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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

1918-1919

SESSÃO N.° 27

EM 19 DE FEVEREIRO DE 1919

Presidência do Exmo. Sr. Germano Arnaud Furtado

Secretários os Exmos. Srs.

Luís Caetano Pereira

Guilherme Martins Alves

Sumário.—Aberta a sessão e lida a acta, que foi aprovada sem reclamação, dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia.— Fala o Sr. José Júlio César que trata, com largas considerações, dos seus projectos de caminhos de ferro, e tambêm sôbre arborização dos incultos.

O Sr. João José da Costa alude à mendicidade que aumenta de modo assustador e refere-se à receita e despesa da Assistência 5 de Dezembro, as quais o público desconhece.

O Sr. Carvalho de Almeida, em nome da comissão de agricultura, apresenta um projecto (relatado) autorizando a aumentar com mais 200.000$ a verba para arborização do pais.

O Sr. Carneiro de Moura alude à imprescritível necessidade de se adoptar um Código Administrativo e o Sr. Afonso de Melo pede dispensa de segunda leitura para todos os projectos que se encontram na Mesa.

Na ordem do dia eleição do Presidente. — Procede-se à votação entrando na urna 27 listas das quais 2 brancas. Foi eleito Presidente por 25 votos o Sr. Machado Santos. Êste Sr. Senador agradece à Câmara a sua eleição, falando sôbre o assunto os Sr. Castro Lopes, Nogueira de Brito, João José da Costa, Queiroz Veloso, aos quais responde o Sr. Presidente, que é muito vitoriado e cumprimentado.

Seguidamente encerra-se a sessão.

Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:

Adolfo Augusto Baptista Ramires.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Alfredo Monteiro de Carvalho.

António Maria de Azevedo Machado Santos.

António Maria de Oliveira Belo.

Arnaldo Redondo de Adães Bermudes.

Artur Jorge Guimarães.

Carlos Frederico de Castro Pereira Lopes.

Cláudio Pais Rebêlo.

Constantino José dos Santos.

Francisco Nogueira de Brito.

Francisco Vicente Ramos.

Germano Arnaud Furtado.

Guilherme Martins Alves.

João da Costa Couraça.

João da Costa Mealha.

João José da Costa.

João José da Silva.

João Lopes Carneiro de Moura.

José Epifânio Carvalho de Almeida.

José Júlio César.

José Maria Queiroz Veloso.

José Tavares de Araújo e Castro.

Luís Caetano Pereira.

Luís Xavier da Gama.

Tiago César de Moreira Sales.

Sr. Senador que entrou durante a sessão:

João Viegas de Paula Nogueira.

Srs. Senadores que não compareceram à sessão:

Adriano Xavier Cordeiro.

Alberto Cardoso Martins de Meneses de Macedo.

Alberto Carlos de Magalhães e Meneses.

Alberto Correia Pinto de Almeida.

Alberto Osório de Castro.

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Alfredo da Silva.

Amílcar de Castro Abreu e Mota.

António Augusto Cerqueira.

António de Bettencourt Rodrigues.

António da Silva Pais.

Cristiano de Magalhães.

Domingos Pinto Coelho.

Duarte Leite Pereira da Silva.

Eduardo Ernesto de Faria.

Fernando de Almeida Cardoso de Albuquerque (Conde de Mangualde).

Francisco do Livramento Gonçalves Brandão.

Francisco Martins de Oliveira Santos.

João Rodrigues Ribeiro.

João de Sousa Tavares.

José António de Oliveira Soares.

José Freire de Serpa Leitão Pimentel.

José Joaquim Ferreira.

José Marques Pereira Barata.

José Novais da Cunha.

José Ribeiro Cardoso.

José dos Santos Pereira Jardim.

Júlio de Campos Melo e Matos.

Júlio Dantas.

Júlio de Faria de Morais Sarmento (Visconde do Banho).

Luís Caetano Pereira da Costa Luz (Visconde de Coruche).

Luís Firmino de Oliveira.

Manuel Homem de Melo da Câmara (Conde de Águeda).

Manuel Jorge Forbes de Bossa.

Manuel Ribeiro do Amaral.

Mário Augusto de Miranda Monteiro.

Pedro Barbosa Falcão de Azevedo e Bourbon (Conde de Azevedo).

Pedro Ferreira de Ramos.

Sebastião Maria de Sampaio.

Severiano José da Silva.

