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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

1913-1914

SESSÃO Nº78

EM 22 DE ABRIL DE 1914

Presidência do Exmo. Sr. Abílio Baeta das Neves Barreio

Secretários os Exmos. Srs.

Bernardo Pais de Almeida
Cristóvão Moniz

Sumário» — Chamada e, abertura da sessão. Leitura e aprovação da acta. Dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. — Devendo proceder-se à eleição da comissão para a elaboração da carta orgânica das províncias ultramarinas, o Sr. Senador Tasso de Figueiredo propõe, e a Câmara aprova, que seja autorizada a Mesa a nomear a comissão.

O Sr. Senador Silva Barreto insiste pela discussão do projecto de lei relativo à administração do Hospital das Caldas da Rainha, aludindo tambêm ao congresso pedagógico.

O Sr. Senador Anselmo Xavier - refere-se ao serviço do recenseamento na comarca de Reguengos e requere que, com dispensa do Regimento, o projecto da criação do concelho da Ribeira Brava seja novamente pôsto em discussão no Senado.

Ordem do dia. — Prossegue a discussão ao parecer n.° 40, relativo aos terrenos incultos, continuando a discutir-se o artigo 2.° Usam da palavra os Srs. Senadores Sousa da Câmara, Alfredo Durão, Brandão de Vasconcelos, que apresentam propostas.

Realiza-se a interpelação sôbre a crise do Douro, anunciada pelo Sr. Senador Carlos Richter ao Sr. Ministro do Fomento (Aquiles Gonçalves), que responde.

Antes de encerrar a sessão. — Usa da palavra o Sr. Senador Artur Costa, que trata dos serviços dos telégrafos.

O Sr. Presidente encerra a sessão.

Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:

Abílio Baeta das Neves Barreto. Albano Coutinho. Alfredo José Durão. Amaro de Azevedo Gomes.

Cristóvão Moniz

Anselmo Augusto da Costa Xavier.
António Brandão de Vasconcelos.
António Ladislau Parreira.
António Ladislau Piçarra.
António Maria da Silva Barreto.
Artur Augusto da Costa.
Augusto de Vera Cruz.
Bernardo Pais de Almeida.
Carlos Richter.
Cristóvão Moniz.

Domingos José Afonso Cordeiro.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Inácio Magalhães Basto.
João da Câmara Pestana.
Joaquim José de Sousa Fernandes.
Joaquim Leão Nogueira Meireles.
Joaquim Pedro Martins.
José António Arantes Pedroso Júnior.
José de Castro.
José Miranda do Vale.
José Nunes da Mata.
Luís Fortunato da Fonseca
Manuel Rodrigues da Silva.
Ramiro Guedes.

Srs. Senadores que entraram durante a sessão:

Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.

Alberto Carlos da Silveira.
Alfredo Botelho de Sousa.
Aníbal de Sousa Dias.
Anselmo Braamcamp Freire.
António Bernardino Roque.

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Diário das Sessões do Senado

António Caetano Macieira Júnior.
António Joaquim de Sousa Júnior.
Daniel José Rodrigues.
Domingos Tasso de Figueiredo.
Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Faustino da Fonseca.
João José de Freitas.
José Estêvão de Vasconcelos.
José Machado de Serpa.
José Maria de Moura Barata Feio Terenas.
José Maria de Pádua.
José Maria Pereira.
Leão Magno Azedo.
Manuel Goulart de Medeiros,
Manuel Martins Cardoso.
Manuel de Sousa da Câmara.
Ricardo Pais Gomes.
Tomás António da Guarda Cabreira.

Srs. Senadores que não compareceram à sessão:

Adriano Augusto Pimenta.
Alfredo Djalme Martins de Azevedo
Antão Fernandes de Carvalho.
António Augusto Cerqueira Coimbra.
António Pires de Carvalho.
António Ribeiro Seixas.
António Xavier Correia Barreto.
Artur Rovisco Garcia.
Bernardo Luís Machado Guimarães.
José Afonso Pala.
José de Cupertino Ribeiro Júnior.
José Elvas.
Luís Inocêncio de Ramos Pereira.
Luís Maria Rosette.
Manuel José Fernandes Costa.
Sebastião de Magalhães Lima.

Pelas 14 horas o Sr. Presidente mandou proceder à chamada.

Tendo-se verificado a presença, de 26 Srs. Senadores, S. Exa. declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão anterior, foi aprovada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte

EXPEDIENTE

Ofícios

Do Ministério da Justiça, satisfazendo o requerimento n.° 202, do Sr. José Afonso Pala.

Para a Secretaria.

Da Presidência da Câmara dos Deputados, acompanhando a proposta de lei que tem por fim fixar os vencimentos das guarnições dos submersíveis.

Para as comissões de marinha e de finanças.

Da Câmara dos Deputados, acompanhando a proposta de lei que tem por fim abrir um crédito de 480.000$ a favor do Ministério da Guerra, para reforçar as verbas dos artigos 45.° e 48.° do Orçamento do mesmo Ministério.

Para as comissões de guerra e finanças.

Telegramas

Da Junta de Paróquia, de Mourão; dos liberais de Cerveira; da Comissão Municipal de Amares; da Comissão Municipal Republicana do Rolão; dos operários das padarias alimentícias; do Centro Republicano Democrático de Peniche; da Câmara Municipal de Vila Ria! de Santo António; dum grupo de cidadãos republicanos de Castro Daire; da Delegação da Associação do Registo Civil de Peniche, e das secções n.ºs 146, 249, 287 e 364 do Grémio Lusitano, sôbre a Lei da Separação do Estado das Igrejas.

Para o «Sumário».

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à eleição da comissão que, de acôrdo com outra eleita pela Câmara dos Deputados, há-de proceder à elaboração das cartas orgânicas das colónias.

O Sr. Tasso de Figueiredo: — Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que consulte o Senado sôbre se autoriza a Mesa a nomear a comissão a que V. Exa. acaba de referir-se. O Senado autorizou.

O Sr Presidente: — Em virtude da resolução do Senado, nomeio, para fazerem parte da comissão, que há-de elaborar as cartas orgânicas das colónias, os seguintes Srs. Senadores:

Azevedo Gomes.
Arantes Pedroso.
Afonso Cordeiro.
Bernardino Roque.
Albano Coutinho.
Nunes da Mata.

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Não estando presente o Sr. Ministro do Fomento e não podendo, portanto, realizar-se a interpelação anunciada pelo Sr. Carlos Richter, vou dar a palavra aos Srs. Senadores que quiserem falar antes da ordem do dia.

