças foi dado receber dos funcionários da fiscalização da Companhia e da própria Companhia aquelas informações necessárias para elaborarmos num momento uma proposta de lei.
Sr. Presidente: eu tenho o vício de ser um homem que lê. E um vício mau, porque, num País de iletrados, as pessoas que adquirem os vícios que da leitura advêm pensam que estão numa sociedade intelectualizada e num determinado momento têm de constatar que, falando a mesma língua, num sempre podem entender-se com os outros.
Temos, efectivamente, de reconhecer que não somos capazes de transmitir os nossos pensamentos aos nossos semelhantes e que, ou nós nos inferiorizámos tanto pela leitura, ou êles subiram tanto pelo seu analfabetismo.
Vem isto a propósito para dizer que estou no conceito de direito público pelos que afirmam, modernamente que não há uma independência de poderes do Estado.
Essas doutrinas são dos tais tempos da concordata entre o soberano e o povo, daquele grande País onde nasceu, se desenvolveu e melhor floriu o constitucionalismo. O antigo conselho privado de Sua Majestade mio é mais do que uma comissão parlamentar.
E porque eu entendo assim, porque eu julgo que o Poder Executivo, assim chamado adentro de um Estado regulado pelas normas parlamentares, não é mais do que o representante do Poder soberano que aqui e exclusivamente aqui reside, entendo que aos homens que fez sentam naquelas cadeiras incumbe serem os olhos vigilantes e atentos de todos os que aqui estão e que não podem obter elementos de informação semelhantes.
Por conseguinte, do Poder Executivo só podem sair directrizes para que os técnicos que aqui se encontram as transformem, desenvolvendo-as, num corpo de doutrina.
Pensando desta forma e sendo Ministro das Finanças, e o partido histórico em que eu estava filiado tinha um programa de liberdade de indústria, programa que não fora revogado por nenhuma resolução dos seus congressos - outra assemblea também soberana adentro dos partidos - eu, a um ano de data da terminação do contrato, mandei para a Mesa uma proposta de lei na qual substancialmente queria ver garantido o mínimo da renda recebida pelo contrato de 1906, ou seja, 6:520 contos (ouro), desejando que essa receita fiscal saísse do regime da liberdade.
Um Ministro das Finanças, um Govêrno que assim procede, saindo de um Partido
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que assim pensava, poderá merecer tudo menos ser apedrejado, a não ser que tenhamos de concordar em que não vale a pena ler e que devemos ser todos analfabetos.
Na pasta das Finanças encontra-se presentemente um homem que, dias depois de eu apresentar a proposta da liberdade de indústria, fazia do alto do seu jornal, onde êle pontificava como criatura distinta que é, a defesa do regime que eu propunha, dizendo que não tinha ainda os elementos que lhe permitissem afirmar que essa liberdade pudesse manter-se. mas declarando que era fundamentalmente pela liberdade.
Interrupção do Sr. João Camoesas, que na o se ouviu.
O Orador:-Eu ouvirei o Sr. João Camoesas com toda a atenção e terei ensejo do responder a S. Exa. rebatendo os seus argumentos um por um, na convicção em que estou de que, sob o ponto de vista técnico, nós estamos todos aqui sinceramente, mas eu não esquecerei a previdência política de S. Exa., para ver por detrás das suas palavras o interêsse político do seu Partido.
Sr. Presidente: se nada na orgânica do Estado moderno nos indica que uma industrialização de tabacos seja necessária à defesa e à vida de uma sociedade nacional, se demonstrarmos que no regime de liberdade nós conseguimos receitas fiscais que não correm o risco de serem precárias por absorvidas pelas más administrações das régies, teremos feito trabalho útil demonstrando ao País que aqueles que querem o regime da liberdade por princípio e por tradição republicana, na medida da sua inteligência, do seu saber e do seu esfôrço, todo votado ao bem do País, conseguiram concatenar o conjunto de medidas necessárias para que as receitas fiscais se arrecadem, não corram risco e, assim, não seja precisa a régie, pois que ela só pode surgir preconizada para que melhor se arrecadem as receitas do Estado.
Apoiados.
Sr. Presidente: já sabemos, não devíamos, pelo menos, ter esquecido nos poucos minutos que esta divagação política levou, qual o preço médio actual dos tabacos vondidos pela Companhia dos Tabacos, ou seja 63$30,
Duas variantes de indústria de tabacos podem aparecer num determinado momento. V. Exa. mesmo, Sr. Presidente, quando passou pela pasta das Finanças, reduziu a indústria dos tabacos a uma só espécie, não permitindo, e bem nesse momento, que nos entrepostos alfandegários se fizesse o empacotamento e manufactura de tabacos.
Proibiu V. Exa. isso pelo decreto de 6 de Agosto de 1924. Mas se nós formos para um regime em que se não ponha a proibição da importação dos tabacos já manipulados e prontos para serem manufacturados - explico os dois termos empregados e que são da tecnologia da matéria: chama-se tabaco preparado o que já está disposto para acabar a sua transformação pelo acondicionamento em tabaco picado ou em cigarros ou charutos, que é a sua manufactura - se nós permitirmos a importação dos tabacos em rama, talo ou folha, e permitirmos também a importação dos tabacos já preparados, mas não acondicionados em tabacos para venda, nós teremos dentro em pouco duas indústrias. E, assim, uma pode matar a outra por intermédio dos países com grande hinterland e que podem lazer a exportação por baixos preços.
Vamos ver como é que nós podemos dentro de um regime do liberdade antever com toda a segurança a forma económica como a indústria se desenvolverá.
Nunca nos quis dizer a Companhia dos Tabacos quanto custava a sua matéria prima. Fez sempre disso um largo segredo. Várias vezes se lhe preguntou, o sempre se nos escapou por tal forma que as informações que hoje trago à Câmara, e que não foram fáceis de colhêr, foram sempre ciosamente guardadas pela Companhia dos Tabacos, que, ao informar-nos dos preços da matéria prima, sempre nos indicou cotações representando o triplo das reais.
O mercado geral dos tabacos não é de modo nenhum um mercado escondido cujos preços não possamos conhecer. Os tabacos importados em Portugal são, sobretudo, tabacos do tipo Virgínia, claro e vermelho, tabacos Java, tabacos vindo, também, de Sumatra, alguns de Alger, e, pelas suas procedências, nós podemos saber quais os seus preços.
As cotações do último mercado ferves-
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conte - é assim que os cubanos denominam os mercados no período de grandes compras, como denominam dormentes aqueles em que as compras são reduzidas - essas cotações deram, para os tabacos uma média de 60 a 65 libras por tonelada. entendendo-se que êstes tabacos vêm fermentados e estufados e que o tabaco em tais condições recebe ou pode receber em humidade e produtos odoríferos entre 15 e 30 por cento, que, juntos ao tabaco, vêm a ser Tendidos como se tabaco fossem.
Há ainda a notar que a tonelada do tabaco, que se poderia julgar ser de 1.000 quilogramas, não o é, como também sucede com o trigo, sendo de 1:115 quilogramas.
Não fiz, nem me interessa fazer, o cálculo a essa diferença dos 1:000 para os 1:115 quilogramas, porque apenas me interessou saber que êsse tabaco fermentado e estufado pode, no dizer dos entendidos, receber entre 15 e 30 por cento de vários produtos. Entrei nos meus cálculos com percentagem mais baixas, e então, se os tabacos custam entre 60 e 65 libras por tonelada, temos que cada. quilograma anda ao redor de 6$.
A cota média de fabrico, que já disse como se obteve para êste meu cálculo, é de 8$12. Calculando, como quere a nossa comissão de finanças, que sejam precisos 1:500 contos ouro para o capital de maneio da indústria dos tabacos, e sabendo-se qae os maquinismos do Estado, boje em posse da Companhia dos Tabacos, não excedem ao seu valor de inventário, 1:500 contos, e bem assim que aos vendedores e revendedores se dá entre 10 e 14 por cento - 13,47 por cento - poderemos então fazer o cálculo da produção industrial.
Preguntarão V. Exas. como é que num regime de liberdade se iria procurar o direito pautal a lançar sôbre os tabacos em rama.
Voltarei ao contrato de 1906, que ainda nos proporciona ensinamentos. Nesse contrato diz-se que, ao terminar o exclusivo da Companhia dos Tabacos, ela pagará pelos tabacos que tenha em seu poder, em rama, talo ou rolo, um determinado direito, que é de 2(5001 réis. e que pelo manufacturado, para entrar no mercado, pagara 4$500 réis. Quere dizer, o Estado, que tinha vindo progressivamente aumentando o seu imposto sôbre os tabacos, imposto que no regime de liberdade chegará a 1&800 e tal réis, fixava em 2já001 réis o imposto a cobrar pelo tabaco em rama, talo ou rolo que a Companhia tivesse ao terminar o exclusivo.
Tratando-se de tabaco, que é um artigo de luxo - o tal luxo que o nosso ilustre relator da comissão de finanças julga supérfluo, apesar de ser um fumador e de não querer aparentar uma riqueza grande - bem se poderia fazer incidir sôbre êle um imposto progressivo. Sem grande prejuízo, nem para o consumidor, como demonstrarei, nem para a indústria, como também hei-de demonstrar, poderíamos elevar êsse imposto de 2$001 réis a 2$10.
