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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
1918-1919
SESSÃO N.º 6
EM 13 DE DEZEMBRO DE 1918
Presidência do Exmo. Sr. Zeferino Cândido Falcão Pacheco
Secretários os Exmos. Srs.
Luís Caetano Pereira
Guilherme Martins Alves
Sumário.— Chamada e abertura da sessão. Leitura e aprovação da acta. — Expediente.
Aprovado o requerimento do Sr. Castro Lopes para a urgência e dispensa do Regimento da proposta sôbre a manutenção do estado de sitio, é ela posta em discussão, na generalidade.
Tomam parte nesse debate os Srs. Mário Monteiro, Oliveira Santos, Eduardo de Faria, Secretário de Estado da Marinha (Canto e Castro), Machado Santos, Secretário de Estado das Subsistências (Cruz Azevedo), João José da Costa, Castro Lopes, Ribeiro do Amaral, Pinto Coelho, Luís Caetano Luz (Visconde de Coruche), Tiago Sales e Adães Bermudes, tendo sido a sessão prorrogada, a requerimento do Sr. Castro Lopes, e requerendo votação nominal o Sr. Machado Santos, a qual é rejeitada. É aprovada a generalidade da proposta. Sôbre a especialidade, que a pedido do Sr. Pinto Veloso é posta em discussão por artigos e números do artigo 3.º da Constituição, falam os Srs. Ribeiro do Amaral, que apresenta emendas, Eduardo de Faria, Machado Santos, Luís Gama e Pinto Veloso, sendo afinal aprovada e rejeitadas as emendas, e dispensada de última redacção por o ter requerido o Sr. Castro Lopes.
Antes de se encerrar a sessão, usam da palavra os Srs. Machado Santos, Castro Lopes, J. Jardim e Xavier Cordeiro.
O Sr. Presidente designa ordem do dia e encerra a sessão.
Estiveram presentes os Srs. Secretários de Estado da Marinha, Abastecimentos e Finanças.
Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:
Alberto Carlos de Magalhães e Meneses.
António Maria de Azevedo Machado Santos.
Cláudio Pais Rebêlo.
Constantino José dos Santos.
Eduardo Ernesto de Faria.
Francisco Nogueira de Brito.
Germano Arnaud Furtado.
Guilherme Martins Alves.
João da Costa Couraça.
João da Costa Mealha.
João José da Costa.
João José da Silva.
José António de Oliveira Soares.
José Epifânio Carvalho de Almeida.
José Marques Pereira Barata.
José Novais da Cunha.
José Ribeiro Cardoso.
José Tavares de Araújo e Castro.
Luís Caetano Pereira.
Luís Caetano Pereira da Costa Luz (Visconde de Coruche).
Luís Firmino de Oliveira.
Luís Xavier da Gama.
Manuel Ribeiro do Amaral.
Tiago César de Moreira Sales.
Zeferino Cândido Falcão Pacheco.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
Adolfo Augusto Baptista Ramires.
Adriano Xavier Cordeiro.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Correia Pinto de Almeida.
Alfredo da Silva.
Amílcar de Castro Abreu e Mota.
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António Augusto Cerqueira.
António da Silva Pais,
Arnaldo Redondo de Adães Bermudes.
Artur Jorge Guimarães.
Carlos Frederico de Castro Pereira Lopes.
Domingos Pinto Coelho.
Fernando de Almeida Cardoso de Albuquerque (Conde de Mangualde).
Francisco Martins de Oliveira Santos.
João Lopes Carneiro de Moura.
João de Sousa Tavares,
José dos Santos Pereira Jardim.
Júlio Dantas.
Manuel Homem de Melo da Câmara (Conde de Águeda).
Mário Augusto de Miranda Monteiro.
Srs. Senadores que faltaram à sessão:
Alberto Cardoso Martins de Meneses de Macedo.
Alberto Osório de Castro.
Alfredo Monteiro de Carvalho.
António de Bettencourt Rodrigues.
António Maria de Oliveira Belo.
Cristiano de Magalhães.
Duarte Leite Pereira da Silva.
Francisco do Livramento Gonçalves Brandão.
Francisco Vicente Ramos,
João Rodrigues Ribeiro.
João Viegas de Paula Nogueira.
José Freire de Serpa Leitão Pimentel.
José Joaquim Ferreira.
José Júlio César.
José Maria Queiroz Veloso.
Júlio de Campos Melo e Matos.
Júlio de Faria de Morais Sarmento (Visconde de Banho).
Manuel Jorge Fortes de Bessa.
Pedro Barbosa Falcão de Azevedo e Bourbon (Conde de Azevedo).
Pedro Ferreira dos Santos.
Sebastião Maria de Sampaio.
Severiano José da Silva.
Às 14 horas e 35 minutos foi feita a chamada, estando presentes 23 Srs. Senadores, e declarando o Sr. Presidente aberta a sessão.
Lida a acta, foi aprovada sem reclamação.
Sendo 14 horas e 45 minutos e achando-se na sala 33 Srs. Senadores, procede-se à leitura do
Expediente
Ofícios
Do Instituto Histórico do Minho, apresentando ao Senado os seus sentimentos pelo falecimento do antigo Senador e Ministro das Finanças, Sr. Tomás Cabreira.
Para a Secretaria.
Do Sr. Ministro da Inglaterra em Lisboa, agradecendo a mensagem do Senado pela vitória dos aliados.
Para a Secretaria.
Telegrama
Da comissão dos presos políticos do forte de Monsanto, pedindo a interferência do Senado á fim de serem descriminadas responsabilidades e restituídos à liberdade.
Para a Secretaria.
Constituição da comissão
O Sr. José Marques Pereira Barata comunica estar constituída a comissão de guerra, sendo eleito para presidente o Sr. José Freire de Serpa Leitão Pimentel e a êle, comunicante, para secretário.
Para a Secretaria.
Pedidos de comparência
Peço a comparência do Sr. Secretário de Estado dos Abastecimentos na próxima, sessão do Senado, pois desejo chamar a sua atenção e pedir providências urgentes sôbre a exportação de frutas secas do Algarve, problema importantíssimo para os interêsses económicos não sé daquela província, mas de todo o pais.
Sala das Sessões, 13 de Dezembro de 1918.— Adriano Xavier Cordeiro.
Para a Secretaria.
Peço a comparência do Sr. Secretário de Estado do Trabalho numa das próximas sessões, a fim de chamar a sua atenção para a aplicação que está tendo em alguns distritos a lei da assistência pública.— José Jardim.
Para a Secretaria.
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Pedido de licença
Do Sr. Severiano da Silva, pedindo dez dias de licença para se ausentar às sessões do Senado.
Para a comissão de infracções e faltas.
Segundas leituras
Dos projectos de lei da iniciativa do Sr. Machado Santos, autorizando o Govêrno a adjudicar em hasta pública a exploração de casinos e outras diversões nas zonas de turismo; permitindo aos sindicatos profissionais e às associações de classe o poderem federar-se, e outro autorizando o Govêrno a contrair um empréstimo nacional destinado ao resgate de todas as linhas férreas concessões de quedas e correntes de água e da indústria da fabricação de adubos e produtos químicos.
Para as comissões de administração pública e finanças.
Para as comissões de fomento e finanças.
Para a comissão de legislação pública.
Do projecto de lei da iniciativa do Sr. Conde de Mangualde, Fernando de Almeida Cardoso de Albuquerque, sôbre oficiais milicianos.
Para a comissão de guerra.
Proposta de lei
É lida a seguinte, vinda da Câmara dos Deputados:
Artigo 1.° É confirmada, até esta data a declaração do estado de sitio, estabelecida pelo decreto n.° 4:891, de 12 de Outubro de 1918.
Art. 2.° É declarado o estado de sítio, com suspensão parcial de garantias constitucionais, em todo o território da República até 10 de Janeiro de 1919.
§ único. As garantias constitucionais, suspensas são as dos n.ºs 14.°, 15.°, 16.°, 17.°, 18.°, 20.° (ao período anterior à formação da culpa), 28.°, 31.° e 35.° do artigo 3.° da Constituição Política da República.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.
A requerimento do Sr. Castro Lopes fui feita a chamada, para,a votação nominal, sôbre a urgência e dispensa do Regimento da proposta anterior para a sua imediata discussão, sendo aprovadas.
Disseram «aprovo» 33 Srs. Senadores.
São os seguintes:
Adolfo Augusto Baptista Ramires.
Adriano Xavier Cordeiro.
Alberto Carlos de Magalhães e Meneies.
Alfredo da Silva.
António Augusto Cerqueira.
António da Silva Pais.
Arnaldo Redondo de Adães Bermudes.
Artur Jorge Guimarães.
Carlos Frederico Castro Pereira Lopes.
Cláudio Pais Rebolo.
Constantino José dos Santos.
Domingos Pinto Coelho.
Eduardo Ernesto de Faria.
Fernando de Almeida Cardoso de Albuquerque (Conde de Mangqalde).
Germano Arnaud Furtado.
Guilherme Martins Alves.
João da Costa Couraça.
João da Costa Mealha.
João José da Silva.
João de Sousa Tavares.
José António de Oliveira Soares.
José Epifânio Carvalho de Almeida.
José Marques Pereira Barata.
José Novais da Cunha.
José Ribeiro Cardoso.
José Tavares de Araújo e Castro.
Luís Caetano Pereira.
Luís Caetano Pereira da Costa Luz (Visconde de Coruche).
Luís Firmino de Oliveira.
Luís Xavier da Gama.
Manuel Homem de Melo da Câmara (Conde de Águeda).
Mário Augusto de Miranda Monteiro.
Zeferino Cândido Falcão Pacheco.
É lida e entra em discussão na generalidade a referida proposta.
O Sr. Mário Monteiro: — Pedi a palavra para declarar em nome da minoria monárquica que dentro da orientação que a nós próprios nos impusemos de prestar a êste Govêrno todo o nosso apoio em matéria de ordem pública e internacional, damos o nosso voto a esta proposta deixando ficar ao Govêrno a responsabilidade e oportunidade dela.
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Não somos nós os que estamos habilitados com os meios necessários para podermos apreciar se efectivamente esta proposta é ou não necessária da actual conjuntura.
O Govêrno pelos meios ao seu alcance é que está habilitado a julgar se ela é necessária.
