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REPÚBLICA POSTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
1918-1919
SESSÃO N.° 4
EM II DE DEZEMBRO DE 1918
Presidência do Exmo. Sr. Zeferino Cândido Falcão Pacheco
Secretários os Exmos. Srs.
Luís Caetano Pereira
Guilherme Martins Alves
Sumário.— Chamada a abertura da sessão. Leitura da acta.
Sôbre a acta falaram os Srs. João José da Costa, Ribeiro do Amaral e Sousa Tavares.
Foi aprovada a acta. Deu-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia.— O Sr. Domingos Pinto Coelho faz considerações sôbre a forma de inscrição de oradores que desejam usar da palavra antes da ordem do dia.
O Sr. Júlio Dantas fala sôbre Edmond Rostand e propõe que o Senado envie um telegrama ao Senado Francês, associando-se às homenagens prestadas à memória do grande poeta. Foi aprovado.
O Sr. Machado Santos faz considerações sôbre a situação de presos políticos e envia para a Mesa dois projectos de lei.
O Sr. Pereira Barata faz considerações sôbre as condições políticas e económicas do país.
O Sr. Carneiro de Moura faz considerações sôbre a situação política do país e envia para a Mesa um projecto de lei.
O Sr. Severiano José da Silva faz considerações sôbre questões financeiras.
O Sr. Castro Lopes presta homenagem à memória de Edmond Rostand e faz considerações sôbre factos a que se referira o Sr. Machado Santos.
O Sr. Machado Santos refere-se à necessidade de transportar cacau de S. Tomé, pois que se está prejudicando aí um avultadíssimo valor.
O Sr. Ribeiro do Amaral faz considerações sôbre pensões de sangue.
Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:
Alberto Carlos de Magalhães e Meneses.
António Maria de Azevedo Machado Santos.
Carlos Frederico de Castro Pereira Lopes.
Cláudio Pais Rebêlo.
Constantino José dos Santos.
Eduardo Ernesto de Faria.
Francisco Martins de Oliveira Santos.
Francisco Nogueira de Brito.
Germano Arnaud Furtado.
Guilherme Martins Alves.
João da Costa Couraça.
João da Costa Mealha.
João José da Costa.
João José da Silva.
João Lopes Carneiro de Moura.
João de Sousa Tavares.
José Epifânio Carvalho de Almeida.
José Marques Pereira Barata.
José Novais da Cunha.
Luís Caetano Pereira.
Luís Firmino Oliveira.
Manuel Ribeiro do Amaral.
Zeferino Cândido Falcão Pacheco.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Correia Pinto de Almeida.
Alfredo da Silva.
Amílcar de Castro Abreu e Mota.
António da Silva Pais.
Arnaldo Redondo de Adães Bermudes.
Artur Jorge Guimarães.
Domingos Pinto Coelho.
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Fernando de Almeida Cardoso de Albuquerque (Conde de Mangualde).
Francisco do Livramento Gonçalves Brandão.
José António de Oliveira Soares.
José Maria Queiroz Veloso.
José dos Santos Pereira Jardim.
Júlio Dantas.
Luís Caetano Pereira da Costa Luz (Visconde de Coruche).
Manuel Homem de Melo da Câmara (Conde de Águeda).
Mário Augusto de Miranda Monteiro.
Severiano José da Silva.
Tiago César de Moreira Sales.
Srs. Senadores que não compareceram à sessão:
Adolfo Augusto Baptista Ramires.
Adriano Xavier Cordeiro.
Alberto Cardoso Martins de Meneses de Macedo.
Alberto Osório de Castro.
Alfredo Monteiro de Carvalho.
António Augusto Cerqueira.
António de Bettencourt Rodrigues.
António Maria de Oliveira Belo.
Cristiano de Magalhães.
Duarte Leite Pereira da Silva.
Francisco Vicente Ramos.
João Rodrigues Ribeiro.
João Viegas de Paula Nogueira.
João Freire de Serpa Leitão Pimentel.
José Joaquim Ferreira.
José Júlio César.
José Ribeiro Cardoso.
José Tavares de Araújo e Castro.
Júlio de Campos Melo e Matos.
Júlio Faria de Morais Sarmento (Visconde do Banho).
Luís Xavier da Gama.
Manuel Jorge Forbes de Bessa.
Pedro Barbosa Falcão de Azevedo e Bourbon (Conde de Azevedo).
Pedro Ferreira dos Santos.
Sebastião Maria de Sampaio.
Foi lida a acta da sessão anterior:
O Sr. João José da Costa: (Sobre a acta): — Sr. Presidente, eu tinha mandado para a Mesa uma moção que não vem transcrita na acta.
O Sr. Presidente: — Porque não foi apresentada na devida altura.
O Orador: — Foi na altura em que me foi dada a palavra.
Como a acta é a expressão da verdade do que aqui se passa, parece-me que deve ser transcrita.
O Sr. Presidente: — Não pode ser.
O Orador: — Desde que não pode ser, peço a V. Exa. que dê conhecimento dela à Câmara.
Q Sr. Ribeiro do Amaral: — Sôbre o cedido de ausência do Sr. Alberto Osório, tenho a dizer a V. Exa. que na ocasião não estava na Câmara, porque, se estivesse, votaria contra essa autorização.
O Sr. Presidente: — Isso não é sôbre a acta.
O Orador: — Mas a acta é ou não a expressão do que aqui se passa?
Sôbre êsse pedido incidiu votação, por isso creio poder ficar exarada na acta esta minha declaração.
O Sr. Presidente: — V. Exa. mandará depois uma declaração escrita para a Mesa.
