Página 1
REPÚBLICA PORTUGUESA
SESSÃO N.º 85
EM 17 DE MAIO DE 1926
Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Rodrigues Gaspar
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Mariano de Melo Vieira
Sumário. - Abertura da sessão. Leitura da acta. Correspondência.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Mário de Aguiar usa da palavra para interrogar a Mesa sôbre a ausência do Govêrno. Responde lhe o Sr. Presidente.
O Sr. Rafael Ribeiro ocupa-se do caso dum concurso para o provimento duma escola de Viana do Castelo, chamando a atenção do Sr. Ministro da Instrução para as ilegalidades cometidas. Responde o Sr. Ministro da Instrução (Santos Silva), voltando a usar da palavra (para explicações) o Sr. Rafael Ribeiro. O Sr. Rodrigo de Abreu dá informações sôbre o assunto.
O Sr. Sant'Ana Marques secunda as reclamações do Sr. Mário de Aguiar.
O Sr. Carvalho da Silva trata da aplicação das disposições da lei que obriga os proprietários urbanos de Lisboa e Pôrto a colocarem caixas de correspondência nos seus prédios.
O Sr. Ministro da Instrução promete transmitir as considerações dos S r s. Sant'Ana Marques e Carvalho da Silva ao seu colega da pasta do Comércio.
O Sr. Ramada Curto reforça as considerações produzidas pelo Sr. Carvalho da Silva e protesta contra o modo como a Companhia dos Fósforos está despedindo alguns dos seus antigos operários. Responde-lhe o Sr. Ministro da Instrução. O Sr. Raimundo Alves ocupa-se do abuso que se comete na fabricação de aguardentes, reclamando enérgicas providências do Sr. Ministro da Agricultura.
Responde-lhe o Sr. Tôrres Garcia (Ministro da Agricultura).
O Sr. Sousa da Câmara reclama providências contra o mau estado das estradas do Alentejo.
Responde-lhe o Sr. Ministro da Agricultura que promete transmitir ao Sr. Ministro do Comércio as considerações do Sr. Sousa da Câmara.
Usa da palavra para explicações o Sr. Sousa da Câmara.
É aprovada a acta.
É concedida uma licença e são admitidas à discussão algumas proposições de lei.
Ordem do dia. - (Votação das moções apresentadas na discussão do "negócio urgente" do Sr. Cunha Leal).
Tendo anunciado o Sr. Presidente que ia ler-se na Mesa, para ser votada, a moção do Sr. Cunha Leal, levantam-se protestos das bancadas da oposição, que impedem a leitura anunciada.
O Sr. Presidente, pondo o chapéu na cabeça, interrompe a sessão.
Reaberta a sessão, o Sr. Presidente concede a palavra para um requerimento ao Sr. Amando de Alpoim que declara abandonar com o seu colega da minoria socialista os trabalhos parlamentares.
O Sr. Presidente faz uma declaração à Câmara.
Usam da palavra par a explicações os Srs. Jorge Nunes, Amorim Ferreira, José Domingues dos Santos, Pinheiro Tôrres, Manuel Fragoso, Pedro Pita, Pestana Júnior, Álvaro de Castro, Jorge, Nunes, Nunes Mexia, Vitorino Guimarães, Manuel José da Silva, Manuel Fragoso, Lino Neto, Jorge Nunes, João Camoesas, Agatão Lança e Amorim Ferreira.
O Sr. Presidente agradece as palavras que lhe foram dirigidas por todos os oradores que o precederam e anuncia à Câmara a morte do antigo Deputado Dr. Hermano de Medeiros, propondo que na acta se lance um voto de sentimento por és te motivo.
Associam-se a êste voto os Srs. Rebelo Arruda, Amorim Ferreira, Álvaro de Castro, Moura Pinto, Jorge Nunes, Lino Neto, Pinheiro Tôrres, Manuel José da Silva, Aboim Inglês, Carlos de Vasconcelos, Paiva Gomes, Filomeno da Câmara, Carvalho da Silva e Ministro da Instrução (Santos Silva).
É aprovado o voto de sentimento proposto.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão, às 15 horas e 30 minutos.
Presentes à chamada, 75 Srs. Deputados.
Página 2
2 Diário da Câmara dos Deputados
Entraram durante a sessão 45 Srs. Deputados.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abel Teixeira Pinto.
Adolfo de Sousa Brasão.
Adolfo Teixeira Leitão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Carlos da Silveira.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Nogueira Gonçalves.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alexandre Ferreira.
Alfredo da Cruz Nordeste.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro da Cunha Ferreira Leite.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Rodrigues.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António José Pereira.
António Leite de Magalhães.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Rebelo Arruda.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Pais de Almeida.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos de Moura Carvalho.
Delfim Costa.
Diogo Albino de Sá Vargas.
Domingos António de Lara.
Domingos Augusto Reis Costa.
Domingos José de Carvalho Araújo.
Felizardo António Saraiva.
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
Francisco Godinho Cabral.
Henrique Maria Pais Cabral.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Herculano Amorim Ferreira.
João Bernardino de Sousa Carvalho.
João da Cruz Filipe.
João Pina de Morais Júnior.
João Raimundo Alves.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Joaquim Maria de Oliveira Simões.
Joaquim Nunes Mexia.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carlos Trilho.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Maria Alvarez.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Rosado da Fonseca.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Luís da Costa Amorim.
Luís Gonzaga da Fonseca Moreira.
Manuel Alegre.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Manuel Homem de Melo da Câmara.
Manuel José da Silva.
Manuel Serras.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho Júnior.
Mariano de Melo Vieira.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Pedro Góis Pita.
Rafael Augusto de Sousa Ribeiro.
Rui de Andrade.
Sebastião de Herédia.
Severino Sant'Ana Marques.
Valentim Guerra.
Viriato Sertório dos Santos Lobo.
Zacarias da Fonseca Guerreiro.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alfredo Pedro Guisado.
Álvaro Xavier de Castro.
Amâncio de Alpoim.
Aníbal Pereira Peixoto Beleza.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Alvares Pereira Sampaio Forjaz Pimentel.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António Lino Neto.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Marques Guedes.
Página 3
Sessão de 17 de Maio de 1926 3
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur da Cunha Araújo.
Carlos de Barros Soares Branco.
Custódio Martins de Paiva.
Dagoberto Augusto Guedes.
Daniel Rodrigues Salgado.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Eduardo Ferreira dos Santos Silva.
Elmano Morais Cunha e Costa.
Filemon da Silveira Duarte de Almeida.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
João Baptista da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José de Moura Neves.
José do Vale de Matos Cid.
José Vicente Barata.
Lourenço Correia Gomes.
Luís de Sousa Faísca.
Manuel da Costa Dias.
Manoel Eduardo da Costa Fragoso.
Rodrigo Luciano de Abreu e Lima.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Afonso Augusto da Costa.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
António Alves Calem Júnior.
António Araújo Mimoso.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António José de Almeida.
Artur Brandão.
Artur Saraiva de Castilho.
Augusto Pires do Vale.
Carlos Fuseta.
Custódio Lopes de Castro.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Pereira de Oliveira.
Indalêncio Froilano de Melo.
Jaime António Palma Mira.
João Estêvão Águas.
João Lopes Soares.
João de Ornelas da Silva.
João Salema.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Toscano Sampaio.
José António de Magalhães.
José Marques Loureiro.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Raúl Lelo Portela.
Raúl Marques Caldeira.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Vasco Borges.
Às 15 horas e 20 minutos principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 75 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Leu-se a acta. Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Senado, devolvendo, com alterações, a proposta de lei n.° 148, que declara irrito e nulo o decreto n.° 1:116, de 30 de Novembro de 1914.
Para a comissão de legislação criminal.
Do Ministério dos Negócios Estrangeiros, satisfazendo ao pedido feito nos ofícios n.ºs 285 e 669, para o Sr. Rafael Ribeiro.
Para a Secretaria.
Do Ministério das Finanças, satisfazendo ao requerido pelo Sr. Rafael Ribeiro, comunicado no ofício n.° 576.
Para a Secretaria.
Do mesmo, satisfazendo ao pedido feito no ofício n.° 232, para o Sr. Joaquim Toscano Sampaio.
Para a Secretaria.
Página 4
4 Diário da Câmara dos Deputados
Do Ministério da Justiça, satisfazendo ao requerimento do Sr. Rafael Ribeiro, comunicado no ofício n.° 541.
Para a Secretaria.
Da Associação de Classe dos Empregados Menores dos Correios e Telégrafos, acompanhando uma representação para que aos empregados supranumerários seja mantida a regalia consignada no artigo 2.° do decreto n,° 10:204 e na alínea G, base 2.ª da organização dos serviços de 24 de Janeiro de 1924.
Para a comissão de correios e telégrafos e indústrias eléctricas,
Da Junta de Freguesia da Madalena, concelho de Tomar, e das corporações e católicos da vila de Atouguia da Baleia, para que à igreja seja reconhecida a personalidade jurídica.
Para a Secretaria.
Do Grémio de Educação Popular de Portalegre, contra o reconhecimento da personalidade jurídica à igreja.
Para a Secretaria.
Da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Barcelos, enviando uma certidão extraída da acta da sessão de Senado Municipal e um projecto para que seja prorrogado o prazo para prosseguimento dos trabalhos da construção e aumento de garantia do juro e custo do quilómetro.
Para a comissão de administração pública.
Telegramas
Pedindo a aprovação do projecto concedendo a personalidade jurídica à igreja:
Da junta e pároco de Guilhofrei (Vieira).
Da junta e regedor de Sinfães.
Do pároco e regedor de Grichães (Fafe).
Do Centro Católico de Fafe.
Da junta e pároco de Monteiro (Vieira).
Da Confraria de Fão.
Da Irmandade de Fonte Boa (Fão).
Da Misericórdia de Ponte de Lima.
Da junta, regedor e pároco de Lomba (Sabugal).
Do pároco de Pelmá (Álvaiázere).
Do pároco de Álvares (Góis).
Da junta, regedor e Centro Católico de Silvares (Fafe).
Da irmandade e Centro Católico de Pousa Flores (Sabugal).
Do abade, regedor, junta e Confraria de Regrião (Famalicão).
Da junta, regedor e pároco de Vilar de Nantes (Chaves).
Do clero de Óbidos.
Da junta, abade e regedor de Gemeses (Esposende).
Das irmandades de Santarém.
Da Associação de Filhos de Maria, de Santarém.
Do pároco, junta, regedor e Confrarias de Santa Maria de Távora (Arcos de Valdevez).
Do clero de Valongo.
Do pároco de Punhe (Viana do Castelo).
Da Associação Coração de Jesus, de S. Simão de Litem (Albergaria).
Da Irmandade de Santa Cruz do Castelo (Lisboa).
Do vários católicos da Santa Casa (Fundão).
Da junta e regedor de Casa Branca (Mondim de Basto).
Do regedor e junta de Nogueira (Sinfães).
Do pároco, junta e regedor de Palmeira (Esposende).
Da junta, regedor e pároco de Arcozelo (Ponte de Lima).
Da Confraria de Fonte Arcada (Póvoa de Lanhoso).
Das juntas, regedores e paróquias de Aureriz e Pomares (Arganil).
Da junta, regedor, irmandade e associação dos operários de Loriga.
Do pároco de Fonte Arcada (Póvoa de Lanhoso).
Da Irmandade de Santarém.
Dos católicos de Marvila e S. Nicolau de Santarém.
Da junta de freguesia (democrática) de Oliveira (Póvoa de Lanhoso).
Da Junta de Freguesia de A dos Francos (Caldas da Rainha).
Da Junta de Freguesia de S. Martinho do Bougado (Santo Tirso).
Da Junta de Freguesia de Vila Nova de Mechia (Ponte da Barca).
Da Junta de Freguesia do Barro (Resende).
Da Junta de Freguesia de Fonte Arcada (Póvoa de Lanhoso).
Da Junta de Freguesia de Areias (Santo Tirso).
Página 5
Sessão de 17 de Maio de 1926 5
Da Junta de Freguesia de Esporões (Braga).
Da Junta de Freguesia do Gandra (Paredes).
Da Junta de Freguesia do Parada Ester (Castro Daire).
Da Junta de Freguesia dos Anjos (Ponte do Lima).
Da Junta do Freguesia de S. Simão de Litem (Albergaria)
Da Junta de Freguesia de Marrazes (Leiria).
Da Junta de Freguesia do Fraude (Póvoa do Lanhoso).
Da Junta de Freguesia do Sernancelhe.
Da Junta de Freguesia de Cunha, Arnas, Sarzeda (Sernancelhe).
Da Junta de Freguesia da Torro (Amares).
Da Junta de Freguesia do Telhado (Famalicão).
Da Junta de Freguesia de Palma (Alvaiázere).
Da Junta de Freguesia de Canos de Sabugoral (Tondela).
Da Junta de Freguesia de S. João do Campo (Gerez).
Para a Secretaria.
Da Associação de Marítimos e da Associação dos Oficiais de Marinha Mercante, do Ilhavo, pedindo para ser aprovado o projecto de lei concedendo exclusivo de passagem em barcos entre a Gafanha e Costa Nova.
Para a Secretaria.
