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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

1918-1919

SESSÃO PREPARATÓRIA

EM 3 DE DEZEMBRO DE 1918

Presidência do Exmo. Sr. João José da Silva

Secretários os Exmos. Srs.

José Epifânio de Almeida

Constantino José dos Santos

Sumário.— Chamada e abertura da sessão.

Procede-se à eleição da Mesa.

O Sr. Presidente (Zeferino Falcão) toma posse e propõe uma saudação às nações aliadas na última guerra.

Sôbre o assunto usam da palavra os Srs. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros (Egas Moniz), em nome do Govêrno, Castro Lopes, em nome da maioria, Mário Monteiro, em nome da minoria monárquica, Machado Santos, que apresentou uma moção e um projecto de lei, requerendo urgência e dispensa do Regimento. É rejeitado.

Usam da palavra, tendo sido a sessão prorrogada a requerimento do Sr. Castro Lopes, os Srs. Domingos Pinto Coelho, Queiroz Veloso, João José da Costa, que apresenta uma moção, Carneiro de Moura, Forbes Bessa, Sousa Tavares e Eduardo faria, que apresenta uma moção.

O Sr. Presidente encerra a sessão.

Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:

Adolfo Augusto Baptista Ramires.

Adriano Xavier Cordeiro.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Alberto Correia Pinto de Almeida.

Alfredo da Silva.

Amílcar de Castro Abreu e Mota.

António Augusto Cerqueira.

António Maria de Azevedo Machado Santos.

Arnaldo Redondo de Adães Bermudes.

Artur Jorge Guimarães.

Carlos Frederico de Castro Pereira Lopes.

Cláudio Pais Rebêlo.

Constantino José dos Santos.

Domingos Pinto Coelho.

Eduardo Ernesto de Faria.

Francisco Martins de Oliveira Santos.

Francisco Nogueira de Brito.

Germano Arnaud Furtado.

Guilherme Martins Alves.

João da Costa Couraça.

João da Costa Mealha.

João José da Costa.

João José da Silva.

João Lopes Carneiro de Moura.

João de Sousa Tavares.

João Viegas de Paula Nogueira.

José Epifânio Carvalho de Almeida.

José Maria Queiroz Veloso.

José dos Santos Pereira Jardim.

José Tavares de Araújo e Castro.

Júlio Dantas.

Luís Caetano Pereira.

Luís Caetano Pereira da Costa Luz (Visconde de Coruche).

Luís Firmino Oliveira.

Manuel Homem de Melo da Câmara (Conde de Águeda).

Manuel Jorge Forbes de Bossa.

Manuel Ribeiro do Amaral.

Mário Augusto de Miranda Monteiro.

Pedro Barbosa Falcão de Azevedo e Bourbon (Conde de Azevedo).

Tiago César de Moreira Sales.

Zeferino Cândido Falcão Pacheco.

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2 Diário das Sessões do Senado

Srs. Senadores que não compareceram à sessão:

Alberto Cardoso Martins de Meneses de Macedo.
Alberto Carlos de Magalhães e Meneses.
Alberto Osório de Castro.
Alfredo Monteiro de Carvalho.
António de Bettencourt Rodrigues.
António Maria de Oliveira Belo.
António da Silva Pais.
Cristiano de Magalhães.
Duarte Leite Pereira da Silva.
Fernando de Almeida Cardoso de Albuquerque (Conde de Mangualde).
Francisco do Livramento Gonçalves Brandão.
Francisco Vicente Ramos.
João Rodrigues Ribeiro.
José António de Oliveira Soares.
João Freire de Serpa Leitão Pimentel.
José Joaquim Ferreira.
José Júlio César.
José Marques Pereira Barata.
José Novais da Cunha.
José Ribeiro Cardoso.
Júlio de Campos Melo e Matos.
Júlio Faria de Morais Sarmento (Visconde do Banho).
Luís Xavier da Gama.
Pedro Ferreira dos Santos.
Sebastião Maria de Sampaio.
Severiano José da Silva.

O Sr. Presidente (às 15 horas): - Vai proceder-se à chamada.

Procedeu-se à chamada.

O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 37 Srs. Senadores.

Nos termos do Regimento, vai proceder-se à eleição da Mesa, para o que interrompo a sessão por 15 minutos, a fim dos Srs. Senadores poderem confeccionar as suas listas.

Eram 15 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente (às 15 horas e 25 minutos): - Está reaberta a sessão. Vai proceder-se à chamada para a eleição do Presidente e dos vice-presidentes.

Procedeu-se à chamada.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se ao escrutínio.

Convido para escrutinadores os Srs. João da Costa Mealha e Manuel Ribeiro do Amaral.

Procedeu-se ao escrutínio.

O Sr. Presidente: - Responderam á chamada 35 Srs. Senadores, o que corresponde a igual número de listas entradas na urna.

O resultado da eleição foi o seguinte:

[Ver valores da tabela na imagem]

Presidente:

Zeferino Cândido Falcão Pacheco
Machado Santos

1.º vice-presidente:

Germano Arnaud Furtado

2.º vice-presidente:

Domingos Freitas Coelho
António Augusto Cerqueira
Listas brancas, 1.
Listas entradas, 36.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada para a eleição do 1.° e do 2.° secretários. Está interrompida a sessão por 15 minutos, para os Srs. Senadores elaborarem as suas listas.

Eram 15 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Às 16 horas e 5 minutos): - Está reaberta a sessão.

Vai proceder-se à chamada.

Procedeu-se à chamada.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se ao escrutínio.

Convido para escrutinadores os Srs. João da Costa Mealha e Manuel Ribeiro do Amaral.

Procedeu se ao escrutínio.

O Sr. Presidente: - Responderam à chamada Srs. Senadores, o que corresponde a igual número de listas entradas na urna.

O resultado da eleição foi o seguinte:

1.° secretário:

Luís Caetano Pereira

2.° secretário:

Guilherme Martins Alves

1.° vice-secretário:

José Epifânio Carvalho de Almeida

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Sessão de 8 de Dezembro de 1918 3

2.º vice-secretário:

Votos

Constantino José dos Santos 30

Listas brancas. 7

Sr. Presidente: — Em vista do resultado da eleição, convido o Sr. Zeferino Falcão a vir ocupar o seu lugar de Presidente do Senado.

SESSÃO N.º 1

EM 3 DE DEZEMBRO DE 1818

Presidência do Exmo. Sr. Zeferino Cândido Falcão Pacheco

Secretários os Exmos. Srs.

Luís Caetano Pereira

Guilherme Martins Alves

O Sr. Presidente: — Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta da sessão preparatória.

Lida a acta da sessão preparatória, foi aprovada sem reclamação.

O Sr. Presidente: — Ao tomar posse desta cadeira, começo por apresentar os meus respeitos ao Sr. Presidente da República e os meus agradecimentos ao Senado pela ela elevada honra com que me distinguiram.

Não sei se poderei arcar com tamanha responsabilidade, o que vos posso afiançar é que no desempenho dêste honroso cargo empregarei toda a minha boa vontade, auxiliando-se do vosso esclarecido parecer à menor hesitação é que o procurarei exercer com a máxima imparcialidade.

Desejo também agradecer a delicadeza e atenções com que V. Exas. me facilitaram as ingratas funções de leader e patentear o pezar de não ver neste lugar o Sr. Forbes de Bessa, que na sessão legislativa passada exerceu a presidência com tanta distinção, regozijando-me ao mesmo tempo pela sua nomeação de Ministro junto do Vaticano, pela certeza de que no exercício dêste cargo honrará o seu nome e corresponderá à confiança do Govêrno.

É esta a primeira sessão depois da noticiada cessação das hostilidades que trará como consequência próxima a apetecida paz.

É motivo de nos congratularmos por tam feliz acontecimento que nos livra de sobressaltos peia vida dos nossos e desanuvia o espírito de incertezas, que há muito nos preocupavam.

Creio que o Senado une acompanhará nas saudações aos Chefes de Estado e às Câmaras das nações aliadas, saudações que envolvam todos os que para êsse almejado fim concorreram, quer com as armas na mão, quer com o esforço de qualquer natureza ou com a sábia e acertada direcção.

Não devemos esquecer neste momento de júbilo a memória dos que à luta sucumbiram.

O facto da vitória dos aliados é tam memorável, de interêsse tam momentoso para nós e de consequências tais para a Justiça e para Liberdade dos povos, que não me parece de mais consagrar êste dia exclusivamente a essa comemoração.

Aqui fica este alvitre que deixo o Senado resolver.