Uma voz: - 2$10 ouro?
O Orador: - Sim, 2$10 ouro. Fixo sempre o padrão ouro, e a êste respeito, desejo dar uma explicação às pessoas que tenham por acaso receio de que eu quero sacar ouro à economia nacional. O ouro aqui é apenas uma moeda de conta para termos uma maior fixidez no imposto. Se sempre se tivesse adoptado o padrão ouro não estaria a Companhia em vésperas de dar o seu capital avantajadamente retribuído depois de ter dado enormes dividendos.
Teremos, portanto:
Leu.
Direi a V. Exas. o que é esta verba de arrendamentos. Entendo que as fábricas do Estado se devem arrendar, e por uma renda base que tenha probabilidade de ter industriais que a possam pagar, tendo se assim a certeza de que o operariado não irá para o desemprego, não irá para o chômoge, pois não podemos esquecer que há cerce de 5:000 famílias que desta indústria vivem.
Um àparte do Sr. Amando de Alpoim.
O Orador: - Há-de ver-se que o tabaco de que se trata é o tal tabaco fermentado e estufado.
Há uma diferença entre o preço da venda do tabaco e o preço do custo, de 10$72 por quilograma.
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As fábricas do Pôrto e Lisboa têm produzido 3.000:500 quilogramas de tabaco. Podemos calcular em 15:160 contos, que, ao câmbio actual, darão o juro de 6 por cento ao capital.
Não entro aqui em linha de conta com uma outra questão; faço-o num outro projecto a seguir a estas considerações mínimas.
Mas tendo o tabaco, durante os calores, tido a diferença de 10 por cento, o tabaco estufado tem uma diferença mínima de 10 por cento?
Os que assim pensarem não sabem que o tabaco picado tem uma porção de água que não pode ser expulsa pelo calor, e muito manos pelo calor das estações.
Temos assim garantido que as actuais fábricas podem trabalhar. Mas diz-se: "Isso é um monopólio de facto, porque quem fôr arrendar as fábricas não se arrisca depois, a construir outras fábricas, porque isso levaria muito dinheiro, e ninguém quererá arriscar-se a tanto".
Sr. Presidente: podem importar tabaco já manipulado.
Vejo aqui presente um meu ilustre amigo e Senador que sabe quanta verdade eu digo!
Nas nossas ilhas os utensílios dos tabacos são tam reduzidos que nós podemos dizer que os aparelhos mais modernos são de menos importância.
Torna-se necessário fazer uma remodelação nos armazéns para que a saúde dos operários não sofra, como se faz lá fora.
A respeito de cartel eu preciso dar um informe à Câmara.
Na suposição de que uma maioria existe no Congresso da República que advoga a régie, eu devo dizer que fui informado há tempo de que se tinha organizado nesta cidade uma instituição que representa uma grande quantidade de produtores de tabacos e fósforos da qual resultaria ficar com a régie e teria as suas comissões de revendedores em comandita e que uma larga importação de tabaco se estava planeando.
A esta instituição o Estado teria de se subordinar para poder fornecer tabaco à Nação.
Nós bem sabemos que o preço do tabaco não pode ser aumentado sem que o consumo deminua, porque êle não é só consumido pelos fumadores viciosos, mas também por diletantes que, quando o seu diletantismo sai caro, deixam de fazer uso do tabaco.
Para princípio dêste debate, já demasiadamente tomei a atenção da Câmara.
Sr. Presidente: neste momento, e porque, naturalmente, de outros lados da Câmara alguém se levantará para usar da palavra afirmando doutrina, igual ou contrária à minha, não desejo prolongar mais as minhas considerações.
Eu que habitualmente, e V. Exa., Sr. Presidente, sabe-o bem, não costumo moer palavras nem gastar tempo, vi-me obrigado por vezes a ser prolixo, de maneira que V. Exas. estão naturalmente cansados e o meu aparelho fonador ressente-se extraordinariamente neste momento.
Não terminarei, porém, as minhas considerações sem desejar sinceramente que a paixão política que porventura venha a surgir dentro dêste debate, e oxalá que ela venha, porque a paixão política não é cousa de que os homens públicos e políticos tenham de se envergonhar, que essa paixão nos não leve a atirarmos à cara uns dos outros com baforadas de fumo que possam de qualquer maneira enegrecer a nossa dignidade.
Por minha parte aqui faço a promessa de que se violento o apaixonado fôr no debate político em que êste assunto vai naturalmente cair, em qualquer palavra que da minha boca surja não há intenção de ferir ninguém porque quando quisesse ferir poria francamente, como se diz na minha terra, o nome aos bois.
Sr. Presidente: não é com a calúnia, não é com a injúria, não é com a protérvia que nós, dêste lado da Câmara, fazemos política. Estamos dêste lado da Câmara numa posição perfeitamente à vontade. Membros que fomos de um partido apresentamos uma proposta adentro do programa dêsse partido.
A um ano de luta nada nos moveu para que mudássemos de intenções. A bandeira que arvoramos então conservámo-la arvorada.
Sr. Presidente: aqueles que, contra a vontade da Nação, manifestaram de les a les nesta terra de Portugal, até pelos próprios correligionários e filiados do partido que amparam esta proposta, aqueles que contra a vontade dessa Nação que pelos seus órgãos de informação, pelos
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seus órgãos políticos, com excepção de raros órgãos políticos dessa facção, têm manifestado que são pela liberdade de comércio e indústria e desejam que se não metam questões escuras dentro dêste assunto, mas que se acautele o Estado com toda a segurança, têm em nós, poucos que somos, os seus porta-vozes.
Oxalá que junto de nós e nós juntos de outros se levante na Câmara um grupo que fora da política, acima de todos os políticos, saiba fazer política nobre, a política sã de rejuvenescimento das finanças nacionais.
Temos hoje a mesma posição que tinha-mos ontem; estamos no pôsto onde estávamos e hoje estamos convencidos de que connosco está consubstanciado o espírito do País.
Sr. Presidente: há, por vezes, situações custosas, e adentro da questão dos tabacos, eu sei, a história no-lo ensina, que se geraram valias crises políticas da Nação Portuguesa. Crises políticas de partidos essas não interessam à Nação: crises políticas de regime essas interessam-nos a nós republicanos.
Que triunfe, que siga no carro da vitória o Partido Democrático, que- se esfacelem os conservadores e radicais, aqueles que a essas correntes pertençam, isso não tem interêsse para a política geral, mas que nada que aqui Se fizer possa deminuir o prestígio da instituição republicana que todos nós republicanos temos obrigação de amar e defender.
Sr. Presidente: desejando que êste debate se eleve do apoucado da minha voz, da falta- de conhecimentos, da falta de inteligência que em mi m não habita, para outras vozes mais potentes e canoras desta casa do Parlamento, para outras inteligências mais fulgurantes e brilhantes, tornando assim êste debate qualquer cousa de elevado e nobre que dignifique a todos, eu desejo que o País ouça atentamente as palavras que aqui se proferem e aquilate das nossas intenções, porque êle, finalmente, há-de ser o juiz e julgar-nos em definitivo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi admitida a moção.
O Sr. Soares Branco: - Sr. Presidente: em virtude das atribuições que a comissão de finanças entendeu delegar em mim, cabe-me a honra de opor algumas considerações àquelas que acabam de ser produzidas pelo ilustre Deputado e meu amigo Sr. Pestana Júnior.
Começarei, Sr. Presidente, por acompanhar S. Exa. na estranheza de que num problema desta natureza, iam ansiosamente pedido para a discussão, houvesse da parte da Câmara tam pouca ansiedade em iniciar essa discussão, visto que, como S. Exa. disse, foi a custo que tomou para si a incumbência de iniciar essa mesma discussão.
O Sr. Manuel José da Silva: - V. Exa. dá-me licença?
A discussão na generalidade em qualquer parte do mundo e em torno de uma questão desta importância, de uma discussão destinada mais a afirmações de ordem política, e, havendo partidos nesta Câmara, com os seus elementos directivos, era natural que tossem êsses elementos a iniciarem esta discussão, quer a atacar, quer a defender.
O Orador: - O Sr. Manuel José da Silva tomou para si uma referência que acabei de fazer e que, creio, ninguém poderá ter por desprimorosa.
De facto, como S. Exa. nos tem. habituado a ouvi-lo falar sôbre todos os assuntos - e sempre com muita competência - a êle me poderia referir. Não tenho, todavia, que alterar aquilo que disse.
O Sr. Pestana Júnior dividiu a questão em três partes ou, pelo menos, fundiu uma destas em dois aspectos distintos : a questão económica, a financeira e a política. Talvez porque sou um político de muito recente data não sei distinguir bem êstes aspectos uns dos outros; não sei bem onde uma destas questões termina e onde começa a outra. Eu procurei orientar o meu trabalho por alguns princípios, aos quais o subordinei. De forma que tudo quanto eu vier dizer sôbre o aspecto económico-financeiro desta questão será. como foi, condicionado pelos princípios políticos que eu professo.
Chamou-me S. Exa. "um conservador" a dentro do Partido Republicano Português. V. Exa., Sr. Presidente, como membro do directório do partido sabe bem se foi o movimento de um conservador
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aquele que eu tive ao ingressar no Partido Republicano Português?
