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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
1918-1919
SESSÃO N.° 18
EM 5 DE FEVEREIRO DE 1919
Presidência do Exmo. Sr. Zeferino Cândido Falcão Pacheco
Secretários os Exmos. Srs.
Luís Caetano Pereira
Guilherme Martins Alves
Sumário. — Chamada e abertura da sessão. Leitura e aprovação da acta. Dá-se conta do expediente.
O Sr. Alfredo Monteiro de Carvalho envia para a Mesa uma proposta de aditamento ao Regimento. E aprovada a dispensa do Regimento para entrar em discussão na ordem do dia.
O Sr. José Júlio César faz considerações sôbre a arborização do país e termina enviando para a Mesa um projecto de lei.
O Sr. Nogueira de Brito faz considerações sôbre a situação do funcionalismo público.
O Sr. João José da Silva faz considerações sôbre questões jurídicas, analisando o decreto de 26 de Abril de 1918, relativo a curadoria de órfãos.
O Sr. Júlio Dantas faz considerações relativas ao extinto Teatro Normal, terminando por enviar para a Mesa um projecto de lei.
O Sr. Luís Gama faz considerações sôbre requisições de gado por parte das autoridades, respondendo o Sr. Ministra da Agricultura (Jorge Nunes).
Usa novamente da palavra o Sr. Luís Gama, respondendo ainda o Sr. Ministro da Agricultura.
O Sr. Severiano José da Silva faz considerações relativas ao mau serviço dos telefones, respondendo o Sr. Ministro da Agricultura.
O Sr. Carvalho de Almeida fala largamente sôbre a situação política do Sr. Alfredo da Silva, respondendo o Sr. Ministro da Agricultura.
Ordem do dia. —Parecer da comissão de infracções e faltas.
Usam da palavra os Srs. Severiano José da Silva, Domingos Pinto Coelho, Castro Lopes, Luís Gama, Arnaud Furtado, Oliveira Santos e Carneiro de Moura.
O Sr. Severiano José da Silva volta a falar para justificar e apresentar uma proposta.
O Sr. Presidente encerra a sessão.
Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:
Alberto Correia Pinto de Almeida.
Alfredo Monteiro de Carvalho.
Artur Jorge Guimarães.
Carlos Frederico do Castro Pereira Lopes.
Cláudio Pais Rebêlo.
Francisco Nogueira de Brito.
Francisco Vicente Ramos.
Germano Arnaud Furtado.
Guilherme Martins Alves.
João da Costa Couraça.
João da Costa Mealha.
João José da Silva.
José Júlio César.
José Tavares de Araújo e Castro.
Júlio Dantas.
Luís Caetano Pereira.
Luís Xavier da Gama.
Severiano José da Silva.
Zeferino Cândido Falcão Pacheco.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
Adolfo Augusto Baptista Ramires.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alfredo da Silva.
António Maria de Azevedo Machado Santos.
Arnaldo Redondo de Adães Bermudes.
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Constantino José dos Santos.
Domingos Pinto Coelho.
Francisco Martins de Oliveira Santos.
João José da Costa.
João Lopes Carneiro de Moura.
João Viegas de Paula Nogueira.
José Epifânio Carvalho de Almeida.
José Maria Queiroz Veloso.
Luís Caetano Pereira da Costa Luz (Visconde de Coruche).
Tiago César de Moreira Sales.
Srs. Senadores que faltaram à sessão:
Adriano Xavier Cordeiro.
Alberto Cardoso Martins de Meneses de Macedo.
Alberto Carlos de Magalhães e Meneses.
Alberto Osório de Castro.
Amílcar de Castro Abreu e Mota.
António Augusto Cerqueira.
António de Bettencourt Rodrigues.
António Maria de Oliveira Bolo.
António da Silva Pais.
Cristiano de Magalhães.
Duarte Leite Pereira da Silva.
Eduardo Ernesto de 7aria.
Fernando de Almeida Cardoso de Albuquerque (Conde de Mangualde).
Francisco do Livramento Gonçalves Brandão.
João Rodrigues Ribeiro.
João de Sousa Tavares.
José António de Oliveira Soares.
José Freire de Serpa Leitão Pimentel.
José Joaquim Ferreira.
José Marques Pereira Barata.
José Novais da Cunha.
José Ribeiro Cardoso.
José dos Santos Pereira Jardim.
Júlio de Campos Melo e Matos.
Júlio de Faria de Morais Sarmento (Visconde do Banho).
Luís Firmino de Oliveira.
Manuel Homem de Melo da Câmara (Conde de Águeda).
Manuel Jorge Forbes de Bessa.
Manuel Ribeiro do Amaral.
Mário Augusto de Miranda Monteiro.
Pedro Barbosa Falcão de Azevedo e Bourbon (Conde de Azevedo).
Pedro Ferreira dos Santos.
Sebastião Maria de Sampaio.
O Sr. Presidente: — Está, em discussão a acta.
Como ninguêm pede a palavra considera-se aprovada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 28 Srs. Senadores, número suficiente para a sessão poder funcionar.
Dá-se conta do seguinte
Expediente
Requerimentos
Pelo Ministério dos Abastecimentos, nota, das quantidades de açúcar pile, branco ou granulado autorizado a importar, quais as entidades a quem foi dada essa autorização e em que condições; qual a quantidade que o Govêrno requisitou a cada um, com quem fez êsses contratos; cópia dos contratos ou autorizações dadas para a importação do açúcar estrangeiro.— João José da Costa. Mandou se expedir.
Requeiro que pelo Ministério das Finanças e pelas repartições respectivas se me dê nota do número de toneladas de madeira exportadas nos últimos quatro anos, bem como dos respectivos valores, sendo possível.— José Júlio César.
Mandou-se expedir.
Requeiro que pelo Ministério dos Abastecimentos me seja dada nota do resultado da sindicância há tempos ordenada aos serviços do mesmo Ministério, ou que, caso não esteja concluída, se diga em que estado se encontra.— José Júlio César.
Mandou-se expedir.
Requeiro que pelo Ministério dos Abastecimentos e pelas respectivas repartições seja enviada nota, com a maior urgência, da importância dos rendimentos que têm constituído o fundo especial dos Caminhos de Forro do Estado nos últimos quatro anos, bem como das importâncias gastas dêsse fundo em cada um dos mesmos quatro anos, e ainda, o discriminadamente, do número de quilómetros construídos em cada uma das linhas no mesmo espaço de tempo.— José Júlio César.
Mandou-se expedir.
Pedidos de licença
Do Sr. Senador Artur Jorge Guimarães, pedindo uma licença. Concedida.
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Do Sr. Senador Oliveira Santos, pedindo licença para se ausentar para o norte, em serviço militar.
Concedida.
Notas de interpelação
Comunico à Mesa do Senado que desejo interpelar, acêrca do aproveitamento e utilização dos navios ex-alemães, S. Exas. os Srs. Ministros dos Abastecimentos e da Agricultura, logo que S. Exas. se declarem habilitados.— José Epifânio Carvalho de Almeida.
Mandou, se expedir.
O Sr. Alfredo Monteiro de Carvalho: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de aditamento ao Regimento do Senado.
Peço a V. Exa. que consulte o Senado sôbre se dispensa o Regimento para que ela entre em ordem do dia.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a proposta enviada para
O Sr. Presidente: — Os Srs. Senadores que aprovam o requerimento do Sr. Alfredo Monteiro de Carvalho tenham a bondade de levantar-se.
Foi aprovado.
O Sr. João José da Costa: — Sr. Presidente: em 9 de Dezembro mandei para a Mesa uma nota pedindo alguns esclarecimentos pelo Ministério das Subsistências. Desejava que V. Exa. me dissesse se já foram enviados para a Mesa os esclarecimentos que eu pedi.
O Sr. Presidente: — Ainda não senhor.
O Sr. José Júlio César: — Sr. Presidente: três problemas importantes devem merecer a atenção e consideração de todos aqueles que se interessam pelo bem do pais.
O primeiro é tratar de produzir pão que chegue para o consumo do país; o segundo tratar do problema hidráulico, pelo que todos devemos ter o máximo interêsse, procurando conseguir a irrigação, pelo menos, de 100:000 hectares de terreno, que, assim trazidos a uma produção intensiva, devem trazer-nos pão que
nos baste, pelo menos nos anos de produção normal ou quási normal; o terceiro problema é a arborização dos terrenos incultos.