O Sr. Silva Barreto: — Pela terceira vez venho pedir á Mesa que, em uma das próximas sessões, ponha em discussão o projecto de lei relativo à administração do Hospital das Caldas da Rainha.

Diz um dos artigos do Regimento, já por mim invocado, que decorridos vinte dias depois dos quais a comissão respectiva não haja dado parecer, os projectos de lei entram em discussão, como se parecer tivessem.

Sr. Presidente: devo afirmar mais uma vez que o projecto referente ao Hospital das Caldas da Rainha, já aprovado na Câmara dos Deputados, é de grande urgência e necessidade.

V. Exa. e o Senado sabem, que êsse hospital presta um alto serviço à população doente de todo o país, especialmente à das regiões próximas, não devendo, por conseguinte, os seus interêsses ser prejudicados por esta falta de cuidado com que algumas comissões deixam muitas vezes de dar parecer em tempo oportuno.

Devo declarar que não tenho de me penitenciar por haver faltado ao cumprimento dêsse dever jamais eu deixei, como membro de qualquer comissão, de apresentar parecer dentro do prazo determinado pelo Regimento.

Com estas palavras não pretendo censurar pessoa alguma. O que desejo é pugnar por que o Regimento seja estritamente observado, quer na sua letra, quer no seu espírito.

Sr. Presidente: V. Exa. não tem, ao que me parece, de consultar o Senado. V. Exa. melhor do que eu o sabe. Em todo o caso seria conveniente marcar para ordem do dia de qualquer das sessões próximas o projecto de lei a que me estou reportando.

Estou informado, por pessoa que me merece todo o crédito, que a falta de aprovação dêsse projecto pode dar origem a graves perturbações.

E, já que estou com a palavra, seja permitido referir-me a algumas das reclamações feitas no Congresso Pedagógico, ora realizado em Lisboa.

Assisti a êsse congresso e ouvi algumas teses tratadas com alto espírito pedagógico, e grande consciência.

Várias reclamações ali se apresentaram; de entre outras destaco uma, para a qual chamo a atenção do Senado.

Reclamou-se no Congresso Pedagógico contra a forma como estão organizados os quadros do magistério primário, porquanto, segundo o que ainda vigora, ficam sem promoção muitos professores de 2.ª e 3.ª classe.

Sr. Presidente: discutiu-se aqui, na sessão passada, o decreto de 29 de Março de 1911 e devo declarar á Câmara, com o máximo prazer, que todas as reclamações feitas naquele Congresso, neste ou noutro sentido, foram atendidas.

Eliminou-se, por exemplo, a disposição que mandava exercer, por delegados paroquiais, uma tal ou qual fiscalização sôbre o professorado fiscalização que era vexatória e imprópria da dignidade do exercício do magistério primário, pois outro fim não tinha que investigar, por uma espécie de espionagem, se os professores cumpriam ou não com os seus deveres.

Para que serve a Inspecção Geral, dependente do Poder Central?

Sr. Presidente: eu não posso deixar de protestar contra essa disposição do decreto de 29 de Marco de 1911, por a considerar prejudicial ao ensino, se bem que foi exarada na melhor das intenções.

Desejaria que as duas casas do Parlamento se tivessem feito representar no Congresso Pedagógico, para ouvirem as reclamações, que ali foram feitas por alguns dos professores mais cotados.

De resto, V. Exas. reconheceriam quanta justiça assiste a êstes infatigáveis propagandistas da instrução.

Sr. Presidente: não desejo fatigar a atenção ao Senado e por isso vou terminar. Antes, porêm, seja me permitido lavrar o meu protesto contra o facto de se não ter cumprido, com respeito ao decreto de 29 de Março de 1911, o que dispõe o Regimento, e faço-o com tanta mais razão* quanto é certo que nunca requeri que fôsse discutido qualquer projecto em prejuízo de outro.

Apenas tenho pedido o cumprimento do Regimento.

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O Sr. Presidente: — A Mesa não tem deixado de cumprir o Regimento.

Se o decreto, a que V. Exa. se referiu, não tem entrado em discussão é porque Doutros assuntos de grande importância se lhe tem anteposto.

O Sr. Nunes da Mata: — Peço que seja autorizada a reùnir durante a sessão a comissão há pouco nomeada.

O Sr. Presidente: — Sem prejuízo de qualquer votação que o Senado tenha a fazer, fica a comissão autorizada a reùnir.

Assume a Presidência o Sr. Anselmo Braamcamp.

O Sr. Anselmo Xavier: — Sr. Presidente: lia mais dum mês que pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro da Justiça.

Perdida a esperança de ver S. Exa. nesta casa antes da ordem do dia, vou, apezar dessa ausência, fazer umas revelações verdadeiramente extraordinárias.

Sr. Presidente: na comarca de Reguengos o delegado, que impera no ânimo do juiz, reclamou contra a inscrição no recenseamento eleitoral dum grande número de indivíduos, aproximadamente a 300, por não saberem ler, nem escrever.

Êsses indivíduos foram intimados para fazer os requerimentos perante o juiz em condições muito diversas das daqueles que militam no campo contrário, e contra os quais tambêm houvesse algumas reclamações.

Os reclamados, adversários políticos do Sr. Delegado, foram intimados a comparecer no tribunal em determinados dias e horas: apareceram 15 ou 20 minutos mais tarde, o que se justificava pela distância a que moravam da sede da comarca. Pois já não foram admitidos a dar as suas provas.

Alêm, disto, como a maioria dos intimados eram trabalhadores do campo, as intimações foram feitas a pessoas de família ou a vizinhos, dizendo-se-lhes, que a ida ao tribunal era facultativa, e que nenhuma responsabilidade advinha aos que faltassem.

V. Exa. sabe, Sr. Presidente, o que é dizer a um homem do campo que pode ir ou deixar de ir ao tribunal.

E o mesmo que dizer que não vá lá. E assim aconteceu.

E para com os que compareceram e foram admitidos a prestar as provas, procedeu-se do seguinte modo:

Os requerimentos foram feitos no tribunal, na presença de quem quis assistir, procurando o delegado e o escrivão por todos os modos atrapalhar a desgraçada vítima da política democrática, para que ela não pudesse fazer obra de geito.

Os reclamados democráticos tinham tratamento completamente oposto. Podiam ir em qualquer dia e a qualquer hora, mesmo de noite.

Eram sempre bem recebidos.

Faziam os seus requerimentos em casa do juiz, com a assistência do delegado, que eu não digo levasse a sua amabilidade ao extremo de lhes dirigir ou encaminhar a mão. Estou certo que todos êles escreveriam na perfeição. Um cúmulo!