Representação
De empregados da extinta fiscalização municipal, actualmente adidos à Alfândega do Pôrto, pedindo para terem ingresso no quadro especial de escriturários, a que se refere o artigo 232.° do decreto n.° 4:560, de 6 do Junho de 1918.
Para a comissão de finanças.
O Sr. Mário de Aguiar (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: numa das últimas sessões, que já foi há muitos dias, quando fiz uso da palavra, lamentei a ausência do Govêrno e dirigi, por intermédio de V. Exa., várias preguntas a alguns Srs. Ministros por cujas pastas correm os assuntos a que então me referi.
Porém, até hoje, ou vejo - e vê também o Parlamento, porque estas cousas não se dão só comigo - que o Govêrno não comparece aqui e que nem sequer procura oportunidade para vir ao Parlamento dar conta dos seus actos.
Apoiados.
Êste procedimento é tudo quanto há de mais atentatório da função parlamentar.
Apoiados.
Eu não compreendo que haja Ministros que, quando nós procuramos aqui tratar qualquer assunto de interêsse nacional, não só não compareçam no Parlamento, como não atendam depois as reclamações que aqui formulamos, não nos dando sequer resposta às preguntas que lhes fazemos.
Interroguei aqui o Sr. Ministro do Comércio sôbre assuntos graves que correm pela soa pasta, especialmente sôbre a actual, greve académica. Há muitos rapazes em risco de perderem o ano, o que é um grande prejuízo para o seu futuro e para os interêsses das suas famílias.
Interroguei também S. Exa. sôbre o magno problema das estradas; mas o Sr. Ministro não aparece, nem nada nos diz sôbre o assunto. E contra isto que eu protesto.
Interroguei também aqui o Sr. Ministro das Colónias sôbre assuntos gravíssimos que correm pela sua pasta; mas, S. Exa. não tem um momento para vir aqui dizer alguma cousa sôbre aquilo que se passa e que é atentatório do prestígio do Poder.
S. Exa. não vem aqui dar-nos uma justíssima satisfação às nossas reclamações, o que não é admissível.
Apodados.
É preciso que o País saiba que no Parlamento Português há alguém que protesta, com toda a energia, contra êste ataque ao prestígio do Parlamento, representado por esta permanente ausência do Govêrno.
Apoiados.
Peço a V. Exa., Sr. Presidente, o favor de me dizer se mo pode dar alguma resposta às preguntas que, por intermédio de V. Exa., ou dirigi a alguns dos Srs. Ministros, numa das últimas sessões.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Devo informar o ilustre Deputado Sr. Mário de Aguiar quê
Página 6
6 Diário da Câmara dos Deputados
ainda não tive ocasião de comunicar aos Srs. Ministros as reclamações de S. Exa., dadas as circunstâncias em que têm decorrido as últimas sessões. Esperava que hoje, algum dos Srs. Ministros...
O Sr. Mário de Aguiar: - Não está nenhum! Daqui a bocado virão...
Mas isto vem de há muito tempo; vem desde o princípio da sessão legislativa...
O Sr. Rafael Ribeiro: - Sr. Presidente: disse na última sessão que teve lugar nesta Câmara que o Govêrno, por decoro mental, devia pedir a demissão. Creio que o Sr. António Maria da Silva, a esta hora, já o tenha feito...
Sr. Presidente: acabo de ver entrar na sala o Sr. Ministro da Instrução. Era precisamente a atenção de S. Exa. que eu precisava para me referir a uma ilegalidade, que não passa de uma porcaria, praticada no seu Ministério.
Trata se de um concurso para o provimento de um lugar numa escola de ensino primário geral no círculo de Viana do Castelo, que eu represento nesta casa do Parlamento. O Sr. Ministro da Instrução, não querendo dar ouvidos à repartição competente, sabendo que faz parte de um Govêrno de ditadores, saltou por cima da lei e nomeou para a citada escola uma professora que não tinha direito ao lugar. Para o concurso para a vaga existente na escola de Riba Fria, no concelho de Viana do Castelo, houve diversos concorrentes sendo classificada em primeiro lugar uma professora, diplomada em 1921, que tinha 22 valores, procedendo-se assim, alega-se para cobrir a ilegalidade consumada, por esta professora ter o 2.° ano dos liceus. Em segundo lugar foi classificada uma outra professora com igual classificação, mas mais antiga do que a primeira, pois que é diplomada de 1917.
Porque se fez isto?... Porque a primeira era uma protegida dos elementos políticos locais.
A secção competente do Ministério declarou na sua informação que quem devia ser nomeada era a n.° 2 e não a n.° 1, visto que o regulamento do ensino primário geral diz, se me não engano, no seu artigo 73.°, que em igualdade de circunstâncias deve ser preferido o mais antigo no magistério.
Mas o Sr. Ministro da Instrução a nada disto atendeu e deliberou nomear aquela que era uma protegida de elementos do seu partido.
Com franqueza, não compreendo esta atitude do Sr. Ministro da Instrução que, aliás, é um homem que tem primado sempre por ser um legalista e um defensor acérrimo da Constituição. Desejaria que S. Exa. me dissesse qual a disposição legal em que se fundou para dar a preferência à professora que foi nomeada julgo que a única explicação que S. Exa. aos poderá dar é a de que estando no Poder um Govêrno de ditadores, entendeu por bem deitar mais uma acha na ditadura em que o Govêrno se há-de queimar. S. Exa. ,não quis saber dos nossos protestos e disse: "Procedo assim porque quero. Temos o número por nós e o número é que manda! Agarremos, portanto, na lei e rasguemo-la e, entretanto, vamos contentando os nossos correligionários!..."
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Santos Silva): - Sr. Presidente: pedi a palavra para responder às considerações do ilustre Deputado.
Não tenho bem presente êsse processo de concurso, e por isso, não poderei ser minucioso nas informações. Todavia, tanto quanto a minha memória mo permite, devo esclarecer que o Sr. inspector propõe em primeiro lugar a professora que foi nomeada; e, tendo o processo sido enviado a S. Exa. outra vez, o Sr. inspector fez novamente a mesma proposta, visto que essa professora tinha mais habilitações literárias do que a outra. E a lei è expressa nesse ponto.
É uma questão de interpretação absolutamente legitima da minha parte, e muito desejaria que a professora que o Sr. Rafael Ribeiro aqui veio defender reclamasse para os tribunais, porque êles dirão se a minha interpretação é a melhor.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Rafael Ribeiro (para explicações): - Sr. Presidente: devo dizer à Câmara que o assunto a que acabo de me referir foi por mim tratado particularmente com o Sr. Ministro da Instrução, há dias, nesta casa do Parlamento.
Página 7
Sessão de 17 de Maio de 1926 7
Continuo a dizer que o que o Sr. Ministro da Instrução fez é tudo quanto há de mais ilegal.
O inspector classificou em primeiro lugar a professora que tem 22 valores e diploma de 1921, quando é certo que a professora classificada em segundo lugar tinha preferência, porque, tendo 22 valores, o seu diploma é de 1917.
O inspector alega que classificou esta professora em primeiro lugar porque tinha o 2.° ano dos liceus.
Sr. Presidente: o regulamento, no seu artigo 73.°, diz quais são as precedências e nele clara e taxativamente consigna que, em igualdade de circunstâncias, prefere o concorrente que provar maior antiguidade no magistério.
E tanto assim que a respectiva secção do Ministério informou nesse sentido.
O Sr. Rodrigo de Abreu (em àparte). - Não informou.
O Orador: - Garanto à Câmara, pela6 minha palavra, que a informação foi dada no sentido de ser nomeada a professora ilegalmente classificada em segundo lugar.
Tenho pelo Sr. Rodrigo de Abreu a estima e consideração de que é digno, mas não dou a S. Exa. o direito de duvidar do que afirmo.
Sr. Presidente: afirmo mais: o Sr. Ministro da Instrução, sabendo que cometia uma arbitrariedade, nem esperou que o respectivo director geral emitisse o seu parecer, como é regulamentar.
Eram estas as explicações que devia à Câmara, para que ela bem avalie do acto ilegal do Sr. Ministro.
Tenho dito.
O Sr. Rodrigo de Abreu: - Sr. Presidente: o Sr. Rafael Ribeiro acaba de proferir o meu nome no incidente a que vem de referir-se.
Devo dizer à Câmara que tenho por hábito, nos assuntos que trato, referentemente ao meu círculo, fazê-lo dentro das normas legais.
O que havia era uma diferença de interpretação apenas.
A professora que foi nomeada era indicada em primeiro lugar pelo inspector, e no Ministério havia o critério de só considerar preferência aquelas habilitações que vão além do 4.° ano dos liceus.
Eu entendo que qualquer cadeira ou grupo de cadeiras que não atinja o 4.Q ano deve ser tomada como preferência, e foi segundo êste critério que, como representante do meu círculo, pedi ao Sr. Ministro da Instrução que encaminhasse o assunto segundo êste critério, se S. Exa. assim o entendesse.
Dá-se ainda a circunstância de que a professora em questão é daquela região, e a lei refere-se também expressamente a êsse ponto.
Tenho dito.
O Sr. Sant'Ana Marques: - Pedi a palavra, Sr. Presidente, para secundar a reclamação que acaba de ser feita pelo Sr. Mário de Aguiar.
Com efeito, já estamos cansados de fazer reclamações, sem que os Srs. Ministros tenham a mais pequena consideração para com os Deputados reclamantes, visto que não só não lhes respondem, como nem sequer aparecem; e quando o fazem, o que raras vezes sucede, é apenas por uma questão de forçada delicadeza.
Ainda há pouco tempo, eu reclamei nesta Câmara no sentido de que não fossem agravadas as avenças do imposto de transacção; o Sr. Ministro prometeu que assim procederia, e todavia eu sei que nalguns concelhos essas avenças continuam a ser agravadas.
Também há pouco tempo, eu tive ocasião de falar ao Sr. Ministro do Comércio na necessidade de adquirir cilindros para a reparação das estradas, com a tonelagem indispensável.
Sei, no emtanto, que em algumas regiões - na minha, por exemplo - há estradas que continuam abandonadas pela impossibilidade de os concorrentes poderem satisfazer as condições do concurso.
Verifico assim que o Sr. Ministro não deu as providências que lhe haviam sido pedidas.
Como ainda hoje se não encontram presentes nem o Sr. Ministro das Finanças, nem o Sr. Ministro do Comércio, eu peço a V. Exa., Sr. Presidente, para pedir a S. Exas. o favor de atenderem as minhas reclamações, como me foi prometido.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Página 8
8 Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: começo por protestar contra a ausência quási habitual do Sr. Ministro do Comércio.
Apoiados.
Não sei se S. Exa., com a certeza que tem de que o Govêrno está demissionário, se julga no direito de aqui não aparecer.
O certo é que os novos Ministros ainda não foram nomeados e, nestas condições, S. Exa. deve vir a esta Câmara.
Há dias levantei aqui uma questão que representa um autêntico escândalo, e uma verdadeira espoliação feita aos proprietários urbanos e aos inquilinos dêste País.
Em 1922, foi apresentado à Câmara um projecto pelo qual eram obrigados todos os proprietários urbanos de Lisboa e Pôrto a colocar no átrio dos seus prédios caixas para a recepção da correspondência postal.
Baseava-se êsse projecto num princípio absolutamente justo, o do evitar que os distribuidores postais subissem continuadamente a quartos e quintos andares.
No entretanto, os factos vieram demonstrar que, em vez de se atender à justiça das reclamações dos funcionários menores dos correios e telégrafos, se procura satisfazer os interêsses de alguém que escandalosamente está sendo atendido numa negociata vergonhosa.
Por êsse projecto de lei determinava-se, quando foi apresentado, que era obrigatória a compra dos receptáculos à administração geral dos correios. Em virtude da oposição feita nesta Câmara a essa exigência, o projecto de lei aqui apresentado determinou que era facultativa a compra à Administração Geral dos Correios. De facto, se era de atender a circunstância dos carteiros não subirem a quartos o quintos andares, nada justificava a obrigatoriedade da compra à Administração Geral dos Correios das caixas de receptáculos. Podia ser feita a quem se quisesse.
Mas publicou-se depois um regulamento dessa lei e a lei foi alterada, porque houve o cuidado de frisar que as caixas de receptáculos tinham de obedecer a um modelo apresentado pela Administração Geral dos Correios.
Estabeleciam-se determinadas formalidades pelas quais os proprietários que não tivessem satisfeito a elas seriam forçados a comprar à Administração Geral dos Correios as caixas de receptáculos.
Mas ainda assim ficava aos proprietários o direito de comprarem ou não à Administração Geral dos Correios.
Querem V. Exas. e a Câmara ver onde está o escândalo, onde está encoberta uma negociata vergonhosa?
E que, determinando a lei que era facultativa a compra à Administração Geral dos Correios, alguns proprietários receberam o aviso para irem ver o modelo que estava, na Administração Geral dos Correios. Constatavam então que êsse modelo tinha em cima escrito: "Patente 11:981".