O Sr. Egas Moniz: - (Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros): — Sr. Presidente: é a primeira fez que tenho a honra de falar sesta casa do Parlamento e assim os meus cumprimentos vão para todos os Srs. Senadores e especialmente para V. Exa., Sr. Presidente, pelo alto cargo de que: foi investido.

O Sr. Presidente: eu pedi a palavra para me associar, em nome do Govêrno, à proposta apresentada por V. Exa. de que esta sessão seja exclusivamente dedicada à vitória das nações aliadas.

As minhas saudações, Sr. Presidente, vão dirigidas em primeiro lugar aos soldados portugueses que verteram o seu

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saague nos, campos de batalha em França e em África e a êsses valentes marinheiros que morreram e que pertenciam ao caça-minas Augusto do Castilho. (Muitos apoiados).

As minhas saudações são, pois, dirigidas a êsses bravos soldados, a êsses bravos marinheiros portugueses, que lutaram pela causa sagrada dos aliados, a causa da Justiça e a causa da Liberdade.

Eu lembro-me constrangido do que deve ter sido a vida do soldado português dentro duma trincheira sem luz e num clima sem sol, lutando pela Pátria distante e enviando na hora última o seu último adeus àqueles que cá deixou, não se esquecendo da mãe querida que chorou ao vê-lo partir.

Eu. Sr. Presidente, curvo-me perante todos êsses valentes soldados que ali deixaram a vida e perante os que tiveram a sorte de, mutilados ou não, voltarem para Portugal.

Sr. Presidente: feitas estas minhas saudações ao exército e à marinha portuguesa eu quero que a comemoração que nesta Câmara se está fazendo se dirija em primeiro lugar aos Chefes de Estado de todos os países aliados que são a síntese destas nacionalidades; aos exércitos e marinhas aliadas que tam alto souberam elevar-se na defesa dos princípios sagrados em que todos estávamos irmanados.

Eu quero que a minha saudação vá particularmente para a Inglaterra, à qual nos ligam tratados seculares, desde D. João I e ao lado da qual temos vivido nas horas de triunfo como nas de desventura. A maneira como nos portámos perante essa aliança é alguma cousa de grande, que há-de ser devidamente apreciada nesse heróico país.

Eu quero que a minha saudação vá, em segundo lugar, para a França, a que tantas afinidades intelectuais e afectivas nos prendem.

Eu quero, tambêm, saudar a Bélgica. a quem tanto se deve pela sua heróica atitude desde o começo da luta terrível. Sena ela que se deixou esmagar pelo tropel violento dos alêmães, talvez que a França se não tivesse preparado a tempo.

Quero saudar a Itália, que tão alto levantou o seu nome na conquista das províncias irridentas. Quero saudar a América do Norte, êsse povo heróico, guiado, sobretudo, por ideais na vida e que trouxe para a decisão da contenda alguma cousa de importante, no número dos seus soldados e do seu material de guerra. Quero saudar êsses povos que lutaram ao lado dos aliados, a Sérvia, o Montenegro, a Roménia e a própria Rússia, na sua primeira fase, embora hoje tenha de lastimar a sua situação, de que espero sairá para bem da civilização.

Eu quero, ainda, referir-me aos países que, não tendo entrado nesta luta, nos deram contudo a sua solidariedade moral.

Neste ponto, quero referir-me em primeiro lugar a êsse povo irmão, querido por tantos títulos, ao Brasil, o qual certamente pela afinidade da língua e especialmente pela afinidade de raça, se colocou ao nosso lado, movido tambêm pelo alto sentimento de justiça, que tem naquele um culto muito especial, contribuindo, dentro dos limites que lhe foram possíveis, para a grande e gloriosa vitória.

O Brasil, Sr. Presidente, é uma nação querida, cujo coração palpita um sono connosco, cujo coração deve sentir, como o coração português, e a quem a distância de muitos milhares de léguas nunca fez esquecer nem sequer afastar o ideal sagrado duma segunda pátria.

Quero fazer uma referência especial ao Japão, êsse glorioso povo que tam rapidamente soube organizar-se à forma europeia, mostrando um poder de rara assimilação e seguindo a mesma orientação daqueles povos e daqueles países, que, como o nosso pugnaram pelo sagrado ideal da Justiça e da Liberdade.

Eu desejo, Sr. Presidente, fazer ainda uma referência especial à República Chinesa, que logo que os outros países começaram as avalanches de resistência anti-teutónica, soube levantar-se da sua tradição pacifista, para enfileirar-se ao lado dos beligerantes.

Eu quero referir-me à República de Cuba, que desejando pagar uma dívida de gratidão aos Estados Unidos, como êstes quizeram pagar uma dívida de gratidão à França heróica, que outrora os defendeu, se colocou ao lado dos aliados, dando todo o esforço que lhe foi pedido.

Sr. Presidente: Feita esta saudação aos exércitos aliados e às nações que se glorificaram nesta campanha heróica e inte-

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merata, desejo concluir como principiei, com uma saudação aos soldados portugueses de terra e mar, àqueles que souberam elevar tam alto, sôbre os seus escudos, o nome português, que neste momento vemos aureolado, pelas bandeiras de todos os aliados, no concerto da Liga das Nações, que hâ-de defender o direito, que há-de defender a democracia, que há-de defender a justiça.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Castro Lopes: — Sr. Presidente, em nome da maioria desta casa do Parlamento, associo-me à proposta de V. Exa. e às palavras brilhantes e sinceras do ilustre Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros.

Sr. Presidente, há muito tempo que não havia nesta nossa querida Pátria um dia de tam intenso desafogo, de tanta alegria e de bem estar, como naquele em que foi assinado o armistício. Eu posso dizer, meus senhores, sem receio de errar, que em nenhum dos países aliados, foi maior o contentamento, do que no nosso, porque o sacrifício que fizemos foi enorme, digno de registo, impondo-se à civilização de todos e marcando um lugar de destaque nessa luta gigantesca em defesa dos direitos mais sagrados da liberdade e da justiça.

E que, Sr. Presidente, se vimos e admiramos a oposição grandiosa e nobre da modelar Bélgica à passagem das tropas inimigas pelo seu território, mostrando altivamente como se defendem e respeitam os tratados; se sentimos em íntima amargura, como se fossem sôbre nós exercidas, as opressões e violências de toda a ordem de que foi vítima o povo belga; se foi verdadeiramente épico o esforço da gloriosa França no Marne e em Verdun, tremenda a resistência e acendrado o patriotismo dos franceses em defesa do seu território; se reconhecemos e admiramos a extraordinária organização que tomou a grande Inglaterra, os serviços de toda a ordem por ela prestados aos seus aliados; se, Sr. Presidente, e meus senhores, vemos com assombro, a forma decisiva e rápida como os Estados Unidos entraram na guerra, colocando-se ao lado dos aliados com o único fim — o triunfo do direito, da justiça e a libertação dos povos esmagados pelo
militarismo traiçoeiro e bárbaro; se, emfim, são dignos de toda a nossa admiração e simpatia os nossos aliados que se bateram, sem um desânimo, até ao último momento, temos de reconhecer tambêm que o nosso sacrifício, pelas circunstâncias especialíssimas em que nos encontrávamos, não foi menor.

E ainda bem que assim sucedeu; cumprimos lialmente o nosso dever, os tratados de aliança com a Inglaterra, mais uma vez levantamos o glorioso nome português e afirmámos a coragem dos nossos soldados de terra e mar batendo-se com ardor, lado a lado dos outros bravos.

As minhas homenagens, pois, pelo triunfo da causa que era de nós todos, os protestos da minha maior admiração pela bravura dos exércitos aliados e as minhas saudades mais sentidas pelos nossos que nos campos gloriosos da França, no solo africano e no mar, morreram pela salvação da nossa Pátria.

Vozes: — Muito bem.

O Sr. Mário Monteiro: — Sr. Presidente: Em nome da minoria monárquica desta Câmara, venho associar-me calorosamente às eloquentes saudações propostas por V. Exa. Portugal tem sobejos motivos para se congratular com o feliz êxito da luta, porque, se outro fôsse o resultado dela, se a palma da vitória em vez de ostentar-se radiosa nas mãos das nações aliadas, fôsse empunhada pelos impérios centrais, Portugal seria a estas horas o grande sacrificado da guerra.

E lei histórica de inflexível aplicação, porque se funda na triste condição do egoísmo humano, que, na resolução dos conflitos armados, tem de recair sempre sôbre os povos mais fracos, ou que menos resistência podem opor, as mais duras exigências do vencedor, e, dentro os que em tais circunstâncias se achavam envolvidos na guerra, era Portugal, sem dúvida, o que mais tinha que perder.