Foi aprovada a acta.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se o expediente.
Dá-se conta do seguinte
Expediente
Ofício
Da Câmara dos Deputados comunicando que em sessão de 4 do corrente ficou constituída a Mesa daquela casa do Congresso sendo eleito presidente José Nunes da Ponte, vice-presidentes António Lino Neto e José Vicente de Freitas; secretários Francisco dos Santos Rompana e João Calado Rodrigues; vice-secretários Alberto Dinis da Fonseca e José Féria Dordio Teotónio.
Para a Secretaria.
Requerimentos
Requeiro que, pela Secretaria de Estado do Comércio, me seja fornecido:
1.° Uma nota de todos os pedidos de 1 aproveitamento da energia das correntes
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de água da bacia hidrográfica do rio Douro e seus afluentes para a produção de energia eléctrica e bem assim de todos os rios cujas bacias estejam a norte do rio Douro e ainda do rio Vouga e seus afluentes;
2.° Uma nota de todas as oficinas já criadas naquela bacia à sombra do artigo 1.° do decreto com fôrça de lei de 27 de Maio de 1911;
3.° Uma nota de todas as oficinas já criadas nas mesmas bacias à sombra do artigo 2.° do mesmo decreto;
4.° Uma nota de todos os pedidos pendentes de solução;
5.° Uma nota explicativa do modo como foram cumpridas as garantias que, nos termos do artigo 4.° do referido decreto, devem ser prestadas pelos concessionários;
6.° Quais os prazos impostos aos concessionários, quer se trate de oficinas concedidas, quer de oficinas autorizadas, para começar e concluir as obras e para começar a exploração.
Na designação das oficinas ou pedidos serão indicados os nomes dos concessionários ou requerentes.
Lisboa e Sala das Sessões do Senado, em 11 de Dezembro de 1918.—José Marques Pereira Barata.
Para a Secretaria.
Projectos de lei
Da iniciativa do Sr. Machado Santos sôbre a situação dos oficiais e sargentos milicianos e mutilados de guerra.
Da iniciativa do Sr. João José da Silva, concedendo aos particulares e às corporações com individualidades jurídicas um novo prazo para reclamar sôbre a propriedade e posse legítima dos bens que foram arrolados como pertencentes às igrejas e às denominadas congregações religiosas.
Da iniciativa do Sr. José Epifânio de Carvalho, concedendo um prémio a todos os particulares que durante o estado de guerra utilizaram os seus parques ou jardins.
Da iniciativa do Sr. João Lopes Carneiro de Moura determinando que as obras para construção e reparação de edifícios públicos se realize sempre por empreitada.
Da iniciativa do Sr. Conde de Mangualde, Fernando de Almeida Cardoso de Albuquerque, sôbre a situação dos oficiais milicianos.
Da iniciativa do Sr. Machado Santos, um, autorizando o Govêrno a contrair um empréstimo destinado ao resgate das linhas férreas, concessões de correntes de água e da indústria de adubos e produtos químicos; outro permitindo aos sindicatos profissionais e às associações de classe o poderem federar-se ou constituir-se em uniões desde que obtenham a aprovação dos estatutos da nova colectividade outro sôbre o jôgo de azar.
Para primeira e segunda leituras.
Proposta
Proponho que o Senado envie um telegrama ao Senado francês, associando-se às homenagens nacionais prestadas ao maior dos seus poetas contemporâneos, Edmond Rostand. — Júlio Dantas.
Aprovado.
Proponho para ser agregado à Comissão de Colónias o Sr. Ribeiro do Amaral, conforme resolução unânime) daquela comissão.
Sala das Sessões, 11 de Dezembro de 1918.— Carneiro de Moura.
Agregado à comissão de colónias.
Segundas leituras
Do projecto de lei da iniciativa dos Srs. Afonso de Melo e Tiago de Sales, autorizando os sindicatos agrícolas a organizar celeiros nas condições já estabelecidas para as câmaras municipais.
Para a comissão de agricultura.
Do projecto de lei do Sr. Mário Monteiro, sôbre o jôgo de azar.
Para a comissão de legislação pública.
Comunicação
Do Sr. Fernando de Albuquerque (Conde de Mangualde) comunicando ter faltado às sessões por motivo de fôrça maior.
Para a comissão de infracções e faltas.
Pedido
Peço ao Sr. Presidente do Senado a fineza de transmitir ao Sr. Secretário de
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Estado das Finanças as seguintes preguntas:
1.° Porque se não tem feito a publicação regulamentar do estado da nossa dívida flutuante. 2.° A quanto monta essa dívida?
Sala das Sessões, 11 de Dezembro de 1918. — Severiano José da Silva.
Para a Secretaria para ser expedida ao Secretário de Estado de Finanças.
O Sr. Pinto Coelho: — Tenho ouvido em outras sessões, e acabo de ouvir novamente agora, protestos sôbre a ordem da inscrição dos oradores. Eu não estou inscrito nem pretendo falar hoje, mas como se repetem continuamente estas scenas de todos quererem ser os primeiros a falar e como a V. Exa. é impossível registar a prioridade dos Srs. Senadores, eu lembro ou proponho a seguinte fórmula:
V. Exa. costuma subir para a Presidência às 14 horas. V. Exa. manda pôr um caderno onde cada Senador que pretender falar escreverá pelo seu próprio punho o seu nome, respeitando V. Exa. a ordem da inscrição. Assim, ninguêm terá de queixar-se.
O orador não reviu.
Posta à votação esta proposta, foi aprovada.
Consultado o Senado, resolveu conceder, em primeiro lugar, a palavra ao Sr. Júlio Dantas.
