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REPUBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 81

EM 5 DE MAIO DE 1926

Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Rodrigues Gaspar

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Mariano de Melo Vieira

Sumário. - Aberta a sessão com a presença de 44 Srs. Deputados, lê-se a acta da sessão anterior e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente comunica à Câmara a noticia do falecimento do Sr. Barros Queiroz cujo elogio tece e propõe que na acta se lance um voto de pesar e se realizem outras manifestações de sentimento por tamanha perda.

Os Srs. Vitorino Guimarães, Jorge Nunes, Manuel José da Silva, Carlos de Vasconcelos, Moura Pinto, Nunes Mexia, Joaquim Brandão, Joaquim Dinis da Fonseca, Pinheiro Tôrres, Ramada Curto, Alfredo Guisado, Ginestal Machado, Álvaro de Castro e Presidente do Ministério (António Maria da Silva) associam-se, em nome dos grupos que representam, ou individualmente, aos votos propostos e põem em relevo as altas qualidades de inteligência e de carácter e as virtudes cívicas do ilustre extinto.

O Sr. Presidente considera aprovadas as suas propostas e nomeia a deputação que há-de representar a Câmara no funeral.

É aprovada a acta.

Ordem do dia. - Prossegue a discussão do negócio urgente do Sr. Cunha Leal sôbre os tabacos

Usam da palavra os Srs. Álvaro de Castro, Pinheiro Tôrres, Pedro Pita e João Camoesas, que fica com a palavra reservada, tendo sido admitidas as moções dou segundo e terceiro dos oradores mencionados.

Antes de se encerrar a sessão - O Sr. Carvalho da Silva chama a atenção do Sr. Ministro do Comércio para o que se está passando com o caso dos receptáculos postais nos prédios de Lisboa e Pôrto.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Gaspar de Lemos) responde ao orador.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.

Abertura da sessão, às 15 horas e 17 minutos.

Presentes à chamada, 44 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 81 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à chamada:

Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alexandre Ferreira.
Alfredo Pedro Guisado.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
António Augusto Rodrigues.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António Ginestal Machado.
António Leite de Magalhães.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Marques Guedes.
Artur Brandão.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Pais de Almeida.
Carlos de Barros Soares Branco.
Carlos de Moura Carvalho.
Custódio Lopes de Castro.
Dagoberto Augusto Guedes.
Domingos José do Carvalho Araújo.
Felizardo António Saraiva.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Pereira de Oliveira.
João da Cruz Filipe.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Joaquim Brandão.
Joaquim Maria de Oliveira Simões.
José Carlos Trilho.
José Maria Alvarez.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Moura Neves.
José do Vale de Matos Cid.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Luís da Costa Amorim.
Manuel da Costa Dias.
Manuel José da Silva,
Manuel de Sousa da Câmara.
Pedro Góis Pita.
Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.
Rodrigo Lnciano de Abreu e Lima.
Rui de Andrade.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Zacarias da Fonseca Guerreiro.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Adolfo de Sousa Brasão.
Adolfo Teixeira Leitão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto Carlos da Silveira.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Nogueira Gonçalves.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo da Cruz Nordeste.
Álvaro da Cunha Ferreira Leite.
Álvaro Xavier de Castro.
Amâncio de Alpoim.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Mala.
Aníbal Pereira Peixoto Beleza.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Álvares Pereira Sampaio Forjaz Pimentel.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António José Pereira.
António Lino Neto.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Maria da Silva.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur da Cunha Araújo.
Artur Saraiva de Castilho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Rebelo Arruda.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Daniel Rodrigues Salgado.
Delfim Costa.
Diogo Albino de Sá Vargas.
Domingos António de Lara.
Domingos Augusto Reis Costa.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Eduardo Ferreira dos Santos Silva.
Elmano de Morais Cunha e Costa.
Filemon da Silveira Duarte de Almeida.
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Cruz.
Francisco Godinho Cabral.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime António Palma Mira.
João Baptista da Silva.
João Bernardino de Sousa Carvalho.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Raimundo Alves.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Nunes Mexia.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Rosado da Fonseca.
José Vicente Barata.
Lourenço Correia Gomes.
Luís Gonzaga da Fonseca Moreira.
Luís de Sousa Faísca.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Gregório Pestana Júnior.

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Manuel Homem de Melo da Câmara.
Manuel Serras.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Raúl Lelo Portela.
Sebastião de Herédia.
Severino Sant'Ana Marques.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Abel Teixeira Pinto.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
António Alves Calem Júnior.
António Araújo Mimoso.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António José de Almeida.
Augusto Pires do Vale.
Carlos Fuseta.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Maria Pais Cabral.
Indalêncio Froilano e Melo.
João Lopes Soares.
João Salema.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Toscano Sampaio.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho Júnior.
Mariano de Melo Vieira.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Raul Marques Caldeira.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Viriato Sertório dos Santos Lobo.

Às 15 horas e 5 minutos principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 44 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler se a acta.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofício

Do Ministério da Agricultura, satisfazendo ao requerido pelo Sr. Aboim Inglês e transmitido no ofício n.° 613.

Para a Secretaria.

Telegramas

Do presidente do Senado Municipal de Sinfães, protestando contra a deliberação da maioria da comissão executiva, pedindo a aprovação do projecto de concessão de personalidade jurídica à Igreja.

Para a Secretaria.

Das seguintes entidades, solicitando a aprovação do projecto de lei n.° 6-L:

Do Sindicato Agrícola de Gomieira (Ponte do Lima).

Da junta, juiz de paz, regedor e pároco de Vila Cova, Coelheira (Vila Nova de Paiva).

Da Junta de Caniçada (Vieira).

Da Junta e regedor da vila e freguesia de Resende.

Das irmandades e pároco de Sanfins do Douro.

Da Junta de Freguesia de Soengas (Vieira).

Do regedor e Junta de Freguesia de Jesufrei (Famalicão).

Do pároco, clero e Junta de Freguesia de Santo Adrião (Vizela).

Do Senado Municipal de Sernancelhe.

Da Ala do Santo Condestável da Pena (Lisboa).

Da Junta, regedor e pároco de Antas (Esposende).

Da Junta de Freguesia de Sá (Arcos de Valdevez).

Da Junta de Freguesia de Ester (Castro Dairo).

Da Junta de Freguesia, recebedor e pároco de Marinhas (Esposende).

Da Juventude Católica dê Aveiro.

Da Juventude Católica de Tôrres Novas.

Da Junta, regedor e pároco de Senha-rei (Arcos de Valdeve).

Da Juventude Católica de S. Romã (Seia).

Da Junta de Freguesia de Moimenta (Terras de Bouro).

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Das Juntas de Moreira e Codeçoso (Celorico de Basto).

Da Confraria, regedor o Junta de Gândara (Ponte do Lima).

Dos párocos do Cartaxo, Casal do Ouro, Vale da Pinta, Pontével, Ereira, Manique e irmandades do Cartaxo.

Da Junta de Brufe (Terras de Bouro).

Para a Secretaria.

Representação

De um grupo de comerciantes da praça de Lisboa, pedindo que seja permitido o livre exercício do comércio das senhas progressivas.

Para a comissão do comércio e indústria.

Requerimentos

De José António Guerreiro Gascon, tesoureiro da Fazenda Pública em Odemira, pedindo que aos tesoureiros da Fazenda Pública seja contado, para aposentação, todo é tempo de serviço que tenham prestado como propostos.

Para a comissão de finanças.

De José António do Vale, soldado reformado, revolucionário de 31 do Janeiro de 1891, pedindo que seja considerado primeiro sargento desde 5 de Outubro de 1910.

Para a comissão de petições.

De Manuel Joaquim, segundo sargento artífice, reformado, pedindo para ser abrangido pelo benefício concedido pela lei n.° 1:811, de 28 de Junho de 1925.

Para a comissão de guerra.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.

A Câmara acaba de perder um dos seus mais ilustres membros. A República perde em Barros Queiroz um dos mais leais, honestos e dedicados servidores.

Apoiados.

A Pátria deixa de ter um dos seus prestigiosos filhos a honrá-la, e porque sempre a dignificou com o seu trabalho, e porque foi sempre com acrisolado amor que serviu o ideal republicano, a sua morte representa, pode dizer-se, uma perda nacional.

O comércio, onde Barros Queiroz constituiu um exemplo de quanto pode a preseverança guiada pelos princípios mais honestos - pois êle conseguiu elevar-se quási por assim dizer do nad, até às mais altas posições - perde também um dos seus mais brilhantes ornamentos que bem pode servir de exemplo.

Na Câmara tivemos ocasião de conhecer o carácter de Barros Queiroz. Nas comissões a que pertenceu, nos seus discursos sempre ouvidos com o maior respeito e admiração, não só pelos seus correligionários, mas até pelos seus adversários políticos, Barros Queiroz deixou bem na mente de todos a impressão de quanto pode um homem de fé sempre viva nos destinos da Pátria. Nunca lhe ouvimos uma frase que pudesse envolver uma ofensa para qualquer membro da Câmara ou do Poder Executivo, de modo que merecia de todos um grande respeito, porque nos habituámos a ver nele, não só o homem de talento, mas o homem que se fez por si e que, dedicando-se extraordinariamente ao trabalho o ao estudo, produziu orações que se devem considerar como testemunhos da sua alta competência, quer sob o ponte do vista económico, quer pelo seu valor no campo financeiro.

Nunca ninguém teve de queixar-se de qualquer falta de consideração por êle praticada, porque soube sempre, o que nem sempre sucede, ver no adversário político não um inimigo, mas uma pessoa que igualmente quere servir a Pátria, embora adoptando caminho diverso.

Meus senhores: é amanhã que se efectua o funeral de Barros Queiroz. Proponho, pois, que a homenagem que hoje lhe devíamos prestar se transfira para amanhã, para que, sendo o funeral à hora normal da sessão, todos os Srs. parlamentares, que quiserem, possam acompanhar tam ilustre colega.

Por isso, proponho que a sessão da tarde de amanhã se não realize, mas simplesmente a da noite, para discussão do Orçamento. Proponho também que a Câmara se faça representar nos funerais, pela Mesa, e por uma comissão composta dos seguintes Srs. Deputados:

António de Paiva Gomes.
António Ginestal Machado.
Alexandre de Vasconcelos e Sá.
Carlos de Vasconcelos.
António Lino Neto.

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Amílcar Ramada Curto.
Mário Carvalho de Aguiar.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Manuel José da Silva.
Artur da Cunha Araújo.
Alberto de Moura Pinto.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Falando em nome da representação do Partido Republicano Português, nesta Câmara, as palavras que vou pronunciar não são protocolares e obrigatórias, como muitas vezes dizemos por uma questão apenas de delicadeza, mas palavras que sinceramente me saem do fundo da alma, porque, como republicanos e patriotas que somos, sentimos tanto a morte de Barros Queiroz, como a sentem os seus correligionários, como a devem sentir todos os republicanos e portugueses.

Apoiados.

Sr. Presidente: verdadeiramente, como homem, como republicano e como português, associo-me às palavras de dor que V. Exa. acabou de proferir. A Barros Queiroz ligaram-me, desde há muitos anos, os laços de uma estreita amizade, quási fraternal, que nunca cousa alguma conseguiu toldar.

Também como republicanos, temos de lastimar profundamente o desaparecimento dêsse homem bom, que à República tam relevantes serviços prestou, e que nós encontrávamos sempre no seu pôsto nas horas do perigo, quando a sua intervenção era necessária.

Frisou V. Exa. um ponto, a que também me quero referir.

Quem, como eu, está nesta Câmara desde as constituintes, e que assistiu já aqui a horas bem graves, recorda-se perfeitamente de que, por mais irredutíveis que estivéssemos, nunca tivemos necessidade de procurar Barros Queiroz que o não encontrássemos pronto a intervir para que mal entendidos desaparecessem.

Um homem como Barros Queiroz, que, como V. Exa. disse, vindo do nada, conseguiu elevar-se às mais altas situações, merece o respeito e a consideração de todos. A êle pode aplicar-se a frase que melhor sintetiza um grande cidadão, e que foi empregada pela rainha Isabel, quando participava ao rei de França a morte de D. João II: "Morreu o Homem".

