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REPÚBLICA

PORTUGUESA

DIÁRIO DO CONGRESSO

SIESS.Ã.O 3ST.0 8

EM 7 DE ABRIL DE 1921

Presidência do Ex,mo Secretários os Ex.mos Srs,

Sr. António Xavier Comia Barreto

Baltasar de Almeida Teixeira

Sumário.— O Sr. Presidf.nte nomeia a deputação que deverá receber o Sr. Presidente da República. Che/jada. de S. Ex." e abertura da sessão. O Sr. Presidente pronuncia um discurso seguin-do-se-lhe o Sr. Presidente da República. E encerrada d sessão.

Abertura da sessão às 15 horas e 10 minutos.

Srs. Senadores presentes à chamada:

Abel Hipólito.

Abílio de Lobão Soeiro.

Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.

Alberto Carlos da Silveira.

Alfredo Narciso Marcai Martins Portugal.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Amaro Jastiniano de Azevedo Gomes.

António Alves de Oliveira.

António Augusto Teixeira.

António Maria da Silva Barreto.

António de Oliveira e Castro.

António Vitorino Soares.

António Xavier Correia Barreto.

Arnaldo Alberto de xSousa Lobão.

Artur Octávio do Rego Chagas.

Augusto César de Vasconcelos Correia.

Augusto Lobo Alves. .

Bernardino Luís Machado Guimarães..

Celestino Germano Pais de Almeida.

César Justíno de Lima Alves.

Constâncio de Oliveira.

Luis Inocêncío B amos Pereira

Cristóvão Moniz. Ernesto Júlio Navarro. Francisco Manuel Dias Pereira. Francisco Vicente Ramos. Henrique Maria Travassos Valdês. Hèrculano Jorge Galhardo. João Carlos de Melo Barreto. João Joaquim André de Freitas. Jorge Frederico Velez Caroço. José Diqnísio Carneiro de Sousa e Faro.

José Duarte Dias de Andrade. José Jacinto .Nunes. José Joaquim Fernandes de Almeida. "José Joaquim Pereira Osório. José Machado Serpa. Luís Inocêncio Ramos Pereira. Raimundo Enes Meira. Ricardo Pais Gomes. Rodrigo Guerra Álvares Cabral.

Srs. Senadores que não compareceram à sessão:

António Gomes de Sousa Varela. Armindo de Freitas Ribeiro de Faria. Augusto Casimiro Alves Monteiro. Augusto Vera Cruz. Bernardo Pais de Almeida. Ezequiel do Soveral Rodrigues. Francisco Martins de Oliveira Santos.

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Diário das Sessões do Congresso

Joaquim Celorico Palma. Joaquim Pereira Gil de Matos. José Augusto Artur Fernandes Torres. José Mendes dos Reis. José Miguel Lamartine Prazeres da Costa. - ' . -..

José Nunes do Nascimento. José Ramos Preto. Júlio Augusto Ribeiro da Silva. Júlio Ernesto de Lima Duque. Luís António de Vasconcelos Dias. Manuel Augusto Martins. Manuel Gaspar de Lemos. Nicolau Mesquita. Pedro Alfredo de Morais Rosa. " Pedro Amaral Boto Machado. Pedro Virgolino Ferraz Chaves, Rodrigo Alfredo Pereira de Castro. Silvério da Rocha e Cunha. Torcato Luís de Magalhães. Vasco Gonçalves Marques.

Srs. Deputados presentes à chamada : • '

Abílio Correia da Silva Marcai.

Acácio António Camacho Lopes Cardoso.

Afonso de Macedo.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Ferreira Vidal.

Albino Pinto da Fonseca.

Alfredo. Ernesto de Sá Cardoso.

Álvaro Xavier de Castro.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maifiu

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Carlos Ribeiro da Silva.

António da Costa Godinho do Amaral.

António Francisco Pereira.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António Joaquim, Granjo.

António José Pereira.

António Lobo de Aboim Inglês.

António Maria da Silva.

António Marques das Neves Mantas.

