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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
31.ª SESSÃO ORDINÁRIA DO 3.º PERÍODO DA 1.ª LEGISLATURA
1912 - 1913
EM 23 DE JANEIRO DE 1913
Presidente o Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire
Secretários os Exmos. Srs.
Bernardo Pais de Almeida
Manuel José Fernandes Costa
Sumário. - Chamada e abertura da sessão.
Leitura e aprovação da acta.
Expediente.
Ocupa-se do Parque da Pena o Sr. Brandão de Vasconcelos.
Manda para a mesa um projecto dê lei o Sr. Evaristo de Carvalho, e um requerimento o Sr. Rodrigues da Silva.
Trabalhos antes da ordem do dia. - Pareceres N.º 33 e 34 sôbre a desanexação das freguesias do Cadaval e Manteigas para as comarcas de Rio Maior e de Gouveia.
É rejeitada uma questão prévia proposta pelo Sr. João José de Freitas e aprovados os projectos de lei respectivos, depois de os defenderem os Srs. Brandão de Vasconcelos, Anselmo Xavier, Bôto Machado e Machado de Serpa.
O Senado, aprova para a vaga da comissão de legislação, o nome do Sr. Elisio de Castro.
Largamente se ocupa do caminho de ferro de Pocinho à Miranda o Sr. Bernardino Roque, respondendo-lhe o Sr. Ministro do Fomento (António Maria da Silva) que tambêm se ocupa dum assunto versado na sessão passada pelo Sr. Miranda do Vale, usando igualmente da palavra êste senhor Senador.
É dispensada a última redacção dos projectos acima referidos.
Ordem do dia. - Continuação da discussão do parecer N.º 124 (ensino técnico). Falam os Srs. Ladislau Piçarra, Tomás Cabreira e o Sr. Ministro do Fomento, que fica com a palavra reservada.
Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. João José de Freitas ocupa-se dos caminhos de ferro de Trás-os-Montes.
O Sr. Presidente encerra a sessão, depois de designar ordem do dia.
Estiveram na sala os Srs. Ministros dos Negócios Estrangeiros e do Fomento.
Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:
Abílio Baeta das Neves Barreto.
Alfredo José Durão.
Amaro de Azevedo Gomes.
Anselmo Augusto da Costa Xavier.
António Augusto Cerqueira Coimbra.
António Bernardino Roque.
António Brandão de Vasconcelos.
António Ladislau Parreira.
António Ladislau Piçarra.
António Maria da Silva Barreto.
António Xavier Correia Barreto.
Augusto Vera Cruz.
Bernardo Pais de Almeida.
Carlos Richter.
Domingos Tasso de Figueiredo.
Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Francisco Correia de Lemos.
João José de Freitas.
Joaquim José de Sousa Fernandes.
José de Cupertino Ribeiro Júnior.
José Miranda do Vale.
Luís Fortunato da Fonseca.
Manuel Rodrigues da Silva.
Ramiro Guedes.
Tomás António da Guarda Cabreira.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
Adriano Augusto Pimenta.
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Alberto Carlos da Silveira.
Alfredo Botelho de Sousa.
Anselmo Braamcamp Freire.
António Caetano Macieira Júnior.
António Joaquim de Sousa Júnior.
Artur Augusto da Costa.
Cristóvão Moniz.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Faustino da Fonseca.
Inácio Magalhães Basto.
Joaquim Pedro Martins.
José Afonso Pala.
José António Arantes Pedroso Júnior.
José de Castro.
José Estêvão de Vasconcelos.
José Machado de Serpa.
José Maria de Moura Barata Feio Terenas.
José Maria de Pádua.
Leão Magno Azedo.
Manuel Goulart de Medeiros.
Manuel José Fernandes Costa.
Manuel José de Oliveira.
Manuel Martins Cardoso.
Manuel de Sousa da Câmara.
Pedro Amaral Bôto Machado.
Ricardo Pais Gomes.
Tito Augusto Morais.
Srs. Senadores que não compareceram à sessão:
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Antão Fernandes de Carvalho.
António Pires de Carvalho.
António Ribeiro Seixas.
Artur Rovisco Garcia.
José Luís dos Santos Moita.
José Maria Pereira.
José Nunes da Mata.
Luís Maria Rosete.
Sebastião de Magalhães Lima.
Às 14 horas o Sr. Presidente mandou proceder à chamada.
Tendo-se verificado a presença de 26 Srs. Senadores, S. Exa. declarou aberta a sessão.
Lida a acta da sessão anterior, foi aprovada sem reclamação.
Mencionou-se o seguinte
EXPEDIENTE
Oficio
Do Ministério das Colónias, enviando uma relação contendo a indicação das medidas de carácter legislativo que foram promulgadas por aquele Ministério, desde Julho a Dezembro do ano próximo findo, em conformidade com o disposto no artigo 87.° da Constituição.
Para a comissão de colónias.
Pareceres
Das comissões de colónias, guerra e marinha reunidas sôbre a proposta de lei N.° 40-A, que autoriza o Govêrno a conceder licenças para ocupação de terrenos na zona marginal marítima na Ilha de S. Vicente de Cabo Verde.
Foi mandado imprimir com urgência.
Requerimento
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja remetida, com urgência, informação sôbre se já houve encorporação definitiva na Fazenda Nacional, dos bens mobiliários ou imobiliários arrolados, das casas ocupadas pelos jesuítas expulsos e pelas mais congregações ou associações religiosas extintas; e, na hipótese afirmativa, acta dos bens encorporados e do valor em que cada um dêles foi encorporado ou produziu.
Requeiro tambêm, e com urgência, pelo mesmo Ministério, cópia de toda a correspondência enviada pelo Ministério das Finanças ao da Justiça e da que recebeu dêste, acêrca da encorporação dos bens arrolados, acima referidos. = João de Freitas.
Mandou-se expedir.
O Sr. Brandão de Vasconcelos: - Sr. Presidente: há dias, quando o Sr. José de Castro e a eu nos referimos aqui ao Parque da Pena, a propósito da pretendida alienação dêsse próprio nacional, o Sr. Ministro do Fomento afirmou, em resposta, que a conservação dêsse parque custava 14:000$00 réis.
Há aqui uma inexactidão facilmente explicável, o que vou fazer.
Realmente, no tempo da monarquia aquela conservação nunca era de, pelo menos, 20:000$000 réis, entre verba própria e subsídios pelas Obras Públicas; mas agora baixou muito.
Assim é que, em 1911-1912, a verba gasta em jornais e materiais foi de réis 5:200$000, sendo a verba do pessoal adido ao quadro de 2:500$000 réis. Total 7:700$000 réis.
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Em 1912-1913, a verba para jornais e materiais foi de 7:400$000 réis, sendo a verba para pessoal adido de 3:200$000 réis, num total de 10:600$000 réis.
Em 1913-1914, a verba projectada para jornais e materiais é de 5:400$000 réis.
Não pode desde já fixar-se a despesa com os adidos, visto muitos passarem ao quadro, o que diminuiu a verba respectiva neste ano.
É necessário notar que, com o pessoal inválido, compreendido nos adidos, se gasta anualmente cerra de 1:800$000 réis, e, tendo havido vinte vagas de empregados, a administração não julgou necessário preenchêl-as. Emfim, regularizados os serviços, não passarão todas as despesas de 5:000$000 réis.
Por tal preço vale bem o Est do conservar a pérola que é o parque da Pena, tanto mais que esta verba, saída do orçamento dos serviços florestais, não irá sobrecarregar o Orçamento Geral.
Despesa tambêm se faz com o Gerez e o Bussaco e ninguêm se lembra por isso de cedê-los a particulares.
Com as verbas descritas que, mesmo no orçamento dêste ano, o mais carregado, foram metade das do tempo da monarquia, fez-se a modificação da estrada exterior que estava intransitável, repararam se todos os caminhos, concertaram-se todos os edifícios, repararam se as estufas, algumas das quais havia 18 anos não tinham concerto, plantaram-se 3:000 árvores, semearam-se 30 hectares de pinhal e, finalmente, fez-se viveiro para 2:000 árvores anuais, sendo êstes três últimos importantes melhoramentos que sobrecarregaram a despesa do ano actual em cêrca de 2:000$000 réis.
Era necessário fazer esta rectificação, dar êstes esclarecimentos para que o público e a comissão de finanças, se algum dia tiver de pronunciar-se sôbre o assunto, saibam como se administra no Parque da Pena, nos serviços florestais, fazendo a devida justiça aos funcionários respectivos.
Pena é que nem todos os funcionários do Estado pensem como os dos serviços florestais. Isto só se pode conseguir, dando maiores poderes aos empregados, mas, ao mesmo tempo, exigindo dêles as respectivas responsabilidades.
É preciso, igualmente, pagar convenientemente a quem trabalha.
Havia no Parque da Pena um empregado, sob cuja direcção estavam todos êstes serviços, que ganhava menos de 30$000 réis por mês, líquidos.
É impossível fazer bom serviço por tal preço.
Era necessário fazer esta rectificação, para se saber que o Parque da Pena não pesa tanto como se supunha nas despesas do Estado.
Havendo ainda a notar que estas despesas serão agora, em grande parte, compensadas pelo produto das entradas dos visitantes.
Além disso, como disse, todas estas despesas são pela verba dos serviços florestais, que são serviços autónomos, não vem sobrecarregar o Orçamento Geral do Estado.
Tenho dito.
O Sr. Evaristo de Carvalho: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei.
Pelo artigo 18.° do decreto a que me refiro, só podiam concorrer aos lugares de praticantes de finanças os indivíduos que tivessem os três anos de liceu.
Se foi justo o que se praticou em virtude dêsse decreto do Govêrno Provisório, tambêm é justo o que se pretende agora.
Mando, pois, para a mesa o meu projecto de lei, que tende a reformar, como disse, as condições de admissão aos concursos para os serviços de finanças.
O Sr. Presidente: - Êste projecto fica sôbre a mesa para segunda leitura.
O Sr. Manuel Rodrigues da Silva: - Mando para a mesa um requerimento, que é do teor seguinte:
Leu.
Trabalhos antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vão entrar em discussão os pareceres que estão dados para antes da ordem do dia.
Vai ler-se, para entrar em discussão, o parecer N.° 33.
Foi lido e é do teor seguinte:
Parecer N.º 33
Senhores Senadores. - Devendo, na distribuição da justiça, atender-se principalmente à comodidade dos povos, a vossa
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comissão de legislação é de parecer que a proposta de lei N.° 248-E merece ser aprovada, pois que as freguesias de Aljúber e Figueiros, do concelho do Cadaval, que pertencem à comarca de Tôrres Vedras distam aproximadamente 40 quilómetros da sede da comarca.
O incómodo que resulta para aqueles povos, que tem de percorrer tam grande distancia, muitas vezes por motivos de somenos importância e outras vezes a impossibilidade de comparecer, pela falta de caminhos transitáveis, é evidente.
Assim, pois, é de justiça que as referidas freguesias sejam anexadas á comarca de Pão Maior, donde distam 8 a 10 quilómetros, pouco mais ou menos.
Sala das sessões da comissão, em 14 de Janeiro de 1913. = Anselmo Xavier - José Machado da Serpa = António A. Cerqueira Coimbra.