V. Exa. há-de lembrar-se como se desenhava neste País uma fôrça tam demagógica, tam jacobina, no sentido radicaleiro da palavra, fôrça que envolvia, em autêntico sítio, o Estado português, procurando coarctar-lhe todos os movimentos e fazer-lhe todas as imposições. Estávamos nos últimos meses do ano de 1924. A moeda portuguesa, bem ou mal tinha oscilado durante algum tempo, tanto quanto possível manietada nas tendências que lhe faziam imprimir. Tinha chegado ao auge. O trabalho de preparação do governo Álvaro de Castro e o de execução do Ministério a que V. Exa. Sr. Presidente, presidiu, tornaram possível o afirmar-se que uma queda vertiginosa não conseguira atingir o zero. Ocioso seria dizer que só, se êsse limite se atingisse, poderiam persistir as supostas benéficas soluções que algumas fôrças dêste País julgavam tirar com a exportação.
As tabelas e os dados que a comissão de finanças e a comissão de comércio e indústria podem trazer à Câmara demonstram que o que se pretendeu fazer era apenas uma substituição do trabalho nacional pelo estrangeiro. Essa circunstância, avolumada com aquelas que resultavam do aumento de impostos e, com a deminuíção dos prémios da exportação, o que era originado pela constante queda da moeda, traduziu-se num movimento, da opinião pública que tinha a conduzi-la pessoas feridas nos seus interêsses para elas certamente legítimos mas que não menos legítimo seria ao Estado o condicionar pelos interêsses gerais da colectividade. Não foram felizes essas horas e não foram por consequência para o partido democrático de verdadeira felicidade as condições em que se mantinha no Poder.
Tenho por vezes ouvido clamar que a coragem pertence àqueles que do lado das oposições sabem falar e impôr-se visto que, não tendo por si o número, estão em inferioridade de circunstâncias. Creio que não falto à verdade dizendo que em Portugal e em muitas ocasiões esta afirmação é um paradoxo. Há muitas vezes mais coragem em estar numa frente única ao lado dos governos que se vêem sitiados por todos os lados não sabendo de onde os tiros podem partir do que estar do lado das oposições que não têm tantas responsabilidades e que tudo têm a ganhar no mal que façam ao Govêrno e que arrastam fàcilmente a massa dos descontentes que é numerosa quási sempre.
Se eu, por fazer parte de um partido que tem ocasionalmente a maioria nesta Câmara, viesse afirmar neste problema apenas aquilo que os números me pudessem garantir, declaro a V. Exa. que me sentiria absolutamente vexado (Apoiados). Posso incorrer em erros;- mudarei de opinião se mós demonstrarem, mas façam-me a justiça de afirmar que o meu trabalho foi consciencioso, que ao apresentá-lo não me deixei levar pela idea do que seria mais provável que a maioria votasse. Ao elaborá-lo contei desde logo que todos os que aqui estão exporiam os seus pontos de vista para que claramente se decidisse sôbre aquilo que mais convém à economia nacional. É assim que penso; só assim votarei, muito folgando se, no caso do meu trabalho não corresponder aos superiores interêsses do País, alguém me convencer do contrário, sendo, portanto, votado um ponto de vista diferente do meu.
Numa serenidade que as palavras que acabo de proferir nunca serão capazes de alterar, eu também me regosijo de que o problema dos tabacos seja discutido nesta Câmara da forma como espero virá a ser sempre tragado, isto é, à face dos princípios, princípios que todos nós temos obrigação de defender com calor, acompanhado da maior das considerações e dos respeitos.
Apoiados.
Todos nós temos, dentro desta sala, uma qualidade: a de sermos políticos; e, se o somos, se o queremos ser e se nos encontramos, neste momento, injustissimamente vaiados, é unicamente porque temos a coragem de afirmar o que pensamos e porque temos também a coragem de dizer que não podem ser aqueles que não são políticos que monopolizam a honestidade e a inteligência.
Apoiados.
Eu creio que o verdadeiro político é sincero e sabe traduzir aquilo que os seus eleitores legitimamente esperam dele.
Apoiados.
É minha fórmula invariável ter princí-
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pios, mas ser absolutamente maleável dentro da execução dêsses princípios.
Nós estamos, por assim dizer, passando em revista as diferentes formas ou regimes que a exploração dos tabacos pode ter em Portugal, procurando auscultar--nos mutuamente, para saber qual dêsses regimes poderá ser considerado como o melhor.
Não foi. certamente, de ânimo leve que o Sr. Ministro das Finanças, depois de ter apresentado a sua proposta nesta Câmara; afirmou, em algumas entrevistas que concedeu, como que uma transigência com o que então se dizia que era - e ainda hoje se diz que é - uma forte reclamação da opinião pública.
Eu nunca falo para as galerias, nem espero vir a falar, embora por elas tenha, como por toda a gente, a maior consideração; mas que opinião pública é esta que, anunciada a discussão dos tabacos, não tem nestas galerias uma representação condigna?
Eu creio que temos tido nesta Câmara sessões muito mais numerosas do que esta.
Então, afirmemos que a coacção que podia existir e pesar em algum de nós não existe, e que é em plena liberdade que havemos de auscultar e afirmar o que é essa verdadeira opinião pública.
Ouvi aqui ontem fazer várias referências acerca da maneira como êste trabalho tinha sido elaborado e apreciado na comissão de finanças; anteriormente tinha escutado em silêncio as reclamações que tinham sido feitas acerca da não apresentação dos pareceres.
De facto, houve um contraste flagrante entre a maneira de trabalhar da comissão do comércio e indústria e da de finanças. Foi presente, e pela primeira vez. o problema dos tabacos à comissão de comércio e indústria, e êle era tam distinto do problema financeiro que eu entendo que muito bem andaram aqueles que foram de opinião que essa comissão devia ter a primeira do seu estudo.
Essa comissão teve numerosas reuniões, efectuou várias visitas e explanou, tanto quanto possível, os seus pontos de vista; mas de tudo isto apenas resultou que quem estava convencido de que a régie era o melhor sistema continuou na mesma, tendo os que professavam opinião contrária apresentado um projecto, concretizando o seu ponto de vista.
Na comissão de finanças havia quem pensasse - e era a maioria dos seus membros- que a régie, com ou sem partícula, era a melhor fórmula, e, por isso, natural era que alguém que representava essa maioria elaborasse um parecer, que depois colhesse as assinaturas da maior parte dos componentes dessa comissão.
O parecer não chegou a ser discutido.
E para quê?
Para cada um ficar com a sua opinião?
Mas, se procedêssemos de outra forma, não faltariam recriminações pela demora na elaboração e discussão dêsse parecer.
O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): - Então, para que serve, neste caso, a discussão aqui na Câmara?
Ficamos sabendo os propósitos da maioria ...
O Orador:-Não era, certamente, ao Sr. Carvalho da Silva que se referiam as minhas palavras, porque S. Exa., até hoje, apenas foi a uma reunião da comissão de finanças, aquela em que se apreciou o projecto sôbre a personalidade jurídica da Igreja.
Risos.
Prático não sou; mas, emfim, com aqueles conhecimentos que derivam da minha profissão de militar, ou sei o que se chama um pôsto avançado de posição.
Um pôsto avançado de posição é uma pequena fortificação, natural ou artificial, que se coloca à frente duma linha onde nos defendemos. O inimigo nunca sabe onde está a principal resistência que se lhe oferece; mas, encontrando na sua frente alguma cousa que o molesta e que fàcilmente pode ser batida, instintivamente rodeia-a, desenvolve o seu ataque e permite aos que estão na defesa avaliar qual o valor dêsse ataque e do número dos atacantes.
Ora a régie é a fórmula que pode ter defesa sempre, que a tem sempre, e que só pode ser contraditada, não no campo dos princípios, mas no campo, digamos assim, da desconfiança das pessoas que dirijam essa administração. A régie associada é, evidentemente, um regime que, participando da régie pura e do monopó-
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lio privado, tem naturalmente as vantagens e os inconvenientes que a qualquer dêstes dois sistemas podem ser atribuídos.
Por toda a parte, em todos os tons e num coro que, digamos assim, a minha sensibilidade, e ela realmente talvez seja excessiva, não sente, tem-se procurado mostrar afinidades políticas com o sistema da régie. Considera se que a régie é essencialmente um regime que, entregando ao Estado a administração de uma das principais receitas do mesmo Estado, trará, não pelo que representa em princípios, mas pela má execução que derivará de um tal regime, causada pela má direcção que a essa indústria pode ser dada pelos seus directores, um resultado funesto.
Esquecemo-nos todos que todos somos portugueses, que vivemos na mesma sociedade e que não tinha com certeza esta sociedade escolhido, separado de uma maneira notada os bons dos maus, chamando mau a tudo quanto é político, chamando bom a tudo quanto na indústria e no comércio livre tem exercido a sua profissão.
Mais do que isso!
