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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
1918-1919
SESSÃO N.° 10
EM 9 DE JANEIRO DE 1919
Presidência do Exmo. Sr. Zeferino Cândido Falcão Pacheco
Secretários os Exmos. Srs.
Luís Caetano Pereira
Guilherme Martins Alves
Sumário.— Leitura e aprovação da acta. O Sr. João José da Silva ocupa-se largamente de vários decretos sôbre matéria de direito civil. Entrando na sala o Ministério, o Sr. Presidente lê a declaração do Govêrno, tomando em seguida a palavra os Srs. Castro Lopes, Mário Monteiro, Pinto Coelho, Machado Santos, interrompendo-se a sessão a meio do discurso dêste Sr. Senador, depois do Ministério ter deixado a sala, à qual voltou depois de reaberta e do orador continuar no uso da palavra. Fala novamente o Sr. Presidente do Govêrno, ao qual se seguem os Srs. Carneiro de Moura, João José da Costa, Adães Bermudes, Severiano J. da Silva, Oliveira Santos e outra vez o Sr. Presidente do Govêrno (Tamagnini Barbosa).
O Sr. Presidente, depois de designar a nova ordem do dia, encerra a sessão.
Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:
Amílcar de Castro Abreu e Mota.
António Maria de Azevedo Machado Santos.
Carlos Frederico de Castro Pereira Lopes.
Cláudio Pais Rebêlo.
Constantino José dos Santos.
Eduardo Ernesto de Faria.
Francisco Nogueira de Brito.
Germano Arnaud Furtado.
Guilherme Martins Alves.
João da Costa Couraça.
João da Costa Mealha.
João José da Costa.
João José da Silva.
João Lopes Carneiro de Moura.
José Júlio César.
José dos Santos Pereira Jardim.
José Tavares de Araújo e Castro.
Júlio Dantas.
Luís Caetano Pereira.
Luís Xavier da Gama.
Manuel Ribeiro do Amaral.
Zeferino Cândido Falcão Pacheco.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
Adolfo Augusto Baptista Ramires.
Adriano Xavier Cordeiro.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alfredo Monteiro de Carvalho.
António Augusto Cerqueira.
António Maria de Oliveira Belo.
Arnaldo Redondo de Adães Bermudes.
Artur Jorge Guimarães.
Domingos Pinto Coelho.
Francisco Martins de Oliveira Santos.
João Viegas de Paula Nogueira.
José Epifânio Carvalho de Almeida.
José Maria Queiroz Veloso.
Mário Augusto de Miranda Monteiro.
Severiano José da Silva.
Tiago César de Moreira Sales.
Srs. Senadores que não compareceram à sessão:
Alberto Cardoso Martins de Meneses de Macedo.
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Alberto Carlos de Magalhães e Meneses.
Alberto Correia Pinto de Almeida.
Alberto Osório de Castro,
Alfredo da Silva.
António de Bettencourt Rodrigues.
António da Silva Pais.
Cristiano de Magalhães.
Duarte Leite Pereira da Silva.
Fernando de Almeida Cardoso de Albuquerque (Conde de Mangualde)
Francisco do Livramento Gonçalves Brandão.
Francisco Vicente Ramos.
João Rodrigues Ribeiro.
João de Sousa Tavares.
José António de Oliveira Soares.
José Freire de Serpa Leitão Pimentel.
José Joaquim Ferreira.
José Marques Pereira Barata.
José Novais da Cunha.
José Ribeiro Cardoso.
Júlio de Campos Melo e Matos.
Júlio de Faria de Morais Sarmento (Visconde do Banho).
Luís Caetano Pereira da Costa Luz (Visconde de Coruche).
Luís Firmino de Oliveira.
Manuel Homem de Mele da Câmara (Conde de Águeda).
Manuel Jorge Forbes de Bessa.
Pedro Barbosa Falcão de Azevedo e Bourbon (Conde de Azevedo).
Pedro Ferreira dos Santos.
Sebastião Maria de Sampaio.
Às 14 horas e 37 minutos estando presentes 22 Srs. Senadores, foi aberta a sessão.
Foi lida e aprovada a acta da sessão anterior.
Mencionou-se o seguinte
Expediente
Telegrama
Sendo quási certo motivo doença não poder comparecer 333380 apresentação novo Govêrno rogo V. Exa. e se digne dar conhecimento Senado na devida altura e registar actas que dou inteiro apoio novo Govêrno entre outros motivos poder certeza de que será continuador intemerato obra iniciada pelo malogrado Presidente Dr. Sidónio Pais. – Pinto Almeida.
Para a Secretaria.
Nota de interpelação
Desejo interpelar S. Exa. o Ministro dos Abastecimentos sôbre a utilização e aproveitamento dos navios ex-alemães quando S. Exa. se declarar habilitado.
Sala das Sessões do Senado, 9 de Janeiro de 1919.—José Epifânio Carvalho de Almeida.
Para a Secretaria.
Comunicação
O Sr. José Epifânio Carvalho de Almeida comunica achar-se constituída a comissão de agricultura, tendo escolhido para presidente o Exmo. Sr. José António de Oliveira Soares e para secretário a êle, comunicante.
Para a Secretaria.
Projectos de lei
Foi enviado para a Mesa um projecto de lei da iniciativa do Sr. Adriano Xavier Cordeiro sôbre a constituição do casal de família.
Para segunda leitura.
Da iniciativa do Sr. Manuel Ribeiro do Amaral autorizando o Govêrno a concorrer para os monumentos ao falecido Presidente da República.
Para a comissão de finanças.
O Sr. João José da Silva: — Sr. Presidente: a V. Exa. a minha sincera homenagem de consideração ô respeito pelos primores do seu carácter, pelo lugar proeminente que ocupa nesta Câmara e pela correcção e acôrto com que dirige os trabalhos da assemblea.
Em sessões anteriores tinha eu pedido três vezes a palavra, uma vez semanalmente, mas a minha voz não foi ouvida na presidência ou confundiu-se o meu nome com o doutro Senador do mesmo apelido; outras vezes por escrito, estampando o meu nome em uma folha de papel que estava sôbre a mesa do Sr. primeiro secretário, mas não fui atendido por motivos supervenientes, e como não pretendo versar questões transcendentes de alta indagação e de palpitante oportu-
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nidade, direi agora o que antes diria se me tivesse sido concedida a palavra.
Começo por agradecer a proposta feita pelo Sr. Ribeiro do Amaral e secundada pelo Sr. Machado Santos, para que êste seu humilde colega fosse agregado à comissão de legislarão, o que importa um acréscimo de encargos que, em idade provecta, se não podem aceitar sem um certo constrangimento, mas submeto-me, de bom grado, ao sacrifício, visto que a Câmara assim o resolveu, embora a minha colaboração no estudo e redacção das leis não tenha valor algum.
Como aqui se disse, fui juiz do Supremo Tribunal de Justiça durante sete anos o algumas vezes presidi ao mesmo tribunal, não por nomeação do Govêrno — o que representa para mim uma grande honra — mas por expressa disposição da lei.
Depois de ter atingido o limite da idade, que era aos 70 anos, requeri a aposentação a que tinha direito, instei e empenhei-me por ela, emquanto foi Ministro dos Negócios da Justiça e Cultos o Dr. Guilherme Moreira, mas sempre debalde, até que por um acaso providencial fui inesperadamente aposentado, ao findar êste período angustioso e torvo da nossa história contemponânea, em que a magistratura judicial procedeu sempre, no exercício da função de julgar, com a maior correcção e integridade e à altura de seus merecimentos, sans peur et sans reproche, mãe sem um protesto veemente, sem uma demonstração ruidosa de desagrado, sem uma palavra altiva e vibrante de desassombro e de coragem pelas factos ocorridos, quando foi decretada a transferência injusta, ilegal e arbitrária dalguns juizes da Relação de Lisboa para as Relações de Loanda e de Nova Goa, porque tinham citado em acórdãos alguns artigos da Carta Constitucional, que era lei vigente na época em que foram praticados certos factos que se imputavam a diferentes indivíduos, como incursos em responsabilidade criminal; quando outros juizes, não menos dignos, foram acintosamente acusados e perseguidos, com- prejuízo de suas carreiras, porque administravam honradamente a justiça em conformidade com as prescrições da lei e os ditames de suas consciências; e ainda quando foi abolido o privilégio do foro dos magistrados judiciais e do Ministério Público, ficando uns e outros expostos à irrisão e às vaias da plebe ignara se porventura algum dêles, em um momento de irreflexão, e para não o apodarem de poltrão, sem pundonor e sem vergonha:, e ainda porque um homem não é de barro, se desafrontar publicamente dalguma injúria grave que lhe seja dirigida a êle, ou a pessoa de sua família, especialmente nas ruas de Lisboa, onde alguns insolentes passeiam a sua ociosidade, provocando os transeuntes, e sobretudo as senhoras, com chefas. E palavras sórdidas e até obscenas, como algumas vezes tenho observado. Em tal caso o terrível delinquente será compelido a sentar-se no banco dos réus, onde se sentam os gatunos e os vadios, ali na Boa flora, para responder pelo seu grande e horrível crime e ser julgado por um juiz de categoria talvez inferior à sua.
É necessário acabar com essa ignomínia; é necessário manter o prestígio e o decoro da magistratura para que esta desditosa nacionalidade já tam convulsionada por tantas perturbações, por tantas conjuras e por tantos crimes, não venha a sossobrar de todo em todo por falta de juízo e de circunspecção daqueles que presidirem aos* destinos do país.
Têm sido tam raras as sessões desta Câmara, que ainda não tive ensejo de agradecer, como agora agradeço, as referências encomiásticas, quási apologéticas, mas imerecidas, que o meu colega Dr. António Cerqueira se dignou do fazer ao meu humilde e obscuro nome em uma das sessões passadas. Agradeço sobretudo a intenção, que se explica, naturalmente, pelas nossas relações de boa vizinhança; mas S. Exa. equivocou-se o proferiu uma blasfémia contra um dogma definido pela minha consciência, incorrendo isso facto na pena de excomunhão maior latae sententiae, mas não sou eu quem o ameaçará com o anathema sit, porque S. Exa., a todos os respeitos, digno da minha particular estima e- da distinta consideração de todos nós.
Eu sou, Sr. Presidente, um jurisconsulto do século passado, mais ou menos entendido nas glosas de Acúrcio e Bártolo e com matrícula aberta na escola clássica, embora anacrónica e obsoleta de Covarrúbias, de Paiva e Pona e outros
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analisados jurisconsultos, mas não estou era dia com os progressos da sciência, do Direito, que é evolutiva, como todas as sciências, e por isso a minha interferência no estudo e elaboração das leis será descabida, estéril e inútil, nisí atile quod facinus, stulta est gloria — o que quere dizer que é rematada loucura vaugloriar-se alguém com o seu trabalho de que não resulte alguma utilidade pública ou particular.
Sinto-me envelhecer, quebrantado do corpo e do espírito, na terceira, e última fase do enigma da esfinge, e faltam-me por isso a energia o actividade necessárias para empresas do grande fôlego, para cavalarias altas, como vulgarmente se diz. E depois sou uma figura apagada no nosso meio social e não tenho cotação alguma no mercado político, como homem de pouca roupa e nenhuns européis. Apesar disso, eu detestava cordialmente a política do pretérito, na acepção viciosa e abjecta em que êste vocábulo se costumava empregar, como sendo ima escola de depravação, um enxurro pestilento de cavilações, de enredos, de embustes e de arranjos com que se locupletaram os pássaros finos, à custa do património da Fazenda Nacional, com preterição e em detrimento daqueles que mais valiam pelos seus serviços, talentos o virtudes.
Queiram permitir-me uma breve digressão. A propósito de pássaros finos, acode-me à memória uma reminiscência interessante da história de Herodoto. Êste historiador grego da Ásia Menor empreendeu e levou e, feito longas e dispendiosas viagens de estudo para se instruir nas instituições, leis, costumes, sciências, letras, artes e monumentos dos povos, a fim de escrever a sua história. Viajou pela Grécia, Macedónia, Pérsia, Egito e Libia até as colunas de Hércules e escreveu as histórias da Grécia, da Pérsia, especialmente no tocante às guerras médicas, e do Egito. No país de Mizraim não se limitou êle a contemplar a majestade assombrosa das pirâmides, astronónicamente orientadas e a inquirir o hieroglífico da esfinge, que lhe parecia sondar atentamente os mistérios do deserto.
Foi mais longe e estudou tudo quanto viu, não lhe escapando os hábitos dos animais. Pois diz êle em uma, passagem da história do Egipto que, quando os crocodilos repousavam plácidamente nas margens do Nilo, com o dorso exposto ao ardor dos raios solares e as fauces escancaradas, se lhes metiam pelas guelas nus pequenos pássaros (talvez as tarâmbolas, que abundavam naquele país), os quais faziam a uma limpeza geral, dando caça aos vermes que estavam aderentes às mucosas e que bastante atormentavam os ferozes amfíbios. Entravam e saíam com toda a liberdade e sem cerimónia, não sendo colhidos nos seus movimentos nem molestados de qualquer maneira pelos donos da casa. Amor com amor se paga. Assim tambêm, no nosso turbilhão pseudo político os pássaros finos, os politicantes de profissão metem-se pelos olhos e pelos ouvidos dos grandes crocodilos, dos vorazes saurianos da política, que os tratavam com todas as complacências, deferindo a todas as suas pretensões, por mais injustas, ilegais e escandalosas que fossem. Isto é a verdade que é necessário dizer-se e repetir-se, para escarmento daqueles que prevaricaram.
Pelas matérias expostas e outras que me cumpre emitir para não ser prolixo, pensei em renunciar ao mandato que, sem solicitação minha nem consulta prévia de quem quer quem fôsse, me foi conferido pelos eleitores meus comprovincianos, que só tiveram em Avista nobilitar-me com a sua confiança e enaltecer-me no conceito público; mas, reflectindo depois com mais ponderação, desisti do meu intento para não ser desagradável a êsses eleitores, para não ofender o seu melindre, para não os maguar com um procedimento talvez monos correcto, atirando-lhes com os pratos à cara, como fazem os hóspedes desassizados ao anfitrião que os convidou para o banquete.
Alêm disso, eu e todos nós tínhamos uma grande divida de reconhecimento a saldar com o Chefe do Estado, que por seu feito patriótico e brilhante, eripuit sceptrum tyranno, libertando-nos duma escravidão afrontosa e ignóbil e de milésimas cousas urgicas, a que Dias Ferreira, eminente jurisconsulto o notável homem de Estado, com seu estilo humorístico e por vezes jocoso e cáustico, chamava intelequias e a que eu chamarei... não digo para não inquinar a palavra com a expressão de cousas sórdidas, tanto mais
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que não costumo fazer uso de perífrases e de circunlóquios. Mas êsse Chefe de Estado já não existe para completa a sua obra de saneamento, de pacificação e de redenção dêste país oprimido e flagelado por um despotismo audacioso, indolente e torpe. Êsse varão ilustre, intemerato, sentimental, magnânimo e altruísta, êsse grande benemérito da pátria foi vilmente trucidado pelas balas de ferozes energúmenos, de sanguinários assassinos, de mineráveis sicário, não em campo aberto e em combate lial, mas sim em uma cilada abominável em que êle não podia defender-se; mas a sua memória gloriosa será perdurável e encarecível e transmitir-se há à posteridade, de geração em geração e de século em século, emquanto neste país houver portugueses que sejam digno de tal nome.
As palavras u ao podem exprimir a enormidade do crime, a perversão moral de seu autores e cúmplice a intensidade da dor que nos dilacerou as fibras do coração e a consternação profunda de iodas as pessoas honesta dêste país que, ao saberem a infausta notícia do execrando atentado, ficaram atónitas e horrorizadas e imersas em cruciante amargura, como se fossem fulminadas por um raio forjado e brandido pelo inferno.
Paz à sua grande alma, honra h sua memória gloriosa e que os miseráveis assassinos sejam prostrados pela maldição do céu.
Queremos justiça, justiça pronta e severa, sem tergiversações nem delongas que sejam absolutamente indispensáveis para a formação da culpa e julgamento dos criminosos.
Temos direito a exigir justiça pronta e severa em nome de nossos constituintes e para desafronta nacional, ultrajada pelo assassinato do Chefe de Estado. Se justiça não fôr feita, ser-me há lícito profetizar, como profetizou Jeremias sôbre a ruína de Jerusalêm, pela morte do Redentor e então entoarei, como música plangente, o De profundis clamavi ad te, Domine, Domine exaudi vocem meam, em sufrágio expiatório pela pátria menosprezada e envilecida.
Seguirei atentamente a política do Govêrno, que será a do Govêrno anterior e quê só coaduna com as minhas ideas e sentimentos, mas isso não obstará a que
eu deixe de aprovar alguns actos e providencias de administração quando entender em minha consciência, inspirada únicamente pelo sentimento do bem colectivo, que não merecem aprovação.
Bem sei que é muitas vezes difícil traçar uma linha divisória entre as esferas da política e da administração, mas, quando tiver dúvidas, compulsarei os dicionários da especialidade, que são o grande recurso dos inscientes, a bíblia dos ignorantes e quando depois disso u meu espírito ainda hesitar, consultarei os meus colegas, que os há nesta Câmara muito competentes para me elucidarem. Xão tenho experiência alguma destas cousas.