António de Paiva Gomes.

António Pires de Carvalho.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Augusto Dias da Silva,

Baltasãr do Almeida Teixeira.

Bartoloméu dos Mártires Sousa Seve-íno.

Carlos Olavo Correia de Azevedo. Custódio Martins de Paiva. Domingos Cruz. Domingos Leito Pereira.

Eduardo Alfredo de Sousa.

Evaristo Luís das Neves Ferreira do Carvalho.

Francisco da Cruz.

Francisco da Cunha Rego Chaves.

Francisco José Pereira.

Francisco de Sousa Dias.

Iloldcr Armando dos Santos Ribeiro.

Henrique Vieira de Vasconcelos.

Hermano José de Medeiros.

Jacinto de Freitas.

Jaime de Andrade Viiares.

Jaime da Cunha Coelho.

Jaime Daniel Leote do Rogo.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João Estêvão Águas.

JoEo Gonçalves.

Jo<_1o p='p' ricardo.='ricardo.' luís='luís'>

João Maria Santiago Gouveia Lobo Prezado.

João Pereira Bastos.

Jçao Salema.

Joaquim José de Oliveira.

Jorge do Vasconcelos Nunes.

José António da Costa Júuior. .

José Domingues dos Santos.

José Gomes de Carvalho de Sousa Varela.

José Maria de Campos Melo.

José Mendes Nunes Loureiro.

José cie Oliveira Ferreira Dinis.

José Rodrigues Braga.

José do Vale Matos Cid.

Júlio Augusto da Cruz.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Luís António da Silva Tavares do Carvalho.

Luís Augusto Pinto de Mosquito Carvalho.

Manuel Eduardo da .Costa Fragoso.

Manuel Ferreira da Rocha.

Orlando Alberto Marcai.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Rodrigo Pimenta Massapina.

Vasco Borges.

Vasco Guedes de Vasconcelos.

Ventura Malheiro Roimao.

Vergílio da Conceição Costa,

Viriato Gomes da Fonseca.

Vitoriuo Máximo do Carvalho Guimarães.

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Sessão de 7 de Abril de 1921

Srs. Deputados, que não compareceram:

Afonso Augusto da Costa.

Alberto Álvaro Dias Pereira.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Albino Vieira da Rociia.

Alexandre Barbedo Pio to de Almeida.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Álvaro Pereira Guedes.

Antao Fernandes de Carvalho. António Albino de Carvalho Mou-ntu.

António Albino Marques de Azevedo.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Bastos Pereira.

António Cândido Maria Jordão Paiva Manso.

António da Costa Ferreira.

António Dias.

António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho.

António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.

António Maria Pereira Júnior.

António Pais Rovisco.

António dos Santos Graça.

Augusto Joaquim Alves dos Santos.

Augusto Pereira Nobre.

Augusto Pires do Vale.

Augusto Ilobôlo Arruda.

Constâncio Arnaldo de Carvalho.

Custódio Maldonado Freitas.

Diogo Pacheco de Amorim.

Domingos Vítor Cordeiro Rosado.

Estêvão da Ounha Pimentel.

Francisco Alberto da Costa Cabral.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco Cotrím da Silva Garcês.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Francisco José Fernandes Costa.

Francisco José Martins Morgado.

Francisco José de Meneses Fernandes Costa. . ^

Francisco Manuel Couceiro da Costa.

Francisco Manuel Homem Cristo.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

Henrique Ferreira de Oliveira Brás.

Inocêncio Joaquim Camacho Rodrigues.

Jaime Júlio do Sousa.

JoSo José da Conceição Camoesas.

João Josó Luís Damas.

João de Orneias da Silva.

Joilo Ribeiro Gomes.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

João Xavier Camarate Campos.

Joaquim Aires Lopes do Carvalho.

Joaquim Brandão.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

José Barbosa.

José Garcia da Costa.

José Gregório de Almeida.

José Maria de Vilhena Barbosa Magalhães.

José Mendes Ribeiro Norton de Ma* tos.