E posso dizê-lo, porque o meu ilustre amigo e Deputado Sr. Pestana Júnior referiu-se várias vezes, ainda que duma forma velada - visto que S. Exa. não quis neste momento e desde já fazer a questão chamada política do regime dos tabacos - ao assunto. Pretende-se afirmar que êste regime da régie não terá outra consequência senão o monopolizar por parte de um partido favores que radicarão no País êsse mesmo partido. Ora, Sr. Presidente, o dilema é fatal: ou nós acreditamos que há possibilidade de encontrar, de entre os indivíduos que compõem a sociedade portuguesa, homens que sejam capazes de dirigir uma empresa- e então eu não acredito que possa haver êsses homens senão dentro daquelas emprêsas que tenho realmente visto que por bem apetrechadas não se apresentam - ou nós acreditamos que não existem êsses homens e então é melhor fechar a porta. Nós, de resto, não estamos a fazer nenhum regime para estranhos, estamos a íazer, ou por outra, a adoptar o que existe para nosso usufruto, para nossa administração. Havemos, pois, de nos administrar com a prata da casa.
Eu não sei, Sr. Presidente, na verdade, quais as consequências do trabalho que porventura o Sr. Pestana Júnior venha a apresentar sôbre o assunto; concretizando as suas afirmações, no emtanto, o que eu posso desde já afirmar à Câmara é que dois únicos trabalhos foram apresentados à comissão de comércio e indústria, que na verdade revelam bastante estudo, mas com os dados que são apresentados nesses projectos, a indústria nacional há-de sofrer; o trabalho nacional há de sofrer e a importação estrangeira há-de vencer.
Êste é o meu modo de sentir, sôbre o assunto, e estou absolutamente certo de que com isto ninguém lucrará, muito principalmente o operariado português, que eu como engenheiro sou o primeiro a respeitar.
Eu lembro-me de que quando fui administrador das obras do Manicómio de Lisboa, lugar que gostosamente deixei, por entender que o não devia ocupar por mais tempo, fui acusado pelos jornais, assim como o Sr. Pestana Júnior, de termos feito um empréstimo de 4:000 contos para as obras do Manicómio de Lisboa, para assim podermos fomentar revoluções e levarmos o operário português para elas.
Que falta de compreensão do que é o operário português!
Encontrei uma organização de trabalho por tarefas. Quando se julga sempre subversiva a construção civil, é a ela que se dá nessa obra a adjudicação das empreitadas.
Paga-se portanto de mão de obra, na base de metro linear ou metro quadrado. Os operários trabalham sob a fiscalização directa de um delegado da Federação Civil. O engenheiro tem por seu turno um delegado que fiscaliza o trabalho que vai sendo feito. Ao fim de cada semana verifica se e mede-se o trabalho feito e uma vez que se encontrem cumpridas as cláusulas das tarefas, efectua-se o pagamento.
Nunca houve uma greve. Nunca houve a mais pequena falta de respeito. A qualquer hora que se entrasse nos locais das obras, encontravam-se todos a trabalhar.
Os que não queiram trabalhar são logo despedidos. São os próprios camaradas seus que vêm participar ao engenheiro da obra que o seu companheiro tal não
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produzindo em relação ao que lhe pagavam, não convinha porque os prejudicava. Sr. Presidente: nós quási que temos a certeza de que a grande maioria da população ingénua do País, quando houve falar em régie, supõe que o lacto de ela ser instituída se traduz na circunstância de o Estado ser logo assaltado por aqueles que desejam viver sem nenhum esfôrço, e que o Estado vai buscar êsses homens para se montar uma indústria para cuja direcção se arranjarão pessoas que, porventura, sendo dês conhecedoras dela, não darão garantia de alcançar-se qualquer êxito. Isto pode dizer se nos jornais, visto que lhes é lícito escreverem o que queiram; mas nós aqui, sabemos muito bem que apenas se trata de uma máquina já montada - montada em boas condições - e de substituir uns indivíduos que eram muito numerosos e administravam essa indústria por outras indivíduos em menor número e que naturalmente não podem ser de qualidade tam inferior que fiquem a desmerecer dos antigos que lá estavam.
Se não é assim; se apenas o que lá estava é que era bom, então vamos para a co-régie.
Sr. Presidente: estou crente de que tudo se resume em discutir-se qual possa ser o melhor regime a seguir: o da régie para ou o da liberdade?
Eu tinha tido um sorriso, a propósito da proposta que o Sr. Pestana Júnior tinha apresentado o ano passado.
S. Exa. interpretou as palavras dêste parecer creio que um pouco fora do que elas queriam exprimir. Mas, como decerto a infelicidade foi minha, eu vou concretizar melhor o meu ponto de vista.
A Câmara passada não tinha dito cousa alguma sôbre o parecer de V. Exa. Disse no parecer, que vou justificar que a proposta de 1920-era como que uma moção, moção que sintetizava um trabalho preliminar, naturalmente muito bem feito, muito bem fundamentado e tanto que os cálculos a que S. Exa. chegava, sendo ao tempo julgados por todos como excessivos, são, bem pelo contrário, larguissimamente excedidos hoje.
Garanti que S. Exa. sendo pobre na documentação, fora apenas avaro. Desejou talvez guardar para si determinados elementos que só hoje nos veio trazer à Câmara.
Disse mais: disse no parecer que apresentei à comissão de finanças e que ela aceitou, que a liberdade preconizada então era uma liberdade com muito pouco de condicionamento. Era uma liberdade pura - digamos assim - visto que a régie também pura pode ser.
E possível que S. Exa.. através dêste tempo tenha pensado que a liberdade, tal como tinha suposto, era uma liberdade apenas nominal e que conduziria sempre a uma liberdade ... para um monopólio de facto já uma liberdade que se traduziria na impossibilidade do exercício para aqueles que não estivessem a dentro dêsse monopólio.
Assim, temos de concluir que para estabelecer o regime da liberdade, não é possível manter continuidade para a produção nacional, porque havemos de permitir que, ao lado do Estado que administra as fábricas ou ao lado dos particulares que as arrendaram, se mantenham outras indústrias.
Agora nós vamos ou estabelecer um monopólio de facto ou criar uma desvantagem para o monopólio que o Estado possui.
O Sr. Pestana Júnior, entrando na análise financeira do regime dos tabacos, concluiu - e quanto a mim em absoluta concordância - que um dos pontos essenciais é provar que pelo regime de liberdade o Estado terá as mesmas receitas e. para o provar, S. Exa. começou por afirmar a grande dificuldade que havia em obter o preço de fabrico para os diversos preços de tabaco.
Também lutei com essas dificuldades, mas eu não discuto se os preços estão altos ou baixos, o que eu desejo frisar é que o cálculo que vem no mapa n.° 7 está certo.
O Sr. Presidente: - Deu a hora para se interromper a sessão.
O Orador: - Se V. Exa. permitir fico com a palavra reservada.
Ficou com a palavra reservada.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - De harmonia com as resoluções da Câmara interrompo a sessão para reabrir às 21 horas e 30 minutos.
Eram 19 horas e 35 minutos.
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As 22 horas é reaberta a sessão. Continua em discussão o orçamento do Ministério da Agricultura, capítulo 7.°
O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia): - Sr. Presidente: continuando as apreciações que vinha fazendo ao capítulo 7.° do orçamento do Ministério da Agricultura, direi mais uma vez que, de facto, foi bem inteligente a atitude do Sr. relator, consignando a obras da maior importância, como são as de uma melhor instalação dos escolas de ensino agrícola, os 250 contos que eram atribuídos a despesas do expediente, material o diversas da Bolsa Agrícola. Como já observei, a Bolsa Agrícola conseguiu num ano realizar receitas próprias que inteiramente lho permitem dispensar essa verba, a qual, transferida para onde o foi, ainda é insuficiente. Assim, citarei à Câmara algumas necessidades urgentes a que o Ministério da Agricultura tem de atender, sob pena de dificilmente poder corresponder àquilo que a Nação dele espera.
Já pus em relevo na última sessão as necessidades dos Serviços Florestais e Aquícolas.
Revelei perante a Câmara o calamitoso estado em que se encontram as receitas dêsses serviços que em 1924-1925 atingiram perto de 4:õUO contos e que já desceram para 2:074.979$, em virtude da depreciação que sofreram as lenhas e madeiras extraídas das matas em plena exploração silvícola. Como afirmei, se não se fizer um reforço da dotação dos Serviços Florestais e Aquícolas, terão que paralizar os trabalhos que êsses Serviços estão executando, alguns deles de interêsse imediato para o País e para os povos. Não é demais salientar o valor de alguns dêsses trabalhos. É necessário proceder ao revestimento florestal das cabeceiras dos cursos de água que constituem a bacia hidrográfica do Mondego. É indispensável que no Minho se não perca a continuidade do acção dos Serviços Florestais, que já têm grandes obras realizadas no Gerez e no Marão, mas que precisam ir mais longe e trazer a uma exploração eficiente a formosíssima e característica mata do Cabril, mata que, por excelência, representa em Portugal, talvez mesmo na Península, a mata primitiva, com todas as suas essências, e que sob todos os pontos de vista é preciso defender o guardar.
E ainda necessário prolongar os trabalhos da Serra do Penedo.
Ainda há necessidades a satisfazer, e que vão do extremo norte do País ao extremo sul.
O Algarve é uma província rica e florescente em que a agricultura já tem processos adiantados, sem falar nas culturas primitivas, como a figueira, a amendoeira e a alfarrobeira. Se povoássemos a serra do Algarve nós teríamos multiplicado por um factor muito importante a riqueza dessa província, que não se tem feito por falta de recursos florestais.