Era um homem e nós, Sr. Presidente, devemos dizer isto neste momento, como a maior justiça que lhe podemos prestar.

Na verdade, não encontro palavras com que sintetizar o desgosta que nos punge pela morte dêste grande republicano que desapareceu, senão dizendo: Morreu um homem!

Em nome da representação parlamentar do Partido Republicano Português, pleonástico seria acrescentar que damos o nosso aplauso a proposta por V. Exa. apresentada.

Creio bem que todos os republicanos sentem na sua consciência não o dever mas a obrigação de prestar homenagem a Barros Queiroz, acompanhando-o à úlmora timada.

Apoiados.

O orador não reviu.

O Sr. Jorge Nunes: - Fui encarregado de cumprir o doloroso dever de, em nome da União Liberal Republicana, me associar à homenagem que esta Câmara está prestando ao grande cidadão que foi Tomé de Barros Queiroz, o faço-o esquecendo a minha qualidade do muito amigo que fui de S. Exa.

Barros Queiroz, como cidadão, foi um homem virtuoso que devia servir para sempre de modêlo a todos nós.

Barros Queiroz, vivendo numa época em que todas as intenções se malsinam e com a maior facilidade se lançam sôbre todos e tudo punhados de lama, nunca foi atingido na sua honra o no seu carácter, em meio das mais ardorosas lutas.

Barros Queiroz, sendo um grande republicano que viveu numa época de doutrinação e propaganda, às quais se dedicou fervorosamente, teve sempre a norteá-lo o bom-senso, uma inteligência equilibrada e o patriotismo mais sincero, bem merecendo por isso o respeito e a consideração de todo o País.

Barros Queiroz ocupou na política as situações mais elevadas o de maior responsabilidade, e por forma a grangear a admiração dos republicanos de todos os partidos que ouviam e acatavam, em regra, a sua opinião, pela autoridade intelectual e moral que a caracterizava,

Apoiados gerais.

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Barros Queiroz dedicou-se à República desde muito novo.

Antes de implantado o actual regime, na Câmara Municipal de Lisboa., mostrou quanto pode o esfôrço, a persistência e o espírito de isenção, associando a sua acção inteligente à de outros homens, de maneira que a administração dos últimos anos da monarquia na Camara Municipal olissiponense se pode citar como um exemplo e uma esperança para a República (Apoiados) que então se procurava implantar.

Barros Queiroz, implantada a República, não desmereceu da consideração e da esperança que nele depositaram.

Ocupou os seus melhores postos, dando-lhes toda a sua dedicação, inteligência e saber.

E pode dizer-se que Barros Queiroz nada quis para si, porque o lugar que ocupava na Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses não era uma compensação aos altos e relevantes serviços que êle prestou è Pátria e à República, mas sim apenas uma garantia de que naquele cargo os altos interêsses nacionais eram devidamente acautelados.

Apoiados.

Como republicanos, todos nós muito lho devemos, e nele encontramos um exemplo a seguir.

Estamos a prestar homenagem a um grande morto da República, e fazemo-lo rendendo rigoroso culto à verdade, sem forçar a consciência de quem quer que seja.

Nenhum de nós tem neste momento a menor dúvida em se associar à homenagem proposta por V. Exa., Sr. Presidente, porque vemos em Barros Queiroz um modelo pelo qual nos deveremos sempre guiar, moldando pelas dele os nossos actos políticos e pessoais.

Apoiados.

Estamos prestando homenagem não só a um grande republicano, mas também a um grande cidadão e homem do bem.

Apoiados.

E assim, Sr. Presidente, eu, que fui tam amigo dele e que o respeitava e considerava como a um pai, ponho isso absolutamente de parte para ver apenas em Barros Queiroz uma altíssima figura da República, que bem merece de todos nós, e a cuja memória devem votar-se um grande respeito e uma grande admiração da nossa parte.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: as palavras que vou proferir dita-as uma emoção profunda, e tenho pena de que essa emoção não possa traduzir-se em eloquência, que desejaria emprestar-lhos neste momento.

Nunca convivi de perto com Barros Queiroz; nunca fui dentro da República e eu correligionário.

No emtanto, pertenci, apesar de novo, ao mesmo partido a que S. Exa. pertenceu no tempo da monarquia, o Partido Republicano; e, ao vê-lo desaparecer do número dos vivos, olho um pouco para trás, para êstes quinze anos de agitada vida pública portuguesa, recordando o número já bem avultado daqueles que foram os maiores paladinos da República, o que já se não coutam entre os vivos.

Num instante, relembro à Câmara: Manuel de Arriaga, Eduardo de Abreu, Teófilo Braga, Alves da Veiga, Teixeira de Queiroz, Guerra Junqueiro, Sampaio Bruno, Cerqueira Coimbra, Alexandre Braga, João de Meneses, Basílio Teles, Feio Terenas, Anselmo Braamcamp, Estêvão de Vasconcelos, António Granjo, José Barbosa, João Chagas, Júlio Martins, e a mim próprio pregunto: o que resta dessa falange que foi uma esperança para a Nação portuguesa?

Pouco, muito pouco.

Barros Queiroz foi em vida um valor afirmado em todos os campos, de uma actividade admirável e de uma grande modéstia.

Na política foi um grande valor que se elevou, não por favor, mas simplesmente pelos seus méritos.

Foi uma alta figura moral digna de ser imitada por nós todos.

Quando desaparecem valores desta ordem, vemos abater as bandeiras partidárias, e até as dos próprios inimigos do regime.

Sr. Presidente: ocupo nesta Câmara modestamente o lugar de Barros Queiroz; bastava êste facto para cumprir um dever, proferindo algumas palavras em homenagem à sua memória.

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Para falar do Barros Queiroz basta conhecer os principais lances da sua vida.

Saído da pequenez elevou-se pelo seu trabalho honesto e persistente; foi, como V. Exa. disse, um valor que se afirmou.

Nos diversos lances da política, em que os ódios abundam, respeitou sempre os adversários, fazendo todo o possível por consolidar a República, prestigiar o regime e conciliar os políticos.

Lembro-mo de um incidente sem importância: a votação do cinco duodécimos em que êle foi um dos mais dedicados elementos conciliatórios, sem atraiçoar o seu Partido.

Dizendo-se que está de luto o Parlamento da República, dizendo-se que está de luto a própria República, é a melhor homenagem que todos nós podemos prestar à memória dêste honrado cidadão.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: - Sr. Presidente: foi indubitavelmente uma grande perda para a República o desaparecimento de Barros Queiroz. Valor mental e principalmente valor moral, a sua morte representa para o regime, mormente no momento grave que êle atravessa, um acontecimento que todos temos de deplorar profundamente.

Barros Queiroz foi um dos mestres que criaram nas nossas almas o culto da Kepública. Foi um propagandista que uniu a palavra à acção e que soube ser sempre de uma grande coerência. Comerciante, pôde afirmar com desassombro que nunca se aproveitou da Caixa Geral de Depósitos para as suas transacções.

Mas para que enaltecer a figura de Barros Queiroz se ela é de todos bem conhecida? A Esquerda Democrática julga prestar a sua maior homenagem, no recato de um sentimento que é verdadeiro, curvando-se respeitosa ante o ataúde de Barros Queiroz e afirmando que a República está de luto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Moura Pinto: - Sr. Presidente: há muito tempo que me não sinto tam extremamente comovido como hoje, que tenho de prestar nesta casa do Parlamento a derradeira homenagem ao saudoso amigo que foi Tomé de Barros. Queiroz, ao prestigioso vulto entre os maiores da antiga União Republicana, ao cidadão íntegro e ao republicano sincero e modelar.

Republicano sincero e modelar, pode dizer se, porque Barros Queiroz pôs sempre acima de tudo o amor à sua Pátria e de tal arte que bem podemos dizer que êle a colocou no altar sagrado onde os crentes costumam ver a Deus. E assim como os crentes de qualquer religião têm os seus preceitos, têm os seus mandamentos especiais, assim êle tinha os seus preceitos, os seus mandamentos de português e de republicano.

Apoiados.

Êle foi um homem público para quem a honra era, por assim dizer, uma virtude instintiva, a que nunca podia faltar.

Êle foi um trabalhador incansável, dos que entendiam que o trabalho é a cota de esfôrço que temos que dar ao bem comum para que vivamos e os outros vivam. O trabalho representava para êle qualquer cousa como uma necessidade, necessidade que é dolorosa para os fracos, mas que é fácil e agradável para os fortes como êle.

Foi sempre um homem leal, porque entendia que a lealdade prende os homens de carácter entre si e que sem ela não pode haver amizade; por isso, durante toda a sua vida, êle não teve um gesto que não fôsse sempre da maior lealdade.

Barros Queiroz tinha a concepção da mais larga solidariedade para com o seu semelhante, entendia que a solidariedade se devia dar tanto mais fortemente, quanto mais fraco e mais desgraçado é aquele que a precisa.

Nele a solidariedade não era a de muitas almas egoístas, que a dão como mercê ou como uma esmola.

Sr. Presidente: Barros Queiroz foi um grande republicano, mas entendia que a República, era já uma larga conquista, e que se devia aperfeiçoar como um instrumento de novas conquistas e foi só por isso que êle se manteve conservador adentro da República, que julgava indispensável para que essas conquistas se efectuassem.

Tinha, ao mesmo tempo, um profundo amor pela liberdade, pois era daqueles

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que entendiam que a liberdade era o maior anseio da alma humana.

Sarros Queiroz era um espirito progressivo. Amando o passado, ansiava por um futuro melhor. Foi uma grande alma, cheia de qualidades, daquelas qualidades que nã impressionam as multidões ainda atacadas de tantos sentimentos ruins, o que só vibram quando os grandes histriões representam no palco do mundo as grandes farças.

Foi grande em tudo, e tudo realizou tam simplesmente, tam chãmente, como serenamente os rios correm para o mar.

Nunca se lhe conheceu um egoísmo; nunca alimentou um ódio; era fundamentalmente bom.

Tinha uma sensibilidade requintada a que a mais ligeira ofensa fazia a maior mossa. Pois se êle não queria mal a ninguém, se as suas ambições não tendiam ao infortúnio de ninguém, ^porque haviam do ser injustos para com êle?

Uma das nobres faceias do seu carácter consistia em que emquanto tantos homens na torra lutam cheios de egoísmo o entendem que a riqueza é um fim, êle apenas considerava a sua fortuna como um meio.

O único orgulho que lhe reconheci era a sua origem tam simples e tam honesta que propunha como exemplo aos outros.

Homens como Barros Queiroz deixam um grande espaço rm vazio, e. neste momento, podemos afirmar que êle morreu antes do tempo e a sua vida modelar deve servir de exemplo para nós todos. Entrou Barros Queiroz na serenidade augusta e eterna da morte. Que êste golpe profundo, que nos dilacera o coração, vá para apaziguar as nossas paixões em bem das cousas públicas, que tanto precisam de que a elas presida a honrada fé patriótica, o espírito conciliador e prudente e a desinteressada dedicação republicana, que eram os traços fundamentais da fisionomia moral do ilustre extinto.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Nunes Mexia: - Sr. Presidente: a União Agrária associa-se à manifestação de sentimento, provocada pela morte do Sr. Barros Queiroz, e fá-lo com sincera dor.

Desta bancada, composta de homens de trabalho, porque todos se honram de se dedicarem à lavoura, bem merece Barros Queiroz, porque êle foi um grande trabalhador.

Barros Queiroz valorizou extraordinariamente a sua mentalidade. Nesta época de negativismo derrotista que nos assoberba, figuras como a do saudoso extinto impõem-se por tal forma que êste lado da Câmara entende dever dizer que êle deve ser tomado como um exemplo por todos nós, a fim de que em Portugal possa haver um pouco de paz o de trabalho.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Joaquim Brandão: - Sr. Presidente: comovidamente mo associo as expressões e aos votos desta Câmara em homenagem ao falecido ilustre, Tomé do Barros Queiroz.

Faço-o em meu nome pessoal, porque me reputo nesta Câmara o mais velho companheiro de lutas dêsse saudoso republicano.

As minhas relações com Barros Queiroz datam de há mais de trinta anos, quando êle era modesto caixeiro duma casa de comércio e eu um humilde empregado de escritório.