Nos últimos cinco anos as matas existentes no país têm sofrido uma devastação extraordinária, e, se não falham os cálculos feitos por pessoas muito competentes, as madeiras e lenhas que foram cortadas em cada um dos últimos quatro anos devem valer nada menos de 40 mil contos.
Por aqui se pode calcular o grande número de milhares de toneladas que foram cortadas.
Segundo a opinião do eminente professor Sr. Cincinato da Costa, para a arborização dos terrenos incultos, gastando-se na proporção ,do que se gastou nos últimos dez anos, seriam necessários cinquenta séculos, nada menos de cinco mil anos!
Eu reputo êste assunto da máxima importância, e por isso vou mandar para a Mesa um projecto, por virtude do qual será aumentada a verba para arborização dos incultos do país em 200 contos, e se o Govêrno precisar de contrair um empréstimo para êsse fim eu proponho que fique autorizado a contrair um, em forma de conta corrente, até a importância de 3 mil contos.
A Direcção Geral dos Serviços Florestais administrará autonomamente as importâncias referidas, que serão empregadas, única e exclusivamente, em serviços de arborização.
Eu trato tambêm, no projecto, dos terrenos incultos dos particulares que são susceptíveis de ser arborizados. Os proprietários são obrigados a fazer plantações e sementeiras de arvoredos em todos os terrenos que não sejam próprios para cereais, nem absolutamente indispensáveis à apascentação dos seus gados. Se o não fizerem num prazo de dez anos, ser-lhe há aumentada a contribuição predial em 100 por cento.
Se, passados mais dez anos, ainda o não fizerem, ser-lhes há aumentada a contribuição em mais 500 por cento.
Esta percentagem não é tam grande que essa gente desleixada não prefira pagá-la a fazer a arborização e assim veremos considerávelmente aumentada, ao menos, a receita do Estado.
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As corporações administrativas ficam sujeitas à lei do regime florestal de 24 de Novembro de 1901; podando requerer ao Estado para que êste laça êsse serviço, o que os particulares tambêm poderão fazer ficando com o direito, conforme a lei determina, e, no caso de idemnizarem o Estado das despesas feitas, ficarem com as propriedades devidamente plantadas.
Tenho a honra de mandar para a Mesa êsse projecto, pedindo para que, dado o respectivo parecer, entre em discussão o mais depressa possível.
É um trabalho incompleto e imperfeito, mas o Senado suprirá, em seu alto critério, as suas deficiências.
Tenho dito.
O Sr. Nogueira de Brito: — Tinha-me inscrito para falar na sessão de ontem a fim de tratar dum assalto que, embora não fôsse duma importância capital, tinha, no emtanto, levantado no meu espírito certas dúvidas que desejava ver esclarecidas.
Infelizmente mais uma falta de número contribuiu para que o meu desejo não tosse satisfeito.
As últimas vinte e quatro horas, porêm, encarregaram-se de resolver e esclarecer, aquilo que da Câmara não consegui.
Manifesto, portanto, o meu profundo desgosto e formulo o meu protesto, duma forma categórica e precisa, contra a falta sucessiva de muitos Srs. Senadores, às sessões do Senado, o que representa o pouco desejo que mostram, de acompanhar os trabalhos que tanto cevem preocupar a atenção do país, neste momento grave da nossa história e revela-nos ainda mais alguma cousa que eu não desejo salientar, mas que certamente está no espírito de todos nós.
V. Exa., Sr. Presidente, dá-nos o exemplo de pontualidade e boa vontade de trabalhar e tem, por isso, o direito de procurar, por todas as formas, que seja correspondido, de forma a que não fique a impressão de que esta Câmara não trabalha ou, quando o faz, se preocupa com coesas de pequena importância.
É preciso que tal não continui a suceder nesta hora amarga da nossa vida política em que todas as nossas responsabilidades têm de ficar bem definidas perante o futuro. Faltas de número; porquê? E para quê? Não basta, Sr. Presidente, usar-se como Senador do papel timbrado que serve para a nossa correspondência, ou colocar debaixo do nosso nome, em cartões de visita, essa qualidade. Temos que a tomar a sério e sujeitarmo-nos portanto às obrigações que dela derivam.
Eu continuo, Sr. Presidente, a atacar de frente todas as questões?, e por isso não quiz deixar de lavrar o meu protesto...
O Sr. Presidente: — Eu tenho empregado todas as diligências para haver número.
O Orador: — Eu sei; por isso prestei a minha homenagem a V. Exa.
Como disse, o assunto que desejava ventilar nu, sessão anterior foi esclarecido nas últimas vinte e quatro horas; mas, porque estou no uso da palavra aproveito a ocasião para lazer considerações, que a apresentação do Govêrno me sugeri u. Em circunstâncias normais, a constituição dum Ministério, pouco preocuparia o meu espírito, mas porque o momento que atravessamos é sobremaneira grave, seja qual fôr o aspecto por que o encaremos, eu devo, francamente e com prazer declarar que a constituição do actual Govêrno me oferece todas as condições de vida para bem governar, pois estão nele representados todos os partidos republicanos e até o partido socialista, que não tinha conseguido, até hoje, ter representação nos Govêrnos.
É-me agradável um tal facto, pois espero do Sr. Ministro socialista que as várias reivindicações que têm legitimamente ocasionado, a miúdo, movimentos e perturbações de ordem, encontrem agora solução. Mas, apesar da declaração ministerial ter calado rio meu espírito pela forma simples, mas concisa, como está redigida, onde se não diz mais do que o que se deve dizer, dizendo-se, aliás, tudo; apesar disso, Sr. Presidente, confesso que uma passagem existe nessa declaração que me causa apreensão, e que é o dar-se a perceber que a missão do novo Govêrno se exercerá simplesmente no que respeita ao problema da manutenção da ordem pública, abandonando as cadeiras do Poder tam depressa esteja debelada a insurreição monárquica.
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Ora eu entendo que, efectivamente, a principal atenção do Govêrno deve ser a de conseguir a manutenção da ordem com a sufocação da revolta do norte; mas há factores que, não sendo atendidos, muito bem podem contribuir para que essa manutenção não se condiga, antes podem ajudar ao incremento da rebelião realista, preparando ambiente propício ao atear da fogueira monarquista.
Refiro-me à questão social e à questão económica.
A questão social, que neste país tem sido pelos Govêrnos descurada é e continuará a ser, se a não encararem a sério, o motivo, legitimamente aceite, para perturbações de ordem que nascem sempre do facto de não serem reconhecidos direitos que as classes que produzem a todo o momento, agitam com. o maior dos seus entusiasmos, servindo as suas mais legítimas aspirações, na conquista de regalias que condensam as suas reinvidicações e a cuja satisfação se tem consagrado atenções dos Govêrnos de todos os países, ainda mesmo durante a guerra, como na França e na Inglaterra, onde êsses assuntos são tratados com a maior ponderação e interêsse.
E, Sr. Presidente, em Portugal a classe operária bem merece êsses cuidados, pois não hesita em derramar o seu sangue pelo seu ideal de libertação, como ainda há pouco tivemos ensejo de admirar, nessa épica escalada da Serra de Monsanto, em que na defesa da República, os sindicalistas e anarquistas, pondo à margem o seu antagonismo com a doutrina do Estado, se lembraram de vir em socorro da idea republicana, só porque ela tocava mais de perto à sua aspiração revolucionária.
A questão social liga-se intimamente a questão económica, para a solução da qual já estamos fartos de promessas que se não cumprem, de medidas que só não adoptam. Neste ponto muito especial posso eu dizer alguma cousa, Sr. Presidente, porque represento no Senado a classe dos funcionários públicos que tam pouco tem merecido dos Govêrnos, sendo ela uma das mais sacrificadas, por virtude da guerra europeia, que, dir-se-ia, ainda não terminou; tal a carestia que ainda pesa sôbre as classes menos abastadas.
As classes operárias tem podido movimentar-se e fazer-se ouvir pelos Poderes Públicos; umas vezes fazendo greves, outras, mais pacificamente, sem necessitarem de recorrer a êsse processo de luta. A minha classe, porêm, tem-se conservado sempre imóvel, insensível, apertada dentro das malhas dos seus regulamentos, sem que a sua passividade provoque da parte dos Poderes Públicos o mínimo interêsse, que nem sabem ver que ela é o seu principal colaborador; colaborador paciente que tudo suporta sem um queixume, sem um assomo de revolta, porque, Sr. Presidente, todos nós temos o direito de exigir, alêm do que nos pertence, como remuneração do nosso trabalho, aquilo que à vida nos é indispensável, como fazendo parto dum mundo em que êsse direito não deve somente ser privativo dos privilegiados da sorte.