A fixação das dunas está incompleta e a existência dessas dunas, possibilidade de um aumento de superfície da província, são firmadas pelas areias que são arrastadas de norte a sul pelas correntes da costa ocidental, e vão depositando-se no litoral do Algarve produzindo grandes depósitos e mais tarde, mas numa época geológica próxima, teremos os nossos territórios continentais aumentados.
Ainda outros trabalhos importantes há a realizar, como obra absolutamente imprescindível, para se tentar alguma cousa de útil, de sistemático, de scientífico pelo Ministério da Agricultura. Refiro-me á necessidade urgente de se dar execução a uma velha aspiração consignada no artigo 212.° do decreto orgânico do Ministério da Agricultura: o inquérito agrícola. Como gizar ou premeditar, por meio de um aturado estudo, planos de acção para o Ministério da Agricultura, se os seus serviços técnicos não conhecem a situação da lavoura nacional nos seus variadissimos aspectos?
Como destruir tantas ilusões e tantas quimeras que andam na imaginação de muitos portugueses acêrca das possibilidades do País, se não realizarmos êsse inquérito?
Como poderemos trabalhar sôbre problemas agrários, naquilo que dizem respeito, estritamente, à distribuição da terra; como legislar sôbre condições de trabalho agrícola; como legislar sôbre comércio e indústria agrícolas, se não temos a pedra de toque, se não possuímos o instrumento máximo de informação e de precisão que vem a ser o inquérito agrícola?
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Em primeiro lugar, o inquérito agrícola dirige-se, especialmente, ao estudo das condições agrológicas, das condições do solo, ao chamado meio físico; em segando lugar, tem de se interessar pelos aspectos sociais, realizando o recenseamento profissional agrícola, classificando as profissões, fazendo* o inventário das pessoas que vivem da agricultura e das condições em que vivem, apreciando as circunstâncias de toda a natureza, socialmente falando, que revestem o meio em que essas pessoas labutam. Outro capítulo importante é o do arrolamento geral dos gados, capítulo sempre incluído em qualquer inquérito agrícola bem orientado. Ter êsse arrolamento; far-se há o inventário de todas as espécies, por idades, por variedades locais, sendo, também acompanhado dos necessários trabalhos de ordem scientífica, fisiológica e anatómica sôbre as características que se radicaram nas espécies indígenas, sôbre as suas condições de alimentação, de modo a se poderem aperfeiçoar e a se garantir a perdurabilidade dessas espécies. Assim se conseguirá dar às espécies indígenas o lugar que podem e devem ter dentro da pecuária nacional e se evitará a continuação da prática, que só desastres tem ocasionado, de se importarem raças estrangeiras em consideração apenas do seu aspecto físico, da sua estética.
Era absolutamente indispensável que não deixasse passar a. discussão dêsse orçamento sem mostrar que sou favorável ao inquérito agrícola.
500 contos serviriam para iniciar êsse trabalho, porque não é preciso muita gente para uai bom. trabalho.
Neste capítulo, inquérito agrícola poder-se há fazer o estndo regional, um pouco à, maneira belga: poder-se-ia encarregar uma pessoa do estudo dessa região, da qual fará uma monografia. Era preciso pessoa muito competente para êsse escudo. Suponho que duas ou três dezenas de pessoas em meia dúzia de anos teriam estudado as condições agrícolas do País.
Teriam publicado as monografias correspondentes, absolutamente esclarecidas por observação directa e metódica, quanto possível certa.
Dos elementos colhidos das monografias regionais teríamos tirado o resultado final, sob o ponto de vista agrário económico e social. O inquérito agrícola vinha obedecer a uma necessidade urgente da lavoura portuguesa. Do estudo das suas conclusões gerais teríamos possibilidade de fazer, de facto, o estudo criterioso e scientífico das necessidades de cada região.
Em resumo: o problema agrário em geral será estudado.
De maneira que me proponho pedir à Câmara uma verba para êsse efeito; assim como me proponho pedir uma verba extraordinária para instalação das escolas móveis agrícolas que ainda não foram instaladas convenientemente.
A verba para instalação de estações agrárias, tem também por fim fazer lace à instalação de postos agrícolas na Estação Zootécnica Nacional, que tem prestado serviços importantes ao País.
Esta estação é hoje detentora de uma das maiores propriedades no Ribatejo, tendo feito a aquisição do Mouchão do Fole da Vaca,
E preciso que a exploração agrícola dessa propriedade seja entregue a um agrónomo, porque um veterinário não pode estudar o serviço de exploração agrícola, como não pode conhece Io; e têm de lhe ser dados os fundos provenientes dessa exploração.
Não se compreende, porque não é possível, uma exploração agrícola entregue à Estação Zootécnica Nacional.
Tem de estar autorizada com essa verba para fazer face, na devida altura, às necessidades da cultura.
Não é, evidentemente à custa de disponibilidades, que se pode fazer isso: tem de se dar dinheiro para as necessidades correntes da Estação Agrícola.
Estas são as questões mais urgentes do Ministério da Agricultura.
Referi-as para que sejam tomadas em consideração.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: a resolução tomada pela Câmara dos Deputados para a discussão de s orçamentos, foi de toda a utilidade, como útil também tem sido o trabalho do Parlamento dentro de uma fórmula intensiva que alguma cousa deve contribuir para o sen prestígio. Oxalá que o regime a que
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temos estado submetidos, de sessões diurnas e de sessões nocturnas, para a discussão dos orçamentos, e que porventura vai alargar-se para a discussão de outras questões igualmente importantes, não tenha eu que concretizá-lo numa proposta mandada para a Mesa, depois de chegar ao convencimento de que é preciso adoptar processos novos para trabalharmos ùtilmente.
Dito isto, passemos a fazer algumas considerações a propósito do orçamento que se discute.
Por motivo de doença não me foi possível assistir à discussão inicial dêste orçamento, e, assim, inibido estive de acompanhar esta discussão até o capítulo 7.° Era natural que, se tivesse assistido a essa discussão, algumas considerações tivesse já proferido, merecendo-me, como me merece, especial interêsse o conjunto de serviços que constituem o Ministério da Agricultura.
Durante a discussão dos outros orçamentos várias vezes tive ocasião de pôr em destaque, perante a Câmara, a circunstância, digna de registo, de o orçamento do Ministério da Agricultura consignar, em matéria de despesas, uma verba global que, para um país que carece de firmar e de fomentar uma verdadeira política agrária, é demasiadamente ridícula, comparada com as verbas para outros serviços públicos.
Não é êste o momento para, em pormenor, fazer um estudo de confronto que seria muito útil, menos para a apreciação dos Srs. parlamentares que o conhecem de perto, do que para elucidação do País.
Se amanhã perante o País se pusesse, com toda a clareza, a situação de confronto entre alguns dos serviços primaciais do Ministério da Agricultura e outros serviços improdutivos da administração pública, creia a Câmara que as censuras que nesta hora se fazem dos homens públicos teriam uma razão muito maior.
Sr. Presidente: porque é esta a primeira vez que falo a propósito dêste orçamento, tenho de, como parlamentar, cumprir um dever que me é deveras grato.
Entendo que o Parlamento não deve nunca ser uma academia de elogio mútuo.
No emtanto, os homens que, dentro dêste ingrato campo, trabalham com consciência, com vontade de acertar e de bem honrar a sua missão merecem da parte de todos uma justa homenagem.
Sou daqueles que, sem facciosismos políticos, estão prontos a prestar a sua homenagem a quem a merece.
Está nesta hipótese o ilustre relator do orçamento do Ministério da Agricultura. É S. Exa. um novo parlamentar, sendo a actual sessão legislativa a primeira de que S. Exa. faz parte; consequentemente, é desconhecido nos meios políticos, não o sendo, porém, no campo ingrato da técnica, no qual já se tem afirmado como um valor.
Apoiados.
É o próprio Sr. Ministro que nos afirma, e com justiça, que S. Exa. é um dos mais valiosos elementos do Ministério da Agricultura.
Fez bem a comissão em confiar-lhe o encargo de relatar o orçamento daquele Ministério, pois S. Exa. elaborou um parecer que, honrando-o a êle, honra também a comissão.
A actual sessão legislativa é a segunda a que eu pertenço. Tenho visto já passar por aquelas cadeiras da governação diversos Governos, e todos êles proclamam a necessidade de se intensificar, por meio duma política adequada, a nossa produção.
No emtanto, não se tem passado de palavras e de promessas.
Sr. Presidente: Portugal, tendo vivido em circunstâncias bem sérias as horas da guerra, parece não ter tido a consciência das suas próprias necessidades. Emquanto todos os países se davam a uma política de economias em todos os campos, até no da alimentação, Portugal nunca curou dêsse problema, aparentando todos nós o convencimento de que os nossos recursos próprios eram inesgotáveis.
Mas a verdade, Sr. Presidente, é que uma ou outra tentativa que se tem feito no campo prático no sentido de aumentar a produção - feita em regra por particulares - não tem encontrado o devido auxilio da parte dos poderes públicos.
Confesso, porém, que dentro das possibilidades orçamentais que tem o Ministério da Agricultura êle não podia fazer mais nem melhor do que tem feito.
