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REPÚBLICA POTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
1918-1919
SESSÃO N.º 28
EM 20 DE FEVEREIRO DE 1919
Presidência do Exmo. Sr. Germano Arnaud Furtado
Secretários os Exmos. Srs.
Luís Caetano Pereira
Guilherme Martins Alves
Sumário.— Chamada e abertura da sessão — Leitura e aprovação da acta depois de aclarações dos Srs. João José da Costa e Carvalho de Almeida.— Expediente.— O Sr. Baptista Ramires toma a palavra em defesa do nosso Ministro em Paris, depois do Sr. Castro Lopes pedir informações ao Sr. Presidente — O Sr. José Júlio César ocupa-se da necessidade de um Código Administrativo e da acção em Madrid do Sr. Vasco Quevedo. Responde o Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Relvas).— O Sr. Ministro das Colónias (José Carlos da Maia) apresenta uma proposta para a nomeação do governador interino de Timor.— O Sr. Alfredo da Silva chama a atenção do Governo para o futuro regime pautal e para o transporte dos adultos, apresentando uma proposta e escondendo o Sr. Ministro das Colónias.— O Sr. Oliveira Belo secunda as palavras do Sr. Alfredo da Silva e requere a urgência da proposta, que é aprovada.— O Sr. Tiago Sales fala largamente sôbre assuntos de alimentação pública, sôbre a situação do Sr. Oliveira Soares, acontecimentos do Pôrto, etc. — O Sr.João José da Silva lê o artigo 17.º da Constituição.
O Sr. Presidente designa a ordem do dia e encerra a sessão.
Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto Baptista Ramires.
Alfredo Monteiro de Carvalho.
António Maria de Oliveira Belo.
Artur Jorge Guimarães.
Carlos Frederico de Castro Pereira Lopes.
Constantino José dos Santos.
Francisco Nogueira de Brito.
Francisco Vicente Ramos.
Germano Arnaud Furtado.
Guilherme Martins Alves.
João da Costa Couraça.
João da Costa Mealha.
João José da Costa.
João José da Silva.
José Epifânio Carvalho de Almeida.
José Júlio César.
Luís Caetano Pereira.
Luís Xavier da Gama.
Tiago César de Moreira Sales.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alfredo da Silva.
João Lopes Carneiro de Moura.
José Tavares de Araújo e Castro.
Júlio Dantas.
Srs. Senadores que não compareceram à sessão:
Adriano Xavier Cordeiro.
Alberto Cardoso Martins de Meneses de Macedo.
Alberto Carlos de Magalhães e Meneses.
Alberto Correia Pinto de Almeida.
Alberto Osório de Castro.
Amílcar de Castro Abreu e Mota.
António Augusto Cerqueira.
António de Bettencourt Rodrigues.
António Maria de Azevedo Machado Santos.
António da Silva Pais.
Arnaldo Redondo de Adães Bermudes.
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Cláudio Pais Rebêlo.
Cristiano de Magalhães.
Domingos Pinto Coelho.
Duarte Leite Pereira da Silva.
Eduardo Ernesto de Faria.
Fernando de Almeida Cardoso de Albuquerque (Conde de Mangualde).
Francisco do Livramento Gonçalves Brandão.
Francisco Martins de Oliveira Santos.
João Rodrigues Ribeiro.
João de Sousa Tavares.
João Viegas de Paula Nogueira.
José António de Oliveira Soares.
José Freire de Serpa Leitão Pimentel.
José Joaquim Ferreira.
José Maria Queiroz Veloso.
José Marques Pereira Barata.
José Novais da Cunha.
José Ribeiro Cardoso.
José dos Santos Pereira Jardim.
Júlio de Campos Melo e Matos.
Júlio de Faria de Morais Sarmento (Visconde do Banho).
Luís Caetano Pereira da Costa Luz (Visconde de Coruche).
Luís Firmino de Oliveira.
Manuel Homem de Melo da Câmara (Conde de Águeda).
Manuel Jorge Forbes de Bessa.
Manuel Ribeiro do Amaral.
Mário Augusto de Miranda Monteiro.
Pedro Barbosa Falcão de Azevedo e Bourbon (Conde de Azevedo).
Pedro Ferreira dos Santos.
Sebastião Maria de Sampaio.
Severiano José da Silva.
Zeferino Cândido Falcão Pacheco.
Sendo 15 horas, o Sr. Presidente mandou proceder à chamada.
Estendo presentes 19 Srs. Senadores foi aberta a sessão.
Lê-se a acta.