O Sr. Presidente: — (às 14 horas e 16 minutos) manda proceder à chamada.

Às 15 horas e 10 minutos, estando presentes 25 8rs. Senadores, S. Exa. declara aberta a sessão e manda ler a acta que foi aprovada.

Leu-se o seguinte:

Expediente

Parecer

Da comissão de agricultura, reforçando com 200 contos a verba destinada aos serviços florestais.

Transitou para a comissão de finanças.

Pedido de licença

Do Sr. Pereira Jardim, pedindo trinta dias de licença. Concedida.

O Sr. Presidente: — Vai abrir a inscrição para antes da ordem do dia

O Sr. Carvalho de Almeida: — Vou mandar para a Mesa um projecto de lei que, atendendo ao interêsse público a que respeita, eu pedia para V. Exa. recomendar urgência na sua impressão.

O Sr. Tiago Sales: — Pedia a V. Exa. para consultar a Câmara sôbre se consente que a comissão de finanças reúna durante a sessão.

Aprovado.

O Sr. Queiroz Veloso: — Pedi a palavra para participar a V. Exa. que está constituída a comissão de instrução.

O Sr. Castro Lopes: — Peço a V. Exa. que consulte a Câmara, a fim de a comissão de verificação de poderes poder reùnir durante a sessão.

O Sr. José Júlio César: — Sr. Presidente: desejava saber se os projectos de lei acêrca de caminhos de ferro foram efectivamente dispensados da segunda leitura, por mim requerida.

O Sr. Presidente: — Mas não se chegou a votar, êsse requerimento.

O Sr. João José da Costa: - Desejava que V. Exa. me dissesse se já foram recebidos os documentos que há dias pedi e, se ainda não houvessem sido recebidos, pedia a V. Exa. pura instar pela sua remessa.

O Sr. João José da Costa: — Sr. Presidente e meus Senhores: foi criada há anos em Lisboa a Albergaria, para receber nela os pobres indigentes que, ou andam pelas ruas da cidade ou pelas portas dos estabelecimentos, oferecendo um triste espectáculo. E certo que essa Albergaria tem tido o auxílio do comércio mas isso não tem sido o bastante. Depois da Albergaria, nós vimos organizar-se a Assistência 5 de Dezembro e quando nós ti-

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nhamos muito a esperar dessa instituição, verificamos que a sua acção quási que é nula, porquanto nós vemos a cada passo, principalmente nas escadinhas do Duque e nas principais ruas da Baixa, mulheres sentadas pelas portas com crianças ao colo pedindo esmola. Ora, nós não conhecemos as receitas da Assistência 5 de Dezembro e eu achava conveniente que essa Assistência viesse a público dizer quais AS receitas de que dispõe, a fim de sabermos até que ponto essa instituição deve ser auxiliada.

Por conseguinte, Sr. Presidente, sôbre essa obra da Assistência, que devia ser uma obra condigna, era necessário que nós soubéssemos qual a sua receita e -qual a sua despesa e ainda como as verbas respectivas são empregadas.

Peço a V. Exa. que chame a atenção do respectivo Ministro para êste assunto, a fim de que nós possamos sôbre êle ser elucidados.

O Sr. Castro Lopes: — Sr. Presidente: leu V. Exa. ontem, se bem recordo, um telegrama do nosso colega Sr. Oliveira Soares, Senador representante da agricultura, homem da máxima respeitabilidade, que sempre aqui compareceu às sessões do Senado e nas reuniões das maiorias.

No telegrama a que me refiro, Sr. Presidente, dizia-se que êste Sr. Senador havia sido preso.

De modo que ouso preguntar a V. Exa. se já têm sido feitas junto do Sr. Presidente do Ministério algumas démarches para termos a certeza do que aconteceu e quais os motivos no caso afirmativo de prisão e por quem foi efectuada.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Devo dizer a V. Exa. que ontem mesmo participei ao Sr. Presidente do Ministério o assunto a que V. Exa. acaba de referir-se, e S. Exa. garantiu que ia dar as providências que o caso requere.

O Sr. José Júlio César: — Sr. Presidente: mandei já em algumas das últimas sessões três projectos de lei para a mesa: um sôbre arborização de incultos, que já foi relatado pela comissão de agricultura que agora deve seguir para a comissão de finanças; outro sôbre a construção do caminho de ferro de via reduzida de Viseu à Foz do Tua; e outro, para a construção da linha férrea da Régua, por Lamego, para Vila Franca das Naves.