Apoiados.
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Se alguma cousa se tivesse feito no sentido de chamar as fôrças nacionais que trabalham na indústria agrícola ao conhecimento do valor real dos terrenos de cada um, tenho a certeza de que se sentiriam compensadas do seu labor.
A par disto, que já é alguma cousa, muito há ainda a fazer no sentido de dar a quem trabalha a garantia de que o seu trabalho não será, em dado momento, vítima de uma política de internacionalismo por parte do Estado, que se por vezes é necessária a bem do interêsse geral, muitas vezes, Sr. Presidente, é feita em tais e tam odiosos termos, que desalenta todos os que vêm trabalhando no sentido almejado a procurar dar ao País, e dentro dêle, os meios para se bastar.
Devo dizer, sem nenhum ar de acrimónia, que muitas vezes têm chegado ao conhecimento do público representações feitas pelas associações agrícolas, e em algumas delas pontificando pessoas que marcam pelos seus conhecimentos, que servem para trazer mais elementos de confusão.
O Sr. Rosado da Fonseca (interrompendo): - Não apoiado.
O Orador: - Êsse "não apoiado" era de esperar e é de respeitar.
No emtanto, se V. Exa. passar um ligeiro golpe de vista por todas essas manifestações de protesto, verá que tenho razão.
Interrupção do Sr. Rosado da Fonseca, que não se ouviu.
Dentro do problema agrário, complexo como se apresenta por toda a parte, e ainda pior em Portugal, há um inquérito que aos políticos se impõe seja criado a sério, que é o inquérito relativo à população.
Sr. Presidente: verificamos que, num montante numérico avultado, muitos portugueses vêem-se obrigados a ir procurar em outros mundos aquelas condições que cá dentro não lhes souberam apresentar.
O problema da emigração, que tem dado aspectos de utilidade nacional, tem também aspectos graves e perniciosos.
O problema da emigração, precisa de ser olhado a sério antes de nos encontrarmos numa situação pior.
Há dois aspectos graves, a emigração e o urbanismo.
Os inconvenientes dêstes dois males estão bem patentes, mas a gravidade dêsse estado pode atingir limites para que não haja remédio.
Eu entendo que é legítimo dar-se direito a quem quer que seja de abandonar o território pátrio.
O indivíduo vai para onde encontra mais vantagens e melhor remuneração ao seu esfôrço: é bom que dê alguma compensação aos que cá ficam e poderia ser estabelecida uma taxa para o fundo de colonização agrícola.
Sr. Presidente: oxalá que tenham efectivação prática todos os desejos que o Sr. Ministro da Agricultura tem demonstrado possuir para pôr em boa e eficiente marcha os organismos agrícolas do País e que eu, representante de um distrito açoreano, cujos serviços agronómicos existem só no papel, não tenha de reclamar por mais tempo aquelas providências que o Sr. Ministro da Agricultura deva tornar em factos.
Refiro-me ao núcleo de investigação agronómica da Horta. Oxalá que a acção dos
Ministros da Agricultura não dê ensejo a que possamos fazer incidir as nossas censuras sôbre os seus actos ou, quando êles não existam, sôbre a sua inércia, o que seria ainda pior.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - A comissão do Orçamento propõe uma eliminação neste capítulo.
Os Srs. Deputados que aprovam a eliminação proposta têm a bondade de se levantar.
A Câmara aprovou.
O Sr Presidente: - Os Srs. Deputados que aprovam o capítulo 7.°, salva a eliminação, têm a bondade de se levantar.
Foi aprovado.
Aprovado seguidamente e sem discussão o capitulo 8.°.
Entra em discussão o capítulo 9.°.
O Sr. Tavares Ferreira: - Sr. Presidente: pedi a palavra sôbre êste capítulo para chamar a atenção da Câmara, e especialmente do Sr. Ministro da Agricul-
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tura, para a verba destinada à comissão de inquérito parlamentar ao extinto Ministério dos Abastecimentos.
Fiz parte dessa comissão logo no primeiro ano em que foi constituída e não há dúvida de que durante alguns meses bastante se trabalhou e alguma cousa fez em favor do Estado, pois que, especialmente na parte que dizia respeito às contas da Moagem com o Estado, algum dinheiro fez entrar nos cofres públicos.
Sr. Presidente: todos se lembram ainda das discussões que se levantaram nesta Câmara acêrca dos actos dessa comissão por virtude das quais a comissão entendeu que se devia demitir. Bastantes processos havia, organizados uns e outros em organização, mas a verdade é que a comissão nesse tempo calculava que no prazo de dois meses liquidaria o que havia de mais importante e daria por findos os seus trabalhos.
Veio depois outra comissão que alguma cousa fez, e pelo conhecimento que tenho de alguns dos relatórios e do do Sr. Marques Loureiro, a quem aproveito a ocasião para prestar a minha homenagem, parece que pouco mais a comissão traz para público.
Agora, Sr. Presidente, a situação desta comissão é que se está tornando muito curiosa. Veja V. Exa.: esta comissão foi nomeada pelo Parlamento para apreciar as irregularidades cometidas ou praticadas pelo Ministério dos Abastecimentos e Transportes. Êsse Ministério teve de existência um ano ou pouco mais e essa comissão vem já desde Setembro de 1920, tendo, por consequência, quási 6 anos de existência para sindicar as irregularidades dêste Ministério!
Isto não pode nem deve manter-se porque daqui advém desprestígio para a própria instituição parlamentar.
Mas, Sr. Presidente, não é só sob êste ponto de vista que a manutenção desta comissão traz prejuízos para o Estado. Veja V. Exa.: no relatório apresentado pelo relator do Orçamento vem na conta dos celeiros do Estado dívidas que atingem milhares de contos.
Para tratar da liquidação destas dívidas nomeou-se uma comissão especial, mas como havia uma comissão de inquérito que tinha latas atribuições e até os mesmos poderes que a comissão tinha, dois deles liquidaram e outros não porque a comissão se demitiu.
Estamos, pois, nesta situação curiosa: não se podem abreviar os trabalhos porque isso depende de informações que pede à comissão de inquérito parlamentar; de maneira que só temos de concluir que esta comissão está servindo de entraves à liquidação das dívidas ao Estado.
Sôbre a manter-se esta comissão mais um ano, pela maneira como tem funcionado ultimamente um ano mais pouco ou nada adianta.
Eu sei que estão nesta comissão indivíduos que emquanto ali estão não vão para os seus empregos.
Mas nós não podemos manter essa comissão, que tem já cinco anos de existência inútil.
Logo essa comissão deve terminar os seus trabalhos no fim do actual ano económico. Três meses são bastantes para arrumar a papelada.
Mando, pois, para a Mesa uma proposta que, não sendo no emtanto uma proposta de lei, permite ao Sr. Ministro da Agricultura dar por findos êsses trabalhos de acôrdo com os próprios parlamentares.
O orador não reviu.
A proposta é a seguinte:
Capítulo 9.°, artigo 48.°(p. 44):
Proponho a supressão da verba destinada às despesas da comissão parlamentar de inquérito ao extinto Ministério dos Abastecimentos, cujos trabalhos se devem considerar terminados no começo do ano económico. - Tavares Ferreira.
O Sr. Marques Loureiro: - Era meu propósito falar neste facto, ainda que o Sr. Tavares Ferreira não me tivesse obrigado a isso. Teve gentilezas S. Exa. para comigo que não esquecerei, mas, em lugar de me dirigir palavras de cumprimento próprias do boa camaradagem, mais eu desejaria que tivesse lido o tal relatório.
É que acêrca dêsse relatório, publicado no Diário do Govêrno de 14 de Janeiro de 1926, surgira uma provocação de um antigo Deputado que dizia:
Leu.
Daqui concluía o facto de nunca mais ter sido eleito.
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Êsse relatório mostra bem, para vergonha nossa, que a comissão parlamentar não deu aquilo que devia dar, porque a Câmara não sabe prestigiar aqueles em quem delega as suas funções.
É claro êsse relatório e tam claro que termina por salientar:
Leu.
Quem assim fala tem direito a esperar que a Câmara se manifeste.
De resto estamos todos fora do nosso lugar.
Atiramos a pedra e não sabemos a quem.
A lei n.° 916 é citada pelo relator do orçamento do Ministério da Agricultura. Por ela foram criadas várias comissões parlamentares de inquérito.
Não é retirando do orçamento uma verba indispensável para a acção dessas comissões que se deixa à devida altura o prestígio do Parlamento. Então, tenhamos a coragem de dizer: É revogada a lei n.° 916.
Não cumpriram os membros dessas comissões parlamentares de inquérito com as suas obrigações?
Foram incompetentes?
Tiveram medo?
Não; os membros dessas comissões demitiram-se.
Eu não fazia parte desta Câmara nesse tempo, mas acompanhava a vida política do meu País e confiava em que a hora da justiça havia de vir. E, assim, quando apresentei êste relatório, declarei que oportunamente faria, a êste respeito, algumas considerações.
Os relatórios feitos até agora foram 11.
O primeiro é de 14 de Maio de 1920, assinado por:
Leu.
Não apurou nada.
O segundo é de 18 do Maio do mesmo ano, assinado por:
Leu.
Refere-se ao incidente que aqui foi citado na Câmara.