Nós somos um partido conservador ma s liberal e não podia deixar de nos parecer antipática a proposta ou qualquer outro acto de excepção.
Não queremos, porêm, tambêm como partido que ama a ordem, negar ao Govêrno os meios que julgo indispensáveis para exercer a sua acção, quando o julgar necessário.
O orador não reviu.
O Sr. Oliveira Santos: Sr. Presidente: declaro que voto contra a proposta do Govêrno, porque o Govêrno não disse ainda ao Senado quais os factos que determinaram essa proposta, o que se passou, enfim, no país durante o interregno parlamentar.
Tem-se dito nesta Câmara bem como na outra casa do Parlamento que há 10:000 presos políticos nas enxovias, nas cadeias, em todos os calabouços e fortalezas do país.
Não é possível estabelecer-se a paz, a harmonia, o amor na família portuguesa conservando-se 10:000 presos a ferros da República.
Não se sabem ainda as razões porque êles se conservam presos, tenho ouvido dizer que a grande maioria nem sequer tem culpa formada!
Compreendo a necessidade que o Govêrno tenha de reprimir rapidamente, energicamente qualquer revolução ou tentativa de desordem pública, por forma a que no país se estabeleça duma maneira efectiva e segura, a ordem e a tranquilidade, e, como homem de ordem que sou, outra coisa não desejo do Govêrno, mas compreendo tambêm, Sr. Presidente, como certamente compreende toda a Câmara, que não há forma de fazer com que no nosso país se restabeleça a ordem pública dum modo seguro, eficaz e útil, sem que o país esteja absoluta e claramente esclarecido sôbre os motivos por que estão presos tantos republicanos.
A cidade do Pôrto, a cidade das tradições mais gloriosas, a cidade invicta, a nobre e generosa, tem assistido a actos da mais desenfreada demagogia; ali têm-se dado assaltos aos jornais, ao domicílio dos cidadãos, assaltos de toda a ordem, não excluindo mesmo uma casa bancária e até mesmo o Club dos Fenianos, que não tem cor política e tem prestado ao PC r to relevantes serviços.
Tom tido êsses desacatos a mais completa impunidade.
O Govêrno devia, pois, ter trazido aqui um relatório minucioso do que acabo de referir, e depois apresentaria a proposta em discussão.
Quando se fez a revolução de 5 de Dezembro, disse o Presidente da República no Parque Eduardo VII, que se queria estabelecer uma época nova onde imperasse a harmonia, a paz, a ordem e extinguisse por uma vez a demagogia que trazia sobressaltada a sociedade portuguesa.
Eu, Sr. Presidente, estou perfeitamente de acôrdo com essas palavras e como homem de ordem aplaudo-as plenamente, absolutamente.
Mas, Sr. Presidente, o que se tem passado no Pôrto está em completa contradição com essas palavras e os antigos republicanos correra até o risco de irem para o hospital quando saiam de noite mesmo sob imperiosas necessidades das suas ocupações. Quási todas as noites são espancados republicanos indefesos!
O Sr. Machado Santos (interrompendo): - No Pôrto isso dura há meses.
O Orador: — Não ha dúvida, no Pôrto vive-se por assim dizer numa atmosfera de terror!...
V. Exa., Sr. Presidente, sabe muito bem como são inúteis as violências escusadas. Já D. Miguel se serviu dos caceteiros para se proclamar rei absoluto e com isso apenas conseguiu mergulhar o país numa guerra civil. Costa Cabral conseguiu no Pôrto organizar uma contra-revolução e uma vez no poder tais violências, tais excessos praticou que levou o país à desordem e provocou a visita do general Concha.
João Franco e Afonso Costa, se não esquecesse a psicologia do nosso povo não teriam o primeiro lançado a monarquia num mar de sangue e o segundo pela sua
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intransigência criado esta desarmonia onde ninguêm se entende. É preciso que o Govêrno procure por todos os meios uma nova era de paz e dó harmonia social e nada de violências nem de exageros de poder.
Eu não posso, Sr: Presidente, por estas razões votar a proposta em discussão. O Govêrno não disse ao Senado — e é a primeira vez que tenho o. prazer de ver o Govêrno presente nesta Câmara — num circunstanciado relatório, porque se torna necessário votar tal proposta.
A meu ver, Sr. Presidente, o Govêrno devia ocupar-se primeiro que tudo da questão económica, da questão financeira, das subsistências, emfim, das questões que mais interessam à vida nacional, e relegar para um segundo plano a questão política que seria, por si, solucionada com aquelas medidas urgentes.
Limpe-se as prisões onde, dizem, se encontram milhares de inocentes; forme-se culpa aos que delinqúiram; esclareça o Govêrno êste assunto e evite, como deve, a constante romaria para aqui de mulheres e crianças que pedem a liberdade dos seus maridos e dos seus pais-, e depois diga ao Senado do que precisa para manter a ordem que o Senado não lho negará, estou certo. Creio ter exposto as razões por que voto contra a continuação do estado de sítio.
O Sr. Eduardo Ernesto de Faria: — Pedi a palavra porque me constituí na imperiosa obrigação de dizer à Câmara e ao país quais às razões que me assistem para votar a continuação do estado de sítio.
Trata-se dum assunto que merece à máxima circunspecção e que carece de ser firmado com razões poderosíssimas.
Compete efectivamente ao Congresso da República declarar, em dois casos, o estado de sítio e a suspensão parcial ou total de garantias numa ou mais partes do território da República. No primeiro caso, o estado de sítio será declarado em face de invasão estrangeira; no segundo caso, o estado de sítio será declarado em virtude de perturbações internas.
É, sem dúvida, com referência ao n.° 16 do artigo 26.° da Constituição da República que o Poder Executivo traz a esta Câmara a proposta de lei que se discute. Mas para que tal proposta se justifique é preciso ver, em face da Constituição, quais os elementos necessários que existem para a continuação do estado de sítio. Eu não quero exibir no actual momento, porque esta casa não é um tribunal, aqueles conhecimentos de direito público, que não possuo, para fazer distinções de criminologia nos estados que depois da revolução francesa se encontram nas constituições do mundo civilizado.
Infelizmente para nós, Sr. Presidente, tudo temos tido a esta parte.
O estado de sítio, para nós, não data de hoje nem de ontem: existe há muito tempo e parece que nessa situação nos mantemos constantemente.
O estado de sítio define-se em duas palavras: é a subordinação civil à autoridade militar.
Sr. Presidente: diz a Constituição que o estado de sítio só poderá ser decretado em dois casos. E taxativa esta disposição. Ou no caso de agressão imediata por fôrças estrangeiras ou nos casos de perturbação interna.
Evidentemente que Poder Executivo não trouxe às Câmaras êste projecto de lei em razão do primeiro caso, porque êsse já teve outras razões que são o estado de guerra. O Poder Executivo trouxe às Câmaras o projecto que se discute em consequência de perturbação interna. E agora pregunto eu, Sr. Presidente, se haverá factos na história dos últimos tempos em face dos quais se poderia estabelecer o estado de sítio?
Sr. Presidente: nem o Parlamento nem o Poder Executivo cumpriram até hoje e nos últimos dois meses os preceitos constitucionais.
Vozes: — Muito bem.
O Orador: — Êstes lugares carecem de independência e a êsse respeito permita-me V. Exa. que lhe diga que a constituição do Senado está por tal forma disposta que ela pode desempenhar-se da sua missão com elevação e dignidade.
Sr. Presidente: tambêm eu lamento que nem o Congresso nem o Poder Executivo tenha compreendido os seus deveres constitucionais.
O Congresso, Sr. Presidente, devia ter-se reunido por direito próprio, repito, e
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assim Sr. Presidente, o Poder Executivo poderia trazer ao Congresso um relatório sôbre as medidas de excepção adoptadas. Isto é o Govêrno devia vir ao Parlamento dizer os motivos que o levaram a adoptar essas medidas, isto em cumprimento da lei, e depois o Congresso aprovaria ou não essas medidas.
Assim, Sr. Presidente, nem o Poder Executivo nem o Legislativo cumpriram o seu dever.
Sr. Presidente, eu não quero fazer a história do meu país nestes últimos anos: e por isso somente me limitarei afirmar a V. Exa. e à Câmara que em face das razões que tenho apresentado sôbre a proposta que está em discussão, o Poder Executivo devia ter cumprido o disposto no § 3.° do n.° 16 do art. 26.° da Constituição.
Não quero, Sr. Presidente, fazer a história do meu país, debaixo do ponto de vista político, pois que isso levar-me-ia muito longe, isto é, ter-me-ia de referir a factos desde o tempo de Sr. João Franco até hoje.
Sr. Presidente, diz-se que existem inimigos internos alêm dos inimigos esternos, mas inimigos internos de quem?
Inimigos internos da cordem e da tranquilidade pública?
Sr. Presidente: eu não sei quais foram as medi ias de excepção adoptadas pelo Govêrno, o que, sei, Sr. Presidente, é que «desde 10 de Dezembro do ano passado tem sido a perturbação interna por tal forma grave que não faltam, ataques à liberdade, que não faltam ataques à segurança individual, que não faltam ataques à propriedade.
Eu, Sr. Presidente, como tomem de ordem que sou, condeno os ataques à liberdade, quer seja à redacção de Norte, quer seja à redacção do Dia, quer seja à redacção do Mundo.
Sr. Presidente, a liberdade foi ultrajada pelos inimigos da ordem.
O Sr. Oliveira Santos: — É preciso saber quem assaltou essas redacções quem assaltou o Grémio Lusitano.
O Sr. Machado dos Santos: — Vi eu quem foi.
O Orador: — Eu respondo a V. Exas. dama forma peremptória. Eu não posso
concordar com as perturbações; tenho a maior consideração pelos meus ilustres colegas, mas como querem V. Exas. que haja uma calma perfeita se as paixões indisciplinam os homens. (Apoiados).
E preciso, meus Senhores, muita circunspecção. No actual momento é preciso muita justiça, mas sem ódios nem misericórdia.
Sr. Presidente, eu estava a enumerar os ataques à liberdade,, os ataques à segurança individual que toda a gente conhece e até são de tal natureza que outros oradores a êles se referiram e fizeram L afirmação tam judiciosa que o Sr. Presidente da República não tinha o direito de se expor como se expõe.