E todavia não foi inconscientemente, mas antes com plena consciência do perigo mortal que corria, que Portugal se envolveu na luta, não obstante não ser impelido para ela por qualquer sentimento de ódio ou hostilidade contra os impérios centrais, por qualquer conflito ou antagonismo de interêsses que fôsse mister ré-

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solver por meios violentos, ou pelo desejo de realizar qualquer alto objectivo de interesse nacional, da magnitude daqueles pelos quais tudo é lícito arriscar, até a própria independência.

Efectivamente, Sr. Presidente, nenhum, sentimento de animadiversão nos movia, contra os impérios centrais antes, e de há, dilatados anos, as nossas relações eram cordeais e amistosas e, até ao respeito de um dêles, nem sequer vislumbro na nossa história a mais ligeira, sombra, que pudesse ocasionar um conflito.

Tambêm, os nossos respectivos interêsses não eram antagónicos antes perfeitamente se conciliavam e harmonizavam.

Os impérios centrais eram vasto e rico merendo para os nossos produtos continentais, insulares ou coloniais, e, paralelamente, ao nosso país, que dêles carícia, afluíam os produtos das suas desenvolvidas manufacturas e indústrias, que vinham, com proveito nosso, estabelecer favorável concorrência aos artefactos similares doutras nações estrangeiras (Apoiados).

Tambêm não tínhamos a efectivar com a guerra nenhum grande interêsse nacional.

Não tínhamos como os Países Balcânicos a aspiração de reinvindicar e libertar territórios e povos da mesma raça que há muitos anos, gemiam na posse e sob o domínio estrangeiro, procurando assim reconstituir em bases definitivas as próprias nacionalidades.

Não tínhamos, como a Rússia a pretensão legítima, justificada pela extensão do seu território, imensa população e colossais riquezas naturais, de influir preponderantemente na política do Oriente e de desempenhar a natural tutela e proteção em favor das pequenas, nacionalidades da mesma raça, que se achavam gravemente ameaçadas na sua existência política por outra raça tradicionalmente adversa.

Não, tínhamos como a Bélgica a indeclinável e vital necessidade de lutar até à última extremidade contra o opressor que lhe subjugava quási totalmente o território, tentando assim, restabelecer o exercício e uma soberania que de facto tinha perdido. (Apoiados).

Não tínhamos como a Imglaterra, o imperioso dever moral imposto a um povo, altivo e forte, sob a pena de perder o seu prestígio no mundo de fazer respeitar e honrar a sua firma, aposta num tratado de neutralidade, que a prepotente Alemanha tinha infringido e rasgado, (Apoiados), e, ao mesmo tempo a previdente necessidade de afastar e repelir da vizinhança das suas costas um poderoso rival, temível concorrente industrial e mercantil, fertíssimamente armado no mar na terra e nos ares e que num lance de audácia e de arrojo podia, dum para outro momento, tentar um golpe de mão sôbre a integridade da sua metrópole.

Não tínhamos como a França a aspiração ardente, longamente contida e comprimida, e por isso, mesmo mais ardente, de recuperar e reconquistar duas ricas e formosas províncias, que lhe haviam, sido arrebatadas numa desastrosa guerra anterior (Apoiados) e a instante e actual exigência de expulsar da quarta parte, porventura a mais rica do seu rico território, o inimigo, odiado, que a talava, devastava e escravisava. (Apoiados).

Não tínhamos como a Itália de prover a uma indispensável condição de defesa, avançando a sua fronteira norte aos píncaros das alterosas montanhas, onde se alcandorava, dominando-a sobranceiro o inimigo tradicional (Apoiados) e simultaneamente o antigo e acariciado anseio de atrair aos braços da, pátria as multidões da mesma raça, largamente dispersas pelas províncias irridentas. (Apoiados).

Não Sr. Presidente, nem um sentimento de ódio que nos apaixonasse ou emocionasse, nem uma razão de conveniência em solucionar divergências de interêsses, nem o almejado intuito de realizar um elevado ideal nos atirou para a guerra, porque nenhum dêstes poderosos motivos existia, e, apesar disso, lançámo-nos ousadamente na fornalha ardente. Porque?!

Porque quisemos honrar o compromisso sagrado, que nos impunha o tratado de aliança mais, que secular com a nobre e poderosa Inglaterra. (Apoiados gerais).

E, tem intensamente, tam vivamente quisemos mostrar a nossa lialdade e dedicação que, se verdadeira é a versão, corrente e como tal a tenho, muito mais longe fomos, na prestação do nosso esfôrço e concurso, do que nos era pedido ou reclamado por quem de direito, para a estrita e satisfatória; observância dos nossos deveres internacionais.

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Por êsse nobre dever, muito perdemos e sofremos.

Lutámos nas costas ocidental e oriental da, África para onde, em dispendiosas, arriscadas e difíceis expedições, transportámos os nossos filhos, que em larga escala lá ficaram ceifados pelo fogo da inimigo ou pelas inclemências do mortífero clima.

Lutámos no mar e na Flandres e no norte da França, ombro a ombro com o glorioso soldado britânico e gaulês.

Por longos meses, seguidamente, por não termos meios de rendê-los ou substituí-los, jazerem, sob baixíssimas temperaturas, enterrados na lama e na neve das trincheiras, os pobres soldados, nascidos e criados, no doce e suave clima de Portugal! (Apoiados).

Perturbámos: fundamente a nossa economia, arrazámos, que é o termo que mais expressivo encontro, as nossas; finanças, elevando ao duplo, se mais excedida ainda o não foi, a já esmagadora e opressiva cifra da nossa anterior dívida pública.

Comprometemos, talvez irremediávelmente, o nosso futuro e desenvolvimento económico, pois não nos será possível arrancar às depauperadas fontes de receita nacional mais do que os recursos indispensáveis para ocorrer às exigências normais da administração e aos gravíssimos encargos de tam pesada responsabilidade!

Pois apesar disto, Sr. Presidente, ao encararmos a tragédia do passado e ao prescutarmos ansiosos o futuro, mais trágico ainda, não nos sentimos contritos pela arrependimento ou pelo remorso do que fizemos, antes defrontamos a nossa aflitiva situação com nobre orgulho, e legítimo desvanecimento, por termos bem a consciência de havermos cumprido integralmente os nossos deveres tradicionais, e havermos tido a glória de enfileirar-nos intemeratos ao lado dos que combatiam e sofreram pela causa, da Justiça, da Civilização e da Liberdade.

Vozes: — Muito bem! Muito bem!

O Sr. Machado Santos: — Sr. Presidente: peço a V. Exa. me releve uma pequena infracção regimental, não começando por ler a minha moção de ordem, porque quero felicitar V. Exa. por estar nesse lugar e felicito a Câmara, por ter escolhido V. Exa. para o desempenho dum cargo de alta ponderação e responsabilidade, como é o da sua presidência. E cumprindo êste dever passo a ler a minha moção de ordem:

Leu.

Sr. Presidente: folguei imenso, de ouvir o ilustre Ministro dos Estrangeiros Sr. Dr. Egas, Moniz falar com tanto entusiasmo do triunfo da causa, de Direito, da Liberdade e da Justiça.

Folguei imenso tambêm de ouviu o ilustre leader de maioria governamental referir-se ao mesmo assunto, classificando por igual forma a vitória gloriosa que alcançaram os exércitos dos países aliados; e tornei a, folgar muitíssimo com as palavras que pronunciou o ilustre leader da minoria monárquica, que, afinando pelo diapasão dos oradores precedentes, se regosijou por si, e pelos seus correligionários, pelo triunfo da mesma causa do Direito, da Liberdade e da Justiça.

Parece-me pois que estamos todos de acôrdo, dentro desta sala; e que, regosijando-nos pela paz externa, e interpretando se como ela deve ser interpretada, não devemos ter dificuldades em alcançar a paz interna, pois se trata apenas de levar entre nós á pratica o ideal que triunfou, lá fora e para o qual tanto concorreram com o seu heróico sacrifício os nossos soldados e marinheiros. Vamos então restabelecer as normas do Direito, da Liberdade e da Justiça, que tam atropelados têm sido, para que á paz das nações se não responda - com a desordem -, terna e com o prolongamento dum estado de cousas que é a negação da causa que se glorifica e pela qual o país fez o máximo sacrifício.

Sr. Presidente: pesavam sôbre os meus débeis ombros dois fardos demasiado grandes que me torturavam por vezes o espírito e me alanceavam o coração por nele, às vezes, penetrar a dúvida se a acção do político não teria prejudicado a intensão do patriota. Êsses dois fardos tremendos eram o 5 de Outubro e a comparticipação de Portugal na guerra. Hoje, Sr. Presidente, sinto-me, já aliviado deles. Quando o problema político estava pôsto em equação eu resolvi-me pela forma re-

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publicaria do nosso Govêrno. Que seria hoje de nós; se tivéssemos ainda que promover no país o avanço que a República lhe deu no campo jurídico e social?