O Sr. Júlio Dantas: — Agradeço a V. Exa. e à Câmara a distinção com que acabam de honrar-me, dando-me a palavra em primeiro lugar. Apresento a V. Exa., Sr. Presidente, os meus cumprimentos, não acenas por dever de cortesia, mas por preito de admiração e de amizade.
Duas palavras apenas, em cumprimento dum dever que me impõe a minha qualidade de Senador pelas Belas Artes.
Acaba de falecer em França Edmond Rostand. Não direi a V. Exas., porque toda a Câmara decerto a conhece, o que é, no seu colorido, na sua grandeza, na sua bravura, a obra admirável do autor da Princesse Lointaine, dos Romanesques, do Cirano, de Aiglon, do Chanteclair.
Rostand não foi apenas o mais glorioso representante do neo-romantismo francês; não foi apenas um poeta da estirpe de Hugo; foi tambêm, pelo esplendor incomparável da sua obra, como Junqueiro em Portugal, como de Annunzio na Itália, um poeta verdadeiramente nacional. Nas figuras que êle criou, no duelista Cirano de Bergerae, no granadeiro Flambeau, no galo simbólico de Chanteclair, não passa apenas o sopro criador do génio; passa, resplandecendo, cantando, a alma da própria França.
A Edmond Rostand, que ainda teve tempo para assistir à vitória, fizeram-se funerais dignos do seu nome glorioso e da sua obra imortal. Hoje que, mais do que nunca, a nossa alma vibra com a França, julgo interpretar os sentimentos desta Câmara, propondo que se envie ao Senado Francês um telegrama comunicando que o Senado da República Portuguesa se associa às homenagens oficiais prestadas à memória do maior dos poetas contemporâneos, Edmond Rostand.
Vozes: — Muito bem.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a proposta mandada para a Mesa pelo Sr. Júlio Dantas, e para a qual S. Exa. requereu a urgência e dispensa do Regimento.
Lida na Mesa, foram aprovadas a urgência e dispensa do Regimento, sendo, em seguida, aprovada a proposta, sem discussão, por unanimidade.
O Sr. Machado Santos: — Sr. Presidente: quando na última sessão o meu ilustre colega e leader da maioria governamental se referiu à tentativa de atentado contra o Sr. Presidente da República e apresentou a sua proposta congratulatória, eu requeri a generalização do debate. O requerimento foi aprovado pelo Senado, mas o debate não chegou a generalizar-se por V. Exa. ter pôsto imediatamente à votação a proposta do Sr. Castro Lopes.
Em vista disso, e como a Câmara dos Deputados já aprovou uma proposta de lei prolongando a suspensão das garantias até o dia 10 do próximo mês de Janeiro, eu tenho a dizer a V. Exa., Sr. Presidente, que, quando essa proposta de lei vier à discussão desta Câmara, me reservo o direito de fazer as considerações que o caso me sugeriu.
Mas, já que estou no uso da palavra, não quere deixar de ler à Câmara, para que ela pondere bem o que se está pás-
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sando de tirânico, opressivo e afrontoso para o país e para todos nós, uma carta que recebi de um preso político, que se encontra no Penitenciária de Coimbra. Diz-se nessa carta:
«Fiado na sua amizade mais uma vez lhe escrevo.
Ainda me encontro preso sem haver uma única prova contra mim; sem liberdade de defesa; sem me ser consentido o direito que a lei me dá da investigação contraditória e sem deferirem o pedido de eu ser acareado com os meus acusadores, se acaso, os tenho.
São cinqùenta e oito dias de torturas e martírios que tenho passado, cinqùenta e oito dias cheios dos maiores vexames B das mais extraordinárias violências.
E, porque?
Quando um dia se fizer a história de tudo isto, há-de ver-se que fui eu o único que honradamente soube cumprir o seu dever; o único que não fugiu, que não se entregou, que não aderiu!
E foi talvez por isso mesmo que fui preso; porque, aqueles que fugiram, que se entregaram, que aderiram, êsses armaram em heróis e são os que hoje mandam, os que me têm encarcerado e que me roubaram o lugar.
Eu creio que a covardia é hoje uma virtude; porque êsses foram louvados, emquanto que eu fui o único que cumpriu o seu dever, me encontro preso.
Ao que me informam, o próprio governador civil foi da maior deslialdade para comigo, mas o que êle não poderá é negar as afirmativas que eu faço quanto à minha atitude.
Que falta aqui faz o capitão Solano! Se êle cá estivesse, as cousas não se teriam passado assim, e eu, a esta hora, em vez de preso teria um louvor.
Depois, sem processo, sem ser ouvido, fui exonerado do meu cargo e ainda por cima recusam-se a pagar-me os vencimentos! Encontro-me doentíssimo, deitando sangue pela boca, sem recursos, na maior miséria.
Peco-lhe, meu amigo, que junto dos nossos amigos, lhes peça para mim uma esmola para que eu aqui não morra de fome nesta masmorra.
O que por aqui se passa é verdadeiramente horrível; os presos políticos são
tratados como feras e só falta uma cousa: o Knout russo!
E faz dó ver tudo isto. No peito da maior parte dos militares vem-se condecorações de campanha—a cruz de guerra e medalhas de valor militar francesas e inglesas!»
Sr. Presidente e Srs. Senadores:; Nas condições dêste preso, encontram-se milhares dêles! Nas cadeias há milhares de pessoas, dando-se a extraordinária circunstância de que aqueles contra os quais há já a prova provada ou havia, no acto de serem presos, de terem entrado no movimento, por serem encontrados de armas na mão, estarem em melhores condições do que aqueles que não têm sequer, uma participação dum agente policial.