Os ataques à propriedade, Sr. Presidente t Ainda ultimamente êsse triste caso que se deu numa. das ruas da capital. Destruindo selváticamente a propriedade dum grémio. Para mim essa falta é tam grave como a que destruiu os centros católicos. É muito desvairamento, há muita paixão, que é preciso que desapareça para que e em serenidade e justiça o país volte aos dias felizes do seu passado histórico.
Sr. Presidente, eu tenho causado a atenda Câmara.
Vozes: — Não apoiado.
O Orador: — Mas comecei por dizer a V. Exas. as razões porque adoptava uma proposta de natureza tam grave. Faço-o porque sou amante da liberdade.
Sr. Presidente, eu vou afirmar a V. Exa. e à câmara que as restrições que se envolvem neste projecto não são totais, são parciais.
Dizem respeito às garantias individuais ou constitucionais? É indiferente.
Porque a Constituição nó n.° 16 chama-lhe garantias constitucionais, e no título 2.° chama-lhe garantias individuais.
E sempre o pouco cuidado na redacção das nossas leis.
Efectivamente, Sr. Presidente, compreende-se que havendo associações de inimigos internos, a, lei permita que êles se reunam para atentar contra o trabalho, contra a ordem, contra a tranquilidade pública?
Efectivamente, nós não podemos deixar de concordar que é uma necessidade suspender essas garantias.
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Está na lógica, porque afinal votando-se aqui o estado de sitio, não fazemos mais do que reconhecer o estado das causas violentas que outros criaram, recaindo sôbre nós as consequências mais odiosas. Mas, da parte de quem?
Da parte dos inimigos do trabalho da ordem e da tranquilidade pública.
Eu, pela minha parte e pela dos meus colegas, estou convencido de que não tenhas medo dessa suspensão de garantias, porque não somos inimigos da tranquilidade pública.
Sr. Presidente, permita V. Exa. que eu peça desculpa a V. Exa. e à Câmara, cama um inexperiente que sou, pois que compulsando apenas há umas dezenas de anos livros de legislação» comerciai, civil e penal venha discutir um problema de direito constitucional, o projecto do estado de sítio; no entanto, eu; votando a favor do projecto, não o queria fazer sem responder estas humildes considerações para mostrar a esta câmara; e ao país que tenho razões para proceder assim.
Tenha dito.
O Sr. Canto e Castra (Secretário de Estado da Marinha): — Sr. Presidente: ao ter a honra de tomar a palavra pela primeira vez nesta Casa do Parlamento, eu «dirijo a V. Exa. e aos Srs. Senadores os meus cumprimento».
Por motivo urgente de serviço público o meu colega da pasta da guerra não pôde comparecer; por conseguinte eu tenho a declarar a V. Exa. e à Câmara que o Govêrno justifica as medidas pedidas, com referência ao estado de sítio, pelos acontecimentos ocorridos no mês de Outubro em Coimbra e outras localidades, pelo movimento revolucionário de Novembro último e ainda pelos últimos acontecimentos relativos ao criminoso atentado praticado ultimamente contra o Sr. Presidente da República.
Em virtude do que acabo de expor a V. Exa. e à Câmara, podem bem compreender as razões ponderosas que ao Govêrno, muito a seu pesar, levaram a desejar que seja prolongado o estado de sítio até o dia 10 do próxima mês de Janeiro.
Há inquirições a fazer que se não podem realizar no tempo normal. Tem de se interrogar certos presos que o Govêrno deseja que surjam ouvidos com todas as formalidades para que os resultados resultem satisfatórias, sem que haja prejuízo na aplicação da justiça.
O Govêrno conhecedor como está dêstes assuntos, parece-lhe que tem tratado dêles com o maior cuidado.
Vozes: — Muito bem.
O Orador: — Não posso, pois, deixar de pedir ao Senado que vote a proposta do prolongamento do estado de sítio até 10 de Janeiro próximo.
Ser-me-ia, pois, muito agradável que está Casa do Parlamento pudesse completar a obra da Câmara dos Deputados,
É isto que me cumpre dizer e que o Sr. Secretário de Estado da Guerra por virtude de serviço público não pôde comunicar à Câmara.
O Si, Machado Santos: — Ouvi com toda a atenção o que disse o ilustre titular da pasta da marinha; mas declaro que fiquei na mesma ignorância em que estava.
S. Exa. disse que o prolongamento do estado de sítios era preciso pelos acontecimentos que se haviam dado e eu não sei a que acontecimentos S. Exa. se refere, porque enunciar simplesmente o 12 de Outubro e a greve nada elucida, como não elucida tambêm, o que foi êsse atentado, e o Parlamento nada sabe, porque a própria imprensa, que está amordaçada, pouco disse a tal respeito.
Qual a origem dêsses factos?
Que motivos houve para encarcerar dez mil homens?
O Sr., Canto e Castro (Secretário de Estado da Marinha): — O número não é exacto.
O Orador: - Pode V. Exa. dizer-me quantos são os presos políticos?
O Sr. Canto e Castra (Secretária de Estado da Marinha): — Não chega a mil.
O Orador: - Só mil estão em Elvas. V. Exa. desconhece tudo; não está ao facto da que se passa no país.
V. Exa. não sabe quantas criaturas estão presas: são aos milhares. O Sr. Se-
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cretário de Estado da Guerra devia sabê-lo. Estará êsse seu colega no Gabinete melhor informado que V. Exa.? Estou certo que tambêm o não está! Afora alguns culpados, há milhares de inocentes nas prisões» E o grande mal é entregar-se a instrução dos processos a indivíduos que vão desempenhar essa missão mediante uma gratificação mensal. Quanto mais demorar o serviço, mais rende.
Isto é tremendo porque nunca acabam os motivos de inquietação e de revolta. Por cada inocente preso, levantam-se, pelo menos, dez indivíduos contra o Govêrno.
O § 3.° do artigo 26.° da Constituição é muito expresso e diz o seguinte:
Reúnido o Congresso no prazo de 30 dias, o que poderá ter logar por direito próprio, o Poder Executivo lhe relatará, motivando-as, as medidas de excepção que houverem sido tomadas e por cujo abuso são responsáveis as autoridades respectivas».
Ora o Govêrno não relatou coisa alguma.
O outro colega de V. Exa. na outra Câmara tambêm não relatou cousa alguma. E... caso estupendo tratou apenas de declarar que era tanto o entusiasmo no país pela situação actual, que até a tropa saiu expontaneamente dos quartéis para reprimir a revolta de Coimbra e exibir-se mais tarde em parada militar nas ruas da capital.
E esta a noção de ordem que tem o Govêrno!
E esta a noção de disciplina militar que tem o Sr. Secretário de Estado da Guerra!
E não quere o Govêrno que haja revoltas?!
Passaram-se factos de extreme, gravidade, que o Govêrno ignora, mas eu vou apenas citar um, e pregunto se é para isto que o Govêrno deseja a continuação do estado de sítio e que continuem suspensas as garantias.
Vou ler à Câmara um documento que me foi enviado pelo sapientissimo grão-mestre da Maçonaria Portuguesa, o grande homem de bem, que é conhecido em todo o mando pela sua Maldade e honradez, o Sr. Dr. Magalhães Lima.
Leu.
Mando êste documento para a Mesa, a fim de V. Exa., Sr. Presidente, o pôr à disposição dos Srs. Senadores que o queiram ler.
Quere dizer: Foi com o conhecimento da polícia que se assaltou o Grémio Lusitano!
Eu gostaria muito que o Govêrno me pudesse responder a êste ponto; mas, como já disse, S. Exa. o Sr. Secretário de Estado da Marinha, que é uma criatura bem intencionada e honestíssima — o nosso conhecimento data de há muitos anos — não está ao facto do que se passa no país.
j Depois do assalto ao Grémio Montanha e ao grupo Pró-Pátria, instalados na Calçada do Sacramento, os assaltantes foram levar os destroços ao governo civil!
Era seguida ao 12 de Outubro já o declarei há pouco em àparte, ao ilustre colega, que me antecedeu no uso da palavra debaixo de forma e comandados pelo Rocha Corticeiro alguns indivíduos foram assaltar as redacções dos jornais.
Êste facto foi presenciado por mim e pelo Sr. Rocha, Martins, Deputado da Nação.
Mas S. Exa. tambêm ignora isto!
Sr. Presidente: o que se tem cometido neste país, em matéria de atropelo à lei, de desordem e arbítrio do poder é simplesmente extraordinário!
Referiu-se tambêm o meu ilustre colega às origens e causas dos últimos acontecimentos, o foi filiá-las nas perseguições políticas e ódios antigos.
Tem S. Exa. carradas de razão.
Realmente não se pode ter neste país o rótulo de democrático, porque isso é o bastante para se ser enclausurado numa prisão.
Sob minha honra declaro a V. Exa., Sr. Presidente, que sempre que eu quis, como Ministro do Interior, arrancar alguns indivíduos das prisões que não dependiam do meu Ministério, não o conseguia.
A culpa dêles não era nenhuma; era simplesmente a de terem ficado vencidos por uma revolta em que nós ficámos vencedores.
Efectivamente, é a estas origens e se deve ir buscar a intranquilidade em que se vive.
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Quando o Sr. Presidente da República teve êsse gesto de pôr em liberdade todos os presos políticos, já êsses desgraçados tinham estado enclausurados durante quatro meses!
E em quatro meses de clausura que de ruínas no lar e na vida da família!
Ora desta forma, como é que não há-de haver revoltas?!
No Pôrto não pode um republicano sair à rua que não tenha de ir ao hospital curar-se de qualquer ferimento. (Apoiados).
Isto não ignora, decerto o Chefe de Estado; como tambêm o não ignora o Govêrno; e, contudo, ainda se não demitiu o governador civil, nem as autoridades policiais, daquela cidade, nem se vislumbra a tenção de as substituírem.
E o que se passa no Pôrto é pouco mais ou menos o reflexo do que tem ocorrido noutros pontos do país.
Em Lisboa, a propósito dos acontecimentos que se deram em Coimbra e em Évora, mandavam-se prender oficiais que tinham acabado de regressar do front, que se tinham acabado de bater pela pátria, por civis cadastrados ao serviço da polícia preventiva.
Isto é que é disciplina militar e social, Srs. Secretários de Estado?