Quando a conflagração europeia se declarou e os estadistas portugueses se quedaram estáticos sem saber como haviam de agir, eu não tive dúvida tambêm em me pronunciar, e tive a honra de ser a primeira pessoa que indicou ao país que o caminho que lhe cumpria seguir. Era o caminho do Dever. Era o caminho da Honra. Mas era tambêm o caminho do sacrifício, porque o que eu tratara e que, bem ou mal, foi seguido, ia alêm do que nos era imposto pelos tratados e convenções seculares da nossa aliança.

Passaram-se horas dolorosas. A dúvida era justificada.

E porque me sinto hoje liberto dessas duas tremendas responsabilidades que pesavam sôbre mim, eu não posso esquecer, aqueles que comigo colaboravam na implantação da República, nem olvidar os que, expontaneamente, perfilharam a minha indicação e fizeram dela sua bandeira política tornando possível, e realizando, a comparticipação de Portugal na guerra. A êsses, principais autores do triunfo que hoje glorificamos aqui, as minhas homenagens mais calorosas. Os fastos da História (com H grande), e o que aqui celebrizamos é o mais grandioso de todos, tomam-se em conjunto e não em detalhe. Os erros esquecem primeiro e por fim apagam-se perante a grandeza da obra que se realiza.

Ao firmar-se a paz internacional. Portugal pode entrar de cabeça bem erguida na liga das nações, devidamente preparado jurídica e socialmente, coberto de glória e com o seu território intacto.

V. Exas., Srs. Ministro e leaders, acabaram de saudar os nossos soldados e marinheiros; mas o que V. Exas. não sabem, e agora refiro me a todos os Srs. Ministros, é que muitos dêsses homens que se bateram pela causa do Direito, da Liberdade e da Justiça, se encontram presos, há meses, sem culpa formada nas casas-matas dos fortes.

O Senado ouviu da boca do Sr. Ministro dos Estrangeiros a narrativa do feito heróico do caça-minas Augusto de Castilho, que se sacrificou para salvar o paquete S. Miguel que alêm da carga, ia repleto de passageiros; mas o que o Senado não ouviu da boca do Ministro, porque o Ministro o não sabe, por certo, é que, ainda não eram passados dois dias a polícia devassava a casa da enlutada viúva do intrépido oficial que comandara o caça-minas e apreendia as espingardas de ar comprimido com que brincavam os seus filhos!

Factos revoltantes como êste posso citá-los aos centos e invocar a testemunha dos dez mil e tantos presos políticos que se encontram nas cadeias, com a seguinte note de culpa: «preso às tantas horas do dia tal pelo agente Fulano».

É esta, Sr. Presidente e Srs. Senadores, a Liberdade que temos. E êste, Sr. Presidente e Srs. Senadores, o Direito que nos rege. É esta, Sr. Presidente e Srs. Senadores, a Justiça que possuímos.

Como podemos nós fazer acreditar lá. fora o nosso entusiasmo pelo triunfo da causa do Direito, da Liberdade e da Justiça, se o Direito que temos se chama opressão, se a Liberdade que gozamos se chama casa-mata ou presídio, se a Justiça que possuímos se chama tirania?

Eu associo-me a todas as saudações propostas, mas associo-me com actos e não com palavras. Os actos e não as palavras é que acreditam os povos.

É muito pequeno o nosso país para que se possa fazer valer na conferência da paz só com palavreado oco. E muito pequeno para colher lucros externos duma vitória que internamente não soube alcançar. E mais pequeno êle parecerá se se apresentar dividido por facções, em vez de se apresentar unido, cheio de fôrca moral, pelo passado e pelo presente, que pode ser belo e fecundo, preparador dum futuro próspero.

E por assim pensar que vou ter a honra de enviar para a Mesa um projecto de lei, para o qual peço urgência e dispensa do Regimento.

Estou certo pelas palavras que ouvi a, um dos membros do Govêrno e pelas palavras que ouvi tambêm a todos os oradores que me precederam, que êste meu projecto vai ser votado por unanimidade.

Leu.

Êste projecto está assinado por mais; dois Srs. Senadores.

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O Sr. Presidente: — Peço a V. Exa. que &e restrinja ao assunto para, que pedi a palavra.

O Orador — Sr. Presidente: eu estou dentro do assunto dia minha moção. Se nesta eu proponho que se proclamem Beneméritos da Pátria aqueles que realizaram a comparticipação de Portugal na guerra, V. Exa. bem vê que não rima a benemerência com a cadeia.

Eu requeri que ao meu projecto fôsse concedida a urgência e dispensa do Regimento; portanto, o que V. Exa. tem a fazer é submeter o meu pedido à apreciação do Senado mas depois de eu ter terminado as minhas considerações, e nada mais.

Sr. Presidente: felizmente, como disse o ilustre leader da minoria monárquica, nós temos agora somente um problema de ordem económica a financeira a resolver. É preciso, pois, encará-lo de frente e como êsse problema, é grave devemos conjugar os esforços de todos. Ora para que esta conjugação seja possível, necessário se torna que se apaguem os ódios fazendo tábua raza do passado, o que não é difícil, visto nos encontrarmos já todos irmanados pelo mesmo idial de Liberdade e de Justiça.

Ódios? Para quê? Talvez que dentro desta sala não haja quem tenha motivos, como eu, para pensar de maneira diametralmente oposta. Mas, com o mesmo desassombro que apresentei em 1912 um projecto de amnistia geral, em seguida à incursas de Chaves, com o mesmo desassombro apresento, agora, êste projecto. Continuo a manter aquela linha de coerência que eu queria que tivessem todos os estadistas da minha, terra.

Eu peço ao Senado que pondere isto: se neste momento, não sair daqui uma manifestação concreta, de que sentimos o que dizemos, de que praticamos o que Apensamos, podem enviar-se os telegramas que se quiser para os governos aliados, que êles não nos tomarão a sério. A evolução porque passou o mundo tambêm chegou à própria diplomacia.

A hora vai adiantada; por isso, dou por findas as minhas considerações, pedindo a V. Exa., Sr. Presidente; que consulte o Senado sobre se concede a urgência, e dispensa do Regimento para o meu projecto se discutir imediatamente e hoje mesmo ser votado.

O Sr. Presidente: — Voa consultar a Câmara sôbre o requerimento do Sr. Senador.

Consultada, a Camara, é rejeitada de lei é o seguinte:

Artigo 1.° É levantado o estado de sítio em todo o território da República Portuguesa.

Art. 2.° São restabelecidas as garantias individuais e colectivas exaradas na Constituição, Política.

Art. 3.º É abolida a censura à imprensa e às comunicações telegráficas e postais.

Art. 4.° E concedida, amnistia a todos os crimes e delitos de origem ou natureza política, social ou religiosas.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões do Senado, em 3 de Dezembro de 1918.— O Senador, Machado Santas.

Para a comissão de legislação.

O Sr. Pinto Coelho: — Sr. Presidente: Escuso dizer a V. Exa. com que satisfação me associo, em nome dos católicos portugueses, à proposta em discussão.

Com o maior júbilo tenho assistido a todas as manifestações de regozijo destinadas a comemorar êsse facto, de incalculáveis consequências na futura sorte do mundo, que foi o armistício de 11 de Novembro.

Entre todas, porêm, manda-me o coração que eu especialize a iniciativa do grande homem público que é Wendrow Wilson, ao qual se deveu a solenidade de 28 do passado.

Ao mesmo tempo, porêm, que especifico essa iniciativa, seja-me lícito lamentar — embora sem nenhum espírito agressivo - que, tendo o nosso país aderido a ela, como que a diminuísse ou desvirtuasse no seu pensamento fundamental.

Pensamento fundamental sim.

Porquanto basta ler essa breve, mas tam eloquente proclamação, para se conhecer que Wilson não convidou os cidadãos dos vastos quarenta e oito Estados da sua República, a um dia de ócio, para ser dissipado em vãos folguedos, mas sim para que êsse dia fôsse consagrado a

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render graças ao Deus Omnipotente, rei dos exércitos e supremo orientador das nações.

Sublime exemplo e edificante lição!

Assim, senhores, quando a velha Europa, que devia ser o regozijo sagrado das nobilíssimas tradições cristãs, revela, sob o aspecto religioso, a sua decadência, sacrificando a inconfessáveis respeitos humanos e mostrando uma subserviência medrosa, perante as imposições do livre pensamento, nós vemos a jovem América do Norte, exuberante de seiva, activa, progressiva, moderna, prostrar-se a convite do maior e mais glorioso dos seus filhos, aos pés de .Deus Todo Poderoso.