Contra o delegado recorreu tambêm um eleitor com o fundamento de que êle não sabia ler nem escrever.

De que êle não sabe ler as leis, não resta dúvida.

O delegado, porêm, não achando isto elemento bastante para ser eliminado do recenseamento e esquecido de que tambêm tinha requerido, pelo mesmo fundamento, contra indivíduos diplomados, processou o requerente.

Estava bem, senão tivesse dado o exemplo.

No fiscal da lei, a habilidade é muito mais censurável, que naquele que seguiu as suas pisadas.

Poderá por isto supôr-se que eu desculpo a leviandade do requerente? De modo algum.

O que não vejo é autoridade para processar por êste facto a quem a perdeu pelo seu procedimento.

Resultado de todas estas habilidades: 342 eleitores anti-democráticos excluídos do recenseamento.

Isto, Sr. Presidente, passou-se, repito, na comarca de Reguengos, aonde há um juiz, que não é juiz.

Na comarca de Vila Viçosa, Sr. Presidente, deram-se factos idênticos. Alguns indivíduos deixaram de prestar provas porque compareceram no tribunal poucos minutos depois da hora marcada. Os que fizeram os seus requerimentos,

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cuja letra causaria inveja a muitos guarda-livros, foram, apesar disso, por sentença do juiz, excluídos do recenseamento por não estarem nas condições exigidas pela lei. Recorreram então para a Relação, ordenando esta que fossem novamente inscritos.

V. Exas. estão vendo quanta parcialidade há nestes factos e quanto urge sanear os nossos tribunais.

Mas, Sr. Presidente, vamos a Ferreira do Alentejo. Nesta comarca o juiz, que raras vezes se mostra, não estava na ocasião das reclamações, coincidência que já se havia dado no ano anterior, e o substituto ninguêm sabia quem era. Os eleitores, que pretendiam reclamar centra a indevida inscrição no recenseamento dalguns indivíduos, procuraram então o presidente da câmara, mas nada conseguiram, porque, não morando na sede da comarca, tambêm o não encontraram. Souberam depois que quem estava encarregado de superintender nestes assuntos era o juiz de paz, que desempenha ao mesmo tempo as funções de administrador do concelho. Procuraram-no, mas não foram melhor sucedidos, porque mandou dizer que não estava em casa, o que era falso, porque os interessados, desconfiando de que eram enganados, ficaram até altas horas da noite em frente da casa dêste cavalheiro, não o tendo visto entrar.

Sr. Presidente: factos desta ordem não honram a magistratura, nem nobilitam a República. Autoridades que assim procedem deviam estar há muito tempo na Penitenciária.

É necessário que a República não consinta que se pratiquem infâmias desta natureza. Se não, afundar-nos hemos todos num mar de lama.

O Sr. Presidente: — Vai passar se à ordem do dia. Os Srs. Senadores que tiverem papéis ou documentos a enviar para a Mesa podem fazê-lo.

Requerimentos

O Sr. Anselmo Xavier: — Requeiro que, com dispensa do Regimento, o projecto da criação do concelho de Ribeira Brava seja novamente remetido à discussão do Senado. = Anselmo Xavier.

O Sr. João de Freitas: — Requeiro que, pelo Ministério das Finanças e Direcção

Geral da Fazenda Pública, me sejam fornecidas com urgência cópias:

a) Das relações dos objectos de mobiliário que existiam nos bens e edifícios nacionais situados no distrito do Funchal (os chamados sanatórios da Madeira) e que foram entregues por ordem ou despacho ministerial ao palácio de S. Lourenço e ao edifício do governo civil, tambêm pertencente ao Estado, e a Escola de Utilidades e Belas Artes, relações que devem ser especificadas com respeito a cada um dêstes estabelecimentos de Estado;

V) Dos termos, autos ou quaisquer documentos oficiais dessas entregas de mobiliário;

c) Do despacho ou despachos, ministeriais que ordenaram ou autorizaram tais entregas;

d) Da correspondência oficial trocada sôbre o mesmo assunto entre o Ministério das Finanças e o Govêrno Civil do Funchal e quaisquer outras entidades administrativas da Madeira = João de Freitas.

Mandou-se expedir.

Projecto de lei

O Sr. Augusto de Vera Cruz: — Sr. Presidente: mando para a mesa um projecto de lei conferindo o direito de aposentação aos faroleiros em serviço na província de Cabo Verde, nos mesmos termos e condições em que é aos demais funcionários civis da colónia.

Para a comissão de colónias e de finanças.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 14, relativo à arborização de terrenos incultos

O Sr. Presidente: — Continua em discussão o artigo 2.°

O Sr. Sousa da Câmara: — Sr. Presidente: a comissão de fomento julgou necessário introduzir uma pequena alteração no artigo 2.°

Diz-se que Portugal é um dos países mais mal arborizados: Basta, porêm, Sr. Presidente, consultar as estatísticas para vermos a falsidade desta asserção.

Devo declarar que a comissão de fomento julga necessária a emenda que introduziu.

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Diário das Sessões do Senado

O Sr. Presidente: — Como não ha mais ninguêm inscrito, vai votar-se.

Procedendo-se à votação, foi aprovado o artigo 2,° com as alterações propostas.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se o artigo 3.° do parecer da comissão. Lê-se na mesa.

O Sr. Presidente: — Está em discussão.

O Sr. Sousa da Câmara: — Êste artigo 3.°, bem como os 4.° e 5.° propostos pela comissão de engenharia, já foram aprovados por esta Câmara.

O que se deve discutir é se devem ou não fazer parte dêste projecto,

O Sr. Alfredo Durão: — O que está no parecer da comissão de engenharia é uma parte do que se aprovou, mas não é tudo.

O Sr. Brandão de Vasconcelos: — Eu havia pedido a palavra para fazer umas considerações análogas ás do Sr. Tasso de Figueiredo. Parece-me, porêm, agora, que estas disposições não devera fazer parte do projecto, porque não só se não harmonizam bem com êle, mas podem até prejudicá-lo. Manter a redacção tal como está pode dar mau resultado. Êstes três artigos não devem ser aqui incluídos; devem antes fazer parte dum outro projecto.

Eis a razão por que assinei com restrições o parecer da comissão de engenharia a que pertenço provisoriamente.

Mando, por isso, para a Meza a seguinte

Proposta

Aditamento à alínea e) do § 5.° do artigo 2.°: se da cota de pagamento, em não mais de doze anuidades, de cada um dos quinhões de família em que foram partilhados os terrenos do Estado compreendidos no projecto». = Brandão de Vasconcelos.