A experiência é a mestra da vida, como a história: som experiência não há sciên-cia e por isso diz bem o adágio, que mais sabe o tolo no seu, que conhece por experiência própria, que o avisado nó alheio.
Depois dêste breve intróito, em que eu precisava de explicar-me o definir a minha situação nesta Câmara, pasmarei ao merecimento de causa, como se diz em linguagem forense. E meu intento chamar a atenção do Govêrno e da comissão parlamentar respectiva para o decreto n.° 4:174 de 25 de Abril de 1918. Êste decreto não pode, a meu ver, sustentar-se, não pode defender-se, não é manutenível.
Legislou-se muito, legislou-se em demasia em decretos expedidos pela Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros da Justiça e Cultos, sem ordenação, sem critério, tumultuáriamente e à vontade dos fregueses, como se diz vulgarmente, não se atendendo ao prolóquio latino Plures leges, péssima respublica, ou multitudo legum ruina reipublicae.
Queira V. Exa. relevar-me, Sr. Presidente, o uso talvez imoderado que eu faço de locuções e frases populares. Não tenho cultura literária e talvez por falta dessa ornamentação mental e porque não sou fluente na dição, nem costumo fazer uso do tropos inflamados e não inflamados, encantara-me essas locuções iminentemente sintéticas, sou fanático por elas. As locuções, os ditados, os adágios, os provérbios, os anexins, as canções e trovas populares constituem a parte mais interessante do folk-lore nacional, são a composição genuína e eloquente do pensamento e sentimentalidade dos povos, uma como eflorescência expontânea e por vezes
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simbólica e estética da psicologia das multidões. Fica assim explicada e justificada a minha propensão ingénua para tais locuções. Mas voltando ao merecimento da cansa, direi que na elaborarei o das leis se deve transigir, quanto seja possível, com o carácter, tradição e costumes dos povos, sobretudo com os costumes conforme a opinião unânime de todos os tratadistas que têm escrito sobra a sciência de direito. As leis que estão em antagonismo com os costumes não se cumpram, caem em desuso, tornam-se obsoletas — Leges sine moribus vanae proflunt, diz o brocado latino: A coacção e a violência são meios inadequados e menos profícuos para compelir os povos ao cumprimente das leis. Ora o decreto n.° 4:174, de 26 de Abril de 1918, está em antagonismo com e carácter, tradições e costumes da nossa gente, não se compadece com a leitura e decoro da família e é adverso às conveniências sociais.
Êste decreto ocupa-se de diferentes assuntos e esta complexidade é um estigma de imperfeição. Os diplomas legislativos avulsos deve o ocupar-se de um só assunto, ou de assuntos intimamente conexos, para evitar a confusão e o tumulto. As variedades são para os códigos. Agora mesmo acabo de ler o artigo 80.° do Regimento desta Câmara que diz o seguinte: «Não podem ser compreendidas numa proposta ou projecto de lei matérias que não tenham para si íntima ligação».
O citado decreto, versando sôbre desvairada matéria, compreende sete artigos. Farei uma análise prefumatória dalguns dêsses artigos para concluir pela sua revogação.
Diz o artigo 1.°
São declarados em pleno vigor es artigos 1235.° e 1237.° do Código Civil, devendo acrescentar-se no final do § único do artigo 1.° do decreto de 31 de Outubro de 1910 as palavras: «e sem prejuízo do disposto nos artigos 1236.° e 1237.° do Código Civil».
Êste artigo refere-se à cota disponível, ou porção de bens que o viúvo ou viúva, que passa a segundas núpcias, com filhos, ou outros descendentes sucessíveis do anterior matrimónio, pode comunicar com o seu consorte ou doar-lhe por título.
Esta cota disponível é a terça parte dos bens que a viúva ou viúvo possuir, segundo dispõe o artigo 1230.° do Código Civil; mas como o decreto de 31 de Outubro de 1910, artigo 1.° § único ampliou a metade dos bens a cota disponível na porção de bens de que pode livremente dispor o testador com filhos e que segundo o artigo 1784.° § único do Código Civil estava reduzido a terça, duvidou-se se a cota disponível do viúvo ou viúva, que passa a segunda núpcias com filhos ou outros descendentes sucessíveis do anterior matrimónio, continuava a ser a terça ou passava a ser a metade dos bens que possuía, mas atendendo a que o decreto de 31 de Outubro de 1910 só respeitava à, testamentifação; a que o acto jurídico do contrato matrimonial não é o mesmo que o acto jurídico de testar e a que o citado decreto não alterou expressamente o artigo 1235.° do Código Civil, fixou-se a jurisprudência no sentido de que a cota disponível do viúvo ou viúva, que passa a segundas núpcias com filhos ou outros descendentes sucessíveis do primeiro matrimónio, continua a ser a terça parte dos bens que possuir. E tendo-se fixado a jurisprudência neste sentido, é ociosa e inútil a disposição consignada no artigo 1.° do citado decreto, quer como preceptiva, quer como interpretativa.
Passo ao artigo 4.°, que diz o seguinte:
Quando, por falecimento do cônjuge bínubo, o outro cônjuge haja contraído novas núpcias, cessa a afinidade entre êste e os descendentes do primeiro matrimónio do cônjuge falecido.
Êste artigo extinguiu o parentesco por afinidade em linha recta, em certas e determinadas circunstâncias ou mais própriamente em certo e determinado caso.
Êste parentesco era um impedimento dirimente do matrimónio em todos os graus da linha recta pelo direito canónico, que vigorou em todos os países da Europa durante muito tempo e entre nós ao menos, desde a dominação visigótica até recente data e era tal não só o parentesco por afinidade oriundo do matrimónio, mas tambêm por afinidade ficta, proveniente de relações sexuais ilícitas. E assim era pelo direito das decretais e cânones dos concílios. Pelo novo Codex júris canonici,
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recentemente publicado, tambêm o parentesco por afinidade em linha recta é um impedimento dirimente do matrimónio, como se mosta do cânon 1077, onde se lê o seguinte: Afinitas in linea recta matrimoniam dirimit in quolibet gradu. Pelos códigos de todas as nações civilizadas, é tal parentesco classificado como impedimento dirimente do matrimónio e bem assim pelo artigo 1093.° n.° 1.° do Código Civil e pelo decreto de 3 de Novembro de 1910 artigos 4.°, n.ºs 1.° e 20.°
A extinção do parentesco por afinidade em linha recta, no caso previsto no artigo 4.° do decreto de 26 de Abril de 1918, importa a extinção do impedimento dirimente do matrimónio dêle resultante, e, assim, a enteada poderá casar-se com o homem que foi marido de sua mãe e o enteado cora a mulher que foi consorte de seu pai.
Ora uma tal união, que considero incestuosa, é repugnante aos sentimentos mais íntimos do coração humano, e pode originar conflitos, desavenças e rompimentos entre pessoas conjuntas que vivem em relações cotidianas sob o mesmo tecto, com a mesma economia e a mesma mesa, especialmente se fôr grande a diferença de idade entre os cônjuges.
Como se sabe, há homens dissolutos, como sátiros, e mulheres lascivas, como Messalinas, e se forem tais alguns padrastos e madrastas, hão-de êles empregar os necessários meios de sedução para corromper as enteadas e os enteados, e um dêsses meios, o mais eficaz, será a promessa de casamento.
Dir-se há que na lei há um coeficiente de correcção para evitar abusos, o qual consiste em não ser permitido ao cônjuge viúvo casar com a enteada, ou enteado, senão depois de ter contraído novas núpcias, porque é, em tal caso, que se extingue o parentesco por afinidade. Mas eu não sei a razão, e ninguêm poderá dizer-me qual é a razão por que o parentesco por afinidade se há-de extinguir quando o cônjuge viúvo contrair segundas núpcias, e não quando o matrimónio se dissolve por falecimento de um dos cônjuges. E, depois, as cousas são o que são por sua natureza e não há acidente ou circunstância eventual alguma que possa subverter ou transformar a natureza das cousas.
Alêm disso, o tal coeficiente de correcção pode ser fácilmente iludido e sofismado, bastando para isso que o marido viúvo se entenda com uma mulher leviana, de vida airada e de costumes avariados, com quem contraia matrimónio, tendo préviamente combinado com ela divorciarem-se por mútuo consentimento, mediante certa garantia, e, assim, ficará o padrasto habilitado para casar com a enteada. Isto é inadmissível, e creio que os próprios sobas africanos ou chefes de tributo, não consentirão semelhantes uniões a seus súbditos, porquanto se nos sòbados não há leis escritas, há o direito consuetudinário, e o soba que, repetidas vezes, posterga os costumes do seu povo, paga com a vida a sua audácia, sendo vitimado a ferro ou com veneno pelos principais do seu povo, ou se chamem macotas, ou incacuanos, ou tenha qualquer outra denominação.
O artigo 4.° deve, pois, ser revogado.
O artigo 6.° diz:
No caso do artigo 40.° do decreto com fôrça de lei de 3 de Novembro de 1910, para que o divórcio seja convertido em definitivo é necessário que os cônjuges compareçam perante o juiz e ambos mantenham a determinação anterior de se divorciarem.
O decreto de 3 de Novembro de 1910 admite o divórcio com dissolução do vínculo conjugal. Bode ser legítimo nos casos taxativamente mencionados no mesmo decreto e por mútuo consentimento dos cônjuges; o divórcio por mútuo consentimento tem por fim a dissolução do vínculo conjugal, sem o escândalo da publicidade. Quando os cônjuges pretendem divorciar-se por mútuo consentimento, dirigem ao juiz competente uma petição assinada por um e outro, em que requerem que seja decretado o seu divórcio. O juiz manda reduzir a auto o acôrdo dos cônjuges para lhe imprimir autenticidade, homologa êsse acôrdo por sentença e decreta o divórcio provisório. Segundo dispunha o artigo 4.° do decreto de 3 de Novembro de 1910, passado que fôsse um ano, a contar da data em que tinha sido decretado o divórcio provisório, reúniam-se Os cônjuges em conferência perante o juiz da causa, e se nessa conferência concordassem em restabelecer a sociedade conjugal, restabelecia-se esta, caducando o divórcio pró-
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vitorio; mas, se de contrário, insistissem no divórcio, ou se um dêles insistia e o outro desistia, convertia-se o divórcio provisório em definitivo. Era a única interpretação corrente e admissível resultante do confronto da primeira com a segunda, parte do artigo 4.° do citado decreto. Mas o artigo 6.° do decreto de 26 de Abril de 1918 estatui em contrário, que se na conferência perante o juiz da causa um dos cônjuges insiste no divórcio e outro desiste dele, caduca o divórcio provisório e considera-se por consequência restabelecida a sociedade conjugal.
Esta disposição é contrária aos princípios gerais de direito, ao decore da família e à educação dos filhos, e será muitas vezes, inexequível. É contrária aos princípios gerais de direito, porque o acôrdo dos cônjuges, quando requerem o divórcio por mútuo consentimento, representa a união declarada de duas vontades, o é um verdadeiro contrato bilateral que o juiz não faz mais que homologar por sentença, e segundo dispõe o artigo 702.º do Código Civil os contratos não podem ser revogados, ou alterados senão por mútuo consentimento dos pactuantes. É contrário ao contrário do decoro da família é prejudicial à educação dos filhos, porque, tendo os cônjuges vivido separados durante um ano, com inteira liberdade de acção e economia próprit, é provável que, durante êsse lapso de tempo se agravem os ressentimentos que originaram o divórcio, e se porventura se restabelecer a sociedade conjugal contra vontade de um dêles hão-de naturalmente repetir-se os conflitos, as discórdias, as recriminações e talvez os maus tratos e êste mau exemplo é extremamente nocivo à educação dos filhos.
Será, muitas vezes, inexequível, porque se fôr a mulher que insistir no divórcio na conferencia havida perante o juiz da causa, e se apesar disso se considerar restabelecida a sociedade conjugal, é provável que ela não queira fazer vida comum com o marido, e em tal caso não o acompanhará para o domicilie conjugal, não podendo o marido requerer que a mulher lhe seja judicialmente entregue, porque a isso se opõe o artigo 41.° do decreto de 25 do Dezembro, de 1910, £0 passo que a mulher pode requerer que o manco a tenha em sua casa.
Pelo que fica ponderado deve, pois, ser revogado êste artigo. Diz o artigo 7.° o seguinte:
O dote constituído em favor da mulher, nos termos do artigo 1134.° e seguintes do Código Civil, subsiste ainda nos casos de dissolução do casamento por morte do marido, ou por divórcio, se houver filhos do matrimónio dissolvido; e subsistirá por espaço de um ano a contar da data do transito em julgado da sentença que julgar o divórcio definitivo, se não houver filhos, ficando assim modificado o artigo 26.° do decreto com fôrça de lei de 3 de Novembro de 1910.
Êste artigo torna permanente o regime dotal de bens ainda depois de dissolvido o matrimónio, por falecimento do marido, ou por divórcio, havendo filhos ilegítimos. São quatro os regimes fundamentais de bens na constância do matrimónio, de comunhão de bens, de separação de bens, de simples comunhão de adquiridos e dotal. Quando no contrato antenupcial se estipula o regime dotal, e é a mulher que estabelece o seu dote, costuma ela dotar-se com todos os seus bens havidos e por haver. Segundo o Código Civil o regime de bens caducava pela dissolução do matrimónio; e quando se tinha estipulado o regime dotal, podia a mulher dispor livremente dos bens de tais com que tinha entrado para o casal como seus próprios ou quaisquer outros. Já não é assim pelo disposto no artigo 7.° do decreto que venho analisando. Os bens dotais da mulher passam a ser inalienáveis, conservando a mesma natureza, pela dissolução do matrimónio, por falecimento do marido, ou por divórcio. Êsses bens ficam amortizados durante a vida da mulher e enfeudados á cobiça e voracidade dos filhos; a mulher não pode dispor dêsses bens, que são seus, que legalmente 3he pertencem, que adquiriu por justo título, porque só conserva o usufruto vitalício dêles, parecendo que nem mesmo por disposição testamentária poderá dispor dos mesmos bens, porque ninguêm pode dispor da propriedade e de bens de que só tem o usufruto. Não ha paridade com o disposto no artigo 1:237 do Código Civil, que em parte só justifica, em razão da idade da mulher. O que novamente se decretou representa um ver-
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dadeiro interdicto, a degradação da mulher e a redução da sua capacidade jurídica à expressão mais simples, ao passo que em todos os países civilizados se manifesta uma tendência pronunciada e justa para equiparar os direitos civis da mulher aos do homem, a fim do se estabelecer uma perfeita igualdade entre os dois sexos, apenas com as restrições meramente necessárias à ordem, à harmonia e à tranquilidade das famílias.
A disposição consignada no artigo 7.° do citado decreto de 26 de Abril de 1918. é contrária aos princípios gerais de direito, aos legítimos interêsses da mulher e é incoerente e contraditória com outras disposições da lei.
É contrária aos princípios gerais de direito, porque o contrato antenupcial em que se estipula o regime de bens na constância do matrimónio não é um instituto jurídico sai generis, independente e autónomo, mas sim um contrato acessório, uma aderência do matrimónio, que é a sua causa ocasional e eficiente; e como removida a causa, cessa o efeito — sublata causa.) cessat effectus—, e como extinguindo-se o principal, desaparece o acessório, há-de necessáriamente concluir-se que, dissolvido o matrimónio pelo falecimento do marido, ou pelo divórcio, há-de extingnir-se o regime de bens estipulado no contrato antenupcial.
É contrária aos legítimos interêsses da mulher, porque, se dissolvido o matrimónio, lhe convêm mudar de estado, ou por uma necessidade fisiológica — melior est nubere quam uri — diz S. Paulo em uma das suas epístolas, ou porque venha a precisar dum marido que a proteja e defenda os seus interêsses, dificilmente encontrará um homem de merecimento que queira consorciar-se com ela, casto, que lhe não pode comunicar bens alguns, cuja propriedade lhe foi extorquida pelo citado decreto.
A referida disposição é incoerente e contraditória com outras prescrições legais, pois que se o regime convencionado fôr de separação de bens, poderá a mulher, dissolvido que seja o matrimónio, dispor livremente dos bens com que entrou para o casal, como seus próprios, por qualquer dos modos admitidos em direito, ainda que tenha filhos do matrimónio.
Onde há a mesma razão de ser deve ser aplicável a mesma regra de direito. E depois, o artigo 7.° do decreto citado está em antinomia com o artigo 1.°, que deixou em vigor o artigo 1:230.° do Código Civil, porquanto se os bens dotais conservam a mesma natureza, dissolvido que seja o matrimónio como é que a mulher que passa a segundas núpcias pode comunicar com o marido, ou doar-lhe por qualquer título a terça parte de seus bens, se ela não possuir bens alguns ou propriedade?
Êste artigo deve tambêm ser revogado.
Parece que se tem dito que o fim que se teve em vista com esta anomalia foi obstar a que cônjuges casados segundo o regime dotal se divorciassem por mútuo consentimento, para tornarem a casar-se com comunhão de bens, a fim de poderem deixar a sua fortuna.
Se alguns casos se tem dado, serão esporádicos, e não são fundamento jurídico, mas sim um frívolo pretexto, para alterar o que estava legislado.
Se os cônjuges divorciados tornarem a casar-se um com o outro, não deixarão êles de ser os pais dos mesmos filhos, seus herdeiros e sucessores e êstes continuarão a ser filhos dos mesmos pais, e o amor paternal é inextinguível, com raríssimas excepções. Se os pais pretenderem esbanjar a fortuna do casal, podem ser interditos por prodigalidade, cumprindo aos filhos ou ao Ministério Público, intentar a competente acção de interdição, como é expresso no artigo 341.° do Código Civil.