Sr. Presidente: impõe se desde já uma remodelação geral dos funcionários públicos, baseada principalmente na unificação dos vencimentos, e na mais completa uniformidade das categorias que bastas vezes tem servido de obstáculo à primeira condição que citei.
Nada se tem feito até hoje que coloque os funcionários públicos em situação igualitária e contra isso nós temos o direito de levantar o nosso protesto.
Eu bem sei que estamos subordinados a Poderes junto dos quais, mercê de regimentos draconianos, nem sequer podemos, um pouco mais de alto, erguer a nossa voz; pois nem ao menos temos uma associação de classe que seja o porta-voz dos nossos clamores. Isso, porêm, não evita que eu, como representante da classe no Senado, reclame em seu nome todas as medidas que tendam a desagravar a nossa situação moral e pecuniária.
Há outro ponto que deve ocupar a atenção dos Govêrnos: é o recrutamento do funcionalismo.
Eu vejo, por vezes, o ingresso, dentro das fileiras burocráticas, de elementos que vão muitíssimas vezes estorvar o esforço da respectiva classe no serviço que desempenha, o que causa greves prejuízos.
É preciso, portanto, que se faça uma selecção no recrutamento do funcionalismo na entrada para os vários quadros garantindo o prémio ao bom e efectivo serviço do funcionário, respeitando ao mesmo
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tempo os seus legítimos direitos já adquiridos.
Sr. Presidente: os meus eleitores sabem bem que mais que a minha competência, ou ilustração, vale indubitavelmente o desassombro que ponho nas minhas opiniões e que, sem temer pressões de qualquer espécie, seguirei o caminho que meu dever de seu representante me impõe, pois, como pessoa honesta que me prezo da ser, hei-de defender os interêsses da minha classe, custe o que custar.
Tenho dito.
O Sr. João José da Silva: — Sr. Presidente: continuarei a singrar nas mesmas águas, em viagens intermitentes de pequena cabotagem e terra a terra, seguindo a minha derrota entre os escolhos e baixios da Secretaria de Estado, ou Ministério dos Negócios da Justiça Q Cultos, sem a ameaça fermente dos monstros utulantes que a fantasia do épico genial da odisseia fez surgir, nos pinhascos insondáveis de Scila e Caribdes. Estou muito à minha vontade e livre de quaisquer embargos e mal olhados.
E meu intuito, e parece ser meu fadário, chamar a atenção do Govêrno e da comissão parlamentar respectiva, para alguns decretos publicados pela dita Secretaria de Estado e com os quais não podem haver quaisquer contemplações.
Creio que a minha palavra não será vox clamantes in deserto.
Tem agora a sua vez o decreto n.° 4:168, de 26 de Abril de 1918.
Êste decreto é um aditamento, ampliação, ou quer que seja, ao regulamento do registo predial de 20 de Janeiro de 1878, com uma tabela anexa, em substituição da tabela de emolumentos das Conservatórias, aprovado por decreto de 24 de Abril de 1873.
Una das faculdades mais importantes, talvez a primacial, do Poder Legislativo consiste em fazer leis, interpretá-las o revogá-las, e como não me consta que tenha sido até agora promulgado qualquer diploma legislativo, discutido e aprovado pelo Congresso na actual sessão, convirá que ao menos sejam revogados ou alterados alguns dos referidos decreto? mal engendrados que foram expedidos pela dita Secretaria de Estado.
No decreto de 26 de Abril de 1918 encontram-se algumas inovações, que destoam dos princípios gerais de direito, princípios que costumo muitas vezes invocar, porque devem ser êles a pedra angular, a base fundamental de todas as construções legislativas.
Alêm disso as mesmas inovações são desvantajosas ao serviço público, e oneram som um gravame inaudito os já derreados contribuintes que são sempre o nem pagam as favas que os outros hão-de comer.
A frase pode não ser curial, mas como expressão simbólica dá passividade e subserviência irreflectida e inconsciente dos contribuintes, não conheço outra que melhor exprima o pensamento.
Antes da publicação do decreto de 26 de Outubro de 1836 não havia entre nós a instituição do registo predial, devidamente organizada, começou então a esboçar-se permitindo-se o registo de embarcações e prédios; mas antes dessa época era requisitada e estava suficientemente garantida a propriedade individual, porque havia amor de família, havia lialdade entre amigos e vizinhos, eram mais austeros os costumes dos povos, mais afectuosos e humanitários os seus sentimentos e a ética cristã evitava muitos abusos, muitas depredações e muitos crimes.
O registo predial é u ma instituição prestimosa e bela, destinada a salvaguardar e defender os direitos e legítimos interêsses de proprietários e credores, mas seja conveniente que apesar dele, se adoptasse um sistema qualquer de identificação matemática da propriedade, como é o sistema Terrenos, que por meio de operações cadastrais, isto é, por meio de operações técnicas de agrimensura e artes acessórias, delimita com inteira exactidão o domínio do que a cada um pertence, mas emquanto não se puder atingir esse grau de perfeição convirá que sejam coerentes e harmónicas as alterações ou modificações que houver de introduzir-se na economia do registo predial.
Ora, como disse, as inovações que se encontram no decreto de 26 de Abril de 1918 são esdrúxulas e destituídas de senso comum, e não podem por isso merecer a minha aprovação.
As palavras da lê devem ser pesadas como diamantes, na frase preconizada de
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Bentham e não é com um movimento de ombros ou com uma exclamação banal que se resolvem as dificuldades com que os jurisconsultos mais experimentados tropeçam muitas vezes na interpretação das leis.
Mas concedendo, pôsto que não admitindo, que a todos os curadores dos órfãos, gerais e não gerais, incumbe a obrigação de fazer registar os prédios e direitos imobiliários registáveis que tenham «ido apresentados em partilha judicial a menores ausentes sem procurador e interditos, em tal caso a disposição consignada no artigo é contrária aos princípios gerais de direito, porque, segundo dispõem os artigos 137.°, 317.°, §6.°; 321.°, 337.°, 349.° e 356.° do Código Civil e 9.° e parágrafos do Código do Processo Civil, são os pais, tutores e curadores que têm legitimidade para representar em juízo e fora dêle os menores interditos e ausentes, não havendo incompatibilidade de interêsses, como não há no presente caso, e os curadores dos órfãos são apenas bens protectores natos.
Quanto a ausentes, pensei eu prima fade que os ausentes a que se refere o artigo seriam os ausentes em parte incerta e de que não há notícias, mas êstes podem estar enquadrados no regime da curadoria provisória ou definitiva e são seus curadores provisórios ou definitivos que os representam em juízo ou fora dele; mas não é assim, pois que a palavra «ausente», empregada em toda a sua generalidade, compreende todas as pessoas que estão fora do lugar da sua residência, perto ou longe, por muito ou pouco tempo e haja ou não notícias de tais pessoas.
Farei a análise apenas necessária, para não ser fastidioso, dos artigos 4.°, 5.°, 6.° e 8.° do citado decreto, transitando depois para a tabela de emolumentos. E possível que as considerações que vou expender desagradem a alguém e firam susceptibilidades e interêsses, mas eu estou aqui para defender o interêsse público e foi para êsse fim que os meus constituintes me outorgaram o seu mandato, embora não seja hostil ao interêsse particular, quando êle não colida com o interêsse público, que é o interêsse de todos nós. Não tenho interêsse algum pessoal no assunto.
Não sou rico homem nem homem rico: sou plebeu e possuo apenas uns farrapos de propriedade rústica que pouco valêm, embora me ajudem a viver.
Farei a análise dos sobreditos artigos pela sua ordem numérica. Artigo 4.°:
Leu.
Êste artigo está mal redigido, comquanto se lhe possa passar um salvo-conduto como gramaticalmente correcto; mas não me ocuparei da sua forma literária, porque não sou mestre da língua nem estilista.
A disposição consignada no mesmo artigo impõe aos curadores gerais dos órfãos a obrigação de submeter a registo quaisquer prédios ou direitos imobiliários registáveis que forem adquiridos em partilha judicial a menores, interditos e ausentes, sem procurador.