Não havia então na Secretaria de Estado dá Guerra oficiais de patente igual ou superior à daqueles que deviam ser presos, para os ir buscar?
Juntamente com todos êsses indivíduos que foram presos, mas que podem ter ou não culpa nos acontecimentos-, foi preso o Presidente do Conselho Superior da Administração Financeira do Estado, que ombreia com os Secretários de Estado e que em certos casos tem autoridade superior à dêstes; foi preso o comissário do Govêrno junto do Banco Nacional Ultramarino; foi preso o Dr. José de Castro, antigo presidente do Ministério, o Visconde da Ribeira Brava, etc., E êsses homens foram metidos em calabouços que eram para doze pessoas e que durante quatro dias estiveram pejados com sessenta!
Isto é o cúmulo da infâmia!
Não encontro outra classificação a dar; por isso desculpe-me V. Exa.? esta palavra, mas eu não sei realmente como hei-de traduzir êste facto, com a indignação que êle me causa.
Durante quatro dias estiveram êsses homens no governo Civil; e quando trataram de aliviar os calabouços mandaram-nos uma escolta com cornetas e tambores a frente, parece que de propósito, para provocar a indignação dos seus adversários políticos.
Realmente, se o Sr. comandante da polícia e os respectivos oficiais não tivessem intervido com energia a tragédia teria sido muito maior do que foi. Sou justo. Não posso deixar de citar o facto.
S. Exas. arriscavam a vida; mas menor seria que o Govêrno tivesse impedido êsse castigo.
Ainda se não desvaneceu a memória do Sr. Visconde da Ribeira Brava. Tambêm tem sido um lapso lamentável desta casa do Parlamento não se ter ainda emitido um voto de sentimento pela morte dêsse antigo Deputado da monarquia e da República. Espero, Sr. Presidente, que V. Exa. se não esqueça de o propor a esta assemblea numa das próximas sessões.
Uma homem da categoria social do Sr. Visconde da Ribeira Brava não se devia ter metido numa escolta com outros presos, em cortejo, pelas ruas da cidade.
Sucedeu o que era de esperar. O Visconde desapareceu do número dos vivos, juntamente com outros presos e alguns agentes da autoridade. E o que se lhe seguiu de noite, nos pátios do governo civil foi verdadeiramente trágico.
Sei que V. Exa., Sr. Secretário de Estado da Marinha, desconhece os factos graves que se tem dado; quando obtiver a confirmação do que eu disse, V. Exa., voluntariamente, abandonará o Govêrno para se não solidarizar com êles.
O que querem V. Exas. que suceda? (Que não haja revoltas? Quando o Poder salta por cima da lei, quando o Govêrno publica; decretos até sôbre matéria financeira, que admira que as haja?! Até nos tempos do absolutismo monárquico se não lançavam impostos sem ouvir os três Estados.
Fala-se em tragédias. Uma das maiores tragédias da história portuguesa, registou-se há dez anos. Todos o sabem! Eu não quero atrair sôbre o meu nome a responsabilidade de haver concorrido para que se escrevesse outra página lutuosa
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na história nacional. Apelo para o Senado para que se devolva ao Govêrno a proposta em discussão.
Sabe S. Exa. o Sr. Secretário de Estado da Marinha que corre o boato de qce no governe civil se construiu há dois ou três meses numa parede, um buraco a que se chama «segredo». Diz-se a:é, que êsse inpace inquisitorial se encontra junto dos calabouços n.ºs 7 ou 8.
Sabem S. Exas. dizer alguma cousa a êsse respeito?
É uma pregunta que eu lhe faço.
O Sr. Canto e Castro (Secretário de Estado da Marinha e interino dos Negócios Estrangeiros): — Não sei.
O Orador: — Ah! Não sabe?! Bastava só o facto de se construir essa masmorra, bastava só isso, para fazer revoltar as pedras das calçadas. Um tal «segredo» para emparedar vivos só se construía nos tempos da Inquisição. É verdade que estamos em Portugal... onde tudo é possível.
Sr. Presidente: eu não voto o projecto em discussão, e gostaria muito que o Govêrno, em vez de nos vir aqui pedir a continuação do estado de sítio, viesse antes declarar a esta Câmara que ia pôr em liberdade todos aqueles indivíduos presos que ainda não tiveram culpa formada. Nobre era isto! Nobre era isto, pois que não envolvia a idea mesquinha da vingança.
Revoluções hão-de dar-se sempre em todos os países, emquanto o mundo fôr mundo.
Quando se dá uma mudança de instituições, como no nosso país se deu, e quando se não têm em conta todas as correntes de opinião, hão-de dar-se revoltas, porque as ideas não param e tentam impor-se por todas as formas possíveis nos momentos de anormalidade política. A acalmação só se consegue com a liberdade de pensamento e o direito de livre crítica.
Quando o ideal é nobre, embora por vezes a luta seja sangrenta, a clemência sempre foi proveitosa. Apaga ressentimentos e evita que germinem os ódios, A República velha apenas teve que se arrepender de só tardiamente ter usado por vezes da clemência. Oxalá que a República nova se não venha a arrepender do mau caminho que vai trilhando.
Eu julgava, Sr. Presidente, que, pelo menos, os Srs. Ministros viessem declarar que o Govêrno tencionava pôr em liberdade os presos que não têm culpa formada. Mas vejo que somente querem que se lhes dê autorização para prolongar a dúvida e avolumar a dor.
E é possível que S. Exas. ainda nos venham pedir, depois de terminar o prazo que marcaram, que a anormalidade se prolongue ainda por mais um mês.
Eu creio que S. Exa. o Sr. Ministro da Marinha tem rendimentos próprios. Não sei se S. Exa. já experimentou alguma vez a prisão. Eu já a experimentei.
Ponha agora V. Exa. na mente que tortura não passarão as famílias de milhares de prisioneiros que vêem inactivos os braços que lhes angariavam o pão.
Eu tive ocasião de ler à Câmara uma carta dum preso político que se encontra na Penitenciária de Coimbra. Essa carta é já do domínio público, excepto na parte em que êsse preso se refere aos militares que ostentam cruzes de guerra e condecorações nacionais e estrangeiras, por terem cumprido o seu dever em França, porque nessa parte a censura cortou dos jornais tal informação. Faz de tudo isto.
Leu.
A censura achou isto prejudicial e cortou. Tudo quanto seja informar o público do que se passa e criticar actos do Govêrno a censura corta. Para manter o país na ignorância e tê-lo algemado ao poder pessoal é que se deseja o prolongamento do estado de sítio e da suspensão de garantias. Não contem com o meu voto. Não, não e não!
Tenho dito, Sr. Presidente.
O Sr. Cruz Azevedo (Secretário de Estado das Subsistências): — Sendo esta a primeira vez que tem a honra de falar nesta Câmara, seja-lhe permitido que, em primeiro lugar, comprimente o Sr. Presidente e toda a Exma. Câmara.
Respondendo às afirmações do Sr. Machado Santos, e depois de se referir à greve dos caminhos de ferro e ao atentado contra o Sr. Presidente da República, relativamente aos oficiais, diz que não sabe se há ou não subsídios; mas o que é certo é que, se se dão subsídios, é
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porque êsses oficiais trabalham. Não só dá dinheiro a ninguêm sem trabalhar.
É isto que deve ficar bem assente.
O orador não reviu.
O Sr. João José da Costa: — Sr. Presidente: é ainda com o coração repassado de dor que eu assisti à manifestação da pobre gente que se acercou das duas casas do Parlamento, pedindo, que lhes fossem entregues os chefes queridos, Eu, Sr. Presidente, quando há pouco se deu o atentado contra o Sr. Presidente da República, mandei uma moção para a Mesa; lamento que a Câmara não tivesse tomado conhecimento dela.
Como representante do comércio eu reprovo sempre todos os atentados sejam êles contra quem fôr e nesta ordem de ideás não podia em face do atentado ao Chefe do Estado ter outra atitude.
O comércio só quere trabalhar. Ora sucede que por virtude dos movimentos políticos de há dois meses encontram-se presos inúmeros comerciantes.
Ainda hoje recebi uma carta de um colega farmacêutico que se encontra preso no forte de Monsanto.
Pede-me êle que interceda a seu favor porque se acha preso sem saber porquê.
Nestas condições, Sr. Presidente, não compreendo que o Govêrno tenha necessidade de manter inocentes presos, para garantir a ordem pública, e eu bem melhor desejaria que o Govêrno restabelecesse o sossego na família portuguesa.
É êsse incentivo que a Historia nos dá. Assim vemos que no tempo da monarquia se mandavam deportar inumeráveis pessoas, e quanto maior era o número de presos maior era a quantidade de adeptos para os contrários.
E muito seria de folgar que no dia da festa da Família, a poucos dias próximo, pudessem todos ser libertos, aqueles,que estivessem presos sem culpa formada.
O Sr. Castro Lopes: — Não tinha tenção de entrar neste debate por que a minha falta de saúde mo inibia.
Mas, como Senador e como magistrado, não quero deixar de usar da palavra, principalmente depois de ter ouvido o Sr. Machado Santos.
Eu entendo que há factos de tamanha gravidade que ninguêm pode fazer afirmações que só podem lançar a perturbação.
Não é por um simples boato que repugna acreditar, como o da prisão no Govêrno Civil...
O Sr. Machado Santos: — Eu pedi à Câmara um inquérito.
O Orador: — Perfeitamente. Mas são boatos como êsse que muitas vezes concorrem para lançar a perturbação nos espíritos, e são as pessoas de máxima responsabilidade que têm a obrigação num dado momento de desfazer tais boatos, pelo menos não consentir que êles se espalhem.
Em quanto se não fizerem os necessários inquéritos não há direito de quem quer que seja formular tais acusações.
Ouvi aqui dizer que não se sabiam os motivos que determinaram o estado de sítio.
E de estranhar isso, após o que já aqui foi dito.
(Aparte do Sr. Machado Santos).
O Orador: — Compare-se a oposição feita ao Govêrno.
Quando da viagem do Sr. Presidente da República ao Pôrto foi muito censurada a sua acção ao libertar uns presos. Agora faça-se o contraste dessa atitude oposicionista.
Mas, foi posta a questão muito bem pelo Sr. Ernesto de Faria.
Agora quanto a não haver sessão por falta de número...
