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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
SESSÃO N.º 10
EM 13 DE JULHO DE 1915
Presidência do Exmo. Sr. António Xavier Correia Barreto
Secretários os Exmos. Srs.
Bernardo Pais de Almeida
José Pais de Vasconcelos Abranches
Sumário.— Aberta a sessão depois de feita a chamada, a que responderam 24 Srs. Senadores, procede-se à leitura da acta, que é aprovada sem reclamação, e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia.— O Sr. Senador Estêvão de Vasconcelos requer documentos, e o Sr. Senador Lima Duque anuncia uma nota de interpelação ao Sr. Ministro das Colónias.
Ordem do dia.— verifica-se a interpelação do Sr. Jerónimo de Matos ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto Soares), que responde ao interpelante. Generalizado o debate a requerimento do Sr. Senador Celestino de Almeida, falam sôbre o assunto os Srs. Senadores Teixeira Rebelo, João Maria da Costa Pedro Martins, Presidente do Ministério (José de Castro) e Carlos Richter.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Senador Sousa Júnior requere que se mande imprimir o projecto de lei referente ao imprestimo à Câmara Municipal do Pôrto de 3:000.000$ para entrar em discussão. Assim foi resolvido.
Seguidamente, o Sr. Presidente encerra a sessão som a mesma ordem do dia.
Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:
Alberto Carlos da Silveira.
António José Lourinho.
António José da Silva Gonçalves.
António Maria Baptista.
António Xavier Correia Barreto.
Bernardo Nunes Garcia.
Bernardo Pais de Almeida.
Carlos Richter.
Celestino Germano Pais de Almeida.
Daniel Telo Simões Soares.
Francisco de Pina Esteves Lopes.
Herculano Jorge Galhardo.
Jerónimo de Matos Ribeiro dos Santos.
João Maria da Costa.
Joaquim Pedro Martins.
José Afonso Baeta Neves.
José Estêvão de Vasconcelos.
José Guilherme Pereira Barreiros.
José Lino Lourenço Serro.
José Pais de Vasconcelos Abranches.
José Tomás da Fonseca.
Júlio Ernesto de Lima Duque.
Luís Fortunato da Fonseca.
Porfírio Teixeira Rebelo.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Agostinho José Fortes.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
António Joaquim de Sousa Júnior.
António Maria da Silva Barreto.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
Caetano José de Sousa Madureira e Castro.
Daniel José Rodrigues.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Frederico António Ferreira de Simas.
José António Arantes Pedroso.
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José de Castro.
José Eduardo de Calça e Pina de Câmara Manuel.
José Maria Pereira.
Leão Magno Azedo.
Luís António de Vasconcelos Dias.
Luís Filipe da Mata.
Luís Inocêncio de Ramos Pereira.
Pedro do Amaral Bôto Machado.
Remígio António Gil, Spínola Barreto.
Srs. Senadores que não compareceram à sessão:
Alfredo José Durão.
António Artur Baldaque da Silva.
Augusto César de Vasconcelos Correia.
Augusto Cymbrom Borges de Sousa.
Duarte Leite Pereira da Silva.
João Ortigão Peres.
Joaquim José de Sousa Fernandes.
Joaquim Leão Nogueira de Meireles.
Ricardo Pais Gomes.
Vasco Gonçalves Marques.
Pelas 14 horas o Sr. Presidente mandou proceder à chamada. Tendo-se verificado a presença de 24 Srs. Senadores. S. Exa. declarou aberta a sessão.
Lida a acta da sessão anterior, foi aprovada sem reclamação.
Mencionou-se o seguinte
Expediente
Ofício
Exmo. Sr. Presidente do Senado.— Venho rogar a V. Exa. se digne solicitar do Ministério de Instrução, Repartição de Instrução Primária, cópia do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo acêrca do recurso que para êsse alto tribunal levou a Câmara Municipal de Fronteira, da sentença que mandou prover o primeiro lugar da escola oficial de Fronteira. — Leão Azedo.
Telegramas
Dos fiscais dos impostos do conselho de Tavira, pedindo que não seja aprovado o projecto de lei n.° 73-B.
Idem, dos fiscais dos impostos do concelho de Castelo Branco.
Diário das Sessões do Senado
Segundas leitoras
Projecto de lei
Artigo 1.° E criada na Secretaria do Ministério do Fomento uma Direcção Geral do Trabalho e Previdência Social constituída por duas repartições, a saber:
1.ª Repartição do Trabalho, à qual incumbem os assuntos relativos à regulamentação e fiscalização do trabalho industrial, contrato de trabalho, associações de classe, conflitos entre patrões e assalariados, arbitragem o conciliação.
2.ª Repartição da Previdência Social, à qual incumbem os assuntos relativos às condições de existência dos operários em caso de doença, desastre, falta ou interrupção de trabalho, à mutualidacle, ao cooperativismo e a caixas económicas.
Art. 2.° A 1.ª Repartição do Trabalho é constituída por duas secções, a saber: 1.ª Secção, à qual incumbem os assuntos relativos à regulamentação do trabalho industrial; fiscalização do trabalho das mulheres, dos menores e dos adultos na indústria; apuramento dos desastres no trabalho e suas causas; segurança e salubridade nas fábricas e oficinas, condições para o estabelecimento destas e sua laboração; inspecção dos estabelecimentos industriais insalubres, incómodos ou perigosos; provas dos geradores e recipientes de vapor; motores de gás e outros, e organização dos respectivos registos; registo das máquinas operatórias e dos indicadores mecânicos; apreciação das forças hidráulicas utilizadas; pessoal e material dos serviços externos dependentes da Direcção Geral.
2.ª Secção, à qual incumbem os assuntos relativos a contrato de trabalho, horas de trabalho, descansos, salários, associações de classe compostas só de empregados, operários ou trabalhadores ou mixtas de comerciantes e empregados, de industriais e operários ou de lavradores e trabalhadores, e aprovação dos respectivos estatutos; conflitos entre patrões e assalaria: dos (greves, coligações, etc.); bolsas de trabalho; monografias indústrias e com grafia industrial; recenseamento operário por fábricas indústrias; estatística relativa a assuntos da competência da repartição. Art. 3.° A 2.ª Repartição da Previdência
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Social é constituída por duas secções, a saber:
1.ª Secção, à qual incumbem os assuntos relativos à situação e condições da vida do operariado, crises provenientes de falta ou interrupção do trabalho, doenças profissionais, seguros contra os riscos de desastres, de interrupção de trabalho e de invalidado do pessoal operário; associações de socorros mútuos e aprovação dos respectivos estatutos, conselhos regionais das associações de socorros mútuos; investigações relativas a cooperativas operárias de produção, de consumo ou de crédito; inquéritos sôbre a situação do operariado; serviços de secretaria e expediente do instituto do Trabalho e Previdência.
2.ª Secção, à qual incumbem os assuntos relativos a caixas económicas, estatística relativa a assuntos da competência da repartição; publicação do Boletim do Trabalho Industrial.
Art. 4.° A Direcção Geral do Comércio e Indústria a que se referem os artigos 15.° a 20.° do decreto com fôrça de lei de 21 de Janeiro de 1903 passa a ser constituída por duas repartições, a saber:
1.ª Repartição do Comércio e Indústria, à qual incumbem os assuntos relativos ao comércio e indústria, e ao serviço de pesos e medicUs.
2.ª Repartição da Propriedade Industrial, à qual incumbem os assuntos relativos a registo de marcas de fábrica ou de comércio, patentes de invenção ou de introdução de novas indústrias ou de novos processos e depósito de desenhos e modelos de fábrica.
Art. 5.° A 1.ª Repartição do Comércio e Indústria fica constituída por três secções, a saber:
1.ª Secção, à qual incumbem os assuntos relativos ao fomento comercial, e ao comércio interno, externo e de trânsito; informações de interesse para os comerciantes e industriais; bolsas comerciais e corretores; registo das denominações das sociedades anónimas, cooperativas e por cotas; associações de classe, comerciais e industriais, compostas só de patrões (comerciantes, industriais ou agricultores) e aprovação dos respectivos estatutos.
2.ª Secção, à qual incumbem os assuntos relativos à indústria, pelo que diz respeito à sua situação, às condições do seu funcionamento e produção e às medidas que podem concorrer para o seu desenvolvimento; inquéritos industriais e comerciais; exposições nacionais e internacionais; estatísticas relativas aos serviços da competência da Repartição.