Ora, como curadores gerais dos órfãos só os há em Lisboa e Pôrto, conforme é expresso no artigo 117.° do regulamento de 24 de Outubro de 1901 e como, segundo os princípios basilares da hermenêutica jurídica, na lei não há palavras ociosas e inúteis, não há palavra a mais nem palavra a menos, há-de concluir-se lógica e juridicamente que só aos curadores gerais dos órfãos incumbe a dita obrigação e, por consequência, que êste artigo só é aplicável nas comarcas de Lisboa e Pôrto.
Mas, se assim é, não sei eu e ninguêm poderá dizer-me qual a razão porque não foi imposta a mesma obrigação aos delegados de procuradores da República como curadores natos dos órfãos e não curadores gerais, nas outras comarcas.
E assim, se qualquer de nós fôr dar um passeio ao Minho, e entretanto lhe fôr adjudicado em partilha algum prédio, sem direito imobiliário registado na comarca de Lisboa, onde não fossem processados, tomará logo o curador geral dos órfão o caso à sua conta, requerendo o competente registo na conservatória respectiva. Isto parece-me um desconchavo hilariante, irrisório e que não merece as honras de crítica.
Diz o artigo 5.°
Leu.
Parece que êste artigo acabou com a& justificações avulsas para habilitação de herdeiros, prescritas pelo artigo 507.° do Código de Processo Civil, bastando para
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estabelecer e firmar o direito à sucessão hereditária que três testemunhas de reconhecido crédito declarem em instrumento, ou escritura pública que não existe nenhuma outra pessoa que, segunda a lei, prefira na sucessão aos pertensos herdeiros, eu que com êles concorra à herança.
Segundo o Código do Processo Civil quem precisasse de habilitar-se como herdeiro de pessoa falecida intentava em Juízo a competente acção de justificação avulsa em que eram citadas, por éditos quaisquer pessoas incertas que se julgassem com direito à sucessão hereditária, e o juiz julgava habilitados por sentença aqueles que provarem ter direito à sucessão. Não atendeu o autor do decreto r. que podem existir pessoas incertas com direito à herança, mas desconhecidas das testemunhas, e a que estas podem ignorar as regras jurídicas da sucessão, acêrca, das quais os próprios letrados algumas vezes hesitam e ficam preplexos. Podem figurar se várias hipóteses em que as dúvidas hão-de assaltar os mais esclarecidos jurisconsultos. Como é pois, que as três testemunhas de reconhecido crédito hão-de afirmar, peremptoriamente, que tais ou quais indivíduos são os únicos herdeiros da pessoa falecida, e que não há outras que lhes prefiram ou concorram com êles à herança? Isto é de primeira intenção, e as facilidades concedidas pelo artigo não tem justificação possível.
Diz o artigo 6.° o seguinte:
Leu.
Antes os escrivães de fazenda, actuais secretários de finanças, davam baixa nos manifestos, quando os credores lho requeriam verbalmente, declarando que estava pago o seu crédito. Eram êles as únicos interessados nessa baixa, e certamente não a haviam de requerer, se o seu crédito não estivesse realmente satisfeito, porque bem sabiam que não lhes era permitido demandas em juízo e sem pagamento, sem certidão de manifesto.
Agora são os credores obrigados a fazer cancelar o registo da inscrição de crédito hipotecário e a exibir perante o secretário de finanças uma certidão dêsse cancelamento ou a declaração de que o crédito não foi registado para que êle mande dar baixa ao manifesto. A importância das despesas com êstes actos, e diligências representa um encargo para os credores, sem proveito seu, nem da Fazenda Nacional, mas somente para gáudio do conservador; e alêm das despesas os incómodos e o dispéndio de tempo que podia ser melhor aproveitado.
Diz o artigo 8.° o seguinte:
Leu.
Êste artigo podia dispensar-se, porque, estatuindo o artigo 947.° do Código do Processo Civil, que o juiz, na sentença que julgar a encontro de credores, como incidente a qualquer processo em que só tenha efectuado arrematação de bens, mandará cancelar os registos de hipotecas, penhoras e arrestos que caducaram; e não podendo fazer-se um cancelamento sem a exibição de documento suficiente, é manifesto, que o conservador não pode fazer o cancelamento de registo de penhoras e arrestos, sem que se lhe apresente certidão de sentença transitada em julgado que o assim o tenha ordenado.
O Sr. Presidente (agitando a campainha): — V. Exa. só tem mais 2 minutos para usar da palavra.
O Orador: — Então ficará o assunto para outra vez.
O Sr. Júlio Dantas: — Sr. Presidente: duas palavras apenas, a que me obriga a consideração dos interêsses artísticos que aqui represento.
Foi publicado recentemente, em 13 de Dezembro último, creio eu, um decreto retirando à sociedade artística a concessão do Teatro Nacional Almeida Garrett, nomeando uma comissão para propor, até 30 de Março, as bases dum futuro regime de exploração, e mantendo a todos os actuais societários, qualquer que seja êsse futuro regime, o direito à aposentação pelo cofre de subsídios e socorros.
Quanto à cessação da concessão nada tenho que opor.
Quanto aos trabalhos da comissão, a que pertenço, tenho a dizer que, passados quási dois meses, ela ainda não foi convocada, e, por conseguinte, ainda não reuniu. Peço a V. Exa. que transmita esta informação ao Sr. Ministro da Instrução Pública.
Quanto ao direito de aposentação pelo cofre, mantido aos societários, devo afirmar que êle é absolutamente platónico.
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Prova-se, pelo exame dos balancetes mensais, que o cofre de subsídios e socorros do Teatro Nacional não pode pagar mais pensões a aposentados. E não pode, porque há oito anos que o Govêrno e o Parlamento colaboram na sua ruína, diminuindo-lhe as receitas e aumentando-lhe os encargos de forma abusiva e incomportável. Assim, desde 1914 que não lhe é paga a quantia anual de 4.896$, importância das pensões vagas pelo falecimento dos aposentados do antigo Teatro Normal, que para o mesmo cofre deve reverter nos termos da carta de lei de 29 de Julho de 1899, não revogada por qualquer diploma ulterior. O Estado não só não paga ao cofre do Teatro o que lhe deve, criando-lhe dificuldades, mas tem agravado ainda essas dificuldades, obrigando-o ao pagamento ilegal de pensões extraordinárias concedidas a artistas que nunca fizeram parte da sociedade, e que, por conseguinte, não tinham direito a aposentar-se pelo cofre duma instituição a que não pertenciam, como são Joaquim de Almeida, Verdial e Ana Pereira. A consequência disto é não haver verba para pagar a pensão de reforma aos verdadeiros societários que amanhã se invalidem.
Entendo que o Parlamento deve prover de remédio uma situação que êle próprio criou. Nessa conformidade, mando para a Mesa um projecto de lei determinando que continue em vigor o disposto na carta de lei de 29 de Julho de 1899 e decreto de 1 de Setembro do mesmo ano, em virtude das quais revertem para o cofre do Teatro Nacional Almeida Garrett as importâncias das pensões vagas pelo falecimento dos artistas aposentados do antigo Teatro Normal, e mandando restituir ao mesmo cofre as pensões atrasadas não pagas desde 1914. Tenho dito.
O Sr. Luís Gama: — Sr. Presidente: pedi a palavra para tratar dum assunto muito urgente.
Tenho o máximo prazer em ver que está presente o Sr. Ministro da Agricultura, e, como tal, não quero deixar passar esta ocasião, Sr. Presidente, sem apresentar ao Sr. Ministro da Agricultura os meus cumprimentos e, ao mesmo tempo, deixar de frisar a satisfação que a minha classe tem em ver S. Exa. no luar que ocupa.
Folgo em ver S. Exa. sentado naquelas cadeiras, e folgo até imenso, e sou tanto mais sincero no que afirmo quanto é certo que, se amanhã entender o contrário, di-lo hei da mesma maneira com toda a franqueza.
O assunto de que vou tratar é, como disso, referente a dois telegramas recebidos na Associação de Agricultura.
O primeiro é de Évora e diz:
Leu.
Era para isto que eu queria chamar a atenção do Sr. Ministro da Agricultura a fim de que S. Exa. dêsse as necessárias providencias para que o governador civil em questão, que não sei quem é, não possa estar a requisitar o que bem lhe parecer e «porcos à perna».