O Sr. Machado Santos:—Mas V. Exa. é o leader da maioria; queixe-se V. Exa. dos seus correligionários que não comparecem às sessões.
O Orador: — S. Exa. devia ter vindo falar o Sr. Ernesto de Faria, que disse não ser preciso um leader, porque aqui há homens de carácter.
O Sr. Machado Santos: — Mas V. Exa. aceitou, e muito bem, o título de leader da maioria.
O Orador: — Pois eu devo dizer, porque é uma necessidade, que se ontem não houve sessão foi devido ao Sr. Machado
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Santos estar a conversar nos corredores com alguns dos seus amigos.
Não lhes convinha que houvesse sessão.
Voa terminar, visto estar já cansado e abusar da paciência da Câmara. Termino por dizer que devemos votar a proposta do Govêrno para que não possamos ter responsabilidade, que são tremendas. Eu não quero essas responsabilidades; não as quero como magistrado, nem como homem.
Devemos, pois, habilitar o Govêrno a proceder. (Apoiados).
O orador não reviu.
O Sr. Ribeiro do Amaral: — Pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte requerimento.
Leu.
O Sr. Presidente: — Observo a V. Exa. que o seu requerimento não pode ser apresentado nesta altura.
O Sr. Castro Lopes: — Na altura competente todos aqui estaremos para apreciar e resolver sôbre o requerimento do Sr. Ribeiro do Amaral.
O Sr. Machado Santos: — O Sr. Secretário de. Estado dos Abastecimentos não veio, como devia, munido de qualquer documento que possa justificar a proposta do Govêrno. Veio simplesmente dizer-nos que tinha visto umas fotografias relativas à greve ferroviária e que na sua Secretaria de Estado havia chefes que ganhavam 120$ por mês o que faziam serões, os quais eram pagos.
Pois eu direi que forçava, os empregados do que foi meu Ministério, e que hoje é a sua Secretaria de Estado, a trabalhar até de madrugada sem abonar serões aos chefes. Depois da minha saída do Govêrno é que os chefes passaram a ganhar pelos serões.
S. Exa. ,a devia informar-se bem antes de vir para aqui. Vê-se que nem sequer está ao facto do que se passa na Secretaria de Estado que lhe confiara.
Registo que o Sr. Secretário de Estado dos Abastecimentos, pedindo a palavra, não respondeu absolutamente nada àquilo que eu disse.
S. Exa. não soube responder a cousa alguma e com o seu silêncio apenas confirmou as minhas palavras.
O Sr. Cruz Azevedo (Secretário de Estado dos Abastecimentos): — Eu não tenho os documentos necessários, mas as informações que tenho é de que êsses funcionários entravam às 14 horas e saíam às 17 horas, para poderem fazer serões.
Vozes: — Ordem; ordem.
Uma voz: — Nós não estamos aqui a discutir a organização da Secretaria de Estado dos Abastecimentos.
O Orador: — Quando S. Exa. quiser trazer à Câmara êsse assunto, traga-o, que eu o discutirei. Mas tenha S. Exa. cautela com as informações que obtiver, não sejam tomadas à vol d'oiseau, porque, dentro desta sala, há mais alguém que sabe o que se passava nessa Secretaria de Estado outrora e o que se está passando agora.
O que eu lamento, repito, é que S. Exa., em vez de responder às considerações feitas sôbre a proposta, de lei em discussão, ficasse calado, e trouxesse apenas fotografias da greve dos caminhos de ferro do Sul e Sueste, fotografias que foram publicadas na Ilustração Portuguesa.
Isto só à gargalhada!
Quem não tem competência para ir ocupar êsse lugar retira-se.
O Sr. Cruz Azevedo (Secretário de Estado dos Abastecimentos): — Tenho honestidade!
O Orador: — Ninguêm lha nega, mas isso não basta; primeiro que tudo é necessário ter competência.
Vozes: — Ordem; ordem.
O Orador: — Tentou o ilustre leader da maioria responder ao que eu declarei. Fez um brilhante discurso, como é seu costume, mas a nada respondeu.
Citou S. Exa. o gesto do Sr. Presidente da República quando da sua segunda viagem ao Pôrto, pondo em liberdade os presos políticos que se encontravam nas cadeias da capital do norte, e, a propósito, referindo-se às palavras de censura
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daqueles que, então, não aplaudiram êsse gesto.
Pois ilustre leader da maioria, eu tive motivos para aplaudir e para censurar o Chefe do Estado por êsse seu gesto.
Aplaudi-o como homem, pois que procedeu humanamente, mas censuro-o como Chefe do Estado, porque entendi que procedeu mal, pois, a meu ver, S. Exa. não tinha competência para pôr em liberdade preso algum. Essas atribuições pertencem ao Poder Judicial. Se S. Exa. queria ter êsse gesto, à face da Constituição, publicava um decreto de indulto.
Aludiu tambêm o Sr. Castro Lopes ao facto do Govêrno não ter trazido um relatório, terminados que foram os trinta dias de estabelecido o estado de sítio, e disse que, se o Govêrno o não tinha feito, fora porque o Congresso não estava reunido.
Mas, então, S. Exa. ignora aquela disposição da Constituição que autoriza o Poder Executivo a convocar o Congresso extraordinariamente.
Se o Govêrno entendia que precisava do estado de sítio e da suspensão de garantias alêm dos trinta dias, convocava o Congresso.
O facto, porêm, é que o Congresso está reunido há dez dias e o Govêrno, abusivamente, mantêm o estado de sítio e a suspensão de garantias.
E parece-me que o ilustre leader ainda mais disse a que eu não tenha respondido.
Eu peço à Câmara que pondere bem neste facto: é que não se pode viver nesta atmosfera de ódios, de suspeições e de vinganças.
Assim não há vida política!
Assim não há maneira de estabelecer a disciplina social!
É preciso acabar com isto. E senão veja-se.
Quando S. Exa. o Sr. Presidente da República ofereceu um jantar em comemoração da revolta de 5 de Dezembro, S. Exa. não conseguiu ter a seu lado os membros da junta revolucionária.
Está-se fazendo o vácuo em torno do Chefe do Estado e as sucessivas manifestações a que S. Exa. se submete -ainda mais acentuam o seu divórcio, que é o da situação, da parte da nação que pensa e que produz.
Quere o Senado saber quem foi que levou o cavalo do Presidente da República à rédea para o levar a discursar ao pé da estátua do Dador? Foi um tal John Alves, que tem um cadastro tam extenso como a légua da Póvoa.
Isto é triste e muito triste, Sr. Presidente; e ainda é mais triste para mim que para qualquer outro, pelas responsabilidades que me ligam a êsse movimento de 5 de Dezembro.
Dei, Sr. Presidente, o meu sangue para derrubar a situação Afonso Costa; mas, Sr. Presidente, triste é dizê-lo, estou vendo que qualquer dia teremos de assistir à entrada dêsse homem, trazido talvez pelos próprios que ontem o combateram.
É doloroso pensar isto, Sr. Presidente; mas ao fim de um ano de República nova vê-se que nem ò problema da ordem e da disciplina social se encontra solucionado.
O Sr. Pinto Coelho: — Sr. Presidente: pedi a palavra para em breves termos expor à Câmara as razões que me levam a dar o meu voto à proposta que está em discussão.
Dou o meu voto a essa proposta por isso que ela se refere à questão da ordem pública e porque entendo que essa questão é muito importante debaixo do ponto de vista quer interno, quer externo. Sob o ponto de vista interno, todos aqueles que têm de agenciar a sua vida precisam de sossego, como condição imprescindível de trabalho.
Nós todos, portanto, aqueles que vemos na política um meio e não um fim, que temos os nossos interêsses e os das nossas famílias a que atender, que precisamos de trabalhar (e não pode haver trabalho profícuo sem serenidade e sem ordem), todos devemos olhar para esta questão como uma questão de interêsse primacial. Todos ansiamos por ordem, perspectiva que mais duma vez nos tem parecido convertida em realidade mas que sempre nos foge!
A ordem é necessária debaixo do ponto de vista externo.
Portugal tem um nome universalmente conhecido, mas o que o tornou notório foram as suas descobertas, e seu esforço, a sua alta iniciativa e as virtudes dos seus maiores.
Infelizmente, porêm, nestes últimos
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tempos uma outra notoriedade vem êle alcançando: notoriedade funesta, que todos devemos fazer os maiores esforços para que se não consolide.
É portanto debaixo dêste ponto de vista da ordem, que não tenho dúvida em votar a proposta. E para mim, a razão essencial por que a voto, é porque o Govêrno a pediu.
O Govêrno é, perante nós o fiador da ordem pública. Eu quero amanhã ter o direito de pedir ao Poder Executivo as suas responsabilidades se a ordem não fôr mantida. O Poder Legislativo perderá êsse direito se recusar o seu voto ao projecto que se discute;
Eu não tenho dúvida nenhuma em declarar, se me perguntarem se êste Govêrno é da minha confiança, que lhe não poderei conceder sôbre todos os assuntos de administração pública; mas se me perguntam se lha concedo no que diz respeito à ordem, responderei afirmativamente porque o Govêrno tem feito as suas provas,
Não especializo os membros do Govêrno, mas creio que nenhum dos Srs. Secretários de Estado poderá levar a mal que entre êles destaque dois e tenho a felicidade de o fazer, quando nenhum dêles está presente. Refiro-me ao Sr. Tamagnini Barbosa, Secretário de Estado das Finanças, e ao Sr. Secretário dos Abastecimentos. Quanto ao primeiro, foi com grande pesar do meu espírito que o vi largar a pasta do Interior, se bom que preste a devida homenagem ao seu sucessor.
E quanto ao Sr. Secretário dos Abastecimentos, S. Exa. teve o condão de com a sua energia e até coragem pessoal restabelecer no ramo dos serviços ferroviários a ordem que estava seriamente ameaçada.
O Sr. Machado dos Santos: (Interrompendo): — V. Exa. dê-me licença: eu que conheço o assunto mais que o Sr. Ministro dos Abastecimentos...
O Orador: — O Sr. Secretário de Estado restabeleceu a disciplina na linha do Sul e Sueste. E prestou um alto serviço a este país, e quanto a mim, mostrou mais competência neste ponto do que V. Exa.