Essas duas linhas férreas são de interêsse capital, e ainda agora, quando dêsse malfadado movimento monárquico do norte, se provou a grande falta que elas fazem e a necessidade urgente que há de que elas se construam.

Quero hoje, Sr. Presidente, referir-me tambêm à construção da linha férrea de Viseu a Gouveia e Seia e, porventura, desta vila à Lousa, Miranda do Corvo, Tomar e Entroncamento.

A parte que eu reputo absolutamente indispensável que se faça o mais depressa possível é a que vai de Viseu a Mangualde, Gouveia e Seia, muito principalmente, pela importância que tem essa região, cujo desenvolvimento e actividade fabril é enorme.

A Companhia da Beira Alta tem direito de opção para as linhas paralelas que porventura venham a fazer-se numa área de 40 quilómetros, e para as que possam considerar-se de acesso à sua linha, em virtude da sua concessão, feita por carta de lei de 3 de Agosto de 1878.

A linha de Viseu a Gouveia já por várias vezes tem sido reclamada nos comícios regionais e na imprensa, mas a Companhia da Beira Alta nunca se resolveu a lazer a sua construção. Quando a tal respeito há reclamações mais veementes, essa Companhia manda engenheiros e empregados a tratar de estudos e trabalhos de campo, mas fica-se sempre como dantes, sem que se resolva a cuidar da sua necessária e urgentíssima construção.

Para remediar êste mal, para evitar que esta Companhia continui a não fazer, nem a deixar fazer, contêm o meu projecto um artigo em virtude do qual o Govêrno terá de fazer intimar imediatamente essa Companhia para, dentro do prazo de quatro meses, declarar se sim ou não quere construir essa linha; se quere ou não usar do direito de opção, para que, querendo, usar dêsse direito, no prazo de trinta dias faça o depósito de 60.000$, como garantia do cumprimento da obrigação de construir e começar a exploração dentro de dois anos e meio, da parte que vai de Viseu a Gouveia e Seia.

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De contrário, se a Companhia não quere fazer nada, se quere continuar nesta situação de não fazer e nem deixar fazer, então seja forçada a declarar isso à Direcção Geral dos Caminhos de Ferro, para que possa dar esta construção a quem queira fazer, e posso afirmar a V. Exa. que há quem esteja disposto a fazê-la dentro de breve prazo.

A Companhia não tem procurado fazer já essa linha, porque, em virtude da referida carta de lei, teria de a fazer sem subvenção quilométrica nem garantia de juro. Por isso, sobretudo, não se resolve a fazê-la, mas, o que é mais, vem impedindo que outrem a faça.

O Govêrno tem o indeclinável dever de atender toda aquela região, e muito especialmente Gouveia, Seia, S. Romão, Vila Cortez e outros povos limítrofes, que têm em elaboração mais de trinta fábricas, constituindo um dos centros fabris mais importantes do país. Fica a estação de caminho de ferro mais próximo de Gouveia a 13 quilómetros e mais distam do caminho de ferro S. Romão e Seia.

Por êste facto V. Exa. vê bem, Sr. Presidente, com que dificuldades as indústrias daquela região têm de lutar, não podendo concorrer, por mais que o desejem e por mais que seja a sua vontade, que é enorme, com outras indústrias da mesma natureza, que têm os caminhos de ferro ao pé da porta.

É já importantíssima a obra da Companhia Hidro-Eléctrica da Serra da Estrela, podendo fazer honra, mesmo, a um grande país. Breve pode dispor da energia eléctrica de 10:000 cavalos, estando esta linha naturalmente indicada para ser a primeira do país em que a sua tracção se faça pela electricidade.

Por tudo isto, eu entendo que o Govêrno deve fazer notificar já à Companhia da Beira Alta para ver se quere fazer a sua construção, usando do direito que lhe assiste.

Tenho a certeza de que desde que seja obrigada a isso, e então o país obterá êsse melhoramento sem que o Govêrno seja forçado a gastar um centavo..

Se porventura não quiser fazê-la, o Govêrno fica habilitado a fazer essa construção por conta própria ou a dar a sua concessão a quem a pretenda.