3.ª Secção, à qual incumbem os assuntos relativos aos serviços de aferição e fiscalização dó serviço dos aferidores de pesos e medidas, balanças, contadores de gás e água, depósitos, alambiques, etc.; oficina central de aferições.
Art. 6.° A 2.ª Repartição da Propriedade Industrial, continua constituída com duas secções, a saber:
1.ª Secção, à qual incumbem os assuntos relativos ao registo de marcas de fábrica e de comércio; apuramento das receitas provenientes dêsse registo; arquivo relativo a êsses serviços.
2.ª Secção, à qual incumbem os assuntos relativos à concessão de patentes de invenção, de introdução de novas indústrias e de novos processos; depósito de desenhos e modelos de fábrica; apuramento das receitas provenientes dos serviços incumbidos a esta secção; arquivo relativo a êsses serviços; serviço de expediente e secretaria do Conselho Superior do Comércio e Indústria; publicação do Boletim da Propriedade Industrial.
Art. 7.° Quando as conveniências do serviço o aconselharem, poderá o Govêrno modificar, por decreto, a enumeração e distribuição dos serviços incumbidos às Repartições e Secções a que se referem, os artigos anteriores.
Art. 8.° Os lugares de director geral do Trabalho e Previdência Social e de director geral do Comércio e Indústria são de livre escolha do Govêrno e providos em indivíduos que possuam a capacidade e mais requisitos para desempenhar as funções inerentes a êsses cargos.
Art. 9.° Os lugares de chefes da Repartição do Trabalho, da Repartição da Propriedade Industrial e da Repartição da Previdência Social, vagos ou que vagarem, serão providos em concurso de provas públicas e documentais ao qual somente serão admitidos os candidatos que, alêm de satisfazerem aos requisitos exigidos em geral para o provimento de lugares públicos, possuírem:
a) O curso de engenharia civil, qualquer dos cursos superiores especiais pró-
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fessados ao Instituto Superior Técnico de Lisboa ou o curso superior industrial do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa ou do Pôrto, quando se tratar de lugares de chefe da Repartição de Trabalho ou da Repartição da Propriedade Industrial;
b) Um curso superior, quando se tratar de lugar de chefe da Repartição da Previdência Social.
As funções de chefe da Repartição do Comércio e Indústria serão desempenhadas pelo director geral do Comércio e Indústria, cumulativamente com as do seu cargo, sem retribuição especial. 1 Art. 10.° Os lugares de chefes da 1.ª Secção da Repartição do Trabalho, da 3.ª Secção da Repartição do Comércio e Indústria, e da 2.ª Secção da Repartição da Propriedade Industrial, continuarão provisoriamente desempenhados por engenheiros do corpo de engenharia civil, em comissão de serviço destacado, nos termos da legislação vigente. Quando venha a dar-se vacatura em qualquer dêsses lugares, será essa vacatura preenchida por concurso de provas públicas e documentais entre indivíduos que possuírem algum dos cursos indicados na alínea a) do artigo 9.°
Os lugares de chefes da 2.ª Secção da Repartição do Trabalho, da 1.ª e 2.ª Secções da Repartição de Previdência Social, da 1.ª e 2.ª Secções da Repartição do Comércio e Indústria, e da 1.ª Secção da Repartição da Propriedade Industrial, serão desempenhados por primeiros ou segundos oficiais do quadro privativo da Secretaria de Estado.
Art. 11.° Na Secretaria do Ministério do Fomento funcionará, junto da Direcção Geral do Trabalho e Previdência Social, o Instituto do Trabalho e Previdência Social, ao qual compete dar parecer fundamentado, quando mandado ouvir pelo Govêrno, e estudar, relatar e propor de sua iniciativa o que tiver por conveniente sôbre os seguintes assuntos:
1.° Situação económica e comercial dos diversos ramos de trabalho; estado do mercado do trabalho nas diversas profissões; falta ou interrupção de trabalho, suas causas, duração, efeitos e remédios, incluindo o seguro; situação dos operários e aprendizes dos dois sexos em relação ao salário e modo de remuneração; duração
do trabalho, condições do contrato de trabalho; regulamentos das oficinas; legislação sôbre trabalho das mulheres e dos menores na indústria e sua influência sôbre os salários;
2.° Custo da vida; orçamento de diversas categorias de operários; preço a retalho dos objectos e géneros alimentícios de consumo geral; influência dos impostos sôbre as condições de vida das classes operárias;
3.° Casas para operários; influência das providências oficiais ou de iniciativa particular sôbre habitações operárias; sociedades para construção de casas baratas e resultados obtidos em relação a habitações operárias;
4.° Desastres no trabalho, sua classificação por indústrias, causas, duração de incapacidade de trabalho, idade e estado civil das vítimas; morbilidade das diversas categorias de operários, segundo o sexo e a profissão; doenças provenientes da natureza do trabalho, da alimentação, do abuso das bebidas alcoólicas; resultados obtidos das medidas relativas a salubridade e higiene das fábricas e oficinas; 5.° Conflitos entre patrões e operários (greves, coligações, etc.), causas, incidentes, conclusão e consequências; resultados obtidos por instituições oficiais ou particulares para conciliação ou arbitragem nos casos de conflitos entre patrões e operários;
6.° Associações de classe de patrões ou de operários ou mixtas, sua situação e desenvolvimento; sociedades mutualistas, sua situação e desenvolvimento; caixas económicas, sua situação e influência sôbre o desenvolvimento do espírito de economia nas diversas regiões do país; situação e desenvolvimento das sociedades cooperativas de produção, consumo e crédito, e resultados da respectiva legislação;
7.° Ensino industrial e profissional, resultados obtidos no país; situação do aprendizado nas diversas indústrias e profissões;
8.° Condições de trabalho nos serviços e estabelecimentos do Estado e das corporações administrativas; resultados do regime estabelecido;
9.° Estado das indústrias; condições da produção; situação do trabalho; emigração; colonização.
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§ único. As funções do Instituto de Trabalho e Previdência Social são consultivas.
Art. 12.° O Instituto do Trabalho e Previdência Social será constituído por:
1.° O director geral do Trabalho e Previdência Social;
2.° Quatro Senadores e quatro Deputados eleitos pela respectiva Câmara para servirem até terminar a legislatura;
3.° O administrador da Caixa Geral de Depósitos e Instituições de Previdência;
4.° O presidente do Tribunal de Árbitros Avindores de Lisboa;
5.° O presidente da Bolsa de Trabalho de Lisboa;
6.° O lente de economia política da Faculdade de Sciências de Lisboa;
7.° Seis industriais (patrões) eleitos de três em três anos pelas respectivas associações de classe;
8.° Seis operários eleitos de três em três anos pelas respectivas associações de classe;
9.° Um representante da Federação das Associações de Socorros Mútuos, eleito pela respectiva direcção;
10.° O professor de higiene da Faculdade de Medicina de Lisboa;
11.° Dois vogais de livre nomeação do Govêrno;
12.° O chefe da Repartição do Trabalho;
13.° O chefe da Repartição da Previdência Social, que servirá de secretário.
§ 1.° As funções de membros do Instituto do Trabalho e Previdência Social são gratuitas, excepto para os vogais operários, de que trata o n.° 8.° dêste artigo, cada um dos quais receberá 2$50 por cada sessão em que comparecer. Os membros do mesmo Instituto que forem funcionários públicos acumularão as respectivas funções com o exercício dos seus cargos.
§ 2.° O Instituto elegerá, de entre os respectivos membros, os seus presidente e vice-presidente.
Art. 13.° Ao Conselho Superior do Comércio e Indústria, a que se refere o artigo 173.° do decreto com fôrça de lei de 21 de Janeiro de 1903, fica competindo dar parecer fundamentado sôbre os seguintes assuntos:
1.° Comércio interno, externo e de trânsito; novos mercados e alargamentos das
relações comerciais existentes, navegação, transportes terrestres e marítimos; regime dos portos comerciais; bolsas comerciais; associações de classe comerciais ou industriais; legislação comercial; regime das sociedades comerciais; tratados de comércio; inquéritos comerciais; pesos e medidas;
2.° Situação da indústria, condições do seu funcionamento e produção; providências para o seu desenvolvimento; draw-backs; inquéritos industriais;' exposições nacionais e internacionais; marcas de fábrica e de comércio; patentes de invenção e de introdução de novas indústrias ou de novos processos:
3.° Todos os mais assuntos sôbre que o Ministro o mandar consultar.