José Monteiro.

Júlio César de Andrade Freire.

Júlio Gomes dos Santos Júnior.

Júlio do Patrocínio Martins.

Ladislau Estêvão .da Silva Batalha.

Leonardo José Coimbra.

Liberato Damíãò Ribeiro Pinto.

Lino Pinto Gonçalves Marinha.

Luís de Orneias Nóbrega Quintal.

Manuel Alegre.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel José Fernandes Costa.

Manuel José da Silva.

Manuel José da Silva.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Mariano Martins.

Maximiano Maria de Azevedo Faria.

Mom Tinoco Verdial.

Miguel Augusto Alves Ferreira.

Nuno Simões.

Pedro Gois Pita.

Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.

Raul António Tamagnini de Miranda Barbosa.

Eatil Leio Portela.

Tomás de Sonsa Rosa.

Vitorino Henriques Godinho.

Sendo lõ horas e 10 minutos,, achando-se presentes 116 Srs. Congressistas, o Sr. Presidente do Congresso vai ocupar -o seu lugar.

O Sr. Presidente: —Vai ler-se a lista da deputação que há-de receber o' Sr. Pivsidente da República:

Jacinto Nu nos. '

Vasco do Vasconcelos.f

Ilorculano Galhardo.

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Diário das Sessões do Congresso

Abílio Soeiro.

Mesquita Carvalho.

Augusto de Vasconcelos.

Vitorino Guimarães.

Pausa,

Entra na sala o Sr. Presidente da República e sobe à tribuna da Presidênciado Congresso.

O Sr. Presidente:—Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente:—Sr. Presidente da Bepública, Srs. Congressistas:

Cabe-me a honra de saudar, em nome do Congresso da República, o ralor português simbolizado nos dois heróis desconhecidos que desde hoje são nossos hóspedes. A homenagem que prestamos aos dois humildes soldados, é, no mistério que os envolve, a glorificação da raça portuguesa, raça de aventura, de sonho e de sacrifício.

Os dois mortos são a Pátria com o seu nome épico, as suas sublimes glórias e os seus desfalecimentos. Se este dia ó de luto, porque recorda aos corações portugueses a perda de seus filhos queridos, é também de festa dos Heróis, que combatendo pela liberdade do mundo, cimentavam, à custa J&Q seu sangue, a independência e a felicidade da Pátria.

Apagados os ecos das tremendas batalhas, depostas as armas pelos bravos combatentes da Grande Guerra, e volvidos aos seus pacíficos lares, cabe a nós não deixar estéril o sacrifício do sangue português vertido com tanta honra.

Un amo-no s todos, como um só homem, para, com o nosso esforço contínuo e constante e persistentemente aplicado, tornarmos a Pátria num Portugal Maior, e nada será mais agradável, nem maior prémio ambicionarão os que pela Pátria se bateram.

O exemplo está dado e por quem, em nome do Povo Português, o podia dar: o Parlamento da Republica vai conceder nma ampla amnistia aos presos políticos para que todos os portugueses, nesta hora grave para a Pátria, se entendam na Santa Jornada do engrandecimento da terra portuguesa, fazendo com que para ela raiem dias de felicidade e de beleza que serfio a recompensa de tanto heroís-

mo e de tanto sacrifício dos que pela Pátria morreram.

O Sr. Presidente da República (António José de Almeida):—As festas em honra dos Soldados Desconhecidos poderão não ser deslumbrantes, nias são com certeza, além de sinceras, coerentes e harmónicas.

Feitas pelo Povo, pelo Parlamento e pelo Governo, elas mostram, em todos os números do seu programa, um único intuito: fortalecer a unidade nacional, pondo em evidência a significação do presente, realçando e honrando a tradição e preparando as lições do futuro.

De facto não podia haver melhor sítio para o Povo desfilar perante o féretro dos Heróis de que o átrio do Congresso da República, onde os representantes do País deliberaram a intervenção de Portugal na Grande Guerra.

Aqui se discutiu a situação nacional perante o mundo.