Quere isto dizer que se concedeu a um indivíduo o monopólio do fornecimento das caixas de receptáculos, contra o que a lei determina expressamente. Para quê? Para isto que vou dizer a V. Exa. e à Câmara. Para que fôsse exigido pelos receptáculos a cada inquilino 125$00! E V. Exa. e a Câmara sabem qual o preço que outras casas levariam pelo fornecimento do idênticas caixas de receptáculos? 50$00!
Quere dizer: concedeu-se a um indivíduo que neste País teve o palpite, o bom palpite de ir tirar o registo da patente das caixas de receptáculos, quando ainda não tinha sido apresentado à Câmara o projecto de lei que havia de servir para a compra dêsses receptáculos, o monopólio dessas caixas.
Sendo o número de inquilinos em Lisboa e Pôrto de 150.000, é de escudos 180:700.000$00 a importância dêsses receptáculos.
É a diferença do preço entre o de outras casas fornecedoras e o daquela que é recomendada pela Administração Geral dos Correios é apenas de 10.312.500^00!
Nestes preços das casas fornecedoras há já lucros industriais e, contudo, além dêsses lucros, há uma diferença de escudos 10:312.500$00!
Concedeu-se, portanto, um monopólio ilegal, absolutamente escandaloso, a um fornecedor que com êsses importantes lucros bem pode arranjar sócios por quem reparta o bolo.
Havendo eu revelado êstes factos há dez dias na Câmara, esperava que o Sr. Ministro do Comércio e Comunicações tivesse vindo dizer que ia averiguar o caso e revogar o regulamento que determinava
Página 9
Sessão de 17 de Maio de 1926 9
a obrigação daquele modelo, mandando fazer uma sindicância para meter na cadeia quem tivesse contribuído para esta escandalosa negociata.
Entretanto a impunidade continua, não se castigando severamente aqueles que delinqúem.
O Sr. Filomeno da Câmara: - E a régie dos receptáculos.
O Orador: - Diz V. Exa. bem: é a régie dos receptáculos postais.
Mas digam-me se a régie é ou não o monopólio dos receptáculos que o particular vende a 50$ e a régie, o monopólio do Estado, vende a 125$.
Àparte do Sr. Amando de Alpoim.
O Orador: - O melhor é socializar os receptáculos.
O Sr. Amâncio de Alpoim: - V. Exa. está hoje com a mão no receptáculo.
O Orador: - Está V. Exa. enganado.
Não estou com a mão no receptáculo. Não tenho muito que meter no receptáculo.
Nova interrupção do Sr. Amâncio de Alpoim.
O Orador: - Sr. Amâncio de Alpoim: quanto não vale mais do que ter muitos prédios, fazer parte daquelas régiezinhas do Estado que dão comparticipação de lucros!
Isso, isso é que é uma fortuna.
Nova interrupção do Sr. Amâncio de Alpoim.
O Orador: - V. Exa. como socialista é que devia dar os seus prédios a um partido.
Sr. Presidente: em tais condições os proprietários urbanos de Lisboa e Pôrto continuam a estar sujeitos a um roubo.
Apoiados.
Eu não sei se a Câmara considera o roubo como permitido, e até patrocinado pelo Estado.
Não sei se pode fazer leis para dizer que roubem à vontade, porque nós cá estamos para reconhecer o roubo com as eis que fazemos.
Dêste lado da Câmara protestamos indignadamente.
Espero que o Sr. Ministro da Instrução transmita ao Sr. Ministro do Comércio, para que S. Exa. providencie, as considerações que acabei de fazer.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Santos Silva): - Transmitirei ao Sr. Ministro do Comércio, que hoje não pôde comparecer aqui, por estar a trabalhar no seu Ministério, as considerações de S. Exa.
O Sr. Carvalho da Silva: - S. Exa. trabalha demais no seu Ministério. Está a fazer-lhe mal.
O Orador: - Está trabalhando nas estradas.
O Sr. Carvalho da Silva: - A única estrada que S. Exa. poderia percorrer sem perigo era a que conduz ao Parlamento. E é nessa que S. Exa. não transita.
O Sr. Ramada Curto: - O Sr. Carvalho da Silva escalou a palavra mais depressa do que eu, que desejo agora fazer minhas as palavras de S. Exa., quanto ao facto de o Govêrno ter tomado conta dos receptáculos.
Sou contrário aos monopólios particulares dos receptáculos, ou quaisquer outros, o que não sucede ao Sr. Carvalho da Silva com os tabacos.
Quero fazer justiça aos homens para que superintendam nesses serviços evitando uma enorme imoralidade.
Faço, pois, minhas as palavras do Sr. Carvalho da Silva e peço ao Sr. Ministro da Instrução o obséquio de transmitir as minhas considerações ao seu colega do Comércio.
Agora passo a referir-me a outro assunto: Dos operários dos fósforos, que estão gozando as maravilhas da indústria livre, acabo de receber vários telegramas em que me dizem que operários, com 20 e 25 anos de trabalho, estão sendo demitidos pela Companhia dos Fósforos, que os põe sumariamente na. rua, com o pretexto de que a Companhia não pode ter ao seu serviço criaturas que já não podem trabalhar. E faz-se isto a despeito da lei. A minoria socialista bastante satisfeita
Página 10
10 Diário da Câmara dos Deputados
fica em reivindicar para os operários os direitos que têm conquistado e pede ao Govêrno para que tome as providências que reclama um tal estado de cousas.
O Govêrno tem obrigação de fazer uma política de realidades e de reconhecer que lhe cumpre atender os direitos dêsses operários.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Santos Silva): - Sr. Presidente: tendo ouvido com toda a atenção as considerações que foram feitas pelo. Sr. Ramada Curto, cumpre-me declarar que delas tomei a devida nota a fim de as transmitir ao meu colega do Comércio.
A honorabilidade do Sr. Ministro do Comércio deve ser garantia de que não se efectivarão, no tocante à questão dos receptáculos, quaisquer actos que não sejam de absoluta moral.
Quanto ao caso dos operários dos fósforos, posso desde já dizer que a situação dêsses operários está merecendo toda a atenção do Govêrno que a está encarando pela forma que coincide com o pensamento do ilustre Deputado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Raimundo Alves: - Sr. Presidente: pedi a palavra para solicitar do Sr. Ministro da Agricultura a fineza de me dizer quais são as medidas adoptadas pelo Govêrno para impedir o facto que se está dando de falsificação das aguardentes que em muito prejudica a vinicultura nacional.
Eu represento uma região que tem sido muito afectada por êsses abusos e onde a fiscalização só tem servido para vexar os contribuintes.
Chamo a atenção do Sr. Ministro da Agricultura recomendando-lhe que acabe com êsses mixordeiros, certo de que S. Exa. tomará providências.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia): - Em resposta às considerações do ilustre Deputado, devo dizer que não vou adoptar medidas rigorosas pelo motivo de já as ter tomado e dentro da legislação de que disponho. Tenho feito tudo que me é possível fazer, tendo decretado as medidas que podia pôr em prática.
Das instâncias competentes tive informações de que não existia nenhuma fábrica de álcool legalmente estabelecida. Verificou-se depois que certos fabricantes estavam munidos de licenças passadas pelas repartições concelhias de finanças em que eram autorizadas a distilar melaço e farinha de mandioca.
Sôbre êste assunto já tive a honra de enviar para a Mesa da Câmara uma proposta de lei em que o problema se põe de uma maneira completa, esperando que ela seja discutida em largo debate nesta Câmara.
A maior parte dos fiscais estão fora do serviço por não oferecerem as condições para o fazerem; e, assim, estão fazendo serviço na secretaria geral do Ministério da Agricultura sem função alguma que não seja a de receberem o ordenado no fim do mês.
Temos 219 fiscais de 414 que havia.
Não há possibilidade de nomear mais ninguém, mas não podemos despedi-los.
Deixei só na fiscalização os que tinham preparação para isso.
Já foram mandados fiscais para Tôrres Novas, Seixal e Alpiarça.
Já mandei para a Mesa uma proposta. Não agrada, nem resolve o assunto, mas é um ponto de partida para uma solução satisfatória.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Raimundo Alves: - Ainda bem que o Sr. Ministro da Agricultura é o primeiro a concordar em que a proposta de lei por S. Exa. apresentada à Câmara parece não agradar. Ela na verdade não agrada, porque não resolve o problema que principalmente se tem em vista.
Folgo, no emtanto, com as considerações de S. Exa. e em saber que de 500 fiscais que existiam apenas estão 200 e tal em exercício, fazendo votos para que S. Exa. os aproveite para outros serviços, porque é sabido que êles não corresponderam à missão para que foram criados.
Na verdade, os fiscais que existem e que foram nomeados, principalmente no tempo da guerra, não são hoje necessá-
Página 11
Sessão de 17 de Maio de 1926 11
rios para nada. E o Sr. Ministro da Agricultara podia dispensá-los, cedendo-os, por exemplo, às câmaras municipais.
O Sr. Ministro da Agricultura (Pires Garcia): - V. Exa. dá-me licença?
No "quadro" há apenas 219 fiscais, dos quais aproveito 100; mas, todos os dias, faço por aproveitá-los para outros Ministérios. E assim é que tenho fornecido gente para os Ministérios da Instrução, do Comércio, das Finanças, emfim, para toda a parte onde me é possível meter gente, porque entendo que não é moral pagar a funcionários que não trabalham.
O Orador: - Ainda bem, Sr. Ministro da Agricultura. Espero, por isso, que, se V. Exa. continuar no Govêrno ou vier a fazer parte de outro que substituir êste, ponha no caso toda a sua atenção, porque êle muito interessa à economia da Nação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Sousa da Câmara: - Sr. Presidente: há um assunto que todos nós julgamos da máxima importância, mas que parece apenas não interessar ao Sr. Ministro do Comércio: é o assunto das estradas.
De facto, parece que o Sr. Ministro do Comércio, para se descarregar talvez duma obrigação, se limitou a alinhavar qualquer proposta de lei sôbre as estradas, entregando-a ao estudo das comissões do Parlamento. Mas o que é verdade é que pouco ou nada se interessa pelo assunto. S. Exa. não vem aqui. Não há possibilidade, portanto, de tratar com êle qualquer assunto. E vemo-nos, realmente, nós, os Deputados, em situação embaraçosa, porquanto desejaríamos que os círculos que aqui representamos alguma cousa tivessem a que sé pudesse chamar estradas.
Assim, na região que aqui represento, que é o Alentejo, passam-se as cousas por uma forma que chega a ser criminosa. Pretender que num país civilizado a agricultura se possa desenvolver sem meios de comunicações é completa e materialmente impossível.
Apoiados.
Não se trata de simples palavras, mas de factos reais e verdadeiros para quem quiser vê-los.
Os transportes dos géneros não se podem fazer porque os carros partem-se no caminho, ficando lá.
Creio que êste assunto deve merecer - a atenção de todos nós e que o Sr. Ministro do Comércio não deixai á, pelo menos, de insistir para que se faça uma discussão de um plano de conjunto sôbre as estradas de Portugal; mas infelizmente S. Exa. parece que pouco se importa com êste assunto e isso é mau não só para S. Exa. mas para todo o Govêrno.
Até hoje nada se tem feito, continuando tudo no mesmo estado.
Eu desejaria que realmente o Sr. Ministro do Comércio aqui viesse para poder tratar com êle êste assunto, pois como S. Exa. é do norte talvez não conheça o estado das estradas do sul do País.
S. Exa. tem uma alta função a desempenhar.
Tendo a seu cargo uma das pastas mais importantes, não pode ela estar a cargo de uma pessoa que não se importa com ela.
Peço ao Sr. Ministro da Agricultura a fineza de transmitir ao seu colega do Comércio estas minhas considerações. Que S. Exa. olhe bem para o estado intransitável em que estão as estradas de Vila Viçosa a Redondo.
E pode dizer-se, Sr. Presidente, que o que se dá com as estradas do Alentejo se está dando com todas as estradas do País, que estão, na verdade, intransitáveis.
Apoiados.
A continuarem as cousas neste pé, Sr. Presidente, eu não sei bem o que se poderá exigir de contribuições aos lavradores.
Apoiados.
Espero, portanto, Sr. Presidente, que qualquer dos Srs. Ministros presentes transmita ao Sr. Ministro do Comércio as considerações que acabo de fazer, esperando que S. Exa., se é que tem alguma proposta sôbre o assunto, a arranque das comissões, a fim de se poder aqui discutir e resolver o assunto o mais urgentemente possível.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Página 12
12 Diário da Câmara aos Deputados
O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres (rareia): - Pedi a palavra para declarar ao ilustre Deputado Sr. Sousa da Câmara, que transmitirei ao Sr. Ministro do Comércio as reclamações que acaba de fazer.
Devo dizer a S. Exa. que tem absolutamente razão no que diz relativamente às estradas do Alentejo, tanto mais quanto é certo que, tendo ultimamente ocasião de percorrer algumas delas, fiquei com impressão igual à de S. Exa.: que é o Alentejo sem dúvida nenhuma uma das regiões do País, que necessita de uma urgente reparação das suas estradas.
Permita-me, no emtanto, S. Exa. que lhe diga que é injusto com o Sr. Ministro do Comércio, dizendo que S. Exa. se tem desinteressado do assunto. A verdade é que S. Exa. o tem estudado com todo o amor; e, tanto é assim, que S. Exa. há-de ter verificado que deve haver um ano a esta parte, que se tem dado uma grande actividade ao assunto das estradas, cuja situação é hoje bem diferente do que era até aqui.