Art. 14.° O Conselho Superior do Comércio e Indústria dividir-se há em duas secções: 1.ª Comércio, 2.ª Indústria.
§ único. Cada uma das secções consultará especialmente sôbre assuntos da sua competência, podendo o Ministro ordenar que sôbre o mesmo assunto sejam ouvidas conjuntamente as duas secções.
Art. 15.° A secção de comércio será constituída por:
1.° O engenheiro inspector mais moderno da Secção de Obras Públicas;
2.° Um funcionário superior da Direcção Geral dos Negócios Comerciais e Consulares nomeado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros;
3.° Um funcionário superior- da Direcção Geral das Alfândegas, nomeado pelo Ministro das Finanças;
4.° O presidente da Direcção da Associação Comercial de Lisboa;
5.° O presidente da Direcção da Associação Comercial do Pôrto;
6.° O presidente da Direcção do Centro Comercial do Pôrto;
7.° Quatro indivíduos de reconhecida competência em assuntos comerciais, escolhidos pelo Ministro do Fomento;
8.° O chefe da Repartição da Propriedade Industrial, que servirá de secretário.
Art. 16.° A Secção de Indústria será constituída por:
1.° O inspector de minas do Corpo do Engenharia Civil;
2.° O chefe da Repartição de Minas:
3.° O presidente da Associação dos Engenheiros Civis;
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4.° O director do Instituto Superior Técnico;
5,° O presidente da Associação Industrial de Lisboa;
6.° O presidente da Associação Industrial do Pôrto;
7.° Cinco indivíduos de reconhecida competência em assuntos industriais, escolhidos pelo Ministro do Fomento; - 8.° O chefe da Repartição da Propriedade Industrial, que servirá de secretário.
Art. 17.° Emquanto não fôr por lei determinado o contrário, continuarão funcionando nas condições actuais a Repartição do Ensino Industrial e Comercial e a Secção do Ensino Industrial e Comercial do Conselho Superior do Comércio e Indústria.
Senado, em 12 de Julho de 1915.— Estêvão de Vasconcelos.
Projectos de lei
Foram lidos na Mesa, vindos da Câmara dos Deputados, os projectos de lei seguintes:
Autorizando a Câmara Municipal do Pôrto a contrair um empréstimo de 3:000.000$.
Interpretando o artigo 1.° da lei n.° 319, de 16 de Junho de 1915.
Foram para as comissões respectivas,
Antes da ordem do dia
Constituição de comissões
O Sr. Ramos Pereira: — Informo o Senado de que está constituída a comissão de higiene e assistência, ficando eleitos:
Presidente, o Sr. Senador Filipe da Mata e secretário o participante.
O Sr. Fortunato da Fonseca: - Comunico à Câmara que está constituída já a comissão de administração pública, sendo eleito seu presidente o Sr. Senador Joaquim José de Sousa Fernandes e secretário o participante.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem dia Os Srs. Senadores que tiverem papeis a mandar para a Mesa queiram fazê-lo.
O Sr. Estêvão de Vasconcelos: — Mando para a Mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que me sejam enviadas, com a maior urgência, pelo Ministério de Instrução Pública:
a) Nota numérica, em cada ano lectivo, inclusive o actual, dos indivíduos que tem requerido exame do curso geral da 2.ª secção nos liceus de Lisboa, desde que está em vigor a actual organização de ensino secundário.
b) Igual nota dos examinados que tem sido reprovados na parte escrita.— Estêvão de Vasconcelos.
Desejo interpelar o Sr. Ministro das Colónias sôbre o objectivo das operações militares no sul de Angola.— Júlio Ernesto de Lima Duque.
Pareceres
O Sr. Silva Barreto: — Mando para a Mesa o parecer da comissão de instrução sôbre a proposta de lei n.° 10.
O Sr. Pina Lopes: — Mando para a Mesa o parecer da comissão de finanças sôbre o projecto de lei D.° 122-B, que inclui no artigo 386.° da pauta das alfândegas os chapéus de pasta dos mineiros.
ORDEM DO DIA
Interpelação do Sr. Jerónimo de Matos ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros
O Sr. Presidente: — Em vista de não estar presente o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, interrompo a sessão até S, Exa. chegar.
Eram 15 horas e 5 minutos.
Às 15 horas e 15 minutos entra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão. Tem a palavra o Sr. Jerónimo de Matos.
O Sr.( Jerónimo de Matos: — Sr. Presidente: É a primeira vez que tenho a honra de usar dá palavra no Parlamento. Uso-a profundamente comovido. A minha comoção deriva de me sentir o mais humilde entre tantos colegas que pelo talento, pela consideração pública e até pelo hábito dos triunfos, melhor do que eu sabem honrar o mandato que a nação lhes conferiu.
O meu primeiro dever será pois saudar
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V. Exa. que, na hierarquia desta nossa República, democrática e parlamentar, ascendeu a um dos mais altos lugares a que um cidadão português pode aspirar. Tem V. Exa. um passado, cheio, perfumado de virtudes cívicas, flagrante em denodados esforços pelo triunfo da República. O presente marcou-lhe êsse lugar, por isso o saúdo. Em V. Exa. saúdo igualmente o Senado que legitimamente representa. Está aí ao centro dêste hemiciclo, rodeado da grandeza majestosa que do Senado deriva.
Perante o Senado inclino a fronte porque, neste âmbito, sinto palpitar o coração do povo que directamente nos elegeu; porque, neste recinto, está imanente a vontade popular, no passado, poeira anónima, sempre dispersa pelas rajadas do despotismo; no presente, é a única fôrça imperativa a que se obedece, é o único direito que se não discute, é a única soberania que a tudo sobreleva.
Saúdo pois o Senado. (Apoiados).
Sr. Presidente:
Antes de tudo desejo acentuar que a minha interpelação, não tem fins políticos. Não pretendo hostilizar o Sr. Ministro dos Estrangeiros ou o Govêrno de que S. Exa. é um dos mais ilustres membros, pelos fulgores do seu talento, pela cultura do seu espírito e até pelas primorosas qualidades que o distinguem. (Apoiados).
A minha interpelação é de natureza económica e visa à defesa dos legítimos interêsses da região duriense, que o Govêrno do Sr. Bernardino Machado, pela mão cruel do Sr. Freire de Andrade, reduziu á mais pavorosa de todas as misérias, a fome, com todos os seus horrores, com todos os seus desvairamentos que, sendo de luta pela vida tudo, absolutamente tudo, legitimam. (Apoiados).
Sou filho do Douro, Sr. Presidente, tenho obrigação de o defender. Hei-de defendê-lo, custe o que custar, como souber e como puder. De lá venho por sua vontade, expressa em sufrágio libérrimo. Trago no coração todas as suas angústias e na voz a aspereza das suas montanhas. As angústias hei-de senti-las, hei-de destilá-las na consciência daqueles a quem o remorso jamais deixará de morder; as palavras hão-de rolar, cheias de arestas, ferindo, rasgando os ouvidos de quem nos não quis ouvir, de quem nos atacou de surpresa e pela calada da noite, fariscando o nosso sono nos braços da lei. (Apoiados).
Não quero, não devo discutir o tratado de comércio com a Inglaterra, negociado a ocultas dos interessados, ou das entidades oficiais que os representam, como são as Câmaras municipais, a grande comissão de viticultura, os sindicatos agrícolas e todos os organismos colectivos, representantes das forças vivas do norte do país. Êsse tratado que, na base 6.ª e por parte exclusiva do negociador português é uma pura negociata, tem a sua condenação suprema, fulminante, nas sessões parlamentares, que o aprovaram com aclarações, autorizando assim, e só assim, a sua ratificação. Nessas memoráveis sessões que honram a República pelo seu inteiro espírito de justiça, ao mesmo tempo que o Parlamento desmascara e condena o propósito oculto, porventura a veniaga, pois outra cousa não é a transformação da marca regional dos nossos vinhos em marcas industriais, em larga exploração do norte ao sul do país,— provê de remédios os povos ofendidos, introduzindo um aditamento á base 6.ª em que se declara «que deve ficar entendido que vinhos do Pôrto são únicamente os produzidos na região do Douro, demarcada por lei, e exportados pela barra do Pôrto». (Apoiados).
O Parlamento procedeu honesta e honradamente para o interior e para o exterior. Para o interior, garantiu aos povos do Douro os seus legítimos e naturais direitos, conquistados em pugnas homéricas que duraram longos anos. Para o exterior, garantiu aos consumidores do Reino Unido, a genuinidade da marca regional, contra as ficções da indústria que, cedo ou tarde, implicaria necessáriamente o descrédito do nosso mais importante produto de exportação, único caudal de ouro para dentro do país. (Apoiados).