Mas senhores, eu sou injusto quando falo da velha Europa.

Nem toda, nem toda se sacrifica àqueles preconceitos, nem toda se mostra subserviente e medrosa ante respeitos humanos.

Alberto da Bélgica, o país heróico nesta guerra de heróis, e Jorge V, o rei da nossa velha e gloriosa aliada, êsses não se envergonham de invocar, com o aplauso dos seus povos, a Deus em todas as suas proclamações.

Mas que falo eu de Jorge V?

O mais radical dos políticos ingleses, Lloyd George, que, ao lado de Gemenceau, se encheu de glória na recente guerra, pela sua actividade e inteligente acção. Lloyd George, como sabeis, na sessão solene em que anunciou à Câmara dos Comuns a assinatura, do armistício, acrescentou que o momento não era de discursos, mas de graças a Deus. E logo concluiu, convidando a Câmara a acompanhá-lo à catedral de Westminster, para se celebrar êsse acto de fé e de gratidão.

Ah: senhores. Que belo seria que — não eu, que sou o mais obscuro dos membros desta casa, mas quem de direito — imitasse Lloyd George e nos dirigisse convite análogo!

E eu pregunto se haveria aqui ninguêm que, como homem, sentisse pejo de praticar o que, agora mesmo e perante todo o mundo, praticaram Wilson, Alberto da Bélgica, Jorge V, Lloyd George e com êle todos os membros da Câmara inglesa!

Não deveríamos, porêm, senhores, proceder assim movidos só pelo exemplo, mas tambêm pela compreensão do acto do dever cumprido que praticaríamos.

O pensamento cristão, a respeito da sorte das batalhas, consubstancia-se nesta frase lapidar de Joana de Are: «Nós batalharemos. Deus dará a vitória».

A vitória é assim o produto da colaboração do homem com Deus.

O homem envida os seus esforços, porque Deus não ajuda a quem não trabalha, segundo o rifão tam português.

Mas debalde o homem se esforçará se o Deus dos exércitos o não ajudar.

E parei que Deus o ajude é necessário: primo que a causa seja justa; secundo que o auxílio de Deus seja invocado com fé.

Menos que nenhuns outros, nós, os portugueses, deveríamos duvidar destas leis na história.

Porque a nossa história, senhores, embrutece-se com a história destas vitórias inverosímeis, destas causas justas, vitoriosas, não obstante a desproporção das forças, vitoriosas contra todas as indicações dos cálculos dos homens.

Para só citar os casos mais flagrantes, Ourique, Valverde, Aljubarrota, os nossos descobrimentos, a fundação do nosso império ultramarino e a data que ainda ante-ontem festejamos, são outros tantos exemplos de causas justas, por nós vencidas contra todas as previsões terrenas por soldados e marinheiros cheios da mais intensa fé.

Oh! então em Portugal não se saberia o que eram respeitos humanos! Invocava-se Deus com a mesma fé, apregoada a todos os ventos, com que hoje o invocam os Wilson, os Alberto, os Jorge e tantos outros!

Nesta altura o orador aproveita a ocasião para dirigir aos soldados e marinheiros portugueses a mais calorosa saudação, que é vivamente apoiada, constatando que nos nossos soldados me se apagou a chama de Fé dos antigos batalhadores portugueses.

Referindo-se às palavras do Sr. Dr. Egas Moniz, que salientara os sofrimentos do soldado português nas frias trincheiras do norte da França sepultados em lama, relembra os cruéis sofrimentos suportados pelos nossos soldados no clima oposto, mas não menos inóspito, da África. E diz que, por certo lado, os sofri-

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mentos ali suportados foram talvez mais árduos.

Se, em consequência dum longo período de paz, podia a alguém assaltar a dúvida sôbre se o soldado ou o marinheiro português conservaria as antigas qualidades que tanto nos exaltavam militarmente, essas dúvidas converteram-se, pelos sucessos da recente guerra, na mais gloriosa certeza. Glória às nossas fôrças de terra e mar!

Infelizmente esta fidelidade na fé cristã não é geral em outras classes.

Tem-se feito enorme propaganda de impiedade pela conferência, pela imprensa, pela legislação.

Ora, prossegue o orador, seja-me lícito preguntar qual era maior, mais glorioso: o Portugal de Nun'Álvares, que no mais aceso da batalha indecisa a largava para vir invocar a Virgem em prece ardentíssima, ou o Portugal de certo período recente, felizmente findo, em que se planeou descristianizar a golpes de leis ímpias êste país cimentado com fé católica e se prometeu, em sessão do Grande Oriente, que se haveria de, em duas gerações, extirpar essa fé até a última raiz?

Não senhores, render graças a Deus depois da vitória é o mais elementar dever do homem, porque é o reconhecimento de que a história não é um acaso, mas o produto daquela omnipotência dirigente das nações, a que se refere Wilson.

E, se assim não fôsse, para que serviria proclamar, como tantas vezes o fizeram os aliados, que a sua causa era a do direito e da justiça?

Se é dum simples embate de forcas materiais que resulta a vitória, então teremos proclamado, em vez da fôrça do direito, o direito da fôrça, que era precisamente a teso germânica.

Ora a mais sumária consideração das fases desta guerra mostra como não basta e fôrça para vencer, e não foi, com efeito, a fôrça que venceu.

Porquanto foi a fôrça que, por confiar exclusivamente no seu predomínio sem atenção ao direito, antes com inteiro desprêso dêste, foi a própria fautora da sua derrota.

Os impérios centrais, absolutamente certos da vitória, como de princípio o estavam pela mais formidável das preparações, recearam que a França, que, perante a guerra, recuara outras vezes, recuasse mais uma vez, e digo que o receavam porque era sôbre as riquezas da França que a cobiça alemã mais pretendia saciar-se.

Dirigiu-lhe, pois, o ultimatum conhecido.

Para ficar neutral teria a França de sujeitar-se à humilhação inconcebível de entregar, como reféns, Verdun e Toul.

E a França, não obstante a sua quási completa falta de preparação, entrou na guerra.

E foi ela quem, logo no princípio da luta, deteve a formidável invasão nas margens do Marne, realizando o que o Sr. Ministro dos Estrangeiros acabava de denominar o milagre do Marne. E foi depois o poliu, por todo o decurso da guerra, decerto o mais duro, o mais resistente adversário, o que suportou o maior peso da guerra.

Para melhor assegurar o seu golpe, a Alemanha resolveu invadir a Bélgica, fazendo num farrapo o papel do tratado que ela própria assinara.

E foi desta brutalidade da fôrça contra o direito que nasceu a intervenção da Inglaterra.

Ora a Inglaterra foi para os impérios centrais o bloqueio marítimo, isto é a fome;

E, a curto trecho, foi a mais um adversário terrestre com milhões de homens em todas as frentes.

Finalmente, a Alemanha, contra todas as leis da guerra, inventou a guerra submarina até contra as marinhas mercantes neutras e sem aviso prévio.

Não se preocupou em saber se isso não seria um abuso da fôrça.

Viu só que isso lhe convinha.

E foi dêste abuso, directamente, que nasceu a intervenção da América, que constituiu, na sorte da guerra o golpe decisivo.

Assim se verifica, senhores, que a Alemanha morreu por onde pecou.

Duma superioridade militar esmagadora, ao princípio foram os seus próprios atentados da fôrça contra o direito, que directa e seguramente a conduziram à derrota.

Assim se verifica mais um ditado português: que Deus escreve direito por linhas tortas.

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Associo-me, pois, Sr. Presidente, de todo o coração, à proposta.

Mas associo-me a um espírito de fervorosa, gratidão para com Deus, o rei dos exércitos e o supremo orientador das nações, na frase de Wilson, que me não cansarei de repetir.

O Sr. Castro Lopes: — Requeiro que seja prorrogada a sessão até terminar a saudação aos países, aliados, a que esta sessão foi destinada.

O Sr. Presidente: — Os Srs. Senadores que aprovam o requerimento que acaba de ser feito tenham a bondade de se levantar.

Foi aprovado.

O Sr. Queiroz Veloso: — (O discurso será publicado quando o orador restituir as notas taquigráficas).

O Sr. João José da Costa: — Sr. Presidente: para V. Exa. vão as minhas felicitações por ter sido eleito para o lugar de Presidente desta Câmara.

Que mais poderia eu dizer com relação à vitória das nações aliadas, depois dos brilhantes discursos dos oradores que me precederam?