Ainda esta semana hão-de ser postas a concurso algumas estradas, com que se vai gastar nem nada mais nem nada menos do que 1:400 contos, o que é já para considerar.
Isto deve-se, Sr. Presidente, em grande parte à medida que eu adoptei quando Ministro das Finanças, mandando entregar à administração das estradas as suas receitas, que devem andar por 21:000 a 22:000 contos.
Não deixarei, repito, de chamar a atenção do Sr. Ministro do Comércio para o assunto, devendo dizer que se S. Exa. não está aqui hoje é porque se encontra no seu Ministério a trabalhar no assunto, como o costuma fazer.
A solução máxima do problema está entregue à Câmara que, suponho, não encerrará as suas portas sem sôbre o assunto se pronunciar.
O problema das estradas é daqueles que têm de ter uma solução. Não há atitudes políticas que a ela possam opor-se, porque as populações revoltar-se-iam, quanto a mim, com razão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Sousa da Câmara (para explicações): - Sr. Presidente: agradeço as palavras que acaba de proferir o Sr. Ministro da Agricultura, congratulando-me com o facto de S. Exa. conhecer de perto o estado latismável em que se encontram as estradas da fértil e rica região do Alentejo.
Relativamente ao Sr. Ministro do Comércio, manifestamente S. Exa. não poderia desinteressar-se do problema, visto que é português. Eu creio que todos os portugueses têm obrigação de interessar-se pelas cousas da sua terra; mas eu quereria que S. Exa. tivesse um interêsse muito maior pelo assunto e que fôsse até ao ponto de conseguir arrancar das comissões políticas do seu partido a proposta da sua autoria que a elas baixou, trazendo-a à discussão da Câmara o mais breve possível.
Era êsse o interêsse que eu queria ver manifestado por S. Exa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovada a acta sem discussão.
Pedido de licença
Do Sr. Artur Brandão para se ausentar para o estrangeiro.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Admissões
Foram admitidos à discussão os seguintes
Projectos de lei
Do Sr. Jaime Palma Mira concedendo isenção de franquia postal à correspondência entre a Lutuosa dos Funcionários Administrativos e os seus associados.
Para a comissão de administração pública.
Do Sr. Sant'Ana Marques para que possam ser nomeados aspirantes de finanças, independentemente de concurso, os indivíduos que tenham exercido por mais de dez anos os lugares de escrivães das execuções fiscais.
Para a comissão de finanças.
Do mesmo autorizando o Govêrno a desviar do artigo 17.° do capítulo 4.° do orçamento do Ministério da Agricultura as quantias necessárias para satisfação
Página 13
Sessão de 17 de Maio de 1926 13
dos prejuízos causados pelas inundações em 1925 no distrito de Portalegre, já avaliados pelas respectivas comissões.
Para a comissão de agricultura.
Dos Srs. Domingos Lara e Alberto de Moura Pinto dividindo em duas secções o Laboratório de Radiologia e Electrologia da Faculdade de Medicina de Coimbra.
Para a comissão de instrução superior.
Dos Srs. José Marques Loureiro e Dinis da Fonseca declarando nulo e sem efeito o decreto n.° 11:655.
Para a comissão de finanças.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à ordem do dia. Vai ler-se a moção do Sr. Cunha Leal ...
Protestos ruidosos das oposições.
O Sr. Presidente: - Está interrompida a sessão.
Eram 16 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Carlos de Vasconcelos.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: - Eu não pedi a palavra, Sr. Presidente.
Tendo o Sr. Amâncio de Alpoim pedido a palavra para um requerimento eu disse que estando-se em votação S. Exa. não podia usar dela.
Vozes: - Não pode ser, agora ninguém pode falar.
Levanta-se agitação.
O Sr. Amâncio de Alpoim (para um requerimento): - Sr. Presidente: em meu nome e no do meu colega Sr. Ramada Curto venho declarar a V. Exa. que a minoria socialista tem verificado com profunda mágoa, que, por virtude de uma orientação absolutamente inédita das minorias, está impossibilitada a instituição parlamentar de funcionar com o prestígio que lhe é devido.
Não temos, porque tal nos não compete, de apreciar a quem cabem as responsabilidades de que tal suceda...
Vozes: - Isto não é um requerimento. Não pode falar.
Esboça-se um principio de tumulto.
O Orador: - Assim nós não estamos dispostos a colaborar no desprestígio da instituição parlamentar; e, sem aconselhar à maioria o legítimo caminho que devia tomar, abandonamos os trabalhos do f Parlamento, emquanto esta orientação continuar, requerendo a V. Exa., Sr. Presidente, que esta minha declaração figure na acta.
O orador não reviu.
Vozes: - Então isto é que era o requerimento?!
Sussurro.
O Sr. Presidente: - Eu devo declarar à Câmara que, se porventura, me inibirem de executar o que a própria Câmara resolveu, e me impedirem também de garantir a liberdade de voto aos Srs. Deputados, se tais factos se tornarem a dar, repito, não poderei continuar a presidir às sessões e ver-me hei forçado a interromper imediatamente os trabalhos.
O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: sabe V. Exa., e toda a Câmara, o muito respeito que lhe devemos.
Se uma parte das oposições tem tomado a atitude que tem dado lugar à interrupção dos trabalhos parlamentares, não veja V. Exa. nesse procedimento nada que o atinja.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Amorim Ferreira: - Sr. Presidente: sinto-me na obrigação de marcar a minha orientação no conflito parlamentar que não provoquei.
Não podendo delegar em ninguém o encargo de falar por mim, visto que ocupo uma posição de absoluta independência, sendo, por êsse facto, o leader de mim mesmo, e fugindo a todas as ocasiões de fácil exibicionismo, eu não quero, contudo, deixar passar êste momento para
Página 14
14 Diário da Câmara dos Deputados
apreciar o que Ultimamente aqui se tem passado.
Em primeiro lugar devo declarar que em regime de tabacos sou absoluta, franca e abertamente pelo monopólio privado.
Tenho-o dito em conversas particulares nesta Câmara, e aproveito esta oportunidade para fazer publicamente tal declaração.
Na proposta ministerial pouco encontrei contra aquele regime, além da declaração do Sr. Ministro das Finanças, de que era necessário salvar os princípios. Que se afundem os princípios, mas que se salve a integridade financeira e económica do Estado. E o monopólio privado é aquele sistema que melhor o garante.
Tendo chegado o dia i de Maio, e encontrando-se o Govêrno na situação em que se encontrou, nada mais lhe competia fazer do que vir honestamente a esta casa do Parlamento e dizer-nos: "Estamos perante uma situação de facto. Culpa nossa ou vossa, não importa! O que é preciso é tomar uma deliberação. Se o Parlamento der ao Govêrno os créditos precisos continuarão a laborar as fábricas; no caso contrário, teremos de mandar encerrá-las".
Ao contrário disto, o Govêrno veio aqui declarar que não precisava de cousa alguma, porque o que tinha feito era muito lógico, muito certo, muito constitucional.
Não é assim. E tanto assim não é, que sem a intervenção do Parlamento o Govêrno foi esbarrar tolamente - sem desprimor para ninguém - na probidade profissional dum simples empregado público.
Êstes são os factos!
O Sr. Joaquim Ribeiro: - Mas agora?
O Orador: - Mas agora eu, que vim para aqui convencido - porque toda a gente o dizia - de que o Sr. Presidente do Ministério era uma pessoa muito hábil, havendo até quem, para denegrir a reputação de S. Exa., dissesse que êle, em vez de político hábil, era um político habilidoso, vejo o quê?
Nestes cinco ou seis meses de vida parlamentar tenho assistido a uma sério de gaffes tremendas, que levaram o Parlamento a esta irredutibilidade, a êste conflito, para o qual...
O Sr. Agatão Lança: - V. Exa. vai apresentar a solução do assunto ?
O Orador: - Não tenciono.
O Sr. Agatão Lança: - Os "intelectuais" revelam-se assim.
O Orador: - Não faço parte dêsse grupo. De resto, sentir-me-ia lá muito bem, porque estão lá pessoas que eu muito considero.
Sr. Presidente: em presença desta situação e das inabilidades sucessivas do Poder Executivo, em presença da passividade e inércia da maioria...
Vozes da maioria: - Aí é que V. Exa. tem razão!
O Orador: - ... da pouca subtileza da exigência que aqui foi feita do encerramento das fábricas por vinte o quatro horas, batendo-se o pé e declarando que, uma vez encerradas essas fábricas se deixaria votar tudo o que se quisesse, mas que se não as encerrassem pelo lapso de tempo citado nada se votaria, isto dito por alguém que tem sido o enfante e até da maioria {Não apoiados da maioria), e que neste momento faz dela um esfregão, e muito bem feito é, porque os senhores da maioria têm feito afinal tudo quanto êle tem querido...
Vozes da maioria: - Ora essa!
Trocam-se àpartes.
O Orador: - Deixem-me falar. Os senhores, afinal, encontram-se na situação caricata de pertencerem à maioria e não poderem governar. Pois bem: estudem a maneira de o poder fazer, mas governem capazmente. Assim não pode ser. A maioria tem incontestavelmente dado provas duma grande incapacidade para governar!
O Sr. Agatão Lança: - De tolerância pasmosa, sim! ...
O Orador: - Perdão! V. Exa. ao abrigo do Regimento, não pode interromper-me sem me pedir licença.
Sr. Presidente: exijo que me não interrompam.
Apoiados.
Página 15
Sessão de 17 de Maio de 1926 15
O Sr. Agatão Lança: - Veja V. Exa. as palavras que pronuncia se não quere ser interrompido.
O Orador: - Quando V. Exas. consentirem que eu fale, falarei.
Sr. Presidente: reconhecida a inabilidade do Govêrno, e manifestamente reconhecida a incapacidade do Govêrno para manter-se nas cadeiras do poder, e a maioria assim o reconhece também (Não apoiados) (Apoiados), o único caminho que lhe fica para tomar é o que lhe está indicado.
O orador não reviu.
O Sr. José Domingues dos Santos: - Poucas palavras direi. Êste lado da Câmara quere novamente afirmar que êste Govêrno está fora da lei; é um Govêrno de ditadores. Tomei perante o Govêrno uma posição que manterei até o fim.
É o que desejo afirmar nas minhas palavras. Apoiados. O orador não reviu.
O Sr. Pinheiro Tôrres: - Em nome da minoria monárquica, afirmo a V. Exa. a nossa melhor consideração, não significando qualquer atitude a menor desconsideração por V. Exa.
O orador não reviu.
O Sr. Manuel Fragoso: - Pela minha consideração que tenho por V. Exa., requeiro a V. Exa. que me garanta o direito de voto.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita: - Não me parece que seja legítimo fazer V. Exa. intervir nesta questão. V. Exa. não está em causa.
Apoiados.
O procedimento por parte das oposições é justificado, e V. Exa. não pode ver neste procedimento qualquer cousa que o possa atingir pessoalmente.
Mas também não tem o direito de colocar-se, a meio do conflito, fora dele.
Quanto à especulação que se tem feito à roda da minoria nacionalista pela sua atitude, duas palavras quero dizer.
Nós, minoria nacionalista, continuamos a considerar o regime da liberdade para os tabacos como o que deverá ser adoptado. Consideramos a régie como um regime prejudicial sob todos os pontos de vista, não reconhecendo viabilidade a um regime que se pretende impor ao País pela fôrça do número.
Não poderá ver-se, porém, na atitude da minoria nacionalista senão o desejo de que não seja lei do País, um regime que consideramos prejudicial.
Nós entendemos que não é de fácil compreensão isto de se dizer: "Se o Govêrno fechar as fábricas por algumas horas, nós fazemos tudo".
Não está certo.
Não concordamos. Mantemo-nos, porém, como já disse, dentro do princípio da liberdade e contra a régie. Esta é claramente a nossa situação.
Agora tenho a acrescentar o seguinte:
Se V. Exa., Sr. Presidente, com a sua declaração, quere saber em que conceito é tido nas minorias desta Câmara, eu devo afirmar que, pelo que respeita à minoria nacionalista, ela entende que o procedimento que V. Exa. tem tido não justifica qualquer atitude menos correcta.
E, portanto, V. Exa. não se poderá considerar atingido pela forma como agimos nesta conjuntura.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pestana Júnior: - Sr. Presidente: vou recordar à Câmara a razão que justifica a atitude da Esquerda Democrática.
Poucos dias antes de ter terminado o mês de Abril, a instâncias de alguns Deputados, o Sr. Ministro das Finanças trouxe ao Parlamento uma proposta de regime provisório. Por circunstâncias que não vêm agora para aqui, essa proposta não foi votada. Chegado o dia 1 de Maio, o Govêrno tomou, conta das fábricas e entendeu que não necessitava de nenhuma medida legislativa para poder manter essas fábricas em laboração, porque considerava poder utilizar a verba que provinha da venda dos 800:000 quilogramas de tabaco entregues pela Companhia.