Aqui se ventilaram as questões que o passo grave a que a Nação se arriscava podia desencadear na marcha dos seus destinos.

A grande empresa, a mais extraordinária do Portugal moderno, ideou-se, sobretudo, nas duas casas do Parlamento; concretizou-se, depois, nas trincheiras da Flandres, nos campos de África e no mar. A primeira parte pertence, na história, aos legisladores portugueses, que corajosamente, rompendo com preconceitos e trágicas apreensões, levaram o País para a arena onde se estava debatendo o destino dos povos. A segunda parte é devida aos soldados de Portugal, que, nos campos de batalha, cumpriram exactamente, devotadamente, freneticamente os desígnios do Parlamento.

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valor dos nossos soldados e marinheiros, ficámos surpreendidos com tamanho poder de sacrifício e tam intrépido frenesim de vitória.

De então para todo o sempre, ficaram enlaçados, para os julgamentos da Posteridade, os campos de batalha e as bancadas do Parlamento, e de maneira tal que jamais se ergnerá aqui uma voz, para debater algum grande problema nacional, sem se acordar um eco inapagá-vel e severo no campo onde foram as trincheiras, chamando à circunspecção, à serenidade e à ponderação a consciência daquele que agitar com as suas faculdades de legislador os interesses da sua Pátria.

Fizemos, soldados e legisladores, uma obra comum de que podemos nesta hora desvanecer-nos, mas ela importa à nossa consciência tamanha responsabilidade que será. uma hedionda traição esquecê-la ou preveter-lhe o significado.

Mostrámos, aqui, com as nossas resoluções, que a fé dos contratos é, entre os povos, um tributo de honra, como entre os homens. Amigos '& aliados da Inglaterra, correspondemos logo, sem hesitações, ao apelo que ela nos fez. E nós, que, desde o primeiro momento, nos tínhamos oferecido para secundar o seu esforço, alvoroçadamente caminhámos para seu lado, assim que ela, precisando do nosso auxílio, nos dirigiu um convite formal.

Mas não só ÍSHO.

Sabedores dos riscos —e eles eram evidentes— que corria a Civilização do mundo, quisemos compartilhar dos sacrifícios de quem a defendia.

Talada estava a Bélgica, simpático torrão em que florescia a fina flor da lealdade. Invadida estava a França, o alto, maravilhoso expoente do génio latino. Ameaçada estava a Itália, a mãe fecunda, em cujos seios se gerou a mais nobre concepção de arte moderna. A própria Inglaterra, cujo poder e esplêndida força são indispensáveis ao equilíbrio do mundo, embora sendo inexpugnável no seu altivo rochedo, estava-se dessangrando no melhor da sua mocidade valorosa, praticando o esforço inaudito de dar, pelo voluntariado, em poucos meses —vertiginoso exemplo som igual!— alguns milhões de soldados que correram a inscre-

ver-se nos exércitos britânicos, sob a única pressão do seu patriotismo.

Portugal vibrou então, imediatamente, à contemplação de tanto heroísmo e tanta desgraça. Se a civilização houvesse de se salvar, e nunca disso duvidámos, não queríamos que ela se salvasse sem o nosso concurso; se ela houvesse de morrer, não queríamos que morresse sem o seu cadáver ir também tingido do nosso sangue de combatentes.

Fomos sempre 'assim, sentimentais e fraternos. Tivemos sempre o prazer de nos dar aos outros, acamaradando nos riscos e perigos.

Todos os povos sentem a impregnar-lhes a estrutura étnica, a necessidade de viver. E é por isso que eles vivem.

Nós tivemos sempre mais do que isso, porque temos tido inalteràvelmente a ânsia de conviver. E conviver é, como disse o Poeta, acompanhar, colaborar, fra-ternizar, em suma. Foi por isso que fizemos as descobertas. Por essa razão nos lançámos nas conquistas. E o abraço estreito, comovido, estertoroso quási, com que, por terra e por mar, abraçámos o mundo, não significa mais que o anseio de chamar outros povos até nós, trazendo civilizações inferiores ao rútilo, deslumbrante convívio da nossa civilização de povo eleito, de povo chefe.

