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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

1918-1919

SESSÃO N.º 26

EM 18 DE FEVEREIRO DE 1919

Presidência do Exmo. Sr. Germano Arnaut Furtado

Secretários os Exmos. Srs.

Luís Caetano Pereira

Guilherme Martins Alves

Sumário.— Chamada e abertura da sessão. Leitura e aprovação da acta. Expediente.

O Sr. Adães Bermudes e Jorge Guimarães insistem por documentos pedidos. É lida uma carta em que o Sr. Presidente do Senado pede renúncia do mandato É lido um telegrama do Sr. Oliveira Soares que se queixa de ter sido preso em Évora. O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Relvas) lê um despacho radiográfico do Pôrto e uma nota de corretor oficial sôbre a situação bancária do Pôrto e faz reflexões sôbre a dissolução do Parlamento. Seguem-se no uso da palavra, sôbre o mesmo assunto, os Srs. Carneiro de Moura, Castro Lopes, Machado Santos, Tiago Sales, Queiroz Veloso e João José da Costa. Pondo o Sr. Presidente à votação o pedido de renúncia do Sr. Zeferino Falcão, falam sôbre êle os Srs. Castro Lopes, Tiago Sales, Machado Santos, Júlio Dantas, depois do que é aceita a renúncia.

O Sr. Presidente designa nova ordem do dia e encerra a sessão.

Estiveram os Srs. Presidente do Ministério e Ministro das Colónias.

Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Alfredo Monteiro de Carvalho.

António Maria de Oliveira Belo.

Arnaldo Redondo de Adães Bermudes.

Artur Jorge Guimarães.

Carlos Frederico de Castro Pereira Lopes.

Cláudio Pais Rebêlo.

Constantino José dos Santos.

Francisco Nogueira de Brito.

Francisco Vicente Ramos.

Germano Arnaud Furtado.

Guilherme Martins Alves.

João da Costa Mealha.

João José da Costa.

João José da Silva.

João Lopes Carneiro de Moura.

João de Sousa Tavares.

José Epifânio Carvalho de Almeida.

José Maria Queiroz Veloso.

José Tavares de Araújo e Castro.

Luís Caetano Pereira.

Luís Xavier da Gama.

Tiago César de Moreira Sales.

Srs. Senadores que entraram durante a sessão:

Adolfo Augusto Baptista Ramires.

António Maria de Azevedo Machado Santos.

José Júlio César.

Júlio Dantas.

Srs. Senadores que não compareceram à sessão:

Adriano Xavier Cordeiro.

Alberto Cardoso Martins de Meneses de Macedo.

Alberto Carlos de Magalhães e Meneses.

Alberto Correia Pinto de Almeida.

Alberto Osório de Castro.

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Alfredo da Silva.

Amílcar de Castro Abreu e Mota.

António Augusto Cerqueira.

António de Bettencourt Rodrigues.

António da Silva Pais.

Cristiano de Magalhães.

Domingos Pinto Coelho.

Duarte Leite Pereira da Silva.

Eduardo Ernesto de Faria.

Fernando de Almeida Cardoso de Albuquerque (Conde de Mangualde).

Francisco do Livramento Gonçalves Brandão.

Francisco Martins de Oliveira Santos.

João da Costa Couraça.

João Rodrigues Ribeiro.

João Viegas de Paula Nogueira.

José António de Oliveira Soares.

José Freire de Serpa Leitão Pimentel.

José Joaquim Ferreira.

José Marques Pereira Barata.

José Novais da Cunha.

José Ribeiro Cardoso.

José dos Santos Pereira Jardim.

Júlio de Campos Melo e Matos.

Júlio de Faria de Morais Sarmento (Visconde do Banho).

Luís Caetano Pereira da Costa Luz (Visconde de Coruche).

Luís Firmino de Oliveira.

Manuel Homem de Melo da Câmara (Conde de Águeda).

Manuel Jorge Forbes de Bessa.

Manuel Ribeiro do Amaral.

Mário Augusto de Miranda Monteiro.

Pedro Barbosa Falcão de Azevedo e Bourbon (Conde de Azevedo).

Pedro Ferreira dos Santos.

Sebastião Maria de Sampaio.

Severiano José da Silva.

Zeferino Cândido Falcão Pacheco.

Às 15 horas o Sr. Presidente declara aberta a sessão, estando presentes 28 Srs. Senadores.

Lê-se a acta, sendo aprovada.

O Sr. Adães Bermudes: — Eu pedi a palavra porque não ouvi que estivesse registada a minha estranheza por não me terem sido ainda remetidos os documentos, que pedi em 5 de Agosto, relativos a concessões ou pedidos realizados sôbre o aproveitamento de quedas de água para a energia eléctrica. Acredito que não tivesse havido intenção nessa falta, mas desejo que fique consignado na acta esta minha estranheza.

O Sr. Presidente: — Comunicarei a falta à secretaria, para que ela insista pelos documentos que V. Exa. deseja.

A declaração de V. Exa. ficará na acta.

O Sr. Artur Jorge Guimarães: — Peço tambêm a V. Exa. que insista no meu pedido a fim de me serem remetidos os documentos que solicitei pelo Ministério dos Abastecimentos, respeitantes aos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste, e que constam apenas de sentenças judiciais.

Expediente

Projecto de lei

Do Sr. Senador Nogueira de Brito, concedendo o direito de aposentação a todos os funcionários do Estado, seja qual fôr a sua categoria.

Criando nas escolas industriais e comerciais um quadro composto de contínuos e guardas.

Lê-se na Mesa uma carta em que, o Sr. Presidente do Senado, Zeferino Cândido Falcão Pacheco, pede ao Sr. Vice-Presidente que apresente à Câmara o pedido da sua renúncia do mandato de Senador.

Foi tambêm lido um telegrama do Sr. Senador José António de Oliveira Soares, que noticiava ter sido preso em Évora, e pedia providências.

O Sr. Presidente: - Como V, Exas. acatam de ouvir, o Sr. Dr. Zeferino Falcão renuncia ao seu mandato de Senador.

Eu não comuniquei esta carta ontem ao Senado, porque só a recebi quando já estava em casa.