Foi admitida.

O Sr. Alfredo Durão: — Sr. Presidente, parece-me que, no estado a que as cousas chegaram, não é possível organizar um novo projecto com as disposições de que se trata. Por consequência, ou se aprovam as disposições da comissão de engenharia, ou se rejeitam. Organizar um outro projecto não me parece viável.

Não vejo que faca grande mal incluir neste projecto as disposições propostas pela comissão de engenharia.

O Sr. Sousa da Câmara: — Lembro ao Senado que há no artigo 3.° umas lacunas que e necessário preencher.

O Sr. Alfredo Durão: — Devo informar a Câmara de que a disposição do artigo 3.° foi incluída no primitivo projecto e aprovada tal como está. Todavia, envio para a Mesa uma proposta para preenchimento dessas lacunas.

Proposta

Proponho que o número de anos, a que se refere o artigo 3.° e a base 1.ª do artigo 5.° do parecer da comissão de engenharia, seja de 18 anos. = Alfredo José Durão.

Lida na Mesa, foi admitida.

Resolveu-se que, como emenda ao artigo 2.° da Câmara dos Deputados, ficasse o 2.° da comissão do fomento.

Todas as alíneas da proposta da Câmara dos Srs. Deputados, com o aditamento á alínea e) do §, 5.°, foram aprovadas.

Votou-se que se intercalassem os artigos 3.°, 4.° e 5.° da comissão de engenharia entre os artigos 2.° e 3.º da Câmara dos Srs. Deputados.

Entra na sala o Sr. Ministro do Fomento.

O Sr. Carlos Richter: — Requeiro que seja consultado o Senado sôbre se permite que eu realize a minha interpelação, visto já estar presente o Sr. Ministro do Fomento.

O Sr. Ministro do Fomento (Aquiles Gonçalves): — Tendo de assistir á cerimónia da entrega das credenciais por parte do embaixador do Brasil em Portugal, o Sr. Regis de Oliveira, não pude comparecer mais cedo á sessão do Senado.

O Sr. Presidente: - Vai votar se o requerimento do Sr. Carlos Richter.

Pôsto à votação o requerimento do Sr. Carlos Richter, foi aprovado.

O Sr. Carlos Richter: — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Fomento e Srs. Senadores.

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Antes de entrar na questão que me propus defender, careço de fazer a seguinte declaração prévia.

Se, no decorrer das minhas considerações, houver qualquer palavra que possa ofender quem quer que seja, eu desde já afirmo que não é essa a minha intenção. Não representam medo estas palavras, nem á conta de cobardia podem ser levadas, porque nem a desconsideração para quem quer que seja esteve jamais nos meus hábitos, nem a cobardia foi jamais do meu temperamento.

E agora, Sr. Presidente, antes de entrar própriamente no assunto, permita-me V. Exa. que eu me refira a uma classificação que, nos corredores da Câmara, se dá a êste lugar que ocupo. Diz-se que esta parte da sala é a Montanha.

Ora, de bom grado aceito a classificação que a êste logar se outorga.

A. Montanha, Sr. Presidente, faz lembrar o Calvário e no Calvário foi crucificado um homem que muito sofreu e, o que é mais, crucificado entre dois ladrões.

O Douro encontra-se tambêm entre os ladroes.

Sr. Presidente: vou tratar duma questão melindrosa, uma das questões mais importantes do nosso país, o vinho, pois é êste o produto que mais dinheiro traz à nossa nacionalidade.

Bem sei que tenho inimigos poderosos, — o sul e o mixordeiro de Gaia; mas isso não me entibia e o Douro tem-me aqui para o defender.

Se estivéssemos em regime monárquico, eu não pensaria em vir a êste logar.

Mas foi proclamada a República, e ela permitiu que um filho do povo viesse a esta Câmara para protestar contra as iniquidades que tem flagelado e flagelam ainda as terras malditas do Douro.

Êsse protesto poderia, é certo, ser feito por mais autorizada pessoa.

Eu não sou bacharel, e tenho fraco geito para fazer discursos, que empolguem os ouvintes pela riqueza das imagens ou pelos requintes do estilo, e ainda por me lembrar que os discursos, nesta casa, tem custado rios de dinheiro ao país.

Sr. Presidente: o Douro foi miseravelmente ludibriado no tempo da monarquia com mistificações de toda a ordem.

É preciso ver-se o que era outrora o Douro e o que êle é hoje.

Quando, há dias, se discutia nesta casa um projecto que se destinava a proteger a agricultura do Algarve, eu disse que se estava a dispor dos dinheiros públicos sem equidade, e disse isso por que me não faltam razões para o dizer. E que se trata de, proteger todas as regiões do país e só o Douro continua a ser esquecido!

Não obstante eu sei que o Douro tem sofrido e penaliza-me a idea do que êle sofrerá ainda.

Sr. Presidente, Sr. Ministro do Fomento, e Srs. Senadores, eu vou mostrar o que é que come o povo do Douro, eu vou comparar o pão que come o lavrador do Douro com o que comem os presos da Penitenciária de Lisboa.

Eu apresento êste pão ao Sr. Ministro, aos Srs. Senadores e à imprensa para que vejam como no Douro se sustenta aquela pobre gente.

Êste o pão maldito, amassado em lágrimas, e regado com sangue que se come no Douro!

O que foi o Douro, vou eu mostrar, como o que é, e o que poderia ser ainda, se os poderes públicos tivessem atendido as suas reclamações constantes.

Como representante do país, tenho o direito de levantar aqui a minha voz, mas antes permita o Senado que eu leia o que diz o Século pela pena dum dos seus redactores, o Sr. Adelino Mendes, que percorreu aquela região.

O orador lê um extracto em que a miséria duriense é posta a nu.

Sr. Presidente, é preciso que esta questão do Douro fique bem esclarecida para que se faça a justiça que lhe assiste.

E que a situação do Douro é de tal ordem, que o pequeno proprietário e o trabalhador daquela região tem fugido para, o Brasil e para a África e o que não arranja meio do fugir daquele inferno, procura pelo crime passaporte para a Penitenciária, já que na Penitenciária tem mais comodidades e mais regalias do que na sua terra o mísero pária do Douro.

O vinho do Sul é mais alcoólico do que o vinho do Douro; tem esta característica, mas não embriaga tanto como o do Douro; e dir-se hia que êste caso é propositado — embriagarem o desgraçado para melhor o explorarem!

Feitas as considerações preambulares que

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ai ficam, eu vou entrar no fundo da questão.