O Sr. Machado dos Santos: — Ainda é cedo para fazer essa apreciação. V. Exa.
não sabe o que se está passando ainda no Sul.
O Orador: — Não saberei; é possível que os Dermos da desordem que V. Exa. semeou fossem tão abundantes que ainda alguns subsistam. Seja, porêm, como for, ninguêm menos do que V. Exa. tem o direito de falar neste assunto. E dos homens públicos que tomou sôbre si mais graves responsabilidades no tocante à ordem pública.
V. Exa. passou a sua vida de ministro a dizer sistematicamente que sim a todas as reclamações dos operários; e não me parece que, por tal orientação, o país deva a V. Exa. agradecimentos.
O Sr. Machado dos Santos: (Interrompendo): — O país representado pelo partido de V. Exa., o outro não.
O Orador: — Eu tenho pela classe operária a maior consideração. É ela das que mais sofrem, e por isso, das que mais interêsse devem merecer; mas uma nação é um organismo. E é um êrro pretender servir os interêsses duma classe com sacrifício das outras.
Vozes: — Muito bem.
O Orador: — Digo mais: a própria crise operária viria a sofrer se se quisesse atender aos seus interêsses com menosprezo dos interêsses das outras classes.
Vozes: — Muito bem.
O Orador: — Não fazia tenção de dizer nada disto; foi V. Exa., com a sua interrupção, que me provocou a fazer estas afirmações. Contraiu V. Exa. uma grave responsabilidade pelo modo como entendeu solucionar as greves: satisfazendo a todas as reclamações dos grevistas! Por êsse processo não é difícil resolvê-las!
O Sr. Machado dos Santos: — Não é verdade, V. Exa. faz; uma acusação gratuita.
O Orador: — Não faço. V. Exa. comprometeu gravemente a disciplina pelo modo como procedeu. Viu-se em presença de operários, abertamente insubordinados contra a própria lei reguladora das greves
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que lhes impunha a observância do prazo de antecedência e, sem atender a isso, negociou com êles de igual para igual. Pior do que isso: V. Exa., representante do Govêrno e do princípio de autoridade, consentiu que esta fôsse humilhada, subordinando-se às imposições arrogantes dos ferroviários.
É fácil assim conquistar popularidade. Mas eu entendo que há situações em que pelo contrário é rigorosa obrigação dos estadistas arrostarem com a impopularidade.
O Sr. Secretário de Estado dos Abastecimentos vendo-se em face duma greve originada nas condições que V. Exa. criou procedeu com coragem e habilidade na solução dela.
Desejarei muito que S. Exa. continue nessa obra de saneamento que é indispensável contrapor à insubordinação que V. Exa. lá espalhou.
Portanto, justamente pelos factos a que venho de me referir e outros análogos, o Govêrno merece a minha confiança; e não tenho dúvida em votar o projecto que está em discussão.
Vejamos agora outra questão:
Cumpre o Govêrno, com relação ao estado de sítio, toda a sua obrigação?
Com inteira imparcialidade, eu direi quê em minha opinião não cumpriu.
E a êsse respeito, referir-me hei às palavras tam nobres, e alevantadas do Sr. Dr. Eduardo de Faria e devo dizer que não estou perfeitamente de acôrdo com a interpretação que S. Exa. deu ao § 3.° do artigo 26.°
S. Exa. disse que o Govêrno não tinha cumprido o seu dever mas que o Congresso tambêm não tinha cumprido o seu.
Ora parece-me que a melhor interpretação é esta: o Govêrno, se decretou o estado de sítio, não pode mante-lo alêm de 30 dias sem convocar o Congresso.
Mas para êste o reùnir-se por direito próprio é um direito, uma faculdade e não um dever.
Esta não é uma interpretação de momento, pois que já nos primeiros dias de Novembro, porque tinha sido até aí o adiamento do Congresso, eu li êste artigo e preguntei a mim próprio se era uma obrigação ou um dever, vir aqui. Vi que tinha o direito mas que não tinha o dever. E porque, apreciando as circunstâncias da ocasião me pareceu que a questão da ordem pública não estava ainda suficientemente liquidada para permitir o regular funcionamento do Congresso, não vim. Não vindo, não julguei faltar a nenhum dever mas apenas pôr de parte um direito de que me pareceu inoportuno usar.
Nestes termos, Sr. Presidente, eu não tenho dúvida em votar o projecto, mas, vou ainda referir-me, para terminar, a outro ponto aqui ventilado tambêm, o das prisões.
Eu não quero entrar agora na discussão de saber se estão presas 1:000 pessoas, como disse o Sr. Ministro da Marinha, se 10:000 como disse o Sr. Machado Santos. Sejam 1:000 ou 10:000, para mim não faz isso variar o estado da questão, nem o respeito que se deve ter pelas garantias individuais.
A ideia da amnistia, bem como a de se entrar no caminho da indulgência perante o crime, essa já tive ocasião de declarar que a reprovo.
Êsses processos têm provado pessimamente: até, mesmo a bondade de que por outras vezes se tem usado, só tem sido tomada como prova de fraqueza e só tem servido para fomentar novas insubordinações.
O que, porêm, todos devemos desejar e, mais do que isso, exigir, é que os tribunais que estão encarregados de julgar os delitos de que se trata procedam o mais rapidamente possível, a fim de punirem os que estejam culpados e de porêm em liberdade os que estejam inocentes.
Proceder diversamente, diferir os julgamentos, será pernicioso até para a causa da justiça: porque aqueles contra os quais é geral hoje a indignação pública não tardará que sejam considerados vítimas. Justiça inteira e justiça pronta, eis o que se reclama.
Portanto, Sr. Presidente, termino, dando o meu voto ao projecto e convidando o Govêrno a que trate de abreviar quanto possível os processos pendentes em ordem e que justiça seja feita, nas condições que a opinião do país o reclama.
O Sr. Castro Lopes: — Sequeiro que seja prorrogada a sessão até se votar o projecto em discussão.
Pôsto à votação êste requerimento foi aprovado.
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O Sr. Ribeiro do Amaral: — O Govêrno é o responsável pela manutenção da ordem pública, mas o que não devemos é admitir qualquer medida que restrinja o cumprimento da lei. Eu creio que não há país em que mais se tenha legislado do que em Portugal, mas tambêm não há país em que mais fácilmente se falte ao cumprimento dessas leis.
Mas, seja como for, eu só quero fazer a declaração de que me desinteresse do projecto de lei em discussão, exceptuando os pontos que se referem aos n.ºs 13.°, 15.°, 16.º e 20.º da Constituição. E, nesta sentido, mandarei para a Mesa uma emenda.
Tenho dito, Sr. Presidenta.
O orador não reviu.
O Sr. Luís Caetano Luz (Visconde de Coruche): — Sr. Presidente: começo por
declarar que dou o meu voto ao projecto em discussão porque confio no Govêrno.
e confiando nele entendo que só êle é o juiz da necessidade das medidas que se
pedem no referido projecto.
Não precisaria, Sr. Presidente, de usar da palavra para justificar o meu voto. Mas não quero por forma alguma deixar de juntar as minhas palavras às do Sr. Dr. Pinto Coelho, quando S. Exa. disse que há urgente necessidade de se proceder a um rigoroso inquérito acêrca dos presos políticos.
Eu Soaria mal com a minha própria consciência se me não associasse às palavras do ilustre senador para que, só houver inocentes, êles sejam imediatamente postos em liberdade.
Tenho dito, Sr. Presidente.
O orador não reviu.
O Sr. Tiago Sales: — Sr. Presidente: é a primeira vez que tenho á honra de falar nesta casa do Parlamento e, por ser assim, saúdo V. Exa. com o respeito a que tem direito, sob qualquer ponto de vista por que se encare a sua alta personalidade.
Cumprimento igualmente os ilustres leaders do Senado e faço-o com tanto prazer e faço-o tam gostosamente, quanto é certo que Suas Exas. têm sido duma impecável correcção, dando muitas, vezes a impressão de que representam não agrupamentos políticos, mas que tam somente se preocupam em exprimir o sentir de todos nós e em defender o bom nome da Senado. É pois com o maior agrado que eu presto a minha homenagem a Suas Exas., porque tudo leva a crer que se deseja vivamente que o Senado faça alguma cousa de proveitoso e de útil para o país, neste grave momento que êle atravessa.
A nós todos, Sr. Presidente, cumpre corresponder a êsse desejo, a essa sinceridade, sendo, a meu ver, maior de todas, a responsabilidade que pesa sôbre aqueles membros do Senado, que tem a honra da representar as classes, pois que, alêm das responsabilidades que lhos competem como senadores, êles têm a da defesa das classes que os honraram com a sua confiança e com o seu voto e ainda a da maneira de se fazer essa defesa competindo-nos encontrar um justo equilíbrio entre interêsses porventura antagónicos de medo a bem justificarmos a Idea da representação por classes que pela primeira vez foi traduzida numa lei eleitoral. (Apoiados).
Ninguêm mais do que eu deseja a ordem restabelecida no país e por isso mesmo sempre fui contra a demagogia. Porque desejo ordem e paz vi tambêm com alvorôço e grande entusiasmo amanhecer o dia 8 de Dezembro, pois estava na esperança viva e funda de que a ordem seria, emfim, restabelecida em Portugal que seria restabelecida, aquela ordem ,que deriva principalmente duma boa administração, do respeito à lei e à justiça, do respeito pelos direitos de todos os portugueses, partindo, principalmente, êsse respeito de cima.
Realmente a ordem existe; mas é verdade que existe tambêm uma atmosfera contrária a ela.
Eu pregunto à consciência de todos os senadores se porventura tem existido inalterávelmente, de cima um plano de administração fecunda em execução, se tem havido o respeito pela ordem, pela justiça e pelos direitos individuais, como é necessário que aconteça para que ordem haja em baixo?
Com profunda mágoa declaro que não tenho visto a ordem triunfar em cima.
Várias vezes se tem aqui verberado o facto de estarem semanas e meses enclausurados, sem ao menos lhes preguntarem a razão porque foram presos, milhares de cidadãos. Não se tem feito o mais peque-
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ao esforço para ao menos libertar de suspeita, presos que por ventura estejam inocentes. O mesmo critério tem sido usado para os mais altos homens da República. Aos presos tem-se feito passar maus tratos, verdadeiras inclemências, como aqui tem sido referido sem contestação e isto agrava o facto referido acima, supondo e Govêrno alheio a êstes casos.