Não foi a Câmara que recusou ao Govêrno quaisquer elementos de que êle carecesse; foi o próprio Govêrno que desde o princípio declarou não precisar de nenhuma medida do Parlamento.
Página 16
16 Diário da Câmara dos Deputados
Porém, passados dias, o Govêrno encontrava-se com a sua acção tolhida porque a Contabilidade Pública se recusava a processar as folhas de despesas por não ter autorização para fazer pagamentos.
O Govêrno em presença de tal situação veio, finalmente, declarar pela boca do Sr. Presidente do Ministério, que tinha feito ditadura e que necessitava de determinadas medidas.
Nessa altura nós declarámos que a um Govêrno em ditadura não dávamos créditos.
Estamos dentro dos princípios que fixámos desde a primeira hora.
O Govêrno está fora da lei. Êle mesmo o declarou. A um Govêrno nestas condições não podemos conceder qualquer autorização para que possa despender dinheiros.
Encontramo-nos nesta posição, pelas razões que apresentámos, os Deputados da União Liberal Republicana, pelas razões que foram apontadas pelo seu leader, e os outros Deputados pelas razões que invocaram.
Não estamos aqui a fazer uma pirraça, nem mudamos o nosso pensamento de um momento para o outro. Estamos dentro do nosso primitivo pensamento.
Vimos com espanto que, de início, o Sr. Presidente do Ministério afirmou que não precisava do Poder Legislativo para adoptar quaisquer providências; vimos depois que o Sr. Presidente do Ministério veio declarar que tinha feito ditadura, e necessitava dos créditos necessários para poder prosseguir. Nós estamos na mesma posição.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: - Sr. Presidente: em meu nome pessoal e no de alguns Deputados, cumpre-me apresentar a V. Exa. as minhas homenagens pela maneira como tem dirigido os trabalhos da Câmara, e significar-lhe que qualquer atitude que tomemos não representa absolutamente nada contra V. Exa., mas sim contra o Govêrno.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: depois das palavras pronunciadas pelo Sr.
Pedro Pita, poderia supor-se que a União Liberal Republicana - e não falo senão em nome dela, porquanto a Esquerda Democrática já se pronunciou e o Grupo Monárquico também - sustenta um capricho, como S. Exa. disse.
O Govêrno, como muito bem disse o Sr. Pestana Júnior, veio aqui primeiramente declarar que não carecia de medidas especiais para tomar à sua conta o fabrico e comércio de tabacos, porquanto, afirmava, automaticamente tudo lhe caía nas mãos.
Mas, a breve trecho, um alto burocrata, pelas mãos do qual tinham de passar todos os processos referentes a pagamentos resultantes do exercício dessa indústria, observou ao Govêrno que nem um só despacho faria sem que estivesse em vigor a necessária legislação. E, só então, o Sr. Presidente do Ministério veio à Câmara dizer que tinha feito ditadura aberta e claramente. Em vista disso, à União Liberal Republicana só um caminho estava indicado: guerra de morte e sem tréguas ao Govêrno. A irredutibilidade criada foi de tal ordem que declaro: emquanto não nos faltarem as fôrças, o Govêrno do Sr. António Maria da Silva não governa.
O Sr. Joaquim Ribeiro (em aparte): - Mesmo com as fábricas fechadas?
O Orador: - Sr. Presidente: toda a gente sabe que as bases apresentadas não eram propriamente um modus vivendi mas uma questão política. Se o Govêrno vencesse, punha em prática as suas medidas. Quere dizer: o Govêrno coloca os seus interesses acima dos interêsses da Nação. Resta-lhe, pois, um único caminho a seguir. E êsse é abandonar as cadeiras do Poder.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Nunes Mexia: - Sr. Presidente: a União Agrária tem por V. Exa. amais alta consideração, pois convencida está de que V. Exa. não praticou nem praticará qualquer acto que possa desmentir o apreço em que temos a alta figura de V. Exa.
Sr. Presidente: já que os vários lados da Câmara se manifestaram, eu quero também definir a atitude dos Deputados
Página 17
Sessão de 17 de Maio de 1926 17
da União Agrária em faço da questão dos tabacos. Afirmamos a repulsa pela régie porque desde o princípio estamos convencidos de que a receita dos tabacos é o ponto de partida para a nossa regeneração financeira.
Tem razão o Sr. Amorim Ferreira quando diz que a questão tem sido inàbilmente posta desde o adiamento da discussão do regime definitivo até aquela interpretação jurídica que lhe foi dada pelo Sr. Ministro das Finanças.
A União Agrária não faz a desordem, mas também não dá o seu apoio ao Govêrno.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Vitorino Guimarães: - Sr. Presidente: embora seja desnecessário, também eu quero declarar, em nome dêste lado da Câmara, que não há razões para V. Exa. abandonar a presidência.
V. Exa., Sr. Presidente, pelas suas virtudes, qualidades de carácter e inteligência o pelos serviços que à República tem prestado, não pode deixar de merecer o respeito e consideração de todos nós.
Apoiados.
Acerca das declarações que aqui foram feitas, deixe-me V. Exa. dizer que em todos os regimes parlamentares a confiança ou desconfiança nos Governos se realiza pelas votações do Parlamento. Verifica-se, porém, que quando chega ao momento das votações, uma parte desta Câmara não deixa votar. Não há nada mais anti-parlamentar e ilógico!
Quero mais uma vez afirmar que me parece que não existe na verdade divergência entre as palavras e os actos do Govêrno.
O Govêrno, na verdade, declarou aqui que não precisava de qualquer autorização especial para tomar conta das fábricas. Assim o fez, e, no meu entender, muito bem. Mas se o Govêrno reconheceu que podia tomar conta das fábricas e mandar trabalhar o seu pessoal, teve escrúpulos em fazer pagamentos, muito embora, bem analisado o caso, não houvesse razão para os ter, uma vez que, fazendo os, não atentaria contra a Constituição, cousa em que muitos falam, mas a que muito poucos têm o respeito que ela merece.
O serviço dos tabacos está actualmente em regime de serviços autónomos, com contas especiais exclusivamente adentro dos seus rendimentos e receitas. Não são precisos créditos; e apenas precisa autorização para deixar sair os dinheiros, nunca para os arrecadar. Ora o Govêrno ainda não deu saída a qualquer quantia, e assim eu não vejo onde possa estar o tal acto de ditadura.
O que aqui se levantou foi, na realidade, uma questão política (Apoiados} e nunca se viu que o resultado de uma questão política fôsse outra cousa senão o resultado de uma votação parlamentar.
Muitos apoiados.
Mal iria ao Parlamento e à própria República se um dia as minorias conseguissem, simplesmente pela truculência, fazer vingar os seus pontos de vista.
Muitos apoiados.
Então o Parlamento não teria razão de existir.
Muitos apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: a situação que ocupo nesta Câmara se me dá alguns direitos, em confronto com aqueles que militam nos campos partidários, impõe-me também alguns deveres; e o meu fundamental dever neste momento é o de procurar ser justo.
As palavras de V. Exa. revelaram um inteiro conhecimento do que deve, como Presidente, ao prestígio da Câmara.
E, porque todos os parlamentares usaram da palavra, aproveito o ensejo para fazer algumas considerações a propósito do incidente que se vem desenrolando há dias sôbre indústria e comércio de tabacos para dizer de minha justiça.
O Govêrno, em 6 meses de vida governativa, encontrou-se no dia 30 de Abril perante uma situação de facto: o Parlamento não lhe tinha dado os meios necessários para agir.
Apoiados.
A responsabilidade vá a quem a tem, a quem não cumpriu o seu dever.
Das três fórmulas apresentadas a do Sr. Marques Guedes é a menos prejudicial.
Eu entendo que o Govêrno num texto jurídico podia definir a situação.
Apoiados.
Página 18
18 Diário da Câmara dos Deputados
É preciso que a questão encontre uma solução.
Apoiados.
Sr. Presidente: devo dizer a V. Exa. que a minha sensibilidade se sente ferida perante o que se está passando.
O precedente estabelecido pelas minorias que protestam - e não quero contestar o seu direito, nem a finalidade e o patriotismo que as leva a actuar assim - na hipótese dos protestos prolongados continuarem, se se traduzir num estado de cousas político que represente, de facto, um seu triunfo, leva-me a preguntar se na hipótese de se fazer uma dissolução parlamentar e de essas minorias conseguirem, por fôrça da opinião pública, nas novas eleições, trazer ao Parlamento uma maioria muito mais sólida e homogénea do que a actual, não poderá vir a suceder o mesmo caso por parte da futura minoria e maioria no presente momento.
O Sr. Henrique Cabral: - Declaro a V. Exa. que se num caso dêsses tiver a má sorte de voltar a ser Deputado, não deixarei eu funcionar o Parlamento.
Vozes: - Ora, ora!
O Sr. Manuel Fragoso: com o sarrafo!
Risos.
E só bater.
O Orador: - Para os meus raciocínios, Sr. Presidente, não está em causa o Govêrno, nem a maioria; está única e simplesmente em causa o prestígio da instituição parlamentar.
Apoiados.
São condenáveis as ditaduras truculentas e irritantes das maiorias, mas muito mais o são, sem dúvida, as ditaduras truculentas das minorias. Di-lo uma pessoa, em relação ao problema, absolutamente insuspeita: estou com as minorias, sou pelo regime de liberdade, o que não posso ser é pela truculência!
Apoiados.
Os homens públicos têm, no entanto, que olhar para os acontecimentos políticos não por aquilo que deve ser a fôrça da lógica e o bom senso, mas pelo que representam de realidade. A Câmara dos Deputados deve assim reconhecer que não marcha, que não pode marchar. Ora aqueles que têm dentro dos grupos políticos situações de destaque, sejam dos grupos que protestam, sejam dos que contraprotestam, têm por dever encontrar a fórmula airosa de conciliação. Estão dispostos a isso? Se alguma cousa conseguirem demonstrarão que querem de facto a instituição parlamentar prestigiada; se nada conseguirem, levam-me a dizer que bem dolorosos dias a República espera por virtude desta intransigência que, nada aproveitando ao prestígio dos homens, só se converte em desprestígio da República.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Manuel Fragoso: - Sr. Presidente: para V. Exa. em meu nome pessoal as minhas saudações e os protestos do meu respeito - respeito que vai até à declaração de me submeter inteiramente à inteligente orientação de V. Exa.
Sr. Presidente: pedi a palavra para explicações quando o meu ilustre amigo Sr. Jorge Nunes fez um discurso, e entre-coeur pelo qual lhe apresento os meus mais sinceros sentimentos. S. Exa., que falou em nome da União Liberal Republicana, disse das suas razões dentro dêste conflito, mas ficou em litígio com o leader do seu Partido. Realmente, passo a ler à Câmara as declarações que o Sr. Cunha Leal fez depois de se ter esgotado a discussão que deu origem às moções que estão na Mesa e que nós pretendemos votar. Disse S. Exa., segundo consta do boletim parlamentar:
Lê.
Realmente, o Sr. Cunha Leal, chefe da União Liberal Republicana, é mais acomodatício do que o Sr. Jorge Nunes. S. Exa. conformava-se com o encerramento das fábricas por 24 horas, ao passo que o Sr. Jorge Nunes, sub-chefe do mesmo Partido ...
O Sr. Jorge Nunes (àparte): - Simples soldado.
O Orador: - Como tenho muita consideração por V. Exa., queria conferir-lhe tal categoria que, de resto, seria merecidíssima.
Página 19
Sessão de 17 de Maio de 1926 19
Mas, Sr. Presidente, vinha eu dizendo que o Sr. Jorge Nunes declarou hoje que, em todas as hipóteses, a União Liberal Republicana estará contra o Govêrno, movendo-lhe sempre uma guerra feroz e de morte. Não compreendo, Sr. Presidente, o vejo que, por infelicidade de todos nós, com desprestígio da instituição parlamentar, com grave risco do regime republicano, esta questão continua a agitar-se entre o mero capricho pessoal do Sr. Cunha Leal e uma atitude intransigente da Esquerda Democrática. A única situação lógica é a dos monárquicos, porque, se eu fôsse monárquico, procederia exactamente como êles estão procedendo. Não se concebe, porém, a atitude da Esquerda Democrática, visto que foi apresentado pelo Sr. Carlos de Vasconcelos o requerimento para que se prorrogasse a sessão até se ultimar o debate e se fazerem as votações. Como é então que o Sr. Carlos de Vasconcelos se julga no direito de fazer interromper os trabalhos?
Sr. Presidente: a maioria democrática, integrada nos princípios republicanos, integrada nos verdadeiros princípios democráticos, os quais garantem aos governos o apoio nas maiorias e lhes dão a faculdade de governar com êsse mesmo apoio, apenas deseja que aqui dentro lhe seja garantido o seu direito de voto.
Tem-me confrangido ouvir alguns Deputados da oposição, isoladamente, afirmar do alto da sua pretendida categoria: "o Parlamento quere, o Parlamento não quere". Dentro da modéstia da minha situação aqui dentro, creio poder ter a certeza de que o Parlamento não é o Sr. Cunha Leal, não é qualquer dos Deputados que aqui têm lugar, porque somos todos nós. E, Sr. Presidente, a vontade do Parlamento tem uma só expressão: o voto.
Apoiados.