O Douro não quere uma esmola!
O Douro quere justiça.
O Douro quere que o Govêrno o encare, não como um filho espúrio, mas como um filho generoso e trabalhador que, apesar de maltratado, tudo dá ainda.

Hoje emigra-se espantosamente do Douro. E emigra-se porque essa gente sabe que por muito que lá fora sofra, não pode sofrer mais do que sofre na sua terra, cuja vida é riais dolorosa do que a que êles, um dia criminosos, poderiam passar numa Penitenciária.

Vou demonstrar, com números, como se vive, vinícolamente, na região duriense. Os dezoitos concelhos que constituem essa região produzem, em média, 80:000 pipas de vinho e são exportadas pela barra do Douro, com o nome de vinho do Pôrto, 60:000; com o nome de vinho virgem do Douro. 60:000 pipas; consomem-se no país com o nome de vinho do Pôrto, pelo menos, 5:000 pipas; no Douro consomem se 10:000 pipas; no Pôrto e mais terras do país, com o nome virgem do Douro, 20:000: ao todo 155:000 pipas.

Deduzindo desta quantidade 20:000 pipas de aguardente, que vem do sul para adubacão dêstes vinhos, terços uma cifra 135:000 pipas!

Ora, produzindo o Douro somente 80:000 pipas., demonstrado fica que vão 55:000 do sul para os armazéns de Gaia e Pôrto para serem misturadas às das acreditadas marcas de vinhos do Douro.

Mas há mais: transformadas em aguardente, consome o Douro ao sul 140:000 a 145:000 pipas de vinho, que tantas são precisas para produzir as 20:000 pipas de aguardente que vão para o Douro para adubacão dos seus vinhos. São, portanto, 205:000 pipas de vinho que do sul vão para o norte para se encorporarem nas 80:000 pipas produzidas na mísera região duriense, sendo 140:000 a 145:000 pipas transformadas em aguardente, 55:000 pipas para juntar ao vinho do Pôrto e virgem do Douro, 5:000 pipas para o vinho licoroso que se vende no país com o nome de vinho do Pôrto.

Pôsto isto, resta preguntar: e quantas se vendem no norte com o nome de vinho do sul?

As 60:000 pipas de vinho do Pôrto exportadas pela sua barra, produzem, em média, 6.000 contos; as 60:000 de virgem do Douro, 2:000; as 5:000 de vinho fino consumidas no país, com o nome de vinho do Pôrto. 500 contos, , ao todo 8:500 contos!

Dos 8:500 contos produzidos, 4:950 são canalizados para o sul e para os falsificadores de Gaia.

Esclareçamos: 20:000 pipas de aguardente, ao preço de 140$ cada, 2.800 contos; de vinho fino do sul., com o nome de vinho do Pôrto, 500 contos; de 55:000 pipas de vinho de consumo que do sul vão para Gaia, 1.650 contos, o que prefaz os 4.950 contos referidos.

Isto é: dos 8.500 contos que produzem as duas acreditadas marcas de vinho da região duriense, vão para o sul 4.950 contos!

E para o norte apenas 3.550 !

Dos 3.550 contos, 1.550 são para o comércio honrado de Vila Nova de Gaia, e os restantes 2.000 são para o lavrador do Douro!

Ou seja a miséria, a fome para aquela infeliz região!

Largamente ainda, com números, com artigos de jornais, com citações várias de leis e de decretos, e citando principalmente o livro Terras Malditas, reportagens do Douro, de Adelino Mendes, desejando que todos o lessem, o orador expõe explicitamente, apaixonadamente, o que é a crise duriense. Com amor, com paixão, pede ao Sr. Ministro do Fomento que atenda a questão como ela merece, porque a sua gravidade e a sua importância são de tal ordem, que dela pode depender até a tranquilidade da República. Para isso exporá sucintamente a questão nas dezassete reclamações, para as quais chama a atenção do Sr. Aquiles Gonçalves.

1.° O Douro quere que o Govêrno lhe garanta, duma maneira eficaz, as suas acreditadas marcas de vinhos—Vinho do Pôrto e Virgem do Douro;

2.° Que na confecção dos vinhos da região duriense não entrem outros produtos que não sejam o sumo da uva e aguardente de vinho;

3.° Que todos os lavradores sejam obrigados a dar à comissão de viticultura duriense até 15 de Novembro de cada ano, a nota da sua produção, quer de vinho do Pôrto, quer de vinho Virgem do Douro.

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que não poderá passar no caminho de ferro ou em barcos para fora do pôrto de Barqueiros sem ser acompanhado dum certificado em duplicado da comissão de viticultura, sendo um dêstes entregue na Alfândega do Pôrto;

4.° Que o lavrador, na sua nota de produção, declare o destino que deu ao vinho da colheita anterior;

5.° Que a fiscalização no Pôrto e Gaia se faça por empregados da Alfândega, tendo adjunto um representante da viticultura duriense;

6.° Que as visitas de balanço e fiscalização nos armazéns do Pôrto e Gaia se façam, pelo menos, uma vez por ano;

7.° Que se faça uma regulamentação para a entrada dos vinhos de pasto da região do sul, em Vila Nova de Gaia e no Pôrto;

8.° Que se modifique o artigo da lei vinícola em que é concedido aos donos de armazéns de Gaia e Pôrto 9 por cento para desfalques anuais, nos vinhos, passando de 9 por cento para 4 por cento;

9.° Que seja regulamentado o consumo de vinhos do Pôrto no país;

10.° Que a lei vinícola, com todos os seus regulamentos, seja posta em vigor e sem sofismas;

11.° Que o Govêrno resolva, e quanto antes, a questão do tabaco do Douro, fazendo com que a Companhia dos Tabacos compre e pague todo o tabaco que a lei concede ao Douro;

12.° Que o Govêrno facilite, o mais que possa, o plantio de amendoeiras e amoreiras na região duriense;

13.° Que o Govêrno desenvolva, quanto possa, a viação na região do Douro;

14.° Que o Govêrno estabeleça com brevidade a estação agronómica e postos agrícolas na região;

15.° Que o Govêrno estabeleça, duma maneira prática, o crédito agrícola na mesma região;

16.° Que o Govêrno garanta o juro de 3:000 contos para a organização duma cooperativa vinícola no Douro, à semelhança do que fez já para a viticultura do sul;

17.° Finalmente, que o Douro se divida em três zonas: baixa, para a produção do vinho do Pôrto; média, para a produção do vinho Virgem do Douro; alta, para a produção do vinho de caldeira (para aguardente).