Não é meu propósito, Sr. Presidente, nem isso aproveitaria à minha intenção de momento, fazer a história interessante dessa luta gigantesca, no ponto de vista económico, que liga a sua fase culminante ao período áureo da formidável acção pombalina. Basta, e isso é imprescindível, rememorar os factos contemporâneos, porque dêles deriva a actual explicação da ansiedade em que vivem os povos do Douro, desde que foi publicado e só então conhecido, o texto do tratado.
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Desde 1907, o Douro, a braços com uma das mais temerosas crises que o assoberbaram, fez renascer as suas antigas reclamações para garantia da genuinidade da marca dos seus vinhos. Os seus homens mais ilustres, mais eminentes, estudando com carinho e acrisolado amor o problema, encontraram como solução prática e única a restrição da barra do Pôrto, fazendo assim ressurgir um dos pensamentos do gran.de e glorioso Marquês, quando, com a sua mão de ferro, rodeou das máximas garantias a produção vinícola do Douro. (Apoiados).
Em torno dêste pensamento ressurgido, levantou-se a mais bela, mais eficaz e gloriosa campanha que em Portugal se tem efectuado!
Nos comícios ouviu-se a voz eloquente dos seus mais afamados oradores.
Na imprensa escreveram-se artigos brilhantes.
Nem sequer faltou a enérgica vontade dos homens da acção, produzindo protestos e reclamações que ecoaram em todo o país e em todo o vasto império de Sua Majestade Britânica.
Ao fim de tam porfiada luta, o Douro viu realizada a sua ambição legítima! A barra do Pôrto ficou privativa dos seus vinhos licorosos! Vinhos do Pôrto eram somente os produzidos na região do Douro, demarcada por lei, e exportados pela barra do Pôrto! (Apoiados).
Sr. Presidente: No próprio momento em que esta justíssima medida económica, sentia todos os seus benéficos efeitos, pois se haviam esgotado os 150.000.000 de litros de vinhos do sul, introduzidos apressadamente nos armazéns de Vila Nova de Gaia pouco antes da promulgação da lei de 18 de Setembro de 1908, — surge de golpe a base 6.ª do tratado, negociado no Govêrno do Sr. Bernardino Machado, ou antes no seu consulado cordial.
O Sr. Freire de Andrade, porventura, um dos espíritos mais scintilantes. mais cultos do nosso tempo, conhecendo proficientemente a legislação económica do seu país, empunha o gládio traiçoeiro da base 6.ª e embebe-o em pleno coração do Douro! Extingue-lhe a marca regional e cria a industrial. Reduz à miséria uma região já pobre e transforma em opulenta uma região já rica!
Haveria ignorância da legislação económica do seu pais e do texto dos convénios internacionais, ou requintada má fé?!
Vozes: — Isso, isso. Apoiado.
O Orador: — Não necessito, Sr. Presidente, de dar ou ouvir resposta.
Quem conhece o ilustre negociador do tratado e as ligações de toda a ordem que o prendem à região favorecida pela criminosa base 5.ª, sabe como deve classificá-lo.
Sr. Presidente: Justificado está o Congresso que votou por unanimidade a aclaração à base 6.ª do tratado, proposta pelo ilustre Deputado, Sr. Bernardo Lucas, de acôrdo com o eminente estadista Sr. Afonso Costa, como igualmente está justificado
O espírito de revolta que, de há meses a esta parte, sacode todos os povos da infeliz região.
Êsses povos tem por si o direito que lhe foi reconhecido pelo convénio de Madrid, ali assinado em 14 de Abril de 1891, no qual as marcas regionais de vinhos foram consagradas e esclarecidas nos seus artigos 1.° e 4.°
O orador lê e comenta os artigos. (Apoiados).
Êsses povos tem por si o direito que lhes foi reconhecido pelo tratado de comércio com a Alemanha que aceitou a doutrina das marcas regionais de vinhos, perseguindo com o rigor das leis os usurpadores dos nomes do Pôrto e Madeira. Neste tratado, e principalmente na nota final do protocolo de que foi relator o brilhante jornalista e Deputado, Sr. Melo Barreto, bem garantidas ficaram as marcas regionais daqueles vinhos. (Apoiados).
Êsses povos tem por si o direito que lhes foi reconhecido pelo diploma de 18 de Setembro de 1908 e decreto regulamentar de 1 de Outubro do mesmo ano. Não leio êsses monumentais documentos que deveriam representar para o Douro a máxima garantia do seu direito absoluto de propriedade e que a base 6.ª do tratado atacou, porque a leitura seria demorada e desnecessária para o Senado. (Apoiados).
Êsses povos, Sr. Presidente, tem por si o direito que lhes foi reconhecido pela aclaração à base 6.ª do tratado, votada por unanimidade e no Parlamento, na memorável sessão de 23 de Janeiro de 1915. Está aclaração é actualmente, como já o
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era, lei do país pois tem a assinatura do Sr. Presidente da República e a referenda do Sr. Augusto Soares.
O seu texto diz o seguinte:
«É aprovado, para ser ratificado pelo Poder Executivo, o tratado de comércio e navegação, assinado em 12 de Agosto de 1914, entre Portugal e a Gran-Bretanha, ficando todavia entendido, quanto ao artigo 6.° do mesmo tratado que, conforme é expresso na nossa legislação, o vinho português a que compete a designação de Pôrto é únicamente o vinho generoso, produzido na região do Douro, demarcada por lei, e exportado pela barra do Pôrto».
Nada mais claro e terminante! (Apoiados).
Sr. Presidente: o ilustre Ministro dos Estrangeiros não pode pois ratificar o tratado sem que da sua carta de ratificação, sem que das notas reversais, trocadas entre as duas Partes contratantes, conste e fique bem esclarecida a doutrina restritiva da aclaração. (Apoiados).
Os senhores defensores de que o tratado pode ser ratificado sem a aclaração, baseados em que a sua doutrina só obriga a parte contratante que a aprovou e não obriga a outra parte, — sofismam, pois que, a consequência natural, lógica e constitucional que resulta da falta de assentimento a tal doutrina por parte da Inglaterra e a caducidade do tratado negociado e nunca o que tais defensores pretendem. (Apoiados, muito bem).
O tratado, Sr. Presidente, foi aprovado com aclarações. Não o seria sem elas.
Consequentemente, a ratificação só poderá efectuar-se se as duas Partes contratantes, assentirem à sua doutrina. Não assentindo uma delas, caduca o tratado.
O Sr. Carlos Richter: — É isso mesmo.
O Orador: — A opinião contrária não pode vingar, não deve vingar para decoro de quem apresentou o aditamento à base 6.ª e para decoro do Congresso que o votou por unanimidade; pois que se tal opinião vingasse, por mais jurídica e constitucional, teríamos de admitir que o Congresso mistificou o Douro, o que deve ser absurdo para honra da República ou dos homens que a representam (Apoiados).
Sr. Presidente: na outra casa do Parlamento, o Sr. Ministro dos Estrangeiros deixou antever, pôsto que veladamente, que a caducidade do tratado implicaria a perda do statu que ante!
Curvo-me perante a afirmativa do ilustre Ministro; não concebo, porêm, como tal cousa possa suceder. E mistério que não procuro desvendar, por ser do mais alto melindre. Deve haver razões de Estado, que um dia farão a sua eclosão do templo das chancelarias. Sendo assim, Sr. Presidente, em nome de todas as câmaras municipais da região duriense, incluindo a do Pôrto, em nome de todas as associações comerciais e industriais, dos sindicatos agrícolas, da Liga Agrária do Norte, da grande comissão de viticultura duriense, em nome de todos os organismos colectivos e individuais que representam as forças vivas do país declaro solenemente ao Sr. Ministro dos Estrangeiros que pode ratificar o tratado de comércio e navegação com a Inglaterra, sem a aclaração á base 6.ª; antes disso, porêm, deve S. Exa. trazer ao Parlamento e fazer votar um projecto de lei que proíba a exportação de vinhos licorosos que não sejam os do Douro, pela sua barra, è os conhecidos pelas suas marcas tradicionais, para que vigore, transitoriamente, até o momento em que a doutrina da aclaração à base 6.a, votada no Congresso na sua sessão de 23 de Janeiro de 1915, entre na legislação inglesa. Será esta a única forma de salvaguardar o decoro do Congresso e os legítimos direitos do Douro, fundamentalmente feridos (Apoiados).