Alêm disso, havia outros meios de precaver os legítimos interêsses dos filhos contra a malversação dos pais.
Procurasse-os o legislador, que era essa a sua obrigação, em vez de decretar cousas exdrúxulas e atentatórias dos direitos originários da mulher, como é o direito de propriedade.
Êste artigo deve tambêm ser revogado.
Os demais artigos do decreto têm uma importância relativamente secundária, e deixarei de os condimentar, embora tambêm se prestassem à análise.
Em conclusão, parece-me ter suficientemente demonstrado, que deve ser revogado o decreto n.° 4:174, do 26 de Fevereiro de 1918, como subversivo e contrário
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aos princípios gerais do direito, ao carácter, tradições e costumes da nação, ao decôro e tranquilidade das famílias, aos direitos legitimamente adquiridos e à igualdade dos sexos em matéria de direitos civis, e, se fôr efectivamente revogado, prestar-se há um bom serviço ao país et exultabunt ossa humiliata.
Vozes: — Muito bem.
O orador foi muito cumprimentado.
Entra o Ministério.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro de Interior (João Tamagnini de Sousa Barbosa): - Tenho a honra de vir ler a esta Câmara o programa do Govêrno da minha presidência.
Sr. Presidente: ao ecoar dolorosamente em todo o país, de norte a sul, a noticia trágica, a confrangedora notícia de morte bárbara e incruenta do Dr. Sidónio Pais — o grande e glorioso republicano que redimiu uma Pátria, e, nos escombros de uma demagogia sanguinolenta, fundou, para todos os republicanos, para todos os portugueses — uma República Nova — as lágrimas que borbulharam em todos os olhos, a dôr que oprimiu todos os corações, transformou-se em anseios irreprimíveis de contra os assassinos, em estremações febris de decisão pela obra patriótica do grande morto.
E num excesso de ternura sentimental pelo ídolo do povo, que caíra varado pelas balas sacrílegas dos mais abjectos sicários, surgiram, de todos os lados, das esquerdas e das direitas, impulsionados pela mola oculta das mais avêssas e contraditórias paixões políticas os defensores da obra de Sidónio Pais, os que por essa ocra se propunham morrer ou vencer.
Movimento espontâneo, irreflectido, sem programa e sem norte, convulso de agir, indeciso no objectivo, desordenação no desenrolar das suas scenas sombrias de drama — o Govêrno da República forte e inabalável no apoio unânime da Nação, traduzindo em todos os seus actos a vontade firme e a inteligência clara do novo Presidente — velho lobo do mar e velho português de um só rosto e de uma só fé — teve de desenvolver toda a sua energia, teve de pôr à prova todo o seu ardente republicanismo, não para julgar uma insurreição de inimigos ou uma conjura de adversários, mas para amainar e dominar a onda revolta e indisciplinada de defensores e de amigos que se lhe vinham rolar aos pés.
É certo que, por entre êles, almas miseráveis e pequeninas de especuladores e de aventureiros quiseram semear discórdias e mal-entendidos, espalhando boatos terroristas, reeditando velhos truques de propaganda revolucionária, segredando a uns que a hidra demagógica preparava o salto, e afirmando a outros que o perigo monárquico ameaçava a República.
Mas êsse movimento serviu, afinal, para demonstrar que a República nova, radicada indissoluvelmente na alma nacional, é indestrutível; e que, unidos, disciplinados, invencíveis na defesa da obra libertadora, da obra republicana, da obra do ressurgimento nacional, estão hoje, em torno do Govêrno, todos os bons portugueses, lodosos bons republicanos, que não pactuam nem transigem com qualquer demagogia, seja ela qual for venha ela donde vier.
E após longos dias de labutas e de incertezas, parece que a calma se restabeleceu, e, como sempre, a verdade, que é uma só, radiosa e triunfante, penetrou nos espíritos e fortificou os corações.
E ao apresentar ao Parlamento o Govêrno a que presido, e que tem a confiança do Sr. Presidente da República — eleito por unanimidade pelo Congresso, o legítimo representante da soberania nacional cumpre-me declarar, para que essa verdade em absoluto triunfe e resplandeça, que disposto estou a esclarecer ecoa provas, se isso fôr necessário à Câmara, a história dos dias agitados que passaram e em que, como soube e como pude, tenho uma única vaidade, um único orgulho, una única satisfação a de poder afirmar, por minha honra, aos legítimos representantes do país, que, como cidadão, como português e como republicano, estou convencido que contra tudo e contra todos cumpri o meu dever o não esqueci nunca que acima de tudo e de todos, neste lugar de sacrifício, a minha obrigação era defender a Pátria e salvar a República.
Incumbido por S. Exa. o Sr. Presidente da República de formar gabinete e procurando na sua constituição estafolecar entre o grande morto e os vivos a continuidade do seu pensamento e da sua acção
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foi meu critério manter no Ministério da minha presidência os meus colegas no último gabinete Sidónio Pais.
E, assim, seis dos Secretário de Estado do seu último gabinete histórico, transitaram, como Ministros, para o primeiro gabinete constitucional do Presidente Can-lo e Castro: — dois, eu e o Dr. Alfredo de Magalhães, representando a corrente dos relhos republicanos que, desde Dezembro de 1917, acompanhava incondicionalmente o grande e glorioso morto, cooperando com êle com o máximo de lialdade, com os maiores extremos de dedicação; — outros dois — Cruz Azevedo e Forbes Bessa— representando o núcleo aguerrido dos bravos oficiais que nas jornadas épicas de dezembro arriscaram, ao lado do heróico comandante do Parque Eduardo VII, o mangue generoso e moço dos seus corações ardentes de firmes e entusiastas republicanos; representando, ainda outros dois, Fernandes de Oliveira e Azevedo Neves.
A corrente dos antigos monárquicos que o prestígio, o valor, a coragem, o talento e patriotismo do maior de todos os republicanos integrou absolutamente na República nova. Um outro, o Dr. Egas Moniz, mesmo sem ser consultado, foi mantido no pôsto de responsabilidade e de honra em que o Dr. Sidónio Pais o colocara, prosseguindo com acrisolado patriotismo na alta missão que está desempenhando no estrangeiro e para a qual todos nós, portugueses, devemos ambicionar felizes resultados.
Os restantes membros do Govêrno — os elementos novos dêsse gabinete — um,
general Corte Rial, que aceitou êsse pôsto absolutamente constrangido, é um militar altamente graduado e consideradíssimo no exercito, alheio a todos os agrupamentos políticos e já mais de uma vez era lembrado pelo grande Presidente para sobraçar a pasta da Guerra; outro — capitão de mar e guerra Sousa e Faro, ora, no Ministério da Marinha, o chefe do gabinete do Presidente Canto e Castro, sendo um oficial da sua plena e absoluta confiança, é um velho republicano sem Ilação, um marinheiro considerado e um patriota como poucos.
Outro — o coronel Baptista Coelho — a pasta das Colónias, é o homem competente no lugar que lhe compete: colonial extensíssimo, organizador experimentado carácter rígido, não é nem nunca foi um político, tendo sido sempre um homem — e um homem de valor e de honra que servindo a República serve a Pátria.
Outro — o Dr. Afonso de Melo — duas vezos convidado pelo Sr. Dr. Sidónio Pais para a pasta que patriótreamente aceitou — e da qual insistente, categórica e inabalávelmente pediu a exoneração apenas soube que sôbre o seu nome prestigioso se levantavam dificuldades e obstáculos — era, na pasta da Justiça, - como o coronel Baptista Coelho o é na pasta das Colónias — the rigth man in the rigth place — porque, magistrado integro, conhecendo há longo tempo toda a engrenagem do seu Ministério, superior às tricas da baixa política, o seu culto fervoroso pela obra de Sidónio Pais, a sua identificação com a República nova, só são excedidos pelo seu culto pela lei, pela sua identificação com a idea da justiça.
Finalmente, a pasta das Finanças foi entregue à lúcida inteligência e à vontade de ferro dum novo com raras aptidões e que é o capitão de engenharia, Malheiro Reimão, alma vibrante de republicano, espírito iluminado de patriota, que tendo servido a Pátria e a República, ainda há pouco, na luta gigantesca do front, foi no Corpo Expedicionário Português um dos oficiais que, com mais brilho e mais talento, soube levantar bem alto e bem glorioso o prestígio imaculado da nossa bandeira, o nome sempre altivo do nosso pequenino Portugal.
Formado, assim, o primeiro gabinete constitucional do Presidente Canto e Castro, quando parecia que deveriam estar serenados os ânimos, mantida a ordem e restabelecida e refeita a disciplina, novas complicações surgiram, novas dificuldades se levantaram, novos obstáculos houve a vencer.
Tudo foi apreciado com serenidade e graças à intervenção dalguns bons portugueses e após uma reunião do Conselho de Ministros, para a qual foram convidados a assistir os Exmos. presidentes e leaders dos duas casas do Congresso, tudo se esclareceu.
Hoje as juntas estão dissolvidas e o novo Govêrno formado tem a honra de se apresentar pela primeira vez nesta casa, cumprindo gostosamente o dever de, por meu intermédio, saudar em V. Exa. a Câmara a que iam distintamente preside.
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Neste Ministério - o segundo Ministério constitucional do Presidente Canto e Castro, o segundo Ministério da minha residência, - na pasta do Trabalho, no lugar de Forbes Bessa, o bravo combatente do Parque Eduardo VII e o dedicado amigo do grande Presidente - está o capitão Eurico Gafieira, o grande e devotado amigo do Presidente morte, o seu confidente nas horas atribuladas de Belêm e o seu camarada nas horas heróicas da revolução; e na pasta da Guerra substitui o general Corte Rial e tenente-coronel Silva Basto, que, sendo considerado no exército como militar disciplinador e disciplinado, é alheio a todos os agrupamentos políticos; tendo-se, nos últimos dias, mostrado de uma correcção impecável, de uma linha inflexível ao lado do Govêrno e ao lado da República - é a mais absoluta e segura garantia de que a disciplina e o republicanismo de exército estilo confiados a boas mãos.
Na pasta da Justiça, substituiu e Dr. Afonso de Melo, por lembrança minha, o Dr. Francisco Fernandes, cujo nome luminoso no foro e na cátedra, cujo carácter de homem de bem, duma lialdade completa e duma honestidade sem mácula, todo o Parlamento conhece e todo o país, rendendo-lhe homenagem, respeita e admira.
Velho e dedicadíssimo amigo do grande e glorioso morto, seu colega no professorado na Universidade de Coimbra, o Dr. Francisco Fernandes, eleito Deputado na lista gavernamental do Pôrto, eleito por indicação do grande Presidente para a presidência da Comissão Revisora da Constituição e pelo Dr. Sidónio Pais convidado para a gerência da pasta da Justiça, sempre que essa pasta esteve vaga, o Dr. Francisco Fernandes, com um largo e fecundo passado parlamentar, não é, certamente, pelo colorido fácil das fáceis profissões de fé, republicana - mas, entusiasta, devotadíssimo pelo grande Presidente e pela sua grande obra da renascimento e de libertação, como tomem da honra e de inteligência, o Dr. Francisco Fernandes é, desde a primeira hora, desde as jornadas gloriosas de Dezembro um dos mais arcoresos e aos mais convíctos e valiosos cooperadores da República nova.
Não sei se a solução assim dada à crise foi a melhor, foi a mais lógica. O que sei - e isso pela minha honra o juro! - é que tendo procurado defender a República, defendendo a obra de Sidónio Pais sem me esquecer um momento sequer da gravidade excepcionalíssima das horas que vão correndo para a causa suprema da independência e da integridade da Pátria - como cidadão, como republicano, como português eu julgo, em consciência, ter finto o que devia e o que podia -quanto devia o quanto podia - para vir aqui, de cabeça erguida, apresentar-vos o Ministério.
E, historiada, a sua constituição, cumpre-me ainda, em obediência aos bons princípios e às boas praxes parlamentares, definir em termos precisos e concretos, se não o plano e o programa do Gabinete - que, podendo sintetizar-se, a dentro de uma política de avigoramento e consolidação das instituições republicanas, procurando uma fórmula muito mais nacional do que partidária, no culto enternecido e na realização integral da obra de renascimento e de libertação do Dr. Sidónio Pais, estabelecendo, como disse, entre o morto e os vivos a continuidade do seu pensamento sempre generoso e bom e da sua acção sempre inteligente, sempre patriótica e sempre republicana - pelo menos as linhas gerais da grande obra nacional, da grande obra republicana que a Ordem ameaçada, a Disciplina subvertida e as Paixões desencadeadas pela extranha convulsão de dor e do pânico que ia subvertendo a nossa terra, de nós todos reclamam e cuja execução a todos nós é imposta como o mais santo e o mais imprescritível dos deveres.
E assim, no culto inextinguível e acendrado pelo Grande Morto, é a mais firme e inabalável resolução do Govêrno castigar rigorosamente, castigar sem dó nem piedade, dentro das fórmulas rígidas dos códigos, todos os autores, cúmplices o instigadores dos nefandos atentados contra a vida do Dr. Sidónio Pais e, numa das próximas sessões e logo que os trabalhos parlamentares o permitirem, o Governe tomará a iniciativa de vos propor um a pensão às pessoas da família ilustre de malogrado Presidente.
Na nossa vida internacional, o Govêrno, seguindo a norma traçada pelo alto e luminoso patriotismo do Grande Morto às
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nossas relações com as nações amigas e aliadas — que tam comovidamente sentiram a nossa dor e tam carinhosamente nos expressaram a sua mágua e a sua repulsa pela catástrofe — manter-se há inalterável na defesa da causa dos aliados, à qual prestará ainda todo o concurso que a Portugal possa ser solicitado, e esforçar-se há por estreitar, cada vez mais, as nossas relações com a Grande Nação Inglesa e com a República Irmã — o Brasil — e com os demais países aliados e amigos. Na vida interna, pacificar - e normalizar, numa calma disciplinada, progressiva e benéfica, a sociedade portuguesa — eis o maior desejo do Govêrno, que é, por certo, o dos ilustres parlamentares. Para isso o Poder Executivo envidará todos os esforços no sentido de considerar igualmente a dentro da República todos os bons portugueses, confiando tambêm em que o Poder Legislativo o auxiliará, corrigindo os seus actos e promovendo a rápida jevisào constitucional, seguida duma dissolução que se impõe para que a urgente satisfação dêsse desejo não fique comprometida.
E abolindo a censura, iniciando o licenciamento dos milicianos, promovendo o rápido - andamento dos processos dos implicados nas perturbações de ordem pública e delitos políticos e sociais, fazendo regressar à metrópole aqueles que em África se encontrem e cujos delitos por qualquer aspecto não colidam com o Direito Penal comum — o Govêrno procurará assegurar com energia, por intermédio de todas as autoridades republicanas do país, a manutenção da ordem e das garantias individuais, entrando na repressão implacável de qualquer tentativa que de futuro se esboce para a sua alteração ou desrespeito; adoptando as mais rigorosas medidas contra os fabricantes, portadores e detentores de bombas explosivas e bem assim contra todos os que possuírem armas, sem as devidas autorizações.
E dando imediata publicação aos mapas e contas das despesas da nossa com participação na guerra, o Govêrno, ao mesmo tempo que procurará destruir, por intermédio dos nossos representantes nas várias nações e pelo restabelecimento da verdade dos factos, a campanha difamatória que em certos órgãos da imprensa
estrangeira vem sendo sustentada contra Portugal e contra a situação resultante do movimento nacional republicano de 5 de Dezembro, confia no patriotismo das fôrças militares de terra e mar, saúda os bravos soldados e marinheiros que ainda pisam, era defesa da causa da,Liberdade e da Justiça, as terras de África e da França, e asseverando a sua intransigente irredutibilidade com todas as demagogias, espera de todos os bons portugueses e que todos os bons republicanos o seu apoio e a sua cooperação, porque de todos tia e em todos confia para o ajudarem a demonstrar a Portugal e ao mundo que obra do Sidónio Pais não morreu e que vivo Êle na admiração imperecível de todos nós, a sua obra reviverá, triunfal e dominadora, nesta boa, nesta santa, nesta desventurada terra portuguesa — duplamente sagrada, hoje como terra da nossa Pátria, como terra que Êle regou com o sangue do seu martírio.
A República nova não periga! A República nova está entregue a boas mãos e o ditame derradeiro, a derradeira vontade do Herói e do Mártir — o Salvem a Pátria! imperativo de Sidónio Pais — há de cumprir-se, porque a Pátria será salva e salva será a República, por todos os bons republicanos, por todos os bons portugueses.
Tenho dito.
O Sr. Castro Lopes: — As horas trágicas que temos vivido desde o momento terrível e funesto em que tombou para sempre essa figura grandiosa do malogrado Chefe do Estada, mais nos tem feito concentrar nessa dor, mais tem avivado a saudade, não tem feito sentir & falta extraordinária dêsse grande cidadão.
Antes de fazer as considerações que ressaltam das afirmações do Sr. Presidente do Ministério, devo dar conta à Câmara, esclarecendo-a, duma referência à minha pessoa, feita pelo Sr. Presidente do Ministério, para o qual apelo pois que é incapaz S. Exa. de dizer aquilo que não seja rigorosamente verdadeiro.