Proposta de lei N.° 248-E
Artigo 1.° São desanexadas da comarca de Torres Vedras as freguesias de Aljúber e Figueiros do concelho do Cadaval e anexadas à comarca de Rio Maior.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Palácio do Congresso, em 10 de Julho de 1912. = António Aresta Branco, Presidente = Baltasar de Almeida Teixeira, 1.° Secretário = Francisco José Pereira, 2.° Secretário.
O Sr. João José de Freitas: - Requeiro que entrem em discussão, conjuntamente, os pareceres N.ºs 33 e 34. atendendo à analogia dos assuntos.
Pôsto à votação o requerimento, o Senado anuiu.
É lido e pôsto em discussão o parecer N.° 34, que é o seguinte:
Parecer N.° 34
Senhores Senadores. - Devendo, na distribuição da justiça, atender-se principalmente à comodidade dos povos, a vossa comissão de legislação é de parecer que a proposta de lei N° 235-I merece ser aprovada, pois que as freguesias do concelho de Manteigas, que pertencem à comarca da Guarda, distam, algumas delas, aproximadamente 50 quilómetros da sede da comarca.
O incómodo que resulta para aqueles povos, que tem de gastar dois dias para ir à sede da comarca, muitas vezes por motivos de somenos importância, e outras vezes a impossibilidade de comparecer, pela falta de caminhos transitáveis, é evidente.
Assim, pois, é de justiça que as referidas freguesias sejam anexadas â comarca de Gouveia, donde distam 12 quilómetros, pouco mais ou menos.
Sala das sessões da comissão, em 14 de Janeiro de 1912. = Anselmo Xavier = José Machado de Serpa = António A. Cerqueira Coimbra.
Proposta de lei N.° 235-I
Artigo 1.° As freguesias do concelho de Manteigas ficam pertencendo à comarca de Gouveia.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Palácio do Congresso, em 8 de Julho de 1912. = António Aresta Branco, presidente = Baltasar de Almeida Teixeira, 1.-secretário = Francisco José Pereira, 2.° secretário.
Parecer N.° 372
Senhores Deputados. - A vossa comissão de legislação civil e comercial dá a sua aprovação ao projecto N.° 224-D, sôbre a anexação da comarca de Gouveia do concelho de Manteigas. A comissão fundamenta êste seu parecer na comodidade dos povos, donde resulta a boa administração da justiça. Apesar dêste projecto ter sido apresentado em 14 de Maio, nenhuma reclamação contra êle foi apresentada, o que é sinal evidente de que o projecto tem por si a justiça.
Sala das sessões da comissão de legislação civil e comercial, em 6 de Julho de 1912. = Luís de Mesquita Carvalho = Barbosa de Magalhães = Emídio Mendes = Germano Martins, relator.
N.° 224-D
Senhores Deputados. - Por decreto ditatorial de 12 de Junho de 1895 alterou-se, em parte, a divisão judiciária, sem que para essa disposição o Govêrno se inspirasse no bem público, nem na benéfica influência que deve haver para a boa administração da justiça e para a comodidade dos povos.
Uma dessas alterações consistiu em passar as freguesias do concelho de Mantei-
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gás, então pertencentes à comarca de Gouveia, para a comarca da Guarda, o que representou para êstes povos de Manteigas uma privação das regalias que estavam gozando e a que tinham todo o direito.
Quando Manteigas pertencia à comarca de Gouveia, os seus povos saíam pela manhã dos seus domicílios e à noite regressavam a suas casas com a justiça administrada.
Com a alteração proveniente da referida medida ditatorial, os povos do concelho de Manteigas saem pela manhã de suas casas para se dirigirem à actual sede da comarca, não chegando já a tempo de nesse dia aproveitarem dos benefícios da justiça; dêste modo ficam ali retidos o resto dêsse dia e o seguinte, para só no terceiro dia poderem regressar ás suas terras, onde chegam quási à noite.
Isto constitui um agravo para os referidos povos, que só poderá ser remediado fazendo regressar essas freguesias de Manteigas à comarca de Gouveia, à qual, aliás, sempre tinham pertencido, e, nestas condições, tenho a honra de apresentar à vossa apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° As freguesias do concelho de Manteigas ficam pertencendo à comarca de Gouveia.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Lisboa, em 14 de Maio de 1912. = José Bernardo Lopes da Silva.
O Sr. João José de Freitas: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar uma questão prévia.
A minha questão prévia resume-se a propor o adiamento da discussão dos pareceres N.ºs 33 e 34.
Vou justificar a minha questão prévia.
Tanto o parecer N.° 33, como o parecer N.° 34, destinam se a alterar a área territorial das comarcas judiciais.
O parecer N.° 33 tem por fim desanexar da comarca de Torres Vedras as freguesias de Aljúber e Figueiros, do concelho do Cadaval, e anexá-las à comarca de Rio Maior.
Trata-se da alteração da área territorial de quatro comarcas.
Ora, Sr. Presidente, devo antes de tudo acentuar que no parecer N.° 33 se não trata duma anexação total, mas parcial.
No parecer N.° 34 a desanexação é completa; as freguesias do concelho de Manteigas passam todas para a comarca de Gouveia.
Chamo a atenção do Senado para esta anomalia que já existia, e que se vai agravar; as freguesias que constituem um concelho pertencerem umas a uma comarca e outras a outra.
É uma anomalia que se vê ainda em relação a algumas comarcas e que todas as razões aconselham a que se faça desaparecer, mas que de forma alguma convêm agravar, como se vai fazer por esta proposta de lei.
Estas considerações não visam a combater esta proposta de lei: visam apenas a um adiamento que é perfeitamente justificado, pelo que vou dizer.
A Constituição da República, no artigo 85.° impõe ao primeiro Congresso da República a obrigação de elaborar taxativamente várias leis, entre elas a da organização judiciária.
Para isso já há um projecto do Sr. Deputado Mesquita de Carvalho, que foi destribuído por todos os membros de ambas as Câmaras.
Ora, sendo a reforma da organização judiciária uma reforma que a República tem de fazer, e de absoluta necessidade, então será o momento de se proceder à alteração da circunscrição judiciária existente.
Não estejamos a fazer fragmentáriamente alterações, porque nós não sabemos quais as bases definitivas em que assentará de futuro a organização judiciária; e se esta alteração se adaptará ou não às diversas circunscrições judiciárias.
Nestas condições entendo que tem todo o cabimento a minha questão prévia, questão que levantei agora e que já levantei há algumas sessões, quando se discutiu a proposta apresentada pelo Sr. Cupertino Ribeiro a propósito da criação do concelho do Bombarral.
Tenho a mesma opinião acêrca dêste projecto.
Não façamos obra parcial.
Nestas condições mando para a mesa a questão prévia que é a seguinte:
Questão prévia
Proponho, como questão prévia, o adiamento da discussão dos pareceres N.ºs 33-
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e 34, sôbre as propostas de lei N.ºs 248-E e 235-1 tendentes a alterar a área dalgumas comarcas judiciais, para quando se discutir a lei da organização judiciária que êste primeiro Congresso da República tem de elaborar, em obediência ao preceito do artigo 85.°, alínea d) da Constituição Política. = Os Senadores, João de Freitas = Ladislau Piçarra = Feio Terenas = Alfredo José Durão = António Bernardino Roque.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se a questão prévia do Sr. João de Freitas. Lida, foi admitida.
O Sr. Presidente: - Fica em discussão juntamente com o projecto.
O Sr. Brandão de Vasconcelos: - Quando o Sr. João de Freitas impugnou a proposta sôbre o concelho do Bombarral, houve uma proposta minha para que ficasse para discussão quando se tratasse do Código Administrativo.
Então tambêm disse que, se estivesse para muito longe a discussão e votação dêsse Código, se fizesse a modificação referida na divisão administrativa sendo justa.
Êste argumento, porem, não se aplicaria bem ao caso presente.
O Sr. João de Freitas disse que, realmente, já na Câmara dos Deputados, foi apresentado um projecto de reforma judiciária. A verdade, porêm, é que não se sabe quando será discutido e se não levará anos ainda a alteração da circunscrição comarca, que se lhe deverá seguir.
Já com o Código Administrativo se levou ali muito tempo e não sei quando virá êsse projecto, havendo entretanto casos urgentes, a que é preciso atender.
Eu não tenho interesse de nenhuma espécie nestes dois casos de Torres Vedras e Gouveia, mas conheço outros pontos do país onde é preciso modificar a divisão comarca.
Conheço até um caso em que os habitantes dum concelho, para irem à sede da comarca a que pertencem, passam pela sede doutra comarca, visto não terem outro caminho.
É preciso modificar êste estado de cousas.
O Sr. João de Freitas disse que não compreendia que passassem umas freguesias dum concelho para uma comarca e as restantes freguesias pertencessem a outra.
Eu conheço outro caso, em que há uma freguesia, que está separada por um rio da sede da comarca e cujos habitante, no inverno, não havendo ponte por onde possam passar tem de dar uma volta de muitas léguas para ir à sede da comarca!
O Sr. Dr. João de Freitas disse que desde já nos podíamos responsabilizar para dentro em pouco ser discutida uma lei geral.
Assim estava muito bem; mas, não podendo ninguêm tomar tal responsabilidade, todas as probabilidades sendo em sentido contrário por virtude dos múltiplos diplomas urgentes que é necessário discutir, e por isso entendo que podemos atender a algumas modificações de mais urgência.
Tenho dito.
O Sr. Anselmo Xavier (por parte da comissão): - Sr. Presidente, não posso concordar com a proposta de adiamento apresentada pelo Sr. João de Freitas, porque nós não estamos aqui para atender aos interesses dos funcionários judiciais de qualquer comarca, temos em vista, unicamente, os interesses dos povos. Ora os interesses dos povos dizem que êstes não podem estar a fazer parte duma comarca, tendo às vezes de percorrer 40 e 50 quilómetros para irem exercer as funções de jurado, por exemplo.
O Sr. Dr. João de Freitas afirma que, tendo de fazer-se a reforma judicial, todas as alterações que se votarem antes dessa reforma são inconvenientes, mas não sabemos ainda quando ela se fará; pode ser feita êste ano, no ano que vem ou mais tarde ainda, continuando os povos a estar incomodados, quando podem livrar-se dêsse ir cómodo, sem que isso prejudique a futura divisão comarca.
O argumento de que freguesias do mesmo concelho ficam assim pertencendo a comarcas diversas, tambêm não colhe.
Êste facto já hoje se dá e citarei, entre outras, a comarca de Cintra.
Portanto entendo que nós podemos desde já aliviar os povos, das freguesias de que nos estamos ocupando do sacrifício a que tem estado sujeitos.
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Pelo que respeita às duas freguesias de Aljúber e Figueiros, dá-se até o caso curioso dos próprios oficiais de diligências muitas vezes não irem lá fazer serviço, por causa dos caminhos serem quasi intransitáveis, o que é de gravíssimo transtorno para a aplicação da justiça.
Termino, portanto, repetindo mais uma uma vez que não concordo com a proposta de adiamento apresentada pejo Sr. João de Freitas, à qual o Senado não deverá dar o seu voto.