Quanto ao telegrama, devo informar a Câmara de que já falei com o Sr. Presidente do Ministério sôbre as providências a tomar para o caso, e S. Exa. me disse que ia reforçar as providências que aliás já ordenara, por já ter tido conhecimento do sucedido, por outra via.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Relvas): — Pedi a palavra para transmitir ao Senado as no-

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tícias que recebi hoje do norte, e que me são endereçadas pelo Sr. Ministro da Justiça:

«Ministro da Justiça pede para V. Exa. transmitir a S. Exa. Presidente do Ministério situação Pôrto completamente normal. Membros do Govêrno têm trabalhado constantemente reorganização dos serviços e inquéritos sôbre os últimos acontecimentos, conduta funcionalismo durante revolta monárquica. Ordem está completa no norte, estando República estabelecida todas localidades ocupadas anteriormente monárquicos, à excepção de Bragança, para onde marchou coluna, sendo esperar neste momento esteja na nossa mão. Presos todos os membros da junta governativa monárquica, à excepção de Paiva Couceiro e Solari Alegro. Primeiro ainda não foi encontrado, apesar das diligências feitas; o segundo fugiu para Espanha antes da restauração da República no Pôrto.

Há mais presos políticos importantes; já foram indicados nos telegramas que V. Exa. já recebeu antes da nossa retirada de Lisboa, Ministério da Guerra tem comunicado a V. Exa. tudo quanto diz respeito ao movimento das tropas, não sendo transmitidas outras notícias por nada mais haver de especial. Continuam calorosas manifestações à República, ao Presidente da República, a V. Exa. e no Govêrno.

As nossas saudações.—Ministro da Marinha».

Tambêm tenho aqui uma nota que me foi comunicada pelo corretor oficial que foi ao Pôrto, e na qual se diz que a situação dos bancos ali é normal e que as requisições feitas ao Banco de Portugal foram forçadas.

Reputo do mais imperioso dever o comunicar ao Parlamento que está terminada a missão de que fui encarregado pelo Sr. Presidente da República. Tenho imenso prazer em que possamos constatar êste facto: é que o futuro de Portugal está garantido, desde que todos tenham, a noção das suas responsabilidades.

Aos dirigentes de todos os partidos, aos homens que têm peso na opinião, cumpre a obra de solidariedade que há-de garantir para o país horas felizes, fazendo que a República seja o que infelizmente não tem sido até hoje.

Nem eu, nem o Govêrno podemos intervir na vida íntima dos partidos, embora possamos trabalhar junto dos seus dirigentes para uma obra de unidade, Intervenções ou imposições nunca!

Essa tem sido a acção do Govêrno desde o primeiro dia em que assumiu o Poder.

O problema político considero-o tam importante em Portugal, dentro da República, como o considerei dentro da monarquia. Nele tenho empregado toda a soma dos meus esforços; todavia está sem resolução.

Não tenho direito, como disse, a intervir na vida íntima dos partidos, nem no funcionamento do Parlamento. Nunca o Govêrno pensou em o fazer, e é o primeiro a respeitar as deliberações do Poder Legislativo; mas constato que uma das questões que actualmente mais apaixonam a opinião pública é a da dissolução parlamentar. Não tenho hesitações em o dizer depois da declaração que fiz de que o Govêrno não pode intervir nas deliberações dum Poder, que é soberano e independente.

A introdução do princípio da dissolução na Constituição é hoje a aspiração de todos os partidos, desde os Partidos Unionista e Evolucionista até o Partido Democrático ou Republicano Português, que tomou o compromisso de aceitar êsse princípio em seguida à conclusão da guerra.

Nesse ponto creio que estamos todos de acôrdo, e o momento de o fazer creio tambêm que é agora.

O Parlamento está em inteira liberdade e sem coacção alguma para tomar essa deliberação.

Se assim o fizer, praticará um nobre acto que colocará o país em condições de poder entrar numa vida desafogada.

Não quero pôr termo às minhas, palavras, sem dirigir calorosas saudações a todas as fôrças do exército e da marinha, que tam prontamente souberam restituir à República a parte do território português submetida por uns instantes aos seus inimigos.

Termino, pois, Sr. Presidente, fazendo votos para que os últimos tiros políticos

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dêste país tenham sido os que se deram agora no norte.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Carneiro de Moura: — Sr. Presidente: começo por apresentar os meus cumprimentos ao Sr. Presidente ao Ministério e Ministro do Interior.

S. Exa. acabou de ler à Câmara documentos, pelos quais o Sr. Ministro da Justiça lhe comunica que o Norte da Re-pública está neste momento em completa tranquilidade, excepção feita de Bragança.

A Câmara, pois, não pode deixar neste momento de se congratular com ta! notícia, tam agradável, não só pelo que diz respeito à ordem pública, como pelo que diz respeito á circulação fiduciária, que, diz o Sr. Ministra da Justiça, vai em,caminho de rápido normalização.

É para o Senado motivo de regozijo a noticia trazida à Câmara pelo Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Presidente do Ministério, pele seu prestígio e pela sua fé republicana, tem a facilidade de concorrer para a obra de restauração económica em que carecemos de entrar.

Esta vamos fazê-la numa época em que já não é possível o regionalismo ou bairrismo.

Nem o mundo moderno é propício a bairrismos, sobretudo quando em Paris os da Conferência da Paz tratam de fazer uma como que Confederação de Estados do mundo culto.

Não poderemos insistir no mesmo bairrismo, não poderemos transformar o Estado Português numa desordenada feira de brigões sem ideal e sem o culto do Direito e da Liberdade.

O Sr. Presidente do Ministério falou na dissolução do Poder Legislativo. Não há ninguêm que não deseje, dos que estão aqui, dar lugar a todos os que queiram colaborar a favor de República. Nunca a República teve um Parlamento tam desinteressado como o actual. Queremos a dissolução como princípio constitucional, e vamos votá-la dentro de poucos dias.

Nós não estamos presos a estas cadeiras. Não há um só Senador que não queira sair daqui, mas com honra, para nós e para a própria República, que só se pode dignificar pelo respeito intelectual da lei.

O Sr. Presidente do Ministério disse que a agitação dos últimos dias tem complicado muito o problema político.

Eu bem sei que S. Exa., querendo desenvolver a tese, teria muito que nos dizer.

Mas nós que somos mais responsáveis que ninguêm, bem conhecedores do que se passa, sabemos o que à República e à nossa própria dignidade devemos.

Temos o maior desejo, até porque temos a maior responsabilidade, de defender, a República (Apoiados gerais).

É possível que alguém pense em resolver anormalmente sôbre os direitos dos membros desta casa do Parlamento. Mas eu creio que todos os meus colegas do Senado — faça-se justiça ao seu carácter — estão aqui sem facciosismo político, estão aqui simplesmente porque os levaram a constituir o Senado, em nome dos altos interêsses da Pátria e da República, e ou tenho a certeza de que, afirmando a isenção política dos Senadores, os posso abranger a todos.