O terceiro é de 7 de Junho de 1920, assinada por:
Leu.
O quarto é de 14 de Junho de 1920, assinado por:
Leu.
Êste sim, êste é um relatório preciso, exacto, da visita feita a Londres pelo nosso saudoso colega Dr. António Granjo, perfeito homem de bem, honrado e corajoso, que, vendo que de Londres o ameaçavam, para lá foi e sozinho trabalhou, apresentando um relatório, do qual uma parte era confidencial e a outra foi publicada no Diário do Govêrno.
Há, a seguir um outro relatório publicado no Diário do Govêrno de 19 de Maio de 1921, assinado por:
Leu.
Há o relatório de 16 de Março de 1922, assinado por:
Leu.
Dêste fui eu relator.
Há outro de 31 de Julho de 1922, assinado por:
Leu.
Outro de 30 de Novembro de 1923, assinado por:
Leu.
No decorrer da legislatura anterior foram relatados 11 processos e responderam- -se a 24 processos, e o expediente tem êstes algarismos interessantes: Até 5 de Janeiro foram enviados 2:533 ofícios e recebidos 2:062.
Evidentemente que não se fazem dois mil e tantos ofícios nem se recebem quási igual número só pelo prazer de se dirigir a A. B. ou C.
Houve repartições públicas a quem se pediram esclarecimentos que nunca mandaram a menor resposta.
Houve processos trabalhosos, e eu cito por exemplo o de José Rugeroni, que representa para o Estado alguma cousa como perto de 1:000 contos.
Êsse processo estava arquivado, mas depois tornou-se-lhe a mexer, de que resultou a pronúncia do Sr. José Rugeroni. Êste senhor recorreu para o tribunal superior mas foi-lhe negada a revista.
Por isso êle terá de responder por virtude dêsse processo.
O contra-almirante Macedo e Couto que foi responsabilizado pela comissão por haver ordenado o pagamento duas vezes desculpou-se dizendo que o chefe da contabilidade era inexperiente.
Isto não convenceu evidentemente a comissão, mas apesar disso êsse contra-
-almirante não foi incomodado.
O Sr. Costa Júnior relatou um processo referente a um empregado mas até
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hoje não se adoptou qualquer procedimento contra êle.
Por virtude de circunstâncias que eu aqui aponto verifica-se que se a comissão não tem trabalhado mais não foi por falta de vontade.
Por minha parte se mais não fiz foi porque mais não pude.
Devo salientar uma circunstância. O Senado em cumprimento da lei n.° 916 indicou em Dezembro último os seus vogais para essa comissão.
O secretário da comissão podia dirigir-se-me. Mas firme na minha atitude, escusei-me sempre.
A certa altura, por parte do grupo político de que tenho a honra de fazer parte, foi-me indicado que eu devia fazer parte da comissão. Declarei que não podia fazer parte dessa comissão.
Claro que esta prova de confiança e de correcção por parte de todos os meus correligionários impunha-me deveres, mas impunha-me também obrigações e vantagens, e assim é que, quando em 24 de Março a comissão se instalou, eu salientei que não podia continuar na comissão. Havia um incidente levantado com o Sr. Ministro das Finanças, a quem eu não reconhecia nenhuma competência acima de mim, porque eu não dava contas a nenhum Ministro, mas, no emtanto, se a comissão não tinha os mesmos melindres, ela que trabalhasse.
A comissão fez o que tinha feito a anterior. Manifestou que não podia trabalhar.
No dia seguinte houve uma conferência a que se dignou assistir o Sr. Ministro das Finanças e em que S. Exa. declarou que ia estudar o assunto e definiria a sua atitude.
Êsse assunto resume-se no seguinte: o funcionário Sr. Oliveira e Silva, que me dizem ser um funcionário distinto, mas muito senhor do seu nariz, entendeu que devia lançar um despacho que positivamente representava uma censura à comissão.
A comissão nessa altura disse que nada faria e eu continuei nos trabalhos da comissão, pois não queria, por princípio nenhum, deixar de fazer as minhas diligências, relativamente ao Sr. Norton de Matos, abstendo-me de fazer o relatório, e assim é que o Sr. Norton de Matos depôs.
Até agora, porém, o Sr. Ministro das Finanças não deu quaisquer explicações e eu estou neste momento, como estava em 24 de Março, na posição que me impus neste relatório, inibido de funcionar como delegado da Câmara dos Deputados.
Esta história, perdõe-me a Câmara que eu a fizesse, mas ela dá-me apenas uma autoridade: é a de poder dizer que na comissão parlamentar de inquérito há muito que fazer.
A comissão de inquérito o que não é, é um taxi, a quem se diga: no fim de tanto tempo, tem que fazer tal. Ela precisa de tempo para trabalhar. Dizer-lhe: dentro de tal tempo termine o seu serviço, afigura-se-me que será uma violência.
Não fica bem ao Parlamento revogar a lei n.° 916.
O Parlamento tem que tomar providências sôbre os factos alarmantes que determinaram essa lei n.° 916, que veio regulamentar uma situação que era pouco prestigiante.
É preciso acabar com essa comissão?
Sem dúvida nenhuma. Mas é preciso que os processos que ainda lá estão pendentes sejam apreciados com toda a ponderação, de forma a que se apurem todas as responsabilidades, a menos que, comemorando qualquer data festiva, se amnistie tudo isso; a menos que não recorramos a outra espécie de amnistia, que já entrou nos nossos usos - o incêndio - que tudo purifica e tudo apaga.
Feitas estas considerações, permitam-me V.Exa. e a Câmara que eu rectifique uma afirmação feita pelo Sr. Tavares Ferreira, pessoa por quem tenho muita consideração.
O Sr. Oliveira e Silva ou qualquer outro funcionário nunca para cá pediu informações sôbre o celeiro, pois êle é absolutamente distinto da comissão parlamentar de inquérito.
Esta comissão pode apurar as responsabilidades dos funcionários; mas as contas do celeiro nada têm com as comissões parlamentares.
Quanto ao outro ponto, que se refere à diferença da verba existente entre a comissão parlamentar e esta outra, devo dizer que esta última comissão não é composta de parlamentares, é composta de
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funcionários que já têm as suas funções.
E a propósito devo dizer que fui em serviço duas vezes a Setúbal e a verdade é que, se eu tive o natural melindre de dar uma conta de um real sequer, o chefe da secretaria, tenente-coronel Vicente Franco, não meteu um vintém da sua passagem.
Como nós sabemos, o tenente-coronel Sr. Vicente Franco é uma belíssima pessoa; tem apenas um defeito, é estar sempre aflito porque o trabalho não se acaba.
A Câmara nesta emergência procederá como entender. Mas estou certo, Sr. Presidente, que seria um benefício acabar com estas comissões parlamentares de inquérito que eram apetecidas no tempo em que os membros do Parlamento não recebiam durante as férias. Mas agora que isso não sucede, as comissões tornam-
-se um aborrecimento, porque os seus membros sempre hão de trabalhar um pouco, e não recebem mais por isso.
Era pois um alívio, repito, acabar com estas comissões, a não ser para alguns funcionários públicos que fôssem parlamentares e que quisessem, durante o tempo das férias, ficar dispensados das suas funções.
Estou certo, Sr. Presidente, que o Sr. Ministro das Finanças tem toda a vontade de ultimar os processos até pela razão dos mais importantes estarem já relatados.
V. Exa. não podia obrigar a todos estarem aqui desde as 3 horas e ao mesmo tempo dizer que trabalhassem nas comissões.
O Sr. Tavares Ferreira (interrompendo): - Quando fazia parte dessa comissão, os membros estavam dispensados de comparecer.
O Orador: - Nesse tempo era assim e a comissão administrativa fez muito bem acabar com êsses abusos porque êles ainda troçavam dizendo que lhe eram pagos os seus subsídios sem lá porem os pés durante êsse mês.
Eu, no lugar da comissão administrativa, teria procedido da mesma forma.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Artur Castilho: - Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Tavares Ferreira propôs a eliminação da verba consignada no Orçamento às despesas da comissão parlamentar de inquérito ao extinto Ministério dos Abastecimentos.
Eu entendo que não devia propor essa eliminação por não saber a quanto montavam os débitos ao Estado e se com a supressão dêsses trabalhos poderia ocasionar grandes prejuízos; no emtanto, não querendo deixar de reconhecer que a comissão trabalhou muito bem, e como desde que fôsse eliminada essa verba êsses trabalhos não podiam continuar, propus que se mantivesse a verba.
Feitas estas considerações, e estando de acôrdo com a exposição feita pelo ilustre Deputado Sr. Marques Loureiro, entendo que a proposta do Sr. Tavares Ferreira não é de aprovar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
E rejeitada a emenda do Sr. Tavares Ferreira.
É aprovada uma emenda ao capítulo 9.° e aprovado aquele capítulo salva a referida emenda.
É aprovado o capítulo 10.°
É pôsto em discussão o capítulo 11.°
O Sr. Artur Castilho: - Mando para a Mesa uma rectificação ao capítulo em discussão.
É a seguinte:
No mapa das alterações à proposta orçamental, a diferença para menos de 11.738$50, relativa a "impressos, materiais, reembôlso de despesas por diversos serviços" no ano económico de 1924-1925 deve ser abatida de 92$60. - Pela comissão, Artur Castilho.