Há milhares de criaturas que nem a polícia sabe que estão sob a sua guarda. Algumas foram presas por bandidos que se intitulavam polícias, outras por bandidos tambêm, mas pagos pela polícia preventiva.
Outros milhares têm a seguinte nota de culpa: Foi preso às tantas horas pelo agente fulano!
Muita cousa eu teria que dizer sôbre êsse assunto, mas, como já declarei, reservo-me para quando se discutir aqui a proposta de lei relativa à prorrogação da suspensão das garantias, que infelizmente já foi aprovada na Câmara dos Deputados e sôbre a qual eu espero que o Senado dê provas de mais independência e espírito libertador e justiceiro.
Prolongar êste estado de cousas, esta anarquia no Poder, considero eu um grande crime. E o que há dias se não realizou, bem possível é que venha a dar-se mais tarde, marcando mais uma data lutuosa na história da nacionalidade.
Êsse pretendido atentado serviu para irem assaltar o Grémio Montanha, que estava estabelecido na Calçada do Sacramento. Quem fez êsse assalto não se sabe; sabe-se apenas que os assaltantes foram levar os destroços ao Govêrno Civil. É preciso que a Câmara se lembre de que dêsse Grémio saiu o movimento que implantou a República em Portugal. A êsse Grémio pertenci eu até 1913.
No dia seguinte ao assalto do Grémio Montanha, oficiais e sargentos do exército, alguns, dizem, eram alunos da Escola
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de Guerra, foram assaltar o Grémio Lusitano e, para praticarem essa façanha, tomaram as embocaduras das ruas e ameaçaram, de revólver em punho, quem se achava pelas janelas.
Um cidadão francês, o Sr. Navelle, disse-me que o que mais o tinha maguado, como estrangeiro, tinha sido o ver o pavilhão da França todo golpeado e misturado com o lixo dos destroços.
Pois não foi só o pavilhão da França que sofreu êsse desacato. As bandeiras dás nações aliadas e o próprio busto de Eduardo VII foram parar ao monturo!
Não encontro no dicionário palavras condignas para verberar uma torpeza destas!
E isto deu se, Sr. Presidente, precisamente no dia seguinte àquele em que a maçonaria italiana enviara um telegrama de saudação ao exército português pela vitória da causa dos aliados, que foi a sua.
Uma fracção, se bem que mínima, do exército, respondeu por essa forma à gentileza do cumprimento.
Que triste que isto é!
Mas ... que admira que um caso dêstes se registe, como manifestação eloquente da disciplina que lavra no exército, se há um Secretário de Estado, o que trata dos negócios da guerra, que vai dizer á Câmara dos Deputados, a propósito dos últimos acontecimentos políticos, que as tropas haviam saído dos quartéis sem ordem superior, para irem espontaneamente combater a revolta de Coimbra, como d:as depois saíram tambêm expontâneamente dos seus quartéis de Lisboa para se manifestarem em parada nas ruas da capital!
Quando há Secretários de Estado que citam com louvor êstes actos de indisciplina, o que me admira, Sr. Presidente, é que não tenham vindo assaltar o palácio do Parlamento.
Já que me encontro no uso da palavra, eu não quero que passe mais um dia sem contar ao Senado um boato que corre pela cidade, qual é a de haver no Govêrno Civil um in-pace inquisitorial que foi construído ruma parede dêsse edifício o que tem 1 metro e 80 centímetros de comprimento por 1 metro e 20 de profundidade, uma porta de ferro com buracos, mobilado simplesmente com um banco de pedra.
Diz-se que é neste in-pace que se encontra emparedado essa tresloucada criança, cuja idade oscila entre os dezasseis e vinte anos, no noticiário dos jornais, e que dizem ter atentado contra a vida do Sr. Sidónio Pais.
Custa-me a acreditar, Sr. Presidente, que isto seja verdade! É verdade que vivemos em Portugal, mas estamos no século XX.
Peço, pois, a V. Exa. e à Câmara para que uma comissão de Senadores proceda a um inquérito para se chegar ao apuramento da verdade.
Aproveitando o estar no uso da palavra, tenho a honra de enviar para a Mesa um projecto de lei que trata de valer à situação dos oficiais o sargentos milicianos e à dos mutilados pela guerra.
Tenho dito.
O Sr. José Marques Pereira: — Sr. Presidente: tendo a honra de falar nesta casa do Parlamento pela primeira vez, não posso deixar de dirigir daqui os meus cumprimentos a V. Exa., Sr. Presidente, pelas suas altas qualidades de carácter e de inteligência.
Permita-me V. Exa., Sr. Presidente, que eu, ao prestar as minhas homenagens a V. Exa., o faça igualmente aos meus colegas de todos os lados da Câmara, desde a minha extrema direita, onde vejo a figura do Sr. Machado Santos, que é dum grande relevo na história do nosso país, até a minha extrema esquerda, onde vejo a figura não menos importante do Sr. Domingos Pinto Coelho.
Mas, Sr. Presidente, ao percorrer a Câmara dum a outro lado, eu tenho o prazer de ver nela, por uma feliz disposição da nossa organização, os membros que nesta câmara representam as fôrças vivas do país e, se faço esta referência especial, é porque pedi a palavra para me referir a um ponto importantíssimo no ressurgimento da nossa vida económica e industrial.
Com muito custo subi os degraus que me conduziram a esta tribuna, pois que pela minha idade e poucos conhecimentos, ocupo certamente de entre todos nós o último dos lugares desta casa.