Por isso, vou enviar para a Mesa uma moção que traduz o meu pensamento, e que peço licença para ler:

Leu.

O Sr. Presidente: — Na Mesa não se ouviram bem as palavras de V. Exa., mas a minha impressão é de que deverá ser antes proposta, do que moção.

O Orador: — Como V. Exa. entender: moção ou proposta.

O Sr. Carneiro de Moura: — Sr. Presidente: e ilustre Senador que acabou de usar da palavra não deve ter perdido o seu tempo, declarando que a nossa estabilidade política e económica se restabelece, trabalhando. A nossa época é para os que trabalham, sem exploração de trabalho alheio.

Há cento e quatro anos entraram: em Paris os exércitos aliados, da coligação contra Bonaparte, representados pelos Imperadores da Rússia, e da Áustria, pelo Rei da Prússia e pelo Rei da Inglaterra.

Bonaparte tinha abandonado a capital da França; e os exércitos aliados, depois dum, mortificante ataque à Cidade Sol, entraram em Paris, onde encontraram uma população desvairada. As dissidências, tinham perdido a França; os realistas, contra bonapartistas, os liberais contra os conservadores, fizeram perder a França, aquela unidade ,de crenças, de interêsses e de fins que a tornaram outrora grande; Esquecidos os massacres a que na véspera estiveram sujeitos os soldados franceses, que morreram, heroicamente, defendendo Paris, as mulheres mais lindas da capital gaulesa vinham para a rua assistir ao desfile das tropas vencedoras e sair tanto à garupa dos cavalos dos cossacos, dali queriam ver, admirar e conclamar o Imperador da Rússia, o Czar Alexandre, do qual diziam seu o mais belo e gentil homem que ainda os seus olhos tinha visto.

Já lá vão cento e quatro anos, e, Sr. Presidente, como a psicologia do velho mundo europeu mudou!

Hoje não se poderia repetir tam degradante espectáculo, contra a humanidade e contra a Pátria.

É que, passado um século, os sentimentos e as ideas mudaram muito. Cem anos vão volvidos após o Congresso de Viena. Hoje anseia-se pela Justiça e batalha-se pelo Direito dos povos. O Congresso de Viena de Áustria foi um Congresso fatal para a Europa. Há cem anos, os diplomatas da época não tinham, compreendido a situação do mundo; e, porque a não compreenderam, fizeram, uma obra baseada em artifícios jurídicos, para defesa de interêsses inconfessáveis.

Em 1817 surgiu a revolta, de Cadiz; em 1820 dava-se a revolução do Pôrto; em 1830 apareceram as revoluções da França e dos Países. Baixos; em 1848 agitou se o mundo pela revolução social francesa. O equilíbrio, artificioso de Viena nada tinha conseguido.

É necessário que a Conferência da Paz que vai realizar-se seja constituída como quere o Presidente Wilson, pela representação dos povos e não pelos representantes de oligarquias ou castas; é necessário que a voz do povo se faça ouvir nesse Congresso que há-de estabelecer no mundo, uma paz durável.

No Congresso de Viena os povos, não

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tiveram representação jurídica e económica, pelo que daquele congresso resultou uma monstruosidade, bem caramente paga pelas perturbações do século que findou. O século XIX foi um século de fatais agitações, provenientes principalmente, do artificioso equilíbrio europeu com que a Santa Aliança quis comprimir os povos.

Mas, porque não dizê-lo?, eu ainda tenho, neste momento, algum receio, apesar das promessas de Wilson, de Clemenceau, de Lloyd George. Eu receio que se repita a Santa Aliança, e que venham a ser esmagados os que trabalham. Há neste momento ainda desvairados os inconscientes que pretendem estabelecem como que uma nova Santa Aliança, que agora será não dos reis contra os burgueses, mas dos plutocratas contra a multidão organizada dos trabalhadores.

É necessário que em todo os Parlamentos do mundo se afirme a justiça do povo ideal da cooperação da solidariedade humana, e é necessário que todos façam valer as palavras de Wilson, para que os povos, não continuem a viver comprimidos per fatais artifícios, impostos por minorias ardilosas. É necessário aproveitar a oportunidade histórica, para libertarmos rápidamente a humanidade de preconceitos e formas abusivas.

A humanidade tem andado sempre a procurar o equilíbrio, mas êsse equilíbrio tem assentado muitas vezes na força bruta. E as sociedades humanas tendem cada vez mais a ser governadas pelas idéas; O progresso humano está na razão inversa do, domínio do homem sôbre o homem, e na razão directa do domínio do homem, sôbre a natureza.

Sempre os conquistadores abusivos do mando procuraram, encontrar o equilíbrio social na acção bruta dos seus elementos de fôrça. Mas história regista o indefectível progresso do poder das ideas sôbre o poder dos bacamartes.

A humanidade: enganou-se, ou enganaram-se aqueles que julgaram representá-la quando procuraram estabelecer o equilíbrio social pelo atrofiamento dalgumas classes ou dalgumas nações em proveito de classes ou de nações privilegiadas. Não pode haver luta, de classes, nem de nações, no sentido de extermínio. Esse darwinismo social é um êrro fatal. A luta é para o aperfeiçoamento, e êste só se pode hoje, realizar no domínio sociológico, se procurarmos a orgânica cooperação de todas as classes úteis e de todas as nações produtoras. Mas às nações, como aos indivíduos, Sr. Presidente, custa sempre muito deixarem interêsses constituídos. É difícil dizer à Alemanha que largue a Alsácia Lorena, como é difícil dizer aos enriquecidos da guerra que larguem os abusos lucros da sua perniciosa indústria. Mas, quando o poder colectivo dos povos se eleva acima, dos interêsses egoístas dos indivíduos e das nações, a esse poder cumpre realizar a harmonia, social. E quando alguma classe julgou, que, para si, podia rei vindicar o artifício jurídico duma iníqua supremacia, essa classe traíu-se a si própria e a causa geral da humanidade.

O século XIX foi um século em, que se trocou o melhor pelo maior, foi um século ensangùentado por latas que a história regista com amargura. A grande indústria, servida pelas conquistas da sciência, pela viação acelerada, pelo telefone, pela imprensa diária, criou por aberração o grande egoísmo que desmoralizou o século XIX. Foi sempre assim; as grandes riquezas pervertem o senso moral dos povos. Os gregos, perderam a doçura e felicidade do viver quando Atenas se tornou um antro de mercantilismo e de negociação de escravos. Os romanos desapareceram perante os bárbaros quando a sua, grande riqueza os desmoralizava; em festins de bacantes.

A guerra de agora não podia evitar-se. Quem a causou, foi a cupidez do lucro; que já fizera a desgraça do mundo antigo. O século XIX trocou o melhor pelo maior. Desprezou a virtude e aclamou a vaidade e a ambição; admirou o colossal e desconheceu a grandeza e o poder das grandes ideas humanas, que a civilização mediterrânica tinha criado nos trinta séculos das grandes lutas espirituais.

Sempre a ambição individual do lucro desvairou o espírito humano. Sempre que nas sociedades humanas predominou a ânsia material da riqueza individual e dos prazeres materiail metalizando-se o coração humano, o desequilíbrio foi mais profundo. E, quando a ânsia do lucro domina o coração é inevitável a ruína dos povos. Esta guerra que acaba de abater

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o orgulho teutónico é a glorificação das ideas da civilização mediterrânica, que, desde o longínquo mito de Icaro, que se eleva no céu, até as concepções platónicas e às crenças cristãs que levaram portugueses e espanhóis à descoberta co mundo, afirma a supremacia do espírito sôbre a matéria, do melhor sôbre o maior.

É necessário que o Senado afirme e patenteie que dentro da Pátria Portuguesa, que, aliás, tem uma história heróica, há quem saiba avaliar a situação actual. nós, portugueses, somos bem da nessa época, pelo passado e pelo presente. Queremos certamente que os vencidos nos indemnizem das despesas e grandes prejuízos que a guerra nos ocasionou; queremos que nos seja restituída Kionga, que nos sejam firmadas as nossas melhores fronteiras ao norte de Moçambique e ao sul de Angola: que nos seja assegurada a nossa integridade colonial, que Lisboa possa ser, come hinterland próprio, um grande pôrto franco e a capital da Liga das Nações, mas queremos mais.

Nós somos uma potência colonial de primeira ordem, e as nossas colónias são uma afirmação das nossas qualidades de nacionalidade. Nelas existem caminhos de ferro, estradas carreteiras, correios e telégrafos, bancos, fábricas, granjas, toda a utilagem da moderna colonização; são uma afirmação de que a metrópole por elas se interessa, podendo concorrer com as outras potências coloniais, segundo as exigências das conferências de Berlim o de Bruxelas. Nenhum povo moderno possui mais altas e úteis qualidades colonizadoras do que o português.