Lutámos ambos pelas regalias da classe a que pertencíamos, e já nesse tempo Barros Queiroz, pela sua compostura, elevação de sentimentos e inteligência, se impunha a todos nos.

Barros Queiroz, espírito altamente conciliador, soube ser sempre, durante toda a sua vida, um tolerante e um verdadeiro democrata.

Êle foi alguém nesta terra, e foi-o não porque o quisesse ser, mas sim porque as suas faculdades mentais e o seu carácter o impuseram a todos os seus concidadãos.

Para subir nunca precisou atropelar, e para criar uma grande e justa fama de homem honrado não precisou de malsinar ninguém. O seu triunfo foi principalmente o do carácter e da honradez.

Apoiados.

Barros Queiroz tombou para sempre, mas deixou na alma republicana um profundo pesar, porque nós todos sentimos que morreu alguém que soube defender a

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República com honradez e tenacidade, não esquecendo nunca aqueles princípios de tolerância e de liberdade que foram o tema das nossas lutas de tantos anos, que trouxeram à República aquela aura popular que a pode tornar triunfante.

Sr. Presidente: disse-se aqui, e muito bem, que Barros Queiroz era, principalmente, um homem de acção; impôs-se, com efeito, menos pelos discursos inflamados dos comícios que pela obra de valor realizada na Câmara Municipal em 1908, a qual trouxe mais adeptos à República do que a palavra incendida de muitos oradores das assembleas populares.

Apoiados.

E a lembrança desta obra que nos deve uuir, e será essa a melhor maneira de honrar a memória dum grande morto.

O nosso colega Sr. Manuel José da Silva leu há pouco uma lista de precursores da República que tombaram já. E um grande cemitério essa lista fúnebre, tantas são as cruzes que a esmaltam.

Pois bem, ela que sirva de estímulo para que em volta da República se faça um reduto inexpugnável, como o exemplo de Barros Queiroz deve servir-nos para que, adoptando-o, a República seja o que êle desejava que ela fôsse: um regime escrupulosamente honrado. A egrégia memória de Barros Queiroz não poderá prestar-se maior homenagem.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Joaquim Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: conheci Tomé de Barros Queiroz. Vi-o lutar e servir na vida pública.

Creio, Sr. Presidente, que há três qualidades que tornam digno um homem público, qualquer que seja o credo ou ideal político que êle tenha a servir: a sinceridade, o estudo e a correcção. Noto na acção de Barros Queiroz, através de toda a sua vida, alguma cousa, ou quási tudo, destas três qualidades: sincero, ao serviço do seu ideal, estudando e procurando sempre acertar nas questões de que tratava, correcto em todos os actos. Sempre que um homem, na vida pública, conjuga estas três virtudes, impõe-se imediatamente ao respeito do todos os que são patriotas. E é por isso que eu, neste momento, sinceramente, e não por uma simples praxe protocolar, me curvo perante a memória do ilustre extinto, associando me com verdadeira comoção, em nome da minoria católica, ao voto proposto por V. Exa.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador não reviu.

O Sr. Pinheiro Tôrres: - Sr. Presidente: em nome da minoria monárquica, quero associar-me ao voto de sentimento proposto por V. Exa. pelo falecimento de Tomé de Barros Queiroz. Apesar de seu adversário político, desejo prestar-lhe, nesta hora, a minha homenagem a mais comovida e a mais respeitosa.

Apoiados.

Não me referirei à sua acção na Câmara Municipal de Lisboa, acção do que resultaram trabalhos, ainda hoje dignos de estudo e de apreço. Não me referirei ao homem do Estado, aos seus talentos financeiros largamente comprovados, existindo, ainda hoje um livro sôbre impostos, que merece aos técnicos mais exigentes os maiores elogios. Não me referirei ainda à sua acção na administração da companhia dos caminhas de ferro portugueses, onde Tomé de Barros Queiroz deixou vestígios inapagáveis (Apoiados] da sua admirável influência, nem ao combatente político, sempre com nobreza, com lealdade e correcção, com quem era, portanto, uma honra terçar armas. Há um ponto que quero salientar, há um terreno em que todos nós, qualquer que seja o credo político que sigamos, nos podemos e devemos encontrar: no culto do trabalho o da honradez.

Apoiados.

E, porque Tomé de Barros Queiroz todo que foi o deve a um trabalho porfiado e corajoso, nós honramo-nos, curvando-nos perante a memória dêsse grande homem, de bem e dêsse grande trabalhador que Portugal acaba de perder.

Sr. Presidente: ficaria de mal com a minha consciência se, neste instante, não parasse um momento, para contemplar o espectáculo da vida dêsse homem, que tudo o que foi, repito, o deveu ao seu próprio esfôrço e que através das vicissitudes da vida e das lutas políticas, conservou sempre honrado o seu nome, tor-

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nando-se digno do aplauso dos seus amigos e dos seus adversários. Êsse espectáculo é, na verdade, bem edificante e ao mesmo tempo exemplar nesta época, em que, na expressão feliz de Paul Hervieu, "a ânsia do prazer e do dinheiro é a única determinante do homem moderno".

Perante êsse edificante espectáculo e êsse exemplo de nobreza de alma, entendemos que a esta comemoração singela e comovida não devia faltar nem e nossa voz, nem a manifestação sentida da nossa dor.

Muitos apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ramada Curto: - A morte de Tomé de Barros Queiroz é daquelas em que a dor pública devia fazer cortejo até ao cemitério.

Êle era, na verdade, um grande cidadão, e ao entrar na posteridade, transpõe aquele ponto que só os justos têm o direito de transpor.

Tomo de Barros Queiroz foi na vida homem de um só parecer e de uma só fé, que soube ligar à sua memória a de um conjunto de virtudes e de perfeições que o honraram e constituíram a razão do seu triunfo moral e cívico.

Embora eu seja representante de princípios inteiramente opostos aos que Tomé de Barros Queiroz incarnou, não posso deixar de reconhecer que essa grande figura, era um romano da República no meio desta romana decadência. Capaz dos maiores altruismos, era uma sobrevivência do passado. Homem pautado e de gabinete, soube queimar se na chama alta do seu amor pela República, conseguindo ter o sincero e ingénuo idealismo de um moço. E, quando lutou peia República, esperava que ela fôsse em Portugal qualquer cousa que trouxesse a redenção de um povo, qualquer cousa cheia de realizações e de nobreza a que o seu espírito dava todo o apoio.

Foi assim êsse honrado homem cuja morte todos deploramos e no qual a nação portuguesa perdeu um grande, um nobre e generoso amigo.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Alfredo Guisado: - Sr. Presidente: vão tombando pela estrada da vida, se bem que fiquem sempre no campo da nossa saudade, os velhos obreiros da República. Tombou mais um: Tomé de Barros Queiros.

Êle soube trabalhar conscientemente a favor do seu ideal que sempre defendeu com toda a nobreza. Intransigente republicano, nunca agravou ninguém, nem mesmo os seus maiores inimigos. Conseguiu a simpatia de todos os republicanos e até daqueles que o não eram.

A Câmara inteira acaba, por isso, de se associar numa manifestação de dor, ao voto de pesar proposto por motivo de tam infausto acontecimento.

Parece-me, porém, pequena a manifestação realizada. Consta-me que o corpo do extinto será transportado para a sede da Companhia Portuguesa dos Caminhos de Ferro. Acho que êle deveria seguir de lá para a Câmara Municipal de Lisboa, a fim de que a cidade ali lhe rendesse homenagem e do palácio do município fôsse conduzido à derradeira morada, num cortejo bem significativo da saudade de todos nós.

Sr. Presidente: eu quero associar-me ao voto de sentimento por V. Exa. proposto, como Deputado que sou pelo círculo a que o extinto pertencia.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ginestal Machado: - Sr. Presidente: quis o ilustre sub-leader da minoria nacionalista, numa deferência excessivamente penhorante mas para mim dolorosa, que fôsse eu quem, em nome dessa minoria, se associaste à justa homenagem prestada à memória inolvidável de Tomé de Barros Queiroz.

Não contava erguer aqui a minha, voz sôbre tam triste acontecimento; falo, por isso, sem preparação; falo obedecendo apenas ao meu sentimento, muito embora êle me aconselhasse neste momento um profundo silêncio de amargura e de saudade. Barros Queiroz era um dos meus mais queridos amigos.

Sr. Presidente: as minhas primeiras palavras são para registar, com reconhecimento, a justiça das homenagens que têm sido prestadas ao republicano que foi um modelo e ao cidadão que foi um exemplo.

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Afirmou-se há pouco que o Parlamento estava de luto; de facto, assim é. Burros Queiroz era um parlamentar que, no exercício das suas funções, apenas levantava a sua voz no interêsse geral da nação. Nunca no seu espírito simples e inocente passou, de longe sequer, a idea da mais insignificante especulação política.

Apoiados.

Perde a República com o desaparecimento de Barros Queiroz um republicano no sentido perfeito e completo, no sentido positivo do torrão. (Apoiados). Barros Queiroz estruturalmente republicano nunca teve um ódio, nunca teve uma inveja que o dominasse.

Sr. Presidente: Portugal perde um homem que, como muito bem disse na sua frase esmerilada e elegante o Sr. Pinheiro Tôrres, é um exemplo que se pode apresentar a todos.

Sabe-o V. Exa. e o País inteiro: Barros Queiroz veio de origem humilde. Fez-se a si mesmo, e todos pudemos avaliar, os que mais de perto convivemos com êle, quanto a sua acção e o seu esfôrço puderam dar em benefício da República e em benefício do País.

Apoiados.

Era um homem na verdadeira acepção da palavra; era um cidadão exemplaríssimo, um coração aberto sempre a todas as acções boas, solidarizando se sempre com todos os actos que tivessem em vista dignificar o homem, mesmo que êle pertencesse às classes mais humildes, e eram essas que mais apreciava.

Não perseguia ninguém. (Apoiados).

Tinha por todos amizade; e a todos tinha como amigos; mas acima de tudo estava o País e a República. Procurava sempre evitar qualquer perturbação nas fôrças partidárias, para impedir alguma scisão.

A Nação perdeu, e o meu Partido também, em Tomé de Barros Queiroz uma grande figura, a primeira figura de nós todos.

Apoiados.

Nós, nacionalistas, sentimo-lo; não podemos agora, dominados pelo sentimento, por mais eloquentes que sejam as nossas palavras, prestar toda a homenagem que a Barros Queiroz se deve prestar: todas são justas e justificadas.

Não me atrevo a propô-las, porque, sendo correligionário, podiam atribuir-me algum espírito de especulação política. O Partido Nacionalista limita-se, pois, a associar-se, confrangido e contristado, pela perda de Barros Queiroz, a todas as manifestações que a Câmara e o Govêrno queiram prestar a êste homem de bem, cidadão exemplar, espelho para todos nós.

Apoiados.

Vozes: - Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Álvaro de Castro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me associar ao voto de sentimento, que já foi secundado por toda a Câmara, pelo falecimento do Sr. Barros Queiroz.

Associo-me pesarosamente, o coração em luta, recordando horas passadas em que pela primeira vez tomei conhecimento com um homem de bem, com um republicano de fortes convicções que para nós deve ser um exemplo a seguir.

Apoiados.

Com mágoa recordo quando êle, pertencendo à comissão de finanças, era o elemento mais útil dela, pelos seus trabalhos que ainda hoje correm impressos em que a sua inteligência e patriotismo se revelam, e o amor ao seu país e à República, que nunca ninguém o teve mais puro e sincero.

Apoiados.

Sr. Presidente: Tomé de Barros Queiroz, que era um homem de paz, essencialmente homem de concórdia, encontrava-se sempre nas horas mais difíceis para os homens da República, perante êles para que se praticasse a concórdia, o pudesse prestigiar-se a obra da República.

Tive ocasião de nas horas mais difíceis o encontrar para tomar aquela cota de responsabilidade que rabia aos homens, quando tinham necessidade de combater pela legalidade, com toda a energia, para que a República ressurgisse perante os olhos de todos tara pura como êle era.