Ninguêm me pode acusar a mim de conservador, e sinto até que tenho sido no Senado um pouco perturbador do conservantismo, mas posso afirmar, e tenho o dever de dizer, que o conservantismo do Senado tem sido bem correcto, porquanto, apesar do meu radicalismo, tenho sido tratado com respeito por toda a Câmara.

Eu sou conhecido como radical. Não tenho receio de me declarar como tal.

Disse o Sr. Presidente do Ministério que os partidos políticos não tinham podido realizar uma obra tam concreta e benéfica para a República como seria para desejar. Por que não o dizer?

Se êles apenas têm sido formados por simpatias pessoais, simplesmente para satisfação de interêsses da facção... Assim, nunca poderiam os partidos fazer qualquer obra útil a favor do país. Disse o Sr. Presidente do Ministério, e muito bem, que os partidos estão em crise. Não há dúvida que estão, e tanto em crise estão, que têm pôsto em crise até a própria Republica.

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Como podiam êsses partidos servir a Pátria, se êles estão formados por grupos de homens que, na sua maioria, apenas queriam viver à custa do Orçamento!...

Nós, os Senadores, queremos que, ao deixar estas cadeiras, fique de nós uma afirmação patriótica. Honradamente aqui estamos, e honradamente queremos sair, para bem da República.

Nós vamo-nos embora de boa mente, contanto que nos vamos decorosamente. E, Sr. Presidente, quando eu sair daqui levo o mesmo desinterêsse com que aqui entrei. A ninguêm solicitei o lugar de Senador, e a ninguêm solicitarei que me conserve. O meu desejo pessoal é deixar já êste lugar, o oxalá que os que nos venham substituir sejam dignos dos que agora vão deixar estas cadeiras.

Vou terminar; mas ainda quero dizer aos meus colegas que no meu espírito passa, neste momento, uma nuvem negra.

Nós vivemos numa profunda desorganização social, e quando se vive numa terra tam linda como a nossa, onde há homens que dia a dia mourejam, odiando os politicantes, para produzir o pão de cada dia, com que nos podemos alimentar, faz pena ver desviarem-se as elites do verdadeiro caminho, entretendo-se em regedorias — não quero dizer mais — que trouxeram à República e à Pátria uma situação como a presente.

Bem haja o Sr. Presidente do Ministério em vir aqui afirmar a sua elevada doutrina, que neste momento é dum altíssimo valor patriótico.

Vejam V. Exas. nas minhas afirmações, Srs. Senadores, a convicção dum homem que fala com toda a sinceridade, e que, quando morrer, quere deixar limpo o seu nome, que com honra mantêm.

Tenho dito, Sr. Presidente.

O orador foi cumprimentado pelo Sr. Presidente do Ministério e por todos os Srs. Senadores.

Vozes: — Muito bem!

O Sr. Castro Lopes: — Sr. Presidente: depois de ouvirmos as considerações brilhantes e ditadas com aquele critério elevado que é próprio do ilustre Senador Sr. Carneiro de Moura, depois de vermos a forma como o Senado apoiou o ilustre

Senador, abraçando-o, que mais teria eu a dizer, na extrema singeleza dos meus recursos, condenado, como estou, a modestas situações?

Mas, Sr. Presidente, é que é chegado o momento de cada um definir as suas responsabilidades, o dizer o que pensa, sente e deseja. É que, Sr. Presidente, como disse o ilustre Senador que me precedeu, esta Câmara tem o prazer de aqui estar emquanto puder, com honra, cumprir o seu mandato, mostrando ao país que faz todos os esforços para lhe ser útil e para corresponder à confiança daqueles que nos elegeram.

Como V. Exa., Sr. Presidente, deve estar lembrado, e o Sr. Presidente do Ministério deve talvez saber, nós, nas horas amargas em que uma aventura de traição, que só com a mentira pôde arrastar-se miseravelmente durante uns dias, com serenidade apresentamos projectos do maior alcance. Isto mostra, Sr. Presidente, que nós queremos trabalhar e dar a impressão de que tínhamos uma fé extraordinária nos destinos da República e que queremos dar o exemplo ao estrangeiro de que pomos mais alto que tudo a nossa Pátria.

Desde o momento em que, como muito bem disse o ilustre Senador que me precedeu, nós temos um ponto vital a encarar, para que amanha todos os partidos políticos possam caminhar com fôrça, para que nunca mais haja perturbações de ordem pública, para que êste país possa ter uma vida feliz e para mostrarmos ao estrangeiro que nós sabemos dar o exemplo e compreendermos os nossos deveres, eu entendo que devemos introduzir no livro da nossa Constituição o princípio da dissolução, mas creio que interpreto o sentir de todo o Senado dizendo que a iniciativa dessa proposta não compete a esta Câmara, sim à outra casa do Parlamento. Estou certo tambêm do que interpreto o sentir de todos os Srs. Senadores dizendo que, logo que naquela mesa se apresente a proposta vinda da outra Câmara, estabelecendo o princípio da dissolução, imediatamente entraremos na sua discussão.

Desde êsse momento, creio que teremos cumprido o nosso dever.

Nós entrámos para aqui com honra e daqui queremos sair da mesma forma.

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Com honra entrámos, com honra havemos de sair.

Ouvi as declarações que o Sr. Presidente do Ministério deu à Câmara, e a leitura dos telegramas, e ainda bem que tenham passado essas nuvens de tristeza e que possamos viver caqui por diante com ordem, sem paixões políticas, num tampo em que iodos possam trabalhar com patriotismo e com benefício para o país. Termino exclamando: Viva e, Pátria!

O Sr. Machado Santos: — Depois da leitura dos documentos que o Sr. José Relvas trouxe à Câmara e depois das declarações de S. Exa., temos o dever do saudar o Govêrno - e de saudar todos aqueles que concorreram para levar a República à vitória, vitória que fácilmente se obteve desde que se estabeleceu a harmonia entre os republicanos.

Sr. Presidente: depois cãs palavras de S. Exa., que devem ser apoiadas per todos aqueles que tem responsabilidades dirigentes, depois dos movimentos que se tem dado no país, eu estou convencido que será bem melhor que vamos ao encontro das aspirações nacionais do que deixar que os acontecimentos galguem por cima de nós.

É um facto que precisamos da máxima reflexão e tranquilidade, terminando com as dissenções políticas que tem havido.

É uma cousa curiosa: É que, para o público, eu sou como que o empresário de todas as revoluções. Mas eu posso garantir a V. Exa. e à Câmara que apenas capitaniei uma revolução: a de 5 de Outubro do 1910.