Ao ver tam brilhantes ornamentos das classes que representam a vida da nação, imagino que alguma cousa se produzirá
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de útil para o país, pondo-se aqui de lado todas as discussões que possam acarretar qualquer pequena dissenção de ordem partidária ou política (Apoiados) para livremente podermos ir de encontro à solução dos grandes problemas que neste mo,-mento agitam a vida da nação.
Tenho a honra de tomar assento no meio da maioria governamental, mas por isso não me sinto obrigado a cobrir com o meu voto qualquer acto ministerial e, para já, não posso deixar de lamentar que estejam desertas as cadeiras dos membros do Govêrno, como já na sessão passada foi acentuado por muitos dos meus ilustres colegas.
Com a guerra deu-se entre nós um caso extraordinário que despertou, a atenção de todos, e que foi a manifestação no nosso país de qualidades magníficas para se converter num país industrial.
Foi consolador ver o grande número de indústrias que se desenvolveram durante os quatro anos de guerra, e, se não fossem os horrores desta, eu quereria que a guerra se prolongasse para ver até onde chegava a nossa capacidade produtiva e industrial.
Desta forma, a nossa vitalidade industrial revelou-se ainda mais uma vez.
Para resolver porêm o magno problema da falta de energia barata e abundante, lembrou-se a indústria de que estávamos num século a que já hoje muita gente denomina o «século da hulha branca».
E assim lançando um olhar sôbre o norte do nosso país, êle viu, Sr. Presidente, que quási toda a metade norte está cheia do riqueza; e eu, sem desdouro para a opinião dum dos mais competentes desta Câmara, quási posso afirmar que a riqueza hidráulica do nosso país é suficiente para a laboração da maior parte das nossas actuais indústrias.
E assim, Sr. Presidente, os pedidos de concessão de quedas de água, os pedidos de concessão para o aproveitamento da energia das correntes de água para a produção de energia eléctrica pejam as repartições públicas.
O Estado, a braços com a quantidade de pedidos desta ordem, tinha para opor a esta corrente de pedidos a única lei que hoje está em vigor, e que seja dito em testemunho de justiça, representa um esforço altamente louvável, da parte do
Ministro que em Maio de 1911 ocupava muito dignamente a pasta do Fomento, no Govêrno Provisório, o Sr. Dr. Brito Camacho.
Em 27 de Maio de 1911 foi publicado um decreto com fôrça de lei, regulando a maneira de conceder a energia das correntes de água para a produção de energia eléctrica, mas essa lei, que resume toda a legislação confusa que havia sôbre êste assunto, não veio resolver as dificuldades que a todo o momento se apresentam.
Eu não me proponho, Sr. Presidente, a fazer, durante o pequeno espaço que a Câmara me permite usar da palavra, uma análise da lei de 27 de Maio de 1911, e, salvo melhor opinião, eu julgo que isso não é trabalho que caiba sôbre os ombros dum homem só, sendo o primeiro a declarar que não tenho competência para tomar sôbre mim a responsabilidade de apresentar a esta assemblea um projecto de lei sôbre o assunto.
Procurei estudar quais são os artigos da lei que mais impedem de resolver o problema, e, se V. Exas. me permitem, referir-me hei a três pontos, que a meu ver são um grande obstáculo, e, obstáculo tal que esta lei publicada em 27 de Maio de 1911, não conseguiu até hoje no país uma só oficina hidro-eléctrica.
Um dos pontos principais para que eu chamo a atenção da Câmara, é o artigo 4.°, dessa lei, que diz:
Leu.
Mas a lei não define de forma nenhum, nem o regulamento posterior do 25 de Junho dêsse mesmo ano, quais as garantias que os particulares darão ao Estado, nem a forma prática de realizar tais garantias; de forma que o Estado tem feito concessão de importantes correntes de água para a produção de energia eléctrica, e em 7 anos de vigência desta lei não se conseguiu que fôsse produzido um só quilovátio de energia.
Louvo o esforço que representa a lei de 27 de Maio de 1911; mas o facto é que na prática não produziu o que havia a esperar.
No regulamento que se seguiu não há disposição alguma que dê ao Estado as garantias suficientes para o cumprimento do artigo 4,°
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Mas há mais: no artigo 5.° estabelece-se quais os meios de obter uma concessão desta ordem; e, por lamentável equívoco, aparecem sempre os municípios como preferentes para a concessão.
As correntes de água podem ser aplicadas Dará meios muito diferentes.
O Sr. Presidente (interrompendo): — Observo ao Sr. Senador que apenas faltam dois minutos para V. Exa. terminar o seu discurso.
O Orador: — Peço licença para continuar e concluirei em breve as minhas considerações:
A Câmara permite que S. Exa. continue no uso da palavra.
O Orador: — O município aparece como preferente nas concessões.
As aplicações das correntes são muito diferentes, e eu compreendo que o município e o Estado, ao estabelecer as concessões, tenha obrigações e preferência ao dar as concessões, como, por exemplo, para e serviço de abastecimentos de água e irrigações; mas quando se trate doutras aplicações, como de energia eléctrica, por exemplo, o município não tem a mais pequena razão para aparecer como preferido nas concessões.
Vejamos: a energia eléctrica é uma concessão muito difícil. Há quedas de água muito distantes.
Em Espanha, por exemplo, há quedas de água, ama das quais está a grandíssima distância do Madrid, e não vejo como deve ser dada preferência a um município afastado dêsse ponto, e que, para se opor à importância social de Madrid, apresente como único argumento á circunstancia de ser o município onde está o salto de água própriamente dito.
Qual a maior utilidade entre o município produtor e o consumidor, que, de mais a mais, é variável?