Era amigo pessoal de Barros Queiroz por quem nutri sempre a mais alta consideração, com quem tive, é certo, as minhas discussões, por vezes um pouco mais vivas do que seria natural, mas por quem conservei sempre a maior estima e consideração, principalmente pelo seu saber e pela sua fé na República.

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Não podia deixar, por isso, de acompanhar a Câmara nesta sincera manifestação de mágoa e de dor.

Infelizmente os homens da República, os primeiros, aqueles que a delinearam e a fizeram, vão desaparecendo dia a dia.

Sentidamente, me associo a esta homenagem, e tanto mais confrangido quanto é certo que aumenta o numero dos que, tendo combatido a nosso lado, desaparecera e que. de alguma forma, foram os nossos directores espirituais.

Tomé do Barros Queiroz exerceu, na verdade, um papel saliente, porque foi, não o posso esquecer, o homem que ocupou um alto lugar no primeiro Ministério da República. Foi o elemento que mais trabalhou na legislação dos primeiros tempos do regime. A êle se deve toda a legislação tributária.

Como fundador da República, sentia sempre o desejo de lutar quando se lhe afigurava que os princípios republicanos tinham sido desrespeitados.

A rainha homenagem é profunda, o meu luto é enorme, porque sinto que fica vago o lugar deixado por esse grande homem de bem.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: associo-me, de todo o meu coração, à sentida homenagem prestada por V. Exa. e por toda a Câmara à memória de uma das mais altas figuras do regime.

A inteireza do seu carácter e da sua moral tornou inconfundível a sua personalidade.

Todos sabem as relações de estima e amizade que me ligaram a Barros Queiroz. Quantas vezes recorremos um ao outro para facilitar a marcha da República!

Encontrei-o muitas vezes nas horas felizes da minha vida, mas ainda mais nas horas tristes para mim.

De entre os seus trabalhos destaca-se aquele que como relatar da comissão de finanças apresentou à consideração de todos nós.

Fez-se por si só, tudo deveu à sua inteligência e às suas faculdades de trabalho. Desempenhou sempre com brilho extraordinário as missões de que a República o encarregou.

Uma figura destas sai do âmbito estreito dos arraiais partidários; todos nós o devemos ter como correligionário.

Falo com dificuldade; não encontro as palavras necessárias para poder bem exprimir os sentimentos do Govêrno nesta hora.

Desejaria o Govêrno prestar todas as homenagens, mas um ilustre orador que me precedeu, e que também é vereador do Município de Lisboa, reivindicou para a cidade as homenagens dela e em face disto o Govêrno só lhe resta curvar-se perante esta nobre e tocante iniciativa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Perante a manifestação da Câmara, considero aprovada a minha proposta para que na acta se lance um voto de sentimento e para que não haja sessão no dia do funeral.

Foi aprovada a acta.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão sôbre o negócio urgente do Sr. Cunha Leal relativo à questão dos tabacos.

O Sr. Álvaro de Castro: - Sr. Presidente: segundo as declarações do Sr. Ministro das Finanças, estamos sob a acção do regime anterior ao exclusivo.

Esta doutrina, que já vi expendida aqui na Câmara, coloca-nos perante uma legislação em harmonia com a régie e não há necessidade de discutir a proposta que está em ordem do dia.

Os argumentos apresentados pelo Sr. Ministro das Finanças baseiam-se em estudos históricos, e chega-se à conclusão de que há três regimes.

Esta doutrina reputo a contrária à verdade que resulta dos próprios textos.

Tenho opinião contrária e penso que nos encontramos no regime de liberdade da indústria e comércio de tabacos.

Apoiados.

Em 1888, 1891 e 1906 os legisladores entenderam cousa bem diferente, e assim

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se chega a três regimes: a liberdade, a régie e o monopólio. Daqui resulta a necessidade de adoptar um regime.

Entendo que estamos em regime de liberdade; por êste motivo não julgo boa a interpretação do Sr. Ministro das Finanças.

Pela lei ninguém pode importar tabaco em rama; pode, sim, importar tabaco manipulado depois de pagos os direitos alfandegários.

O próprio Govêrno não pode importar tabaco em rama. Só o poderá fazer depois de uma medida aprovada pelo Parlamento, de forma a poder abastecer as fábricas e fazê-las funcionar.

Entendo que nos tribunais, onde essas acções serão levadas, para julgamento, não podem dar nenhuma espécie de sanção.

O Govêrno, chegado o dia 30 de Abril, como não podia deixar de ser, tomou conta das fábricas que eram do Estado e entendeu dever pô-las a funcionar.

Creio que o Govêrno não podia fazer outra cousa senão tomar conta dos bens que eram do Estado, apropriar-se e inclusivamente pô-las em laboração, visto que cumpre manter as instituições industriais no estado de eficiência em que actualmente se encontram.

Mas, sem dúvida nenhuma, o Govêrno praticou actos que importam a sanção de disposições em condições que as leis não autorizam, e o mais lógico seria que o Govêrno, chegado ao Parlamento, pedisse um bill de indemnidade, para a prática dêsses actos.

Estou convencido de que o Govêrno podia esclarecer a Câmara sôbre os motivos que tinham determinado êsses seus actos.

Sou partidário da liberdade de indústria e comércio, e cada vez estou mais convencido das vantagens dêsse regime e ainda não houve argumentos que modificassem o meu modo de ver.

Todos os argumentos apresentados, uns essencialmente de ordem técnica, são argumentos que demonstram que a história dêstes últimos tempos de vida económica e até da vida industrial das instituições do Estado nos fornecem factos demonstrativos de que a exploração industrial do Estado é absolutamente incapaz em todas as suas manifestações.

Evidentemente, no campo teórico o em princípio, sou pela régie.

Qual foi o fundamento capital que aqui se apresentou a favor da régie?

A favor da régie apresentou-se o argumento capital da concentração industrial.

Ora a vida económica de todos os países demonstra que a concentração industrial não tem dado bons resultados.

Na verdade, Sr. Presidente, o princípio da concentração é interessante para os países onde existe a concentração industrial, devido ao desenvolvimento dos capitais; mas não é para Portugal, onde tal se não dá, pois a única concentração que temos é a indústria dos tabacos.

Devo dizer que, tendo tido o cuidado de ler os pareceres das comissões de comércio e indústria e de finanças, fiquei realmente surpreendido com a sua argumentação.

Repito, Sr. Presidente, que estou absolutamente convencido de que o regime a que me referi será o mais vantajoso para o Estado, e que maiores receitas lhe há-de dar.

Já aqui se disse que o regime que se propõe é o que maiores vantagens trará para o partido que estiver no poder.

Não quero entrar nessa ordem de considerações; mas, falando de outras, não posso deixar de considerar êsse regime debaixo do ponto de vista do funcionalismo.

Por outro lado, já aqui ouvi dizer que na questão da indústria dos tabacos não interessava nada a laboração industrial em si, mas sim a parte comercial. Essa é que era a importante. E diz-se esta enormidade, sem se reparar que a função comercial está ligada à industrial.

Não há nenhum comerciante que não saiba, nem nenhum industrial que não conheça, que, quanto mais perfeita fôr a industria, em melhores condições económicas ficam os seus produtos que, consequentemente, mais aceitáveis são.

Como não existem, porém, nos serviços do Estado, certas condições indispensáveis, vamos assistir, não àquilo que imagina o Sr. Ministro das Finanças, que é o aperfeiçoamento de um instrumento de produção de riqueza para o Estado, mas pelo menos, à desvalorização constante dêsse instrumento, para não acreditar que se dê a sua destruição completa, pois não

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se dará certamente o mesmo que se passou com os Transportes Marítimos do Estado.

Não há nenhum serviço industrial do Estado, que possa efectivamente comparar-se com o serviço industrial privado.

Cita-se como modelar o serviço da Caixa Geral de Depósitos. Não contesto a sua boa administração.

Realmente êsse estabelecimento está dirigido por funcionários zelozos que desenvolvem uma boa acção administrativa, mas para se fazer a critica da sua administração, em termos de comparação com outros estabelecimentos similares, é necessário não esquecer que a Caixa Geral de Depósitos trabalha em condições especiais. Tem prerrogativas de que os seus congéneres não gozam.

Não ha nenhum serviço industrial do Estado que sirva para exemplo de que o Estado é capaz de gerir serviços industriais.

Apoiados.

Diz-se: mas isso é negar a capacidade do Estado! E o próprio Estado que a nega.

Não é do Estado a função de industrial e. quando se lhe nega a capacidade para ser industrial, nega-se a possibilidade de se lhe exigir uma função que êle não deve ter.

Compreende-se que o Estado assuma as responsabilidades de exercer uma indústria, quando se trate de determinados ramos industriais que interessam profundamente à defesa nacional pelo segredo que é necessário manter, mas o Estado sofre os prejuízos que lhe advêm por ter em suas mãos essas indústrias, por motivos fortes e razões muito alevantadas.

Não quero fazer agora uma crítica que atinja pessoas, mas não posso deixar de dizer que não conheço piores serviços do que os dos correios e telégrafos que se encontram na posse do Estado.

Quando nos Estados-Unidos da América do Norte, país que não podemos deixar de reconhecer que tem faculdades e recursos excepcionais, o Estado fez a apropriação de todos os caminhos de ferro e dos correios e telégrafos, foi tal o desastre e a confusão estabelecida que se tiveram de entregar imediatamente êsses serviços à economia particular. Êstes são os fundamentos de ordem prática que deter minam a minha oposição à régie.

Creio poder avançar dizendo que no regime da liberdade com fábricas a funcionar por conta do Estado a par de outras que se quisessem montar por conta do particular o Estado poderia tirar receitas superiores àquelas que colherá em qualquer outro regime de exploração.

O Sr. Presidente do Ministério e o Sr. Ministro das Finanças sabem que as minhas palavras não são ditas ao acaso, não representam p sonho de uma noite de verão, mas correspondem a qualquer cousa de real.

Tenho a certeza de que nesse regime o Estado veria garantida uma receita que não seria nunca inferior em dois anos a dois milhões de libras, que progrediriam, vendo o Estado ao mesmo tempo progredir a organização das suas fábricas em condições que elas agora não têm.

É certo que o que o Estado detém hoje representa um valor grande; o monopólio dos tabacos é uma grande riqueza, mas não com os instrumentos de que dispõe.

Se não se substituírem os maquinismos, se não se actualizarem todos os instrumentos de produção, nunca o Estado poderá tirar da indústria dos tabacos a receita que ela lhe pode dar.

Sr. Presidente: tive necessidade de fazer esta ligeira exposição para agora dizer que. quando foi apresentada a proposta chamada do regime provisório, tive ocasião de declarar que. se ficasse tal como estava, eu a rejeitaria.

Tendo conversado com o Sr. relator, S. Exa. falou-me em determinadas emendas que ia mandar para a Mesa. Depois de as ter lido, disse-lhe que daria aprovação à proposta se as emendas fossem apresentadas. Mas estamos perante uma situação de facto com um campo muito mais restrito do que aquele em que estávamos na ocasião da apresentação da proposta para o regime provisório, e não vejo senão a necessidade de garantir à laboração aqueles meios de continuidade de que ela carece.

A esta necessidade corresponde a proposta do Sr. Pestana Júnior, a qual consigna o princípio de que devem ser aprovados os créditos necessários para ocorrer às despesas relativas à continuação da laboração das fábricas.

Mas mais nada, absolutamente mais

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nada, porque o que temos é uma indústria funcionando, sendo unicamente preciso que o Sr. Ministro das Finanças traga ao Parlamento, se o entender necessário, as disposições precisas para garantir o trabalho dessas fábricas, e não criar, na verdade, um período em que essa indústria esteja paralisada.

Sou contrário à opinião daqueles que dizem que seria vantajoso fazer, à sombra do regime da liberdade, uma grande importação de tabaco. O facto de se estabelecer um regime de liberdade não importa nada com o regime alfandegário.

Nesta ordem de ideas, eu e os Deputados do grupo a que pertenço não podemos votar qualquer moção favorável ao Govêrno.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Pinheiro Tôrres: - Sr. Presidente: começo por mandar para a Mesa a minha moção de ordem:

A Câmara, reconhecendo que o Govêrno, com a continuação não autorizada da laboração das fábricas de tabacos, violou a Constituição, e que, adoptando, assim, o regime da régie, procedeu contra as indicações da opinião pública e contra o interêsse nacional, entende e afirma a impossibilidade da sua colaboração com êle, e continua na ordem do dia. - Alberto Pinheiro Tôrres.