Requisitar «porcos à perna» não é, como se pode julgar, uma cousa indiferente. Trata-se de se ir a uma manada e escolher os porcos que se quiserem, o que não é razoável.
Parece-me que é conveniente fazer estas declarações. Eu não tenho porcos. Carne de porco só tenho a que compro nas salchicharias. Falo desta forma por que é justo, mais nada.
Compreende-se, perfeitamente, que nada autoriza o Sr. governador civil a andar a requisitar «porcos e perna». Isto é duas vezes arbitrário; é uma extorsão, juridicamente falando.
O outro telegrama, firmado pelo Centro Agrícola de Évora, diz:
Leu.
A linguagem a empregar para êste telegrama não é, Sr. Presidente, a mesma para aquele a que acabei de me referir.
Eu compreendo perfeitamente que a autoridade militar tinha necessidade de requisitar uns solípedes. Mas a questão não é só requisitar, é ver tambêm como se requisita.
Não se podem requisitar todas as muares. Pode fazer-se a sua requisição, mas sem paralizar os serviços agrícolas. (Apoiados).
O Sr. Ministro da Agricultura é tambêm agricultor. Portanto pesará a justiça das minhas palavras tam bem como eu.
Nada mais, Sr. Presidente.
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O Sr. Ministro da Agricultura (Jorge Nunes): — Consinta-me V. Exa., Sr. Presidente, que eu, na sua pessoa, saúde a Câmara toda.
Sendo esta a primeira vez que falo nesta casa do Parlamento, aproveito a ocasião para agradecer as palavras lisonjeiras que me foram dirigidos quando da apresentação do Ministério, assim como os elogios que agora me fez o Sr. Luís Gama.
Eu procurarei honrar êste lugar dentro das minhas fôrças com toda a lialdade.
Com relação ao ponto a que o Sr. Luís Grama se referiu, telegrafou-se para o governador civil, que disse tratar-se apenas da execução dum edital, e hoje o Govêrno pediu àquela autoridade que mandasse, com a máxima urgência, cópia dêsse edital.
Se alguma arbitrariedade foi cometida pelo Sr. governador civil, ela há-de de ser reparada.
Uma vez que, num momento difícil, me forçara a aceitar êste lugar, creiam V. Exas. que, no cumprimento do meu dever, não deixarei de pugnar pelos legítimos interêsses.
Como só agora tive conhecimento de que no mesmo distrito se estava procedendo a uma requisição de muares, chego a supor que é qualquer providência da autoridade militar, mas, logo que daqui retire, procurarei o Sr. Ministro da Guerra, de maneira a que se possa chegar a uma conciliação dos interêsses da agricultura e dos da defesa da República.
O Sr. Luís Gama: — Pedia que a Câmara me deixasse usar ainda da palavra.
Vozes: — Fale.
A Câmara, consultada, consente que S. Exa. e use de novo da palavra.
O Sr. Luís Gama: — Agradeço a resposta do Sr. Ministro da Agricultura, mas deixe-me lembrar-lhe um alvitre, e era que o Govêrno mandasse suspender a execução do edital mediamente, enquanto não chega a cópia, visto que da pequena ou grande demora na sua chegada podem resultar prejuízos incalculáveis.
Diário das Sessões do Senado
O Sr. Ministro da Agricultura (Jorge Nunes): — Vou comunicar o desejo de V. Exa. ao Sr. Ministro do Interior, e estou certo de que serão dadas imediatas providências, pelo menos emquanto se não toma conhecimento completo do edital.
O Sr. Presidente: — Comunico à Câmara que deu a hora de se passar à ordem do dia. Mas como o § 1.° do artigo 41.° do Regimento autoriza o Presidente a neste caso continuar a conceder a palavra aos Srs. Senadores que a hajam pedido para quando esteja presente algum membro do Govêrno, dou a palavra ao primeiro orador inscrito, o Sr. Severiano José da Silva.
O Sr. Severiano José da Silva: — Desejava que estivesse presente o Sr. Ministro do Comércio, mas como S. Exa. não esta nesta sala peço ao Sr. Ministro da Agricultura que lhe transmita as considerações que vou fazer.
Todos os dias, a todas as horas, nós somos incomodados, pela forma como funcionam os telefones.
É urna cousa horrível! Ainda há momentos, estando eu a falar para o Ministério da Justiça, uma empregada da estação permitiu-se o direito de cortar a ligação, não tendo maneira de continuar a falar para lá.
Todos sabem como funciona o serviço dos telefones, não sendo, portanto, necessário citar factos. O que é preciso é dar remédio ao mal.
Outro dia vinha publicado no Diário de Noticias um comunicado do Sr. Schroester, lembrando ao Sr. Ministro do Comércio que em tempo se tinha feito o necessário estudo ou plano para a construção duma rêdeem Lisboa, explorada pelo Estado, que seria o seu detentor.
O Sr. Adães Bermudes: — O serviço dos telefones deve ser municipalizado.
O Sr. Severiano José da Silva: — Ora eu sei que o Estado já tem a sua rêde, tanto aqui como no Pôrto, mas simplesmente aberta à subscrição pública inter-urbana (entre Lisboa e Pôrto). O que falta é a linha à subscrição pública inter-
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-urbana (dentro de Lisboa e dentro do Pôrto). (Apoiados).
O facto existe, e eu pedia que se transmitisse ao Sr. Ministro do Comércio êste desejo e de que êle fôsse pôsto em prática,
O Sr. Ministro da Agricultura (Jorge Nunes): —Eu comunicarei ao meu colega essas considerações, que tomará decerto na maior atenção.
O Sr. Carvalho de Almeida: — O assunto de que vou tratar tê-lo-ia já tratado noutra sessão se para isso tivesse tido ensejo.
Faço-o, agora, visto que está presente um membro do Govêrno.
O que tenho de dizer é pouco.
Embora reconheça que neste momento todos os esforços dos republicanos se devem concentrar em volta do Govêrno para que assim resulte a vitória da República entendo que não devo deixar de fazer sentir ao Govêrno que estranho que êle não tenha tomado medidas enérgicas e eficazes contra os inimigos da República que se deparam por essas ruas de Lisboa e que chegam até a sentar-se aqui nas cadeiras do Senado.
O Sr. Presidente: — Essas afirmações...
O Orador: — Eu quero referir-me ao Sr. Alfredo da Silva e produzirei provas insofismáveis. Eu vou até à imprensa, se aqui não puder falar.
O Sr. Presidente: — S. Exa. não pode estar a fazer dessas afirmações.
O Orador: — Nessas condições desisto de falar e o Senado registará as palavras de V. Exa.
O que lamento é a ausência do Sr. Alfredo da Silva.
Não contava com a ausência do Sr. Alfredo da Silva, porque costumo sempre fazer as acusações em frente das pessoas.
Lamento a sua ausência.
O Sr. Presidente: — Nesta sala é que não pode fazer essas acusações. Não é muito próprio numa assemblea destas.
O Orador: — Numa assemblea em que não insulto, em que provo as afirmações que faço.
O Sr. Oliveira Santos: — Em pleno Parlamento Francês fazem-se acusações violentíssimas.
Deve falar.
O Sr. Nogueira de Brito: — É uma questão que entendo indispensável se esclareça.
S. Exa. faz uma acusação, mas vai mais longe: diz que tem provas. O Sr. Carvalho de Almeida não se limita a dizer essas acusações; afirma haver nesta sala revoltosos.
O Sr. Oliveira Santos: — Evidentemente é uma cousa grave.
Vozes: — Fale, fale...
O Orador: — Agradeço ao Senado. E uma intimação que me é feita.
Dizia eu que era de estranhar êste procedimento do Govêrno.
Há por Lisboa, em liberdade, revoltosos. Ainda ontem vi o Sr. Joaquim Leitão na Rua do Ouro, que todos conhecem como monárquico e se bateu pela causa monárquica.
O Sr. Alfredo da Silva é -cúmplice dos revoltosos e é germanófilo.
Vozes: — Provas, provas.
O Orador: — Não posso dizer tudo duma vez: de vagar se vai ao longe.
É extraordinário que êste Govêrno não tenha sido informado pelo Govêrno transacto.
E de estranhar que homens nas condições apontadas andem em plena liberdade; e continuem a fazer parte de corpos políticos, como é o Senado, uma das mais altas corporações nacionais.