Para terminar, devo ainda declarar que tenho assistido desolado a êste desencadear de questões pessoais, trazidas para uma casa onde apenas devíamos tratar de questões de interêsse nacional. (Apoiados), Nós, os republicanos, estamos cavando a ruína do regime que implantámos. Por êste caminho vamos mal; e não sei, Sr. Presidente, se a República será capaz de reagir contra o espectáculo a que todos os dias vimos assistindo da queda (e da queda pela deminuição do seu prestígio) da casa parlamentar. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Lino Neto: - Sr. Presidente: em vista de todos os lados da Câmara terem manifestado o seu respeito a V. Exa. pela sua qualidade de Presidente, a minoria católica não pode deixar de aproveitar esta ocasião para afirmar a V. Exa. o seu mais profundo reconhecimento pela forma elevada e honrada com que se tem conduzido no desempenho dêsse alto cargo.
Assim, a minoria católica não pode deixar de acompanhar toda a Câmara nessa manifestação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: se bem que as palavras que proferi fossem de homenagem e de justiça para com V. Exa., Sr. Presidente, o que é certo é que o Sr. Manuel Fragoso entendeu por bem discutir o meu discurso.
Sr. Presidente: se é certo que não tenha por mim de intervir neste debate, não o pude deixar de o fazer no cumprimento de um dever que me foi imposto pelo chefe do meu partido.
Relativamente, Sr. Presidente, ao regime que deve ser imposto ao País na questão dos tabacos, eu devo declarar a V. Exa. e à Câmara que defendi aqui o monopólio privado, ao passo que o meu partido defende a liberdade.
Mas, Sr. Presidente, neste momento não se trata ,de fazer afirmações sôbre qual dos sistemas mais convém ao País.
Trata-se, Sr. Presidente, de uma questão política, clara e nitidamente posta pelo Sr. Manuel Fragoso, vindo dizer que eu tinha estabelecido um conflito com o chefe do meu partido, quando assim não é.
Não sei, na verdade, Sr. Presidente, a que propósito S. Exa. veio fazer esta afirmação, lendo a Câmara o que aqui foi dito pelo Sr. Cunha Leal e que consta do Boletim Oficial.
O Sr. Cunha Leal, Sr. Presidente, não fez mais do que determinar a sua atitude
Página 20
20 Diário da Câmara dos Deputados
como chefe de um partido, fazendo assim umas preguntas ao Govêrno que desrespeitou a lei fundamental da Nação e praticando um acto ilegal.
Não foi, Sr. Presidente, com o intuito de que as fábricas se fechassem durante vinte e quatro horas, mas sim somente com o intuito de que o Govêrno reconhecesse o seu êrro e abandonasse as cadeiras do Poder.
Sr. Presidente: o Sr. Manuel Fragoso mostrou os seus receios no futuro da República, atenta a atitude das minorias.
Eu desejava saber, Sr. Presidente, se na verdade neste assunto a razão não está do lado das minorias, que representam a vontade da Nação, porque na verdade até agora não vejo que ela se tenha manifestado a favor da régie.
Pela liberdade tem havido muitos paladinos, mas, num campo neutro, parece-me que tenho alguma cousa a dizer.
A Nação assistiu a êste espectáculo, magoada e sentida, mas as cousas são o que são. A questão está posta claramente. A solução do problema compete ao Sr. Presidente da República.
Será o primeiro magistrado da República quem dirá a última palavra; ou opta pelo Govêrno e dissolve o Parlamento, ou opta pelo Parlamento e indica ao Govêrno o único caminho que tem a indicar-lhe.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. João Camoesas: - Sr. Presidente: associo-me, em nome pessoal, às justas manifestações de apreço a V. Exa. tributadas por todos os lados da Câmara. E aproveito a circunstância de estar no uso da palavra para lembrar a V. Exa. e à Câmara que a minoria socialista anunciou há pouco, e realizou-o, o propósito de abandonar os trabalhos desta casa do Parlamento.
E de uso, sempre que um Deputado ou um grupo de Deputados anunciam e realizam um propósito semelhante, a Câmara instar junto dos que estão nessa disposição para desistirem do seu intento.
Os nossos companheiros da minoria socialista, sejam quais forem as divergências que nos separam, têm-se mostrado dois parlamentares correctos e, por consequência, absolutamente dignos de que a Câmara não abra uma excepção de tratamento para com êles e insista também com S. Exa. no sentido de regressarem à continuidade dos trabalhos parlamentares.
Apoiados.
Feita esta lembrança, porque creio que no espírito de todos os Srs. Deputados se encontra o mesmo desejo que acabo de manifestar, permita-me V. Exa., Sr. Presidente, que, imitando o que fizeram todos os oradores que me precederam, eu diga algumas palavras acerca do aspecto parlamentar da questão em debate.
Devo, em primeiro lugar, declarar ao Sr. José Domingues dos Santos que S. Exa. está em êrro quando afirma que o Govêrno praticou qualquer acto de ditadura.
É absolutamente inexacto.
O Govêrno só praticaria algum acto de ditadura se dêsse qualquer aplicação às receitas públicas sem prévia disposição jurídica que a tal o autorizasse, mas eu posso assegurar a V. Exa. e à Câmara - como é do domínio geral - que o Govêrno não praticou até agora qualquer acto de aplicação das receitas provenientes dos 800 mil quilogramas do stock de tabaco que à Nação pertence.
O Govêrno limitou-se, nos termos do artigo 8.° do respectivo contrato, a receber, como lhe competia, o instrumento de produção de tabacos em Portugal.
Recebeu o respectivo pessoal dos escritórios e oficinas, mas não ordenou nenhuma despesa.
Não praticou, portanto, nenhum acto de ditadura que justifique a atitude assumida nesta casa do Parlamento pelo Sr. José Domingues dos Santos e pelos seus amigos.
Por outro lado, seja-me permitido que neste momento eu deixe consignada na acta desta sessão a minha crítica respeitosa e sincera à atitude que as minorias obstrucionistas entenderam dever assumir.
Por mim, respeito em todos, aqui dentro e lá fora, o direito de exprimirem, como entenderem, as suas opiniões.
Respeito em todas as minorias desta casa do Parlamento o direito fundamental de exercerem o voto no sentido que lhes aprouver.
Estou mesmo convencido de que, votando embora contra a minha convicção, as minorias votam apenas de acordo com
Página 21
Sessão de 17 de Maio de 1926 21
a sua consciência, e, na idea de que bem servem a Pátria e a República, aqueles que são republicanos.
Mas, reivindico para mim igual respeito pelas minhas opiniões e o direito de votar conforme a minha inteligência mo indicar.
A questão, como está posta, não é já uma questão particular, de carácter pessoal ou partidário, nem mesmo de regime, mas sim uma questão de sistema.
É o próprio destino do sistema representativo em Portugal que se encontra em jôgo neste momento.
Nós não podemos, de maneira nenhuma, por mais que o queiramos fazer, adoptar uma atitude que possa significar a vitória do sistema parlamentar ultimamente seguido, porque, se assim procedêssemos, contrariaríamos a grave responsabilidade de ter deixado inutilizar neste País o sistema representativo pelo qual se regem as sociedades civilizadas do mundo.
Essa responsabilidade não a queremos, porém, nós assumir.
Perante essa atitude de violência, não produzimos, até agora, quaisquer palavras ou actos que dessem origem a conflitos aqui dentro, porque entendemos que é preciso procurar, sem violências, resolver esta embaraçosa situação que nos criaram e perante a qual nós não podemos transigir, visto que, se o fizéssemos, mataríamos o regime parlamentar nesta terra.
A questão é tam simples e tam clara, que chega a parecer insistência escusada o querê-la apreciar nos seus aspectos práticos e doutrinários.
Como é possível haver Govêrno, em qualquer Nação, sem haver uma maioria que delibere?
Como será possível constituir amanhã um Govêrno em Portugal se se estabelecer o princípio de que uma minoria, julgando-se possuída da melhor opinião, e julgando-se também representante exclusiva de toda a opinião nacional, utilize o fácil recurso da violência e do barulho, para impedir que a maioria delibere?
Amanhã - já aqui foi dito e não é demais acentuá-lo - renovado o Parlamento, o precedente ficaria vivo para incitar novas tentativas da mesma natureza.
E então, fossem quais fossem as modificações regimentais que se operassem - porque já aqui ouvi em conversas de carteira indicar uma solução para casos dêste género, a de só introduzir no Regimento da Câmara uma disposição que permitisse a expulsão dos parlamentares, que impeçam violentamente os trabalhos - fossem quais fossem as modificações, assistiríamos a espectáculos tristes como êste. Haveria Deputados que, se essas expulsões chegassem a ser um facto, fariam delas motivo para agitações políticas e sociais; e, embora, de momento, não conseguissem impedir a eficácia do regime parlamentar, sistematicamente repetiriam as suas atitudes de violência, porque a sua expulsão evidentemente nunca poderia ser definitiva.
Afigura-se me, por isso, Sr. Presidente, que é de tentar esta, porventura, ingénua tentativa que estou realizando e que as minhas palavras cairão bem, pelo menos no ânimo dos Srs. Deputados republicanos.
Afigura-se-me, sem com isto querer ferir os sentimentos republicanos das minorias que protestam, sem querer ser menos respeitoso em relação ao motivos que assim as levam a proceder, afigura-se-me, falando com toda a sinceridade, que essas minorias comprometem gravemente o prestígio da instituição parlamentar e, como reflexo, a própria República, que todos amamos.
E, por consequência, em nome de uma solidariedade política que deriva de sermos defensores do mesmo sistema político, solidariedade que deve reunir todos os republicanos, por mais variadas que sejam as posições parlamentares que os autorizem ou dividam, é em nome do próprio espírito da República que eu apelo para os Srs. Deputados das minorias que protestam.
Exprimam S. Exas. com inteira liberdade o seu voto; mas que me não impeçam de exprimir a minha própria opinião, porque, se mo impedirem, põem em risco a liberdade e eficácia da instituição parlamentar, mostrando que ela é uma instituição estéril, que para nada serve à vida do regime ou à vida da Nação.
Se não conseguir demovê-los em absoluto - porque é uma triste verdade aquela passagem do Alcorão de que "é mais fácil uma montanha mudar de sítio, do que um homem mudar de disposições" - se é certo que se trata de opiniões doutrina-
Página 22
22 Diário da Câmara dos Deputados
rias, de ideas políticas e não de atitudes pessoais, levadas ao extremo da irredutibilidade - no emtanto eu quero crer que a minha palavra alguma influência há-de ter no coração daqueles que têm um credo político igual ao meu.
Mas, Sr. Presidente, se eu nada conseguir, quero ao menos que fique gravada nas páginas da acta desta sessão a nota de que houve alguém que, em vez de opor à violência a violência, pretendeu empregar os meios persuasivos e que, respeitando os outros, pedia para si idêntico respeito, respeito que é afinal o culto pelos princípios republicanos.
Pedindo para si uma liberdade que nos outros respeita, reconhece para si o livre exercício de um direito que aos outros faculta e garante.
Apoiados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: já que V. Exa. e a Câmara têm a bondade de me escutar, permita-me V. Exa. que chame a sua atenção e a da Câmara para o momento social perturbante que estamos a viver na nossa terra, que ponha em frente da consciência de todos a situação que lança por toda a parte o incitamento à revolução (Apoiados}, que vem a ser publicado diariamente em alguns dos maiores jornais de Portugal. E o incitamento claro e aberto esta adopção, pelo direito da fôrça e violência, por uma minoria sem escrúpulos, que vem a ser feita em certa imprensa desta terra.
As consequências desta atitude são uma propaganda pelo facto de uma quási ditadura, que será um verdadeiro flagelo para a Nação.
É da história política de Portugal, contemporânea ou antiga, que os ditadores têm sempre a eficácia de gorar as contra-revoluções no dia em que se revelam. É a regra corrente em todos os regimes da Europa.
Em Portugal houve a ditadura do Mar quês de Pombal, festejado um dêstes dias em Lisboa.
Mas pregunto: que ficou da obra formidável dêsse homem que influiu nos destinos da Nação?
Não há maneira de ter duração, continuidade social, a sua obra, que não tem tido repercussão na vida económica. Não tem criado elementos de propagação e continuidade na própria vida social a obra de Bismark, realizada em condições económicas e sociais particulares, porque gerações e gerações procuraram a efectivação dos seus processos.
Da obra do Marquês de Pombal, metodicamente realizada, restam apenas as ruínas da povoação de Oeiras.
Ainda está quente na memória de todos nós uma tentativa ditatorial, que em Portugal foi realizada, pelo método e com o objectivo com que agora se preconiza a nova.
A ditadura do Sidónio Pais, realize da por um grupo de republicanos, cujos intuitos não quero discutir agora, não foi mais do que a substituição do Poder Legislativo pelo poder pessoal.
E que ficou dessa tentativa que não seja um rasto de sangue, que jamais se apagará das páginas da nessa história?
Apoiados.
Então não ficou dessa tentativa senão uma tempestade de miséria e de dor, e quere-se agora renová-la?
Apoiados.
Sr. Presidente: a ditadura, quer seja de um homem ou de uma classe, não tem viabilidade em Portugal e da observação que tenho feito não vi razões que modifiquem a minha convicção.