As nossas colónias são para nós um título glorioso e mostram que nós sabemos colonizar melhor do que outras nações, como a Alemanha, que era nossa vizinha ao norte e ao sul das nossas colónias africanas. E a comparação é para nós, sob vários pontos de vista, favorável. Por isso nós temos que ir à Conferência da Paz não só para pedir compensação dos sacrifícios feitos, mas tambêm para alvitrar as soluções que hão-de tornar a Liga das Nações uma instituição jurídica e económica internacional capaz de dar realização aos ideais de justiça e liberdade que são a diferencial da civilização a que pertencemos.

E a ainda creio nos destinos desta terra bemdita, que soube e pôde fundar um império na Índia, que fez a colonização do Brasil, que ensinou ao mundo os processos da moderna colonização, que tem em S. Tomé e Príncipe uma colónia agrícola, modelar e que em Moçambique acompanha com brilho a colonização sul-africana. Ainda hoje os ingleses são discípulos de Afonso de Albuquerque.

Invoquemos os tempos heróicos em que os portugueses na África e na América, no século XVII, revelaram as grandes qualidades de colonização, qualidades que ainda hoje a Gran-Bretanha reconhece e trata de imitar.

O mundo, moderno, depois da grande guerra, não será governado pelos que queiram impor a astúcia ou a fôrça bruta, porque a consciência humana já se elevou bem altq^ara poder realizar a ordem pela integração de todos os indivíduos e de todos os povos na Liga das Nações.

Perdoe-me, Sr. Presidente, se eu, afirmando com entusiasmo as qualidades da minha raça, raça outro rã fulgurante pela crença num grande destino, pela disciplina do trabalho, peia fôrça de acção, pela sobriedade e resignação na luta, a julgo capaz dum nobre ressurgimento. O Congresso da Paz que vai realizar-se e onde nós havemos de ocupar um nobre lugar entre os povos históricos, não terá a dominá-lo, como o de Viena em 1815, os Metternich e os Talleyrand. Não! Desta vez é a voz dos povos que ali mais alto se fará ouvir. Os diplomatas do século XX serão os representantes dos trabalhadores, porque só êstes conhecem as necessidades dos que têm sede de justiça e só êstes poderão dar forma viável à Liga das Nações. E o tratado de paz que vai assinar-se, alêm de dar aos beligerantes vitoriosos a compensação dos seus esforços, organizará a sociedade futura para o trabalho. A segurança dos mares ficará, entregue à marinha internacional; cada nação produzirá livremente para a funcional permuta internacional. Não será possível uma nova Santa Aliança dos reis contra os povos ou dos plutocratas contra os trabalhadores. O mundo será de quem produz.

Porque não há-de Lisboa ser então a capital da Liga das Nações, já que a nossa esplêndida cidade foi outrora a pri-

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meira do mundo e a descobridora dos mundos?

Nenhuma outra cidade reúne melhores condições que a nossa capital para receber os representantes de todos os povos da terra.

Lisboa, pela sua tradição histórica, pelo génio hospitaleiro dos seus habitantes, pelas belezas incomparáveis da sua posição, pela suavidade do clima, pela sua neutralidade, pela posição que ocupa entre os povos da Ásia, da Europa, da América, da Austrália, no ocidente eurásico, é a única cidade do mundo que através o Atlântico melhor pode aproximar os continentes para a realização dos grandes destinos a que as sociedades humanas tendem depois da guerra. Quando o velho mundo se confinava na bacia mediterrânica, Roma foi a cidade mais própria para ser a capital do mundo.

Quando se tratou de estabelecer um tribunal arbitral, sem sanção, a Maia pôde, no centro da Europa, ser a sede dêsse tribunal.

Vai formar-se a Liga das Nações. Em Londres acaba de se realizar a Conferência Preliminar da Paz, onde se diz terem chegado a acôrdo os representantes das grandes potências aliadas.

O Presidente Wilson vêm caminho da Europa para assistir à Conferência da Paz, depois de haver dito, em mensagem no Congresso legislativo, que a Liga das Nações se há-de realizar depois de voltarem os soldados para o trabalho dos campos, porque é necessário acabar com o militarismo, dar voto político às mulheres e reconhecer que os que não foram para os campos de batalha, como os trabalhadores do campo e das oficinas, das escolas e dos atelieres, como as mulheres que tanto se dedicaram, foram os iguais cooperadores dos heróicos soldados da Vitória. Clemenceau, êsse tenaz trabalhador da idea, homem organizador, ao serviço de fundas convicções, o poderoso autor de La melée sociale, que há quarenta anos luta pelos indefectíveis ideais das sociedades modernas, tambêm não consentirá, como Wilson, que a Liga das Nações deixe de ser um facto, digno do novo período histórico em que vamos entrar.

Se a Liga das Nações tem de realizar-se e tem de ter um significado histórico indefectível, porque não pode ser Lisboa a cidade onde venha a reúnir-se êsse alto areópago internacional, onde os representantes de todas as nações deliberem sôbre a marcha da civilização dentro do novo,equilíbrio político dos povos?

Será ainda Maia a capital escolhida para a Liga das Nações? A actual situação da Holanda no conflito internacional não torna provável esta solução.

Lisboa, pela sua situação geográfica e política e pelo seu passado histórico, porque não há-de ter dentro dos seus muros os representantes do mundo?

Procurem os representantes de Portugal na próxima Conferência da Paz assegurar para Portugal um futuro digno da nossa grande história.

O Sr. Manuel Joaquim de Forbes Bessa: — Sr. Presidente: se bem que desista da palavra para o fim para que a tinha pedido, não posso, no emtanto, deixar de prestar a minha homenagem e os meus cumprimentos a V. Exa. pelo alto cargo para que foi eleito e bem assim a todos os restantes membros da Mesa, aproveitando tambêm a ocasião para agradecer a todos os Srs. Senadores a lialdade e a colaboração sincera que me prestaram no desempenho do alto cargo que ocupei nesta casa do Parlamento. Tenho dito.

O Sr. Sousa Tavares: — Cumprimento V. Exa., Sr. Presidente, e cumprimento o Senado, afirmando aos meus ilustres colegas a minha alta consideração.

Sr. Presidente: Com muito prazer me associo à proposta de V. Exa. que fielmente traduz o pensamento de todos nós, mas, na minha qualidade militar, desejo individualmente cumprir o gratíssimo dever de saudar os meus queridos camaradas, que brilhantemente contribuíram para a vitória, ansiosamante esperada, do Direito, da Liberdade e da Justiça. A todos, pois, desde o modesto soldado e garboso marinheiro, igualmente valorosos, até aos altos e brilhantes comandos da armada e do exército, dirijo as minhas sinceras, calorosas e enternecidas saudações.

Quer combatendo em território europeu, quer combatendo no continente africano, o soldado português intrepidamente afirmou, durante a grande guerra, a sua dês-

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cendência dessa nobre raça de heróis que em Aljubarrota, Montijo, Montes Claros e em tantas outras pugnas perduráveis glorificou o nome português.

E o mesma digo do nosso marinheiro, porque o valoroso esfôrço da marinha portuguesa, conjuga-se com o valoroso esforço do exército, sempre que necessário defender a terra portuguesa ou engrandecer o nome de Portugal.

Assim é que ao mesmo tempo, ao declinar da guerra, soldados portugueses entram triunfantemente em Lile e marinheiros portugueses representem no Atlântico, no mar dos Açores, uma das mais emotivas tragédias, de que resará a História.

Soldados portugueses delirantemente ovacionados e beijados por uma grande população liberta, emfim do opressor, compartilham da gloria de desfraldar a bandeira tricolor na cidade, reconquistada e marinheiros portugueses salvam, o S. Miguel e salvam centenares de vidas, em troca da vida do seu prestigioso comandante, o protagonista da tragédia, o heróico primeiro-tenente Carvalho Araújo e perdem tambêm a sua pequenina embarcarão, que eles amavam mais do que a própria vida, porque em todos os mares representava um trecho da sua Pátria muito querida.

Calorosamente, pois, saúdo e exército português de terra e mar.

A nossa secular aliada, a Inglaterra, cujo glorioso pavilhão tremia nas poderosas esquadras, que dominam os mares e num vasto império, que só estende por todos os continentes e arquipélagos, a homenagem das minhas saudações.

Admirável povo aquele em que o espírito do sacrifício voluntário tem o condão de conduzir, desde o começo da guerra aos pontos mais arriscados das linhas da batalha e dos serviços de enfermagem nos hospitais e ambulâncias, alta finança britânica e a, fina flor da nobreza sem distinção de sexos.