O orador espera que o Sr. Ministro do Fomento tome na devida conta estas reclamações importantíssimas para a região do Douro, da Pátria e da República.

E assim essas Terras Malditas, à sombra da República, tornar-se hão em terras abençoadas.

Sr. Presidente: eu tenho a certeza de que a República há-de fazer justiça à região do Douro, dando-lhe aquilo a que ela tem incontestável direito, para que o Douro contribua com a sua cota parte para o engrandecimento do país. Não é da grande indústria, que produz mal e caro, que o engrandecimento do país pode esperar-se, visto que ela só pode viver á custa da protecção pautal.

O país — diz-se para aí a cada passo, e diz-se a verdade — é essencialmente agrícola. Pois tratemos da agricultura com todo o carinho. Transformar o país em industrial, em grande industrial, é um êrro.

O país, com a sua agricultura bem desenvolvida e com a sua pequena indústria, atingiria a prosperidade que todos temos em vista.

Para grande industrial falta-nos a matéria prima, que nos leva o ouro lá para fora, e falta-nos até a educação, profissional.

Deve o Govêrno esforçar-se por conseguir tratados com a Inglaterra e com o Brasil para a protecção dos nossos vinhos, devendo na Inglaterra uniformizar-se o direito para os nossos vinhos licorosos, isto é, os vinhos licorosos com a graduação alcoólica de 16 graus e meio até 22 graus devem pagar igual direito.

Ao Brasil deve-se-lhe pedir que permita o estabelecimento de armazéns alfandegados para depósito dos nossos vinhos, pagando-se, é claro, os respectivos direitos só na ocasião em que o vinho entre em consumo, levando a chancela do Estado como garantia de genuidade do nosso produto.

Uma lei deveria impor aos nossos fazendeiros das colónias africanas a obrigação de fornecer aos seus serviçais uma ração de vinho em vez de álcool, e assim se beneficiaria, de par e passo a viticultura e os próprios serviçais, em quem o álcool só pode produzir perniciosos efeitos.

Necessário se torna criar eficaz fiscalização para evitar falsificações dentro ou fora do país.

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Deve o Govêrno, Sr. Presidente, voltar para o Douro a sua desvelada atenção — desvelada e urgente porque o Douro está-se despovoando, visto que de difícil a vida tornou-se ali impossível.

Sr. Presidente: vou lembrar ainda ao Sr. Ministro do Fomento a necessidade da construção do caminho de ferro de Viseu ao Tua e de Vila Franca das Naves a Lamego e Régua, a construção das pontes sôbre o Tua e Douro, na povoação de Foz-Tua. Assim, ficariam ligados os três distritos. Vila Rial, Bragança e Viseu, estabelecendo comunicações entre si, que não as possuem de qualquer espécie,,

Alêm disso, com êstes trabalhos, ia-se ocupar muitos braços, evitando-se a fuga das populações, da região maldita, pois só no mês de Novembro do penúltimo ano foram solicitados no governo civil de Vila Rial dois mil passaportes para igual número de emigrantes!

E necessário tambêm fazer com que a lei da cultura do tabaco no Douro seja rigorosamente cumprida por parte da Companhia dos Tabacos de Portugal que, usando de processos verdadeiramente vexatórios para os cultivadores, acabará por conseguir os seus almejados desejos — a extinção da cultura do tabaco no Douro. E contudo, a cultura do tabaco, se a lei não fôsse torcida, podia constituir para & região um grande lenitivo.

Não deve o Govêrno demorar a construção de barracões no Pinhão e na Régua, para receberem o tabaco dos cultivadores do Douro, para proceder-se à sua classificação no acto da entrega e não meses depois, como actualmente acontece, depois de armazenado meses nos armazéns do Terreiro do Trigo, impróprios, onde o tabaco apodrece!

Procede-se assim, Sr. Ministro; e eu tenho a impressão de que se procede assim com o intuito reservado de se terminar de vez com a cultura.

Sr. Ministro: a questão vinícola é bem difícil de resolver, bem o sei, mas a questão do Douro é talvez fácil, pois se conseguirá apenas com medidas fiscais.

Em anos bons há no sul superabundância de vinho e daí as perturbações sucessivas na nossa viticultura.

A exportarão e consumo no país orçam por 600:000 pipas, e a produção, em anos

abundantes, orça por um milhão a um milhão e duzentas mil.

Há, portanto, nesses anos o dobro do vinho preciso!

Temos vinho de mais e pão de menos, precisando mandar para o estrangeiro muitos milhares de contos para a compra do cereal indispensável ao consumo do país!

E, pois, indispensável que, sem perda de tempo, se resolva êste grave problema económico da nossa vida nacional.

Parece-me que só com medidas tributárias se poderá regularizar esta questão.

Tributar muito brandamente as vinhas plantadas em encostas e lançando uma tributação muito pesada nas vinhas plantadas em terras fundas e de várzea, que produzem vinhos em grande quantidade, mas de inferior qualidade.

Sr. Presidente: como, a hora vai adiantada, vou pôr ponto nas minhas considerações, mas, antes de o fazer, chamo a atenção dos representantes do Pôrto para que liguem a máxima importância ás queixas por mim formuladas, porque da vida do Douro depende a prosperidade da cidade de Pôrto, visto que o Douro é o seu principal freguez.

Dê a República ao Douro aquilo que lhe pertence, aquilo a que tem incontestável direito, e é o que fica consubstanciado nas medidas que deixei apontadas.

Assim terá a República cumprido o seu dever e a região duriense bem dirá da República, que se apressou a libertá-la da miséria que sôbre ela pesa como uma pedra tumular!

Terminando, mando para a mesa a seguinte

Proposta

«Proponho que o Govêrno nomeie sem perda de tempo uma comissão de inquérito à vida económica da região duriense. Que esta comissão apresenta o seu relatório com a brevidade possível para habilitar o Govêrno a, tomar resoluções seguras sôbre tam importante questão » = Carlos Richter.

O Sr. Ministro do Fomento (Aquiles Gonçalves): — Sr. Presidente e Srs. Senadores: ouvi com toda a atenção as considerações feitas pelo Sr. Senador Carlos Richter, e devo dizer que essas considerações me impressionaram em muitos pontos, atenta a forma sincera que S. Exa. imprimiu ao seu discurso. Mas S. Exa. não es-

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pêra, certamente, que o Ministro do Fomento lhe vá dizer a última palavra sôbre a questão do Douro.

Sr. Presidente: noto com grande surprêza que S. Exa. rematasse o seu discurso apresentando uma proposta para se nomear uma comissão de inquérito à situação económica do Douro, cujo fim seria resolver a questão.