O Sr. Bôto Machado: - Sr. Presidente: vou apenas referir-me ao projecto N.° 34.
O concelho de Manteigas pertenceu sempre, desde tempos remotos, à comarca de Gouveia.
Em 1896, por um acto de fôrça, e creio tambêm que por uma questão de limitação de baldios, foi o concelho de Manteigas passado para a Guarda.
A distância que vai de Manteigas à Guarda é de 45 quilómetros, emquanto que Gouveia dista o máximo 15 quilómetros.
Era Ministro da Justiça o Sr. António Macieira, quando os povos de Manteigas reclamaram ao Sr. Ministro, que Manteigas fôsse novamente integrada no concelho de Gouveia.
Essa representação veio assinada por todas as pessoas que em Manteigas sabiam escrever.
Passado tempo, nova reunião houve naquela vila para tratar o assunto e por unanimidade pediram novamente ao Ministro que o concelho de Manteigas passasse para Gouveia.
Isto não é uma alteração, é reporás cousas no pé em que sempre estiveram e que só por um acto de fôrça em 1896 foram tiradas.
Nestas condições, parece-me, de toda a forma justa a petição daquelas povos, tanto mais que precisam de três dias para irem à Guarda para responder a umas simples preguntas no tribunal.
Se êsse serviço fôsse feito em Gouveia, iam e voltavam no mesmo dia.
Parece-me que o Senado, em vista destas razões, faria bem em aprovar êste projecto, sendo certo que nem a Guarda, donde o concelho sai, reclama contra essa saída.
O Sr. João de Freitas: - Sr. Presidente: nas considerações que fiz há pouco, não disse se havia ou não razão na petição; o que disse foi que não era ocasião1 para se fazer.
Quando se discutir a lei da reorganização judiciária, então é que é o momento oportuno.
Com a criação dos juízes municipais, o que pode resultar é que uma das freguesias fique pertencendo á jurisdição dum determinado juiz, e a outra à jurisdição doutro juiz completamente diferente, e duma comarca tambêm diferente.
Ora é preciso que acabe esta anomalia e que a área de cada concelho fique pertencendo, na sua totalidade, à jurisdição da mesma autoridade judicial.
S. Exa. referiu-se às comodidades dos povos, e fez ver a enorme distância que êles tem de percorrer, quando necessitam de ir à cabeça da comarca.
Mas, Sr. Presidente, há bestantes anos que estas freguesias estão anexas à comarca de Torres Vedras, e se assim é, ¿porque não poderá esperar-se mais dois anos, o máximo, visto que a Constituição determina que até 1915 esteja feita a organização judiciária?
¿Pois não diz claramente o artigo 85.° da Constituição que o primeiro Congresso da República tem de elaborar, entre outras, a lei da organização judiciária?
¿Não será esta disposição bem clara e bem categórica?
Essa ocasião é decerto a mais própria, para se saber a que critério deve obedecer a área das circunscrições judiciarias.
Então se poderá fazer a desanexação das freguesias, a que êste parecer se refere.
Então sim, que nós poderemos proceder a essa desanexação que se pede, visto que se tratará duma lei de carácter geral, e não agora, fragmentáriamente, dispersamente e extravagantemente.
Quanto ao parecer N.° 34 êste refere-se á desanexação de todas as freguesias do concelho.
Quere dizer, pede-se apenas a reintegração duma situação anterior.
Ainda assim, êste parecer sugere-me as mesmas considerações que eu apresentei com relação ás freguesias que se pretendem anexar à comarca do Rio Maior.
¿Pois não podemos esperar dois anos, e não mais, pela organização judiciária?
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O Sr. Brandão de Vasconcelos: - ¿V. Exa. pode garantir que essa lei esteja elaborada daqui a dois anos?
O Orador: - Eu não posso garantir que o tecto desta casa não desabe sôbre nós, mas, desde que a Constituição preceitua que o primeiro Congresso da República tem de elaborar, entre outras, a lei da organização judiciária, eu enteado que êstes dois pareceres devem por agora ser postos de parte, e aqui tem a Câmara justificada a minha questão prévia.
O orador não reviu.
O Sr. Machado de Serpa: - Sr. Presidente e Srs. Senadores: o Sr. João José de Freitas apresentou uma questão prévia que se resume a adiar, por tempo indeterminado, a discussão dos pareceres que foram postos em ordem do dia.
Ouvi S. Exa. com toda a atenção; mas os argumentos que S. Exa. apresentou para justificar a sua questão prévia não me convenceram.
Todos os argumentos, ou antes, todas as considerações apresentadas pelo Sr. João José de Freitas, todas as divagações se resumiram nisto: em dizer que a Constituição torna obrigatória a votação duma lei de reforma judiciária, e mais nada. Pois porque um dia se há-de votar a reforma judiciária, é só então que se tratará dêste assunto?
Pode votar-se a reforma judiciária e não se votar a circunscrição judiciária. Assim o argumento fica sem valor.
A reforma judiciária pode nada ter com êste projecto.
O Sr. João de Freitas: - E pode ter tudo!
O Orador: - Pode ter tudo e pode não ter nada.
O Sr. João de Freitas: - Não pode deixar de envolver a circunscrição judiciária.
O Orador: - Eu não contesto isso. A circunscrição judiciária é a consequência lógica da reforma judiciária.
Mas a reforma judiciária pode ser votada e não se fazer logo a circunscrição judiciária, ou fazer-se mais tarde. Isto não é razão para se deixar de votar um projecto como êste V. Exa. concorda que êle é justo e diz que se aguarde mais dois anos.
Estamos a reconhecer a justiça do projecto e vamos adiar a discussão dele.
Para mim há um argumento que me basta para votar êste projecto. Por um lado são os próprios povos a pedir a desanexação, por outro lado são os outros povos que não reclamam. Logo é lógico que não se deve ser mais papista que o papa.
Não havendo quem mais pedisse a palavra, é posta à votação a proposta de aditamento apresentada pelo Sr. João de Freitas, sendo rejeitada.
Em seguida foram aprovados, sem discussão, os pareceres N.ºs 33 e 34.
Foi mandada para a mesa a seguinte
Declaração de voto
Declaro que votei contra os pareceres N.ºs 33 e 34, sôbre as propostas de lei
N.ºs 243-E e 235-1, e tendentes a alterar a área dalgumas comarcas do país. = O
Senador, João de Freitas.
O Sr. Anselmo Xavier: - Pedi a palavra em nome da comissão de legislação, para a vaga do Sr. Alves da Cunha ser preenchida pelo nosso colega Elísio de Castro.
Consultada a Câmara sôbre esta proposta, foi ela aprovada.
O Sr. Bernardino Roque: - Sr. Presidente: pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro do Fomento, visto que desejo versar um assunto que diz respeito à sua pasta.
Antes de passar adiante, eu quero cumprimentar S. Exa., que eu sei dotado de elevada inteligência, de grandes faculdades de trabalho, e a quem não falta até a especialização necessária para nos garantir que a sua passagem pelo Ministério do Fomento não será apenas um episódio político.
Entro no assunto a que desejo referir-me.
Sr. Presidente: tenho ouvido dizer várias vezes, e em diversos tons, tanto nesta como na outra casa do Parlamento, que é de absoluta necessidade equilibrar o Orçamento.
Efectivamente uma nação, que se queira
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ter na conta de bem administrada, deve tentar por todos os meios equilibrar os seus orçamentos. Ainda mais. Deve apresentar o seu orçamento com superavit, e não com déficit.
Mas, Sr. Presidente, o equilíbrio do Orçamento não quere dizer que se não realizem despesas. Cortem-se as despesas inúteis, mas façam-se as despesas necessárias.
Há muitas despesas que são totalmente indispensáveis, como as que se destinam a medidas de fomento; e entre essas medidas incluirei a construção de caminhos de ferro, que vão valorizar os terrenos que atravessam.
São as chamadas despesas reprodutivas.
Trata-se, como o Senado vê, do problema ferro-viário.
Sr. Presidente: segundo o meu modo de ver, não deve iniciar-se a construção de novas linhas férreas sem se concluírem as que estão começadas.
De duas, uma. Ou se reconhece que as linhas, cuja construção está encetada beneficiam o país, e neste caso devem completar-se, ou se averigua que dessa construção nenhuma vantagem advirá, e então ponham-se de parte duma vez para sempre.
Não se percebe a construção parcelar, a intervalos, com paragem das obras, iniciando-se outras.
Vou, Sr. Presidente, referir-me ao caminho de ferro do Pocinho a Miranda.
Esta linha já devia estar construída, não só porque há muito tempo se iniciou a sua construção, como tambêm porque vai valorizar uma parte importante do país, como vou provar.
A construção dêste caminho de ferro iniciou-se há muitos anos, e há apenas 32 quilómetros construídos, desde o Pocinho a Carviçais.
Quando se tratou do estudo desta linha férrea, discutiu-se a conveniência dela ser de via reduzida ou de via larga, e chegou-se à conclusão que devia ser de via estreita.
Eu não sou engenheiro, não sou da especialidade, mas conhecendo a região que essa linha férrea tem que atravessar, julgo-me autorizado a dizer que sé praticou um êrro no seu traçado.
Esta linha devia ser de via larga, e não devia estreita, visto que podia e devia ser linha internacional.
O caminho de ferro do Pocinho-Miranda-Zamora-Valladolid pode dizer-se que é a corda dum arco, que a linha de Salamanca - de Barca de Alva a Valladolid - descreve já.
Fazendo-se, pois, dela, uma linha internacional, poupava-se muito tempo e o tempo é dinheiro, para quem fôsse para a Franca e N. de Espanha, e poupava-se o dinheiro que se gastou e gastará na linha, de Salamanca.
Vou, Sr. Presidente, dizer a V. Exa. a razão por que o caminho de ferro do Pocinho deve continuar já na sua construção e indicar donde deve sair o dinheiro para isso.
Êste caminho de ferro é rico no sem princípio, é rico no seu percurso e é rico no seu terminus.
Logo depois do Pocinho estão os enormes jazigos de hematite do Roboredo com 10 quilómetros de comprimento.
Hoje, que vão exgotados os jazigos de ferro europeus, aqueles depósitos constituem uma reserva preciosa.
Essas reservas não representam a nossa previdência, mas a nossa incúria, o nosso desleixo; não deixam, entretanto, de representar uma riqueza ali acumulada.
Depois, êsse caminho de ferro, atravessando de S. a N. o distrito de Bragança, vai terminar perto de Miranda, depois dum percurso de 109 quilómetros.
Vou dizer o que é essa região.
Essa região é muito rica em produtos agrícolas.
É o primeiro distrito na produção de castanha. Parece que é pouco importante a castanha, mas não, pelo contrário é um produto rico. A arroba da castanha regula, entre seis e nove tostões e mais, como êste ano.
Pois bem, Sr. Presidente, relativamente a castanheiros, esta província tem plantados nada menos de 38:236 hectares, isto é, quási outro tanto como o resto do país, que tem plantados 40:749 hectares. - Só o distrito de Bragança figura com 25:677 hectares.
É, portanto, uma região abundante eus castanha.