Conforme a opinião do Sr. Conde de Paço Vieira, na sua apreciável obra sôbre caminhos de ferro, deverá continuar por Oliveira do Hospital, Arganil, Lousa e Tomar até o Entroncamento, e porventura até Rio Maior, na sua extensão para o sul e estender-se de Viseu para Tarouca a juntar-se à da Régua a Vila Franca das Naves, de que aqui tratei há dias, na direcção norte.

Teríamos assim uma importante artéria, atravessando o país por regiões muito férteis e ricas, a que faz enormíssima falta um caminho de ferro para a exportação dos produtos e importação fácil de mercadorias.

Tem tambêm vantagens estratégicas enormes, porque ficando resguardada pela cordilheira das Serras de Lousa e Estrela, ficaria sob um abrigo natural, verdadeiramente inacessível, dando-nos a facilidade de podermos transportar tropas da Beira Alta o Trás-os-Montes para o sul e vice-versa, com a maior facilidade.

E essa vantagem, mais se reconhece, admitindo a hipótese, aliás muito natural, de a linha do Pôrto a Lisboa poder ficar inutilizada por qualquer golpe de mão.

Não se diga que o Parlamento não trabalha e não tem vontade de trabalhar e produzir obra de valor.

Eu, a mais humilde dos Senadores...

Vozes: — Não apoiado.

O Orador: —... desde que aqui tomei assento (e algum tempo faltei porque estive à frente dos celeiros de Viseu, um trabalho extenuante dalguns meses, especialmente durante a terrível epidemia, que naquele concelho fez milhares de vítimas), não faltei ainda a uma sessão, nem deixei nunca de aqui estar a horas.

Com êste é o quarto projecto de lei que apresento.

Não sou técnico; não tenho, infelizmente, inteligência nem competência para obra valiosa...

Vozes: — Não apoiado.

O Orador: —... mas o que me falta em talento e saber procuro supri-lo com uma inexcedível boa vontade.

Com a aprovação dêste projecto e com a sua execução mostraremos que o país trabalha e progride, procurando por-se a par das nações mais cultas, que sabem

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cuidar, com o devido interêsse, do& problemas económicos, que devem merecer, acima de todos os outros, a atenção dos bons portugueses.

Num dos relatórios dos meus projectos de lei digo que a, melhor forma de poder resolver-se o problema político, que há uns dez ou doze anos nos traz aqui numa agitação constante, batendo com a cabeça pelas paredes, e que terá de acabar breve sob pena de irmos todos paca o fundo, é esta: interessar o país na solução imediata dos problemas agrícolas, hidráulicos e financeiros, emfim, de todos os problemas económicos de mais importância e necessidade, cuja solução é absolutamente indispensável a todo o povo que quere progredir e engrandecer-se.

Desejava ainda, Sr. Presidente, fazer várias considerações sôbre outros assuntos que interessam à minha região, porque, se tenho obrigação de defender os interêsses do país, tenho-a tambêm, e muito particular, de defender os da região por onde fui eleito.

Infelizmente os membros do Govêrno brilham pela sua ausência no Senado, e eu desejava que estivessem presentes os Srs. Ministros do Interior, Comércio e Abastecimentos para tratar de diversos assuntos.

De contrário, se não se dignarem comparecer às próximas sessões, ver-me hei obrigado a pedir a V. Exa. que, junto de S. Exas., seja o intérprete das minhas observações e reclamações.

Não desejo cansar mais a atenção da Câmara, e termino enviando para a Mesa o projecto de lei a que me referi. (Apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O Sr. Carneiro de Moura: — Propôs o Sr. José Júlio César que, vista a necessidade da publicação do Código Administrativo, o Poder Legislativo autorizasse o Poder Executivo a fazer a publicação do Código Administrativo elaborado por dois jurisconsultos distintos, os Srs. Cardoso de Meneses e Sebastião Proença.

Devo dizer que S. Exa. laborou num -equívoco, porque êsse documento não existe, visto que a comissão nomeada pelo Sr. Machado Santos não chegou a formular o seu projecto.

Acabou há pouco de falar ao Sr. Cardoso de Meneses, que me disse que não tinha mais do que uns simples apontamentos, e que êsse projecto de código efectivamente não existia.

O Sr. Machado Santos: — Mas há umas provas impressas.

O Orador: — Podem existir provas e trabalhos da comissão, mas sistematização dum código é que não existe.

Efectivamente a República carece de viver possuindo um Código Administrativo. Houve o de 1836, que para a época era bom.