Alêm disso há um outro artigo na lei outra indicação nas condições do preferência: o Estado dar a concessão à empresa que maior utilização tirar da energia das quedas de água; mas o regulamento diz que êsse pedido de concessões será seguido do inquérito público e será anunciado pela cãmara municipal, e estando em exposição durante trinta dias; de forma que pode haver um cálculo fantástico, pôr uns centímetros a mais na altura da barragens, ou por uns litros a mais no caudal da corrente, parecendo que tal indivíduo ou saciedade pode tirar mais utilidade da queda de água.
Os embaraços são manifestos.
Desta forma, Sr. Presidente, os embaraços resultantes da aplicação da lei são manifestos.
Há um ponto de vista para o qual eu chamo a atenção dos meus ilustres colegas desta Câmara, principalmente os versados em matéria jurídica: é o que considera as concessões como propriedade imobiliária, submetidas às disposições do direito comum.
Parece-me que o artigo 8.° do decreto de 27 de Maio é — pelo menos segundo o meu critério — um grande obstáculo. As concessões passam, de mão em mão, e por tais somas, que a energia hidro-eléctrica, cuja característica é a barateza, chega a ser no nosso país um objecto de luxo.
Quais são as garantias que o Estado deve exigir ao concessionário para êste bem explorar a concessão que lhe foi feita?
Não há dúvida, Sr. Presidente, que o nosso país, com uma tal lei, se vê na necessidade de estudá-la. (Apoiados).
De forma que, Sr. Presidente, resumindo as minhas considerações, eu desejaria que a Câmara se interessasse pelo assunto a que me venho referindo e fôsse desde já ao encontro duma corrente que se manifesta, e é já grande, para o ressurgimento industrial do nosso país.
Eu não posso, Sr. Presidente e Srs. Senadores, arcar com a responsabilidade, porque para isso não tenho competência, de mandar para a Mesa um projecto de lei ao assunto referente, o por isso limito-me a mandar para a Mesa um requerimento pedindo vários documentos, prometendo não largar a questão emquanto a minha consciência e o meu dever não estiverem satisfeitos.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem! Muito bem!
O Sr. Presidente: — Deu a hora para se entrar na ordem do dia.
Pausa.
A ordem do dia devia constituir os pá-
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receres das comissões. Como, porêm, ainda os não há, e o Regimento o permite, parece-me que podemos continuar nos trabalhos considerados «antes da ordem do dia», dando eu a palavra aos Srs. Senadores que se seguem na inscrição.
O Sr. Carneiro de Moura: — Sr. Presidente: continuam os Srs. Secretários de Estado a não nos dar o prazer de aparecerem nesta Câmara. Eu sinto que não estejam presentes, pelo menos, alguns dêles, para lhes dizer que as palavras proferidas pelo Sr. Senador Machado Santos nesta casa não podem deixar de ter o eco que a autoridade de S. Exa. lhe dá, alêm do seu valer intrínseco.
Esta Câmara ouviu o Sr. Machado Santos com o respeito com que sempre ouve os seus membros, e na persuasão de que todos vem para aqui trazer o seu concurso num intuito sério.
S. Exa. falou mais pelo coração do que por aquilo que os factos podem conter em si, e fez bem em apelar para o sentimento da Câmara.
Referiu-se às declarações que o Govêrno fez na outra Câmara, quanto aos assaltos à propriedade particular, como os que lamentavelmente se deram no Grémio Lusitano e na Travessa da Assunção; e esta Câmara não pode concordar com quem quer que seja, que pratique actos que amesquinhem a vida dos cidadãos. (Apoiados).
Diga-me, Sr. Presidente, que dirige distintamente os nossos trabalhos e que só utilmente o pode fazer obrigando-nos todos ao respeito pelo Regimento que é a lei, com que autoridade os Srs. Secretários de Estado podem manter no país a ordem, se não se acharem revestidos do necessário prestígio?! Mas para isso é indispensável que o exemplo venha de cima; é necessário que sejam castigados os que faltam ao respeito à lei que manda respeitar a liberdade de pensamento, a liberdade de imprensa, a liberdade de associação e o direito de propriedade.
O Senado é uma Câmara conservadora dizem. Mas por isso mesmo que o é, veja, Sr. Presidente, em que situação ficaria o Senado, se aqui não fizéssemos ouvir um vivo e sincero protesto contra as perturbações da ordem?! No Pôrto e em Lisboa têm-se dado arbitrariedades e atentados, não só contra a propriedade, mas até contra as pessoas, que têm indignado todos os espíritos bem formados.
Eu vi que noutros tempos, Sr. Presidente, se assaltaram igrejas, redacções de jornais e centros políticos. Todos ainda se recordam com indignação de tais atentados. Mas, se não levantei no Parlamento a minha voz contra tais factos, foi porque não pertencia então ao Parlamento. Mas, onde o pude fazer, e porventura desagradando muito aos que me ouviam, protestei noutro lugar contra aqueles atentados, lembrando-lhes até que tempo poderia vir em que os vencedores de então fossem vítimas de tais processos. Agora aí está a verificação do meu acerto. Mas lembrem-se tambêm os vencedores de agora que, a continuarem êstes processos de represálias, não poderão dormir tranquilos sôbre as suas façanhas. Tempo virá em que poderão sofrer o castigo dos seus abusos.
Ai de nós se não soubermos travar esta onda, procurando por todos os meios impor-nos a êsses desmandos. Eu estou certo de que o Govêrno mais do que ninguêm terá nisso o maior empenho—o evitar o exacerbamento das paixões, porque, se tal se não conseguisse, os nossos direitos, os nossos haveres e as nossas vidas estavam à mercê dêsses desvaira-mentos e dessas paixões.