Sr. Presidente: permitem-me, com certeza, V. Exa. e a Câmara que eu inicie as minhas considerações por me referir, embora com brevidade, aos lamentáveis acontecimentos de que foi teatro esta casa do Parlamento, na semana passada.

Não os descreverei, porque êles estão na memória de todos. Neles tomámos a nossa parte, e não quero esconder que foi com um enorme esfôrço e com uma grande violência sôbre nós mesmos que assumimos a atitude violenta de então.

Eu sabia, pensava e entendia que êsses tristíssimos acontecimentos não aumentavam, de forma nenhuma, o prestígio do Parlamento.

Compreendia até que, pela sua repercussão, êles poderiam influir no crédito e na autoridade moral de que tanto carecemos, sobretudo neste momento em que tam graves perigos nos ameaçam.

E, por isso, foi talvez mais com amargura do que com indignação que tivemos de manifestar o nosso clamoroso ,protesto, verificando mais uma vez, e com grande desalento, que estava absolutamente abaixo da sua acção o Govêrno a quem, nesta hora difícil, estão confiados os destinos de Portugal.

Apoiados.

Desanimados, amargurados e indignados estávamos, Sr.. Presidente, mas não diminuídos, porque não se diminui nunca quem, com consciência, procura todos os meios para fazer valer o interêsse nacional, a sua dignidade e os seus direitos.

Apoiados.

Mas que remédio senão responder à violência? Mera chancela, nós? Nunca.

Direitos temos que nobremente reivindicamos e que continuaremos a reivindicar. Argumentos, razões, raciocínios, doutrina: tudo isso de nada servia.

À tirania do número, a pior de todas, porque é anónima e irresponsável, só com meios violentos se pode responder.

Estava em perigo o melhor elemento da nossa reconstrução económica e financeira?

Tratava-se de transformar uma questão nacional, que interessava decisivamente o futuro da Nação, numa questão partidária.

Podíamos ficar inertes? Podíamos deixar consumar o atentado sem que recorrêssemos a todos os meios para o evitar?

Não é um caso flagrante de "legítima defesa" da honra e prosperidade da Nação, que torna legítimos todos os meios?

^Ostensivamente, o Govêrno pretende impor à Nação um regime que ela repele ? Era de prever a reacção. Ai de nós se ela se não tivesse dado. Era sinal de que já não havia energias em Portugal, que não havia já nada para onde apelar.

A ditadura democrática tem abusado de mais; tem contado demasiado com a passividade do País. Mas viu agora que não pode continuar a abusar. Um dia, a explosão- pode ser mais terrível e então será formidável a liquidação de contas.

De quem é a culpa do que se está passando?

Exclusivamente do Govêrno que, com o maior impudor, sem a menor sensibili-

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dade, no absoluto desconhecimento das suas responsabilidades, continua a ocupar as cadeiras do Govêrno, em desafio à Nação, com afronta para ela.

Na luta com a maioria parlamentar a Nação já lhe disse que o não quere, que nenhuma confiança tem nele, que o reputa um perigo.

A própria atitude do Sr. Daniel Rodrigues, tam estúpida como sectária, aliás em acordo com a sua mentalidade de jacobino impenitente, essa mesma atitude provocadora, a principio, depois do comando da nova formiga branca que encheu as galerias - tudo isto é, com certeza, obra do Sr. Presidente do Ministério, de quem o Sr. Daniel Rodrigues é criatura incondicional.

Criou-se um conflito; êle era realmente a necessidade que se impunha...

O Sr. Daniel Rodrigues (interrompendo): - Ouvi falar no meu nome...

O Orador: - Sim senhor.

O Sr. Daniel Rodrigues: - Do forma que me cheguei para ouvir as palavras de V. Exa.

O Orador: - Já as disse. Mas se V. Exa. quere, eu repito-as.

O Sr. Daniel Rodrigues: - Como V. Exa. quiser.

O Orador: - Dizia eu que a respeito mesmo da atitude tomada por V. Exa. na Câmara, desde a sua quási provocação às minorias...

Trocam se fortes apoiados e não apoiados entre as minorias e a maioria.

O Orador: - Eu não quero irritar o debate, nom provocar barulho; não é essa a minha intenção e a Câmara engana-se se supõe que é êsse o sentido com que falo.

Falo apenas no uso do meu direito (Apoiados) para definir a minha situação.

Ninguém tem o direito de supor que nas minhas palavras há qualquer incentivo à desordem ou ao barulho: há apenas, repito, o direito e dever de restabelecer as cousas como das são.

Apoiados.

Dizia eu, porém, que as cousas que aqui se passaram - não repito a palavra para que os apoiados e não apoiados não perturbem de novo os trabalhos da Câmara - foram da responsabilidade do Govêrno, porque V. Exa. não teria agido decerto senão de acordo com o Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Daniel Rodrigues: - O Sr. Presidente do Ministério não dá ordens à Presidência da Câmara.

O Orador: - Em teoria é assim...

O Sr. Daniel Rodrigues: - De resto, procedi conformo a minha consciência me indicou e não me prestava a receber ordens de ninguém naquele lugar. Não me subalternizo.

Apoiados da maioria.

O Orador: - V. Exa. sabe que é hábito a Mesa guiar-se por indicações...

O Sr. Daniel Rodrigues: - Não recebi instruções de .ninguém, e naquele lugar não as recebo; procedi conforme me indicava a minha consciência e sem intenção de provocar ou esmagar ninguém.

Apoiados da maioria.

O Sr. Joaquim Ribeiro: - Era preciso o pretexto, mas os factos passaram e é melhor não falar neles.

O Orador: - Não foi pretexto. Procedemos assim porque era necessário defender os nossos direitos e evitar que se votasse de afogadilho uma lei que era contra a nossa consciência.

Apoiados das oposições.

Não eram só os direitos das minorias que estavam em jôgo, eram os interêsses do País que tínhamos aqui de defender.

Apoiados.

E assim, continuando, volto a afirmar que a responsabilidade dos acontecimentos é exclusivamente do Govêrno. De resto - e êste ponto já foi aqui tocado, mas é útil que se insista nele para que não esqueça facilmente - a forma extraordinariamente tumultuosa e até, como ainda há pouco alguém que dizia, de uma improbidade mental extrema, como tudo isto correu, como o Govêrno, apresentando a régie, saltou para a co-règie, para

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depois voltar à régie, num desalinho intelectual e moral e numa ausência do princípios que são para lamentar, bastaria para marcar quanto é grande a responsabilidade do Govêrno pelo estado a que chegou a questão. Tivesse-a pôsto desde a primeira hora com lealdade e princípios, não atendendo a mais nada, e V. Exa. veria como ela ia estaria resolvida.

Mas não se pensou assim!

Há quanto tempo o assunto devia estar estudado!

Digam-me se não são justas as reclamações que apresentámos o se não é certo que antes da terminação do contrato de 1906, há um ano, já não devia estar tudo estudado e preparado para o novo regime a vigorar.

Discutia-se a nova lei orgânica acaloradamente, porventura, mas não se discutia sob a ameaça da terminação urgente do contrato, o que pretextou os protestos, embora um pouco clamorosos, das oposições.

Mas depois de tudo isto, depois de o Govêrno ter trazido aqui de súbito ama proposta de lei de regime provisório o que aparece?

Sempre a régie, a régie como indicação, como ante-câmara, como primórdio para o regime definitivo.

Quis-se e quere-se impor a régie, em vez de se tentar um acordo com as oposições.

Sim, acordo honroso; não se governa de outra maneira hoje nos Parlamentos!

O regime parlamentar, aliás, tem a sua base no acordo entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo. Dizer que nós, as oposições, não representamos opinião nenhuma do País, querer afirmar que o País pensa apenas como a maioria, não! Contra isso nos revoltamos!

Apoiados.

Nós representamos também aqui o interêsse nacional e, por isso, não deixaremos que nos esmaguem, nem que abalem a nossa voz.

Apoiados.

O Sr. João Camoesas: - V. Exas. é que quiseram calar a nossa voz!

O Orador: - Nunca a quisemos calar, por minha parte tenho pena até de que a voz esplendorosa e erudita de V. Exa. não seja, ouvida mais vezes. Falando até daqui oradores que mereciam resposta - e eu não me incluo nesse número - ela não lhe foi, nem lhe tem sido dada. As razões o raciocínios que as oposições têm apresentado, V. Exas. tem oposto apenas a fôrça do número, e contra isso é que protestamos.

Apoiados.

O Sr. Pires Monteiro: - Em quanto V. Exas. puseram a questão no campo da discussão, nós respondemos sempre.

O Orador: - De verdade, até certa altura fez-se isso, ruas depois tentou-se obrigar-nos a votar a régie.

Não apoiados.

O Sr. Pires Monteiro: - As minorias é que precipitaram a discussão!

O Orador: - Pelo contrário, nós quisemos até que ela se fizesse vagarosamente e nenhum de nós se recusou à discussão de princípios.

Apoiados.

O Sr. Cunha Leal: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Diga V. Exa.

O Sr. Cunha Leal: - Tanto nós tínhamos razão quando supúnhamos que a apresentação do regime provisório era uma tentativa para se fazer o regime definitivo, que logo que o Govêrno se apanhou servido desapareceram todas as pressas.

Hoje já não há sessão nocturna, nem na sessão da noite de ontem se preteriram os orçamentos!

O Orador: - Agradeço a V. Exa. o ré forço que veio dar às considerações que estou a fazer.

Mas continuando: nessa altura tínhamos obrigação, portanto, de usar daquilo que podemos chamar processos revolucionários, que, porém, as circunstâncias inteiramente justificavam, porque primeiro que tudo a revolução estava no Govêrno que tinha perturbado todas as fórmulas e subvertido todos os princípios, pois que se apresentou, como ontem o classificou

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o Sr. Cunha Leal, como um verdadeiro desordeiro.

De facto, a revolução partiu dos homens do Govêrno, homens que afinal de contas se têm apresentado como tiranetes de comédia, pela sua mentalidade, e de tragédia pelos resultados que têm acarretado, em divórcio com o País, à margem dele, procurando resolver esta questão contra a opinião e o interêsse públicos.

Ora é preciso que isto acabe, e nesta conformidade não vejo senão a alternativa ou de nos dissolvermos ou de o Govêrno se demitir.

Apoiados.

Exacerbo ao Govêrno, efectivamente, esta situação, em que nos encontramos, por uma forma lamentabilissima.

O que me entristece é que um, homem come o Sr. Marques Guedes se tivesse ligado a esta última cousa, que foi a laboração das fábricas, sem autorização do Parlamento. E um acto puro e simples de ditadura, é uma usurpação das nações do Poder Legislativo, é uma afronta, portanto, para todos nós e para o Pais que representamos.

Rasgou-se a lei, rasgou-se a Constituição, está fora da lei o Govêrno que connosco se incompatibilizou, sendo, portanto, absolutamente indispensável que não continuemos a colaborar com êle.

Sr. Presidente: a argumentação apresentada pelo Sr. Marques Guedes é simplesmente entristecedora. Dou-me a impressão nítida de que S. Exa. pôs de parte por completo a sua autonomia intelectual e jurídica, para se entregar absolutamente nas mãos do Sr. Presidente do Ministério, que dele fez um joguete, meramente.

Não acredito, e suponho que ninguém de boa fé o poderá fazer, que o Sr. Marques Guedes tenha a opinião de que, acabado o regime do monopólio privado, se entra automaticamente na régie. Era primeiro lugar, desejo citar êste argumento que já ontem aqui foi referido, mas não é demais repeti-lo. Se, de facto, é o que o Sr. Ministro das Finanças diz, para que representou S. Exa. a comédia de nos trazer aqui propostas de regime provisório e definitivo?

S. Exa. sabia que o resultado era aquele, que lei era aquela, para que veio aqui fazer essa comédia, que eu, para não irritar a questão, me abstenho de classificar?