A convite de S. Exa. aqui me tenho mantido; se o meu valor é nulo devo lembrar que me tenho mantido neste lugar por Unidade e dedicação.
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Assim ouvi as explicações do Sr. Presidente do Ministério, e depois de ter ouvido aquelas opiniões que mais valiam do que a minha, tam singela e tam despretensiosa, mas dotada de não menor lialdade, olhava para essa figura austera do actual Presidente da República, habituado a essa luta imensa do oceano, sem se arrecear dela.
Estava bem longe dêste tumulnar de paixões e tempestades políticas, e apelara para que uma idea surgisse boa, e cesse tranquilidade a Pátria e segurança à epública Portuguesa.
Vendo o Ministério todo composto de homens de talento e de honra e fazendo parte do Ministério o ilustre Senador, meu camarada e amigo Dr. Albino de Maio, magistrado ilustre e respeitado por toda a magistratura, que canta um amigo em todos os que o conhecem (Apoiados), eu dizia com desassombro, e aqui olho para o Sr. Presidente do Ministério: e O Governo tem de ficar; deve ficar, custe o me custar».
Não disse que havia só um caminho a traçar: o da violência (Apoiados). Não, não foi isso que eu disse.
O Ministério tem a confiança, do país, assim como a do Parlamento e do Sr. Presidente da República:
«O Ministério tem de ficar custe o que custar». (Apoiados).
Foram estas as minhas expressões; e são estas palavras que quero fiquem consignadas, porque traduzem a minha forma de sentir; e feitas estas declarações ante o Sr. Presidente do Ministério a maioria cesta casa espera quer nas circunstâncias graves internacionais e internas, em que nas encontrarmos, o Governo inspirar-se há apenas nos altos interêsses da Pátria.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (João Tamagnini de Sousa Barbosa): — Apenas tencionava usar da, palavra depois de terem falido os ilustres Senadores inscritos; mas são da mais alta gravidade as afirmações do Sr. Castro Lopes, por quem tenho muita consideração.
Houve qualquer discrepância entre o que eu disse em Belém e o que disse na reunião da maioria? Não houve.
Como poderia havê-la perante a Câmara sem que um desmentido imediato
surgisse da, parte da maioria? Não o houve.
Recordo-me das suas palavras em Belém.
V. Exa. disse que, se o Presidente do Ministério atendia as Juntas, era porque queria, querendo significar com essa frase que e u, enveredava pelo caminho da transigência, guardo V. Exa. acompanhou os membros da Junta nas suas démarches.
O orador não reviu.
O Sr. Mário Monteiro: — Cabe-me a honra de definir a atitude da minoria monárquica desta Câmara em face da nova situação governativa, que acaba de apresentar-se no Parlamento.
A constituirão dêste Governo representa a solução duma das mais graves, senão da mais grave crise política, em que o País se tem debatido.
O bárbaro e cruel atentado que vitimou o saudoso e prestigioso Presidente Sr. Dr. Sidónio Pais, por si, e por ser o último atentado, duma longa série de actos de violência, de desordem, de intrigas, de revoluções e anarquia praticados pela demagogia, fez vibrar intensamente a alma nacional, alanceada e dominada pelo sentimento da mais profunda dor, amargura, indignaçcão e vergonha. Que admira, pois, Sr. Presidente, que o exército português, que é constituído por filhos de Portugal e não por mercenários estrangeiros, os quais pudessem assistir impassíveis e indiferentes às desditas desta Pátria, se deixasse envolver e arrastar pelo turbilhão do dor, que subjugava todo o país? (Apoiados).
Que admira que em tais circunstâncias pretendesse, exigisse ou reclamasse a formação de um Govêrno forte e homogéneo que pudesse sustar com mão de ferro a queda da Pátria na voragem e no abismo?
Eis a origem e as razões do movimento militar.
Paralelamente, defronta vá-se com ele o Govêrno de então, dominado por um sentimento próprio da sua especial situação, o qual, apoiado tambêm por elementos militares e cercado duma opinião adversa e hostil para com as Jantas, entendia que os princípios de decoro e dignidade governativa lhe não permitiam, a menor transigência com elas.
E desta situação resultou que as partes 3m litígio, dominadas ambas pelos mais nobres sentimentos, permitiram que o con-
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flíto se arrastasse por largos dias e chegasse a tal extremo e agudeza que, apenas se lhe via como solução a maior, a mais pavorosa, a mais desastrosa de todas as calamidades e catástrofes que podiam desabar sôbre a infeliz terra de Portugal, a calamidade da guerra civil. (Apoiados).
Felizmente, Sr. Presidente, e mercê de Deus, foi possível que nesse doloroso e trágico momento ainda se fizesse ouvir a voz da Pátria aflita que a todos suplica concórdia, e os elementos divergentes souberam encontrar na sua isenção e patriotismo uma plataforma de entendimento que deu lugar à solução honrosa do conflito, por meio da constituição do actual Ministério.
Tanto basta, Sr. Presidente, para que aos, os monárquicos, que fomos completamente estranhos à origem e ao desenrolar do conflito, porque, se alguma intervenção nele tivemos, foi apenas para contribuirmos com os nossos dedicados esforços para a solução conciliatória dele, vejamos com satisfação a apresentação dêste Govêrno, que representa êsse patriótico resultado. (Apoiados).
Sob outro aspecto, ainda nos é interessante a solução da crise política.
É já banal o dizer-se que nós, os monárquicos, temos momentaneamente arredadas do problema político nacional as nossas reivindicações, inspirados nos mais altos sentimentos de patriotismo e na consciência das gravíssimas circunstâncias criadas ao nosso país pelo estado de guerra e suas naturais consequências.
Mas, por mais banal que seja o afirmar-se esta verdade, não deixa ela de existir; e, assim, é que voluntariamente mantida por nós próprios a nossa acção política, temo-nos reduzido e limitado à sustentação e defesa dos princípios conservadores, que não constituem apanágio ou património apenas do regime monárquico, mas são ou podem ser comuns a todas as formas de Govêrno, e que consideramos absolutamente indispensáveis como impreterível condição de existência, ordem e progresso da sociedade portuguesa. (Apoiados).
E, assim, temos prestado a nossa acção política e parlamentar pela atitude que os diversos Govêrnos republicanos têm manado relativamente a tais princípios.
Nunca, por tal motivo, podemos ter o mais ligeiro entendimento com os Govêrnos democráticos anteriores a 5 de Dezembro, o só nos foi possível dar ao malogrado Presidente, Dr. Sidónio Pois, o apoio que lialmente lhe demos, e de que tanto nos ufanamos, porque êle veio ao nosso encontro, proclamando e sustentando princípios que sempre foram os nossos.
Só nos será possível dar às situações governativas, que lhe sucederem, o mesmo apoio que lhe demos, se elas se inspirarem nos mesmos princípios e prosseguirem na mesma orientação. (Apoiados).
Eis aqui, Sr. Presidente, em breves mas claras palavras, definida e explicada a nossa atitude perante o actual Govêrno, e se bem que o seu programa não possa satisfazer-nos por completo, pois está muito longe de obtemperar a todas as condições a que julgamos necessário atender, é todavia certo que procura realizar as mais instantes e urgentes reclamações de momento.
Saudemos, pois, o novo Govêrno, e, confiados em que os seus actos correspondam às suas promessas, ficamo-las aguardando em benévola espectativa, únicamente animados do desejo de nelas só encontrarmos e termos motivos para aplaudir e nunca para censurar.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O Sr. Domingos Pinto Coelho: — Sr. Presidente: eu congratulo-me por ver oficialmente constituído o actual Govêrno, lamentando apenas que a sua constituição levasse tanto tempo.
Não há dúvida, Sr. Presidente, que se logo após o nefando atentado, os chefes do exército tivessem dito que era necessário a formação de um Govêrno militar, nenhum incidente teria ocorrido.
Mas, meus senhores, na demora que houve com a sua formação, eu somente lamento o tempo perdido, que é bastante, e lamento sobretudo que essa demora tivesse aproveitado ao demagogismo, que de novo aproveitou a ocasião para levantar a cabeça.
Ah! Sr. Presidente, emquanto viveu Sidónio Pais, o demagogismo não ousou levantar cabeça, que imediatamente não
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fôsse subjugado. Depois que Sidónio Pais foi bárbaramente assassinado, a situação do demagogismo foi pior ainda, porque eu, que tantas vezes tenho lamentado que o nosso país se mostrasse insersível, quási incapaz de reagir, presenciei, com satisfação, se é possível tê-la neste momento, que o país verberou o atentado até as mais profundas camadas, porque realmente se produziu um movimento nacional, sem par, sem confronto possível, nestes últimos anos para trás.
Foi um movimento de profunda indignação, foi um movimento de tanta exacerbação, que o demagogismo se sentiu realmente escorraçado. Mas, tam depressa estas divergências se produziram, e demagogismo, como dizer, ousou levantar cabeça e aparecer em público, ousando ir até o Paço de Belêm, onde parecia ainda flutuar a sombra do Sidónio Pais.
Eu, não vou preguntar ao Sr. Presidente do Ministério como é que recebeu êsse avanço do demagogismo: não lho vou preguntar, nem quereria fazer uma crítica, mas simplesmente eu quereria aproveitar a ocasião para dizer a S. Exa. que a sua ascensão política tem sido muito rápida, e eu folgo de prestar homenagem ao verdadeiro talento de estadista, a que essa rápida ascensão se deve.
Mas eu creio que a exactidão manda dizer também que há, um outro elemento a que se deve a ascensão de S. Exa.: é que êle tem sido no poder a verificação da defesa dos conservadores contra o demagogismo; e se S. Exa. não prosseguir nessa intransigência, eu creio que o desmoronamento da sua personalidade política poderá ser tam rapido como foi rápida a sua ascensão.
Uma voz: - Apoiado.
O Orador: - Sr. Presidente: tem-se falado muito no perigo monárquico. Eu estou nesta Câmara em condições muito especiais para poder falar com toda a despreocupação nesta questão, porque, como todos sabem, não estou integrado na minoria monárquica.
Tem-se especulado com o espectro monárquico. Diz-se que todos os comandos militares estão entregues a oficiais monárquicos.
Veja-se que situação mais incoerente e mais ilógica: a defesa duma República entregue a um exército, cujos chefes são todos monárquicos.
É o que se tem dito.
Oh! Sr. Presidente, e o que espanta é que um argumento tam contraproducente ouse invocar-se.
Diz-se que o exército está nas mãos de monárquicos. Mas então, se assim é, podia, porventura, sonhar-se ensejo mais propício para o restabelecimento da monarquia? Todavia, meus senhores, creio que ainda estamos em República; creio que êste Senado é, sem dúvida, republicano, e creio também que o Govêrno é bem republicano.
O que é que isto demonstra, Sr. Presidente? Mostra que, se o exército está confiado a monárquicos - e eu não cito isso senão como hipótese - êsses monárquicos acabam de dar a prova mais triunfante da sua absoluta isenção partidária: acabam de se pôr às ordens da Pátria: compreendem perfeitamente que a situação é tal que a ordem na República deve sobrelevar sôbre todas as outras. Portanto, meus senhores, eu digo que não há perigo monárquico, porque são os próprios monárquicos que se unem para a defesa da ordem na República.
Ora, eu pregunto, se não havendo o perigo monárquico, haverá o perigo demagógico; que acho bem mais perigoso.
Sr. Presidente: eu ouvi hoje nesta sala increpar duramente o Govêrno péla sua transigência com as Juntas militares. Creio bem que um dos maiores flagelos sociais é a guerra. Mas outro pior do que êsse é a guerra civil, e outro pior ainda seria a guerra civil em Portugal nesta conjuntura.
Todos sabemos que de ambos os lados havia fôrças importantes; não quero discutir agora de que lado seria maior, basta constatar o seguinte: que havia de um lado o Govêrno e do outro as Juntas militares. Basta constatar isto. Não quero saber quem teria probabilidades de vitória; basta saber que havia fôrças de um e de outro lado importantes e que essas fôrças, uma vez em acção, fariam muito sangue, haveria por consequência a guerra civil nas circunstancias trágicas a que há pouco referi.
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Deu-se há pouco um incidente entre o Sr. Presidente do Ministério e leader da maioria nesta Câmara.
Discutia-se um acto que se passou numa sessão que pode chamar-se histórica, realizada há alguns dias em Belém. Eu estive lá e não tenho dúvida em chamar para mim qualquer responsabilidade que me possa caber por ter sido um daqueles que aconselharam a conciliação; e prezo-me de ter procedido nessa conjuntura como bom português.
Que se queria então?
Se se não faz a conciliação, que se queria que se fizesse?
Eu não digo que na atitude das Juntas militares não houvesse indisciplina; mas eu pregunto se essa indisciplina não era motivada por razões de alto patriotismo.
Pois então, nós assistimos em 1908 ao duplo regicídio e vemos que em lugar do castigo aos regicidas se fez a apoteose dêsse crime, espargindo-se flores sôbre a campa dos assassinos, e não havemos de admitir a possibilidade da repetição, hoje, de tais factos?
Há indisciplinas que salvam.
Eu sou essencialmente um homem de ordem e, portanto, em tese contra todas as indisciplinas. Mas eu compreendo. As Juntas militares eram movidas por um princípio de patriotismo.
O crime do demagogismo segue o seu curso. Embora o incêndio não chegasse a levantar-se, o incêndio lavra.
Eu, falando agora como católico, posso constatar que esta orientação errada provêm de elementos muito complexos que estão produzindo uma péssima atmosfera e, todavia, meus senhores, nós os católicos é que temos sido as grandes vítimas, privadas de todas as liberdades, e continuamos a ser uns párias.
Coutra nós é que se fazem todas as espoliações; vivemos completamente fora da lei comum.
E isto vem de longa data.
Repare-se bem: parece que não há ponto nenhum em que a República Portuguesa tenha tido uma linha de tanta continuidade e sequência. Vem desde o Marquês de Pombal...
O Sr. Machado Santos (interrompendo): — Vem de D. Sancho II, se V. Exa. me dá licença.
O Orador: — Se V. Exa. quiser que venha de mais longe, não tenho dúvida em lho conceder.
Em 1834 fomos as vítimas: os bens dos conventos foram confiscados e os pobres frades, que pensavam que tinham a sua vida assegurada com aquilo que era bem seu, foram dispersos, a ponto de se referir a êsse facto Alexandre Herculano.
Em 1910 quem foram as primeiras vítimas? Nós.
As congregações foram confiscadas e, publicada a lei da separação, a exploração que só tinha feito com os bens das congregações foi feita com os bens das associações locais.
Depois de implantada, o que se chamou a República nova, os católicos respiraram um ar mais desafogado.
Simplesmente as algemas que nos prendiam os pulsos essas continuam a preponderar.
Seja-me lícito recordar aqui um dito de Bernardino Machado ao serem suprimidos os conventos e confiscados.os bens.
Bernardino Machado, com a costumada cordealidade, disse: «Vamos finalmente ter a paz em Portugal».
Era a desordem.
Vejam V. Exas. como a profecia se realizou.
Sr. Presidente do Ministério: é indispensável mudar de orientação.
Para manter a ordem diz-se que a polícia está muito bem organizada e armada, que a guarda republicana tambêm está muito bem organizada.
Estimo isso muitíssimo: sou partidário da boa organização armada; mas não basta isso. E necessária a ordem nos espíritos.
Não conheço outro fundamento de ordem que não seja a Moral e outro fundamento de Moral que não seja o Evangelho de Cristo.
É necessário que se reconheça que o catolicismo é um elemento de ordem, que prega a manutenção de todos os alicerces da sociedade e que sem êsse elemento de ordem moral, não pode haver sossego.
Espero, portanto, Sr. Presidente, que o Govêrno, constituído por individualidades que representam fôrça, se inspirará nesta ordem de ideas e que reconhecerá que esta Pátria querida só pode voltar a ser grande, quando nela tornar a imperar
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a Cruz, companheira das nossas glórias e a fé católica ditar a moral dos nossos actos.
Tenho dito.
Vezes: — Muito bem.
O Sr. Machado Santos: — Sr. Presidente: pela primeira vez, como cidadão e como parlamentar, tendo assistido à apresentação de vários Ministérios e tende ouvido ler muitos programas e declarações ministeriais, assisto a uma sessão como a de ontem na Câmara dos Deputados e como a de hoje no Senado.
O Sr. Tamagnini Barbosa não me deu a impressão de ser um Chefe de Govêrno, mas sim um negociante de «secos e molhados», que vem fazer o reclame dos produtos do seu comércio, pelos elogios que faz aos seus colegas nos dois Ministérios que nos forneceu «por atacado».
A constituição do Ministério que hoje se apresenta à Câmara é tido quanto há de mais extraordinário e anticonstitucional; Não me consta que em Portugal se tivesse organizado um Govêrno assim!
Disse o Sr. Tamagini Barbosa como é que se demitiu o Govêrno que antecedeu o que hoje se apresenta e como é que se tinha arranjado êste? S. Exa. não o disse. Quem o diz é o jornal O Dia, de 7 de Janeiro de 1919 num artigo assim intitulado: «Situação política. Vem em tal artigo um trecho muito explícito, que condiz com os elogios do Sr. Mário Monteiro, leader monárquico e com os do Sr. Pinto Coelho, Senador católico e leader de si próprio.
Diz o artigo em questão:
A inesperada entrada do S. Dr. Francisco Joaquim Fernandes no Govêrno, como Ministro da Justiça e dos Cultos, cansou grande sensação...