Sendo assim, toda a gente .compreenderá que nos deixássemos dominar por excitações heróicas nos começos da guerra c a jóven República Portuguesa fosse arrebatada por uma espécie, de misticismo para as lutas do Dever, esperando, inquieta e nervosa, o momento de ser útil à causa comum.

Outras razões mais fortes e menos sentimentais, porém, nos atraíam para a diabólica mas gloriosa fornalha onde se estavam caldeando novos aspectos do Direito e novas formas da Liberdade.

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Diário das Sessões do Congresso

moribunda, uma transfusão salvadora. Era, portanto, indispensável que não houvesse braço que ficasse inerme, nem coração que parecesse aquietado.

Por isso, nas duas casas do Congresso se levantaram tantas vozes, e algumas bem eloquentes, pregando a necessidade de ir para a guerra, e, depois, celebrando, com comovido alvoroço, a nossa definitiva intervenção.

Realizaram, assim, Soldados, Marinheiros, Senadores e Deputados nma grande obra de patriotismo. À todos eu saúdo e e agradeço, eni nome da Nação, certo de que há-de frutificar, em benefício das gerações vindouras, esse acto dominador da história moderna de Portugal e que custou a uns o sofrimento, a outros a amargura, a todos, em suma, o sacrifício.

Mas se a escolha do átrio do Congresso, para exposição dos corpos dos heróis, foi acertada, a deliberação de os levar em definitivo para a Batalha traduz o melhor preito que à sua memória se podia prestar.

O Mosteiro da Batalha é, eonjunta-mentc, uma obra, de poetas, de guerreiros e de crentes. Pelo lugar em que foi erecto, simboliza as glórias duma batalha; mas o encanto, a uni tempo severo e saudoso da paisagem que o envolve, dâ-lhe o ritmo e as entoações de uma estrofe. E nas curvas das suas ogivas, nas arearias dos seus claustros, nas flechas das suas torres há uma doçura idealista e crístã que só a fé em Deus lhe podia dar. Dir-se-ia que a pedra de que o templo é feito, logo, sob o escopro do la-vrante, começou a cantar e t» rezar. A grande nave, mesmo vista na solidão de agora, revela o intuito de quem a imaginou : receber tropas em oração, de espada lassa, agradecendo a Deus a.mercê da vitória, pedindo a Deus a dádiva de vitórias futuras. Mas também se pode observar que há lá motivos aquitectó-nicos tam fortes e cadenciados como alexandrinos de epopeia .e ornatos tam simples, tam harmoniosos e, de tam ideal frescura como os próprios versículos da bíblia.

. A dentro daquelas majestosas e poéticas paredes ninguém se pode sentir mal, porque o templo magnífico satisfaz os

anelos e as aspirações de toda a gente, bastando para isso ser-s_e português.

O crente católico pode ajoelhar e rezar, porque, como casa de Deus, não há mais pura e acarinhadora. Quem tiver outras crenças sentir-se há comovido pelo aspecto imponente das naves, que proclamam grandeza, ou pela solidão enternecida dos claustros, que traduzem recolhimento, lenda, mistério, tudo envolvendo uma tradição que vem de longe, sempre 'a caminhar para nós, atravessando as tempestades de asa fita, como as águias, ou rufiando, ao luar, -as asas mansas, como as pombas. Toda a gente lá pede entrar, toda, a principiar p ela própria Re-pública-Regime, pela, própria República--Estado, que, sem adoptar nenhuma confissão religiosa, mas respeitando todas as religiões não podo deixar de sentir especiais diferencias por aquela que. além de ser a da grande maioria dos portugueses, tem por suprema divindade o mesmo Cristo que, lá na Batalha, como eu já disse um dia. em nome do Governo da República, às portas do próprio templo, não é só o Deus dos católicos, mas também, na História de Portugal, o

•* f o

companheiro de armas do Nun'Alvares.