No Ministério do Interior existe completamente instruído um processo feito pela polícia inter-aliada, e nesse processo prova-se que êsse senhor tinha entendimentos com alemães e que dentro da Companhia União Fabril existem capitais alemães.
Prova-se que tinha entendimento com o inimigo.
O Sr. Oliveira Santos: — Isso é uma declaração sensacional.
O Orador: - Eis os elementos de prova;
Leu.
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A êste membro do Comércio da Câmara Inglesa referir-me-hei daqui a momentos.
Leu.
Dias depois recebi outro oficio do Ministério dos Negócios Estrangeiros, porque tive receio de que o Sr. Alfredo da Silva, valendo-se mais uma vez dos seus processos habilidosos, fôsse capaz de pretender iludir o funcionalismo do Ministério.
O Sr. Presidente: — Assim não pode V. Exa. continuar a falar.
O Orador: — Não pode haver qualquer cousa de deprimente para estas entidades nas minhas palavras.
Receando que não houvesse qualquer procedimento por parte da comissão, enviei às legações inglesa, francês, e dos Estados Unidos da América esta comunicação:
Leu.
Esta comissão tinha sido criada e organizada precisamente para êste fim, mas responde que não tem competência justamente para aquilo para que foi criada.
Leu.
Tratava-se de coligir, para fazer estatística dos bens dos alemães e estrangeiros existentes; e isto não estava nas suas atribuições?
Não compreendo.
Leu.
Foi enviada cópia desta carta às legações inglesa, francesa e dos Estados Unidos da América.
Leu.
Recebi o seguinte:
Leu.
Êste documento existe na Repartição da polícia inter-aliada, cuja cópia está, autenticada com o sêlo em branco do Ministério do Interior e assinada por todas as testemunhas que assistiram a êsses depoimentos e pelas pessoas que depuseram.
Entre elas estavam catorze membros da polícia inter-aliada, que são oficiais dos exércitos inglês, francês, italiano e dos Estados Unidos da América do Norte.
Por virtude da troca de correspondência com estas legações, porque eu duvidava da sinceridade dos seus trabalhos...
O Sr. Afonso de Melo: — V. Exa. dá-me licença? Essa comissão não tinha nada com êsse assunto.
Julgo do meu dever pôr S. Exa. ao corrente do caso, para que não se façam insinuações que possam atingir os seus membros.
O Orador: — Não estou aqui fazendo insinuações pessoais; apenas estou citando factos. Não está no meu ânimo o propósito de ofender os membros dessa comissão, porque nem sequer os conheço de nome.
Mas, como ia dizendo, foi em resultado dessa correspondência a que fui chamado ao Ministério do Interior pelo chefe da policia inter-aliada, que me preguntou o que sabia sôbre o caso.
Referi o que sabia, dizendo-me êle que produzisse as provas, pois que há muito tempo que tinham desconfiança disso, mas que não tinham as necessárias provas jurídicas.
Disse-lhe: reúna V. Exa. aqui todos os membros que constituem a polícia inter-aliada em Portugal que eu venho produzir essas declarações, na certeza, porêm, de que eu desejo que tudo quanto aqui se passar nesta sala seja lavrado um auto, por todos nós assinado, e do qual acará em meu poder uma cópia devidamente autenticada, com o sêlo em branco.
Foi em resultado destas minhas declarações que a polícia inter-aliada intimou as pessoas que depuseram perante ela, e cujos nomes eu tinha declinado, a comparecerem.
O Sr. Oliveira Santos: — V. Exa. tem por ac£,so aí êsses documentos?
O Sr. Carvalho de Almeida: — Não os tenho, mas, se V. Exas. querem, dentro de meia hora tê-los-hei aqui. Mas êsses documentos existem no Ministério do Interior, no gabinete da polícia inter-aliada.
Em tenho em meu poder cópias, que se encontram no meu cofre, e dêles só tiro as públicas formas que necessitar para os devidos efeitos, porque receio que se extraviem e não poder provar a acusação que fiz.
Entretanto, se V. Exas. desejam, eu não preciso mais do que ir buscar êsse documentos, ou, se V. Exas. querem, fá
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-lo-hei amanhã. V. Exas. compreendem que eu sou incapaz de fazer afirmações que não possa provar, e prová-las-hei diante do Senado, exactamente como as provei diante dessa comissão.
O que estranho é que um indivíduo que é monárquico confesso, que é germanófilo confesso, ande ainda à solta, fazendo agora de republicano, logo de monárquico, fazendo o jôgo dos monárquicos, e diz-se até lá fora, não sei se é verdade, que na fábrica de adubos químicos que o Sr. Alfredo da Silva possui no Barreiro está instalado um pôsto de telegrafia sem fios, por meio do qual está em comunicação com os monárquicos do norte.
Isto é que não posso provar; diz-se.
Eu peço a V. Exa. ft, Sr. Presidente, bem como ao ilustre membro do Govêrno que SP encontra presente, a manifestar junto dos seus colegas a estranheza que tenho por ver o Sr. Alfredo da Silva e outros ainda à solta, exactamente quando ainda há pouco as prisões estavam cheias de republicanos.
Por agora, Sr. Presidente, peço licença para não continuar hoje, a não ser que V. Exas. queiram, reservando-me para amanhã.
Mas isto não vai a matar, permita-me V. Exa. o termo, e por hoje tenho dito.
O Sr. Ministro da Agricultura (Jorge Nunes): — Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer à Câmara que ouvi com a máxima atenção as considerações apresentadas pelo Sr. José Epifânio Carvalho de Almeida, considerações que são na realidade de muita gravidade.
Pela minha pasta, Sr. Presidente, não corre nenhum dêsses assuntos, no emtanto não deixarei de comunicar ao meu colega as considerações apresentadas por V. Exa. na certeza de que uma afirmação posso fazer, qual é a de que o Govêrno, na defesa legítima do regime, há-de proceder como fôr de toda a justiça, ordenando a prisão de todos os monárquicos que tenham entendimentos com os revoltosos do Norte.
Porêm o que o Govêrno não pode fazer, conforme a Câmara muito bem deve compreender, é ordenar a prisão de qualquer monárquico por urna simples informação que se faça. (Apoiados).
O orador não reviu.
O Sr. José Epifânio Carvalho de Almeida: — Sr. Presidente: pedi a palavra únicamente para agradecer ao Sr. Ministro da Agricultura a resposta pronta que me deu e que me satisfez por completo.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem do dia, e tem a palavra o Sr. Severiano José da Silva.
ORDEM DO DIA
Proposta de alteração ao Regimento do Senado
O Sr. Severiano José da Silva: — Sr. Presidente, pedi a palavra para dizer à Câmara que em meu entender não posso admitir que o Senado, por seu único voto, possa retirar o mandato a qualquer dos seus membros.
Hoje é pelas faltas, e amanhã será por qualquer outro pretexto.
Eu, Sr. Presidente, se fôr aprovada essa proposta desejarei que fique consignada na acta a minha declaração de voto.
Não posso, repito, compreender qual seja o fundamento com que, por um único voto do Senado, se possa eliminar qualquer dos seus membros.
O Sr. Domingos Pinto Coelho: — Sr. Presidente: começo por declarar que recusarei o meu voto à proposta, já tinha essa intenção ao entrar nesta Câmara, mas o incidente suscitado pelo Sr. Carvalho de Almeida e algumas das suas afirmações contra os monárquicos mais me firmam nesse propósito.
Nunca nesta Câmara falei senão como católico, visto que como tal foi eleito.
Desde que porêm se pretende criar atmosfera contra monárquicos, sinto a maior honra em declarar que monárquico sou tambêm; não monarquista, como sabem quantos me conhecem, mas legitimista; monárquico de sempre, como tal espero morrer.
Se nestes tristes tempos que atravessamos, essa qualidade cria suspeições, caiam elas em cheio sôbre mim.
Quanto à proposta em discussão, parece-me uma lei de circunstância e, por essa e outras razões que depois exporei, não posso votá-la.
Há oito meses que o Senado funciona, sempre com a falta de muitos de seus
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membros e nunca a ninguêm lembrou tomar sanções.
Porque só agora lembrou isso?
O intuito é evidente: atingir os monárquicos que aqui não vêm.
Ora isso parece-me sobejamente injusto.