Alegando esta circunstância do ter sido levado ao Parlamento com votes dos republicanos e de monárquicos e de oferecer pelo seu altíssimo valor a maior garantia de ser no novo Govêrno o guarda fiel dos compromissos tomados com a Janta Militar do Norte, êste entendei que nilc devia prescindir da sua intervenção no Govêrno e solicitou-lha insistentemente, até com a condição sine qua non da efectividade do acordo».
Eu pregunto: O que é que o Sr. Francisco Fernandes aqui representa? S. Exa. é um delegado do Poder Legislativo para a execução da lei, ou um delegado das Juntas militares, ao serviço da reacção católico militarista?
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (João Tamagnini de Sousa Barbosa): — Eu fiz na declaração ministerial as declarações que entendi dever fazer ao Senado.
Não tenho mais nada a responder. Ou V. Exa., Sr. Machado Santos, nos considera homens de honra, incapazes de fazer declarações falsas, ou então somos, aqui demais.
Não são formas de discutir estas, argumentando com o que diz um jornal, sem só ver um artigo assinado, atribuindo cousas — como o Sr. Senador Machado Santos pensou em atribuir ao Sr. Dr. Francisco Fernandes — de grave importância e que interessam à vida da nacionalidade. A qualidade de cada um dos Ministros que compõem o Govêrno está expressamente traduzida na declaração ministerial.
Se o Sr. Senador Machado Santos quere que se repita a parte dessa declaração, referente ao Sr. Ministro da Justiça, eu, repetirei.
É esta:
Leu.
Velho amigo do glorioso Morto, o Sr. Dr. Francisco Fernandes cooperou sempre com o Sr. Dr. Sidónio Pais, com o máximo da sua lialdade, através de todos os Ministérios de que fiz parte, e o Sr. Machado Santos não ignora quanta consideração êsse grande Morto tinha por esta personalidade ilustre.
O Sr. Machado Santos: — Ignoro, sim senhor.
O Orador: — Não só foi indicado pelo Sr. Dr. Sidónio Pais, como por uma figura dêste Ministério, que é o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros, Sr. Dr. Egas Moniz. (Muitos apoiados).
Assim é que se fala, Sr. Presidente.
Por indicações do Sr. Dr. Sidónio Pais, foi o nome do Sr. Dr. Francisco Fernandes indicado para a presidência da comissão revisora da constituição, e, Sr. Presi-
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dente, eu desafio quem quer que seja, para contestar o republicanismo do Sr. Dr. Sidónio Pais, que foi quem, como disse, indicou o nome do Sr. Dr. Francisco Fernandes para a presidência da comissão revisora da constituição republicana.
O Sr. Presidente do Ministério lê várias passagens da declaração ministerial.
O Orador: — Que mais franqueza querem V. Exas.? (Apoiados).
O orador não reviu.
O Sr. Machado Santos: - Posso continuar, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (João Tamagnini de Sousa Barbosa): — V. Exa. é que pediu explicações e disse que não continuava sem lhas darem.
O Sr. Machado Santos: — Sr. Presidente: as explicações do Sr. Presidente do Ministério deixaram-me na mesma, porque S. Exa. terminou por isto:
«Que o Sr. Dr. Francisco Fernandes tinha sido um cooperador da obra da República Nova».
Ora, Sr. Presidente, não há monárquico nenhum neste país que não declare que cooperou na obra da República Nova, pelo menos na manutenção da ordem pública, e não há monárquico nenhum que não diga tambêm que não abandonou as suas ideas políticas e que só aguarda o momento oportuno para a sua realização.
Eu pregunto, Sr. Presidente: Que cooperação é essa?
Então cooperam numa obra republicana e ficam sendo monárquicos do coração?
Que jôgo é êste que se está fazendo com o país?
Outro membro do Govêrno, que entrou por imposição das Juntas militares, foi o Sr. Ministro da Guerra.
Eu queria tambêm saber se S. Exa. se apresenta aqui como delegado do Poder Legislativo para a administração dos negócios públicos, se se apresenta como delegado das Juntas.
Gostava tambêm que me respondessem a isso.
A forma como se constituiu êste Govêrno não inspira confiança ao povo republicano.
A forma como êle tem procedido, não inspira confiança nem a republicanos, nem a monárquicos, nem a conservadores nem a radicais.
Êste Govêrno começou por infringir a Constituição.
O artigo 69.°, diz:
«A fôrça pública é essencialmente obediente e não pode formular petições ou representações colectivas, nem reùnir senão por autorização ou ordem da autoridade competente. Os corpos armados não podem deliberar».
Isto é taxativo!
A primeira cousa que o Sr. Presidente do Ministério fez quando viu que teria de entrar no caminho, não direi da repressão, porque não eram precisas repressões, mas no caminho da energia, foi chamar as Juntas, conferenciar com elas e transigir com elas.
Naturalmente todos sabem já o que se passou no Norte e o que só passou em Lisboa.
Em todo o caso, eu vou narrar, por alto, aquilo que sei, a esse respeito, para a Câmara avaliar do que foi a acção pusilânime e anti-constitucional do Sr. Presidente do Ministério.
Ouvi dizer aos ilustres oradores que me precederam no uso da palavra, que as Juntas militares se haviam constituído temendo o regresso da demagogia, e que o intuito que as levou a formar-se, era um intuito patriótico e nobre, e que isso desculpava a acção dêsses rebeldes militares.
Quando a Junta do norte lançou cá para fora a sua proclamação, que eu aqui tenho, foi no dia 18. Já estava eleito o Sr. Presidente da República, já o Parlamento, com êsse patriotismo que muito o honra e sem uma nota discordante, havia solucionado a crise do primeiro magistrado da Nação; já o Poder Legislativo, se havia afirmado um poder que queria prestigiar a lei e que só com a lei queria manter a ordem social.
Mas onde é que essa proclamação apareceu? Apareceu no jornal do Pôrto A Pátria, jornal reaccionário que dirigia um manifesto aos cidadãos do Pôrto que começava por estas palavras: «Portugueses! Monárquicos somos!»
Foi com esta gente que o Sr. Tama-
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;_;ii]m Barbosa ÒQ entendeu ipL:& fornar o -C'1 S2gundo Ministério!
São portanto cabidas as nruLas COTLSÍ-dr-rações. sôbr
;¥ À cora as Juntas militares, que ?e re-vcltavam de armas na não, une o S:1. Presidente do Ministério se entendeu para a 2ou>:ituiçào dêste Govêrno!
São, portanto, cabidas as rainhas considerações pela não confiança q;ie êste Go-\vriK' pode dar, em questões de crdem públ:2a. Quem pactua cem a revolta, sem e-boçar um gesto de enorgi.-i, ou é cúmplice dos revoltosos, ou. pusilânime e portando incapaz de garantir a segurança de íc-dos nus.
Xe dia 23 de Dezembro Louve uma sublevação em Lisboa, do regimento de kmceiros 2; no dia seguinte sublevaram--se os regimentos «lê cavalaria 2 e 4, as batarias de Queluz e uma parte da Esco-IL de Guerra. Quem comar.uava essas fôrças não era o Sr. João de Almeida, n:-is o Sr. general Jaime Leitão de Castre.
E eu preguuto ao Sr. Presidente do Ministério se o Sr. Jaime de Oastro ainda é o comandante da 1.ª divisão m£itar.
Junto com o Sr. Jaime de Castro ia o antigo Ministro do Guerra, Sr. Álvaro d3 Mendonça, e tambêm o Sr. Jeito do Al-neida.
Ora eu vejo que o chefe de gabinete do S:\ Ministro da Guerra é exactamente o mesrao homem que err chefe do gabinete do Sr. Álvaro de Mendonça, que fc: acusado, publicamente, de iiaver traído o Sr. Dr. Sidonio Pais. S. Exa., assim cue soube que o Sr. Sidonio Pais baqueara, em vez ie se dirigir para D pé dos seus colegas do Govêrno a que pertencia o Sr. Tz-nagaini Barbosa, correu aos quartéis, e veio depois fazer imposições, eo nonc do exército, aos seus' colegas no Govêrno.
Acho extraordinário tambêm, que até Loje se não tenha tido qualquer procedimento contra o Sr. Álvaro do Mendonça e que se aceite a.sua colaboração indirecta; S. Exa. está sólio e o seu chefe do gabinete, porventura o mais audaz dos seus inspiradores, é o chefe do gabinete do actual Sr. Ministro da G cerra.
Na declaração ministerial diz-se rue não foi uma insurreição que ho^ive, que
1 foi apenas um mo\ intento da opinião mi-i Jitar, pelo muito amor que tem à llepú-§ blica. Nova. pelo muito amor que sente , pé. a obra de Sidonio Pai« !
O que vi, Sr. Presidente, é que à frente dessas forcas que se revoltaram, não íi-gura nenhum nomt! que tivesse colaborado com Sidonio Pai», salvo os Srs. Marga rido e Solari Alegro, que foram o-; carrascos da população do Pôrto, conforme. os acusei aqui no Senado.
A o^sa acusação respondeu o Sr. Ta-
niíLgnini Barbosa, então Secretário de Es-
tado do Interior, se não estou em êrro,
que iria investigar
1 Deu a sua palavra de honra que faria
1 isso! Ora eu não vi, nem ninguêm viu,
• que os culpados» fossem castigados; é por
, isso que ponho em dúvida as suas afir-
1 mações, mesmo fritas sob pala\ra de
1 honra.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Tamagniui Barbosa): — V. Exa. * ou esclarece essa situação, ou eu
' e o Govêrno retirurao-nos.
i
Oa Orador: — Sr., Presidente: eu disse
que o Sr. Taraagnini Barbosa, dentro
dosta sala, dera u *>uzi palavra de honra
de que ia investigar dos assaltos aos jor-
nais do Pôrto e outras prepotências das
1 autoridades policiais, e que ia punir os
j culpados. S. Exa. 1 tanto não investigou
, cousa nenhuma que os culpados ainda se
encontram nos seus lugares... de cou-
fifnça.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Tamagnini Barbosa): — Sr. Presidente: não me satisfaz. esta explicação.
O Orador: — Sr. Presidente: eu não posso dar outra explicação senão esta. -
Invoco o testemunho desta Câmara sôbre as palavras que então se pronunciaram nesta sala.
As afirmações que S. Exa. tem vindo fazendo aqui, .à, Câmara, não têm sido confirmadas pelos seus actos; agora S. Exa. tire das minhas palavras o corolário que qiiser.
Sr. Presidente: não posso dizer nada sôbre isto.
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O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Tamagnini Barbosa): — Sr. Presidente: estamos na mesma.
O Orador: — Venha S. Exa. aqui dizer-nos que puniu ou tentou punir as autoridades; que realizou ou ordenou a realização do inquérito, com as provas da sua afirmação, e... eu retirarei o que disse. Não basta que se venha dar a palavra de honra, é necessário que os actos sejam conformes com as palavra?.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Tamagnini Barbosa): — Eu peço a V. Exa. que esclareça esta situação. Isto coloca-me numa situação muito delicada.
O Orador: — Eu já disse o que tinha a dizer. (Sussurro).
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Tamagnini Barbosa): — Sr. Presidente: é um caso de honra.
Pelo muito respeito que tenho a esta casa, nas mãos de V. Exa. deixo que derime a questão, e, depois de derimida, eu e o Govêrno regressaremos, sem que isso perturbe a marcha do Poder Executivo. Eu continuarei a ser Executivo.
O Govêrno sai.
O Sr. Presidente: — Está interrompida a sessão.
Eram 11 horas.
O Sr. Presidente (às 17 horas e 57 minutos): — Está reaberta a sessão.
O Sr. Castro Lopes: - Requeiro a V. Exa. que a sessão seja prorrogada até se liquidar êste incidente.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Machado Santos.
O Sr. Machado Santos: — Sr. Presidente: quando transponho a porta desta sala não é para derimir questões pessoais.
Aqui, no recinto do Senado, trato apenas dos interêsses do país e da República, que me cumpre defender. De resto. Sr. Presidente, eu nenhuma questão pessoal tinha a derimir com o Sr. Presidente do Ministério, e, portanto, não podia ter nenhum intuito de ofendê-lo.
Tendo há meses S. Exa. ousado afirmar, e sob palavra de honra, que iria investigar e punir — era S. Exa. então Ministro do Interior — os autores das barbaridades e atentados que se consentiram no Pôrto, e não tendo até hoje visto que tal se fizesse, sendo essa a causa única de se ter tornado possível o movimento sedicioso do norte, eu permiti-me atacar politicamente o Sr. Presidente do Ministério. Era esta a declaração que lialmente eu tenho a fazer a V. Exa.
Tenho dito.
Entra o Ministério.
O Sr. Presidente: — Com as declarações do Sr. Machado Santos dou por liquidado êste incidente.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Tamagnini Barbosa): — Pedia a V. Exa. a fineza de mandar ler a declaração que me consta ter sido feita pelo Sr. Machado Santos, e peço tambêm a V. Exa. que me conceda depois a palavra para explicações.
Foi lida na Mesa. Contêm as palavras acima proferidas.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Tamaguini Barbosa): — Sr. Presidente: devo declarar a V. Exa. e ao Senado que me satisfazem as declarações feitas nesta Câmara a propósito do incidente, que deu causa à saída do Govêrno desta sala, pelo Sr. Machado Santos.
Devo declarar a V. Exa. e ao Senado que não esperava outra cousa do seu carácter, a quem tenho prestado justiça.
Sr. Presidente: sem mais considerações sôbre o assunto, e apenas como elucidação para esta Câmara, eu devo lembrar a V. Exa. que, se fiz qualquer afirmação sob palavra de honra nesta casa, conforme disse o Sr. Machado Santos, eu não deixaria nunca de cumprir a minha palavra.
Não figura no emtanto nos extractos parlamentares essa declaração de honra; mas, porque o Sr. Machado Santos decla-
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rou que a tiaha proferido, dou-a como proferida e vou esclarecer a minha atitude nessa questão.
Sr. Presidente: ordenei o inquérito imediato aos factos passados, e sem que sôbre êsse inquérito viessem, ao meu poder quaisquer elementos que elucidassem meu espírito; eu não podia proceder fôsse contra quem fôsse.
Desse inquérito foi encarregado o Sr. coronel Machado, que era oficial graduado da guarnição do Pôrto.
S. Exa. terminou a primeira parte do teu inquérito e enviou-a para o Ministério do Interior.
Saído do Ministério do Inferior, eu não tinha mais que ver com os assuntos desta pasta.
Tinha, como membro do Govêrno, que desejar, e desejo, o castigo de todos os que não procedem com a lei; tinha, e tenho, o desejo de ver castigados todos aqueles que procedem de má fé, que cometem arbitrariedades, e, nestas condições, para que não se conclua destas minhas palavras referencias ao incidente ultimo com a classe militar, deve declarar que considero êsse incidente como um excesso de zelo, como e desejo de ver respeitada a obra de Sidónio Pais; e foi nestes termos que eu, falando com êsses delegados na ocasião em que eu constituía o actual Gabinete, depois da intervenção de V. Exa., do Sr. Presidente da Câmara dos Deputados e dos ilustres leaders dos partidos das duas casas do Parlamento, foi depois disso que eu, pondo assim a questão e notando-lhe o seu lado fraco, pu-la com aquela lialdade que costumo pôr as questões.
O ponto fraco desta questão era o de se acusar possivelmente o Govêrno de não punir oficiais que fizeram parte da Junta, e eu vi o momento azado para lançar uma nota bem pública da pacificarão da família portuguesa, libertar do alguns dos republicanos que estivessem presos sem culpa formada.
Muitos presos têm sido soltos, e serão todos aqueles que não estejam envolvidos em delitos de natureza comum.
Procedendo assim, procedo, penso eu, de harmonia com os desejos da opinião republicana. Mas tambêm disse na minha mensagem, que seria rigoroso, de futuro, contra atentados dinamitistas, fabricantes de bombas o portadores de armas sem autorização legal.
Neste sentido, brevemente trarei ao Parlamento uma legislação especial.
Nas minhas relações com o Sr. Machado Santos, que não me conhece de hoje, sabe S. Exa. bem o que valho como homem de palavra.
Não eram essas palavras que poderiam apoucar o meu carácter e a minha dignidade.
Vejo que S. Exa. não teve êsse intuito, mas a declaração era pública de mais para que pública não fôsse a satisfação.
Dou-me por satisfeito e testemunho através de v. Exa. ao Sr. Machado Santos as minhas considerações.
O orador não reviu.
Vozes: — Muito bem.
O Sr. Castro Lopes: — A maioria desta Câmara tinha visto, com profunda mágua, êste incidente; resolvido como foi, manifesta agora a sua moita satisfação.
O Sr. Machado Santas: — Ouvi as explicações de V. Exa. e quero provar à Câmara mais uma vez que o Govêrno que se constituiu e se apresentou hoje ao Senado não pode dar-nos garantia nenhuma de ordem e tranquilidade, porque não pode dar-nos garantia nenhuma do seu republicanismo.
Tenho aqui o Primeiro de Janeiro chegado hoje, que tem duas locais muito curiosas que passo a ler com licença da Câmara.
Leu.
Informo V. Exas. de que as tropas reúnidas na Régua estavam aí por ordem do Govêrno.
Hoje quem é republicano é formiga, é democrático, é demagogo.