É admitida e aprovada a emenda apresentada pelo Sr. Artur Castilho.
É aprovado o capítulo 11.° salva a emenda.
É aprovado o capítulo 12.º
É pôsto em discussão o capítulo 13.º.
O Sr. Artur Castilho: - Pedi a palavra para mandar para a Mesa uma rectificação ao capítulo 13.°
É a seguinte:
No mapa das alterações, a verba consignada a "Postos Agrários (capítulo 13.°
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e artigo 55.°) deve ser "458.000$" e não "478.000$". - Pela comissão, Artur Castilho.
É admitida e aprovada a rectificação apresentada pelo Sr. Artur Castilho, e aprovado o capítulo 13.° salva aquela rectificação.
São aprovados os capítulos 14.° e 15.°
É aprovada uma emenda ao capítulo 16.°, e aprovado êste salva a referida emenda.
É aprovado o capítulo 17.°
Entra em discussão o capítulo 18.°
O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia): - Sr. Presidente: pelos motivos que apontei nas duas vezes em que usei da palavra, mando para a Mesa duas pro-postas: uma modificando a epígrafe do capítulo 18.°, e a outra de aditamento de novos artigos concedendo dotações extraordinárias em vários serviços.
São admitidas as duas propostas apresentadas pelo Sr. Ministro da Agricultura.
São as seguintes:
Proponho que a epígrafe do capítulo 18.° da despesa extraordinária, tenha a seguinte redacção: "Aquisição de animais e alfaia agrícola para a Estação Zootécnica Nacional e dotações extraordinárias para vários serviços. - António Alberto Tôrres Garcia.
Proponho que ao capítulo 18.° sejam aditados os seguintes artigos e verbas correspondentes:
Artigo 61.° Dotação aos Serviços Florestais e Aquícolas para fazer face a de-minuição de receita, 1:000 contos.
Artigo 62.° Para instalação de escolas móveis, estações e postos agrários, 500 contos.
Artigo 63.° Para constituição do fundo de exploração agrícola da Estação Zootécnica Nacional, 100 contos.
Artigo 64.º Para refôrço das verbas destinadas pelo fundo de fomento agrícola aos serviços de colonização agrícola, 400 contos.
Artigo 65.° Inquérito agrícola (execução do artigo 212.° orgânico do Ministério), 500 contos. - António Alberto Tôrres Garcia.
Concordo. - A. Marques Guedes.
O Sr. Artur Castilho: - O Sr. Ministro da Agricultura comunicou à comissão do Orçamento o seu desejo de propor as alterações ao capítulo em discussão que constam das duas propostas que S. Exa. acaba de apresentar. A comissão do Orçamento concorda com essas alterações, visto se tratar de aumentos absolutamente necessários.
São aprovadas as duas propostas de emenda apresentadas pelo Sr. Ministro da Agricultura, e aprovado o capítulo 18.º salvas aquelas emendas.
O Sr. Artur Castilho (para um requerimento): - Requeiro que seja dispensada a leitura da última redacção.
É aprovado o requerimento.
É pôsto em discussão o orçamento dos Serviços Florestais.
O Sr. Artur Castilho (para um requerimento): - Requeiro a dispensa da leitura do parecer.
Aprovado.
São aprovados os dois capítulos da receita
O Sr. Artur Castilho: - Mando para a Mesa uma proposta de alteração ao artigo 7.°
É a seguinte:
Proponho no artigo 7.°, secção 4.ª da despesa sejam incluídas as verbas de 850:000$ e 150:000$ respectivamente para "o refôrço indispensável das verbas descritas em diversos artigos dêste orçamento" e "para construção e reparação de estradas de acesso e serventias". - Artur Castilho.
É admitida e aprovada a proposta de alteração do Sr. Artur Castilho, e aprovado o capítulo da despesa.
O Sr. Artur Castilho (para um requerimento): - Requeiro a dispensa da leitura da última redacção.
É aprovado.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã à hora regimental com a seguinte ordem do dia:
Antes da ordem do dia:
Negócio urgente do Sr. Jorge Nunes sôbre a inconstitucionalidade do decreto n.° 11:556 de 1 de Abril corrente.
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Ordem do dia, em sessão da tarde:
Parecer n.° 133, que regula o novo regime do fabrico e comércio dos tabacos no continente da República.
À noite:
Parecer n.° 40, que autoriza a colónia de Moçambique a contrair um empréstimo em conta corrente até à importância de 18:000.000$ metropolitanos.
Parecer n.° 39, que autoriza o Govêrno a reorganizar os serviços de emigração. Parecer n.° 16, que aprova o Código de Justiça Militar (decreto n.° 11:292).
Parecer n.° 12, que regula as condições em que poderão ser concedidas as licenças para sair para o estrangeiro aos indivíduos sujeitos ao serviço militar (decreto n.° 11:300).
Parecer n.° 33, que define e regula as funções dos oficiais da marinha mercante.
Parecer n.° 32, que declara da utilidade pública e urgente, a favor da Câmara Municipal de Ovar, a expropriação de designados terrenos.
Projecto de lei n.° 3-C, que concede a quaisquer igrejas ou confissões religiosas personalidade jurídica.
Está encerrada a sessão.
Eram 23 horas e 58 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o projecto de lei n.° 904-I de 1925, que cede o bronze para o monumento aos mortos da Grande Guerra, a erigir em Leiria.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o projecto de lei n.° 945-L de 1925, declarando que a cedência do edifício à Junta Geral do distrito de Leiria a que se refere a lei n.° 1:480, de 9 de Maio de 1925 é gratuita.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o projecto de lei n.° 12-IIH abrindo um crédito especial de 100.000$ a favor do Ministério da Guerra, destinado à aquisição do avião D. H. 9-A, em que a équipe Pátria completou a viagem aérea Lisboa-Macau.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o projecto de lei n.° 856-B de 1925, reintegrando no serviço activo da armada e reformando-o no pôsto imediato o primeiro tenente capelão naval José Duarte de Araújo.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o projecto de lei n.° 1-B, concedendo aos párocos colados nas igrejas do continente e ilhas, um novo prazo para requererem que lhe seja reconhecido o direito de aposentação nos termos da lei de 14 de Setembro de 1890.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o projecto de lei n.° 3-B, proibindo a passagem de vinhos de graduação superior a 12°,50, ou que contenha ainda por desdobrar algum açúcar redutor, para o norte de Aveiro ou limite sul dos concelhos confinantes da margem esquerda do Douro.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o projecto de lei n.° 36-E, regulando o abono de gratificações ao pessoal do serviço de submersíveis.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o projecto de lei n.° 44-V, autorizando o director do Colégio das Missões dos Padres Seculares de Tomar, a aceitar a doação dos edifícios do extinto convento da freguesia de Cocujães, concelho de Oliveira de Azeméis.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o projecto de lei n.° 69-A, dando ingresso ao quadro técnico dos engenheiros civis do Ministério do Comércio, na situação de adidos aos actuais engenheiros auxiliares do quadro técnico com mais de 10 anos de serviço e respectivo diploma.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o projecto de lei n.° 6-O, modificando a redacção do artigo 1.° da lei n.° 1:697 de Dezembro de 1924, sôbre funcionários civis aposentados.
Imprima-se.
Apenso ao parecer n.° 133
Contra-projecto resultante da introdução na proposta ministerial n.° 38-A das
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emendas apresentadas pelas comissões de comércio e indústria e de finanças nos respectivos pareceres.
Imprima-se com a máxima urgência.
Documentos publicados nos termos do artigo 38.° do Regimento
Parecer n.° 141
Senhores Deputados. - A petição do tesoureiro da Fazenda Pública do concelho da Louzã, dirigida a esta Câmara, para efeitos da sua contagem de tempo de serviço como funcionário público, foi erradamente dirigida a esta Câmara que com o caso nada tem, quando o devia ser ao Ministério das Finanças para pela repartição competente ser atendido.
Nestes termos a vossa comissão de finanças, não tem que se pronunciar sôbre êsse documento.
Sala das Sessões da comissão de finanças, de Março de 1926. - A. Ramada Curto - A. Paiva Gomes - João da Cruz Filipe - José Carlos Trilho - Artur Carvalho da Silva - João Tamagnini - M. Costa Dias - Lourenço Correia Gomes, relator.
Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados da Nação. - Diz Albano de Andrade, tesoureiro da Fazenda Pública no concelho da Louzã, que tendo exercido o lugar de aspirante de finanças para que foi nomeado por despacho de 17 de Novembro de 1906, desde 14 de Dezembro de 1906 até ao dia 1 de Outubro de 1916, data em que tomou posse do lugar de tesoureiro da Fazenda Pública para que foi nomeado, por despacho de 2 de Setembro de 1916, pretende que, para os efeitos dos artigos 9.° e 10.° e seus §§ do decreto n.° 7:027-A, (reforma das Tesourarias da Fazenda Pública) de 15 de Outubro de 1920, lhe seja contado todo o tempo de serviço que tem como aspirante de finanças.
Pede deferimento. - E. R. J.
Louzã, 6 de Janeiro de 1926. - Albano de Andrade.
O REDACTOR - Herculano Nunes.
33 - Imprensa Nacional - 1925-1926