O mesmo se pode dizer com relação à produção do trigo e do centeio. Com relação ao centeio é o segundo distrito na pro-
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dução, porque o primeiro vem a ser o da Guarda.
O distrito de Bragança produz 739:666 hectolitros e o da Guarda 747:300, produzindo os dois distritos mais centeio do que o resto do país, que apenas produz 1.282:133 hectolitros.
Alem disso é o segundo distrito nas culturas arvenses e hortícolas, o quarto na cultura da oliveira, amendoeira e outras árvores frutíferas, e o sétimo na produção de trigo. Em gado é tambêm muito rico, sendo o segundo em gado ovino.
Aqui tem V. Exa. a região que será atravessada por êste caminho de ferro.
Vamos agora ao terminus dêste caminho de ferro.
Existem lá, junto do Vimioso, os célebres depósitos de alabastro e mármores, que são os primeiros do mundo.
Há mesmo quem diga que êstes mármores são melhores que os de Carrara, pois são mais translúcidos.
Os alabastros são translúcidos, de côr amarela em vários tons, havendo alguns zonados por listas concêntricas das mesmas cores, de lindo aspecto.
São vastos êstes jazigos.
Nery Delgado deu lhes 6 quilómetros de comprimento, não lhes conhecendo a largura e profundidade.
Existem em quatro montes e principalmente nas suas grutas.
As grutas cavadas nesses montes constituem verdadeiras riquezas; estão cheias de formações estalagmíticas que constituem o alabastro calcáreo, e o mármore própriamente dito.
Como V. Exa. sabe o valor dêsse produto é importante.
Basta dizer que nos depósitos de Falcavaiana Itália, se vende o metro cúbico, na pedreira, entre 240$000 e 480$000 réis, isto quando os blocos são pequenos, porque quando são grandes, sobem de preço. Por aqui pode V. Exa. calcular o valor dêstes depósitos que, segundo a opinião de pessoa autorizada, são inexgotáveis, e que podem facilmente ser explorados por êste caminho de ferro.
Por consequência êste caminho de ferro é de toda a necessidade que se faça, porque representa uma riqueza para o nosso país.
É um caminho de ferro, que nunca dará prejuízo, o que se pode ver pelo rendimento da parte em exploração.
Eu tenho presente uma nota oficial do rendimento dêste caminho de ferro, relativa aos três e meio primeiros meses, nos seus 32 quilómetros construídos.
Êsse rendimento foi de 2:195$520 réis, o que corresponde a um rendimento anual de 6:637$232 réis, ou seja um juro de 3,0 por cento, visto terem custado os 32 quilómetros construídos 214:890$000 réis.
Isto num serviço mal montado, hesitante como são todos os serviços que começam, e servindo a linha construída apenas o concelho de Moncorvo.
O Sr. Presidente: - Como já deu a hora de se passar à ordem do dia, peço licença a V. Exa. para consultar o Senado, sôbre se me autoriza a que V. Exa. continue no uso da palavra.
Consultado o Senado, resolveu afirmativamense.
O Orador: - Agradeço ao Senado a sua gentileza, mas não abusarei por muito tempo da sua atenção.
Está calculado oficialmente em 500$000 réis o rendimento quilométrico dêste caminho de ferro.
Ora sendo 109 o total dos quilómetros da linha, multiplicado por 500$000 réis, dá o rendimento anual de 54:500$000 réis, ou seja um juro de 4,7 por cento do capital ali empregado, - 223:821$OOO réis, na parte do Pocinho e 934:890$000 réis, no resto da linha.
Não se dirá pois que o dinheiro seja mal empregado, visto que êle representa uma semente lançada em terra fecunda, que não deixará mal o lavrador.
Agora, pôsto isto, eu pregunto ¿donde há-de sair o dinheiro para a construção desta caminho de ferro, pelo menos para a sua construção, donde ha-de vir êsse dinheiro?
Eu vou indicar o meu modo de ver ao Senado, e êle julgará se tenho ou não razão.
Eu não sei qual é hoje p rendimento do tráfego dos caminhos de ferro do Estado, mas em 1910-1911 foi de 3:370 contos de réis, números redondos.
Houve mais outros rendimentos parciais que elevaram o rendimento total a 3:511 contos de réis.
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Os encargos e mais as despesas de exploração atingiram a verba de 2:666 contos de réis, que abatidos deram um saldo real de 845 contos de réis.
Daí o Estado cobrou 750 contos de réis, ficando o saldo disponível de 95 contos de réis.
Ora como está calculado um aumento anual de 50 contos de réis, deve êsse saldo disponível elevar-se êste ano a 195 contos de réis.
Pois bem, aí tem o Govêrno um meio:
É contrair um empréstimo, servindo êsses 750 contos de réis para os encargos do empréstimo, ou com o saldo disponível garantir o juro de quem queira construir.
Sr. Presidente: é preciso que se diga tambêm que é de toda a vantagem para a população daquele distrito a construção dêsse caminho de ferro.
Com a sua construção vai obstar-se, diminuir-se a emigração, que vai sendo assustadora, pois neste distrito emigram dez mil almas por ano.
Sr. Presidente: a província de Trás-os-Montes está abandonada, hoje está fugindo tudo para o Brasil e Argentina.
A uma região rica como esta, é um crime não lhe acudir.
As terras estão incultas, abandonadas; e as casas fechadas.
Tudo emigra, homens e mulheres, grandes e pequenos, com a miragem do ouro do Brasil.
Não há estradas, Sr. Presidente, são caminhos primitivos. Não dou novidade ao Sr. Ministro do Fomento, porque sei que S. Exa. já palmilhou aqueles sítios, que só causam saudades a quem de lá é, tam agrestes êles são.
Falando assim, Sr. Presidente, exponho uma verdade; não falo como Deputado da região, apresento factos verdadeiros; não pugno pró domo mea.
¿Não se poderá continuar com êste caminho de ferro? Porque? O troço a seguir a Carviçais já está estudado e calculado o seu curso quilométrico; é menor do que a média geral, visto que, não tendo obras de arte, quási que apenas se limita a assentar os rails.
¿Porque, Sr. Ministro, se hão-de começar novas linhas de rendimento problemático e deixar paradas as obras doutras, como esta, que tem rendimento certo e vão beneficiar povos a que é preciso, é urgente acudir?
Aquela província foi a grande abandonada da monarquia, só se lembrando dela com promessas par ocasião das eleições; não queira a República seguir o mesmo caminho e faça justiça a quem a merece.
A monarquia prometia estradas, mas faltava sempre, e, como ultimamente o povo já não acreditasse nos seus caudilhos, exigiu. Fizeram então 2 quilómetros de estrada, não empedrada, sabe onde, Sr. Presidente? entre duas aldeias, Fornos e Lagoaça, mas distante 20 quilómetros do primeiro lance construído e não continuado. Atirou-se assim, perduláriamente, com alguns centos de 1:000 réis, só para mostrar que se cumpria o prometido.
Veja V. Exa. ao que tinha chegado um regime, que tinha que recorrer àqueles meios para conseguir os seus intentos, pouco limpos.
Prometi não abusar da concessão da Câmara ao fazer estas considerações, e peço ao Sr. Ministro que tome em consideração isto que acabei de dizer, que representa a expressão da verdade, tanto mais que me servi de dados oficiais que me foram fornecidos pelo Ministério do Fomento.
Tenho dito.
O Sr. Ministro do Fomento (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: cumpre-lhe responder ás considerações do Sr. Bernardino Roque, começando por agradecer as suas palavras ultra-amáveis, o que prova a muita amizade que S. Exa. sempre lhe tem dispensado.
O assunto, a que S. Exa. se referiu, é extraordinariamente importante; êle fez parte da declaração ministerial, quando o Gabinete se apresentou; portanto, já se vê que o Govêrno há-de empregar todos os seus esforços para que êle se resolva, porque o reputa uma parte muito importante para a economia do país.
Na Câmara dos Deputados foi já discutido um projecto, que está pendente da discussão desta Câmara, que êle, orador, espera que será discutido sem demora.
O Sr. Alfredo Durão: - Desejo informar a V. Exa. que êste projecto já teve o parecer da comissão de engenharia.
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O Orador: - É absolutamente necessário, absolutamente indispensável que se resolva não só o caso a que o Sr. Bernardino Roque se referiu, de linhas começadas e não concluídas, como doutras que são da máxima necessidade para o desenvolvimento do país.
Se nós quisermos transformar o pôrto de Leixões num pôrto comercial, temos de fazer estas linhas.
Neste momento não estamos habilitados a receber todo o tráfego, que pode afluir às linhas do Estado.
É e, orador, há-de apresentar ao Parlamento uma proposta de lei que tende a reformar o material circulante; tem de tratar da iluminação das carruagens, tem de tratar das obras do Barreiro e Setúbal, etc.
Disse o Sr. Bernardino Roque que se pode ir buscar a importância necessária para os trabalhos a que se referiu, à receita fixa dos caminhos de ferro do Estado.
Declaro a S. Exa. que não pode fazer-se isso.
Em seguida o orador, reportando-se às receitas ferroviárias do Estado, e argumentando com os números que as representam, diz em conclusão que existe o bastante para garantir o empréstimo que se terá de fazer; o necessário para os encargos respectivos.
Em seu juízo, tambêm não vale a pena fazer umas linhas sem acabar as que estão começadas.
O Sr. Ministro faz depois a enumeracão das linhas, cuja construção é preciso concluir, e das quais resultará uma rede geral muito completa.
O Sr. Bernardino Roque: - Não se referiu V. Exa. a uma outra linha que me parece importante para concluir: a linha férrea de Ermezinde a Leixões.
O Orador : - Para concluir não. Essa linha pode ser de circumnavegação e de forma que sirva para a carga e descarga.
O Estado tem de a fazer; êle orador espera trazer tambêm à Câmara a proposta de lei sôbre o pôrto comercial de Leixões.
Julga ter referido a sua maneira de pensar sôbre o assunto; o Govêrno, dum modo geral, já tomou o compromisso de resolver êste assunto e está certo de que não faltará dinheiro para êstes trabalhos, porque no fundo especial de caminhos de ferro há garantias suficientes.
É esta a orientação do Govêrno; e declara que de forma alguma êle procura ganhar tempo, fazendo o que se fazia no tempo da monarquia.
Quanto à emigração, não poderemos evitá-la de todo; o que se pode fazer é com que ela diminua.
Se o Sr. Presidente e o Senado lhe dão licença, tomará por mais alguns minutos a sua atenção para se referir novamente a um assunto versado ontem pelo Sr. Miranda do Vale, para uma simples aclaração.
Consultado o Senado resolveu afirmativamente.
O Orador: - Agradece a honra que o Senado lhe concedeu, acedendo ao seu pedido.
São simplesmente duas palavras.
Ontem, quando o Sr. Miranda do Vale Lhe pediu que explicasse a razão por que, com tanta antecedência, se previam trabalhos extraordinários no Ministério do Fomento e lhe declarasse o número das pessoas que os iam fazer e as importâncias que percebiam, respondeu a S. Exa., mas não viu isso nos extractos da imprensa, que uma lei do Estado, a lei de contabilidade pública, o obrigava a fazer isso.