Isto diz o governador civil do Pôrto, major Margarido. Note V. Exa. que a concentração Já Régua foi ordenada pelo Govêrno.
Outra local diz o seguinte:
Leu.
Quando o Sr. Presidente do Ministério dizia que tinha chamado à ordem as Juntas do norte, as Juntas procediam assim.
Em Lisboa passou-se um caso ainda mais extraordinário.
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N& noite de 23 saíram dos seus quartéis fôrças militares e então 4 como haviam de continuar a obra de Sidónio Pais, de pacificação? Começando pela prisão ou antes pelo assassinato de Machado Santos.
Era meia noite. Um sargento de lanceiros, com duas praças montadas, bateu-me à porta e disse: «Vimos prender a V. Exa. à ordem do Sr. comandante do Corpo de Tropas».
Não me deixei prender, é claro, e tentei metê-los na disciplina.
Então o mesmo sargento disse a dois guardas cívicos que fazem serviço à porta do oficial da polícia Tamagnini que não deixassem sair ninguêm da minha escada, porque ia buscar reforço para efectuar ama captura.
Um dos polícias, estranhando um tal facto, foi ao quartel da guarda que está próximo de minha casa e lá encontrou de inspecção um oficial integralista, alferes Ponte e Sousa. Êste alferes, que tem prendido todas as praças republicanas da companhia, achando azado o momento para o começo do desenrolar da «fita» monárquica, veio com meia dúzia de soldados postar-se em frente das minhas janelas, intimando-me por esta forma: «Feche a janela, se não...». E as anuas foram apontadas à minha pessoa.
Eis um bom exemplo de disciplina que prova que o movimento militar foi apenas ... um «equívoco» ao dizer do Sr. Tamagnini Barbosa.
V. Exas. já viram, por certo, o que representaria a marcha a pé dum oficial general preso, entre três cavalos, pela calada da noite nas ruas desertas da cidade...
No pronunciamento da Escola de Guerra deu-se um caso curioso: os oficiais que não tiveram a coragem de acompanhar os seus alunos, poucos, que se revoltaram, é que forneceram a êstes os percutores das peças. O comissário de polícia de Braga, capitão Sá Guimarães, abandonando o seu pOsto naquela cidade, foi quem comandou as quatro dezenas de alunos que se manifestaram.
O Sr. Jaime Leitão de Castro, ao que me informaram, não teve a coragem tambêm de sair do seu quartel general armado e equipado com os seus ajudantes e ordenanças. Foi fardar-se a casa do antigo médico da guarda municipal, Sr. Carlos Lopes, que há uns tempos atrás chegou a estar preso por conspirador monárquico.
E continua o Sr. Jaime Leitão de Castro a ser o comandante da 1.ª divisão do exército!
Na noite de 24 telefonou-se várias vezes do Ministério do Interior para as Necessidades a preguntar pelo Sr. Jaime de Castro, O general tinha se eclipsado do seu quartel e da sua moradia! Único!
Tudo isto, Sr. Presidente, se passou em Lisboa, para continuar a obra do SJT. Sidónio Pais.
E com gente desta que o Sr. Presidente da República se entendeu para organizar o Ministério; foi com gente desta ordem que o Sr. Tamagnini Barbosa se ajustou repelindo es serviços desinteressados que lhe eram oferecidos pelos republicanos.
Tenho ouvido falar nesta sala muitas vezes contra a demagogia.
Eu, Sr. Presidente, não sou demagogo, nem nunca tive entendimentos com demagogos. Durante sete anos combati a demagogia que se infiltrara no Partido Democrático e posso dizê-lo que algumas vezes o fiz, tendo por companheiros apenas os tipógrafos do meu jornal. Pela demagogia fui atacado h bomba e a tiro nas ruas de Lisboa.
Mas, Sr. Presidente, eu sou tam contrário à demagogia que se infiltrou pelos partidos monárquico e católico, como fui contrário à demagogia republicana. Ora, o que se passou e está passando ainda é obra da demagogia monárquica e da demagogia católica, que até tem feito uma especulação ignóbil com o cadáver de Sidónio Pais.
Sr. Presidente: eu conheci muito bem o Sr. Sidónio Pais; emquanto eu combatia a demagogia, o defunto Presidente era Ministro das Finanças, Ministro do Fomento e Ministro em Berlim. A obra financeira e económica de Sidónio País como Ministro passou despercebida; mas a sua obra política deu brado. Sidónio Pais associou-se... à expulsão dos bispos das suas dioceses.
Sidónio Pais como Ministro republicano fez obra de político radical e como cidadão foi um livre pensador.
Em 20 de Fevereiro de 1911 foi iniciado numa loja maçónica de Coimbra, intitulada Estrela de Alva; em 2 de Junho
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de 1912 pôs-se a coberto, porque teve de mudar a sua residência para Lisboa.
No acto da sua iniciação, declarou-se livre pensador e ateu.
Sabendo isto, admiro-me, Sr. Presidente, como se fez funeral religioso ao falecido Chefe do Estado e como se levaram os seus restos mortais para uma basílica católica.
Que estranha forma de honrar a memória de um homem, que foi Chefe dum Estado neutro em matéria religiosa!
Mas a especulação ignóbil ainda não ficou por aqui. O antigo caldo da portaria conventual, que se chama modernamente a Assistência 5 de Dezembro, serviu para fazer desfilar a miséria pelas ruas de Lisboa com coroas e raminhos de custo como se es pobres tivessem previsto a necessidade de irem amealhando as côdeas das broas intragáveis que lhes distribuem para poderem manifestar o seu pesar no epílogo duma tragédia.
Sr. Presidente: o que se está passando neste país é tam grave que eu confesso que não sei o que será o dia de amanha.
Eu não sei o que será o dia de amanhã, quando vier a reacção dêsse movimento monárquico clerical que já estava delineado, mas que só se manifestou quando mataram Sidónio Pais.
O Sr. Tamagnini Barbosa, que foi colaborador de Sidónio Pais deve saber tam bem como eu quais eram as convicções religiosas do defunto Presidente da República. O Sr. Tamagnini Barbosa, consciente ou inconscientemente, está provocando o estalar dessa reação, que e era tremenda.
O nome maçónico de Sidónio Pais era Cariyie, o historiador escoçês que viveu no meado do século passado o que publicou, anotando, as cartas e os discursos de Oliveiro Cromwel, o protector da República inglesa, com o intuito de lhe reabilitar a memória.
Na análise dos norte maçónicos descobre-se muitas vezes qual a trajectória política dos homens que os possuem.
Cromwel foi sepultado em Westminster e Sidónio Pais nos Jerónimos. Ambos tiveram funerais, de rei.
Respeitemos a memória dos mortos, não a insultemos para servir especulações políticas!
Todos dizem: vamos continuar a obra de Sidónio Pais e cada um trata de lançar o país na perturbação de que não sei como há-de sair.
Eu queria que o Sr. Presidente do Ministro declarasse o que era a obra de Sidónio Pais para que o país soubesse o que o seu Govêrno se propunha realizar.
Tive a honra de ser Ministro de Sidónio Pais durante seis meses; e eu, que sempre tive na minha bandeira política a pacificação da família portuguesa, não consegui realizá-la.
Emquanto fui Ministro do Interior, fiz todos os esforços para realizar essa pacificação e só por motivos estranhos à minha vontade ela se não pôde realizar. Mais tarde, como Ministro das Subsistências, dediquei-me à questão económica. O que ficou do meu trabalho nos Ministérios do Interior e das Subsistências viu-se. E o que se lhe seguiu viu-se tambêm: as cadeias a regorgitarem de presos e o custo da vida a, dar um salto tremendo, mercê da entrega do país às mãos dos açambarcadores.
Todas as classes estão hoje sentindo os efeitos da destrambelhada política económica e financeira ultimamente adoptada.
O Sr. Tamagnini Barbosa, que foi mais tempo Ministro do Sidónio Pais do que eu, que teve mais ocasião de sondar o pensamento do defunto Presidente da república, que exponha ao Parlamento a sua obra para se conhecer o seu programa ministerial.
A anarquia que lavra no país é bem maior do que era em 5 de Dezembro.
Podia apresentar à Câmara mais casos documentados para provar a nenhuma confiança que me aspira e ao povo republicano êste Govêrno.
Desisto de o fazer, mas eu não quero deixar de me referir a uma carta que publicamente tem circulado, assinada pelo coronel Sr. João do Almeida, dirigida ao Sr. Presidente do Ministério.
Ouvi S. Exa. dizer na Câmara dos Deputados que não tinha recebido essa carta, mais eu não vi que o Sr. coronel João de Almeida viesse publicamente desmentir que a havia escrito.
Esta carta deixa S. Exa. numa situação péssima, miseranda.
Porque, de duas uma: ou o Sr. Tamagnini, como homem simplesmente, se não
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ocupasse êsse alto lugar que está ocupando, se não tivesse as responsabilidades que tem, desafiava-o para lhe explicar o teor de tal carta, ou S. Exa. como chefe do Govêrno, mandava o Sr. coronel João de Almeida preso para o Castelo de S. Jorge. ]
O que aqui está escrito não se diz a um homem e muito menos a um Presidente de Ministério.
O que eu sei, Sr. Presidente, e que, quando se tornava público um documento desta ordem, que eu não vou ler para não fatigar a Câmara, o procedimento a seguir para com o seu autor, não é aquele que teve o Sr. Presidente do Ministério. Só um cúmplice procede como procedeu o Sr. Tamagnini Barbosa.
Não pode haver acordos com juntas militares do norte nem do sul, que consigam lavar um homem do que se lançou em rosto num documento da natureza dêste. Como o Sr. coronel João de Almeida não fez um desmentido público do que está escrito nesta carta, o Sr. Tamagnini Barbosa devia mandá-lo meter no Castelo de S. Jorge, para iniciar uma obra da disciplina social, ainda por fazer.
Um outro motivo do descontentamento que manifestei há pouco, é a escolha do chefe do Gabinete do Sr. Ministro da Guerra, S. Exa. não encontrou pessoa mais idónea para chefe do seu Gabinete, senão o oficial que desempenhou o mesmo cargo quando era Ministro da Guerra o Sr. Álvaro de Mendonça!
Ora o Sr. Álvaro de Mendonça é acusado de traição à República; e é esse homem que fica sendo indirectamente o conselheiro actual Sr. Ministro da Guerra!
Quero ainda preguntar ao Sr. Presidente do Ministério qual o motivo que imperou no seu espírito para proibir a manifestação liberal, republicana e ordeira, que se devia efectuar no domingo passado, quando esta manifestação era de apoio ao seu Govêrno.
Porque é que S. Exa. se não aproveitou da grande massa republicana que se ia manifestar nas ruas, como era do seu direito, para se impor às juntas militares e fazer entrar os oficiais na ordem?
A desculpa do estado de sítio não colhe; porque já em vida do Sr. Sidónio Pais estava declarado o estado de sítio e algumas manifestações se fizeram; o actual
Sr. Ministro do Trabalho, Sr. Enrico Carneira, foi ao Pôrto envolver-se numa manifestação reaccionária ao comissário da polícia daquela cidade, o tenebroso Solar Alegro, que ainda está tripudiando sobro a capital do norte.
O Sr. Eurico Carneira (Ministro do Trabalho): — V. Exa. está enganado.
Dou-lhe a minha palavra de honra que não saí de Lisboa.
O Sr. Machado Santos: — Os jornais é que o disseram.
O Sr. Eurico Carneira (Ministro do Trabalho): — Dou-lhe a minha palavra de honra que não saí de Lisboa.
O Sr. Machado Santos: — V. Exa. dá a sua palavra de honra, não tenho que cou-§ restar.
O Sr. Cruz Azevedo (Ministro dos Abastecimentos): — Naturalmeute há equívoco, eu é que fui convidado para um jantar oferecido ao Sr. inspector de polícia do Furto, mas na qualidade de capitão de artilharia.
Se havia política no caso. ignoro, pur-, quanto, quando me convidaram, garantiram-me que não.
O Sr. Machado Santos: — A qualidade em que V. Exa. lá foi é-me completamente indiferente.
A questão é V. Exa. pertencer a um Govêrno que proibiu uma manifestação liberal por estar decretado o estado de sítio e ter assistido a uma manifestação reaccionária no Pôrto, onde tambêm havia o estado de sítio. — Esta é que é a questão.
Não mando, Sr. Presidente, nenhuma moção de desconfiança ao Govêrno para a Mesa, por entender que isso é absolutamente inútil.
Julgo-me tambêm dispensado de fazer afirmações republicanas, porque isso seria inútil.
O Sr. Presidente do Ministério, Tamagnini Barbosa, dizendo na sua declaração ministerial que defenderá a República, conservando, no emtanto, nos comandos militares os revoltosos e outros oficiais
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que são declaradamente monárquicos oficiais que afirmam que dão apoio à República só emquanto não fôr assinada a paz — não merece nenhuma confiança ao regime. Pela minha boca falam todos os republicanos.
Emfim: o Sr. Presidente do Ministério seguirá o seu caminho e o povo seguirá o seu. Veremos quem vence.
Tenho dito, Sr. Presidente.
O Sr. Carneiro de Moura: — Sr. Presidente: decorre a sessão para a apresentação co Ministério. Eu, para não antecipar julgamentos e aguardando os actos ministeriais, não tenho senão que fazer referencias agradáveis, e dizer que me são gratas as relações que mantenho com o Sr. Presidente do Ministério. O Sr. Tamagnini Barbosa é um homem de acção, e de todos os outros Srs. Ministros, tenho ema boa impressão, impressão que vem das suas qualidades. S. Exas. não terão politicamente um passado, mas são homens de valor, e julgo dever dizer-lhes que sôbre êles impende uma grave responsabilidade.
Corra-se perigo, e o grito de alerta não diz respeito apenas a S. Exa. os Ministros. Di-lo a todos nós portugueses, que devemos empregar esforços para a salvação comum.
Os romanos, quando por toda a parte os bárbaros os invadiam, ameaçando de morte o império, banqueavam-se com bacantes, entretidos na inconsciência duma fatal imoralidade. E todos sabem o que sucedem aos bisantinos quando os turcos otomanos chegaram às portas de Constantinopla; aqueles, descuidados e neles, entretinham-se com discussões bizantinas... Quando os ameaçava uma fatal ruína, mais só dilacerávamos gregos do oriente, numa feroz luta intestina.
Nós, portugueses, é necessário que compreendamos bem a gravidade de hora presente e que saibamos que o momento não é para que se julgue que a República pede ser só a que cada um ten na sua cabeça. Res Publica, qualquer que seja o nosso credo político, filosófico ou religioso é a causa da pátria portuguesa.
Faliram políticamente os Estados na Europa? Faliram tais como antes da grande guerra existiram; e até os já que faliram económica e financeiramente; faliram pelos malfadados arranjos políticos dos politicantes...
O político pode existir como um técnico com uma função dinâmica, mas só como tal se justifica a sua existência. A política, como sciência e como arte, tem de visar à cooperação de todas as classes, para eliminar os parasitas e para proteger os desgraçados e os fracos.
O político politicante, o que faz leis e as executa à vontade do freguês, para satisfazer a voracidade da clientela, a que se referiu ainda há pouco um Sr. Senador o douto juiz do Supremo Tribunal de Justiça, que agora, não vejo presente, — êsse é necessário exterminá-lo.
É necessário, portanto, Srs. Ministros, visto que têm como Presidente do Ministério um homem do honra — e S. Exas. todos o são — que façam bem êste sacrifício pela sua Pátria: administrem, não para satisfazer clientelas, mas para salvar a Pátria em perigo. Basta de delapidação dos dinheiros públicos! Há certamente grave avaria na nossa máquina política.
Nós não nos podamos entender bem, porque já fizemos uma monarquia híbrida e depois da queda da monarquia tambêm não coubemos procurar na República uma, organização condizente com as tendências da nossa nacionalidade.
Assassinam-se chefes de Estado; depõem-se outros e a nossa vida pública continua cada vez mais intranquila. Há, portanto, que procurar as origens desta anomalia. Há muito que andamos fora das nossas tradições, dentro das quais devemos realizar as conquistas do progresso para bem das classes trabalhadoras.
Nos séculos XII, XIII, XIV e XV conseguidos uma organização política e administrativa de carácter socialista, e fomos grandes, ricos e felizes dentro dêsse socialismo cristão, que é a nossa maneira de ser histórica.
Ainda hoje em várias localidades do Minho, Trás-os-Montes e Beira assim se vive em equilíbrio, apesar das más leis que os políticos de Lisboa lhes têm querido impor.
Depois, nos séculos XVI, XVII e XVIII, com a formação das monarquias cesaristas, pervertemos a, tradição da lei das sesmarias e do nosso regime cooperativo
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sindicalista, e só podemos viver das especiarias do Oriente, do ouro do Brasa, e da escravatura.
Veio no século XIX a monarquia constitucional, grosseira imitação inadaptável do regime britânico, com laivos doutrinários, e mais nos desavançamos com tais artifícios.
O Sr. Machado Santos disso, há pouco, que o Sr. Sidónio Pais, sendo maçon, não poderia ser religioso.
Eu suponho que Sidónio Pais teve a visão da necessidade de proteger os trabalhadores e de aproximar todos os portugueses, integrando-os na causa comum da Pátria, a Respública, para agirmos dêste gachis em que temos vivido, em que ninguêm se entende e em que cada um, intransigentemente, quere impor aos outros as suas próprias crenças e planos.