Quando foi preciso fazer com que um Govêrno abandonasse as cadeiras do poder, eu provoquei uma grande manifestação da opinião pública sem barulhos, sem tiros. Foi o que se chamou a «archotada de Belém».

Mais tarde, perante uma conspiração que outros organizaram e que nos caria a restauração da monarquia, resolvi intervir e colocar-me à frente ao movimento para que êle fôsse acentuadamente nacional e republicano. Eu sabia que, no fundo, havia um grande desejo de Dão sã ir para a guerra. Se o e 13 de Dezembro houvesse triunfado, o país teria ido para a guerra, porque assim o queria eu
e os demais republicanos que nesse movimento tambêm entraram.

Não organizei êsse movimento — comandei-o. E comandei-o para não desviar a nação do caminho que lhe havia traçado, ao declarar-se a guerra europeia. O fracasso dêsse movimento foi um desastre não para mim, mas para o meu cúmplice.

No «5 de Dezembro» realizei a aspiração de um preso: a conquista da liberdade. Mas conquistei-a por minhas próprias mãos, para não ficar devendo favores a ninguêm.

Se o «5 de Dezembro» tivesse seguido outra política, aquela que eu lhe quis imprimir, outro teria sido o rumo e nós não teríamos passado por êste transe aflitivo.

Aludiu V. Exa., Sr. Presidente do Ministério, à dissolução parlamentar. Plenamente de acordo. Eu, se o Senado tivesse a iniciativa da revisão constitucional, teria já apresentado um projecto em que se introduzisse tal principio na Constituição.

Mas, parece-me, que soou já para todos a hora da justiça e da verdade. O Parlamento tem, realmente, de se ir embora. Devemos, todavia, fazer-lhe justiça. Durante largo tempo pairou sôbre êle a ameaça da dissolução violenta, o que deu lugar ao adiamento dos seus trabalhos. E a prova de patriotismo dos homens, que se sentavam nas duas casas do Parlamento, foi dada quando da morte trágica do Sr. Sidónio Pais. Foi o Parlamento quem restabeleceu a normalidade constitucional, elegendo um novo presidente sem uma nota discordante.

Realmente a opinião exige que se faça uma consulta ao eleitorado. Estou certo de que não haverá, dentro desta sala, uma nota discordante a tal respeito. (Apoiados gerais).

Quando transitar da outra Câmara para aqui o projecto da dissolução, não se erguerá contra êle uma voz; será votado por unanimidade, dando assim o Senado mais uma prova do patriotismo que o anima.

O Sr. Tiago Sales: — Do coração mo congratulo com a boa comunicação feita ao Senado pelo ilustre Presidente do Ministério o Sr. José Relvas.

Tam vivamente sinto o prazer dessa comunicação, quanto é certo que, em pó-

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lítica, nunca fui senão republicano, e é desde os bancos das escolas que me tenho dedicado a servir a idea republicana.

Teve V. Exa. razão nas considerações que fez sôbre os actuais partidos políticos e sua acção prejudicial.

Sempre tive no meu espírito a convicção de que os partidos, tal qual eram organizados, podiam ser um grave prejuízo à marcha da nossa República que eu, muito modestamente, é certo, mas muito firmemente, tenho servido.

Nunca me filiei em partido algum, embora tivesse tido várias vezes a honra de ser convidado para neles ingressar. Sempre disse desde a primeira hora, que a República tinha tomado tam grandes compromissos e tam sérias responsabilidades perante o país que todas as inteligências, energias o melhores vontades eram poucas, para que ela pudesse ter êxito na missão- patriótica que se propunha desempenhar, encarando de frente a resolução dos problemas, que interessam à vida de Portugal.

Sempre me opus com a minha palavra e acção, embora modestas, à maneira como os partidos se estavam organizando e ainda mais à maneira como êsses partidos agiam dentro da República.

Sr. Presidente: soou a hora da verdade e é preciso que todos tenhamos a coragem moral de a declarar, sempre que seja necessário.

A responsabilidade da gravíssima crise que tem atravessado a nossa República compete inteira às lutas partidárias, compete àqueles que não tiveram, a energia moral bastante para pôr, acima das suas pessoas, das suas vaidades, das suas paixões e dos seus caprichos, o ideal da República, o bem estar da Pátria e o benefício colectivo. (Apoiados).

Todos devemos aspirar a honrar o 5 de Outubro e os altos sacrifícios que milhares de cidadãos fizeram para erguer Portugal acima da má situação em que se encontrava sob qualquer aspecto que se considerasse.

Pode dizer-se, neste país, nesta terra de intrigas e de insinuações tudo é presumível, que eu tomei esta atitude porque obedecia à preocupação doentia de pôr a minha pobre individualidade em destaque.

Como isso é possível, declaro à Câmara e ao país que nunca, fiz imposições a Govêrno algum, nem qualquer pedido que pudessem significar interêsse pessoal.

Não há um único homem que se tenha sentado naquelas cadeiras do poder que possa dizer que Tiago Sales lhe fizera tal pedido para satisfação de qualquer vaidade ou interêsse pessoal, demonstrando assim a sinceridade de minhas palavras e autoridade moral para as pronunciar.

Tendo-me convencido de que um dos grandes males do nosso país estava na falta de organização das classes para o estudo, do que mais interessa à vida do país, e na falta de disciplina social, desvalorizadamente é certo, mas com muita persistência, muito boa vontade e muita dedicação mo entreguei, nos concelhos onde tenho alguma influência, à organização da instrução militar preparatória, procurando assim contribuir para melhorar as condições militares do país sob os vários aspectos que essa instrução encerra.

Lancei-me tambêm na organização da classe agrícola e todos sabem quanto é difícil essa organização pela sua falta de espírito associativo e compreensão dos benefícios, resultantes da solidariedade perante interêsses comuns.

Apesar disso, Sr. Presidente, tive a honra de ver coroados dalgum êxito êsses meus modestos esforços.

Tive a honra de ver que uma sociedade de instrução militar preparatória, organizada por mim na Lourinhã, era louvada pelo Ministério da Guerra e pelo Ministério da Instrução, não só pela forma como os seus alunos se apresentavam sob o ponto de vista militar, mas pelos esforços, que fiz em lhes ser proporcionada a primeira instrução, entrando muitos dêsses alunos nos quartéis com os primeiros conhecimentos de leitura e escrita, ministrados nas escolas nocturnas que a aludida sociedade patrocinava.