E a minha surpresa é tanto maior, quanto é certo ter eu acabado de dissolver, por haver terminado os seus trabalhos em 14 de Março último, uma comissão expressamente incumbida de idêntico encargo, e cujos membros são individualidades da maior competência. Todas as resoluções que vêem nesse bem elaborado relatório, apresentado pela comissão, foram tomadas por unanimidade.

Mas, como resolver esta questão se, no dia em que se propõe um remédio, aparece imediatamente o Douro a protestar pela boca dos seus representantes, vindo dizer que não está satisfeito ?! (Apoiados}.

Se eu nomear agora uma nova comissão, as suas deliberações serão logo contraditadas, pelo constante conflito entre o comércio e os lavradores, do que resulta não haver maneira de se chegar a conclusões razoáveis, tornando a questão irreductível.

O que aconteceu ao Douro tem sucedido a outras regiões do país e a outros pontos da Europa, devido aos estragos produzidos pelo filoxera. Mas essas diferentes regiões adoptaram outros sistemas de cultura, defenderam-se, como fez, por exemplo, a França, melhorando quanto possível a sua situação (Apoiados).

Porque não inaugurou o Douro a cultura da oliveira e da amendoeira, defendendo-se assim duma terrível situação económica?

Segundo dizem os tratadistas, o Douro produz azeite do melhor, a amendoeira dá-se muito bem no Douro. Ora isto representa alguma riqueza.

£ Porque é que não realiza esta cultura?

Sr. Presidente: não me move a mais pequena animadversão contra o Douro, nem contra qualquer outra região do país, visto que o meu dever, como Ministro, é respeitar os interêsses de todos. A verdade, porêm, é que esta região não procedeu a outras culturas, nem arborizou as suas montanhas.

O Douro não soube, ou não quis esperar, e daí a emigração, a miséria, o devastamento.

As exigências do comércio criaram as falsificações, mas a região duriense fechou-se dentro de si própria, limitando-se a protestar contra as falsificações do vinho e despresando completamente a conquista dos mercados estrangeiros.

Mas, Sr. Presidente, em toda a parte do mundo se falsifica hoje o vinho. Hoje a qualidade não representa cousa alguma; a quantidade é tudo.

V. Exa. sabe que há champanhe a 240 réis, a l$000 réis e a 10$COO réis a garrafa.

O Sr. Carlos Richter: — Mas isso não é vendido com o nome de Champanhe. São falsificações, pois são em quantidade superior á que a região produz.

O Orador: — É V. Exa. que me fornece um argumento para eu lhe responder.

Simplesmente os produtores de vinho de Champagne entenderam, que deviam acompanhar essas exigências e submeteram-se, portanto, às indicações do consumo, emquanto que o Douro fechou-se absolutamente dentro do seu vinho especial, protestando sempre, e energicamente, contra as falsificações.

O Sr. Carlos Richter: — Eu não me pronuncio contra as falsificações, que se fazem, dentro do Douro; protesto contra as falsificações feitas no sul.

O Orador: — Deixe-me S. Exa. continuar. Tem S. Exa. o problema económico pôsto neste pó. A falsificação faz-se em todos os países.

Em toda a parte se encontra vinho do Pôrto, e deixe-me então V. Exa. acrescentar. Eu queria que a falsificação de vinhos do Pôrto se fizesse só no meu país porque isso concorreria para a nossa prosperidade (Apoiados),

Nós vamos, por exemplo, à Rússia, e encontramos lá uma bebida fabricada com baga de sabugueiro, um pouco de álcool, e uma percentagem pequena de vinho.

Pois esta mistura, esta mixórdia, recebe depois os pomposo nome de vinho fino.

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Eu tambêm sou vinicultor numa região que foi atacada pela filoxera e onde tambêm se come o pão de que S. Exa. trouxe uma amostra à Câmara. Êsse pão não é se no Douro, que se come. Encontra-se em toda a região da Beira Alta, com as mesmas exigências de preços, e onde os trabalhadores ganham apenas 200 e 220 réis por dia, e a ceia.

Confronte agora S. Exa. a defesa económica desta região, com a defesa económica do Douro, segundo a situação que S. Exa. nos descreveu.

Eu tenho de lançar as minhas vistas, não só para o Douro; mas ainda para outras regiões, e nestes termos sabe S. Exa.

o que eu observo?

E que em toda a parte se faz a cultura do centeio, porque "essa cultura não dá grandes cuidados, nem grandes canseiras (Apoiados).

A verdade é que predomina entre nós o ronceirismo, e desde que nos habituamos a uma cultura, não há esforços que nos obriguem a mudar de rumo, nem estímulo que nos faça procurar outras fontes de riqueza.

O pão do Douro é indiscutivelmente deplorável, como deplorável é a situação em que essa região se encontra. Mas para se modificar a situação do Douro, necessário é que tratemos de melhorar as outras regiões do país, do norte ao sul (Apoiados}.

Indica-se um ponto e faz-se incidir sôbre êle as atenções do Govêrno.

Ora o Govêrno deve proceder por para que um determinado benefício dispensado ao norte repercuta tambêm no sul.

S. Exa. vai encontrar essa situação, não direi angustiosa mas excepcional, não só no Douro, mas em todo o país (Apoiados}.

Essas deficiências de cultura que S. Exa. aponta, dão-se, não só no Douro, mas em outras regiões do país.

Mas S. Exa. diz-me que peça ao Sr. Ministro das Finanças algumas medidas necessárias para garantir essas culturas. Porque se não pensa na plantação de oliveiras, de amendoeiras, na arborização das suas montanhas, para o momento em que falhe a economia vinícola? (Apoiados].

O Sr. Carlos Richter: — Por isso peço a nomeação duma comissão, para que estude êsses diversos assuntos.

O Orador: — Quer S. Exa. ver o que acontece? Quem criou essa situação foi o próprio Douro. O exclusivo fez todo o mal que pôde nos primeiros anos.

O que fizeram os comerciantes? Arranjaram um stock de vinhos. Defenderam-se duma situação que amanhã lhe poderia 1 prejudicar o comércio.

Nessa altura atravessaram uma situação um pouco mais desafogada.

O Sr. Carlos Richter: — Exactamente como agora.

O Orador: — Não perderam nada. Arranjaram um stock de vinho, que chegava para fazer face às exigências.

O Douro começou então a ser asfixiado e teve que modificar as suas exigências.

O Sr. Carlos Richter: — Parece-me ter demonstrado a V. Exa., que o Douro tem falta de vinho. O Douro recolhe apenas 80:000 pipas.