De resto, essa autorização tinha sido concedida a vários Ministros que o tinham antecedido naquele lugar, autorização que já vinha nos orçamentos da República, que o Parlamento tinha aprovado e até o informaram de que o Sr. Estêvão de Vasconcelos, quando assistia no Parlamento à discussão dessas verbas orçamentais, declarou que elas eram absolutamente indispensáveis, para que a Câmara as aceitasse.
Como êle, orador, não tinha outra forma de indagar ou recolher informações sôbre êste assunto, lembrou-se de consultar o director geral do seu Ministério para lhe dar a sua informação sôbre o assunto; na verdade, ninguêm tem o direito de receber remuneração por trabalhos que não fez e por consequência, êle, Ministro, é que não podia conformar-se com qualquer exposição, em que não transparecesse claramente que êsses dinheiros só
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seriam gastos, se realmente o serviço fôsse útil e se tivesse feito.
Ontem, como não esperava que se versasse êste assunto, não veio munido com os documentos indispensáveis para esclarecer a Câmara. Trocaram-se uns ofícios com a Presidência do Conselho Superior de Administração Financeira do Estado, resultando a indicação de que o decreto teria de ir à assinatura, em conformidade com as bases da lei de contabilidade, um mês antes dos trabalhos se executarem.
É muita previsão!
O Ministro pode ter necessidade de ir trabalhar várias noites para o seu Ministério e, desde que vá, necessita de indicações fornecidas pelos empregados da repartição A, B ou C.
Ora o Ministro não pode prever se pode ir nesta ou naquela noite, mas se êste decreto não estiver visado, êsses trabalhos não se podem realizar ou, se se realizarem não se podem pagar.
Isto é uma exigência demasiada da lei.
O que seria bom, para acabar com esta exigência, era que se estabelecesse uma forma absolutamente moral por meio da qual se soubesse, logo que o empregado tivesse feito o seu serviço, se êle devia receber uma remuneração maior ou menor e se marcassem as horas que tinha estado na repartição, como elementos para corrigir o cálculo da remuneração.
Faz inteira justiça ao carácter e espirito recto do Sr. Miranda do Vale e por isso declara que não poderia melindrar-se com as palavras de V. Exa.
Tem de sanear-se a administração pública, disse o Sr. Miranda do Vale. Assim é. Hoje mesmo expediu, pela secretaria geral circulares às estações dependentes do Ministério concebidas nos seguintes termos: seriam tomadas responsabilidades aos chefes da repartição pela fiscalização dos serviços, e pela das entradas e saídas dos funcionários públicos, e não deveriam consentir que, como abonos, fossem despendidas verbas não legais. Era esta a maneira por que se desobrigava do encargo de honra que na sessão passada tomara.
O orador não reviu.
O Sr. Miranda do Vale: - Pedia a V. Exa. que consultasse a Câmara sôbre se consentia que respondesse ao Sr. Ministro do Fomento.
O Sr. Presidente: - Creio que o Senado não negará a palavra ao Sr. Miranda do Vale.
Vozes: - Fale, fale.
O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.
O Sr. Miranda do Vale: - Unicamente desejo dizer ao Sr. Ministro que mantenho a questão no mesmo pé em que ficou ontem.
Tinha ontem e hoje a impressão de que no Ministério de agricultura há funcionários que chegam de sobra para o trabalho que exige o Estado. E uma impressão pessoal. O Ministro, pelas funções que exerce, é que está no caso de dizer se é ou não verdadeira.
Tenho o direito de exigir esclarecimentos completos a êste respeito.
Tenho ainda hoje a convicção de que me assiste êsse direito, porêm, como acentuei ontem, não quero dar a um debate administrativo o ar duma questão política e nesses termos remeto para mais tarde a conclusão dêste assunto; quero dizer, no fim do primeiro mês, do segundo ou do terceiro, depois de tomar conhecimento das folhas de vencimentos que se processarem, então liquidarei a questão e liquidá-la hei nos mesmos termos em que a pus, isto é, preguntando ao Sr. Ministro quais os trabalhos extraordinários que no mês decorrido se fizeram.
O Sr. Ministro do Fomento (António Maria da Silva): - Eu já tomei ontem um compromisso com V. Exa. nesse sentido.
O Orador: - Eu estou a explicar ao Senado a minha atitude nesta questão, como V. Exa. explicou a sua.
Estou convencido de que tenho o direito de obter imediata resposta às minhas preguntas, mas não insisto nela, porque o tempo não urge e o estudo do Orçamento Geral do Estado não se iniciou ainda na Câmara dos Senhores Deputados. Posso bem esperar que decorra o próximo mês e ainda o outro para novamente tratar da questão.
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V. Exa. compreende que nós não devemos chegar ao ponto de sermos desumanos.
O Sr. Ministro do Fomento é novo naquelas cadeiras, não pode dum momento para o outro açambarcar toda a vastidão dos serviços do seu Ministério
Compreendo esta situação e a ela presto a devida atenção; mas, desde que S. Exa. nos garante que há-de empregar o dinheiro, que está autorizado a despender, como marca a lei, confio na promessa de S. Exa. e, passado o mês em que se hâo-de dar êsses abonos, irei à ré partição competente - porque não vou pedir que me mandem cópia dêsses documentos para não ser o meu pedido que vá dar sanção a êsses abonos - e exporei o meu desejo de ver essas folhas; tomo os meus apontamentos e depois venho preguntar ao Sr. Ministro do Fomento quais os trabalhos que entendeu deverem ser remunerados. S. Exa. dá-me a mim e ao Senado, as explicações que o país necessita, e todos nós ficamos satisfeitos.
O Sr. Ministro do Fomento (António Maria da Silva): - Já tomei como compromisso com o Sr. Miranda do Vale pôr êsses documentos à sua disposição, a fim de poderem ser verificadas essas despesas por S. Exa. e não só êsses, como todos os do meu Ministério, principalmente os que se referem à maneira por que são administrados os dinheiros públicos neste Ministério.
Facultarei, não só a S. Exa. como a todos os membros do Congresso, todos os documentos de que necessitem Dará exame.
O Orador: - Eu faço muito mais, vou visitar as repartições, directamente, coroo representante da Nação, e preguntar e pedir êste ou aquele documento de que necessite, e, se algum chefe me negar a existência dum documento qualquer, então virei aqui reclamar perante V, Exa., para que V. Exa. providencie.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Bôto Machado.
O Sr. Bôto Machado: - É para requerer que os projectos já aprovados, N.ºs 33
e 34, sejam dispensados de ir à comissão de redacção.
Consultado o Senado, anuiu ao requerimento,
O Sr. Arantes Pedroso: - Pedi a palavra para mandar para a mesa, por parte da comissão de marinha e de pescarias, um parecer sôbre a proposta de lei N.º 200-D, que tem por fim o preenchimento do lugar de guarda do Arsenal.
Foi mandado imprimir e distribuir.
O Sr. João de Freitas, para não preterir a ordem do dia, retirou o seguinte requerimento, que havia mandado para a mesa:
"Requeiro a generalização do debate sôbre a matéria versada pelos Srs. Bernardino Roque e Ministro do Fomento.
Senado, em 23 de Janeiro de 1913". = O Senador, João de Freitas.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do parecer N.° 124, relativo ao ensino técnico
O Sr. Presidente: - Passa-se à ordem do dia.
Tem a palavra o Sr. Ladislau Piraçarra.
O Sr. Ladislau Piçarra: - Sr. Presidente: começo por felicitar o Sr. Tomás Cabreira por trazer para a tela da discussão um projecto acêrca, do ensino técnico.
Sr. Presidente: apesar das lacunas que o projecto tem, algumas das quais já foram apontadas por alguns oradores que falaram só are o assunto, entendo que o Sr. Tomás Cabreira prestou um grande serviço ao país, trazendo para a tela da discussão o projecto de lei que se discute, porque êle é da maior importância para a vida económica nacional.
Sr. Presidente: folgo que esteja presente o Sr. Ministro do Fomento para assistir a esta discussão, porque S. Exa. se tem mostrado empenhado em promover o desenvolvimento económico do país.
Esta questão parece interessar todo o Govêrno, e conquanto do seu programa ministerial, na parte que diz respeito ao Ministério do Fomento, não se diga que o; Govêrno procurará melhorar o ensino técnico, subentende-se que, desde que S. Exas. pretendem prover e desenvolver
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as diversas indústrias, e como êste desenvolvimento industrial dependa do ensino técnico, subentende-se bem que o Sr. Ministro do Fomento queira melhorar o ensino técnico.
O Sr. Faustino da Fonseca: - Está nomeada uma comissão para estudar êste assunto.
O Orador: - O que eu quis frizar foi que o Sr. Ministro tomará em toda a consideração as observações que fizermos nesta casa, sôbre o importante problema que se debate.
O actual Sr. Ministro do Fomento, a quem presto inteira homenagem, pelas suas excelentes qualidades de trabalho e inteligência, certamente procurará satisfazer o nosso desejo ardente de querermos ver melhorado o ensino ténico, agrícola e comercial.
Dadas estas pequenas explicações, irei tratando metodicamente dêste assunto, e peço desculpa ao Senado de fatigar a sua atenção, mas trata-se dum problema tam importante, que o Senado me desculpará qualquer abuso que eu cometa no uso da palavra.
Sr. Presidente: o Sr. Tomás Cabreira disse ontem, e justificou muito lucidamente, que era absolutamente necessário valorizar o operário português, especialmente o operário que se emprega nas indústrias, para assim nós podermos desenvolver a nossa riqueza.
Estou perfeitamente de acôrdo neste ponto com S. Exa., e queria mais, que nós não só procurássemos promover a educação do operário industrial, como pensássemos tambêm em estender essa educação aos empregados no comércio e na agricultura.
Toda a gente sabe que o desenvolvimento económico, isto é, a riqueza do país, assenta fundamentalmente no desenvolvimento da agricultura, do comércio e da indústria.
O Sr. Tomás Cabreira: - E eu tanto penso assim que, juntamente com êste projecto, apresentei mais dois, que por sinal ainda estão nas comissões.
O Orador: - Sr. Presidente: nestas condições, eu entendo que devemos empregar todos os esforços para que se organize em Portugal, o melhor possível, o ensino técnico, agrícola e comercial.
O Sr. Silva Barreto referiu ontem aqui com muita justiça que, para a boa realização do problema, era absolutamente indispensável organizar primeiro o ensino primário.
Estou inteiramente de acôrdo com a opinião de S. Exa.
Nós não podemos separar de forma nenhuma o ensino primário do ensino técnico. Compreendo mesmo que a nossa primeira preocupação deverá ser a organização do ensino primário, e depois a do ensino profissional.
Todos sabem que o ensino primário é absolutamente necessário a um povo que quere progredir, não só pelo desenvolvimento intelectual e moral, mas pelo desenvolvimento agrícola, industrial e comercial, o que, aliás, nós procuramos realizar.
Mas, para mim, há uma questão muito importante, sob o ponto de vista técnico: é na escola primária, onde se definem as aptidões técnicas, quando a mesma escola se acha bem organizada.