Disse, Sr. Presidente, que me dedicara tambêm à organização da classe agrícola.

É sabido que isso tenho tentado, promovendo a constituição dalguns sindicatos Agrícolas e caixas de crédito agrícolas, a princípio pequenos núcleos de lavradores, hoje já fortes agregados agrícolas com milhares de sócios, cônscios da utilidade económica de tais organismos que por si têm feito a melhor propaganda da sua existência.

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Partindo do princípio que, quanto mais larga o forte fôsse a organização, mais vantagens a classe agrícola obteria dela, tentei, Sr. Presidente, e consegui, depois organizar a Federação dos Sindicatos Agrícolas, do centro do país, todos sabendo os resultados benéficos que dela já tem tirado a classe agrícola, bastando que se diga que, sendo ela difícil de se manifestar e muito mais de dar calor e vida às suas manifestações, algumas destas já tem feito ultimamente, cheias de entusiasmo pelos resultados benéficos para a sua economia, resultados que lhe tem dado a organização já existente, apesar da sua ainda curta vida.

Sr. Presidente, honro-me por assim ter trabalhado, convencido que desta maneira tenho servido não só a agricultura, como a República e o país.

Pregunto: Se com os meus modestos recursos, tenho obtido os resultados de utilidade geral a que me referi, o que não teriam conseguido se enveredassem pelo caminho da organização do país os talentosos homens que têm consumido as suas inteligências nas inglórias lutas de estreito partidarismo, de que apenas houve algumas vantagens pessoais e os graves prejuízos que desprestigiaram a República e lhe criaram os perigos que todos conhecemos e a que há pouco o Sr. Presidente do Govêrno se referiu?

Quere-me parecer que se assim se procedesse teria havido menos revoluções, é certo, mas as classes e o país estariam muito melhor preparadas para as lutas da sua existência.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior, Sr. José Relvas, numa passagem do seu discurso, mostrou-nos a conveniência de se introduzir na Constituição o princípio da dissolução parlamentar, com o que estou plenamente de acôrdo, e assim pode o Govêrno contar com o meu -voto, que será dado sem hesitar, logo que venha ao Senado o projecto do lei que tal consigne.

Mas, Sr. Presidente, eu não fazer esta declaração, faço votos para que os partidos políticos da República, procedam como estamos dispostos a proceder, isto é, dissolverem-se para bem de todos nós e da República, porque só assim se poderão organizar as duas correntes de opinião existentes no país, a conservadora e a radical, acabando-se com clientelas em torno de homens que as mantêm à custa do poder, com prejuízo de todos.

Só assim se poderá progredir o só assim eles terão autoridade para pedirem ao próprio Parlamento que se dissolva.

A não ser assim, a verdade é que se hão-de repetir-se os factos políticos que se tem dado e que somos os primeiros a condenar.

Sr. Presidente; feitas estas considerações o aproveitando estar no uso da palavra, não posso deixai de recordar, com a maior indignação, as barbaridades cometidas no Pôrto em presos políticos.

Ainda hoje fiquei revoltado ao ler num jornal da manhã uma crónica do que se fez nas prisões daquela cidade e especialmente do Éden Teatro do Pôrto.

Narra êsses factos o Sr. Norberto de Araújo, redactor de A Manhã, que é absolutamente incapaz, pela sua inteligência e seriedade, de fazer afirmações menos verdadeiras.

Sendo, pois, verdade o que se afirma e que faz vibrar de horror, peço ao Sr. Presidente do Ministério que rapidamente mande proceder às necessárias investigações acêrca dêsses factos, a fim de que, com brevidade, sejam julgados e punidos os que praticaram tais delitos, que devem ser considerados comuns e de modo nenhum políticos.

A política foi apenas um pretexto para dar expansão aos mais ruas propósitos.

Lembro tambêm a V. Exa. que é necessário para bem da República que se evite o que está sucedendo em várias terras do país.

Em Nazaré tive conhecimento, por uma carta que possuo, de que factos condenáveis estão acontecendo a pretexto de se dar expansão ao sentimento republicano, como prisões injustificadas, invasão de propriedades urbanas com desrespeito por pessoas e cousas, perseguições, ameaças, etc., obrigando-se várias pessoas a abandonarem, a sua vida e os seus lares.

É indispensável que se não volte à prática de actos que por várias vezes condenamos, para termos, autoridade de punir o que praticam, os nossos adversários.

Confio que, emquanto V. Exa. estiver nesse lugar, todos êsses processos violentos serão reprimidos e que a ordem será

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mantida, para que assim a República se possa erguer triunfante perante os seus apaixonados e irredutíveis adversários. Viva a República!

Vozes: — Viva.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Relvas): — Os factos passados na Nazaré resultara duma situação muito anormal que se produziu no distrito de Leiria, em que por investidura popular se fizeram nomear alguns funcionários. Escuso de dizer a V. Exa. que, emquanto eu estiver neste lugar, não consentirei em actos arbitrários. A única pessoa, que dispõe de poderes para nomear essas autoridades, sou eu e eu não consentirei que o prestígio da autoridade não seja mantido. Logo que tive conhecimento dêsses factos passados no distrito de Leiria, mandei imediatamente um telegrama avisando aquele magistrado nomeado por investidura popular de que não praticasse nenhum acto público, porque o consideraria como ilegal. Estou procedendo à substituição dêsses funcionários e assim espero em poucos dias restabelecer a ordem em todo o distrito de Leiria.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho de Almeida: — Peço a V. Exa. para que se digne consultar o Senado sôbre se permite que a comissão de agricultura reúna durante a sessão.

O Sr. Queiroz Veloso: — Sr. Presidente: o Senado ouviu, com a maior satisfação, as declarações do Sr. Presidente do Ministério, e felicita-se, igualmente, por ter ouvido ler os telegramas do Sr. Ministro da Justiça, informando que, à excepção de Bragança, em todo o país está de novo implantado o regime republicano.

Isto prova, como mais duma vez o tenho acentuado, que a aventura monárquica foi uma tentativa absolutamente ilusória, sem nenhuns alicerces na grande massa da opinião nacional.

Quis essa aventura fazer seu baluarte a cidade do Pôrto, a gloriosa cidade que tam heroicamente se manteve durante um ano — desde 7 de Agosto de 1832 a 7 de Agosto de 1833 — contra todos os ataques do exército miguelista.

Na última fase do cerco era êsse exercito comandado por um ilustre general francês, o marechal Luís de Bourmont, que tam notável se tinha tornado na conquista de Argel. Pois nem assim as numerosas fôrças atacantes conseguiram entrar na cidade. E porquê?