Apôs elas e sugestionadas pelo exemplo, legiões de homens validos acorrem a alistar-se em sucessivos corpos de exército, facilitando assim a execução de novas leis, que profunda e radicalmente alteram antigos usos e costumes do império.

Admirável povo aquele, cuja alta compreensão do dever cívico, educada, por
estadistas, de alta envergadura e fortalecida por inexgotáveis riquezas, consegue operar durante a guerra todos êsses privilégios de recrutamento militar, de organização, de mobilização, de navegação aérea e submarina e, emfim, de inteligente, metódica e pertinaz preparação e realização da vitória.

Calorosamente saúdo a gloriosa França, nossa irmã muito querida pelas afinidades de raça, de educação e de predileção espirituais.

As águas do mesmo oceano beijam e acalentam as costas marítimas de Portugal e da França e se o sol, quási sempre velado por nuvens, que a vivifica não tem o brilho; do nosso lindo sol de rubis, a civilização sabe compensá-la com fulguram coes de incomparável encanto.

Grande povo de sonhadores e de poetas, como nós, a sua despreocupação e imprevidência foram briosamente redimidas pelo espírito de sacrifício, pelo valoroso esforço e inexcedível bravura com que poderosamente contribuiu para a vitória do Direito, e da Justiça.

Enternecidamente saúdo a heróica Bélgica, cujo valoroso exército conseguiu parar a primeira furiosa investida do invasor.

Sem essa destemida, e memorável resistência, os primeiros grandes acontecimentos da guerra europeia ter-se hiam desenrolado de modo diferente e quem sabe se o direito da fôrça, preconizado, por Bismarck, teria, quando menos, retardado a vitória dos aliados!

Mais ainda do que as riquezas em cunha, e ferro daquele abençoado torrão, mais e muito mais do que o notabilíssimo progresso das indústrias metalúrgicas e da fabricação das lindas rendas e afamados tecidos, vale o formoso carácter belga educado nos sãos princípios da religião e da moral.

Um dos seus mais belos predicados, a honradez, a lealdade, se espalha, na alma daquele nobre povo.

Em todos os lugares dêsse lindo país encostado a, montanhas coroadas de neve e que, alongando-se pelo Mediterrâneo, permite que nele se debrucem e espelhem belas estâncias de arte e de trabalho como Génova, Veneza, Trieste e outras em toda a Itália tem ressoado nestes dias de festa Alegres cantigas de vitória, como se

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repicassem grandes carrilhões de prata espalhados pelas cumiadas das serras.

Em todos os lugares dêsse lindo país: beijado e acariciado pelo mar e pelo sol e que a natureza prodigamente semeou de encantos, que inspirassem os artistas os poetas, rejubila o coraçãode milhões de habitantes.

E o grande poeta, que navegando por entre nuvens compunha e espalhava, cheio de esperanças, lindas estrofes da formosa epopeia da sua pátria, e o grande povo italiano, que identificado com o seu poeta querido, se havia tambêm inteligentemente identificado com as defensores da liberdade e da justiça, viram, emfim realizada a suprema aspiração da sua grande alma de patriotas.

As minhas calorosas saudações, pois, à Itália.

Internando-me nos países balcânicos, as mesmas sinceras saudações dirijo àqueles, que valorosamente e com sorte vária, cooperaram com os povos aliados na estrondosa derrota do inimigo comum.

Desacompanhados muitas vezes da fortuna e combatendo sempre com indomável bravura e inflamado patriotismo, sofreram, coitados, as mais rudes e repetidas provações.

Que ao menos os que sobreviveram a milhares de camaradas mortos pela fome e pelas inclemências do clima e da guerra, possam gozar largos anos de paz e de fortuna.

Sr. Presidente: Terminarei prestando o fervoroso culto da minha admiração e entusiasticamente saudando o inspirado árbitro da paz, o notável jurisconsulto, Presidente Wilson, cujo alto espírito compôs o mais formoso hino de liberdade, de altruísmo e, porventura, do idealismo, que se tem produzido e entoado no mundo inteiro;

O Sr. Eduardo Faria: — Tenho a honra de felicitar V. Exa. e de felicitar o Senado pela acertada escolha que fez elegendo V. Exa. para êsse honroso lugar, e de que estou certo, saberá desempenhar-se, visto as altas qualidades que exor-nam o carácter de V. Exa.

Eu pedi a palavra no uso que me confere o artigo 64.° do Regimento e mando para a Mesa a seguinte moção de ordem que passo a ler.

Leu.

Sr. Presidente: poucas palavras empregarei para justificar a minha moção.

Quaisquer que tivessem sido as determinações desse tremendo conflito mundial que já entrou no domínio da História, o que é preciso assinalar é que, Portugal, a Nação que aqui representamos, cumpriu nesse tremendo conflito, nobremente, dignamente, honradamente o seu dever.

Os ilustres oradores que me precederam expuseram, melhor do que eu o poderia fazer, os sentimentos que nos levaram, a nós portugueses, a entrar nesse conflito.

É notável que ainda mesmo perante êsse acontecimento, o mais memorável da história contemporânea, tivemos ocasião para afirma aqueles três predicados que constituíram sempre a característica portuguesa o valor, a lialdade e o mérito. Estas qualidades assinalaram-se desde os primeiros momentos e foram elas que nos levaram a combater, no tremendo conflito que acaba de findar, ao lado do povo inglês, secularmente nosso aliado. E por isso Portugal, comparecendo no congresso da paz, pode afirmar que vai a êsse congresso animado dos mais altos sentomentos.

Não foi por ambição, por desejos de domínio ou por qualquer outro sentimento menos digna que Portugal se colocou, ao lado dos aliadas. Portugal quis simplesmente cumprir o seu dever, e por isso devemos esperar que do congresso em questão surjam vantagens para nós. Mas, para que tal suceda, é necessário que, neste momento de gravidade excepcional, serenem as paixões políticas, se acalmem os ímpetos, encarando-se a frio as questões vitais da nacionalidade.

É necessário que não, nos envolvamos em miseráveis questões políticas, como aquelas que nos têm avassalado nos últimos anos, ta m cheios de perturbações.

Eu respeito muitíssimo o nome honrado dum homem de bem, como é o ilustre Senador Sr. Machado Santos, que possui nobilíssimos intuitos de generosidade; mas eu, apesar da minha insignificância, julgo-me com o direito de afirmar a S. Exa. que não é por simples, actos de generosidade que muitas vezes se pode fazer justiça, pois, em certos casos, da generosidade podem resultar deploráveis conse-

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18 Diário das Sessões do Senado

qíiências, consequências até impossíveis de prever.

Permita-me S. Exa. que lhe afirme que não tem, mais que eu, intuitos de pacificação da família portuguesa.

Mas, permita-me ainda S. Exa. que lhe diga que, neste momento, nem tudo deve ser comiseração.

Se o for, daremos a impressão que cá dentro tudo são elementos de desordem e perturbações graves.

Não se: quais seriam as consequências se nós porventura não soubéssemos fazer justiça.

Declaro, como jurisconsulto dos mais insignificantes do país, que no actual momento o problema moral e penal é duma gravidade extrema.

Faça-se justiça, sim, sem ódio, mas sem misericórdia.

O Sr. Machado Santos [interrompendo): — V. Exa. dá-me licença?

Desejo apenas dizer que há um ano ficou triunfante uma revolução, e ainda se não fez a pacificação da família portuguesa.

O Orador: — Mas é que se tem repetido dia e, dia perturbações da ordem pública.

O Sr. Machado Santos: — Mas uma das primeiras cousas que se fez depois da revolução foi meterem-se na cadeia êsses elementos e alguns sem culpa formada.

O Orador: — Tenho o máximo respeito e consideração por V. Exa., mas entendo que esta sessão devia ser exclusivamente dedicada à causa dos aliados.

O Sr. Machado Santos: — E à consideração do nosso povo.

Não é metendo-se na cadeia homens condecorados com a Cruz de Guerra.

O Sr. Presidente: — Fica encerrada a inscrição e a discussão. Não pode ser votada a moção por não haver número, porque são precisos 34 Srs. Senadores. Amanhã se votará. A ordem do dia para amanhã é votação de comissões e provavelmente um decreto que virá da Câmara dos Deputados.

O Sr. Machado Santos: — Eu desejava interpelar o Govêrno sôbre política geral.

O Sr. Presidente: — V. Exa. tem de renovar o seu pedido de interpelação.

O Sr. Machado Santos: — Fica renovado.

O Sr. Presidente: — Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 50 minutos.

O REDACTOR — Alberto Bramão.

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