A escola primária em Portugal, pela forma por que está organizada, infelizmente, não pode servir para se reconhecer e avaliar, duma maneira segura, da capacidade técnica do aluno, porque esta define-se nos trabalhos manuais, e na escola primária portuguesa não se executam esses trabalhos.
E, a propósito, direi que é preciso não confundir os trabalhos manuais educativos com os trabalhos manuais profissionais; pois vejo que muita gente confunde estas duas ordens de trabalhos. Ora, é preciso distinguir o ensino primário do ensino profissional.
O ensino primário serve, única e simplesmente, para desenvolver as faculdades físicas, intelectuais e morais da criança, sem nenhuma aplicação profissional, porque ali apenas se definem as aptidões profissionais do indivíduo, e depois é que o pai do aluno, devidamente aconselhado, deve escolher a profissão do filho, consultando as opiniões do professor e do médico escolar. Há um outro factor que deve influír na escolha da profissão: refiro-me ás necessidades económicas do país, porque qode snceder que um aluno manifeste uma certa tendên-
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da para qualquer arte ou ofício, nos quais exista grande abundância de indivíduos; nesse caso, o aluno que se destine a essa profissão, encontrará grandes dificuldades em aplicar as suas aptidões a essa profissão, pela grande quantidade dêsses profissionais.
Por isso devemos procurar estabelecer uma boa organização de trabalho, em relação com as necessidades da economia nacional.
Devemos, pois, escolher as profissões, não só em harmonia com as aptidões técnicas dos alunos, mas ainda em harmonia com as necessidades económicas do país.
Folgo mais uma vez que esteja presente o Sr. Ministro do Fomento, para que nos possa informar como as cousas estão organizadas, e se poderemos aproveitar os dados oficiais.
V. Exa. sabe que, no Ministério do Fomento, há uma repartição chamada do trabalha industrial.
Não sei se essa repartição está habilitada a fornecer ás escolas e a nós mesmos os dados suficientes para que, num dado momento, saibamos as profissões em que abundam braços e onde há falta deles.
Entendo que é de toda a necessidade termos êste serviço bem organizado.
Para que se trate devidamente do nosso futuro industrial, é tambêm necessário saber-se quais as profissões que existem no país, onde há falta de braços e aquelas em que a não há.
Desde já faço esta recomendação ao Sr. Ministro do Fomento, para que S. Exa. possa habilitar-nos com êstes dados.
Sr. Presidente: ainda voltando ao ensino primário, devo dizer que o Secado deliberou que o projecto de reforma, do ensine primário fôsse à comissão de finanças, para dar o seu parecer e dizer-nos se era ou não possível executá-lo.
Embora seja êste o melhor critério, desejo acentuar, mais uma vez, que reputo absolutamente indispensável discutir a reforma do ensino primário, o mais breve possível, e, sobretudo a reforma das escolas normais, porque é preciso que nos convençamos de que, sem bons professores, não pode haver boas escolas.
As escolas normais, em Portugal, não satisfazem, e necessitamos de organizar uma, duas ou três escolas normais, em harmonia com os nossos recursos financeiros, contanto que elas dêem a garantia segura de que os alunos preparados por elas hão-de ser professores dignos dêste nome.
É uma observação que deixo aqui consignada.
Sr. Presidente: trata-se de melhorar o ensino técnico em Portugal.
Estou fazendo ainda considerações gerais; depois, me referirei mais especialmente ao projecto.
O ensino técnico pode realizar-se por duas formas: pode ser oficial, ou particular.
O Sr. Cabreira parece que pretende no seu projecto, harmonizar as duas espécies de ensino e eu louvo a sua orientação; entendendo tambêm que devemos conjugar os esforços do Estado com os esforços particulares, para reorganizar e alargar o ensino técnico.
Se o Estado possuísse abundantes recursos financeiros e um pessoal habilitado, para ministrar o ensino técnico, eu diria: ponha-se o Estado à frente desta organização do ensino, e não precisa preocupar-se com as iniciativas particulares, organize o melhor possível o ensino técnico, e as iniciativas particulares virão depois em auxílio do Estado, conforme puderem. Mas é que, infelizmente, nem o Estado tem dinheiro, nem tem pessoal técnico suficiente para poder organizar o ensino oficial.
Nestas condições, Sr. Presidente, parece que o que nós, principalmente, devemos pedir ao Estado é que primeiro reorganize o ensino normal técnico.
Senão pode ter muitas, tenha poucas escolas, mas que se diga que, nas escolas técnicas do Estado, habilita-se o pessoal à altura de ir reger qualquer curso em escolas técnicas particulares, e que o país possa ter a certeza de que o Estado lhe fornece bons prefessores para o ensino superior, técnico, médio e elementar.
Pelo menos para o ensino elementar e médio, necessitamos duma escola normal.
Outro ponto que eu desejaria que se fizesse, se o momento financeiro o consentisse, seria melhorar as escolas industriais que temos.
Por experiência própria, conheço as deficiências das nessas escolas industriais, visto que fiz parte duma comissão de inquérito à escola Machado de Castro, na companhia dos Srs. Silva Barreto e Peres Rodrigues.
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Creio que algum serviço prestamos na nossa modesta sindicância; contudo, não me atrevi a defender outro dia a idea de alguns Srs. Senadores que queriam a continuação das comissões parlamentares de inquérito, porque eu sei o número de horas que nos custou êste inquérito, e quanto êle nos impediu de seguir atentamente os trabalhos parlamentares.
Entendo que os inquéritos feitos por parlamentares tem o inconveniente de não deixarem êsses parlamentares entregar-se ao trabalhos legislativos.
Isto não quere dizer que êsses inquéritos se não devam fazer por entidades idóneas.
O que torna odioso um inquérito é, em geral, o facto dele ser sempre reclamado em virtude de queixas, mais ou menos graves.
Vai fazer-se o inquérito, porque apareceram queixas de faltas cometidas.
Eu desejaria que se fizessem inquéritos normalmente, sem ser por motivo de qualquer conflito.
Cheguei a lembrar ao Sr. Silvestre Falcão, quando Ministro do Interior, que S. Exa. mandasse fazer inquéritos a todos os liceus do país.
O Sr. Fortunato da Fonseca: - Então o inquérito passa a ser inspecção. Quando há nomeação é inquérito, quando é estabelecido por lei é inspecção.
O Orador: - Explico a V. Exa. Os liceus actualmente pode dizer-se que não tem inspecção, mas essa inspecção devia organizar-se, por associação de pais e alunos, no seu próprio interesse e para benefício de todos os interessados.
O Sr. Fortunato da Fonseca: - Desde o momento em que esteja organizada a inspecção, o inquérito torna se desnecessário. Logo que passe a haver inspecção o inquérito é inútil.
O Orador: - Eu desejaria que a República honrasse a sua obra, corrigindo faltas que se cometiam, e com isto não quero dizer que os nossos estabelecimentos de ensino não funcionam normalmente.
Dizia eu, Sr. Presidente, que me contentaria em que o Estado melhorasse os estabelecimentos de ensino industrial que actualmente possuímos, e que o alargamento dêles fôsse confiado à iniciativa particular, como as entidades que devem tomar à sua conta o desenvolvimento do ensino industrial.
Há duas espécies de entidades, as associações de classe e as associações chamadas de educação popular, que entendo que conjuntamente deviam tomar o encargo de organizar novas escolas de ensino técnico, sobretudo elementar, médio e secundário.
Essas entidades, entendo eu, deviam ser subsidiadas pelo Estado e câmaras municipais, e, mais uma vez, chamo a atenção do Sr. Ministro do Fomento para lhe lembrar o mesmo que ontem lembrei ao Sr. Ministro do Interior, que, na revisão do Orçamento, S. Exas. consignem uma verba para auxiliar todas as instituições que estejam promovendo o ensino profissional, protegendo essa iniciativa particular duma maneira prática, porque o Estado não pode, por si só, criar escolas, o que pode é subsidiar associações de educação técnica e agrícola, assim como as associações de classe, na parte respectiva ao ensino.
Sôbre estas classes, peço licença para fazer uma pequena observação.
Dá-se o seguinte caso: o nosso operário, devido à ignorância em que está mergulhado, está sendo desviado do caminho que devia trilhar, pelos elementos agitadores, e nós devemos empregar todos os nossos esforços para que o operariado siga o caminho que o há de levar ao seu bem estar, e não o caminho da perturbação da ordem pública e da perturbação do seu espírito, porque, permita-me V. Exa. que lhe diga de passagem, a educação do operário em Portugal é absolutamente necessária, não só como disse ontem o Sr. Tomás Cabreira, para o desenvolvimento industrial, mas tambêm pelas razões que vou expor e que com certeza estão no ânimo do Sr. Cabreira.
Há um certo número de fenómenos sociais que se filiam, absolutamente, na ignorância crassa do operário. Assim, por exemplo, as crises de falta de trabalho, que se notam amiudadas vezes em Portugal; as greves, as numerosas legiões dos chamados "sem trabalho", a emigração, o desequilíbrio económico, o alcoolismo, e outros vícios orgânicos da sociedade, para mim, não são mais do que fenómenos que tra-
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duzem a profunda ignorância das classes operárias.
Entendo que todos os nossos esforços deveriam voltar-se para os nossos operários portugueses, porque, desde que lhes ministrássemos uma educação razoável, fatalmente teríamos êstes fenómenos extraordinariamente diminuídos.
O estrangeiro oferece exemplos: no estrangeiro as greves eram frequentíssimas, como está sucedendo em Portugal. As classes operárias, no desejo ardente de melhorarem as suas condições, deixam-se facilmente sugestionar por qualquer indivíduo que tenha dotes oratórios, que lhes faça uma prelecção entusiástica.
Anciosas por mudarem de situação, não tendo a educação moral e intelectual necessária, deixam-se arrastar por essa eloquência, e cometem actos que nós todos temos que lamentar.
O Sr. Silva Barreto: - A monarquia dizia que nós levávamos as massas, pela propaganda, à agitação.
O Orador: - Nós traduzíamos a aspiração ardente das camadas populares, e temos o dever de satisfazer essa aspiração. Hoje, a nossa obrigação é educar o povo. Quando fazíamos a propaganda, a primeira cousa a fazer, dizíamos, seria criar as escolas, a fim dos filhos do povo poderem instruir-se.
Pois esta orientação - a de promover o ensino nas camadas populares, é a que deviam seguir os dirigentes do movimento operário, porque é só, por meio da educação, que os operários hão de conquistar as suas reivindicações. Mas os agitadores preferem fazer a propaganda revolucionária, dizendo que a República nada produzirá a favor das classes populares.
É necessário provarmos-lhes o contrário, distribuindo a educação entre o operário. Precisamos começar pelo ensino primário, para não dizer pelo ensino infantil.
Necessitamos de promover a educação entre os operários e precisamos de começar pelo ensino primário, para não dizer já pelo ensino infantil, porque êste é que devia ser a base.
Sr. Presidente: já expliquei a V. Exa. e ao Senado que, no momento actual, na situação em que se encontra a República, necessitamos urgentemente de organizar o ensino primário e profissional, e para isso o melhor meio é congregarmos os esforços do Estado e dos municípios com os das associações e dos particulares.