Aludiu-se aqui há pouco h clausura dum ilustre português, o Sr. José Barbosa, presidente do Conselho Superior da Administração Financeira do Estado, o qual até hoje ainda não foi interrogado; isto quando, pelas declarações do seu jornal, a Luta, e dos seus amigos se alega estar S. Exa. injustamente preso.
O Sr. José Barbosa, quando Deputado, ora um orador que nunca pedia a palavra sem ter alguma cousa a dizer que interessasse, sendo sempre ouvida com atenção pela Câmara.
Era um Deputado que tratava os assuntos com a maior lialdade, e que, alêm disso, de tal maneira se soube conduzir na presidência do Conselho Superior de Administração Financeira do Estado, tam superiormente desempenhou essa função e serviu o país nesse lugar, que, apesar de em vários períodos o seu partido estar em guerra aberta com o Partido Democrático, quando êste ocupava o Poder, nunca lhe faltaram ao respeito e à consideração devidas.
Pois, Sr. Presidente, é uma individualidade desta natureza, que em toda a parte é um grande valor social e a quem todos os homens de bem sentem prazer de apertar a mão, que está há dois meses preso, sem ser interrogado e depois de ter estado num calabouço sem a menor comodidade. E é preciso que V. Exa., Sr. Presidente, e a Câmara saibam que eu não devo ao Sr. José Barbosa qualquer favor de ordem pessoal ou política. Faço peremptoriamente esta declaração, para que se destaque a sinceridade das minhas palavras, só animadas do desejo de se evitarem atropelos que desprestigiam quem governa.
Causas como estas indispõem e, com mágoa o digo, tiram, até certo ponto, a autoridade ao Govêrno para vir pedir o prolongamento do estado de sítio e da suspensão de garantias, não se demonstrando para mais a sua necessidade.
É triste fazer estas considerações e pesa-me ter de registar o facto do Govêrno não ter cumprido com o que devia, qual era o de trazer ao Parlamento um relatório para esclarecer os seus membros sôbre as razões poderosas que o levavam a pedir o prolongamento, ao estada de sítio. Não o pôde fazer ao fim de trinta dias, como manda a Constituição, porque a não apresentou agora?
Porque é que o Govêrno não o fez? Esta pregunta, ficando sem resposta, não deixa o Governa bem colocado.
Não basta dizer que è necessário ordem, é indispensável que o Govêrno tenha por ela o maior respeito. Das cadeiras do Poder é que deve partir sempre a ordem e o exempla de disciplina pelo cumprimento dos seus deveres.
É triste, Sr. Presidente, que criaturas como eu», despidas da qualquer idea política alheias a qualquer espécie de paixão, se vejam na obrigação e grande amargura de fazer estas considerações.
Não deixo de confessar, com a lialdade que sempre me caracterizou, que, neste momento, no meu espírito se trava uma grande luta entre o desejo de corresponder, a um pedido do Govêrno que tenha apoiado e entre o que me dita a consciência.
Há momentos difíceis, e êste, para mim, é um deles.
Eu, Sr. Presidente, estou convencida de que o Govêrno não viria pedir ao Parlamenta a grave medida do prolongamento da suspensão das garantias, se não tivesse razões para isso, mas o que é certa é que não veio aqui ao Parlamento trazer-nos argumentos para nos convencer das necessidades que tem para isso.
Como era indispensável pela que nos é devido, absolutamente nada ainda ouvimos aqui de qualquer membro do Govêrno.
Não basta dizer que são necessárias essas medidas, tornando-se indispensável demonstrá-lo, e que na verdade o Govêrno não faz.
Encontro-me Sr. Presidente, pôsto isto, numa situação realmente difícil, só vendo uma porta por onde sair, qual é a da abstenção de votar, modo mais suave de manifestar o meu desagrado pelo que se passa.
Não vejo outra maneira de resolver o
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assunto, perante a dificuldade em que se encontra o meu espírito no caso.
O ilustre leader do grupo católico desta Câmara o Sr. Dr. Pinto Coelho, a quem e*a já prestei a minha homenagem quando se referiu ao ilustre Senador o Sr. Machado Santos na intervenção que teve na solução da greve ferroviária, somo Ministro, foi um tanto injusto.
S. Exa. nas considerações que fez foi injusto, repito.
S. Exa. disse que o Sr. Machado Santos tinha levado a indisciplina, ou paio menos agravado a indisciplina que lavra não só entre o pessoal ferroviário dos caminhos de Ferro do Sul e Sueste, como tambêm entre o pessoal ferroviário da Companhia Portuguesa.
Era primeiro lugar eu direi a V. Exas. que a indisciplina do pessoal ferroviário do Sul, vem de longe, de muito longe; não sendo pois cavada por Machado Santos, e em segundo lugar direi a V. Exa. que exacta e precisamente porque o Sr. Machado Santos queria pôr um travão na indisciplina dos ferroviários e na frequência de faltas, muitas vezes graves e que prejudicavam o público, que S. Exa. publicou o regulamento que, por ter cláusulas rigorosas, depois de pouco tempo originou outra greve.
Isto é inteiramente assim, e eu sei os esforços e intenções do Sr. Machado Santos para ver se conseguia que acabassem as queixas de toda a gente, porque, como V. Exa. sabe, raro é o português que não tenha motivos de qualquer reclamação pela forma como estavam sendo feitos os serviços ferroviários.
Creio bem que a grande maioria do pessoal seja composta por operários e empregados dignos, (apartes) todavia as faltas sucediam-se e Machado Santos com energia e alto intuito de bem servir o país quis pôr-lhes um travão, corrigindo-os cem rigor.
Continuando nas minhas considerações eu devo dizer que todo o homem que queira estudar uma questão deve primeiramente ocupar-se dos seus precedentes e das circunstâncias que porventura a acompanhem.
Ora na ocasião em que o pessoal ferroviário declarou a sua greve havia uma profunda preocupação de alteração de ordem pública que levava o Govêrno a desejar vivamente o fim da greve, e Machado Santos, Sr. Presidente, passou por isso horas bem amargas.
Por um lado os directores das companhias tinham razão quando diziam que as exigências dos operários eram exageradas e por outro lado o prolongamento da greve podia ser muitíssimo grave para o país.
Direi, porêm, à Câmara que não foi o Sr. Machado Santos quem solucionou a nova greve, pondo de lado o regulamento-que satisfazia a opinião pública e que era disciplinador.
Tudo isto é inteiramente exacto e aduzi-o para esclarecer o espírito do Sr. Dr. Pinto Coelho, que tive ocasião de conhecer pela primeira vez nesta casa do Parlamento e de cujo talento o país e o Senado muito têm a esperar do seu talento (Muitos apoiados).
Vou terminar as minhas considerações, fazendo votos para que todos se convençam da necessidade de fazer convergir os seus esforços para atacar de frente os problemas que dificultam a marcha do país.
É indispensável que haja a coragem moral de abater as nossas paixões, os nossos caprichos e vaidades para se atender apenas ao estudo cuidadoso dos assuntos que de perto interêssem à vida da nossa nacionalidade, e que estão quási completamente ainda hoje por resolver.
Não faz sentido, quando tantos portugueses estão lutando no campo de batalha, que em Portugal grupos se estejam degladiando para manter situações especiais, muitas vezes não explicáveis, ou para satisfazer ambições frequentemente pouco justificadas. (Apoiados).
Da minha alma faço votos para que duma vez para sempre se entre sinceramente no estudo das questões que interessam à vida do país.
Que o exemplo dêsse trabalho patriótico venha de cima, do Govêrno, sendo urgente que apresente os seus planos de administração, visto que, depois de quatro anos de guerra, veja que estamos hoje pior do que antes, sob qualquer aspecto que se considere a vida nacional, principalmente sob o aspecto económico. (Apoiados).
O Sr. Adães Bermudes: — Sr. Presidente: a V. Exa. e ao Senado apresento-as minhas saudações.
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Era meu propósito manter-me sistematicamente afastado das questões e dos debates puramente políticos, que só secundariamente me interessam. Mas faltaria a um dever de consciência se neste momento deixasse de dizer que de entre os múltiplos problemas que BO impõem à preocupação do Govêrno considero como serem dos mais graves e urgentes o de manter a ordem nas ruas e a confiança dos espíritos, e por isso creio que esta Câmara deva aprovar o pedido que o Govêrno lhe faz e fornecer-lhe os meios que êle julga necessários para garantir a ordem e o livre exercício da vida nacional.
O país, Sr. Presidente, quere viver, trabalhar e progredir e não o pode fazer no meio da perpétua desordem intencionalmente provocada pelos sindicatos de interêsses pessoais que se formam à sombra dos partidos, com o fim de explorar o Poder. (Apoiados).
O país quere viver, trabalhar e progredir e não o pode fazer no meio da agitação e dos tumultos fomentados por elementos inimigos da ordem social que exercem a sua propaganda deletéria entre as classes populares fácilmente sugestionáveis, sobretudo nesta conjuntura, em que a sua precária situação se encontra agravada pela extraordinária carestia da vida, pelas epidemias, pela crise de trabalho, e que exploram o descontentamento dessas classes para as quais, e por causa dêsses mesmos elementos perturbadores, não tem havido toda a protecção e carinho que incontestávelmente merecem. (Apoiados).
O Sr. Machado Santos: — V. Exa. está justificando todas as revoltas. Isso é desastrado.
O Orador: — No momento em que numerosas dificuldades internas impedem a Nação de se ocupar a sério do seu ressurgimento mental, moral e económico, no momento em que se debatem questões externas do mais alto interêsse para a vitalidade e para a integridade da nação, nós não podemos tolerar que se apele para a revolução social e para o atentado pessoal em nome de supostas reivindicações que ninguêm conhece, mas que não são as do país, em nome dec pretensas aspirações que não sei quais sejam, mas que não são as aspirações do país.
Nós não podemos consentir que êste tumultuário estado de cousas permaneça.
Por isso, tristemente, declaro que, sem ter as hesitações do orador que me precedeu, darei o meu voto à proposta do Govêrno, pedindo-lhe apenas, como já foi pedido aqui, que procure ser rápido na averiguação dos factos e justo nas suas decisões para que a punição indispensável não possa recair sôbre indivíduos dignos ou inocentes.