Se o templo, portanto, é, por si nies-mo, apropriado para receber os Soldados Desconhecidos, ele o ó igulinente pela companhia que lá dentro as circunstâncias lhes destinam.

Heróis vão ao encontro de- heróis. Sombras, espectros de grandeza vão receber no seu seio outras sombras igualmente espectrais e grandes.

Aqueles que foram os modestos serranos de há dias vão tocar ombro com ombro os magníficos capitães de há séculos. Filhos do povo, saídos da lavoura, do niar, das fábricas, das minas, vão dormir ao lado dos reis e dos príncipes.

Costuma dizer-se que á morte dá igualdade. Em parte, sem dúvida. Mas nas campas também há jerarquias, e é uso continuar aos grandes homens, ainda depois da morte, as pompas da vida, como se uma .nova existência, embora ilusória e enganadora, pudesse circular, como seiva animada, nas veias da pedra em que, sobre o túmulo, lhes esculpem as figuras representativas.

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pelo sacrifício, estes vão ser iguais nas homenagens e nas honras. Não porque uns desçam, mas porque outros sobem.

A igualdade dá-se, plena, luminosa como um sete-estrêlo, mas dá-se na apoteose, na glorificação, na santificação, digamos, por todos merecida.

A cada momento se diz que a História se repete. Não é bem verdade. A História

0 que faz é reproduzir-se, mas a reprodução, envolvendo, dentro de leis determinadas, à idea de semelhança, não impõe de forma alguma o pricípio de identidade.

E o que acontece neste caso.

Quem está na Batalha? Os guerreiros que firmaram, fundando-a definitivamente, a nacionalidade, e alguns daqueles que geraram a perturbanle tentação do mar. Estão lá homens que simbolisam a defesa do solo, do torrão fundamental da Pátria. Está lá, afinal, quem, como Non'Alvares, verdadeiramente, nos inscreveu o nome nos registos, do mundo. Antes de D. João

1 nós já existíamos, mas, depois dele, é que começamos a viver e a permanecer, juramos até aí a árvore plantada. Passemos a ser a árvore enraizada,-ensaiando os primeiros arrebatamentos da seiva.

E com eles estão os filhos, ínclitos infantes, um dos quais descobriu, pela visão do seu engenho, as terras maraviho-sas que os nautas depois encontraram com as quilhas dos seus barcos.

EÍSCS homens, esses portugueses representam as primeiras gerações que se lançaram nas empresas sobrenaturais. Eles são o padrão pelo qual se pode ava-valiar da bravura e denodo daJRaça, porque de si ressumam heroísmo, gloria, martírio e dor. Para descobrir e con-.quistar o, em duas palavras — Descobertas e Conquistas f — se resume a epopeia portuguesa antiga, que soma do valor dispendido, que opulento, capital do esforço desbaratado! Sempre heroísmo, é corto ; sempre bravura, sem dúvida; mas nem sempre vitória, nem sempre fortuna.

Ah ! Que o diga a História trágica-ma-rítima, tam cheia de naufrágios e desventuras, ou em guerras com os elementos, quando, no dizer de Camões:

.... os ventos que lutavam, Corno touros idómitos bramando, Mais c mais a tormenta acrescentavam, Pela miúda enxárcia assoviando:

Ou quando, entre gentes inimigas, como na tragédia de Supúlveda, os homens e as mulheres acabavam, supliciados, de terem visto

.morrer com farae os filhos charos.

E depois das próprias pedras

............ abrandarem

com lágrimas do dor, do inágua pura. "

Na Batalha» em resumo, estão homens que de vez fundaram e dilataram a Pátria.

E os que vão entrar ?

Os que lá vão entrar defenderam e conservaram essa mesma Pátria.

Irmãos gémios dos outros, parecem-se com eles sem serem iguais.

Equivalem-se.

Sobretudo são gémeos os Serranos e o Infante Santo.