O Sr. Tomás Cabreira, no seu projecto, estabelece as bolsas de estudo; estou de acôrdo com a organização dessas bolsas, mas, no parecer da comissão de instrução do Senado, de que eu tive a honra de ser relator, apontam-se algumas lacunas que, a meu ver, contêm o valioso trabalho do Sr. Tomás Cabreira.
Estas lacunas já foram aqui apontadas e, portanto, isto prova que elas estão no ânimo do Senado. Entre essas lacunas apontaremos a falta do programa do ensino técnico, a falta de parecer da comissão de finanças e a falta de parecer da comissão de fomento; tanto mais que se trata dum assunto tam importante, intimamente ligado ao fomento, como é o ensino técnico. Soa de opinião que a comissão de fomento deve emitir o seu parecer, e isto não quere dizer que o trabalho do Sr. Tomás Cabreira não mereça todo o nosso aplauso; o que nós desejamos é que o projecto seja desenvolvido e aperfeiçoado, podendo converter-se numa realidade prática.
Vou terminar, pois; não desejo abusar, por mais tempo, da benevolência do Senado, dizendo que, como relator da comissão de instrução do Senado, redigi o parecer sôbre êste projecto e aceito perfeitamente o alvitre, que foi apresentado, para que êle vá às comissões de finanças e do fomento.
Alguns dos meus colegas já apresentaram uma proposta neste sentido e eu aprovo-a da melhor vontade.
O Sr. Tomás Cabreira: - Falaram sôbre êste projecto os Srs. Senadores Alfredo Durão, Silva Barreto e Ladislau Piçarra, e as objecções que alguns, fizeram ao projecto resumem-se em pouco: à questão financeira, ao problema do trabalho manual que deve ser o complemento de qualquer problema de educação, ao projecto ir á comissão de finanças, e ainda à comissão de fomento.
A todos DS Senadores que receiam que êste projecto possa aumentar a despesa pública, êle, orador, assegura que não a aumenta e para confirmar esta afirmação tenciona apresentar um artigo complemen-
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tar, declarando que nos primeiros três ou cinco anos a execução dêste projecto não aumentará a despesa pública, alem do que vem consignado no actual Orçamento para ensino industrial e, se alguma despesa a mais trouxer, será compensada com as economias que, porventura, se possam fazer, porque alem das economias já feitas, muitas há ainda a fazer no Orçamento.
Em virtude disto, não há necessidade dêste projecto ir à comissão de finanças. Está certo de que nestas condições não haverá nenhum Senador que possa desejar que o projecto vá a essa comissão.
O Sr. Fortunato da Fonseca: - Não se pode gasta mais do que actualmente está orçado e executa-se êste projecto.
O Orador: - Se os Srs. Senadores o ouvissem convencer-se hiam da realidade.
Ontem disse cousas que julga não foram ouvidas, porque, se o fossem, não se apoderavam do espirito de S. Exas. as ideias que tem ouvido manifestar.
A despesa que o Estado faz com o ensino técnico, pondo de parte o Instituto Superior técnico e os cursos que inscreveu no artigo 1.° do seu projecto e qualquer outro que porventura venha a ser criado, porque pode ainda ser criada uma escola que está inscrita na reforma do ensino superior feita pelo Govêrno Provisório, a que não se referiu, justamente para não levantar atritos a êste projecto, a despesa que o estado faz actualmente com o ensino técnico, é, segundo o Orçamento do ano passado, a verba de 189:656$133 réis.
As escolas industriais são a cousa mais curiosa que se pode imaginar, conquanto faça justiça às escolas que estão montadas à moderna, que são a escola de Coimbra, criada pelo Sr. Gonçalves, que tem um grande número de oficinas, excelentemente montadas e que está explendidamente organizada sob o ponto de vista de escola moderna, donde tem saído magníficos canteiros e serralheiros e outros operários, como se desejam em toda a parte; esta escola está dentro do tipo que êle, orador, criar. Outra escola optimamente organizada é a escola Marquês de Pombal, que satisfaz tambêm as condições modernas; outra é a Escola Afonso Domingues, onde já se começou a fazer o ensino técnico, baseado nos modernos princípios.
Já temos portanto algumas escolas organizadas, como devem ser, mas em compensação há outras que estão muito abaixo do que deviam ser.
As escolas industriais foram criadas por Emídio Navarro, mas algumas ficaram uns pequenos liceus, criando uns semi-intelectuais que procuram depois concorrer aos lugares do Estado, como empregados públicos. Estas escolas constituem viveiros de parasitas, que precisamos transformar em instituições úteis.
Temos em primeiro lugar escolas que, apenas, tem professores.
¿O Senado compreende o que sejam escolas industriais não tendo mestres, mas apenas professores?
Pois nós realizamos no nosso país esta cousa monstruosa.
Êle orador teve ocasião de acompanhar o que se faz nos países modernos.
As escolas industriais tem lá fora sempre mais mestres que professores.
O ensino teórico é apenas o indispensável para se poder compreender o que se vai ensinar na prática.
O trabalho é apenas feito na oficina; e o tempo é menor no trabalho teórico do que no prático.
As crianças, na Bélgica, por exemplo, desenham as peças que depois vão construir.
O orador, expõe ao Senado a despesa que essas escolas custam.
Refere-se à escola das Caldas da Rainha, onde os operários que se encontram hoje são da indústria cerâmica.
Percorre uma lista das diferentes escolas industriais do país, dizendo o que cada uma custa e o pessoal que as constitue. Tem para algumas palavras de elogio pelo carácter moderno e útil que os seus directores souberam dar-lhes.
Acentua que em algumas destas escolas o número de professores, que ganham réis 600$000, é superior ao dos mestres que percebem. 400$000. Isto é exactamente o oposto do que sucede no estrangeiro, de maneira que estas escolas são assim uns pequenos liceus, inteiramente estéreis debaixo do ponto de vista técnico e profissional.
É curioso que algumas destas pequenas escolas tem um professor e nada menos que dois empregados menores: um servente e um contínuo, e tem a mais um adido que não se sabe o que vai fazer.
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Em algumas escolas o ensino é feito de dia, quando deveria ser feito de noite.
¿Não seria melhor, em vez disto, que tivéssemos seis ou sete escolas boas, bem montadas, à moderna, em centros industriais, anexas às fábricas, tanto mais que uma parte do pessoal das escolas, que são professares dos liceus, podia continuar nesses liceus e a outra parte é pessoal contratado que, findo o contrato, se pode dispensar?
Sobejaria dinheiro.
Portanto, entende que, nessas condições, se podia fazer uma economia real e melhorar considerávelmente o ensino.
Foi ao orçamento do Ministério do Interior e examinando as economias, que ali se podiam fazer, pode assegurar ao Senado que há ali cadeiras regidas por um professor e que tem apenas um ou dois alunos.
Quando se fizer a organização ao Ministério do Interior, referir-se há mais largamente a êste ponto.
Portanto, a questão financeira não deve preocupar o senado, porque o projecto não traz aumento de despesa.
Ora, não saindo fora das normas do actual Orçamento, mandar o projecto para a comissão de finanças, não é proveitoso, assim como com mandá-lo à comissão de fomento, tambêm não lhe parece que se lucre alguma cousa.
Que êste projecto é de fomento, não há dúvida alguma, mas é um projecto de instrução.
O que acêrca dele pode dizer a comissão de fomento, sabemos nós todos.
Ir o projecto a essa comissão é perder tempo, e perder tempo no momento actual é um verdadeiro perigo.
Já contou ao Senado que estávamos atrasadíssimos em algumas indústrias por não termos organizado, tanto aqui como nas outras cidades do país, escolas de aprendizagem de diferentes ofícios; entre êles o da manufactura das malhas de bolsas de prata, que tanta riqueza nos podia trazer, visto que constantemente nos estão a fazer encomendas, que nós não podemos satisfazer porque não temos operários habilitados e por essa falta muito dinheiro deixa de vir para o país e nós precisamos equilibrar o mais possível a nossa balança económica.
Conseqùentemente, nós não podemos propor como pretexto para adiar um projecto desta ordem, que êle necessita de ir novamente à comissão de finanças ou à comissão do fomento.
Julga, pois, que não há vantagem em mandar êste projecto a nenhuma destas comissões, a não ser que se queira protelar mais uma vez um assunto que é de si urgente e já devia estar resolvido.
Êste projecto está preparado para já no princípio do ano lectivo se transformar o maior número de escolas, que seja possível, em escolas primárias profissionais.
O Sr. Silva Barreto, com a sua muita competência em assuntos de instrução, falou largamente nos trabalhos manuais e disse que o seu desejo era que o projecto dê ensino técnico, começasse pelo ensino primário.
Êsse seria o desejo dele, orador, mas é preciso lembrar o ponto de vista em que assenta êste projecto, que é o aumentar a riqueza pública, e foi por isso que na sessão passada disse que o problema se ligava com a questão financeira e que esta questão estava ligada tambêm com a questão económica.
Nestas condições, desejaria que se fizesse um projecto de instrução primária nos seus tipos de ensino elementar e médio, que fôsse completamente modelar, mas nós infelizmente não ternos tempo para isso e por consequência vamos tratando doutro, e não deixemos de o aprovar.
O principal para nós é sempre a questão financeira; logo tudo que ajude a resolver essa questão é primordial.
Posta a questão nestes termos, resta lhe lembrar que êle, orador, em tempo, apresentou um projecto em que considerava os trabalhos da Ilha da Madeira, os trabalhos em ferro e outros, chegando a indicar os quadros parietais com exemplos dêsses trabalhos.
Mas agora não vem apresentar um trabalho particularizado, ¡Pois se o seu projecto, tal somo é, tem tido tantos ataques, o que não seria, se fôsse um trabalho minucioso!
Tem sôbre a questão uma teoria que lhe não parece de todo má: o Parlamento tem de elaborar o fundamento das íeis. É difícil um trabalho uniforme numa assemblea numerosa e é preciso, em trabalhos desta ordem, haver a mais completa uniformidade.
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O que pois o Parlamento tem de fazer é um plano geral.
Não se julga competente para desenvolver o programa minucioso.
Não é um homem só que o deve fazer. Os industriais sim. É por isso que criou o Conselho Técnico Industrial.
O Sr. Ladislau Piçarra: - Era por isso de toda a conveniência que o projecto voltasse à comissão de fomento, porque ela tem o dever de apresentar o programa, para o qual V. Exa. diz que não possui competência.
O Orador: - Se fôsse membro da comissão de fomento, diria, se lhe mandassem um projecto dêstes, que não saberia fazer os programas. Isto é para especialistas. E preciso que sejamos sensatos.
O Sr. Silva Barreto: - Desejaria ver no projecto como que o esqueleto da escola profissional, em que estivesse resolvido o mal-estar das escolas actuais.
V. Exa. pretende tornar úteis as escolas de ensino industrial que nada produzem; e assim desejaria que V. Exa. apresentasse já o esqueleto da sua organização com a adaptação ás várias regiões.
O Ladislau Piçarra: - Quem apresenta um projecto de ensino, tem obrigação de apresentar um programa. Se não o sabe fazer, dirige-se a autoridades competentes.