A ditadura é contrária à nossa tradição histórica.
Fomos grandes em Portugal, quando as magistraturas foram fortes. Fomos grandes sempre que o Povo se transformou de multidão em organismos que sabiam manifestar a sua vontade.
Através da nossa história, sempre assim tem sido, acontecendo o mesmo a quando da implantação da República, que constituiu a redenção e a salvação de Portugal.
se a realidade histórica me mostra que em Portugal não é adaptável êsse sistema, para que se prega ditadura e, sobretudo, quando é o Parlamento o agente experimental dessa propaganda? Sr. Presidente: queiram ou não, a atitude do Parlamento leva-nos a esta conclusão única, qual é a da ineficácia da instituição parlamentar, precisamente no momento em que a vida só vinha normalizando.
Página 23
Sessão de 17 de Maio de 1926 23
Quando um Parlamento vem mostrar-se apto para conduzir a República para a paz social, é um crime que, fora dele, as fôrças interessadas pela avidez do mando e do negócio levem a perturbação política a todo o País.
É um crime contra o Estado e contra a República.
Emquanto os Transportes Marítimos viveram dentro de um período de normalidade política, a sua administração foi boa. Ela só se tornou em descalabro precisamente quando a perturbação política arredou dessa administração os valores e os técnicos competentes para lá pôr os acidentais servidores do sol nascente.
A maneira como os trabalhos parlamentares têm decorrido é a negação da eficácia da acção parlamentar!
As minhas palavras têm apenas a oportunidade de abrir um parêntesis de raciocínio e serenidade no meio da excitação de uns grupos contra outros grupos e de pessoas contra pessoas.
Apelo para todos os republicanos desta Câmara no sentido de praticarem esta cousa tam simples, que é todos votarem como entenderem.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Agatão Lança: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar a expressão muito sentida da minha consideração por V. Exa. o pela instituição parlamentar quê V. Exa. tam bem representa.
As causas das perturbações dos trabalhos parlamentares não atingem o Govêrno, mas a própria instituição parlamentar atinge a democracia e a própria República, que a todos nós, republicanos, compete defender e respeitar.
Sr. Presidente: já não basta a atitude que certa imprensa assume; já não basta a insídia; a mentira levada para as colunas de certos jornais sôbre conversas que muitas vezes não existem; não basta que pseudo jornalistas deturpem tudo ; já não basta tudo isto; ainda é necessário que aqui dentro se perturbem as sessões sem o nosso gesto da mais enérgica revolta.
Quem assim procede quere a morte do Parlamento.
Apoiados.
É necessário proceder de outra forma.
Assim nenhum Govêrno mais se conservará naquelas cadeiras, nem mesmo chegará a ler a declaração ministerial. Pode vir a legião vermelha.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: - Nem as galerias...
O Orador: - Nem galerias, nem legião vermelha nos intimidam. Ainda há pouco foi preso um às portas do Congresso.
Amanhã, mesmo depois duma dissolução, o Partido Democrático sempre há-de trazer uma dezena de Deputados, três só que sejam. Por dignidade própria, por dignidade do partido, não deixarão funcionar o Parlamento.
Mas, então, fala se no respeito à Constituição e as oposições não estão atentando contra o próprio prestígio da instituição parlamentar e contra o próprio prestígio da Constituição?
Então, acusa-se o Govêrno de ditadura, e os homens das oposições não estão aqui a fazer a mais revoltante das ditaduras, que é uma ditadura que nem sequer tem o mérito de mostrar conhecimentos, porque é a ditadura do sarrafo?
Apoiados da maioria.
E eu pregunto se também para êles não é aplicável o n.° 4.° do artigo 171.° do Código Penal, que diz:
Leu.
Então, a lei e o respeito da Constituição são só para o Govêrno e para nós, e não para aqueles que nos querem impor a vontade do menor número? Então, se é revoltante a ditadura do Partido Democrático - sem dúvida o maior sustentáculo da República - que quere impor-se aos que têm menor número de adeptos, na verdade mais revoltante é a daqueles partidos mais pequenos que se lho querem impor!
Apoiados da maioria.
Sr. Presidente: a declaração feita pelo meu ilustre amigo Sr. Henrique Cabral é uma declaração que encontrará eco em todos aqueles que estão dispostos através do tudo a não deixar vingar êste inaudito processo iniciado por certas oposições. Não haja ilusões! Nós temo-nos portado com uma serenidade que até tem confundido e perturbado os nossos adversários.
Apoiados.
Manteremos essa serenidade emquanto a nossa dignidade e o nosso brio com ela
Página 24
24 Diário da Câmara dos Deputados
não se ofenda; mas não julguem que por trás dessa serenidade e por trás dêsse espírito nobre e alto de tolerância está qualquer cousa de miserável, como seria a cobardia.
Apoiados.
Não, nem a cobardia, nem o medo, jamais se albergaram aqui. E nós temos o direito de proclamar e dizer bem alto aos provocadores que em todos os campos nos encontrarão para defesa da República e da instituição parlamentar.
Apoiados.
Mas nós assistimos aqui há pouco ao facto de um Deputado ter usado duma linguagem bem pouco parlamentar, dirigindo-se à maioria. Eu fui dos poucos que responderam em àpartes, que a minha sensibilidade entendeu como necessário. E não devo ocultar a S. Exa. a minha mágoa por não ter ouvido porventura uma resposta mais enérgica e mais unânime que essas palavras impensadas deviam ter provocado da parte da maioria. Porém, maior foi o meu espanto quando depois um amigo meu me veio dizer - um amigo que já foi parlamentar e que pela República muito tem lutado e se tem sacrificado - que estava admirado por ver que a Câmara deixava que um Deputado se referisse assim a um dos grupos parlamentares.
Em outros tempos isso não seria permitido.
Em um àparte que há pouco fiz. repeli a afronta; e quero agora, por intermédio de V. Exa., em meu nome pessoal e no dos meus colegas que têm uma sensibilidade igual à minha, dizer que a maioria não é esfregão na mão de ninguém. E ao Sr. Amorim Ferreira devo acentuar-lhe bem que se S. Exa. está habituado a ser esfregão na mão de quem quer que seja, nós não estamos habituados a isso. Em meu nome pessoal devolvo intacto tudo quanto de depreciativo se contém na sua frase.
Ninguém veja na atitude conciliatória e serena da maioria êsse miserável sentimento de cobardia e medo.
Não esqueçamos o lugar onde estamos. Estamos dentro de um Parlamento, e temos pelos nossos trabalhos e pela elevação das nossas atitudes de servir, através dêle, a Nação.
Apoiados.
Temos de dignificar a instituição parlamentar porque ela serve a causa sacrosanta da democracia.
Apoiados.
Não há ninguém nesta casa do Parlamento que não queira, através de tudo, defender-se de tudo que afecte a sua dignidade política e pessoal e que não queira procurar uma plataforma para a solução de um conflito que não é contra o Govêrno, mas com a instituição parlamentar.
Então, Sr. Presidente, por mim não posso deixar de declarar que tenho a máxima consideração por V. Exa. como Presidente desta Câmara, respeitando assim, ao mesmo tempo o regime parlamentar, e bem assim o prestígio damaioriaque aqui está defendendo os sagrados interêsses do povo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Amorim Ferreira: - Sr. Presidente: era meu intuito, quando falei pela primeira vez, manifestar a minha mais alta consideração por V. Exa.; porém, no decorrer do meu discurso, esqueci-me de o fazer, o que faço no emtanto agora, muito gostosamente.
Relativamente às considerações que eu tive ocasião de fazer, ainda não há muito, eu devo dizer a V. Exa. e à Câmara que as fiz, no uso legítimo do meu direito, como Deputado, tanto mais quanto é certo que o Regimento diz o seguinte:
Leu.
Não desejando, Sr. Presidente, ser interrompido, eu pedi a intervenção de V. Exa. no sentido de evitar que eu fôsse interrompido nas minhas considerações.
Explicada assim, Sr. Presidente, a minha atitude, eu vou passar a responder às considerações feitas pelo ilustre Deputado Sr. Agatão Lança.
Não sei na verdade, Sr. Presidente, a que propósito S. Exa. se referiu a cobrar dias e medo, pois a verdade é que eu não tive o mais leve intuito de ofender a maioria, tanto mais quanto é certo que isso não é próprio de mim.
Trocam-se àpartes.
O Orador: - Eu, Sr. Presidente, apenas anunciei um facto.
Página 25
Sessão de 17 de Maio de 1926 25
E, relativamente a cobardia ou medo, eu devo dizer que, relativamente à minha pessoa, me honro muito com a Cruz de Guerra que me foi colocada ao peito, por um general que já morreu nos campos de França.
Trocam-se vários àpartes.
O Orador: - Posta assim a questão neste pé, eu tive apenas o intuito de mostrar à Câmara que, quanto a mim, também nunca tive, nem tenho, cobardia ou medo.
Pelo que diz respeito, Sr. Presidente, à palavra que aqui pronunciei de "esfregão", não me parece que ela possa ser considerada como injuriosa, pois se o fôsse pode a Câmara estar certa de que não a empregaria.
O que eu disse, e afirmo, é que a maioria estava sendo um esfregão nas mãos de alguém, o que me parece não ser injurioso para ninguém.
Não quis injuriar ninguém, mas reservo-me o direito de apreciar conforme entender a maneira como a maioria se tem comportado nestes cinco ou seis meses de sessão legislativa.
Tenho procurado falar poucas vezes, porque tenho para mim o princípio de que quem fala de mais acerta de menos; mas nas poucas vezes em que tenho usado da palavra nunca injuriei fôsse quem fôsse.
É a maior prova que posso invocar de que não usei jamais de termos injuriosos está no facto de nunca ter sido chamado à ordem pelo Sr. Presidente, que devia fazê-lo se eu assim procedesse.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Agradeço as palavras benevolentes que me foram dirigidas por todos os lados da Câmara.
Como parlamentar e como fervoroso adepto da instituição parlamentarista, à qual tenho presidido com a máxima imparcialidade, sem ter de preocupar-me com os resultados de qualquer votação, dói-me, quando vejo que se apela para o exercício da minha função, constatar não ter meios suasórios para garantir, como entendo que deve ser perante a minha consciência e a própria Constituição, o direito livre do voto.
É por isso que há pouco disse à Câmara o que sentia a tal respeito.
No meu passado não há qualquer acto que manifeste menos respeito pela opinião alheia, e aqui neste lugar tenho procurado sempre desempenhar-me da minha missão, senão com aquele brilho que seria para desejar, porque me escasseiam qualidades (não apoiados), pelo menos com uma absoluta neutralidade, preocupando-me exclusivamente em manter o prestígio do Parlamento.
Apelo mais uma vez para a consciência de todos os Srs. Deputados.
Muitas vezes, por paixões momentâneas, que eu compreendo aliás, podemos ser levados a grandes dificuldades futuras.
Acabo do receber a triste comunicação de que faleceu o antigo Deputado, que foi companheiro de muitos dos que aqui se encontram, Dr. Hermano de Medeiros.
Proponho que na acta fique exarado um voto de profundo pesar por êste doloroso acontecimento.
O Sr. Rebelo Arruda: - Pedi a palavra para significar a Câmara o desgosto que me vai na alma, pelo falecimento do antigo parlamentar e meu patrício, Hermano de Medeiros.
Todos quantos tiveram a ventura de conhecer Hermano de Medeiros dedicavam-lhe uma grande estima e admiração. Era dotado de um grande coração de que que só transbordavam sentimentos de bondade. Êle bem merece as nossas homenagens; e, por isso, associo-me comovidamente ao voto de sentimento que V. Exa. acaba de propor.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Amorim Ferreira: - Sr. Presidente: como açoreano e representante do círculo de Ponta Delgada que o falecido, também, representou nesta Câmara, associo-me ao voto de sentimento que V. Exa. propôs à Câmara.
Hermano de Medeiros, pela sua inteligência e pelos primores do seu coração, honrou a sua terra natal e a profissão que escolheu.
A Câmara, manifestando o seu pesar pela sua morte, presta à memória de Hermano de Medeiros uma justa homenagem que eu acompanho comovidamente.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Página 26
26 Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Álvaro de Castro: - Sr. Presidente: associando-mo ao voto de sentimento que V. Exa. propôs à Câmara, recordo que Hermano de Medeiros era um bom e velho republicano e médico distinto. A sua morte traz grande pesar a todos que o conheceram o que eram seus amigos. Acompanho dolorosamente a manifestação da Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Moura Pinto: - Sr. Presidente: comovidamente associo-me à manifestação do pesar e à homenagem que a Câmara, por proposta do V. Exa., está prestando à memória de Hermano de Medeiros.
Como amigo e companheiro de trabalhos que fui do extinto, recordo quanto eram elevadas as suas qualidades de inteligência o de bondade.
Em muitas horas boas, como em muitas horas más que passámos, numa solidariedade de bons camaradas, tanto no Parlamento como no agrupamento a que pertencemos, eu pude avaliar as suas belas qualidades de coração e quão sincero e profundo era o seu amor pela República e pela sua terra.