Porque o infante morto pela Pátria, em reféns para que não se perdesse Ceuta, uma parcela de Portugal, morto em holocausto, de morte resignada e dolorosa, e os serranos, que caíram nas trincheiras e no sertão, realizando o seu sacrifício com melancólico, saudoso, mas impertér-rito heroísmo, são dignos de que a grati* , dão nacional perpetuamente os irmane, como expressão intangível desse princípio, sagrado de que, perante a integridade e a independência da Pátria, nada há que prevaleça além da obrigação de morrer, servindo-a.

i Que a mesma benção os cubra a todos!

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Diário das Sessões do Congressoo

Fui sempre contra o messianismo político, que tantas vezes tem perturbado, ao longo da sua história, a vida do povo português.

Acho que é péssimo confiar dum homem o que deve ser atributo de muitos c exigir duma individualidade, por mais poderosa que seja, a soma do trabalho fecundo e o número de soluções perfeitas que só podem resultar da colaboração de todos.

Educado numa escola política idealista, que aliás reconheço a existência de leis inalteráveis, regulando a vida espiritual dos Povos, como as há que regulam a vida dos astros, cedo me habituei a ter em mínima conta as faculdades sobrenaturais dos grandes condutores de homens, que, mesmo quando tem génio, apenas conseguem preparar maior número de escombros para soterrar a sua própria personalidade .que, sepultada nos destroços da catástrofe,.resta diminuta e, tantas vezes, mesquinha.

Mas estou em vos dizer, Senhores Senadores e Deputados, que daqui para o futuro, por todo o muito ou pouco tempo que ainda possa viver, um messianismo fica abrasando, com as labaredas da fé, a minha alma de crente da religião da Pátria.

E o messianismo do sacrifício, da abnegação e do martírio de todos os que sofreram, na guerra, a paixão dos seus inenarráveis calvários, não olhando ao peso da cruz que carregou os seus ombros e só pensando, mesmo nas horas de maior amargara, quam pequeno era o seu sacrifício em confronto com o amor, ini-comparávelmentc maior, devido à terra da Pátria.

Sim, vou ter um messianismo a guiar, a animar a minha vida.

Louvado ele seja por trazer à minha alma atribulada a semente de novos ideais e o estímulo de novas aspirações. Este rião engana. Elo é desinteressado e ó puro, ressumando lágrimas, transpirando sangue, de si fazendo espremer dor e paixão.

E é, ao mesmo tempo, um messianismo triunfal e sadio, partido da alma da Nação, intrinsecamente, fisiològicamente popular, incutindo fé, dando esperança, messianismo cheio de complecência e de bravura, de heroísmo e de perdão.

E quem o encarna são os dois corpos que lá estão em baixo, sagrados-despojos de dois heróis desconhecidos, quean -nimamente1 pelejaram e morreram, como que escondendo-se da sua grande obra, como que fugindo à sua própria glória.

Perante esses féretros eu me curvo, reverente e comovido, pedindo-lhes que nos dêem a inspiração e o alento para a grande obra que há ainda- a fazer.

Faço-o como Chefe do Estado e suponho que toda a Nação, não excluindo qua-quer credo político ou religioso, me acom-anhará nesta comovida oração «Pro-Pá-tria».

E, se é possível separar o homem da condição tam modesta do magistrado de situação tam alta, talvez o homem não destoe inteiramente na missão de, numa prece fremente, rogar, junto ao corpo dos desconhecidos, pela boa sorte da Nação, visto que ele tem procurado realizar uma obra de união e concórdia, e é união e. concórdia o que esses dois féretros nos recomendam nesta hora em que as suas cinzas, recolhidas no campo da Morte e da Honra, nos impõe o dever indiclinável de servirmos todos, sem excepção,.a Pátria, que de todos é, sem excepção também .

Senhores Congressistas j tenho a honra de os cumprimentar.

Ouvem-se repetidas palmas e aclamações.

O Sr. Presidente da República (exclama) :—Viva a Pátria! Novos aplausos e vivas.

O Sr. Presidente : — Está encerrada a sessão.

Eram 16 horas e l õ minutos.

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