Sr. Presidente: é indispensável que ao Douro se fale claro. O Douro está saciado de mistificações. Que ao menos o Sr. Ministro dos Estrangeiros lhe fale a linguagem da verdade, embora tenha de lhe escancarar o abismo em que o despenharam.
É indispensável que S. Exa. confirme ou não as promessas que ao Douro fez o Sr. Presidente do actual Ministério.
O Sr. José de Castro, que é figura de grande relevo e prestígio dentro da República, que nos aparece sempre envolto numa auréola de bondade que o torna tam querido do país inteiro, não pode ter pensado sequer em iludir uma região que sossegou ao som da sua voz dulcíssima (Apoiados).
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S. Exa. falou pela seguinte forma ao Douro, dirigindo-se telegráficamente ao Sr. governador civil de Vila Rial: «Tendo considerado atentamente os protestos da região do Douro, julgo-me solidário com o movimento de defesa regional».
Que protestos seriam os do Douro com que o Sr. José de Castro se julgou solidário, depois de pensar atentamente, senão aqueles que o Douro pela minha voz acaba de fazer nesta casa?!
Falou ainda pela seguinte maneira aos povos da mesma região, em telegrama endereçado ao antigo Senador Sr. Antão de Carvalho, presidente da câmara da Régua, denodado defensor da causa duriense e chefe do movimento de protestos: «O Govêrno sob a minha presidência não aprovou nem aprovará o tratado luso-britânico sem deixar que bem se esclareçam e se respeitem as pretensões da região duriense».
Quais serão as pretensões da região duriense que é necessário respeitar?! Não conheço, ninguêm conhece outras que não sejam as que acabo de proclamar (Apoiados).
Em telegrama, dirigido ao Sr. governador civil de Vila Rial, com destino ao Douro, disse ainda S. Exa.: «O tratado ainda não foi ratificado e, quando o for, não pode deixar de ter-se em vista a aclaração que foi dada no Parlamento português ao artigo 6.°»
Nada mais claro do que estas palavras, que o Douro escutou com júbilo!
Na outra casa do Parlamento o Sr. Alexandre Braga tentou derivar-lhes o sentido, esbater-lhes o pensamento, pulverizar tudo numa poeira astral, tornada invisível, pela irradiação, aos olhos dos que julga gravitarem em esfera inferior à sua, para que, na liquidação final de responsabilidades, saísse ilibado quem tais palavras pronunciou. O brilhante orador, que é uma glória do Parlamento, venceu mas não convenceu.
Que as promessas feitas ao Douro se cumpram são os desejos mais ardentes de quem acaba de o defender como soube e como pôde.
Sr. Presidente: peço licença para ler e mandar. para a Mesa a seguinte moção, que concretiza o pensamento da minha interpelação:
Considerando que o Poder Executivo, nos termos do n.° 7 do artigo 47.° da Constituição Política da República Portuguesa, não pode ratificar os tratados de comércio sem a aprovação do Congresso:
Considerando que o Congresso, no uso legítimo das suas atribuições do n.° 15.° do artigo 26.° da mesma Constituição, aprovou, para ser ratificado, o tratado de comércio, negociado entre Portugal e a Inglaterra com o aditamento ao artigo 6.° que estabelece doutrina restritiva, alterando assim fundamentalmente o texto do citado artigo;
Considerando que a doutrina restritiva do aditamento ou aclaração está em conformidade com as leis económicas da nação e com o texto dos convénios internacionais:
O Senado confia em que o Poder Executivo ratifique o tratado de comércio Luso-Britânico nos precisos termos em que a aclaração ao artigo 6.° ficou sendo, como já era, lei do país. Se porêm das notas re-versais, trocadas entre as duas nações amigas, esta doutrina aclaratória não tiver obtido o assentimento do Govêrno Inglês— o Senado confia em que o Govêrno protele a ratificação, até que se habilite com medidas legislativas tendentes a impedirem a venda, no Reino Unido, de vinhos Pôrto que não sejam exportados pela barra do Pôrto e provenientes da região demarcada do Douro. Só por esta forma o Senado julga salvaguardados os legítimos interêsses do Douro e honradas as promessas que S. Exa. o Sr. Presidente do Ministério fez solenemente àquela região.
Sala das Sessões do Senado, em 13 de Julho de 1915.— Jerónimo de Matos Ribeiro dos Santos.
(Apoiados).
O Sr. Ministro dos Estrangeiros (Augusto Soares): — O discurso proferido pelo Sr. Secador Jerónimo de Matos é, de entre todos aqueles que tenho ouvido sôbre a questão do Douro, um dos mais eloquentes e sobretudo um dos mais correctos.
Eu tive já ocasião, tanto nesta, como na outra casa do Parlamento, de dizer qual a minha opinião sôbre o tratado com a Inglaterra. Logo na primeira vez que trouxe á Câmara o tratado, declarei que não concordava com a sua redacção, que ela
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não salvaguardava os legítimos interêsses da região duriense, nem correspondia à nossa própria legislação.
Apesar desta minha declaração, o Parlamento entendeu que devia aprovar o tratado, não fazendo restrição alguma e votando apenas uma aclaração sôbre o modo de sentir de Portugal, aclaração que se explica como um acto de lialdade, e de cortezia para com a Inglaterra.
Claro está que farei a ratificação com a aclaração da lei de 16 de Janeiro de 1914.
Mas eu declarei na Câmara dos Deputados, e declaro aqui outra vez que essa aclaração não pode ter efeito de restrição à clausula 6.ª do tratado. (Apoiados).
O orador não reviu.
O Sr. Martins de Almeida: — Requeiro a generalização do dabate.
Foi aprovado.
O Sr. João Maria da Costa: — Requeiro a contra prova.
Feita a contra prova deu o mesmo resultado.
O Sr. Teixeira Rebelo: — Permita-lhe a Câmara que, em nome da região do Douro, se insurja contra palavras e frases que na outra casa do Parlamento foram proferidas pelo ilustre parlamentar Sr. Alexandre Braga, a respeito da questão que se debate.
Disse-se na outra Câmara que não se se acreditava na sinceridade dos representantes da região do Douro, porquanto, quando da publicação do tratado, não apareceram as reclamações; e disse-se mais: afirmou-se que, a ter de ser sacrificada alguma região, essa região devia ser o Douro.^
Êle, orador, se tivesse ouvido tais palavras e tivesse assento na Câmara dos Deputados, pediria que se abrissem todas as portas para mais fácilmente saírem as palavras do Sr. Alexandre Braga.
O Sr. Presidente: — Observa ao orador que não se podem fazer referências ao que se passa na outra casa do Parlamento.
O Orador: — Continuando na sua ordem de considerações, fá-lo, contudo, aludindo aos factos e não às pessoas, citando as palavras do Príncipe de Meternich, quando disse a Napoleão, ao tratar-se da paz de Amiens, que as portas da sala deveriam abrir-se para que o povo ouvisse as suas palavras, observa que tambêm o povo do Douro deveria ter ouvido, como disse, as palavras a que aludira, quando foram proferidas na Câmara dos Deputados.
O Douro não pede favores; pede simplesmente aquilo a que tem direito.
O Douro reclamou, logo após a publicação do tratado, tratado que, a ser executado sem a aprovação, por parte do Govêrno Inglês, do aditamento que lhe foi feito, representa a ruína e a morte para aquela região.
Tal tratado foi irreflectidamente negociado.
Cita tambêm o orador as promessas do actual Sr. Presidente do Ministério, e recorda que o Douro merece protecção e defesa, pois está ameaçado de morte por êsse nefasto tratado, negociado, repete, imprudentemente, e no qual a parte de leão não é dada a Portugal.
Seguidamente o orador apresenta várias sentenças de tribunais ingleses em casos de apreensão de vinhos falsificados; menciona o convénio de Madrid; e historia o regime fiscal inglês em matéria de vinhos; e, dando como demonstrado que o tratado foi uma verdadeira desgraça, sob o ponto de vista diplomático e jurídico, fazendo notar que o assunto interessa ao próprio sul, cuja aguardente encontra consumo no Douro.
A sua linguagem, diz o orador, será rude, mas é sincera.