Êle bem merece as homenagens do nosso pesar pelo seu passamento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: é com enorme amargura que, em meu nome e no da União Liberal Republicana, me associo ao voto de sentimento que V. Exa. propôs à Câmara pelo passamento do nosso antigo colega nesta Câmara, Hermano de Medeiros.
Quem, como eu, se habituou, de há muitos anos, ao convívio dêsse belo moço sempre expansivo e bom, não pode deixar de sentir utn profundo desgosto pela sua morto.
Hermano de Medeiros soube ser sempre, sem hesitações de nenhuma espécie, um bom e indefectível republicano. Se muito amava a República o os seus amigos, êle tinha outra Pátria, além de Portugal: os seus Açores. Êle serviu com muito amor os interêsses dêsse velho arquipélago.
O altíssimo exemplo que constitui a sua vida deve ser seguido por todos os homens de bem, E é por isso que eu, com muita amargura e dor, ao ver desaparecer Hermano de Medeiros, me associo ao voto de sentimento proposto por V. Exa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lino Neto: - Sr. Presidente: a minoria católica lembra-se com saudade da camaradagem de Hermano de Medeiros na última legislatura. Ao ter agora a notícia da sua morto, sente-o profundamente. Hermano de Medeiros era um homem do bem às direitas, leal e inteligente. E é por isso que, em nome da minoria católica, eu acompanho o voto de sentimento proposto por V. Exa., com a mais sincera dor.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pinheiro Tôrres: - Sr. Presidente: em nome da minoria monárquica associo-me comovidamente ao voto de sentimento proposto por V. Exa.
Tenho dito.
O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: açoreano e amigo do falecido Hermano de Medeiros, não podia deixar de cumprir o dever de me associar à proposta por V. Exa. apresentada. Recordo-me neste momento, com magoada saudade, da nossa camaradagem na legislatura de 1919-1921. Hermano de Medeiros militava então na União Republicana, tendo passado depois para o Partido Nacionalista. Nesta legislatura travam-se no Parlamento choques políticos tremendos; mas Hermano de Medeiros serviu sempre nobremente o seu ideal, nunca sacrificando qualquer das suas muitas amizades, que êle servia com sincero afecto, a algum interêsse de ordem partidária.
Assim, vendo desaparecer alguém, que foi na vida um bom, é realmente motivo para nós todos sentirmos uma profunda e enorme saudade.
Apresento à União Republicana em que o ilustre finado estava filiado, os meus votos de sincero pesar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Aboim Inglês: - Sr. Presidente: em nome do Partido Nacionalista e em
Página 27
Sessão de 17 de Maio de 1926 27
meu nome particular associo-me tristemente ao voto proposto por V. Exa. Velho camarada de Hermano de Medeiros, velho amigo daquele bom homem e ilustre republicano, sinto profundamente a sua morte.
Em nome do Partido Nacionalista e em meu nome particular, repito, associo-me com verdadeira comoção ao voto de pegar que V, Exa. propôs à Câmara,
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: - Sr. Presidente: a Esquerda Democrática associa-se ao voto de sentimento proposto por V. Exa. pela morte do nosso antigo companheiro Dr. Hermano de Medeiros.
Hermano de Medeiros, pelas suas qualidades de carácter, merece de todos nós, seus companheiros da legislatura passada, a maior estima e a maior consideração. A nós, homens da Esquerda Democrática, é bem doloroso o ter de constatar a falta de S. Exa., porque Hermano de Medeiros, ainda que pertencendo a um partido diferente, deu-nos sempre provas da mais alta estima, demonstrando-nos uma simpatia que faz com que, neste momento, nós nos associemos com mágoa sincera ao voto de sentimento proposto por V. Exa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paiva Gomes: - Sr. Presidente: em nome do Grupo Parlamentar Democrático, associo-me sentidamente ao voto de pesar proposto por V. Exa.
Recordamos também todos nós com saudade a bela camaradagem que sempre nos deu o extinto, dotado de um espírito culto, e em cuja alma nunca vimos que houvesse o menor rancor contra quem quer que fôsse. Lamentamos, por isso, com sincera dor, a perda dêste nosso amigo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador não reviu.
O Sr. Filomeno da Câmara: - Sr. Presidente: como Deputado pelo círculo de Ponta Delgada, círculo do Dr. Hermano de Medeiros quando Deputado, associo-me, às manifestações de pesar pela sua morte, porque era meu patrício e meu amigo.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: -Sr. Presidente: quando êste lado da Câmara se associou ao voto de pesar pela morte do Dr. Hermano de Medeiros, pedi logo licença para também me associar à homenagem da Câmara.
Ninguém como eu apreciou os seus excepcionais dotes de carácter e de coração.
Tive ocasião de apreciar o valor de que era dotado e que lhe dava direito a esperar um futuro desafogado.
Tive ocasião de apreciar as suas qualidades de coração, com que êle sabia dedicar-se aos amigos. E porque foi sempre um amigo tam dedicado, manifesto a minha gratidão e a minha homenagem à sua memória, dizendo que a morte de Hermano de Medeiros foi a morte de um grande carácter e de um grande coração.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução (Santos Silva): - Em nome do Govêrno associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Exa. pela morte do Sr. Hermano de Medeiros, distinto parlamentar de uma grande inteligência e combatividade.
Era um amigo muito querido e meu velho companheiro das lutas académicas.
A sua morte é por todos pranteada; e ante ela exprimo neste momento o profundo sentimento do Govêrno.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Considero aprovado por unanimidade o voto de sentimento proposto.
A minoria socialista declaro u que abandonaria esta Casa do Parlamento; mas devo declarar que se me afigura ser necessário que continue nesta sala.
A próxima sessão é amanhã à hora regimental. A ordem do dia é a seguinte:
Parecer 45-(h) orçamento do Ministério do Comércio.
Parecer 45-(i) orçamento do extinto Ministério do Trabalho.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 10 minutos.
Página 28
28 Diário da Câmara dos Deputados
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Projectos de lei
Dos Srs. Manuel da Costa Dias e Adolfo Brasão, criando no distrito do Funchal os serviços de polícia de investigação criminal.
Para o "Diário do Govêrno".
Do Sr. Pires Monteiro, regulando as promoções no exército.
Para o "Diário do Govêrno".
Requerimento
Requeiro que pelo Ministério do Interior me seja concedida autorização para examinar o processo de inquérito ou sindicância respeitante ao capitão Gonçalves da Guarda Nacional Republicara, tenente Gaspar e a um 1.° sargento, todos do batalhão n.° 7 Évora e Reguengos. - Alberto Jordão Marques da Costa.
Expeça-se.
Pareceres
Da comissão de comércio o indústria sôbre a representação da grande comissão de defesa da marinha mercante nacional.
Remeta-se o requerimento junto, nos termos dêste parecer, que se transcreverá no ofício de remessa, ao Sr. Ministro do Comércio e Comunicações.
Da comissão de marinha sôbre o n.° 56-B que faculta da verba do fundo de protecção à marinha mercante 6:000 contos, para empréstimos mercantis às emprêsas da pesca do bacalhau.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de guerra sôbre o n.° 123-A que determina que o aumento de 0,14 por cento sôbre as pensões de reforma dos oficiais do exército e da armada por cada período de serviço de campanha ou colonial não seja contado para os limites de vencimentos de reforma fixados pela lei n.° 888, de 18 de Setembro de 1919.
Para a comissão de finanças.
Da mesma sôbre o n.° 24-G que aplica a doutrina do artigo 1.° do decreto n.° 5:172 de 24 de Fevereiro de 1919 aos militares condenados e afastados do serviço em virtude dos movimentos republicanos de 27 de Abril e 20 de Julho de 1913.
Para a comissão de finanças.
Documentos publicados nos termos de artigo 38.° do Regimento
Parecer n.° 197
Senhores Deputados. - A vossa comissão de guerra estudou conjuntamente os projectos do lei n.° 171-D e 179-P de iniciativa dos Srs. Rafael Ribeiro e Joaquim Toscano de Sampaio, pois que ambos se referem a alterações ao decreto n.° 7:823 de 23 de Novembro de 1921. Analisando as disposições dêste decreto, julga a comissão de guerra, que se devem manter sem alteração, rejeitando os dois projectos de lei a que nos referimos.
De facto, o projecto de lei n.° 171-D no seu artigo 1.° viria, após mais do quatro anos. permitir a entrada de mais alguns oficiais milicianos no quadro especial, criado no decreto n.° 7:8J3. Sabe bem a Câmara dos Deputados, que o maior vício do nosso exército metropolitano é a pletora dos quadros de oficiais, excesso superior a 50 por cento.
O artigo 2.° traz um grande encargo orçamental, que nenhum princípio de justiça poderá justificar. Finalmente o artigo 3.° é julgado desnecessário.
O projecto de lei n.° 179-P parece não ter atendido à doutrina sã do artigo 5.° do decreto n.° 7:823. As vantagens consignadas neste artigo representam uma justa e equitativa recompensa para os oficiais milicianos, que se habilitem com o curso da Escola Militar. Ir mais além, como pretende o Sr. Toscano de Sampaio, traduzir-se-ia numa maior perturbação nos quadros. Os oficiais milicianos constituem um quadro especial e se desejam habilitar-se com o curso da Escola Militar, poderão ingressar no quadro dos profissionais, mas na altura do curso que frequentaram, salvo as excepções já consignadas no citado artigo 5.° Não há pois prejuízo de antiguidade.
A nossa legislação fragmentária tem causado os maiores transtornos e seria excelente, que se estudassem medidas de largo alcance, tendentes a aperfeiçoarem
Página 29
Sessão de 17 de Maio de 1926 29
as nossas instituições militares, revestindo-as do necessário prestígio.
Sala das sessões, 17 de Maio de 1926. - Alberto da Silveira - Manuel José da Silva (com declarações) - João Tamagnini - José do Moura Neves - Manuel da Costa Dias (com declarações) - Carlos Soares Branco - Henrique Pires Monteiro, relator.
Projecto de lei n.° 171-D
Senhores Deputados. - A doutrina dos artigos do presente projecto é de tal maneira justa que dispensa quaisquer palavras de explicação. Tratando-se de um projecto que tem de ser estudado pela nossa comissão de guerra, ela, melhor do que eu, saberá fazer realçar a sua justiça.
E, assim, tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Aos oficiais milicianos e milicianos de reserva que estejam em algumas das condições do artigo 1.° do decreto n.° 7:823 de 23 de Novembro de 1921 que desejem aproveitar-se das vantagens do referido diploma poderão requerer dentro do prazo marcado no § 2.° do seu artigo 1.° a contar da publicação desta lei.
Art. 2.° Aos oficiais milicianos e milicianos de reserva que tenham sido licenciados após o seu regresso de campanha e que voltaram à efectividade de serviço por estarem ao abrigo do artigo 1.° do decreto n.° 7:823 de 23 de Novembro de 1921, é contado como tempo de serviço efectivo, para efeito de diuturnidade e de reforma, todo o tempo em que estiveram naquela situação delicenciados.
Art. 3.° A disposição do artigo 10.° do decreto n.° 7:823 de 23 de Novembro de 1921 é aplicável a todos os militares nesse artigo designados que tenham sido licenciados ou abatidos do efectivo antes ou depois da sua publicação ou que venham a ser.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrário.
Lisboa, sala das sessões da Câmara dos Deputados, 19 de Abril de 1926.- Rafael Ribeiro.
Projecto de lei n.° 179-P
Senhores Deputados. - Considerando que o decreto com fôrça de lei n.° 7:823 permitiu continuar na efectividade de serviço a determinados oficiais que preenchessem as condições indicadas nas alíneas 1), 2), 3), 4), 6) e 7) do artigo 1.°;
Considerando que os oficiais melicianos nas condições do artigo 1.° são considerados supranumerários nas suas armas o serviços, constituindo um quadro especial;
Considerando que não é de justiça o não contar como tempo de serviço àqueles oficiais que, encontrando-se nos termos do artigo 1.° do decreto n.° 7:823, foram frequentar a Escola Militar, tendo já uma antiguidade perfeitamente marcada e que é a indicada pelo artigo 3.° do citado decreto;
Considerando que o intuito do legislador não era certamente o de ir prejudicar oficiais que, estando em determinadas circunstâncias, fossem aumentar os conhecimentos profissionais, como acontece presentemente aos oficiais que encontrando-se ao abrigo do artigo 1.° do citado decreto foram frequentar o curso da Escola Militar na sua arma ou serviço, vindo assim a serem prejudicados na sua antiguidade:
Nestas circunstâncias, tenho a honra de enviar para a Mesa o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Todos os oficiais milicianos que se acham ao abrigo das disposições das alíneas 1), 2), 3), 4), 6) e 7 do artigo 1.° do decreto n.° 7:823 e que terminaram os cursos da Escola Militar das respectivas armas ou serviço ficam contando, para todos os efeitos, a sua antiguidade desde a data em que seriam considerados pelas disposições do artigo 3.° do já citado decreto n.° 7:823, que os manda ficar supranumerários nos respectivos quadros.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das sessões da Câmara dos Deputados, 22 de Abril de 1926 -Joaquim Toscano de Sampaio.
O REDACTOR - João Saraiva.
33 - Imprensa Nacional - 1925-1926