Nós temos por honra e defesa próprias necessidade de protestar e bem alto contra esta onda que se agita nas ruas, assaltando e destruindo a propriedade alheia.
Vem a caminho da Europa o Presidente Wilson. Êsse estadista não partiu da sua pátria sem que os homens que antes da entrada na guerra se empregavam nas suas indústrias, tivessem voltado à sua actividade. O Presidente Wilson proclamara bem alto que os operários das fábricas e dos campos são tam beneméritos como os seus irmãos que se bateram nos campos de batalha, e afirmou a necessidade de realizar a desmobilização procurando trabalho útil para os oficiais e soldados.
Nesse sentido eu trago tambêm um projecto que vou mandar para a Mesa, para que o Govêrno proceda já à desmobilização, organizando as empreitadas para obras do Estado, para a abertura de
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canais, para a construção da rêde ferroviária, de estradas, de postos, para o aproveitamento dos terrenos incultos, de jazigos carboníferos, de quedas de água, para a instituição do Bem de Família, para a organização do ensino profissional, para a criação do imposto dos lucros da guerra.
A Inglaterra já procedeu de igual modo, tratando vivamente de fomentar as suas colónias, transformando os oficiais e soldados em operários.
Entre nós ainda não se procedeu desta maneira, e é necessário que o façamos.
Nesta ordem de ideas e concretizando melhor as minhas considerações: eu protesto como homem e como Senador contratado aquilo que seja perturbar a ordem pública, contra as prisões arbitrárias, contra os assaltos às redacções e à propriedade particular; contra o arbítrio legislativo, contra os abusos do Poder.
É necessário que o Govêrno mantenha a segurança pública.
O Sr. Machado Santos: — Esse Govêrno já aqui disse que se não responsabilizava pelos assaltos feitos pelo povo.
O Orador: — Pois eu espero que o Govêrno venha aqui dizer o contrário, porque se assim não fôr mal do Govêrno e de nós todos.
A desorganização em que temos vivido não pode continuar. Todos legislamos, e já ninguêm se entender.
Isto é o caos!
Num da aparecem diplomas num sentido; no dia seguinte derroga-se e que na véspera se fez. Há uma completa falta de conhecimento da crise em que nos debatemos.
Somos de sensibilidade dura e de inteligência bem acentuada, se ainda cão percebemos o que se passa em volta de nós!
É necessário que saiamos dêste caos, porque no caos ninguêm pode viver. Estamos tambêm no caos administrativo, sem sabermos o que havemos de fazer. Isto é a anarquia, que todos os homens de Estado devem evitar. Se querem a anarquia orgânica, façam-na, mas então diga-se que estamos em anarquia ou no regime Legal do Estado. Mas assina é a forma mais criminosa de agir, porque, ao passo que afirmamos uma situação legal, façamos ao respeito aos poderes do Estado.
Feitas assim as minhas afirmações, termino mandando para a Mesa um projecto de lei e uma proposta.
O Sr. Severiano José da Silva: — Pedi a palavra para quando estivesse presente algum dos membros do Govêrno, mas, como já é da praxe S. Exas. aqui não comparecerem, sigo o processo de falai-na ausência dos membros do Poder Executivo, e peço a V. Exa., Sr. Presidente, que transmita ao Sr. Secretário de Estado das Finanças uma pregunta. Tendo consultado o Diário do Govêrno, de há seis meses a esta parte, vejo que as contas da dívida flutuante não têm sido publicadas, sendo do regulamento da contabilidade que essas contas se publiquem mensalmente.
V. Exa. compreende quam grave é isto para o país, tanto mais quando consta que essa divida está excessivamente aumentada, atingindo talvez 40:000 contos. E o país, que tem de pagar tal dívida, nada sabe, colocando a todos em má situação.
Como V. Exa. sabe, é o Poder Legislativo aquele que tem de avariar e aprovar as contas do Estado, e nós não podemos trabalhar sem os elementos indispensáveis.
Alêm da desconsideração daqui não comparecer nenhum membro do Govêrno com quem se comunique, há alguma cousa mais grave: nos meios oficiais não há possibilidade de se verificarem as contas do Estado.
Eu peço, portanto, a V. Exa. que transmita ao Sr. Secretário de Estado das Finanças a seguinte pregunta: - Qual a razão por que, de há seis meses para cá, se não publica a nota do estado da dívida flutuante, com a precisa descriminação, e qual o seu montante?
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Comunicarei ao Sr. Secretário de Estado das Finanças os desejos do Sr. Severiano José da Silva.
O Sr. Oliveira Santos: — Peço ao Sr. Presidente que me informe se o Sr. Secretário de Estado da Guerra vem hoje a
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esta Câmara, pois necessito de tratar um assunto urgente.
O Sr. Presidente: — Farei o preciso aviso ao Sr. Secretário de Estado da Guerra.
O Sr. Castro Lopes: — Sr. Presidente: como membro desta casa do Parlamento não posso, neste momento, deixar de me associar às palavras sentidas e brilhantes pronunciadas por um dos ilustres Senadores, e prestar a minha homenagem mais justa à memória de Edmond Rostand, o grande poeta e dramaturgo francês.
Sr. Presidente: o ilustre Senador Sr. Machado Santos veio perante esta casa do Parlamento fazer o relato dum facto que disse ter chegado ao seu conhecimento, e que todos nós lamentamos.
Ainda bem, Sr. Presidente, que S. Exa. disse, e disse a verdade, pois que é incapaz de faltar a ela, que lhe custava a acreditar que dentro duma prisão, como aquela a que S. Exa. se referiu, se pudesse meter um nosso semelhante.