Em 1842 Costa Cabral fez um Código Administrativo que, tecnicamente, é o melhor Código. Era um Código bom para o tempo sob o ponto de vista técnico, e tam bom que todos os que se lhe seguiram foram a êle subordinados.

Em 1878 Rodrigues Sampaio elaborou o seu Código, que ainda vigora. O Código de 1878 é a base dum regime de descentralização administrativa e tem toda a razão de ser perante a confusão actual as considerações do Sr. José Júlio César, sendo para lamentar que não fôsse por diante a aspiração do Sr. almirante Machado Santos.

O Código de 1886 tinha defeitos e disposições hoje inadaptáveis à vida pública. Êsse Código, feito por jurisconsultos distintos, era duma técnica perfeita, mas hoje não adaptado às ideas modernas e republicanas.

A vida moderna é incompatível com os Códigos excessivamente regulamentares. A vida moderna é tam viva que os Códigos a podem atrofiar. É por isso que os ingleses não codificam e são contra a legislação nos Códigos.

Não os querem, por entenderem que êles não comportam a vida jurídica moderna. Um Código deve ser elaborado por forma que não entrave a vida expontânea dos povos, devendo nós perder a mania de fazermos uma vez um Código centralizador, e doutra, vez um Código descentralizado!1»

Os homens de 1836 e de 1842 fizeram Códigos Administrativos, mas inadaptáveis à vida de hoje. A centralização administrativa é incompatível com a democracia, e o Código Administrativo que sair

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do Parlamento há-de ser descentralizador.

A centralização só se pode manter dentro do regime político. A centralização política carece hoje de descentralização administrativa.

Rodrigues Sampaio, em 1878, entendendo que, ria ordem administrativa, era necessária a descentralização, organizou um Código inspirado por nobres ideas. O agitador da revolução de Setembro, fazendo êsse Código, teve um intuito bom, mas os corpos administrativos e especialmente as câmaras municipais não corresponderam àquilo que se devia esperar dos bons intuitos com que foi organizado êsse Código, pois que, tendo-se-lhe atribuído poderes de contrair empréstimos, não estiveram com meias medidas e — permita-se-me o plebeismo — desataram a usar desta atribuição, pedindo empréstimos impensadamente á Companhia do Crédito Predial. Dai a ruína de muitas câmaras municipais.

A insolvência das câmaras municipais impressionou todos aqueles que tinham de olhar por elas e daí a explicação do aparecimento co Código Administrativo de 1886. em que interveio o professor Albuquerque. Êste é um diploma — permita-se--me o terno — de doutrinários, feito em gabinete, exclusivamente com o saber técnico, não correspondendo ao que é necessário à vida dos povos.

Porque êsse Código não satisfez, em 1895 fez-se um outro em que se voltou ao regime da centralização administrativa e da tutela, em que os corpos administrativos tinham as suas deliberações, sôbre os problemas mais importantes da administração local, sujeitas à aprovação do Ministério que ao tempo se chamava do Reino ou das Comissões Distritais.

Para a República não é admissível êsse sistema. Temos que manter a centralização política, mas temos tambêm que viver na descentralização administrativa.

O Sr. Jacinto Nunes, velho republicano, elaborou um projecto de Código Administrativo, que não viu, afinal, a luz da publicidade. Apareceu apenas fragmentado em 1913. Êsse diploma não é mau; digo-o como opinião pessoal, porque satisfazia todo o povo republicano.

E já que digo isto, seja-me lícito concluir que o projecto de Código Administrativo que vier à Câmara tem de assentar no princípio da descentralização administrativa.

Eu, Sr., Presidente, tenho elaborado um projecto do Código Administrativo que hei-de trazer à apreciação da Câmara. Êsse projecto não vem trazer solavancos na vida administrativa do país, dando-lhe, pelo contrário, mais unidade. Todos nós sabemos o que quere o povo republicano. Vamos, portanto, aproveitar um pouco de tudo o que está feito, mas dando-lhe uma ordem de codificação.

Vamos publicar o Código Administrativo, trazendo para ali o que tem de bom a lei de 1913, ou seja o Código do Sr. Dr. Jacinto Nunes. E, pelo que diz respeito às magistraturas administrativas & do contencioso administrativo, bem como pelo que respeita aos funcionários e empregados administrativos, é apenas notável o que se encontra nos Códigos de 1878 e 1896. Com tais elementos pode organizar-se um novo Código Administrativo que facilite a vida nacional e a acção do poder público. Nesta ordem de ideas apresentarei o trabalho por mim já feito.