Dentro desta ordem de ideas, entendo que a Câmara deve conceder ao Govêrno o uso de todas as atribuições que êle julgar indispensáveis para que rapidamente se possa entrar no regime legal e normal de que o país absolutamente carece para subsistir como nação livre, organizada, próspera e feliz.
O Sr. Presidente: — Vou pôr à votação a generalidade do projecto.
O Sr. Machado Santos: — Requeiro a votação nominal.
Pôsto à votação êste requerimento foi rejeitado.
O Sr. Machado Santos: — Então V. Exas. têm medo que lá fora se saibam os seus nomes?
Numerosos apartes e protestos.
Feita a contraprova, foi rejeitado o requerimento.
Em seguida o projecto foi aprovado na generalidade.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à discussão na especialidade.
O Sr. Pinto Veloso: — Peço a V. Exa. o favor de pôr à votação cada um dos números que se discutem.
Foi aprovado.
Pôsto em discussão o n.° 14.° do artigo 3.° da Constituição, com referencia à proposta que se discute, é aprovado. Passa-se ao artigo 15.°
O Sr. Ribeiro do Amaral: — Pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta eliminando os artigos 13.°. 15.°, 16.° e 20.° de projecto.
Leu.
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O Sr. Castro Lopes: — Salvo o devido respeito pelo ilustre Senador, parece-me que V. Exa. não leu o projecto...
O Sr. Ribeiro do Amaral: — Enganei-me; eu não tenho a infalibilidade de V.
Exa.
Agora a afirmação de V. Exa. de que não é o projecto é que me pareço que não é justa.
O Sr. Eduardo de Faria: — A doutrina do número 16.° está suspensa pelo decreto n.° 4:396, que declarou o estado de guerra.
O Sr. Machado Santos: — Ainda agora pedi a palavra para um esclarecimento, porque, tendo assistido a uma sessão da Câmara dos Srs. Deputados quando se debateu êste projecto, vi que tambêm tinha sido suspenso o n.° 13.º
Eu pregunto á V. Exa. se não figura no projecto que transitou para esta Câmara.
O Sr. Presidente: - O que se vota é o que aqui está.
O Sr. Machado Santos: — Não fica então de forma alguma restringida a liberdade de imprensa.
O Sr. Ribeiro do Amaral: — Em poucas palavras direi que sou contra a inviolabilidade do domicílio, por isso que tem dado lugar aos abusos que se têm praticado. Deixo ficar à consciência de cada um a consideração em que têm o seu lar, e por consequência aprovar ou não esta suspensão.
O Sr. Eduardo Faria: — São judiciosas as considerações do ilustre Senador, mas devo dizer que a indisciplina militar que se deu em Viseu e Coimbra, os complots que se formaram em várias terras do país, mostram afinal que não temos só os inimigos externos mas tambêm os internos, que positivamente não estão dentro de nossas casas, mas contribuem para a violabilidade do domicílio; e nós não sabemos quantas vezes o Poder Executivo se terá de utilizar nessa suspensão para a manutenção da ordem.
O Sr. Machado Santos: — Sr. Presidente: eu nego o meu voto a todo o projecto; mas posso portanto concordar com que esta garantia constitucional, fique suspensa.
Mas, o ilustre senador da maioria governamental falou em inimigos internos o não sei que mais, para justificar a votação do projecto sôbre o estado de sítio.
Ora é preciso que a Câmara saiba que a pretexto de hipotéticas revoluções não se tem feito outra coisa que não seja arrancar cada um das suas casas para os meter nos calabouços do Govêrno Civil.
Sr. Presidente, isto considero-o eu duma gravidade extrema.
O orador não reviu.
O Sr. Luís Gama: — Pedi a palavra para declarar tambêm que não dou o meu voto à proposta porque a julgo desnecessária. As palavras do ilustre sub-leader da minoria mais me convenceram de que não sra necessária tal proposta.
Disse V. Exa. que há inimigos da ordem; mas isso não justifica a proposta porque não vejo necessidade alguma de entrar à noite em casa do cidadão, havendo uma forma delicadíssima do o fazer: cercar a casa e esperar que amanheça.
Nunca entrar em casa do cidadão de noite.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai pôr à votação a emenda do Sr. Amaral. É o que manda o Regimento.
Posta à votação a emenda do Sr. Amaral foi rejeitada, ficando aprovado o número 15.°
O Sr. Machado dos Santos: — Requeiro a contraprova.
Feita a contraprova deu o mesmo resultado.
Número 16.°:
E posta à votação a emenda do Sr. Amaral, sendo rejeitada, e aprovado o número 16.°
Número 17.°:
O Sr. Luís Caetano Luz (Visconde de Coruche): — Pregunto ao Govêrno se é
verdade haver fiança para os presos políticos.
Tendo conhecimento, há tempo, dum facto
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relativo a um preso político, que alega não ter responsabilidades, e está preso há dois meses, desejava saber se a fiança é admitida nestes casos.
O Sr. Canto e Castro (Secretário de Estado de Marinha): — Não tenho elementos para, categoricamente, responder a V. Exa.
O Sr. Pinto Veloso: — Rejeito o artigo, porque ficaria mal com á minha consciência aprovando-o.
Lavro o meu protesto contra os artigos da proposta que o Govêrno apresentou à Câmara.
Muitos presos não foram ainda interrogados, um dos quais conheço pessoalmente, e sei que estão presos, em grande numero, pessoas das quais uma boa parte não foi interrogada, e que afirmam que estão injustamente presas.
Não posso, pois, em minha consciência, aprovar um artigo tal.
É aprovado o número 17.
Lidos, são sucessivamente aprovados os restantes números a que se refere a proposta e rejeitada a emenda do Sr. Senador Amaral.
O Sr. Castro Lopes: — Requeiro dispensa da última redacção. Aprovado.
0 Sr. Machado Santos: — O Sr. Pinto Coelho, Senador católico, quis de certo modo, há pouco, vingar-se da frase que eu proferi acêrca daquela construção ignóbil que existe no Govêrno Civil.
Eu classifiquei-a de «in-pace» inquisitorial, e S. Exa., como bom católico, houve por bem responder-me como entendeu, atropelando a verdade e o justiça.
Referiu-se o Sr. Senador católico à greve do Sul e Sueste e a outros movimentos grevistas que se deram em seguida ao 5 de Dezembro, dizendo que eu, cedendo a tudo que os grevistas exigiram, levara a indisciplina às classes operárias.
Não é exacto. O Senado, em querendo, encontra-me pronto para lhe historiar êsses movimentos grevistas. E, quanto às concessões que fiz, elas ficaram sempre muito alêm das que eram pedidas.
Antes da guerra europeia existiam nos caminhos de ferro indivíduos que ganhavam $12 por dia! O 5 de Dezembro encontrou o preço do pão a $41 o quilograma. Isto basta para se avaliar se cedi à pressão das greves ou aos ditames da minha consciência de homem e de estadista.
Mas não me admiro que o Sr. Pinto Coelho, Senador católico, pense de maneira diametralmente oposta à minha. Assim como S. Pedro, chefe da Igreja Católica, renegou Cristo três vezes, o Sr. Pinto Coelho, na anterior sessão e nesta renegou a sua doutrina. Só lhe faltou pedir a forca para os presos políticos, na anterior sessão, e na de hoje o fuzilamento para os operários.
Mas, voltando aos Caminhos de Ferro do Estado e à minha administração, eu tenho de elucidar a Câmara que, ao tomar conta dêsse serviço público, encontrei as linhas com, um deficit de 1:800 contos e uma greve latente, que acarretaria mais uma despesa anual de 1:300 a 1:400 contos. Pois o que concedi ao pessoal não foi alêm de 900 a 1:000 contos, e, confrontando as receitas dos últimos meses do corrente ano com as dos meses do ano passado, não andarei longe da verdade computando em cêrca de 4:000 contos o aumento das receitas dos Caminhos de Ferro do Estado. E não foi preciso ir a Lourdes para realizar êste milagre. Uma simples portaria sôbre a utilização dos vagões e uma remodelação de tarifas que não agravou o transporte dos géneros de primeira necessidade resolveram o problema que tanto havia preocupado o meu antecessor na gerência dos serviços ferroviários, Sr. Xavier Esteves.
Mais:
Para terminar com roubos, com fraudes, com favoritismos e até com as greves nos caminhos de ferro, publiquei dois regulamentos que ia fazer executar. Pois os que hoje são elogiados pelo Sr. Pinto Coelho, pela sua acção enérgica, a primeira cousa que fizeram foi suspender a execução dêsses regulamentos, e há poucos dias revogaram-nos. Foi infeliz o Sr. Senador católico. A vingança que quis tirar da classificação de «in-pace inquisitorial» à ignóbil masmorra civil, deixou-o emparedado entre a verdade irrefutável dos factos e a justiça que me assiste.
Que descanse em paz com os seus fígados de Torquemada.
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O Sr. Castro Lopes: — Sr. Presidente: pedi a palavra porque estava ausente quando falou o Sr. Tiago Sales e foi Informado de que S. Exa. se referiu com palavras de louvor e por honra desta Câmara aos leaders do Senado.
Pela parte que me diz respeito, eu só tenho a agradecer a S. Exa.
As palavras do Sr. Tiago Sales só provam a boa camaradagem que existe entre os membros desta Câmara e as boas intenções de que todos nós estamos animados para fazer um trabalho útil e proveitoso.
Mais nada, Sr. Presidente.
O orador não reviu.
O Sr. Pereira Jardim: — Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para mandar para a Mesa um requerimento.
Vai no expediente.
O Sr. Xavier Cordeiro: — Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para mandar para a Mesa urna nota, pedindo a comparência do Sr. Secretário de Estado dos Abastecimentos, a fim de solicitar de S. Exa. providências sôbre a exploração de frutas secas do Algarve.
O Sr. Presidente: — O dia de amanhã é destinado a trabalhos das comissões.
A próxima sessão é na segunda-feira, à hora regimental, sendo a ordem do dia:
Interpelação do Sr. Carvalho de Almeida ao Sr. Secretário de Estado dos Abastecimentos, sôbre a utilização dos navios ex-alemães.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
O REDACTOR—F. Alves Pereira.