Não posso tambêm, Sr. Presidente, nem como homem, nem como magistrado que sou, deixar de lamentar tal facto, caso êle seja verdadeiro.
Por isso, Sr. Presidente, eu dito que só com provas esmagadoras é que se podem acreditar êsses factos.
Sr. Presidente, aqui, logo numa das primeiras sessões, quando abriu o Congresso e pedi a palavra pela primeira vez até, não deixei de protestar contra os assaltos que foram feitos aos jornais do Pôrto.
São realmente para lamentar tais factos, sendo de toda a conveniência que o Sr. Secretário de Estado do Interior mande proceder a um inquérito, a fim de se apurar o que há de verdade sôbre o assunto.
Entendo, portanto, Sr. Presidente, que nós não podemos deixar de nos colocar ao lado daqueles que lamentam êstes factos, e nesta ordem de ideas eu vou fazer um pedido a V. Exa.
Eu pedia, portanto, a V. Exa., Sr. Presidente, que empregasse as suas deligências a fim de que os Srs. Secretários de Estado, ou quem os representasse, comparecessem nesta Câmara, para a elucidarem sôbre os factos a que acabaram de se referir o Sr. Machado Santos e outros Srs. Senadores.
O Sr. Machado Santos: — Sôbre o facto concreto de haver milhares de indivíduos presos únicamente com a nota de terem sido presos, às tantas horas, pelo agente Fulano, nenhum de S. Exas. poderia dizer cousa alguma, porque o não sabem.
O Orador: — Eu creio que se S. Exas. aqui estivessem e ouvissem as considerações que acabam de ser feitas, imediatamente S. Exas. providenciariam para saber o que se tinha, passado, embora muitas vezes os processos tenham demoras que bem poderiam dispensar-se. S. Exas., fazendo isso, nobilitar-se-iam, e prestariam um bom serviço a seu país.
Termino, Sr. Presidente, renovando o meu pedido, porque nós todos merecemos a mesma consideração com que estamos dispostos a receber as indicações dos Srs. Secretários de Estado.
O orador não reviu.
O Sr. Machado Santos: — Sr. Presidente: eu desejava chamar a atenção do Sr. Secretário de Estado das Colónias, que sinto não ver presente, para o facto de estarem retidos em S. Tomé, por falta de transportes, 30:000 e tantos contos, ouro, de cacau, em risco de apodrecer.
Como S. Exa. não está, peço a V. Exa. que lhe transmita estas minhas considerações, em nome da economia do país.
O último navio que, propositadamente, foi a S. Tomé buscar um carregamento de cacau foi o vapor Gaza, que eu tinha destinado exclusivamente para êsse fim. Julgo que por essa ordem ter sido dada por mim, quando Ministro das Subsistências e Transportes, é que foi revogada, pois que consideraram nefasta a minha acção ministerial. Mas sempre quero elucidar o Senado que o único carregamento que êsse navio trazia para a Europa equivalia a dois milhões de libras, e rendeu de frete para o Estado 900 contos.
O Sr. Ribeiro do Amaral: — Sr. Presidente: na passada sessão votou-se nesta casa do Parlamento a autorização para o Sr. Senador Osório de Castro se ausentar do país e deixar de tomar parte nos trabalhos desta Câmara.
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Só tenho de acatar a resolução ao Senado, mas devo dizer que não votei essa autorização, e antes votaria contra ela, porque um dos nossos primeiros deveres deve ser o de zelar o dispêndio dos dinheiros públicos.
A situação aflitiva do Tesouro não permite a criação de lugares, perfeitamente dispensáveis, como é aquele para que acaba de ser nomeado o mesmo ilustre Senador.
Não se justifica a nomeação dum auditor geral, quando a guerra cessou, e não há tropas em campanha, como tambêm se não justifica a dos atachés que vão exercer funções desnecessárias em absoluto.
Tenho tambêm a dizer que é preciso pôr cobro à facilidade com que se estão dando pensões que em muito afectam os recursos do Tesouro.
Vejo a todo o momento, por decretos ditatoriais, estabelecer pensões a civis e a militares, sem fundamento sério a justificar essa medida, tornando-se o facto tanto mais digno de reparo e censura quanto é certo fazer-se tudo isso estando o Parlamento aberto, e ser a êle que competia > deliberar sôbre tal matéria. Não se pode tolerar.
Protesto pois, não só contra o desbarato dos dinheiros públicos, mas tambêm contra a ofensa aos direitos do Parlamento.
Pensões a civis, só por excepcionalíssimos serviços prestados ao país e pelos quais não tenha sido paga remuneração condigna; pensões a militares não se justificam quási em absoluto desde que há a pensão de sangue a galardoar os serviços que se prestam.
Os actos de heroicidade são tam frequentes nos nossos soldados que se os formos a premiar todos com pensões especiais não haverá dinheiro que chegue.
O Sr. Presidente: — Não há matéria para a ordem do dia da sessão seguinte.
Em todo o caso, marco sessão para amanhã, e peço aos Srs. Senadores, membros das comissões, brevidade na apresentação dos pareceres.
O Sr. Ribeiro dos Santos: — Peço a presença, na próxima sessão, do Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros.
A falta sistemática de S. Exa. e dos seus colegas é de reprovar.
O Sr. Machado Santos: — Declaro pela comissão de colónias, de que sou presidente, que esta não tem nenhum projecto pendente do seu parecer.
O Sr. Presidente: — Está encerrada a sessão.
Eram 16 horas e 36 minutos.
O REDACTOR — Alberto Bramão.