Nunca foi educado em blandícias, e, sem ambages e sem rodeios, diz ao Senado que os poderes públicos não devem esquecer os interêsses do Douro, cujas notas estatísticas de exportação lê, recordando que essa exportação já tem salvo o país de mais de uma temerosa crise de ouro, e lastimando que as palavras do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não sejam de natureza a repercurtir ecos de triunfo pelos vales do Douro, mas antes próprias para provocarem lágrimas de dor em todos os pobres lares daquela região.
Não há, diz o orador, relação possível entre os benefícios que damos e os que recebemos e não compreende como o sul do país, que tem todas as riquezas, quere ainda usurpar o resto do património duriense.
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É necessário que o Govêrno se lembre de que para a miséria e para a fome não há palavras de persuasão; e pelas palavras que tem ouvido ao Poder Executivo, parece-lhe que vai soar o dobre de finados para a região do Douro.
Terminando, pede ao Grovêrno que faça ver á Inglaterra as circunstâncias especiais em que se encontra aquela região, pois êle, orador, crê que a Gran-Bretanha não há-de ser tam severa que não atenda a tais solicitações. (Apoiados).
O orador foi cumprimentado.
O discurso será publicado na íntegra quando o orador restituir as notas taquigráficas.
O Sr. Jerónimo de Matos: — Agradeço as palavras que me dirigiu o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros. Declaro, porêm, que o Douro não fica satisfeito com a resposta de S. Exa.
O Sr. João Maria da Costa: — Estava bem longe de entrar neste debate, mas a verdade é que se resolveu a pedir a palavra atentas as frases — perfeita música celestial — palavras harmoniosas parecendo proferidas ao som da querida guitarra pelo: Sr. Senador Jerónimo de Matos, ouvindo; asseie orador, como um sonho.
Êle, orador, é, pois, na boca dos Senhores do Pôrto, um falsificador, mas afinal a verdade é que apenas é um imitador, sendo o Douro o falsificador.
Sendo Senador pelo distrito de Santarém, deve dizer que êste distrito tem progredido à custa do seu trabalho honrado, digno e honesto, havendo, todavia, concelhos em circunstâncias iguais ás do Douro.
O lavrador do sul vive apenas da agiotagem e com enormes sacrifícios.
E é preciso que se diga a verdade.
A região do Douro que produz os vinhos inconfundíveis, terrenos xistosos, é tam pequena que não produz mais de 10:000 pipas; e as falsificações são feitas no próprio Pôrto e pelos comerciantes.
O Sr. Carlos Richter: — Isso não! Peço a palavra!
O Orador: — Eu sei-o bem. Não trago documentos, mas falo com sinceridade e conhecimento de causa!
Depois, a pequenina área foi alargada, e, apesar disso, viu-se os negociantes do
vinho do Pôrto virem implorar ao sul os seus vinhos licorosos, êsses vinhos a que chamam falsificados, quando a final, são vinhos genuínos, ao passo que na região do Douro há até vinhos verdascos para cujo tratamento é preciso empregar açúcar e outros ingredientes!
Faça-se a devida propaganda dos bons vinhos do Pôrto, mas respeitem-se os interêsses do sul.
Alêm disso, é bom não esquecer, que a Inglaterra conhece muito bem a questão dos vinhos do Douro e do Sul e fazendo um tratado connosco entendeu, e muito bem, que o não fazia com o Douro.
De resto, entende, como o sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que a ratificação do tratado se impõe e que a sua não ratificação representa a quebra da dignidade e da honra nacional (Apoiados}.
O orador foi cumprimentado.
O discurso será publicado na íntegra quando o orador restituir as notas taquigráficas,
O Sr. Teixeira Rebelo: — Respondendo a algumas das considerações do Sr. Senador João Maria da Costa, afirma, que a despeito da lei que fixa à aguardente do sul o -preço máximo de 120$ o Douro está a comprá-la a 240$. Já se vê, pois, que o Douro até ao sul é útil.
Mas se o sul tem bons vinhos, porque não faz, como em França, marcas de localidades? Vinho licoroso Santarém! Vinho licoroso — Abrantes! Vinho licoroso Paio Pires! Vinho licoroso... etc.
Em suma, o que o sul quere é afogar o Douro. Havemos de morrer afogados em vinho?!
O discurso será publicado na íntegra quando o orador restituir as notas taquigráficas.
O Sr. Pedro Martins: — Não era sua intenção entrar neste debate, mas os telegramas citados pelo Sr. Jerónimo de Matos e enviados pelo Sr. Presidente do Concelho a isso o obrigam.
Compreende, neste debate, a situação de todos os oradores, o que não percebe é a atitude do Sr. Dr. José de Castro, atitude que o leva a êle, orador, a chamar S. Exa. a esta discussão.
A questão do Douro não é de hoje, é uma questão antiga. Portanto o Sr. Presi-
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dente do Govêrno não pode, de maneira alguma, vir dizer, ao Parlamento que, ao enviar os telegramas citados, não conhecia a questão.
S. Exa. tinha o dever rigoroso e político de, antes de enviar os telegramas, estudar a questão e determinar o seu alcance. S. Exa. não teve dúvida em assumir uma situação definida perante o Douro.
O orador lê e analisa os telegramas.
O compromisso é terminante, S. Exa. fala como Presidente do Ministério. Procede assim sem poder assegurar que isto será uma realidade.
Deseja saber como é que o Sr. Presidente do Ministério explica a sua situação, que é contraditória. Ou estamos num regime de República parlamentar ou num regime de arbítrio. Como é que S. Exa. pretende resgatar o êrro político que comete a, enviando os telegramas?
Entende que esta questão não se pode continuar a discutir sem que o Sr. Presidente do Ministério defina a sua situação. O discurso será publicado na íntegra quando o orador restituir as notas taquigráficas.
O Sr. Presidente do Ministério (José de Castro): — Confesso, Sr. Presidente, que fui apanhado de surpresa pelo meu ilustre colega na jurisprudência, o Sr. Dr. Pedro Martins.
Por isso envidarei, quanto ser possa, esforços a fim de responder convenientemente ao excelente discurso de S. Exa.
Falou um distinto advogado e parlamentar que, de antemão muito bem preparado para o seu brilhante discurso, de certo empregou os seus melhores argumentos.
É, porêm, indubitável que a argumentação de S. Exa., por vezes engenhosa, nem sempre foi verdadeira. E a verdade é tambêm que, a entidade que o Sr. Pedro Martins tam alto colocou, o actual Presidente do Ministério, não podia ter praticado os actos que S. Exa. lhe atribuiu.
O Sr. Pedro Martins empregou os seus melhores argumentos para demonstrar que, da minha parte, nesta questão do Douro, tem havido uma verdadeira contradição, ou aia da mais do que contradição.
Ora, S. Exa. que é um advogado distintíssimo...
O Sr. Pedro Martins: — Muito obrigado.
O Orador: — Um parlamentar de larga envergadura, e um político de justa nomeada, colocou-me numa situação tam alta que eu muito dificilmente poderei acompanhar a sua argumentação, a qual, repito, se foi por vezes engenhosa, não foi contudo verdadeira.
S. Exa., com a sua muita generosidade, atribuíu-me as qualidades de um homem distinto, e disse que eu era um homem honrado.
Mas então pregunto eu a S. Exa., como é que um homem tam honrado, tam inteligente, desejando tanto acertar, foi praticar um acto que só merece acérrimas críticas?
O Sr. Pedro Martins: — É que o bom do Homero tambêm às vezes dormitava.
O Sr. Agostinho Fortes: — Mas êsse bom Homero nunca existiu.
O Orador: — É êsse um ponto histórico que V. Exas. podem debater entre si, como julgarem mais conveniente.
Sr. Presidente: vou agora dizer ao Sr. Pedro Martins os intuitos que me determinaram a enviar os telegramas a que S. Exa. se referiu.
Um dêsses intuitos foi; creia-o V. Exa., Sr. Presidente, creia-o o Senado, por consideração de ordem inteiramente patriótica.
£0 que disse eu? Que o Govêrno procuraria por todos os meios fazer cumprir a aclaração do artigo 6.° do tratado com a Inglaterra.
Nada mais, mas tambêm nada menos. (Apoiados).
Mas quando? Antes da ratificação? Depois?
Mas isso não é da minha competência. Não me compete discutir o tratado. Verdade seja que tambêm S. Exa. se lhe não referiu.
Do que o Sr. Pedro Martins tratou foi própriamente das circunstâncias de ocasião.
O Sr. Pedro Martins: - V. Exa. dá-me licença? Eu tratei de definir a situação de V. Exa. Depois tratarei do assunto.