Ah! Sr. Presidente! O regime que legalmente existe hoje em Portugal, é o da liberdade pura e simples. Desde que, por lei, se não estabeleceu um regime qualquer, prevalecem os princípios que enfermam a nossa lei política e civil.

Eu leio a lei, apesar de já ontem o ter feito o Sr. Pestana Júnior. O artigo da Constituição é flagrante. O n.° 26.° do artigo 3.° diz:

Leu.

Portanto, só o Poder Legislativo, só nós, é que podíamos conceder êste exclusivo; emquanto isso se não fizer, é o princípio da liberdade marcado na Constituição que ^e despreza e parece impossível que reduzam a minoria monárquica a ter de defender a Constituição.

Há ainda os princípios da lei civil, e uma cousa engraçada do Sr. Marques Guedes, que. é quando S. Exa. explicou a existência dêste artigo pela questão do trabalho de escravo, como se a preocupação do legislador em 1867 fôsse a escravatura.

O artigo 567.° do Código Civil diz:

"E lícito a todos aplicar o seu trabalho e indústria à produção, à transformação e ao comércio de quaisquer objectos.

§ único. Êste direito só pode ser limitado por lei expressa ou pelos regulamentos autorizados por lei".

A argumentação do Sr. Marques Guedes é simplesmente estupenda, como há pouco disse.

Creio que não é possível, por maior argúcia que haja, fugir desta situação, e a conclusão, portanto, é que o Sr. Ministro das Finanças e o Govêrno infringiram a lei, violaram a Constituição, foram contra os princípios que informam a nossa legislação civil.

Para que se fez tudo isto?

Se realmente a intenção do Govêrno era escolher regime que melhor se coadunasse com os interêsses nacionais, para que procedeu pela forma que se sabe?

E que o seu objectivo era tomar conta daquilo, fôsse como fôsse, fôsse contra quem fôsse.

Se o Govêrno tem à sua disposição os 800:000 quilogramas de tabaco que devem chegar para dois meses, pelo menos, não

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compreendo as razões que o levaram a proceder da forma como procedeu.

As razões apresentadas pelo Govêrno não colhem, tanto mais quanto é certo que todos os lados da Câmara se têm manifestado no sentido de que devem ser defendidos os interêsses dos operários, e de que o Govêrno fique autorizado a retirar da verba dos 35:000 contos? proveniente da venda dos 800:000 quilogramas de tabaco, a quantia necessária para pagar ao pessoal operário.

Assim, digo e repito que o Govêrno não tem razão alguma para ter procedido, como procedeu, a não ser para atender a influências partidárias.

Sr. Presidente: nesta questão dos tabacos a minoria monárquica já definiu a sua situação em dois longos discursos, afirmando que é pelo monopólio privado.

Já apresentámos os argumentos que entendemos necessários em defesa dêsse modo de ver; dissemos que estávamos, no emtanto, dispostos a dar o nosso voto pela liberdade, tanto mais quanto é certo que é essa a vontade do País, e a êste respeito devo dizer que não vejo melhor forma de sabermos qual a indicação da opinião pública se não pela imprensa, e esta, Sr. Presidente, à excepção de um único jornal, tem-se manifestado toda contra a régie.

Além disso, todos nós, que lá fora falamos com uns e com outros, sabemos muito bem que a maioria do País está contra o regime da régie, haja em vista o que se deu no Pôrto com o Sr. Soares Branco.

Devemos ainda ter em conta a opinião das Associações Comercial e Industrial, que são inteiramente favoráveis ao regime da liberdade. Eu não sei, na verdade, o que é que o Govêrno quere mais para conhecer as indicações da opinião pública.

Mas que se importa o Govêrno com as indicações da opinião pública? Que caso faz o Govêrno da vontade nacional?

Acima desta e daquelas, sôbre tudo, pairam os interêsses do partido, a satisfação dos seus apaniguados.

Que democracia é esta em que os movimentos de opinião não são tomados em nenhuma conta? Isto é uma democracia? Não! A mais estúpida, grosseira e torpe das tiranias.

É preciso que digamos ao Govêrno que não comprometa o futuro do País, que cuide do interêsse nacional, que defenda a Nação.

O que é que o Govêrno tem feito, durante êstes longos meses, a favor do País? Nada. A sua obra é absolutamente estéril.

Em matéria financeira, o que apresentou o Govêrno para o equilíbrio orçamental?

Em matéria colonial, regulamo-nos por um critério de regedoria.

Em matéria de fomento nada se tem feito também.

Emfim, o único problema que tem interessado o Govêrno é o problema partidário.

Nesta matéria dos tabacos o Govêrno escolheu a pior das soluções. £ Mas, para que demorarmo-nos em detalhes? Para que não dizer nesta hora toda a verdade?

A luta, neste momento, é pela régie contra o País. Ponhamos claro o problema e não queiramos iludir-nos a nós próprios e à Nação.

Pois não se demonstrou que a função do Estado não era tanto a de arrecadar riquezas, mas principalmente a de criar as condições necessárias para que essas riquezas se desenvolvam sob o seu olhar protector?

Pois não temos nós visto que todas as emprêsas em que o Estado se meteu faliram fraudulentamente?

A excepção da Caixa Geral de Depósitos, tudo o resto é tremendo.

Pois não vemos nós que contra a régie está toda a opinião pública?

Sou cada vez mais respeitador das correntes de opinião.

A função dos governantes é transigir; não é querer impor a sua vontade.

Não acuso o Sr. Presidente do Ministério na sua probidade pessoal, nunca a pus em dúvida; acuso-o apenas de querer transformar esta questão num mero instrumento partidário, numa maneira de estabelecer a sua omnipotência.

A sua omnipotência!

E quando êle na sua cadeira de chefe do Govêrno atirando sôbre nós misericordiosamente aquelas elevadas e lucidíssimas orações, com que evidentemente aumenta a galeria dos grandes oradores parlamentares da Europa, se pavoneia ri-

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sonho, rindo se "evidentemente" dos que protestam, ao mesmo tempo que num elegante gesto maquinal cofia a famosa pêra, que foi, parece-me, ouvi-lo dizer: o Estado sou eu. Isto ainda se tolera em quem se chama Luís XIV e concorreu em grande parte para a grandeza da sua pátria.

O Estado sou eu: e o pior é que efectivamente assim é para vergonha de todos nós que o consentimos.

E se êle a pessoalmente" nada lucra com o régie, lucra "politicamente". E o resultado para o País é afinal o mesmo: um desastre.

Não pode o Govêrno conservar-se no poder, destituído como está de autoridade política e moral.

Devo ceder o seu lugar a quem possa efectivar a solução nacional.

Há quem o faça dentro do regime? A êste cabe mostrar que sim: nesta questão dos tabacos, como na pedagógica, como na colonial, como na económica!

Se o não fizer, firma-se mais que nunca a certeza de que os homens da República não podem salvar-nos e de que a crise que atravessamos é, essencialmente, uma crise do regime, que parece obstinado a semear ruínas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Pedro Pita: - Sr. Presidente: embora V. Exa. não tivesse declarado que me concedia a palavra sôbre a ordem, pedia-a nesses termos e, cumprindo o preceito regimental, envio para a Mesa a minha moção de ordem:

A Câmara dos Deputados, reconhecendo que ao Govêrno só cumpria, tomada posse dos valores a que o Estado tinha direito, aguardar a resolução do Poder Legislativo, não estando, por nenhuma lei, autorizado a proceder como procedeu, passa à ordem do dia. - Pedro Pita.

O Sr. Ministro das Finanças fez ontem a declaração de que, em seu modo de ver, pelo simples desaparecimento do monopólio, estaríamos na régie.

Esta doutrina, apresentada pelo Sr. Presidente do Ministério, não tinha nada de extraordinário mas apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças tem, realmente, muito do extraordinário, porque S. Exa. é uma pessoa que não tem o direito de apresentar critérios que são absolutamente contrários a todos os princípios de direito.

Como descobriu o Sr. Ministro das Finanças que pelo desaparecimento do regime do monopólio se tinha passado automaticamente ao regime de régie?

Estabelecida a règie em 1888, a breve trecho era fácil reconhecer que êsse sistema não dava resultado.

E absolutamente verdade que de há anos a esta parte, como declarou o Sr. Ministro das Finanças, o Estado tem diligenciado tirar dos tabacos um rendimento apreciável, e que, para êsse efeito, tem procurado lançar mão de todos os sistemas, tem feito a experiência de tudo quanto se poderia experimentar. Como, porém, não podia deixar de ser, cada um dêsses sistemas tem vigorado até o momento de ser substituído por outro.

É assim que a lei de 1898 vem estabelecer a régie em substituição das experiências até aí feitas, sendo a última a da reunião, agremiação ou federação de fábricas, como lho quiserem chamar, mas a régie desaparece uma vez revogada a lei que a estabelecera, pelo que estabeleceu o monopólio.

Era, de facto, uma lei de carácter geral essa lei de 1888? Era, de facto, uma lei especial aquela pela qual foi concedido o monopólio agora findo, tendo interrompido apenas periodicamente p período de validade da lei de 1888 ? É evidente que não.

Do próprio relatório apresentado à Câmara em 1891, com a respectiva proposta do lei, só verifica que o Ministro da Fazenda reconheceu que a experiência da régie tinha falhado. Quere dizer, quando se votou a lei que autorizou a concessão do monopólio há pouco findo fez-se o reconhecimento absoluto de que o sistema adoptado até então era um sistema que não servia, e de que por não sen ir é que se substituía por outro.

Para se poder entender que a lei de 1888 de novo entrava em vigor pelo desaparecimento do monopólio de 1891 era necessário que expressamente se tivesse declarado que se interrompia a vigência daquela lei, que se não messe revogado, como se revogou, ou então que como nor-

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ma geral absoluta, essa lei existisse, pois que as íeis especiais, quando têm tempo determinado para a sua duração, vigoram apenas durante êsse tempo. Dá-se, porém, justamente o contrário. A lei geral reconhece a liberdade absoluta de trabalho, disposição esta que já existia no Código Civil e que de novo surgiu na Constituição Política da República.

Na verdade, Sr. Presidente, é norma geral e absoluta, já consignada no Código Civil, que "é lícito a todos aplicar o seu trabalho e indústria à produção, à transformação o ao comércio de quaisquer objectos", havendo ainda a considerar que "este direito só pode ser limitado por lei expressa ou pelos regulamentos administrativos autorizados por lei". Quero isto dizer que a norma geral é a aplicação do trabalho livremente e que todas as leis que limitem essa liberdade têm de ser entendidas em termos precisos, existindo apenas emquanto estão em vigor, ou seja, quanto às que têm tempo determinado de vigência, unicamente durante êsse tempo.

Mas, Sr. Presidente, não é apenas nesta disposição genérica do Código Civil que se encontram elementos bastantes para se poder averiguar que efectivamente foi preocupação do legislador definir por modo insofismável até que ponto e como poderia ser limitada a faculdade que o cidadão tem de aplicar livremente o seu trabalho e livremente desenvolver a indústria a que se aplique.

Na definição de direitos originários, na enumeração dêsses direitos, estabelecem os artigos 359.° e 361.° do Código Civil o seguinte sôbre o direito de liberdade:

Leu.

Diz depois o artigo 368.°:

Leu.

Sendo assim, sendo o direito de liberdade um daqueles que só por lei expressa podem ser limitados, estabelecendo-se flagrantemente a faculdade de todo o indivíduo aplicar livremente o seu trabalho, tendo como limitação apenas lei expressa, eu pregunto, Sr. Presidente, se porventura existe realmente alguma lei expressa a limitar a faculdade que neste momento toda a gente tem em Portugal de dedicar se à indústria do tabaco, do mesmo modo que a qualquer outra indústria.

Todos aqueles que encaram esta questão apenas com o desejo de a entender e não de a confundir têm de responder que, de facto, tal lei expressa não existe. O mesmo princípio se acha estabelecido no n.° 26.° do artigo 3.° da Constituição Política da República, ocorrendo preguntar de novo onde é que está expressa a lei que deminua a faculdade de todos os indivíduos se dedicarem à exploração dessa indústria.

Sr. Presidente: no próprio contrato, chamado "contrato dos tabacos", se encontra fàcilmente um outro argumento a tirar, demonstrando como foi sem base que o Sr. Ministro das Finanças fez a afirmação, que ontem ouvi, de que o desaparecimento do regime contratual que existia fez regressar automaticamente à régie.