Sidónio Pais, sendo maçon, não desprezou os católicos, e sendo republicano não repeliu os monárquicos.
Um político não é um homem de gabinete, e porque deve ser democrático, tem de respeitar todas as correntes de opinião, pondo-as em equilíbrio estável.
Infelizmente não têm procedido assim os nossos políticos que, dizendo-se democráticos, só tratam de impor os seus interêsses e os das clientelas que os rodeiam. Daí esta feroz luta interminável que ameaça tudo subverter.
Todos temos que transigir. Façamos alguma cousa superior à nossa idiosincrasia.
O Estado moderno não pode ser reduzido à mentalidade facciosa de qualquer política absorvente. Tal política só pode levar a uma catástrofe. Uma nacionalidade governada por facções pode ser um arraial, mas não chega a ser um Estado respeitável.
Hoje não se podem fazer leis e à vontade do freguês» nem administrar a à vontade do freguês».
Têm os Estados modernos que se administrarem em nome da Pátria e da Democracia, que é o povo organizado pela cooperação de todas as classes.
Fazer leis e administrar «à vontade do freguês» é o que entre nós se tem feito para satisfazer clientelas. Há muito que se tem abusado desta fórmula e por isso
assistimos ao actual descalabro.
Vozes: — Muito bem.
O Sr. João José da Costa: — Disse há pouco o Sr. Presidente do Ministério, quando leu o seu programa de Govêrno, que uma das cousas a fazer por êle seria a libertação dos presos políticos que não tenham culpa formada.
Acham-se presos muitos comerciantes nessas condições que, com o seu afastamento dos estabelecimentos, são altamente prejudicados, alêm de trazerem em sobressalto as suas famílias e amigos.
V. Exa. sabe muito bem que o comércio português tem sempre cumprido o seu dever, quere ordem e um Govêrno de ordem, e assim, na manifestação de sentimento pela morte do Sr. Dr. Sidónio Pais, o comércio deu o exemplo, associando-se à manifestação de pezar, encerrando as suas portas no dia do funeral.
O comércio, tendo trabalhado pela República, só por ela quere sacrificar-se como seja preciso.
É necessário que o Govêrno compreenda as necessidades da Pátria e vá ao encontro delas para honra e progresso do país.
O Sr. Adães Bermudes: — Sr. Presidente: como Senador independente, inteiramente alheio a todos os partidos, considero do meu dever dar o meu apoio a todo o Govêrno que se apresente aqui com êste programa simples: «Ordem e Trabalho», que sintetisa as verdadeiras e as mais instantes aspirações do país.
Entendo, pois, que o actual Govêrno pode ser recebido com confiança e sem reserva, porque êle é composto de homens de honra, de talento e de comprovado civismo, alguns já com direito ao reconhecimento do país pela sua larga e honrosa folha de serviços públicos, e ainda, Sr. Presidente, porque à frente do Govêrno se encontra alguém que tem evidenciado, em muitos lances perigosos e difíceis da vida nacional, o seu patriotismo e uma capacidade política absolutamente invulgar. Isto, Sr. Tamagnini Barbosa, representa uma homenagem que pode ter pouco valor, mas que tem êste: a de partir dum indivíduo que tem mantido toda a vida, livre e íntegra, a sua consciência moral.
Registo com prazer as declarações do Govêrno, de que procurará ser o continuador da obra de Sidónio Pais, obra
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que alguns, como acabo de ouvir, poderá parecer confusa e indeterminada, mas que ao meu espirito se apresenta clara e luminosa, como uma obra de saneamento moral e político, absolutamente indispensável para a reconstrução económica do país e para a pacificação da família portuguesa, sem o que em Portugal se torna impossível viver.
Entendo também que ao Govêrno cumpre aceitar com solicitude e colaboração e todos aqueles que tenham o nobre intuito e a legítima ambição de serem leis ao país, de lhe serem prestáveis desinteressadamente e dentro das instituições que êle se outorgou livremente; mas recomendo lhe que procure, sobretudo, apoiar-se exclusivamente na conferência da nação e inspirar-se exclusivamente no bem estar da nação, evitando exercer, como tantas vezes se tem feito, o seu proseletismo entre as clientelas, mercenárias e sectárias, para as quais a política consiste numa incessante e desprezível intrigalhada, num perpétuo e barulhento conflito de vaidades e de interêsses, que não deixam ouvir a voz da nação que só pede: pão, trabalho e progresso.
O Govêrno actual, que assumiu o poder numa das conjunturas mais dificeis e angustiosas da nossa história, tem o direito de nos exigir que lhe prestemos uma cooperação sincera, dedicada e patriótica; e entendo que aqueles que lhe recusarem essa cooperação assumem tremendas responsabilidades.
Aqueles que acusam o chefe do Govêrno de pôr em perigo a República fazem uma idea bem mesquinha do largo espírito de democracia que invadiu toda a superfície da terra, onde as monarquias, actualmente, não passam de excelentes repúblicas, nas quais se chama "Rei" ao chefe do Estado, reduzido a ser ima simples figura decorativa simbólica da unidade nacional.
Tambêm ouvi acusar o chefe do Govêrno de não se ter mostrado suficientemente enérgico perante as juntas militares, de ter sido pusilânime em face dessas juntas e de não ter aceitado os elementos de fôrça, e que lhe foram oferecidas, para as subjugar.
Quem faz estas acusações ao Govêrno faz-lhe, a meu ver o máximo dos elogios, porque, de facto, o Govêrno, procedendo como procedeu, salvou o país dos horrores da guerra civil. Quando mais não tivesse feito, só por êste facto o Govêrno mereceria a gratidão do país, que por intermédio de todas as pessoas de bom senso e de consciência brada aos fanáticos políticos de todos os matizes: - Basta de sangue derramado; basta de sangue!
O Sr. Severiano José da Silva: - São sete horas, hora já adiantada para largos cascurbos. A atenção da Câmara está cansada e não é possível, a qualquer, suportar mais de duas ou três horas as exposições alheias, sem que o cansaço venha. É tempo perdido fazer largos discursos nestas ocasiões; tempo perdido para o orador, e tempo perdido para a assemblea, que vai a pouco e pouco desertando.
Eu não tinha pedido a palavra e teria desistido dela se não tivesse, por uma carta que veio a público, ligado o meu nome a esta situação.
Todos aqueles que me conhecem sabem que. sempre fui republicano. Filiei-me naquele grupo que me pareceu melhor defender tais interêsses, e quando êsse grupo, todas as vezes que se prestava a ocasião de vir ao Parlamento, fugia à sua devida acção, isso me causava imensa mágua. E ao ver Sidónio Pais com a sua acção enérgica traduzir o programa dêsse agrupamento, e vendo-o desamparado, escrevi então essa carta.
Entretanto, eu já estava um pouco esmorecido.
O Sr. Sidónio Pais subiu ao poder por um acto revolucionário para cumprir um programa, que consistia num golpe contra a demagogia, integração dos conservadores no regime, e demonstração clara da nossa situação na guerra.
Com relação à demagogia, soube-se como o cumpriu.
No que respeita à integração dos conservadores, até certo ponto encheu-me as medidas, porém, em seguida sentia-me desiludido. Nesta parte conservar-me hei fiel ao programa agora apresentado.
Relativamente ao programa da guerra, , está êle inscrito no programa do Govêrno e aceito-o. Êsse programa parece-me bom.
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Não é para a demonstração das despesas da guerra; é para alguma cousa mais: para traçar o caminho do futuro, com a experiência a verdade.
É isso que espero do Govêrno na sua próxima declaração.
O Sr. Oliveira Santos: — Sr. Presidente: procurarei, como sempre que falo nesta casa, imprimir às minhas palavras a compostura que a índole desta Câmara impõe a todos os seus membros.
Devo dizer ainda que hoje, como sempre, não me preocupam retaliações de carácter pessoal e que nem sequer esqueço a gravidade do momento que passa.
Nenhuma animosidade haverá, pois, nas minhas palavras a propósito de qualquer membro do Govêrno; devo mesmo dizer que tenho certa admiração por alguns dos seus membros: conheço de perto o ilustre Ministro da Justiça, advogado distinto na cidade do Pôrto, cujas qualidades brilhantes ficaram asseguradas na sua cátedra em Coimbra e nas diferentes questões difíceis e complexas de que tem tratado no tribunal comercial daquela cidade.
Igualmente presto justiça às qualidades de inteligência e de trabalho do Sr. Tamagnini Barbosa; do mesmo modo não esqueço a inteireza do carácter do Sr. Ministro da Agricultura. Sr. Fernandes de Oliveira. (Apoiados).
Não conheço pessoalmente os outros membros do Govêrno, mas espero que os seus actos irão corresponder às graves responsabilidades que assumem quanto à história e perante as necessidades mais instantes do país, como sejam a ordem, a sua vida económica e financeira.
Lamentou o Sr. Severiano da Silva, republicano de sempre, que o programa ministerial não seja, pelo menos, um programa mínimo de governo.
Eu tambêm lamento que, em face das dificuldades com que se debate neste momento a vida de Portugal, os problemas económico e financeiro não fossem encarados de frente.
Assim, na declaração ministerial não há uma palavra sequer sôbre a nossa situação financeira, que é simplesmente pavorosa! A respeito da nossa dívida flutuante nem uma palavra, quer na declaração ministerial, quer no Diário do Govêrno, há mais de um ano!
As leis de contabilidade não são assim cumpridas: ninguêm as respeita.
Os dinheiros públicos estão sujeitos às contas de saco!
Ninguêm sabe como poderão ser fiscalizados com clareza e com verdade.
A declaração ministerial nada diz sôbre os assuntos, que mais têm ocupado todas as primeiras capacidades dos países em luta, e que cuidam da sua reconstituição interna.
Lamento que o Govêrno só se sinta assoberbado com a questão política e deixe para mais tarde estas questões que considero vitais para o país, cuja vida interna é simplesmente pavorosa de dificuldades de toda a ordem, começando pela dos abastecimentos.
Traga o Govêrno quanto antes ao Parlamento medidas financeiras e de contabilidade pelas quais se veja a aplicação dos dinheiros públicos, se possa tratar ou estudar a forma de descongestionar a assombrosa circulação fiduciária, que é um factor tremendo actuando sempre na vida e tornando incomportável o viver das classes trabalhadoras pela desvalorização da moeda.
É lamentável que sobro tudo isto nada se diga ao país.
Sôbre a promessa de dar liberdade aos presos políticos, eu já por mais de uma vez tenho dito que por êsse país fora estão presos milhares de republicanos sem culpa formada. Vê o Senado não o informei de ânimo leve, porque isto mesmo veio declarar o Govêrno ás Câmaras na sua declaração; mas o SP. Presidente do Ministério andaria melhor vindo aqui declarar que já havia pôsto em liberdade todo» os presos políticos, porque todos êsses presos são republicanos.
Tenho ouvido nesta e na outra Câmara discursos violentos dirigidos ao Govêrno relativamente à questão das insubordinações militares sucedidas no país após a formação do primeiro Ministério da presidência do Sr. Tamagnini Barbosa, e devo dizer que essas acusações não se devem dirigir só ao chefe do Govêrno, mas tambêm aos oficiais do exército que, sem uma razão forte e plausível, perturbaram o país, saindo da ordem e concorrendo para a indisciplina, êsses oficiais, na sua maioria oficiais superiores, deviam ter a noção mais esclarecida da disciplina e
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não esquecer que é ela a crise dos exércitos. Êsses oficiais assumiram umas responsabilidades tremendas perante a história e futuros acontecimentos políticos.
Queria-se um Govêrno forte?
Então um Govêrno deixa de ser forte só por que o Sr. Afonso de Melo e o general Corte Rial façam parte dêsse Govêrno!?
Govêrno forte era de João Franco e toda a gente sabe para que serviu essa fortaleza.
O Govêrno não pode sair airosamente da questão das juntas militares, emquanto não punir os oficiais que organizaram essas juntas. O exército é para manter-se às ordens do Poder Executivo, defendendo a ordem interna e a integridade nacional. É só para isso que se sustenta o exército.
E eu ponho a questão neste pé, para que mais tarde se possa fazer com verdade a história política do momento que passa e do procedimento dalguns oficiais do nosso exército.
Eu peço ao Sr. Presidente do Ministério o obséquio de me dizer alguma cousa relativamente aos graves acontecimentos que se têm passado em Vila Rial e que são já obra das juntas, sabendo-se que ali lá já a guerra civil.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior: - João Tamagnini de Sousa Barbosa): — Sr. Presidente: eu devo dizer a V. Exa. e á Câmara que, sôbre os acontecimentos de Vila Rial, não tenho até à data nenhuma comunicação oficial, a não ser a que me foi transmitida directamente pelo actual governador civil do Porto.
Sei apenas pelo telefone que os acontecimentos de Vila Real, parece estarem sanados; porêm, como já tinha dito, nenhuma comunicação oficial tenho de facto.
Eu devo declarar a V. Exa. e à Câmara o seguinte:
Em face da situação criada pelas Juntas militares, o Govêrno não podia deixar da actuar de qualquer forma: porêm eu confesso à Câmara que não quis tomar sôbre mim a responsabilidade de ser o primeiro a ordenar o disparo de um tiro.
Medi bem o alcance da situação, pensei bem as consequências que daí poderiam advir.
Devo declarar á Câmara que a concentração de fôrças que se fez não foi para atacar, mas sim para qualquer defesa.
Essa concentração de fôrças fez-se na Régua, onde só concentraram mil e tantos homens de infantaria e doutras armas, sob o comando do general da divisão que era o Sr. Barbosa, oficial distintíssimo e que conseguiu com as fôrças fiéis ao Govêrno, e sem disparar um tiro, o fim que se desejava. Mais tarde recebi no meu gabinete um telegrama do coronel do regimento, pedindo-me a demissão do comando da divisão, em vista do que tive de ordenar, por intermédio do Ministério da Guerra, que êsse comando fôsse entregue ao oficial mais graduado e que foi o Sr. Coronel Carvalho.
O Sr. Orador: — E êsse oficial era da confiança do Govêrno?
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Tamagnini Barbosa): — Devo dizer a V. Exa. que todos os oficiais são da confiança do Govêrno.
O comandante das fôrças que estavam na Régua, e noto a Câmara que isto deu--se na madrugada do dia 7, ainda não haviam chegado ao Pôrto os delegados que eram portadores da solução do conflito, seguiu sôbre Vila Rial, o, segundo informações, houve troca de tiros. Essas informações foram recebidas por mim ontem à noite e ontem à tarde; a tarde tambêm pelo Sr. Ministro da Guerra, vindas da Guarda, salvo o êrro, e à noite pelo Sr. Ministro do Comércio, por comunicações chegadas à administração geral dos correios e telégrafos, transmitidas pelo director dêsses serviços.
Devo informar que nas comunicações a que me acabo de referir se diz que o Sr. coronel Carvalho, ao assumir o comando da divisão, distituíu todas as autoridades administrativas, fazendo-as substituir por autoridades democráticas, e que as fôrças que marcharam sobre Vila, Rial seguiram sem conhecimento da solução do conflito.
Mas, como estas informações não eram de natureza oficial, eu entendi dever manter sôbre elas a reserva precisa para nada dizer ao país que não fôsse a ex-
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pressão da verdade, emitida pelos agentes do Govêrno.
Devo tambêm dizer que, ao ter conhecimento do caso, imediatamente expedi a. todos os governadores civis e comandantes militares um telegrama, dizendo que o conflito com a Junta estava solucionado e que a Junta estava dissolvida.
Nada mais. Tudo o mais são boatos e noticias que têm corrido a favor duma ou doutra, propaganda, e, nessas condições, eu comuniquei às autoridades administrativas e militares que, dissolvida a Junta e constituído o Govêrno, só a êste deveriam respeito e só às suas ordens deveriam obedecer.
Como disse, ainda não tenho comunicação oficial do caso, mas suponho que se trata dum equívoco final dum' conflito que esteve iminente. Oxalá que nada haja mais, e estou convencido de que não haverá, porque as informações do Sr. governador civil do Pôrto são de que as autoridades militares de Vila Rial comunicaram reconhecer o Govêrno constituído, que reintegrara todas as autoridades administrativas destituídas e que a coluna que marchara sôbre Vila Rial regressara ao Pôrto.
São estas as noticias que eu há pouco recebi por telegrama.
O Orador: — Como a Câmara acaba de ouvir, houve efectivamente em Vila Rial de Trás-os-Montes troca de tiros entre as fôrças fiéis ao Govêrno e as fôrças insubordinadas, isto é, as fôrças das Juntas, que SJLO monárquicas. Eu pregunto ainda ao Govêrno se já ordenou fossem enviados recursos e auxílios militares às tropas fiéis, às que cumprem os seus deveres, caso isso seja preciso.
Acuso o Govêrno de não ter jugulado duma vez a insubordinação, quando o podia fazer, na noite de 23, sem dificuldade. Dir-se-ia que não era um Govêrno patriótico, mas só os monárquicos o poderiam dizer.
Vejo, com desagrado, que um meu colega do Senado, o Sr. Dr. Afonso de Melo, foi arrastado para fora de Ministro, sem que tivesse praticado nenhum acto pelos assuntos da sua pasta. Foi isso uma imposição das Juntas, a que o Govêrno cedeu.
No Pôrto todos os serviços públicos estão desorganizados pelas Jantas, porque a
maior parte dos funcionários tem-se visto na necessidade de fugir para Lisboa, para escapar às violências da Junta militar do Norte e às torturas dos trauliteiros. O comércio está ali sofrendo imensos prejuízos.