O Orador: — A minha situação está definida. A Câmara ouviu a minha declara-
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cão franca, lial, aberta. S. Exa. é como professor e advogado muito distinto, espírito elevado portanto, e muito estranho seria se, com estas altas qualidades, no espaço drama hora não pudesse demonstrar que uma cousa verdadeira era falsa.
Mas não há necessidade de entrar neste caminho.
Eu estou a dizer à Câmara, franca e lealmente, os intuitos patrióticos que me levaram a enviar aqueles telegramas. Mas se a Câmara entender que o meu lugar não é êste, diz-me tambêm francamente. Não precisamos de ficéles. Os telegramas lidos com sinceridade, boa fé e com a ideia de que êste homem é o mesmo a quem S.a Exa. se referiu tam generosamente, que êste mesmo homem não é susceptível duma ligeira suspeita de não haver obedecido a intuitos patrióticos, para evitar tumultos que se poderiam dar na hipótese de se ratificar o tratado, compreender-se há que, da minha parte, não houve outro pensamento senão o de dizer que nós aqui não podíamos deixar de estar com o Douro nas suas aspirações. (Apoiados).
Esta é que é a verdade inteira, sem o menor artificio, que está bem longe do meu ânimo.
Toda a interpretação fora disto teria pouca veracidade, porque não é a conclusão a que S. Exa. chega, que se pode que se deve deduzir dos telegramas.
Essa aspiração foi constantemente, diga-se assim, o meu anteparo; e devo declarar que, dêste meu procedimento tomei, e tomo completa e inteira responsabilidade. (Apoiados).
O Sr. Pedro Martins (interrompendo): — V. Exa. dá-me licença? Dizem os telegramas:
Leu.
O que eu vejo, portanto, é que V. Exa. assumiu uma atitude clara e definida jungindo-se ás pretensões do Douro, e consequentemente, aos seus interêsses.
O Orador: — Sr. Presidente: eu não podia jungir-me às pretensões do Douro, aos seus interêsses em desrespeito à lei. (Apoiados).
De mais, se S. Exa. estivesse neste lugar, è que faria?
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O Sr. Pedro Martins: — Se eu fôsse Presidente do Ministério dir-lho-ia. Agora cabe-me preguntar, e é S. Exa. que responde.
A mim me quere parecer que S. Exa. menos bem anda não fazendo valer a sua influência para que os telegramas traduzam urna verdade.
O Orador: — Mas os telegramas não alteram nada do que o Govêrno sustenta.
O Sr. Pedro Martins: — Encontramo-nos diante dêsses telegramas. S. Exa. analisa os seus textos, mostrando-nos que, na verdade, êles não envolvem qualquer compromisso tomado pelo Govêrno, e ficamos, portanto, sabendo que efectivamente êles não haviam tido o intuito que das suas palavras se traduz.
Mas S. Exa. foge de os analisar, e se assim procede é porque vê que o perigo é grave.
Porque a verdade é, Sr. Presidente do Ministério que, se V. Exa. foge da análise dos telegramas é porque vê, repito, que o perigo é grave, e porque pressente, que ficava neles amortalhado.
O Orador: — Amortalhado!? Oh! Quem dera!
O Sr. Pedro Martins: — Eu apenas pretendo que S. Exa. explique a sua situação.
O Orador: — Sr. Presidente: não estou própriamente a analisar cada uma das palavras dos telegramas. Se S. Exa., o Sr. Pedro Martins, me tivesse prevenido de que desejava interpelar-me com respeito a cada uma dessas palavras, teria profundado mais o assunto, de forma a satisfazer o ilustre Senador.
O Sr. Pedro Martins: — Se V. Exa. não se recorda do texto dos telegramas, eu posso fornecer-lhos, visto tê-los aqui em meu poder.
O Orador: — Agradeço o oferecimento de S. Exa., mas não é agora a ocasião para estudar o assunto.
O que precisa ficar assente é que os telegramas enviados em nome do Govêrno, depois de apreciados em Conselho
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de Ministros, estão em perfeita harmonia com as considerações que acabo de expor. (Apoiados).
Engenhosamente o Sr. Pedro Martins procurou dar a êsses telegramas outra significação; mas o seu pensamento é, simples e únicamente, dizer ao Douro, que o Govêrno não pode deixar de estar com êle dentro da aclaração do artigo 6.° do tratado. Não há sequer um laivo de desrespeito à lei votada em Cortes.
Leia S. Exa. de novo os telegramas, abstraia por momentos, por isso mesmo que é um parlamentar, de que faz um discurso político, e diga se lá está cousa diversa do que acabo de dizer.
Tudo o mais são palavras que nada têm que ver com a questão.
O Sr. Pedro Martins: — Apenas pretendi que V. Exa. explicasse a sua situação.
O Orador: — Julgo haver esclarecido convenientemente o Senado, todavia voltarei de novo ao assunto se algum de V. Exas. desejar novas explicações.
O Sr. Lima Duque: — V. Exa. que começou por dizer que era colega do Sr. Pedro Martins na jurisprudência, esclareceu a Câmara como advogado, não como Presidente do Ministério.
O Orador: — Tenho dito, Sr. Presidente.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Richter: — Sr. Presidente e meus senhores: quando há pouco mais dum ano tratei da questão vinícola, disse eu, que o Douro havia sido ludibriado. Mas hoje vou mais adiante: representarei o Douro no calvário, estando já a ser pregado na cruz.
Não tencionava falar nesta ocasião, porque ainda há bem pouco tempo na Câmara dos Deputados, cavalheiros muitos distintos e conhecedores da questão argumentaram com toda a proficiência, defendendo os interêsses do Douro, como era seu dever, visto que são seus legítimos representantes. E eu por isso não entraria na questão se não fôsse uma afirmação muito categórica, muito positiva do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Disse S. Exa., que o Douro não veio a tempo de fazer as suas reclamações; que os interessados, portanto, se descuidaram.
Eu, que já por duas vezes represento o Douro no Parlamento, não podia deixar de levantar essa afirmativa que S. Exa. proferiu alêm (aponta para a Câmara dos Deputados) e aqui, nesta casa do Parlamento.
O Douro não disse nada sôbre o artigo 6.° do tratado com a Inglaterra, porque não foi consultado. Não foram consultadas nenhumas das entidades que representavam o Douro.
Num comício que há três dias se realizou no Pôrto, foi dito por alguns oradores que o tratado não era votado e aclarado, como votou o Parlamento.
Um dos oradores afirmou que um dos últimos Ministros lhe dissera que o tratado com a Inglaterra devia ser ratificado e aclarado na ocasião da abertura do Parlamento Inglês.
Eu vou ler parte do relato do comício:
«O Sr. Amândio Silva: — Defende a aclaração do tratado, dizendo, porêm, que as dificuldades surgidas não eram de Inglaterra, mas das influências dos lavradores do sul, porquanto o Sr. Dr. Nunes da Ponte, quando Ministro do Fomento disse-lhe que a Inglaterra não tinha dúvida em fazer a aclaração, mas só na primeira reunião do Parlamento inglês».
Fazem-se destas afirmativas, cita-se o nome dum ex-Ministro; por isso eu neste momento precisava de levantar a minha voz para protestar contra as palavras do Sr. Ministro ao afirmar, que o Douro não viera a tempo reclamar.
Devo declarar ao Senado, e ao país que tal artigo não foi conhecido por ninguêm do Douro senão depois do tratado aprovado em Inglaterra.
O artigo 6.° do tratado com a Inglaterra diz o seguinte:
Artigo 6.° O Govêrno de Sua Majestade Britânica obriga-se a recomendar ao Parlamento a proibição da importação e venda para o consumo, no Reino Unido, de qualquer vinho ou outro licor ao qual a designação de Pôrto ou Madeira seja aplicada,
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não sendo vinho produzido, respectivamente, em Portugal ou na Ilha da Madeira».
Sr. Presidente: êste artigo não parece que foi redigido por um Ministro Plenipotenciário, parece que foi redigido por um filho de Loiola, porque está redigido duma forma capciosa.
Após a sua aprovação em Inglaterra e logo que houve conhecimento dêle no Douro, esta primeira reclamou, protestou, gritou, fizeram-se comícios, reuniões e representações até que, quando veio £o Parlamento, o chefe do partido democrático, de acôrdo com o Dr. Bernardo Lucas, redigia a aclaração que foi unanimemente aprovada, tanto na Câmara dos Deputados, como no Senado.