Reconheço ao regime o pleno direito de se defender, e por isso não posso reprovar quaisquer providências legais que se tomem contra os monárquicos revolucionários—se bem que as revoluções, nos últimos tempos, tanto se tenham repetido que não haverá muita gente que, a tal respeito, possa inteiramente sacudir dos ombros essa acusação.
Entretanto que se tomem medidas contra os revolucionários, não critico, porque todo o regime estabelecido tem o direito de defender-se.
Atenda-se, porêm, em que, nas monarquias, cumpre distinguir entre os revoltosos e os que o não são.
E quantos dêstes deixarão de vir aqui não por se sentirem culpados, mas por uma espécie de solidariedade moral que não deve nem pode ser possuída?
De alguns sei eu — e posso afirmá-lo — que no seu íntimo reprovam o movimento.
Não será injusto atingi-los, com uma pena tam grave como a da perda do mandato?
Sôbre esta razão há outra jurídica.
A pena de perda do mandato não pode sentida só como regimental.
É desfazer o que o eleitor fez.
É pois, em certo modo, atentar contra a soberania do povo, ou da classe que elegeu o Senador punido.
Um regimento interno não pode dominar uma tal sanção.
O ilustre relator do primeiro parecer, Sr. Conselheiro João José da Silva, com a sua especial autoridade, seguia essa opinião, julgava necessária uma lei.
No próprio parecer que agora se discute, expressa de novo a mesma doutrina.
E se nós confrontarmos o Regimento em vigor e a Constituição não podemos fugir a tal consequência.
O Regimento, nos artigos 170.° e seguintes, trata especificadamente das faltas de comparência dos Senadores.
Porque não comina a sanção da perca do cargo?
Por esquecimento?
Quem pode supor no legislador um tal lapso?
Se a não cominou foi evidentemente por que julgou isso excessivo da competência regimental.
E esta ilação converte-se por assim dizer, em certeza, se se lêem os artigos 20.° e 21.° da Constituição.
Nestes a Constituição prevê diversos factos e circunstâncias que são defesas dos membros do congresso e o § único do artigo 21.°, diz:
«A inobservância dos preceitos contidos neste artigo, ou no antecedente importa, de pleno direito, perda do mandato...»
Vê-se, pois, a que ponto é sugestiva esta comparação do Regimento com a Constituição.
Aquele, e esta, referem factos que são defesos aos membros do Congresso.
Tratando-se da sanção de perda do cargo, o Regimento cala-se porque não podia prevenir: a Constituição pune com perda do mandato, porque sendo a Constituição, pode fazê-lo.
Voto, portanto, contra a proposta.
O Sr. Castro Lopes: — Faz várias considerações no sentido de justificar o seu voto favorável à proposta.
O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas taquigráficas.
O Sr. Luís Gama: — Não me sinto bem à vontade ao tratar dêste assunto, pois não se trata duma questão da minha especialidade. Por consequência, as palavras que vou proferir não são jurídicas com têm carácter jurídico, porquanto nada percebo de jurisprudência. As minhas palavras são proferidas por um homem que a única cousa que poderá ter é um pouco de bom senso e ser coerente com o que diz em toda a parte.
Vem isto a propósito do que disse o meu querido amigo Sr. Castro Lopes, a quem agradeço as palavras amáveis que me dirigiu.
Disse S. Exa. que eu me insurjo contra as faltas de número e que hoje me insurgi tambêm contra essa falta. Mas não dou o meu voto ao parecer e vou tentar
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provar que, procedendo assim, não sou incoerente.
O que está no espírito de toda a Câmara é que percam o sou mandato aqueles que não cumprem os seus deveres, e isto com o fim único de, diminuindo o quorum, a Câmara possa trabalhar, não estando sujeita àqueles que nada querem fazer.
Eu não tenho dúvida alguma em votar que um Senador perca o seu mandato desde que aqui não quere vir; mas eu não quero que, por forma alguma, o meu voto vá incidir em prejudicar alguêm que aqui não possa comparecer.
Diz-se neste projecto que perde o mandato quem der oito faltas seguidas.
Eu não posso votar isto! Desde que o país está dividido ao meio, pode estar no norte alguém que, querendo vir, aqui não possa comparecer.
Afirma-se que há Senadores que são Ministros couceiristas. Mas tais indivíduos estão incursos no Código Penal e, depois de pronunciados, perdem, isso facto, o seu mandato de Senadores. Para êsses não temos nós nada a fazer. Ao Poder Judicial 6 que compete intervir.
Há uma parte do projecto que não tenho dúvida em votar: é o § único, que diz o seguinte:
Leu.
Êste não tenho dúvida em votá-lo, porque se não vêem à sessão é porque não querem, e se não justificam a falta é tambêm porque não querem.
O segundo parágrafo diz:
Leu.
É a hipótese: todos os indivíduos que de hoje em diante faltem a dez sessões e não justifiquem a falta, embora não a possam justificar, serão eliminados.
Seja a comissão de infrações composta de quem for, não admite possa ter o direito de eliminar quando entenda, isto com o maior respeito pelos seus membros.
Isto deve ficar claro e taxativo.
Antes da revolução couceirista votava esta disposição; agora não, que o país está dividido, e assim não podem justificar faltas os indivíduos que estiverem no norte, não podendo vir a Lisboa, não havendo correio nem telégrafo. Assim a comissão tem de lhe aplicar esta disposição.
Não podemos votar uma lei duns contra os outros.
Há duas maneiras: todos os indivíduos que estão incursos em penalidades pela aventura couceirista são sujeitos ao Poder Judicial que procederá contra êles. Perdem o mandato.
Todos os indivíduos que até hoje não compareceram porque não quiseram ovi puderam, deixam do ser Senadores.
Outra cousa não posso aceitar emquanto existir a divisão do território português.
O Sr. Germano Arnaud Furtado: — Foi feito um projecto sem preocupação de que sejam monárquicos católicos ou protestantes os indivíduos a que refere.
E apenas para obrigar os Senadores a comparecerem visto que o Senado não tem funcionado às vezes por falta de número, por existir o respectivo quorum.
O quorum não pode fixar-se sem que as faltas sejam justificadas.
Aproveito a ocasião para declarar que o Sr. Senador Luís Firmino Oliveira, ilustre representante da Associação Comercial do Pôrto, não pode vir à Câmara, e essa falta justifica-se pela impossibilidade de comunicação, não devendo o mandato ser retirado a êste nosso colega.
Ouvi com atenção o que disse o Sr. Luís Gama a respeito do § 1.° Mas lá está a comissão de infracções para trazer à Câmara o seu parecer e a Câmara em última análise resolver.
Se o Senador está inibido de vir à Câmara por fôrça maior, esta reconhece êsse caso de fôrça maior e conserva-lhe o mandato.
Se isso se não dá, a Câmara cumpra a lei que estamos discutindo.
Há um ponto em que não estou de acôrdo com o Sr. Pinto Coelho, e que é quando S. Exa.. depois das declarações absolutamente límpidas do Sr. Ministro de Agricultura respondendo ao Sr. Carvalho de Almeida que não podia mandar prender um Senador por se declarar monárquico.
O território da República continua a ser para todos os monárquicos que respeitam as instituições.
Nem ao Sr. Carvalho de Almeida nem ao Sr. Ministro da Agricultura ouvi qualquer expressão que pudesse melindrar o Sr. Pinto Coelho.
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Fez S. Exa. alusão à falta dos Senadores monárquicos e disse que certamente alguns, talvez por uma questão moral, não compareciam às sessões,
Eu acho esta palavra «moral» mal aplicada porque exactamente eles o deviam fazer, era vir à Câmara, e estavam aqui embora o seu espírito estivesse no Pôrto.
E desde já declaro que dou o meu voto ao projecto em discussão.
O Sr. Oliveira Santos: — Devo declarar que tenho pelo Sr. Pinto Coelho uma grande consideração.
S. Exa. fez declarações perante os jornais, somos adversários políticos irredutíveis.
Simplesmente a situação em que o Senado se encontra neste momento é realmente delicada.
Eu não sou jurisconsulto; mas o que eu quis dizer a V. Exa. é que isto ia atingir os monárquicos que estavam no Pôrto, sendo ministros de Paiva Couceiro.
Come V. Exa. sabe muito bem, esta disposição atinge todos os Senadores, sejam quais forem as suas crenças; mas há dois a quem não pode deixar de atingir ainda mesmo que não estejam pronunciados, e V. Exa. sabe muito bem que se êstes homens não estão presos é porque não têm sido possível prendê-los.