O Sr. Afonso de Melo: — Requeiro a V. Exa. que seja dispensada a segunda leitura dos projectos que estão sôbre a Mesa.

Foi aprovado.

O Sr. José Júlio César: — Peço a V. Exa. que me reserve a palavra para o fim da sessão.

O Sr. Presidente: — Tendo dado a hora vai passar-se à ordem do dia (eleição do Presidente). Interrompo a sessão por quinze minutos para se prepararem as listas.

Reabre a cessão.

O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada para votação.

Estiveram presentes os seguintes Srs. Senadores:

Adolfo Augusto Baptista Ramires.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Alfredo da Silva.

António Maria de Azevedo Machado Santos.

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António Maria de Oliveira Belo.

Arnaldo Redondo de Adães Bermudes.

Artur Jorge Guimarães.

Carlos Frederico de Castro Pereira Lopes.

Cláudio Pais Rebêlo.

Constantino José dos Santos.

Francisco Nogueira de Brito.

Francisco Vicente Ramos.

Germano Arnaud Furtado.

Guilherme Martins Alves.

João da Costa Couraça.

João da Costa Mealha.

João José da Costa.

João José da Silva.

João Lopes Carneiro de Moura.

João Viegas de Paula Nogueira.

José Epifânio Carvalho de Almeida.

José Júlio César.

José Maria Queiroz Veloso.

José Tavares de Araújo e Castro.

Luís Caetano Pereira.

Luís Xavier da Gama.

Tiago César de Moreira Sales.

O Sr. Presidente: — Nomeio escrutinadores os Srs. Monteiro Carvalho e Luís Gama.

Feito o escrutínio verificou-se que entraram na urna 27 listas, sendo duas brancas.

O Sr. Presidente: — Foi eleito Presidente do Senado o Sr. Machado Santos. Convido S. Exa. a ocupar êste lugar.

O Sr. Presidente (Machado Santos): — Ao assumir a Presidência desta Câmara, o honroso mandato que V. Exas. me impuseram, agradeço comovido essa prova de estima e de confiança, que em mim depositam, declarando desde já que a tomo como uma homenagem prestada aos princípios proclamados no movimento nacional de 5 de Outubro, em que eu fui um dos humildes colaboradores, e não como preito prestado à minha competência, que a não tenho.

Vozes: — Não apoiado; não apoiado!

O Orador: — Agradeço, repito, aos meus ilustrem colegas a prova que acabam de me dar, e prometo seguir neste lugar, a mesma linha de conduta que seguiram os meus antecessores, e sobretudo o ilustre vice-presidente, que venho substituir.

Faço votos para que levemos até o fim a nossa tarefa, com glória e com honra, e espero a lial colaboração da Câmara, solidária com todos os princípios republicanos. (Muitos apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O Sr. Castro Lopes: — Sr. Presidente: depois de ter sido sufocado o movimento monárquico, que como já disse só pôde arrastar-se miseravelmente três dias, pela mentira e pela traição, esta Câmara querendo interpretar a sua verdadeira fé republica, querendo mostrar os seus princípios republicanos, elegeu para Presidente do Senado, essa figura austera, nobre e querida de todos nós, o fundador da República, que em 5 de Outubro denodadamente se bateu na Rotunda em defesa dela.

Saúdo, pois, em nome de toda a Câmara, a V. Exa. e saúdo a República levantando um viva a República! ...

Vozes: — Viva!... Viva a Pátria!....

Vozes: — Viva!...

O orador não reviu.

O Sr. Arnaud Furtado: — Sr. Presidente: agradeço a V. Exa. as palavras que acaba de me dirigir, mas que são absolutamente imerecidas.

Vozes: — Não apoiado!...

O Orador: — Não fiz mais do que o meu dever. Quero agora dirigir a V. Exas. as minhas saudações e assegurar-lhe duma forma clara, que mo encontrará sempre a seu lado como bom republicano, para lhe facilitar quanto possível o exercício dêsse espinhoso cargo.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Nogueira de Brito: — Sr. Presidente: eu não posso deixar de me congratular pela eleição de V. Exa. para a suprema direcção dêste Senado.