No § único do n.° 6.° do artigo 6.° das bases para o concurso, e que fazem parte, como é manifesto, do próprio contrato depois elaborado entre o Govêrno e a Companhia dos Tabacos, se admite uma hipótese que mostra bem que não existia tal na mente do legislador a idea de que em 1926 se devia regressar ao regime da régie. Aí se lê, de facto, o seguinte: "No caso de continuar o monopólio...".

Mas mais adiante, no artigo 15.°, mais expressamente isso se vê, porque se admitem as três hipóteses: "No caso de continuar o monopólio, no caso de passar-se ao regime da liberdade, no caso de se voltar à régie".

Quando, porém, tivesse do aceitar-se - e não é de aceitar! - o argumento do Sr. Ministro das Finanças, de que o regime da régie era aquele a que teria de regressar se, pela extinção do contrato ou por ter se atingido o fim da duração dês-se contrato, pregunta se: Para que trouxe S. Exa. ao Parlamento não somente uma proposta de regime provisório, mas até uma proposta do regime definitivo? Pois se o que o Govêrno e a maioria pretendiam era o estabelecimento da régie, para que vinha ao Parlamento pedir-se que êle fizesse uma lei estabelecendo essa régie, que surgia automaticamente, no dizer do Sr. Ministro, findo o contrato?

Eu entendo bem que o Govêrno e a maioria não desistam com facilidade da adopção dêste sistema. Simplesmente a razão por que entendo isso ainda a não

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ouvi dizer aqui; mas eu, que ao resolver usar da palavra, resolvi também dizer aquilo que pensava, não deixo de achar útil apresentar claramente a minha maneira de pensar a êste respeito.

Sr. Presidente: infelizmente p ar a o País, há da parte do Partido Democrático e do Govêrno a preocupação, que, aliás, tem sido sempre a sua: governar!

Apoiados.

Preocupou-se êsse partido com os desastres que podiam, suceder, e que infelizmente sucederam com os chamados Transportes Marítimos do Estado?

Preocupou-se êsse partido com o desastre que foi essa experiência dos Bairros Sociais?

Alguma vez pensou êsse partido que, na verdade, o estabelecimento da régie, dados os nossos costumes e dados os nos hábitos, há-de fatalmente conduzir-nos ao compadrio que despreza os interêsses do País, para só atender às conveniências das clientelas que, porventura, procurem aumentar?

Sr. Presidente: a grande intransigência está justamente aí!

É que, Sr. Presidente, na régie encontra-se uma fonte de nichos.

Que importa que o País sofra as más consequências de um tal regime, se por via dele poderão ser aumentadas as fileiras daqueles que o defendem?

E, de facto, elas estão bem carecidas de alguma cousa que lhes dê um pouco de mais alento do que têm.

Para um partido que não tenha outra preocupação que não seja a do seu engrandecimento é, com efeito, ideal a régie.

Compreendo assim que o Govêrno procure por todas as formas fazer vingar êsse sistema.

É sacrificado o interêsse do País?

Que importa, se o partido que defendo a régie só poderá colhêr benefícios?

Sr. Presidente: eu sei que não é difícil argumentar com o que em outros países existe, e que também é fácil, tendo apenas a preocupação de comparar sistemas, apresentar razões a favor da régie - não há nada que não possa ser defendido - mas não esqueço que é necessário atender às condições do meio em que um tal sistema vai de novo ser ensaiado.

É preciso não pôr de lado as lições que colhemos do passado.

Se é certo que ao partido que tem sido o detentor do poder cabem as principais responsabilidades dos escândalos que se têm dado na administração do Pais, não é menos verdade que algumas recaem também sôbre os outros partidos, visto que êles não têm sabido pôr termo aos desmandos que aquele tem praticado.

Nestas condições, uma vez que reconhecemos ser prejudicial aos interêsses do País o estabelecer-se a régie, temos o dever de, por todos os meios ao nosso alcance, nos opormos a que êsse sistema seja adoptado e ninguém terá o direito de dizer que nós procuramos satisfazer um capricho, mas terão todos o dever de reconhecer a justiça das nossas intenções de não consentirmos mais experiências como tantos outras que tam caras têm saído ao Estado.

E obrigação de todos que querem defender os legítimos interêsses da Nação declararem bem alto, como eu declaro neste momento, que não se pode consentir que um pai tido tente engrandecer-se à custa dos sacrifícios do Tesouro Público.

Apoiados.

Sr. Presidente: o acto que acaba de ser praticado pelo Govêrno não é mais nem menos do que um acto, de manifesta ditadura.

Apoiados.

Nenhuma lei permite que o Govêrno, depois de tomar conta das fábricas e haveres da Companhia, ponha essas fábricas em laboração.

O Govêrno, depois de tomar posse, por virtude de uma cláusula do contrato, das fábricas e haveres da Companhia dos Tabacos, devia esperar que o Parlamento lhe indicasse o modo como deveria administrar êsses bens.

Só assim poderia o Govêrno proceder à face da Constituição que diz expressamente, no n.° 22.° do artigo 26.°, ser privativa competência do Poder Legislativo, regular a administração dos bens nacionais.

Mas, Sr. Presidente: o que quere de facto o Govêrno com o acto que praticou?

O que quere o Govêrno com a atitude que torna, de já não ter nenhuma pressa em que o Parlamento se pronuncie sôbre a resolução definitiva do problema?

Quere manter uma situação em que po-

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de à vontade, pois que nenhumas normas lhe estão fixadas, procurar o engrandecimento do seu partido pelo muito bem que pode fazer àqueles que sejam ou possam vir a ser seus afilhados.

Sr. Presidente: é, de facto, um espectáculo interessante aquele que a maioria nos oferece.

O Sr. Presidente do Ministério declarou aqui que esta questão era aborta e que cada um tinha o direito de votar como quisesse e dá-se o fenómeno interessante de estarem todos de acordo; nem houve necessidade de invocar a disciplina, pois todos estão convencidos do belo sistema da régie que já neste País em outras épocas produziu os seus efeitos.

Sr. Presidente: não vale a pena, de facto, estar a fazer citações de números, nem a apresentar argumentos no propósito de abrir uma porta aberta.

Eu faço ao Sr. Ministro das Finanças a justiça de acreditar que está como eu convencido de que a régie não poderá dar bom resultado.

Sr. Presidente: a situação criada mantém-se com as mesmas consequências e com os mesmos efeitos.

Estou a fazer afirmações em meu nome, mas estou convencido de que os meus correligionários pensam da mesma forma, pois ninguém gosta de ser convencido à fôrça mas sim por argumentos, e que, insensivelmente, nos sentimos irritados quando, pela fôrça do número, nos querem fazer - permita-me V. Exa. a expressão - engulir aquilo que nós reputamos prejudicial para o País.

Se, de facto, o propósito é convencer-nos pela fôrça, o argumento não tem condições de poder ser empregado.

E, se a uma situação de permanente conflito quiserem conduzir-nos, não se esqueçam de que dêste lado da Câmara não estão nem bebés que tenham medo do papão, nem homens que saibam fugir quando o seu dever é estar.

Não pareçam estas minhas palavras ditadas por farronca; isto traduzido por miúdos significa que o papão da dissolução não mete medo a êstes bebés, e, quanto ao resto, nós também já mostrámos que sabemos onde é o nosso lugar para ficar nele mesmo quando sôbre as nossas cabeças se procuram acastelar nuvens de insultos e de vaias.

Isto dito, porque era necessário dizê-lo e afirmado como já foi por mim que reputamos o acto praticado pelo Sr. Ministro das Finanças e pelo Govêrno como um acto de pura ditadura, que lei nenhuma autorizava, e afirmado ainda que conhecemos bem o que é e como pode ser utilizada, num país como o nosso, a régie, não vale a pena estar a ocupar mais tempo à Câmara.

Estão feitas aquelas declarações que era necessário fazer, e há apenas que esperar - e eu tenho essa fé - que se não mantenha o 6rro praticado, porque isto do gritar-se contra as ditaduras, que têm, como já aqui tive ocasião de dizer, ao menos, a enobrecê-las, a coragem do quem as faz, de vantagem sôbre esta ditadura encapotada, em que se afirma a vaga, existência de uma lei que, do facto, não existe para legitimar actos que não têm legitimidade à face das leis, não é coerente nem lógico.

Pode ser um grande processo, mas eu fico com o direito de suspeitar que aqueles que tanto gritam pela pureza da Constituição, quando estão de baixo, para depois saltarem sôbre ela a pés juntos quando se encontram no Poder, são pouco sinceros no seu republicanismo.

E bom não esquecer que as horas amargas que passaram podem voltar alguma vez. É mau o caminho que se está a seguir e oxalá que com bom-senso se enverede por outro melhor, porque a situação tal como está colocada não pode conduzir a cousa nenhuma e só é de molde a lançar a dúvida no espírito dos que já hoje não acreditam fàcilmente na sinceridade dos homens que os governam.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Lida na Mesa a moção do Sr. Pedro Pita, é admitida.

O Sr. João Camoesas: - Sr. Presidente : confesso a V. Exa. e à Câmara que não foi sem certa surpresa que tenho assistido ao desenvolver das considerações que na sessão de ontem e de hoje foram feitas por alguns dos nossos colegas da Câmara.

Dir-se-ia que os comentadores da situação não tomaram parte alguma nos acontecimentos que ocorreram e nem sequer foram espectadores deles. Dir-se-ia que a

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situação, de facto, em que o Govêrno foi colocado, precisamente pela actuação das pessoas e dos grupos que se têm manifestado, fôra criada pela maioria ou pelo próprio Govêrno. E no emtanto os acontecimentos que se desenrolaram estão vivos na memória de todos e não podem ser apagados nem pela ênfase das palavras nem pela facilidade dos sofismas e estratagemas.

Vinha a decorrer serena e correcta nesta casa do Parlamento a discussão da proposta ministerial sôbre o regime a adoptar em matéria de exploração industrial dos tabacos.

Aproximando-se a data da terminação do privilégio, e tendo-se erguido as minorias a gritar que não seria possível, no curto espaço de tempo que tínhamos à nossa frente, fazer a discussão da proposta ministerial, o Govêrno apressou-se a apresentar nesta casa do Parlamento uma proposta de regime provisório.

E a que assistimos então?

Ao exótico espectáculo de vermos as minorias, que haviam reinvindicado a apresentação duma proposta do regime provisório, que haviam invertido pela sua discussão pronta, rápida e imediata, oporem-se por todas as formas a que essa discussão se fizesse.

Inventaram-se pretextos sôbre pretextos durante duas largas sessões, a maioria assistiu serena e atenta a todos os sistemas duma tática obstrucionista para impedir a discussão da proposta e só ao fim de uma terceira sessão alguém dêste lado se ergueu para tornar possível a efectivação do debate sôbre a proposta referida.

Então invocou-se um pretexto de aparente regularidade regimental. Mas, se êsse pretexto não tivesse surdido, sabe-o toda a gente, estava combinado entre as oposições abrir uma inscrição obstrucionista para impedir a prorrogação da sessão.

Então chegava-se ao dia 30 de Abril sem regime definitivo nem provisório, e o Govêrno ficava colocado numa situação, obrigando-o a seguir num sentido ou noutro.

Posso concluir sem temor de excesso, nem temor de contestação, que a situação foi criada única e simplesmente pelas minorias desta casa do Parlamento.

Apoiados.

Mas chegámos ao dia 1 de Maio, e o Govêrno encontra-se com uma disposição legal, do artigo 8.°, se não estou em êrro, que o obrigava a tomar conta dos imóveis dos tabacos, dos maquinismos, numa palavra, do conjunto de elementos que constituem a indústria dos tabacos.

Quisesse ou não quisesse, pela fôrça da lei anterior, o Govêrno teve de tomar conta dêsses elementos de produção.

Não podia nem devia deixar de o fazer.

Não quero de maneira nenhuma servir-me doutra arma que não seja a lei.

Nesta Câmara foi apresentado o critério do Govêrno, como sendo um acto de ditadura; não como cousa que era obrigado a praticar.