Porque nesse tempo não eram só os soldados, mas toda a população válida do Pôrto que formava uma verdadeira muralha contra as investidas dos seus inimigos. E, nesta ocasião, nem sequer foi preciso que à cidade chegasse a vanguarda das fôrças republicanas, porque dentro dela havia o sentimento da revolta contra aqueles que a oprimiam.

O Senado, Sr. Presidente, não se limita, porêm, a congratular-se com as informações do Sr. Presidente do Ministério; faz tambêm votos por que se reorganize rapidamente a República em Portugal, mas em absoluta ordem, porque com a desordem, seja ela feita por quem for, o país não pode progredir. (Apoiados).

É preciso que nunca mais em Portugal se ouça a palavra revolução e se não pratiquem actos como aqueles sucedidos em Leiria, que o Sr. Presidente do Ministério há pouco denunciou à Câmara. E indispensável que o Govêrno não deixe, por forma alguma, amesquinhar as prerrogativas do Poder Executivo.

O Sr. Tiago Sales: — O Sr. Oliveira Soares, nosso colega nesta Câmara, é um homem de bem. Pois, apesar disso, foi desrespeitado e sofreu agora maus tratos em Évora.

O Orador: — Tal facto vem reforçar a minha opinião. E absolutamente preciso que a ordem se restabeleça em todo o país, e o Senado confia na energia do Govêrno, na sua fé republicana, no espírito de rectidão do Sr. Presidente do Ministério.

Tem o Govêrno o apoio do Parlamento e dos partidos; mais ainda: o apoio da nação inteira. (Apoiados).

Por isso a sua acção pode ser forte, mas deve tambêm ser franca. O Sr. Presidente do Ministério, confirmando hoje as palavras que pronunciou nesta sala, no dia da apresentação do Govêrno, disse que respeitava em absoluto as prerrogativas do Parlamento e não queria de modo algum que das suas palavras transpare-

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cesse sequer o menor indício de coacção; mas, no emtanto, não podia ocultar que eyiste uma opinião geral: a conveniência da dissolução do Parlamento.

Ha três formas, Sr. Presidente, de dissolver o Parlamento: porêm-nos fora daqui, pela violência; dissolvermo-nos a nós próprios, não voltando mais às sessões; e votarmos com urgência uma lei, introduzindo na Constituição o princípio da dissolução parlamentar.

A primeira forma, para prestigio da República, não quero supor sequer que se execute. A segunda seria indigna de nós, que nenhum apego temos a estas cadeiras, mas não desejamos tambêm suicidar-nos vergonhosamente, como quem foge às suas responsabilidades, quando a consciência nos diz bem alto que temos sempre cumprido o nosso dever. A terceira é, pois, a única solução possível.

Tenho a certeza de que vindo da Câmara dos Deputados o projecto, dando ao Sr. Presidente da República o poder de dissolver o Parlamento, o Senado inteiro o aprovará imediatamente. (Apoiados). E não é em obediência a nenhuma espécie de coacção que nós o votamos. E porque o julgamos indispensável, porque entendemos que a boa harmonia dos partidos, que a nossa vida política futura, exigem imperiosamente que o principio da dissolução seja introduzido na Constituição Política da República Portuguesa.

Podemos ser acusados de ter trabalhado pouco. Mas não somos nós os cuidados. E, em tudo o que temos feito, temos pôsto sempre o mais indefeso amor patriótico.

É únicamente na corrente da opinião pública que o Senado deseja inspirar-se. Só quem desconhece por completo a nossa atitude política é que poderia supor da nossa parte o menor entrave à dissolução do Parlamento. Êsse projecto será por nós rapidamente votado, sem discrepância dum só voto.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Nogueira de Brito: — Sr. Presidente, desejo mandar para a Mesa dois projectos de lei.

Pela orientação que a discussão vai tomando dentro dêste Senado, e ainda pelo que chega particularmente aos meus ouvidos, pouca vida terá o actual Parlamento; apesar do que sucede e do que venha a suceder, emquanto aqui estiver hei-de defender a classe que me elegeu até que nesta casa termine definitivamente o seu mandato.

Um dos projectos que vou apresentar refere-se à estabilidade de desprotegidos funcionários (tantos há por êsse pais fora) em determinados quadros atinge, Sr. Presidente, uma das classes mais abandonadas de funcionalismo público, como são os jornaleiros das escolas industriais e comerciais. O outro projecto de lei dá o direito do aposentação a todo o funcionalismo público,, qualquer que seja a sua categoria, ou situação. Quem vier depois de mim faça o que entender, eu cumpro o meu dever, emquanto aqui estiver, entendendo que assim correspondo à confiança que em mim depositaram os que me deram o seu voto. Disse.

O Sr. João José da Costa: — Sr. Presidente, têm sido feitos vários votos de congratulação pelas várias classes que se estão batendo no norte, mas uma classe há; que não devemos esquecer, e à qual devemos prestar a nossa homenagem: refiro-me à mocidade das escolas, que abandonou os seus estudos para se bater pela defesa da República.

Outro assunto que desejo tratar aqui, como representante do comércio, é a questão do açúcar e desculpe-me V. Exa. que dia a da venha tratando da questão das subsistências, mas emquanto aqui estiver hei-de cumprir o meu dever.

Eu ontem referi-me à qualidade do açúcar, dizendo que êle era impróprio para consumo, e, em vista dessas declarações, fui procurado pelos - directores de uma companhia que me afirmaram que ela não era verdadeira, porquanto havia fábricas que produziam êsse açúcar mais claro; respondi que es;sa declaração era baseada na amostra que me haviam apresentado, e assim eu vejo que as minhas afirmações tinham razão de ser, quando dizia que o monopólio do açúcar continuava e continua.

Se realmente se pode produzir açúcar amarelo mais claro do que aquele o que aparece à venda, não compreendo como se não faça todo o possível para que só uniformizem os tipos de açúcar, e casas

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há em que se obriga o consumidor a comprar por cada quilograma de açúcar amarelo, meio quilograma ou 250 gramas do branco.

Para prova da verdade, é que eu colhi a informação de que a Sociedade Portuguesa de Açúcares, Limitada, só fornece açúcar da seguinte forma: por cada dez sacas de açúcar amarelo 5 de açúcar branco. Notando que os sacos de açúcar amarelo tem 60 quilogramas e os de açúcar branco 75 quilogramas.