Disse i£ pouco o Sr. Luís Gama que esta disposição é de tal maneira larga que a comissão de faltas pode eliminar quem quiser.
Ora, neste ponto eu sou dotado de boa fé; ainda acredito que a comissão há-de ser absolutamente escrupulosa no desempenho dos seus deveres e não irá propor a saída dum Senador, quando isso não fôr justo e legal.
Sr. Presidente: não se compreende que para um sem número de indivíduos, aos quais corresponde a pena maior, se tenha a menor contemplação.
Eu tenho ouvido sôbre êste assunto opiniões diversas de jurisconsultos muito distintos e ainda há pouco ouvi o Sr. João José da Silva, a quem eu presto a cainhe, homenagem de respeito pelo seu muito saber, que a lei de 1011 apenas se refere aos Deputados e que, portanto, não se pode aplicar aos Senadores.-Outros invocam outras razões.
Mas isto é um círculo vicioso.
Uma nova lei levaria talvez uns dois meses a votar e há absoluta necessidade do se proceder à eliminação de Senadores que o mereçam pelo seu procedimento. E eu, quando me referi aos monárquicos, fi-lo sob o ponto do vista restrito.
V. Exa. sabe que há Senadores que não podem fazer parte desta Câmara, desde que são Ministros do reino do Pôrto. É claro que há Senadores que por motivos de estarem fora no desempenho dos seus deveres e outros que por motivo de fôrça maior, alheio à sua vontade não podem vir às sessões.
Evidentemente que êstes não podem ser atingidos por esta proposta.
Nestas circunstâncias eu não tenho dúvida em dar o meu voto a êste parecer da comissão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carneiro de Moura: — Sr. Presidente: vou ser breve. Em primeiro lugar agradeço ao Sr. Castro Lopes a deferência que acaba de ter para comigo.
O Sr. Oliveira Santos que há pouco acabou de falar, correu o perigo de ser encontrado e arrastado pela argumentação do nosso ilustre colega Sr. Pinto Coelho.
O Sr. Pinto Coelho, se não fôsse tam viva a sua velha crença, que todos lhe respeitamos, corria tambêm o grave perigo de ser seduzido por nós, que o tratamos com o mais desvelado carinho.
S. Exa. é um crente.
Disse o Sr. Pinto Coelho que é católico. Ninguêm aqui diz que o não seja. S. Exa., eme é justiceiro, que diga se alguém nesta casa o maguou alguma vez. Ninguêm.
Sr. Presidente: eu subscrevi êsse parecer mas, em nome dos princípios que sempre tenho sustentado, devo dizer que nenhum do nós quer fazer leis de excepção para quem quer que seja.
Eu e creio que todos quantos me ouvem, não seríamos capazes do condenar alguém sem ser ouvido. Não está no parecer (e melhor seria que expressamente só dissesse) que têm do ser ouvidos os Srs. Senadores que tenham incorrido presuntivamente na qualidade da perda de mandato por faltas às sessões. Mas, por mim o digo e porventura por todos nós o
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poderia dizer, . não seríamos capazes de formular um parecer ou de votar sôbre a exclusão de qualquer Sr. Senador antes de êle ser ouvido, para se defender ou para justificar as suas faltas às sessões. O caso de fôrça maior só se pode apreciar se o interessado fôr ouvido. Alêm de que ninguêm pode ser condenado sem prévia audição.
E, para terminar, eu devo dizer ao Sr. Dr. Luís Gama...
O Sr. Luís Gama: — Peço desculpa a V. Exa. para lhe dizer que não sou doutor.
O Orador: — Não sabia que V. Exa. não fôsse doutor; no emtanto, V. Exa. pela maneira como tratou o assunto, pareceu-me um amante da jurisprudência; mas, na verdade, não vejo motivos para os reparos que V. Exa. fez sôbre o projecto que está em discussão.
Eu, Sr. Presidente, como membro da comissão cujo parecer se discute, devo declarar que nunca daria um parecer para ser presente ao Senado para irradiação de Senadores, se não estivesse bem certo, depois de ouvir o interessado, que tal parecer era justo segundo a lei, pois que só daria tal parecer se o número de faltas dadas estivesse préviamente previsto e verificado, previsto numa lei clara e verificado pela condição do acusado de faltar às sessões.
O Senador acusado de faltar às sessões pode declarar e justificar a razão das faltas que deu e, se elas forem justificadas por motivo de fôrça maior ou qualquer outro, claro está que ninguêm o poderá eliminar do lugar que ocupa no Senado.
Não poderia ser doutra maneira.
Esta minha opinião é tambêm a da comissão a que tenho a honra de pertencer e se doutra maneira se quisesse proceder, eu não aprovaria o projecto que se discute.
Tenho dito.
O Sr. Castro Lopes: — Apenas duas palavras, Sr. Presidente, para dizer que, pelo que tenho ouvido, estamos todos do acôrdo, porque estamos aqui apenas para cumprir a lei.
E já que estou no uso da palavra e que o Sr. Arnaud Furtado falou sôbre o
assunto, eu referir-me hei ao Sr. Ernesto de Faria, que pediu licença à Câmara para se ausentar e se encontra em Bragança, não podendo vir para Lisboa; outro, o Sr. António Pais, que se encontra no norte e que circunstâncias de todos nós conhecidas impedem de vir para o sul.
O Sr. Luís Gama: — Sr. Presidente: com toda a serenidade, eu devo dizer a V. Exa. que concordo absolutamente com a sua proposta, mas a proposta de V. Exa., não é a mesma que está na Mesa.
Vozes: — É, é...
O Orador: — V. Exa. concorda em que se inclua essa parte, que é a questão de ser ouvido o Senador.
Estamos de acôrdo, porque a razão porque não queria dar o meu voto era porque muitos dos indivíduos atingidos não podiam agora justificar as suas faltas.
V. Exa. compreende que estamos aqui a legislar cousas que ficam, e esta legislação que se faz hoje pode servir para de futuro, e, por consequência, é necessário que isso fique bem esclarecido.
Mas eu vou mais alêm; não desejo estar a pôr ninguêm fora da Câmara, mas não devo ter contemplações para quem as não tenha com a Câmara, como, por exemplo, os Srs. Senadores que ainda não chegaram a tomar posse e não justificaram a sua falta.
O que desejo é que, antes de ser eliminado qualquer Senador, êle seja ouvido primeiro.
Assim estou perfeitamente de acordo.
Não tenho dúvida em votar desde que seja consignado que serão ouvidos, o que acho primordial e absolutamente necessário.
O orador não reviu.
O Sr. Severiano José da Silva: — Repito que me repugna que o Senado, por seu único voto, possa retirar o mandato a qualquer dos seus membros.
Eu lerei à Câmara uma disposição constitucional que me parece traduzir exactamente o contrário.
Leu.
O Senado tem só atribuições para rever e reconhecer os poderes dos Srs. Se-
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18 Diário das Sessões do Senado
nadores e organizar o seu Regimento; não tem direito a dar ou tirar poderes.
Para facilitar o andamento dêste assunto, já transigindo um pouco, vou mandar para a Mesa a seguinte proposta:
Leu.
É para isto preciso um projecto de lei? Que importa? Se os resultadas que se pretendem se vão produzindo?
Que um poder do Estado possa tirar um mandato do povo, vá; nas um simples voto desta Câmara é que não pode ser.
A Constituição indica nitidamente que o Senado só pode verificar poderes; não os pode tirar.
O Sr. Castro Lopes: — Sr. Presidente: eu olho para esta sala e vejo apenas 18 Srs. Senadores. Com o Sr. Luís Gama, que entrou agora, estão presentes, portanto, 19.
Pode V. Exa. informar-me se a inscrição está esgotada?
O Sr. Presidente: — Está, sim, senhor.
O Sr. Castro Lopes: — É tam grave o assunto, Sr. Presidente, que me parece não poder ser com 19 Senadores que só deva proceder a uma nova votação.
O Sr. Pinto Coelho:: — Eu vi, Sr. Presidente, o Sr. Severiano José da Silva mandar para a Mesa uma proposta.
V. Exa. pode dizer-me se essa proposta já foi admitida?
O Sr. Presidente: — Não há número.
Pausa.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, com a continuação da ordem do dia que estava dada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 40 minutos.
O REDACTOR—Alberto Bramão.