Se o Govêrno não tem fôrça para providenciar, deve ir buscá-la onde ela se encontra, que é na massa republicana, no povo republicano que está nas prisões.
Que pensa o Govêrno fazer para acudir de pronto às fôrças que tem sob as suas ordens e que estão ameaçadas pelas Juntas?
No norte estão as prisões cheias de oficiais e sargentos republicanos que não quiseram fugir ao cumprimento dos seus deveres. Em Coimbra está ali preso um coronel de infantaria que entrou no movimento de 5 de Dezembro, estando em liberdade outros que procederam de igual modo, isto é, que se insubordinaram agora. Que pensa o Govêrno fazer a êsses oficiais e sargentos republicanos? Porque não os põe já em liberdade?
O Sr. Machado Santos: — A justiça deve ser uma só!
O Orador: — Não quero alongar-me em fazer mais acusações ao Govêrno; apenas narro os factos e tiro os corolários que entendo para bem dos interêsses do pais, das classes trabalhadoras e da República.
Não posso deixar de me referir ainda ao abuso que se tem feito nesta Câmara da palavra demagogia.
No Pôrto, desde 5 de Dezembro, tem-se praticado a mais desenfreada demagogia que é possível. Têm-se ali, como já referi, praticado assaltos a instituições sem cor política, casas particulares e até casas bancárias, assaltos que têm ficado absolutamente impunes. Têm-se espancado barbaramente republicanos indefesos.
O Govêrno não precisa do meu voto nem do meu conselho, mas eu bem desejava que êle enveredasse por outro caminho que a República exige e que é o caminho de governar com a lei, com a liberdade e com a tolerância.
Tenho dito.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (João Tamagnini de Sousa Barbosa): — Sr. Presidente: registo com
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prazer as declarações dos ilustres Senadores que usaram da palavra e declaro a V. Exa. que, se tivesse entrado nesta casa receoso de que o Senado recebesse mal o Govêrno, êsse receio desapareceria neste momento, depois de ouvidas as declarações que ouvi.
O Sr. Castro Lopes manifestou eu nome da maioria o seu desagrado pela solução da crise. Quem o não manifesta no nosso país?
Quando uma crise se tem de resolver por manifestações que por fôrça hão-de ser escutadas, que não são manifestações unânimes; quando num regime parlamentar se têm de ouvir pessoas que não fazem indicações através do Parlamento o patriotismo determina aos próprios legisladores que aceitem essas indicações, pois o contrário só pode trazer o perigo para as instituições e para a nacionalidade. (Apoiados).
Não agradou á maioria, representado, pela voz autorizada do Sr. Castro Lopes, ainda que eu julgue que S. Exa. só expressou a opinião duma parte cessa maioria, a solução da crise. Mas Só Exa. prometeu o seu apoio ao Govêrno e prometeu-o porque nem S. Exa. nem todos aqueles que como S. Exa. pensam, aduziram qualquer idea para que o condito se solucionasse doutra forma.
Agradeço tambêm, Sr. Presidente, aos ilustres Senadores Srs. João José da Cotia, Carneiro de Moura, Mário Monteiro, Adães Bermudes, Severiano da Silva, Oliveira Santos e Pinto Coelho, as suas declarações, feitas por uma forma verdadeiramente levantada e por virtude das quais eu concluo, Sr. Presidente, que não concordando alguns Srs. Senadores com a solução encontrada, aguardam no emtanto os actos do Govêrno para sôbre êles se pronunciarem.
Satisfazem-m e essas declarações. O Govêrno manifesta-se pelos seus actos. As suas casas do Congresso apreciam êsses actos e definem a sua atitude perante o Govêrno, consoante êste proceda bem ou mal.
Esta é a boa doutrina, doutrina republicana, a doutrina que o sustento.
E, quando a indicação parlamentar me disser que êste lugar deve ser reservado para outro, eu imediatamente apresentarei ao Sr. Presidente da República a minha demissão ou a demissão colectiva do Gabinete.
Acudiram alguns ilustres Senadores a rebater afirmações produzidas pelo Sr. Machado Santos. Para êsses vai em especial a homenagem da minha gratidão e da gratidão do Govêrno; e em breves palavras o Sr. Carneiro de Moura relembrou ao Sr. Machado Santos, que me parece esquecido de tudo, que a obra de Sidónio Pais se traduzia em poucas palavras: como maçou respeitou os religiosos, como republicano respeitou os monárquicos.
Sr. Presidente: desejo, muito resumidamente, porque a hora vai adiantada, responder pôr forma clara a todas as afirmações feitas pelo Sr. Machado Santos, e reservo o nome de S. Exa. para o fim, não por menos consideração por S. Exa., mas porque foi quem mais se alongou nessas considerações.
Ao Sr. Pinto Coelho eu responderei à sua pregunta: «como recebeu o Govêrno os avanços dos demagogos».
O Sr. Pinto Coelho: — Peço licença a V. Exa. para dizer que não fiz a pregunta; mas, se V. Exa. quere dar resposta, terei muito prazer em o ouvir.
O Orador: — Eu devo declarar a V. Exa. que durante êste incidente tive oferecimentos de muitos republicanos, mas nunca me aproximei dalgum que eu considere demagogo.
Êsses nunca tentaram entrar no meu gabinete, nem entram.
Respondi que todas as fôrças disponíveis estavam incondicionalmente ao lado co Govêrno, e tive uma troca de palavras, às primeiras, de agradecimento e não aceitação dêsses serviços, porque julgava que os não precisava e convencido estou hoje de que os não precisava.
AS segundas, o agradecimento pela indicação que todos me deram, como V. Exa. e os ilustres leaders da minoria me deram, de que o conflito seria bem solucionado sem se recorrer à forma violenta.
E eu, Sr. Presidente, não esqueço o que devo a mim próprio e nisso creio que os Srs. monárquicos me fazem justiça, que se a República perigasse, se eu tivesse convencido disso, eu daria o brado que a República perigava, para que todos os republicano a defendessem.
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Mas, não foi isso. E a prova viu-se, Sr. Presidente.
Vamos a trabalhar para dignificar a República, porque ela não está dignificada; vamos a combater êsse trabalho de destruição dum regime durante sete anos de demagogismo; vamos a continuar a obra de Sidónio Pais, que só o Sr. Machado Santos não conhece.
Vamos, Sr. Presidente, trabalhar mais como portugueses de como políticos. (Apoiados).
Aceitei, Sr. Pinto Coelho, alguns serviços que me foram oferecidos, mas aceitei-os no campo donde desejo que a política saia de vez, porque não deve existir, no campo militar.
Creio não errar dizendo que o Sr. general Abel Hipólito não é político, não está filiado em partido algum.
Pois disse-se que êsse general está filiado no Partido Unionista.
S. Exa. escolhera o pessoal que muito bem quisera e com êsse pessoal seguira ao seu destino. A sua missão não poderá, ser levada até o fim. O ilustre Senador Sr. Severiano José da Silva disse que o Govêrno tinha feito poucas referências relativamente ao seu procedimento futuro na administração pública. O próprio Govêrno disse isso na sua declaração. O Govêrno fará o que puder fazer e é dentro desta frase que está o seu programa.
Diz S. Exa. que o programa de trabalho não está definido e eu, respondendo a S. Exa., como respondendo simultaneamente ao Sr. Oliveira Santos, que me fez a pregunta de maneira como se acode à situação financeira, eu digo a S. Exas. que muito pouco se pode fazer por agora, porque tudo quanto se puder fazer, depende dos resultado das negociações da paz. Só depois se poderá apresentar um programa assente em bases sólidas e não agora, que seria feito sôbre cousas arquitetadas no ar. Eis porque não trouxe programa.
Tudo o que puder fazer fará o Govêrno a bom do país e todos os auxílios que lhe sejam prestados serão agradecidos pelo Govêrno.
Com respeito à dívida flutuante, devo dizer a V. Exa. que, quando eu era Secretario de Estado das Finanças, vim no dia seguinte àquele em que se me fez
esta pregunta, com documentos comprovativos e nesse dia a sessão do Senado não se realizou.
Êsses documentos provam as disposições que tenho de trabalhar com vontade.
Não gosto de publicar mapas que não estejam certos.
Sr. Presidente: passo agora a entrai-na apreciação das considerações do Sr« Machado Santos e não devo deixar sem resposta uma única frase, embora seja produzida para provocar a hilaridade.
Devo dizer que negociante de secos e molhados, não sou eu, mas S. Exa. é que o podia ser.
Parece-me que bem ficaria S. Exa. guardando êsse epíteto para outro, já que o não queira aplicar a si.
Disse S. Exa. que o Sr. Ministro da Guerra entrou por imposição da Junta.
Não. Êle entrou com assentimento meu por que excluo a possibilidade da entrada no Gabinete de qualquer pessoa que tivesse feito parte da Junta.
O Sr. Ministro da Guerra tem o mesmo chefe de Gabinete que tinha o seu antecessor.
Fora êle convidado pelo Sr. General Corte Rial para chefe do seu Gabinete.
Pediu para dêste não fazer parte, dizendo que estava muito doente à saída do Sr. tenente-coronel Álvaro de Mendonça e que não queria que, tendo o Govêrno ido contra as Juntas e contra quem com elas tivesse cooperado, não queria como chefe de Gabinete dar ordens contra o seu antigo Ministro.
Isto é nobre.
Pelo Sr. Tenente-coronel Borges tinha o Sr. Presidente da República toda a consideração.
Não vejo em que elo pudesse desmerecer do actual Ministro da Guerra, e como dentro do Gabinete estão oficiais entre os quais o filho de Sidónio Pais, vê-se que na organização dêste gabinete não há intuitos de ferir qualquer nota política.
O Sr. tenente-coronel Borges não é monárquico: é, para aqueles que o conhecem, um militar brioso.
Diz S. Exa. que a fôrça pública deve aos regulamentos essencial obediência.
Sim, mas quem ensinou a fôrça pública a ser desobediente foi o Sr. Machado Santos.
Esclareci já a doutrina lida no jornal do Pôrfo.
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Falando o Sr. Machado Santos numa carta a que se fez alusão na Câmara dos Deputados, já eu disse o que entendi poder expor a dentro da verdade.
Eu lembro que as declarações do Sr. Machado Santos são a demonstração evidente de que essa carta não pode ter crédito.
Disse-se que as forças que saíram dos quartéis foram comandas por João de Almeida.
Não é verdade.
Não vale a pena discutir documentos como a carta a que V. Exa. se referiu, e que disse conter inexactidões.
Muitas vezes êsses documentos são formulados para perturbar e intrigar ainda mais a opinião pública.
Mais uma vez, falando V. Exa. nas convicções religiosas de Sidónio Pais, se foi mexer num morto quando tanto respeito devíamos ter pelos mortos, e ainda maior por aquele grande morto. (Apoiados).
Era maçon, diz o Sr. Machado Santas. Eu não o soube nunca; mas como maçon, respeitou todas as convicções e crenças religiosas. Como maçon defendeu todas as liberdades e crenças. Como maçon pugnou por que se alterassem disposições dessa lei condenável, de Separação da Igreja e do Estado, que contém disposições que se não admitem e toleram em sistema republicano.
E V. Exa. pôs cerco eu o seu nome para essa modificação.
Quando digo isto comungo nas ideas de V. Exa. ideias que V. Exa. e defendeu quando outros protestavam. E eu estava ao lado de V. Exa.
Convicção religiosa tinha-a Sidónio Pais: tinha a religião do Bem, da Verdade, da Justiça, da Liberdade, e tinha-a como ninguêm. (Apoiado:).
Nenhuma disposição se encontrou nos seus papéis, após a sua morte, para que os funerais não fôssem religiosos.
O Govêrno fez o que devia fazer com toda a cautela: consultou a família a êsse respeito, e foi a família, foram os filhos que quiseram o enterro religioso.
Uma voz: — Muito bem. Não há que dar satisfações dêsses actos.
O Orador: — V. Exa. saber como eu tenho sido sempre; e se V. Exa. está
desgostoso, consiga dominar o seu espírito antes de fazer declarações que me confrangem e magoam, procure esclarecer-se da verdade, e depois fale.
Quanto à proibição da manifestação, devo dizer o seguinte:
Fui procurado no dia 28 de Dezembro pelo Sr. Dr. Sobral Campos, que me pediu autorização para fazer uma manifestação ao Sr. Presidente da República.
Disse que autorizaria esta manifestação, e pensava, para evitar qualquer conflito, que essa manifestação se poderia produzir sem que de maneira alguma constituísse uma provocação, visto que no dia 1 de Janeiro havia recepção em Belém ao Sr. Presidente d a República, manifestação essa que era nacional.
Os manifestantes não me disseram que iam e nenhuma resposta me deram, pelo que vi então que se tratava de uma manifestação especial.
Eu mão sabia que o fim dessa manifestação era outro e por isso tinha indicado o dia 1 de Janeiro, dia em que podiam todos os militares e civis cumprimentar êsse grande homem, que tantos sacrifícios está fazendo pelo bem do País.
Eu, Sr. Presidente, não estive em Portugal no dia 14 de Maio, mas não me esqueço dêsse criminoso movimento, não me esqueço que êle foi iniciado por um movimento dessa natureza.
Não me esqueço de que essa manifestação foi falta com o fim de preparar a opinião pública e aproveitar o momento para lançar a discórdia na família portuguesa.
Não se fez isso comigo, nem se há-de fazer.
Não foi, Sr. Presidente, por minha vontade que se proibiu essa manifestação, pois, o meu desejo seria deixá-la vir para a rua.
Foi o Sr. Presidente da República, que para evitar qualquer conflito, me disse que o seu maior desejo seria que essa manifestação fôsse proibida.
Ora o desejo de S. Exa. para mim era uma ordem, e como tal a cumpri.
Sr. Presidente: vou concluir as minhas considerações, mas antes disso quero referir-me a essa obra grandiosa do Sr. Sidónio Pais, obra que infelizmente foi esquecida do Sr. Machado Santos.
S. Exa. esqueceu-se dessa obra grandiosa da assistência instituída pela Sr. Sidónio Pais.
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S. Exa. fez da assistência o que ela devia ser no seu país, e a prova viu-a V. Exa. nessas manifestações que se fizeram pela ocasião dos funerais, viu quanto amor lhe dedicou essa multidão de pobres a quem êle soube mitigar a fome, essa multidão de criancinhas que êle soube vestir e alimentar.
Essas manifestações foram a prova mais cabal e completa do grande amor e dedicação que havia por êsse grande Presidente que foi Sidónio Pais.
Vozes: — Muito bem.
O Orador: — Quem pode esquecer a obra benemérita que o ilustre morto vinha delineando da construção de casas baratas para as classes operárias?
Creia o Sr. Machado Santos que, se outra obra não tivesse Sidónio Pais, a obra da Assistência marcaria por si só para o engrandecimento da figura moral dum Presidente da República. Mas não. Sidónio Pais fez mais alguma cousa. Declarou, por uma forma positiva, que a todos trataria igualmente sem ver ninguêm através das organizações partidárias, as quais não odiava, mas que entendia serem muitas para um país tam pequeno. Ele,— o grande Morto — queria a separação nítida de duas correntes — a moderada ou conservadora, e a avançada, e, para que tal se operasse, desejava a dissolução dos agrupamentos partidários.
No campo militar, a que mãos havia ido parar o prestígio do exército? O prestígio do exército estava entregue a um homem com cujo nome os lábios do Sr. Machado Santos seriam manchados se o proferissem. Oficiais e soldados eram tratados como feras sob a acusação falsíssima de não quererem marchar para a guerra. Não! Soldados e oficiais todos queriam marchar para a guerra; o que êles não queriam era a situação especial que lhes queriam dar no campo da luta. Para a frente iam os inimigos;; para trás ficavam os amigos! Os oficiais e soldados acusados de cobardes foram levados como carneiros, sem roupas e sem poderem despedir-se de suas famílias! Pois êsses oficiais e soldados acusados de cobardes foram os oficiais e soldados que se bateram com mais valentia nos campos de batalha! Os que se bateram com mais heroísmo em terras da França! Êsses oficiais e soldados foram nossos companheiros do 13 de Dezembro.
E disse S. Exa.: o que fez Sidónio Pais?
Que fez Sidónio Pais!... Deu um grande prestígio ao exército, e tanto, que, sendo talvez de mais, êle trasbordou nessas manifestações que nós acabamos de reconhecer como um excesso de zêlo pela sua obra!
Conservamos êsse prestígio, mas claramente, francamente, e eu espero dos oficiais, e da acção enérgica do Sr. Ministro da Guerra, a atitude atinente a demonstrar que a principal função do exército é a manutenção da ordem e a conservação das instituições. E, assim, estamos bem entregues.
Terminando, eu peço a V. Exa., Sr. Presidente, e por seu intermédio, desculpa à Câmara do tempo que lhe tomei, declarando nesta ocasião o que já ontem declarei na Câmara dos Deputados. Eu tinha uma divisa na minha vida «Pátria e República». Neste momento a minha divisa é, como creio que é a de todos os portugueses, atento o grave momento histórico da nossa nacionalidade, «República e Pátria».
Tenho dito.
O orador não reviu.
S. Exa. foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão realiza-se amanhã, à hora regimental com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas menos 10 minutos.
O REDACTOR—F. Alves Pereira.