Por aqui se vê que o monopólio do açúcar continua, porque as fábricas mandam duas qualidades de açúcar quando lhe é requisitado só uma, vendo-se as mercearias obrigadas a impor ao público a compra dêsses dois açúcares.

Quem sofre mais são as classes médias, que se vêem obrigadas a fazer enormes sacrifícios na sua vida para apresentarem-se pela forma que a sociedade lhes exige.

Chamo a atenção de V. Exa. para que seja comunicado ao Sr. Ministro dos Abastecimentos êste assunto que é importante.

O Sr. Presidente:— O Sr. Zeferino Falcão pediu a renúncia do seu mandato.

Ontem, logo após a sessão, tive ocasião de o procurar juntamente com os Srs. Secretários e outros Srs. Senadores, para ver se conseguíamos dissuadi-lo do seu intento.

Foi absolutamente impossível. Nestas condições pregunto à Câmara se aceita a renúncia do Sr. Zeferino Falcão.

O Sr. Castro Lopes: — Soube ontem da resolução do Sr. Zeferino Falcão, que vi ser inabalável, e, tive um grande pesar como o deve ter tido toda a Câmara ao ter conhecimento de tal deliberação.

O ilustre Presidente do Senado, a quem me ligam as melhores relações de amizade há muitos anos, a quem presto a homenagem do meu maior respeito e admiração pelas suas grandes qualidades, creio que foi precipitado nesta resolução; (Apoiados) e é para mim duma grande amargura que não quisesse retirar o pedido feito ao Senado, quando todos estamos perfeitamente na mesma orientação.

Não compreendo que, depois do que aqui se tem passado, se possam fazer «afirmações em resultado contrário.

Sr. Presidente: lamento a forma como S. Exa. procedeu porque o ilustre Presidente do Senado podia ter deixado de colocar os seus colegas numa situação que êles não merecem.

É isto profundamente triste; mas é profundamente verdadeiro. (Apoiados).

Quando nós todos estamos perfeitamente de acôrdo com o que acabamos dê ouvir da boca do Sr. Carneiro de Moura, a Câmara tem que aceitar essa renúncia e proceder à eleição do Presidente do Senado. (Apoiados).

O orador não reviu.

O Sr. Tiago Sales: — Sr. Presidente: com pezar ouvi a informação de V. Exa. de que o Sr. Dr. Zeferino Falcão tinha renunciado o seu mandato.

Acostumámo-nos a ver no Sr. Dr. Zeferino Falcão um Presidente cumpridor, desejando sempre interpretar a lei à risca, tendo o maior respeito pelas disposições regulamentares e pelos direitos de todos nós. É um facto que eu lembro neste momento com satisfação; mas, Sr. Presidente, eu faltaria à sinceridade que devo a mim próprio, se não dissesse que não concordava com o procedimento de S. Exa.

Sr. Presidente: veio em vários jornais publicada a carta do Sr. Dr. Zeferino Falcão, na qual declarava que renunciava o seu mandato, e, se se desse o caso de ontem não ter havido sessão, nós seríamos os últimos a ter dela conhecimento oficial.

Isto já significa uma diminuição de atenção para connosco, que julgo em minha consciência não o merecer, visto que a S. Exa. tive sempre o prazer de prestar a homenagem da minha sinceridade.

Mas, se eu não concordo com esta maneira de proceder do Sr. Zeferino Falcão, muito menos concordo com a doutrina da sua carta.

Diz S. Exa. que abandona o Senado porque julga que, neste momento, se deve proceder à dissolução do Parlamento; mas nós nunca esboçamos o mais pequeno gesto nem proferimos qualquer palavra, donde se pudesse deduzir que não aprovaríamos a dissolução parlamentar.

Ainda V. Exa. ouviu há pouco os discursos pronunciados perante o Sr. Presi-

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dente do Ministério, e todos estão dispostos a cumprir com hombridade e desinterêsse êsse dever, que nos é imposto pela actual situação política.

Por consequência, parece-me que era dever de S. Exa. acompanhai até final os trabalhos desta Câmara.

O Sr. Machado Santos: — Tive já ontem conhecimento, e com mágoa que o nosso ilustre colega e amigo, Sr. Zeferino Falcão, pedira a renúncia do seu mandato.

S. Exa. foi um dirigente dos trabalhos desta Câmara, e a forma como sempre: o fez, aumenta a mágua de nós todos, por o vermos abandonar os nossos trabalhos. S. Exa. sem o querer, infringiu um preceito constitucional, pois que se esqueceu de que os membros do Congrego não podem aceitar mandatos imperativos.

O facto de em três comícios e ter votado a dissolução do Parlamento não é caso que a ninguêm obrigue, salvo se se reconhecer que o país cabe todo em três salas de espectáculos.

O Parlamento tem de dissolver-se. Mas que se dissolva por uma deliberação própria, sem imposições de nenhuma natureza.

Lamento que o Sr. Zeferino Falcão abandonasse esta Câmara e lamento ainda mais que o fizesse pela forma por que o fez.

O Sr. Júlio Dantas: — Sr. Presidente: entre as referências que acabo do ouvir fazer ao antigo Presidente co Senado, Sr. Dr. Zeferino Falcão, algumas palavras se pronunciaram que me parece que elevem ser levantadas. Embora S. Exa. me não dêsse procuração para o fazer, eu julgo-me no dever, como seu amigo pessoal, de afirmar à Câmara o seguinte: o Sr. Dr. Zeferino Falcão, renunciando o seu mandato e publicando nos jornais uma carta em que expõe os motivos da sua renúncia, praticou um acto de natureza política. Êsse acto pode, evidentemente, ser discutido; mas o que não me parece lícito nem justo é que se ponha em duvide, a correcção primorosa de S. Exa., a cujo carácter e a cujos serviços à República se devem as maiores homenagens. O antigo Presidente do Senado nunca nos deu, pelo seu procedimento modelar, o direito de pôr em dúvida a sua correcção pessoal e política. O Sr. Dr. Zeferino Falcão entende que o Parlamento deve ser dissolvido, porque não representa as correntes de opinião dominantes no actual momento político. Tambêm é essa a minha, opinião e tem sido a opinião expressa por todo o Senado. Mas S. Exa. não se manifestou, nem podia manifestar-se, no sentido duma dissolução violenta e inconstitucional. Quanto à carta que o Sr. Dr. Zeferino Falcão publicou nos jornais, posso afirmar que ela foi remetida simultaneamente ao Sr. vice-presidente do Senado e h imprensa, não cabendo a S. Exa. qualquer responsabilidade pelo facto de não ter sido feita oportunamente à Câmara a leitura dêsse documento. A atitude do Sr. Dr. Zeferino Falcão podia não ser poética, mas foi rigorosamente correcta, como é próprio da sua educação primorosa.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: — Devo dizer que não ouvi qualquer referência à personalidade do Sr. Dr. Zeferino Falcão que me obrigasse a chamar a atenção do ilustre Senador Sr. Tiago Sales.