Não deveria, por consequência, tomar conta das fábricas. Pela própria defini cão da palavra fábrica, se vê que o Govêrno deveria receber mais alguma cousa que um imóvel: tinha que receber contingentes de mão de obra para funcionamento delas.

Havia que atender à situação do operariado; e na situação jurídica dêste podia encontrar-se um argumento de prova.

Mas quero apenas desmentir a argumentação singularíssima que homens, que se dizem educados na sciência jurídica, vêm para aqui trazer para discussão.

Que monopólio concedeu o Govêrno sem autorização do Parlamento?

Nenhum; portanto, não é de invocar o n.° 26.° do artigo 3.° da Constituição.

O Govêrno cumpriu o seu dever, conservando em plena eficácia um instrumento para o interêsse geral da Nação.

O que se pretende? Que o Govêrno não podia continuar a laboração dos tabacos porque não tem as verbas necessárias para poder continuar esta indústria.

Mas, tratando-se de um organismo industrial que tem valor, podia êsse organismo ser financiado por qualquer instrumento de crédito português?

Se se lhe reconhece personalidade jurídica, pode contratar com a Caixa Geral de Depósitos, e continuar a sua laboração.

Ainda ninguém produziu argumentos que invalidem a tese que venho de defender.

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A propósito do que se tem aqui dito sôbre a organização e fiscalização do negócio dos tabacos, não posso deixar de chamar a atenção da Câmara para o facto dos homens que faziam parte da Companhia serem monárquicos.

É esta a verdade!

Ninguém a esconderá, venham as tempestades que vierem, haja as perturbações que houver.

Os monárquicos ficam agora agarrados à questão dos tabacos, como já o estiveram no tempo da monarquia, parecendo que para êles será sempre um motivo de condenação.

Apoiados.

Mas há uma atitude mais curiosa: a dos republicanos.

Aliás, é a repetição de uma velha atitude a que a paixão política tem conduzido os homens neste País.

Dizem êles que a régie coloca nas mãos dos democráticos uma arma perigosa.

Mas até aqui ela esteve nas mãos dos monárquicos, e então êsses curiosos republicanos, a ser verdadeira a sua hipótese, que não é, põem êste dilema: antes os monárquicos que os democráticos, dilema pôsto de facto embora não queiram confessá-lo.

As minorias republicanas preferem que os 30:000 contos, em que falam tam alvoroçadamente, das percentagens da venda dos tabacos, continuem a ser distribuídos pelos monárquicos, a favor dos seus interêsses eleitorais, a que êles passem para as mãos de um partido republicano, que os faria distribuir a favor de uma política que não põe em cheque o regime.

Apoiados.

Continuam, por consequência, numa política que já tantos dissabores tem acarretado a Portugal: antes os monárquicos que os democráticos.

Que lhes preste essa doutrina, mas que não venham para aqui dizer que somos nós que por paixão política pretendemos comprometer os princípios e pôr em risco os alicerces do regime.

Apoiados.

Verificamos, por consequência, com factos averiguáveis e verificáveis, os quais V. Exa. e a Câmara podem observar, estudar e analisar e que não resultam, portanto, da argúcia sofística de um homem excepcionalmente dotado para encobrir a verdade - são os próprios factos que o demonstram! - que os monárquicos defendem a sua política, querendo que continue nas suas mãos uma arma que é importante contra a República, e que os republicanos continuam a preferir aos democráticos os monárquicos, achando legítimas, para combater um partido que tem como único crime o ser mais forte que o deles, todas as alianças.

E é assim que vemos neste momento homens que estiveram completamente separados na Traulitânia, irmanados nos mesmos princípios; é assim que vemos homens que fomentaram essa tirania do chamado consulado sidonista ligados àqueles que a combateram.

É esta a realidade dos factos!

Apoiados da maioria.

Não quero com isto dizer - porque não quero caminhar no mesmo terreno de suspeições que têm sido lançadas contra o meu partido - que os homens que aqui têm atacado a régie, monárquicos ou minorias republicanas, estejam consciente ou inconscientemente feitos com os interessados na liberdade.

Entendo, pelo contrário, que tal se não deve afirmar, visto que se trata de um caso muito delicado, embora nós pudéssemos usar dos mesmos métodos que têm sido usados contra nós.

No emtanto, seria curioso ver quem é que tem uma atitude nacional.

O Sr. Presidente: - São horas de entrarmos no período de antes de se encerrar a sessão; deseja V. Exa. ficar com a palavra reservada?

O Orador: - Sim, Sr. Presidente, se V. Exa. mo permite, fico com a palavra reservada.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: em primeiro lugar, agradeço ao Sr. Ministro do Comércio o favor de se ter demorado para ouvir as minhas reclamações.

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Desejo tratar de um assunto que corre pelos Correios e Telégrafos, e por isso chamo a atenção de S. Exa. para as considerações que vou fazer.

Há um decreto que se refere a uns receptáculos que os proprietários s ao obrigados a mandar colocar nos seus prédios, para receberem a correspondência dos inquilinos.

Essa medida é perfeitamente justa, porque tende a acabar com a violência do serviço dos carteiros.

Mais tarde, orna nova proposta de lei foi trazida ao Parlamento, e nela se determinara que fôsse a Administração Geral dos Correios e Telégrafos que fornecesse essas caixas; porém, a Câmara não concordou com tal disposição, e, por consequência, o que ficou apenas em vigor foi a lei n.° 1:563.

Mas, apesar disto, a Administração Geral dos Correios entendeu que devia mandar um aviso a todos os proprietários, no qual se dizia que, dentro do prazo de 15 dias, tinham de responder se queriam ou não comprar os receptáculos àquela administração, e que, se não respondessem, ela entendia que êles lhas queriam adquirir.

Mas há mais, e para isto eu chamo particularmente a atenção do Sr. Ministro das Finanças, que sei que é absolutamente incapaz de proteger qualquer cousa que não seja honesta nem legal.

Algumas dessas pessoas foram à Administração Geral dos Correios ver o modelo que, segundo a lei, têm de mandar colocar nos seus prédios; mas sucede que aquele modelo consta de uma patente dada a um sujeito chamado Leiria, que aliás não conheço.

Se é facultativo comprar ou não as caixas à Administração Geral dos Correios, pregunto como é que o Sr. Leiria pode ter o monopólio da sua construção.

Posso ainda informar V. Exa. do seguinte: são cêrca de 150:000 os inquilinos que existem nas duas cidades.

Exige se, por cada um doa inquilinos 125$, o que dá, em relação a Lisboa e Pôrto, uma despesa, que UIPS é imposta, na importância de 18:750.500$.

Preguntou se a outras casas, quais os preços por que podiam fornecer êsses receptáculos e verificou-se que o preço era 55 por cento inferior ao que é exigido agora, o que dá uma diferença para os inquilinos de 10:312.500$.

Ao Sr. Ministro do Comércio, que eu sei ser uma pessoa que deseja que as cousas se façam com todo o escrúpulo, peço providências sôbre o caso.

Bem pode ser que neste caso haja uma negociata em que milhares de contos sejam distribuídos por alguns.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Gaspar de Lemos): - Sr. Presidente: em primeiro lugar agradece ao Sr. Carvalho da Silva as referências elogiosas que me fez e que são verdadeiras apenas pelo que diz respeito às minhas intenções.

Não conhecia o assunto e vou colhêr informações. Tal como S. Exa. o apresenta parece-me que tem no sou substractum qualquer cousa de muito irregular. Informar-me hei, repito, e providenciarei, obstando a que qualquer facto menos regalar se pratique, e prometo informar S. Exa. sôbre o que houver.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã à hora regimental com a seguinte ordem de trabalhos:

De tarde:

Negócio urgente do Sr. Cunha Leal, sôbre o actual funcionalmente das fábricas de tabaco.

Parecer n.° 133, que regula o novo regime do fabrico e venda de tabacos.

A noite:

Parecer n.° 45-H, orçamento do Ministério do Comércio e Comunicações.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 45 minutos.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Projecto de lei

Do Sr. João Estêvão Aguas, contando aos tesoureiros da Fazenda Pública, para aposentação, o tempo de serviço prestado como propostos de tesoureiro.

Para o "Diário do Governo".

Página 27

Sessão de 5 de Maio de 1926 27

Pareceres

Da comissão de finanças, sôbre o n.° 952-E, que dá preferência, no provimento de vagas no quadro das mestras nas escolas industriais do país, às jornaleiras em designadas condições.

Imprima-se.

Da mesma, sôbre o n.° 14-D, que concede a D. Amélia Ferreira da Silva Pôrto a pensão anual de 3.000$.

Imprima-se.

Da mesma, sôbre o n.° 134-F, que fixa a pensão de reforma extraordinária ao agente de autoridade que, em resultado de ferimento ou acidente, em serviço, se impossibilite para o desempenho das suas funções.

Imprima-se.

Da mesma, sôbre o n.° 24-H, que cede à Câmara Municipal de Freixo de Espada-à-Cinta designado edifício para instalação da Escola de Sericicultura.

Imprima-se.

Da mesma, sôbre o n.° 20-G, que autoriza o Govêrno a criar um armazém central para fornecimento de mobiliário, materiais e artigos de expediente, às Secretarias de Estado.

Imprima-se.

Da mesma, sôbre o n,° 12-LL, que cria o lugar de sub-chefe do pessoal menor no Ministério da Instrução Pública e extingue um lugar de contínuo.

Imprima-se.

Da comissão de administração pública, sôbre o n.° 14-C, que determina que a cadeia de Chaves sirva de cadeia de depósito ou concentração de presos doutras comarcas.

Para a comissão de legislação criminal.

Da comissão de comércio e indústria, sôbre o n.° 134-C, que altera as taxas da pauta de importação relativas a designadas mercadorias.

Para a comissão de colónias.

Da mesma, sôbre o n.° 139-D, que eleva de 5 a 10 o número de prestações anuais a que se refere a disposição do n.° 5.° do artigo 2.° da lei n.° 1:577, de Abril de 1924 (transportes marítimos). Para a comissão de marinha.

Da comissão de finanças, sôbre o n.° 69-B, que autoriza o Govêrno a contrair um empréstimo de 300:000.000$ destinado a grandes reparações de estradas no continente da República.

Imprima-se com a máxima urgência.

Da mesma, sôbre o n.° 36-A, considerando intercalado no mapa da classificação final do concurso de 3 de Fevereiro de 1917 o primeiro sargento Manuel Pinto Curado.

Imprima-se.

Da mesma, sôbre o n.° 165, que aplica as disposições do artigo 2.° e seu parágrafo da lei n.° 163, de Maio de 1914, ao segundo sargento reformado Manuel Francisco Martins.

Imprima-se.

Da mesma, sôbre o n.° 177-D, que regula o preenchimento das vagas de terceiros oficiais do quadro da Direcção Geral da Contabilidade Pública.

Imprima-se.

Da mesma, sôbre o n.° 130-E, que fixa os vencimentos dos agentes de 2.a classe das polícias de investigação criminal e administrativa.

Imprima-se.

Requerimento

Desejando ir a Espanha, rogo a V. Exa. o favor de requisitar um passaporte especial, de harmonia com o decreto ultimamente publicado. - Sebastião de Herédia.

Por determinação do, Sr. Presidente, requisite-se êste passaporte.

Comissão interparlamentar do comércio

Presidente da Câmara.
Adriano Gomes Pimenta.
António Lago Cerqueira.
António de Paiva Gomes.
Baltasar Teixeira.
Carlos Soares Branco.
Francisco Velhinho Correia.
Henrique Pires Monteiro.
João Luís Ricardo.

Página 28

28 Diário da Câmara dos Deputados

José Nunes Loureiro.
Manuel da Costa Dias.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
António Aboim Inglês.
João Tamagnini Barbosa.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Álvaro Xavier de Castro.
Manuel José da Silva.

Comissão de ensino superior

Substituir o Sr. Manuel José da Silva pelo Sr. Carlos de Moura Carvalho.

Comissão de colónias

Substituir o Sr. Manuel Ferreira da Rocha pelo Sr. António Leite de Magalhães.

Para a Secretaria.

O REDACTOR - Avelino de Almeida.

33 - Imprensa Nacional - 1925-1926

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