O Parlamento aprovou o tratado com uma condição, a da aclaração.
Mas isto será uma aclaração digo eu que sou leigo, que não sou jurisconsulto. Talvez não seja uma aclaração, seja antes uma interpretação! Nós não precisamos bulir no tratado.
Não é preciso. No Parlamento português não se ouviu uma única voz que protestasse contra isso. Ninguêm disse que não era o vinho do Douro o vinho do Pôrto.
Foi aprovada essa aclaração tacto numa Câmara, como na outra. Eu tambêm agora venho dizer cousas!
E venho dizer cousas porque chamaram falsificadcres aos produtores do Douro!
Falsificadores são aqueles que querem roubar a sua marca!
Falsificadores! É preciso que o Parlamento não se coloque nestas condições! Os falsificadores devem sentar-se nos bancos dos réus!
O Govêrno português sentado nos bancos dos réus!
Em nome dos interêsses do Douro, em nome do comércio do Pôrto, em nome de todos êsses, hão-de sentar-se nos bancos dos réus aqueles que querem falsificar, aqueles que querem roubar! Custa muito adquirir um nome honrado!
Custou muitos sacrifícios aos nossos antepassados! Quem pensa em destruir o sangue que vem daquelas penedias. Daquelas penedias donde sai o líquido que até lhe chamam o sangue de Cristo! Vinhos do Pôrto! Vinhos do Porto são os vinhos que vem da região duriense! É uma marca regional. É uma marca que nos legaram os nossos antepassados, à custa de todo êsse trabalho de heréis, e nós temos e tivemos a coragem de revolver aquelas montanhas, e não havemos de ter a coragem de defender os nossos direitos?
Amanhã o Douro e só o Douro, e com justas razoes, vendo que os seus legítimos interêsses foram desprezados no tempo da monarquia, e agora o tem sido no tempo da República, há de saber pesar a sua situação.
Quem há ai com um palmo de alma e coração, que tenha a sustentar mãe e filhos, que tenha família e a ame, que não dê justiça ao Douro, aos seus filhos, à sua pobre região?!
Sr. Presidente: são quatro distritos, são muitos concelhos, são muitos e muitos povos que estão interessados na questão do Douro e com os seus olhos nela fitos. E ninguêm ignora que houve urna dívida para que muitos concorreram com o seu óbulo, os pobres contribuintes daquela região.
Talvez o sul tenha mais talento, tenha mais homens ilustres que nós; e, por isso, em todas estas questões regionais, nós, pobres habitantes do norte, ficamos, como se costuma dizer, sempre logrados.
O sul tem os seus privilégios industriais, comerciais e agrícolas, tem as suas protecções, está cheio de dinheiro... e nós, habitantes do Douro, que produzimos o primeiro produto de exportação, e que mais ouro traz para o país, estamos pobres e famintos!
O Sr. João Maria da Costa: — Não apoiado!
O Orador: - E então o Douro há-de aguentar-se com a sua miséria?
O Douro, bem o sabe o sul, como todo o país, tem sofrido muito para conquistar terreno e há para aí indústrias feitas à custa do sacrifício da sua agricultura.
O nosso país não pode ser grande industrial, já o tenho dito, porque lhe falta a matéria prima e a educação profissional.
O Douro nunca imaginou que lhe quisessem agora arruinar a sua marca; queria sim que firmassem a escala alcoólica.
Todos sabem como esta escala influi na venda dos vinhos em Inglaterra.
Eu apenas quis lavrar o meu protesto e dizer que o tratado não está aprovado pelo Parlamento, se não fôr ratificado em har-
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monia com a aclaração que as Câmaras votaram ao artigo 6.°
Diz a proposta de lei que aprova o tratado:
«Artigo 1.° É aprovado, para ser ratificado pelo Poder Executivo, o tratado de comércio e navegação, assinado em 12 de Agosto de 1914, entre Portugal e a Gran--Bretanha, ficando, todavia, entendido, quanto ao artigo 6.° do mesmo tratado, que, conforme é expresso na nossa legislação interna, o vinho português a que compete a designação de «Pôrto» é únicamente o produzido na região do Douro, demarcada por lei, e exportado pela barra do Pôrto».
Isto não sofre dúvida alguma; eu votei o tratado por entender que a doutrina do artigo 6.° seria assim interpretada, porque os homens mais eminentes e conhecedores destas questões internacionais, disseram que era bastante esta simples declaração.
Disse S. Exa., o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que o Parlamento votara o tratado e que, portanto, não havia remédio senão executá-lo, mas que ia tratar de novas negociações para atender a esta questão.
Se essas negociações levarem vinte anos ou mais, para que nos serve isso?
Eu entendo que o tratado não está aprovado, se a Inglaterra não concordar com a interpretação que nós demos ao artigo 6.°
Quando, em Janeiro, foi aqui discutido pela primeira vez o tratado, eu disse muito categoricamente o seguinte:
Leu.
O Sr. Carlos Richter: — Sr. Presidente: as desconfianças que o Douro tinha na redacção do artigo 6.° são perfeitamente justificadas.
Quando se trata dum assunto de tamanha magnitude, especialmente num regime democrata, é sempre costume o Govêrno ouvir as associações e os principais interessados, e a verdade é que a Associação Comercial do Pôrto, não foi ouvida sôbre êste ponto, nem o foram tambêm as outras representantes da agricultura do Douro.
Ora o artigo 6.° do tratado pode dar lugar a diferentes interpretações. Diz êste artigo:
«O Govêrno de Sua Majestade Britânica obriga-se a recomendar ao Parlamento a proibição da importação e venda para consumo, no Reino-Unido, de qualquer vinho ou outro licor ao qual a designação de Pôrto ou Madeira seja aplicada não sendo vinho produzido, respectivamente em Portugal ou na Ilha da Madeira».
Ora, pela letra do artigo 6.° do tratado, entendia-se todo o vinho produzido em Portugal, todo o vinho licoroso saído de Portugal era considerado vinho do Pôrto. Isto daria em resultado amanha os exportadores do sul mandarem pela barra de Lisboa vinho licoroso semelhante ao de Douro e em Inglaterra chamarem-lhe vinho do Pôrto de Lisboa.
A questão era a palavra Pôrto, porque o que lá fora dá grande fama aos nossos vinhos do Douro é a palavra Pôrto, e era isto precisamente o que queriam negociantes menos escrupulosos — é que o tratado ficasse redigido duma forma duvidosa, para poderem continuar a fazer as falsificações que tem feito até aqui.
Como não posso fazer emendas ao artigo 6.°, porque isso equivaleria à revogação do tratado, eu aprovo inteiramente a aclaração do artigo 1.° do projecto de lei que diz respeito ao mesmo tratado.
O Sr. Presidente: — Peço licença para lembrar ao Sr. Senador Carlos Richter, que faltam apenas 8 minutos para terminarem os nossos trabalhos e que está inscrito um Sr. Senador para antes de se encerrar a sessão.
O Orador: — Vou terminar. São apenas mais dois minutos.
Foi a aclaração que fez com que o Parlamento aprovasse incondicionalmente o tratado, agora quere-se dar uma significação diversa a estas palavras.
Isto não pode ser. E por isso eu lavro o meu protesto muito solemnemente em nome da História, bem como em nome dos duzentos mil famintos do Douro.
Tenho dito.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto Soares): — Pedi a palavra simplesmente para responder a uma referência apontada pelo Sr. Senador que aça-
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ba de falar. Se o antigo Ministro do Fomento, Sr. Nunes, da Ponte, disse que a Inglaterra não opunha dificuldades à modificação do tratado, S. Exa. faltou redondamente â verdade. O orador não reviu.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Presidente: — Tem a palavrão Sr. Sousa Júnior, que a pediu para antes de se encerrar a sessão.
O Sr. Sousa Júnior: — Pedi a palavra únicamente para preguntar a V. Exa., se se encontra na Mesa um projecto, que foi apresentado na outra Câmara, referente a uma autorização â Câmara Municipal do Pôrto para contrair um empréstimo de 3:000.000$.
O Sr. Presidente: — Sim senhor. Já se encontra na Mesa.
O Sr. Sousa Júnior: — Requeiro então que se mande imprimir o projecto de lei a fim de, com o parecer da comissão de administração, entrar depois de amanhã em discussão.
Assim foi resolvido.
O Sr. Presidente: — A ordem do dia para amanhã é a continuação da interpelação sôbre o tratado com a Inglaterra.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
O REDACTOR — Albano da Cunha.