Habituado há muito tempo a reconhecer em V. Exa. um belo carácter, eu não quis deixar de me associar às manifesta-

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ções feitas por esta Casa do Parlamento, por êsse facto.

As minhas relações com V. Exa. são relativamente recentes, mas nem por isso deixei de considerar sempre V. Exa. como uma das pessoas de melhor vontade dentro da República, de maior seriedade nos seus actos e da mais alta lialdade em toda a sua vida exercida até para com os seus maiores inimigos.

Eu acentuo um facto que o Sr. Castro Lopes já frisou, e é que a eleição de V. Exa. foi por unanimidade, o que é deveras significativo num Parlamento onde £S opiniões estão constantemente a dividir-se.

Ainda mesmo as listas brancas que apareceram não significam divergência nessa eleição, significam qualquer melindre das pessoas que as deitaram, que com o case nada tem.

Espero que V. Exa. oriente os trabalhos da nossa Câmara com aquela mesa:a sinceridade e honestidade cem que tem sabido orientar toda a sua vida.

Esta eleição representa simplesmente uma homenagem ao talento de V. Exa. e nunca uma habilidade política de que êste, Câmara seria incapaz. (Muitos apoiados). O Senado da República compreende que deve ir para a dissolução, impõe-se a vontade do Povo que é a única soberania possível, dentro dos países e por isso mesmo quando elegemos V. Exa. fizemo-lo como homenagem à fé republicana, de que tem dado provas veementes.

Disse.

O Sr. João José da Gostei: — Os ilustres Senadores que me antecederam fizeram de V. Exa. os maiores elogios, merecidos, porque a fé republicana que se acha encarnada em V. Exa. é para mim uma garantia suprema.

Represento aqui o comércio de Lisboa e do Perto. Ora é-me grato declarar que V. Exa. encontrará sempre no comércio o apoio á causa republicana, porque o comércio foi sempre pelas novas instituições. (Apoiados).

Para V. Exa. vão, pois não só os votos das corporações que represento como a declaração do respeito e consideração que tenho por V. Exa. (Apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Queiroz Veloso: — Sr. Presidente: bastava o Sr. Castro Lopes, antigo leader da maioria, ter falado em nome da Câmara para eu nada ter que acrescentar às suas palavras.

Mas desde que alguns Senadores, individualmente, quiseram associar-se à homenagem por êle prestada a V. Exa., os outros representantes de classes aqui presentes delegaram em mim o encargo e a honra de tomar tambêm a palavra, para significar a V. Exa., Sr. Presidente, não só a nossa estima pessoal, mas a nossa franca consideração política.

Nu eleição unânime de V. Exa. não houve da nossa parte a menor habilidade. Se elegemos V. Exa. Presidente não foi para nos servir de escudo, pois temos a firmo convicção do nunca, haver faltado ao estrito cumprimento dos nossos deveres. Elegemo-lo únicamente pela sua intemerata fé republicana, porque assim consagrava o Senado em V. Exa. a fundação da República. (Apoiados gerais).

O Sr. Castro Lopes: — Viva o Presidente do Senado!

Vozes: — Viva!

Em seguida todos os Srs. Senadores, redactor da sessão e taquígrafos do Congresso se levantam, dando palmas voltados para, o Sr. Presidente.

O Sr. Castro Lopes: - Viva a República!

Vozes: — Viva!

Seguidamente ouve-se uma nova salva de palmas.

O Sr. Presidente: — Mais uma vez sou obrigado a usar da palavra para agradecer comovidamente as expressões que os Srs. Senadores se dignaram dirigir-me. Agradeço-as como uma prova da grande solidariedade que existiu sempre entre todos os membros desta. Câmara, solidariedade que é uma garantia dum futuro melhor, mais ditoso para a nossa Pátria. (Apoiados). Eu espero, Srs. Senadores, que essa solidariedade jamais se quebrará, não só entre o Presidente e o Senado, mas tambêm entre todos os membros desta Câmara. (Muitos apoiados).

Vozes: — Muito bem. Muito bem.

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O Sr. Presidente: — Como não há mais nenhum Sr. Senador inscrito e a ordem do dia era a eleição do Presidente, eu marco a sessão para amanhã, à hora regimental, dando para ordem dos trabalhos os pareceres de comissões e qualquer outro projecto que nos venha da Câmara dos Deputados.

Está encerrada a sessão.

Eram 16 horas e 35 minutos.

O REDACTOR — Albano da Cunha.

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