O Orador: — Há uma forma de auxiliar a exportação. Veja S. Exa. o que se pratica no sul.

O ano passado o sul exportou umas 6:000 pipas. Veja S. Exa. qual foi a quantidade de dinheiro que entrou.

Êsses volumes de exportação beneficiam o país sem procurar defender êsses interêsses fora das nossas fronteiras.

S. Exa. compreende que, no dia em que o Govêrno tivesse a ingenuidade de dizer à Inglaterra, que é uma grande fonte de riqueza, queremos um contrato especial para garantir a genuidade ao vinho do Douro, o que sucederia?

Aparte do Sr. Carlos Richter, que não se ouviu.

O Orador: — V. Exa. disse que não tinha cousa alguma com o que se passava lá fora. Esse produto, que estamos discutindo, é vendido na Inglaterra.

O Sr. Carlos Richter: — Não estou a tratar da questão scientificamente, mas sim economicamente.

O Orador: — Eu tambêm estou a tratar da questão pelo lado económico (Apoiados}.

Para se resolver a questão do Douro, não se pode deixar de pensar a valer no que se passa no estrangeiro.

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E uma questão económica, que não pode ser encarada no campo restrito dum canto de Portugal. E ainda por esta razão que o Pôrto tem tido tantas crises aflitivas.

Quando existe um conflito entre duas fontes de riqueza, como são o comércio e a indústria, a intervenção dos Governos tem de ser feita de maneira que não produza esmagamento duma ou outra (Apoiados).

A região do Douro não pode viver sem o comércio, seria o seu golpe de morte.

O inquérito à vida económica do Douro está feito.

O Sr. Carlos Richter: — A comissão de inquérito apresentou medidas boas para o Douro; o Estado é que não as tem feito cumprir.

Tem V. Exa., por exemplo, a cultura do tabaco.

O Orador: — Leia S. Exa. o inquérito à região do Douro, que vem publicado no boletim de agricultura.

O Sr. Carlos Ritcher: — A minha questão é garantir a genuidade dos vinhos do Douro, de modo que as leis se modifiquem no sentido de resolver êste assunto.

O Orador: — O que vem no boletim, que aqui tenho, é escrito por um agrónomo muito distinto, e que ficou horrorizado com a aridez do Douro.

S. Exa. encontra no meu Ministério vários relatórios de maneira a garantir melhor a genuidade dos vinhos do Douro, e eu mesmo acabo de dissolver uma comissão que estudou êsse assunto. Devo acrescentar, que dessa comissão fizeram parte indivíduos da mais alta capacidade e conhecedores do assunto. Estavam ali representados os diversos interêsses dos agricultores e do comércio do Douro. Depois disto S. Exa. quere que, a dois dias dessa comissão apresentar os seus trabalhos, eu vá nomear uma nova comissão. Francamente não deve ser (Apoiados).

O Sr. Carlos Ritcher: — O que é sobretudo indispensável é evitar todas as fraudes que, actualmente, se estão dando e que prejudicam o Douro.

V. Exa. não ignora que os vinhos do sul vão para o norte únicamente para falsificação.

O Orador: — O que S. Exa. me pede é que ordene o cabal cumprimento das leis em vigor.

Façamos a experiência, mas o melhor seria V. Exa. trazer um projecto à Câmara.

O Sr. Senador quere que se faça manter rigorosamente as leis actuais. Faz-se a experiência; e, se não der resultado, o que se deve fazer é nomear uma comissão (Apoiados).

Como já disse, não me move contra o Douro a menor animadversão (Apoiados).

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carlos Ritcher: — Sr. Presidente: pedi a palavra para agradecer ao Sr. Ministro do Fomento a forma gentil e bela, embora incerta, com que S. Exa. respondeu às conclusões da minha interpelação.

O que o Douro vem pedir é o cumprimento das leis actuais, e que se façam cumprir as medidas fiscais, para que não sejam falsificados os vinhos do Pôrto e os vinhos virgens do Douro.

Foi isto que eu pedi e mais nada.

O Sr. Presidente: — Fica para segunda leitura a proposta do Sr. Carlos Richter.

O Sr. Artur Costa: — Sr. Presidente: na sessão de ontem, quando o Sr. Brandão de Vasconcelos se referia à demora da entrega dum telegrama, que S. Exa. enviou para Colares, disse eu, em áparte que essa demora não era para estranhar, porque a mim me havia acontecido o facto de só receber às 21 horas um telegrama que, na estação, tinha sido entregue às 9.

Sr. Presidente: fui procurado por um funcionário da Administração Geral dos Correios, que me pediu que concretizasse o facto, isto é, que indicasse qual era o telegrama que tanto se havia demorado no seu trajecto.

Isto deu-se há muitos meses.

Não me recordo de quem era o telegrama, nem do assunto de que tratava.

Naturalmente essa demora deu-se em virtude do grande movimento que, nessa ocasião, havia nas estações em razão de circunstâncias anormais.

Eis o motivo por que eu disse ao Sr. Brandão de Vasconcelos, que se não admi-

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rasse com essa demora. A verdade, porêm, é que o serviço dos correios e telégrafos tem melhorado considerávelmente. O que acontece é que o movimente telegráfico por vezes é tam intenso, que o pessoal é insuficiente para satisfazer as exigências do serviço.

Ora, os serviços estão sendo melhorados dia a dia. A verdade, porêm, é que, dando-se acontecimentos extraordinários, ou anormais, o movimento nas estações é de tal ordem, que o pessoal é insuficiente, como disse, para acudir a todas as exigências.

O telegrama a que se referiu o Sr. Brandão de Vasconcelos foi expedido exactamente numa ocasião em que e movimento nas estaç5es era enorme.

Não desejo que se imagine que estou a fazer qualquer reclame; mas a verdade é que para uma casa particular e porque não dizê-lo — para casa de meu irmão, foram antes de ontem e ontem enviados mais de cem telegramas.

Faço estas considerações para que se não imagine que o meu àparte ao Sr. Brandão de Vasconcelos importava uma queixa contra a Direcção dos Correios e Telégrafos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — A seguinte sessão será amanhã á hora regimental, e a ordem de trabalhos:

A antes da ordem do dia:

Interpelação do Sr. Pedro Martins ao Sr. Ministro das Colónias.

Pareceres n.ºs 37, 46, (37 e 241. Na ordem do dia:

Pareceres n.ºs 14, 73 e 74.

E levanta a sessão.

Eram 18 horas.

O REDACTOR = Albano da Cunha.

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