Vozes: — Muito bem.

O Sr. Júlio Dantas: — Eu não me lembro de que qualquer nosso colega tivesse sido menos correcto nas suas palavras.

O Sr. Castro Lopes: — Sr. Presidente: eu pedi novamente a palavra sôbre este incidente — que eu todavia não desejava que se prolongasse, tal é a amargura que êle me causou, tal é o sentimento disto tudo — porque o Sr. Júlio Dantas fez umas considerações que a isso entendi me obrigavam.

Eu queria fazer notar a S. Exa. não ter interpretado bem o nosso sentimento.

O Sr. Júlio Dantas (interrompendo): — Eu não me referi às palavras de V. Exa.

O Orador: — Muito bem.

Foi-me muito agradável ouvir as explicações de V. Exa. Mas eu só desejaria que o Sr. Dr. Zeferino Falcão, pelas relações de estima que tinha com S. Exa. e pelas saudades que nos deixou, não to-

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masse a resolução que tomou sem nos ouvir, sem vir aqui, ainda que fôsse inabalável a sua resolução.

Eram estas as considerações que tinha a fazer.

O orador não reviu.

O Sr. Machado Santos: — Pedia ao Sr. Júlio Dantes que me esclarecesse sôbre se as suas palavras, acêrca do incidente Zeferino Falcão, se referiram a mim.

Poderia ter-me expressado mal, mas não tive o intuito de ofender a pessoa daquele meu amigo, tanto mais que êle não estava presente.

O Sr. Júlio Dantas: — Não se trata de qualquer ofensa ao Sr. Dr. Zeferino Falcão.

Nenhum dos Senadores presentes seria capaz de o fazer.

E se por impossível o fizesse, era ao Sr. Dr. Falcão que competiria adoptar, nessa emergência, o procedimento que entendesse conveniente.

Trata-se apenas duma suspeita de incorrecção, formulada por alguns Srs. Senadores, e em especial pelo meu ilustre colega Dr. Tiago Sales, acêrca do procedimento do nobre Presidente do Senado.

Êle não está aqui, e não pode defender-se.

Julguei eu do meu dever fazê-lo.

O Sr. Dr. Zeferino Falcão renunciou o seu mandato, com o mesmo direito com que tantos outros parlamentares o tem renunciado tambêm.

Fê-lo quando em consciência julgue inútil a sua permanência no Senado.

E julgou-a inútil, desde que o Sr. Presidente do Ministério lhe declarou que não tinha elementos para manter a ordem, se o Parlamento continuasse aberto.

A oportunidade da renúncia do Sr. Dr. Falcão imprimiu ao seu acto um aspecto político.

Estão V. Exas., e está o país, no pleno direito de o discutir.

Mas o que eu posso afirmar a V. Exas. é que nem sequer passou pelo espírito do ilustre parlamentar qualquer intenção de desprimor para com o Senado.

Podemos lamentar o facto de S. Exa. abandonar um cargo que serviu com tanto zêlo e tam nobre espírito de imparcialidade; mas, por muito que alguém possa discordar do seu acto político, há pelo menos o dever de respeitar a sua resolução e de fazer justiça à sua correcção pessoal e às suas intenções patrióticas.

O Orador: — O Sr. Júlio Dantas deu uma interpretação às suas palavras que a todos satisfaz.

Eu tive uma profunda mágoa, ao saber que o Sr. Zeferino Falcão abandonava os trabalhos parlamentares e o ter procedido da forma por que o fez, até nos tirou o direito de satisfazer o nosso desejo de ir a sua casa pedir-lhe que voltasse a ocupar a cadeira presidencial.

Tomámos conhecimento da sua carta pelos jornais.

Por êste facto é que eu lamentava o procedimento do Sr. Dr. Zeferino Falcão.

E nestas palavras não vai a menor ofensa a S. Exa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Tiago Sales: — Quando o meu ilustre colega nesta casa, Sr. Dr. Júlio Dantas, cujo elevado espírito e brilhante cultura várias vezes nos tem encantado com a sua palavra eloquente e fluente, terminou o seu discurso, eu pedi a palavra para dar a S. Exa. as explicações a que julgo tem direito, não só pela amizade, mas pela elevação do seu espírito.

Não desejo que no espírito de S. Exa. fique qualquer impressão desagradável.

O Sr. Dr. Júlio Dantas falou como amigo.

Tambêm eu me honro de ser amigo e antigo discípulo do Sr. Dr. Zeferino Falcão.

Da minha parte não pôde haver o menor intuito de ferir, embora ao de leve, as susceptibilidades de S. Exa.

Eu comecei as minhas considerações por prestar homenagem à rectidão e espírito elevado do Sr. Zeferino Falcão.

O que ninguêm pode, é coartar-me o direito de apreciar factos que são públicos, e de apreciar êsses factos através do meu critério, pobre, sim, mas que é manifestado com o maior desejo de ser justo e recto.

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O Sr. Dr. Júlio Dantas não teve grande razão no seu melindre e para o seu ressentimento, visto a justiça que eu fiz ao Sr. Dr. Zeferino Falcão.

Mas S. Exa. tambêm não podia estranhar que eu manifestasse a minha magna ao aludir à maneira como o Sr. Zeferino Cândido Falcão abandonou esta casa, deixando-nos sem qualquer explicação e entregando-nos à falta da sua colaboração.

O que houve foi uma mágua funda pelo facto do Sr. Presidente desta casa abandonar os seus companheiros de trabalho por uma forma um pouco fria.

Tanto mais que S. Exa. sabia que todos nós éramos seus amigos e apreciadores das suas nobres qualidades.

Creio ter dado satisfação aos melindres do alto espírito do Sr. Júlio Dantas. Tenho dito. O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Achando-se esgotada a inscrição sôbre o assunto, vou sub metê-lo à votação da Câmara.

Pôsto à votação o pedido de renúncia apresentado pelo Sr. Dr. Zeferino Falcão, foi aceito.

O Sr. Presidente: — Não havendo mais nenhum assunto a tratar, marco a próxima sessão para amanhã, sendo a ordem do dia, eleição do Presidente do Senado

Está encerrada a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

O REDACTOR—F. Alves Pereira.

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