O Orador: - Por isso criou uma entidade destinada a essa especialidade, que é um Conselho de Ensino Técnico.
Não pode nem deve fazê-lo.
Queria que êsse conselho chamasse os industriais das diferentes regiões.
O esqueleto tem que variar de indústria para indústria.
Na Alemanha há uma grande variedade de escolas.
Só na Prússia há 470 escolas.
Há escolas que tem o curso de três meses e outras de três anos. ¿Como queriam os Srs. Senadores que êle fizesse um programa, tendo em atenção todas as condições regionais?
Isso, queriam, era absolutamente impossível.
Entende que as questões dos programas devem ser afastadas, porque êste assunto não é trabalho para um só homem; êle, orador, julga até que não é para o Parlamento.
A seu ver, são as regiões respectivas que devem levar a entidade criada por êste projecto a apresentar os programas. É preciso que acima de tudo sejamos práticos.
Disse um dos Srs. Senadores que o orador deveria ter apresentado diversos diplomas sôbre o ensino e que deveria ter começado por um diploma de instrução primária; ora isto é um trabalho insano e superior às suas forças, embora já se tenha ocupado dêsse assunto noutra ocasião.
Diz, com toda a franqueza, não se julga habilitado a fazê-lo e entende que nós mesmos somos incapazes de fazer o que o ilustre Senador entende.
Tem tido sempre o cuidado de ser o mais perfeito possível nos seus trabalhos. Deus sabe quanto trabalhou para apresentar êste projecto da forma por que está elaborado, e, contudo, está certo de que o que apresentou é mal feito, mas não é capaz de apresentar melhor.
O Sr. Ladislau Piçarra disse que êste trabalho devia ser feito pelas associações de classe.
Nós hoje tambêm estamos gastando muito dinheiro com os asilos, porque todos êles tem centenas de crianças.
Temos nesses asilos pessoal muito habilitado, por consequência parece-me que podíamos montar neles escolas para meninos, que existem em Lisboa sem protecção e para raparigas que, quando saíssem dessas escolas, vinham habilitadas com uma profissão, que lhes evitava andarem vagueando pelas ruas.
Isto é um exemplo, não quere dizer que se faça.
Nós precisamos organizar toda a nossa educação de ensino prático e efectivamente as associações de classe podem auxiliar muito.
Na Alemanha existem muitas centenas de escolas dêste género, mas as associações de classe lá fora estão num estado de adiantamento que não tem entre nós.
Existem lá escolas de brinquedos, fundadas pelas respectivas associações, escolas de canteiros, fundadas pelas associações de canteiros, emfim existem milhares de escolas de todos os tipos e variedades, que as suas respectivas associações orga-
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nizaram, mas entre nós são raríssimas as associações de classe que possuem uma escola; o que existe são algumas classes lutando com dificuldades por falta de trabalho.
¿Posta a questão nestes termos, se o Estado não despende mais do que despende actualmente, transformando as escolas que existem em escolas de ensino técnico, para que havemos de esperar mais pela solução dêste importantíssimo problema?
O que é indispensável é que nós aprovemos êste projecto ou um similar, quede ao Govêrno poderes para transformar as actuais escolas em estabelecimentos de ensino, absolutamente indispensáveis para a indústria, onde se criem verdadeiros operários que nos dêem honra lá fora e venham a ser, pela sua instrução, uma importante fonte de receita para o país.
O orador não reviu.
O Sr. Anselmo Xavier: - Mando para a mesa a última redacção dum projecto de lei.
O Sr. Ministro do Fomento (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: antes de própriamente entrar na análise das considerações feitas pelo Sr. Tomás Cabreira, desejo mais uma vez prestar o tributo da minha homenagem, a S. Exa., que, em vários assuntos que tem tratado nesta Câmara, alguns dos quais foram sujeitos ao exame de comissões a que S. Exa. pertence, sempre se verifica que S. Exa. envida todos os seus esforços para conseguir apresentar trabalhos completos e bem elaborados.
Na sessão passada não quis interromper o Sr. Tomás Cabreira, pedindo que êste projecto fôsse à comissão, para que se cão dissesse que dalgum modo queria alterar a discussão, mas efectivamente a parte financeira, neste caso como em todos, não pode deixar de nos interessar.
O Sr. Tomás Cabreira já modificou, em parte, o juízo dele, orador, mas não o modificou completamente, e assim vai chamar a sua atenção para êste projecto, visto que nós todos temos interesse de arranjar nina boa obra e não estamos aqui para nos enganarmos uns aos outros. Temos, pois, que falar claro, tanto mais que o país alguma cousa mais exige de nós do que o que lhe temos fornecido.
¿Poderá S. Exa. convencer-nos de que, com as verbas actualmente inscritas no Orçamento e convenientemente aplicadas, poderá fazer-se o ensino nos termos em que S. Exa. deseja? S. Exa. disse que sim, que temos muitas escolas más e poucas boas. Referiu-se em termos de louvor ás quatro escolas: Afonso Domingues, Marquês de Pombal, Peniche e Coimbra.
Na Escola de Marquês de Pombal tem-se conseguido fazer maquinistas e coloca Jos na marinha mercante, arredando dela grande número de estrangeiros, que levaram do país dinheiro.
Alêm disso, tem-se mandado para a Alemanha alunos que aí obtiveram prémios, dando honra ao seu país.
Referiu se ainda o Sr. Tomás Cabreira à Escola Rodrigues Sampaio e, chame-se-lhe como quiser, ela é necessária, porque é a escola que prepara os alunos para o Instituto Industrial e Comercial, visto que nós não podemos ter o ensino médio e o ensino superior na mesma escola.
O problema da instrução é um dos mais graves e que maior cuidado deve merecer, como o ilustre Senador sabe. Êste período transitório é demorado e cheio de dificuldades; o país não tem edifício onde fazer êste ensino.
Embora entenda que estas escolas de ensino industrial e comercial podiam continuar no Ministério do Fomento; é partidário do Ministério de Instrução Pública, porque pensa que o problema da instrução é um dos mais graves e importantes para o desenvolvimento do país.
Não deseja protelar a resolução do assunto; e muito especialmente, porque reconhece que o Sr. Tomás Cabreira não anda a organizar projectos desta natureza para se divertir, mas organizou êste, animado dos melhores intuitos.
¿O que significa esta discussão na generalidade?
Significa que se está tratando de ver se é oportuno tratar-se dêste assunto; reconhecida a oportunidade, aprovamos a generalidade do projecto, e, para não haver prejuízo para S. Exa., vendo o seu projecto retirado da discussão, êle, orador, não tem o direito de propor que êle volte a qualquer comissão,; mas, se o Senado entendeu que o Sr. Cabreira fique encarregado de melhorar uma parte do seu projecto e ouvir todos os seus colegas que
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se julguem autorizados a colaborar com S. Exa. neste assunto, por virtude da sua competência, não lhe parece que desta forma houvesse desprimor para cona S. Exa. Por aqui se vê que êle, orador, não tem intenção de protelar a discussão do projecto.
O Sr. Presidente: - Tenho a lembrar a V. Exa. que está a dar a hora e está um Sr. Senador inscrito para antes de se encerrar a sessão.
O Orador: - Pede ao Sr. Presidente que lhe reserve a palavra para a sessão seguinte.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. João de Freitas, que a pediu para antes de se encerrar a sessão.
O Sr. João de Freitas: - Pede ao Sr. Ministro do Fomento o obséquio de se não retirar, porque vai fazer umas ligeiras considerações acêrca do que há pouco disse o Sr. Bernardino Roque.
Êle, orador, ia requerer para se generalizar o debate, mas depois retirou o seu requerimento e agora vai muito rapidamente referir-se a êsse assunto, qual é o da necessidade e urgência do caminho de ferro de Carviçais a Miranda.
Confrontando a despesa orçada para a construção do troço de 77 quilómetros, de Carviçais a Miranda do Douro, com a despesa a fazer com a construção de outros trocos de linhas férreas do Estado - de balança a Monsão, Vidago a Chaves, Ermezinde a Leixões, Amarante a Celorico de Basto e Borba a Elvas - se reconhece que a do primeiro, de 720 contos de réis, importa apenas em pouco mais de 9 contos de réis por quilómetro, isto é, muito menos do que qualquer das outras, visto que, não só as expropriações são mais baratas, mas ainda porque são insignificantes as obras de arte a realizar.
Além disso, êsse caminho de ferro vai entrar numa região cuja exploração agrícola fomentará em larga escala, permitindo uma vasta cultura cerealífera nos concelhos de Moncorvo, Mogadouro, Miranda e Vimioso, sem esquecer que só a sua construção permitirá a exploração das inexgotáveis pedreiras de mármore e alabastro de Santo Adrião, que o orador teve ocasião de visitar e admirar, e cuja riqueza é incalculável, mas que, pela enorme carestia actual dos transportes, em carros de bois, e a longa distância que as separa do caminho de ferro mais próximo, não podem ser aproveitadss.
O primeiro concessionário que iniciou a exploração, não pôde continuá-la e faliu.
Arrematada em hasta pública a propriedade das pedreiras, por um credor do falido, o actual proprietário suspendeu desde muito a exploração e decerto se não atreverá a continuá-la emquanto a proximidade do caminho de ferro lhe não permitir fazê-la em condições lucrativas.
Por outro lado, a continuação dessa linha, o mais breve possível, seria o meio mais eficaz de pôr cobro ou pelo menos, reduzir a proporções mais normais o êxodo assustador de emigrantes no distrito de Bragança, êxodo que, nos últimos dois anos, tem sido deveras alarmante.
Basta dizer que em 1912 o total dos emigrantes no distrito, incluindo a emigração clandestina, que nos concelhos da fronteira é a mais numerosa, excedeu a 15:000, partindo famílias inteiras, marido, mulher e filhos, que, na sua quási totalidade, não mais regressarão ao país.
Êste número mínimo de 15:000 emigrantes, num só ano, é espantoso, se atendermos a que, pelo censo de 1900, o distrito de Bragança, para uma área territorial superior a 6:500 quilómetros quadrados, apenas tinha 186:000 habitantes, ou seja a densidade média de 28; emquanto que o de Braga, com mais de 320:000 almas e uma densidade média não inferior a 130, não chegou a ter 5:000 emigrantes, número que pode considerar-se normal para a sua emigração, mantendo-se o equilíbrio resultante do aumento da natalidade sôbre a mortalidade.
No distrito de Bragança e em toda a província de Trás-os-Montes, escasseiam cada vez mais os braços para a agricultura e, em consequência disso, a produção agrícola vai diminuindo, ficando muitas terras sem cultura.
Perante a gravidade aterradora desta situação, o orador insta com o Sr. Ministro do Fomento pela rápida aprovação e realização do seu anunciado empréstimo para a construção dêste e doutros caminhos de ferro, merecendo, porêm, a dêste
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a prioridade, como único meio de acudir à tremenda crise que aflige aquele distrito e de salvar a província de Trás-os-Montes.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, com o seguinte:
Antes da ordem do dia: N.ºs 35 e 36. Ordem do dia: N.ºs 124, 62 e 248. Está levantada a sessão.
Eram 18 horas e 5 minutos.
O REDACTOR = F. Alves Pereira.