O Sr. João José da Costa: — Sr. Presidente: parece-me que a acta é omissa na parto que se refere ao meu discurso de ontem, sôbre a Assistência de 5 de Dezembro, e ao facto de não serem conhecidas as receitas, com as despesas, nem se saber tam pouco em que são aplicadas. Êste caso constitui ale hoje uma conta de saco. Desejava, pois, que isso ficasse bem esclarecido.
O Sr. Presidente: — A acta é um resumo, não é uma transcrição de todas as palavras que se dizem na sessão.
O Sr. João José da Costa: — Perfeitamente, mas o que desejava é que 6ste ponto ficasse bem esclarecido na acta.
O Sr. Carvalho de Almeida: — Ontem mandei para a Mesa um projecto de lei do Dr. José Júlio César, em nome da comissão de agricultura, sôbre arborização, e relatado pelo Sr. Afonso de Melo.
A imprensa referiu-se a êle e das suas expressões parece depreender-se que êsse projecto é meu; tendo agora ouvido ler a acta, julgo que tambêm ela não está bem explícita.
Comquanto êsse trabalho seja uma obra primorosa, desejo que êsse ponto fique bem esclarecido e que se dó a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.
O Sr. Presidente: — O projecto foi enviado à comissão de finanças.
Voa pôr à votação a acta. Como mais nenhum Sr. Senador pede a palavra, está aprovada.
Mencionou-se o seguinte
Foram mandados para as comissões os projectos para os quais foi em sessão de ontem pedida a dispensa de segunda leitura pelo Sr. Afonso de Melo, que são os seguintes:
Sôbre emissão de obrigações da União dos Viticultores de Portugal.
Para a comissão de agricultura.
Sôbre funcionários contratados da Secretaria da Intendência dos Bens dos Inimigos.
Para a comissão de legislação civil.
Do Sr. Castro Lopes, sôbre a remodelação da instituição do júri.
Para a comissão de legislação civil.
Do Sr. Nogueira de Brito: Sôbre aposentação de funcionários do Estado.
Para a comissão, de finanças.
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Sôbre vencimentos de funcionários do Estado.
Para a comissão de finanças.
Criando um quadro de contínuos ê guardas em cada uma das escolas industriais e comercias.
Para a comissão de fomento.
Do Sr. José Júlio César: Linha férrea da Régua a Vila Franca das Naves.
Para a comissão de fomento e faianças.
Linha férrea de Viseu a Tua.
Para a comissão de fomento e finanças.
Linha férrea de Viseu a Gouveia e Seia.
Para a comissão de fomento.
Projecto de lei
Do Sr. Senador Alfredo da Silva, conferindo os poderes necessários a uma comissão, para como delegados do Parlamento reformar as pautas de importação e exportação do continente, ilhas adjacentes, províncias ultramarinas e pauta de consumo no continente, etc.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de finanças.
O Sr. Castro Lopes: — Sr. Presidente: pelo que ouvi dizer a vários colegas desta Câmara, os jornais têm falado sôbre vários incidentes dados com o nosso Ministro em Paris; ora eu desejo preguntar a V. Exa. se nos pode dar qualquer informação a respeito do Sr. Dr. Bettencourt Rodrigues, ou se as notícias publicadas em vários jornais são apenas tendenciosas.
O Sr. Presidente: — Não sei nada sôbre o assunto, a não ser as notícias que vários jornais têm publicado.
O Sr. Baptista Ramires: — Sr. Presidente: chegou ao meu conhecimento a campanha que se move contra o nosso ilustre Ministro em Paris, e de que uma certa imprensa se tem feito eco. Causou-me tal extranheza e indignação que eu, tendo conhecimento dêsse facto esta manhã, confesso que ainda a estas horas não tenho a serenidade bastante para o analisar devidamente. O Sr. Dr. Bettencourt Rodrigues, alêm de nosso representante em Paris, é um dos mais ilustres membros desta Câmara, e isto é razão bastante para que alguém aqui erga a sua voz, embora a todos os respeitos, tam única como é a minha, a repelir insinuações de carácter evidentemente tendencioso e que são, para não dizer mais, que não mo permite êste lugar, um testemunho da mais autêntica ingratidão. Isto entristece-me deveras Sr. Presidente, tanto pelo significado moral que isto tem, como por visar precisamente quem guiado apenas por elevado sentimento de amor pátrio, com rial sacrifício deixou a tranquilidade da sua vida em Lisboa, e que ali está na capital da França, neste momento ao lado de outra individualidade de igual destaque — o Sr. Dr. Egas Moniz — ambos a sacrificarem-se nas suas comodidades, na sua saúde e nos seus interêsses, ambos a prestarem, cada um na sua missão, um dos maiores serviços que têm sido prestados a Portugal.
Sr. Presidente: antes de mais nada, é preciso que eu diga à Câmara que o Sr. Dr. Bettencourt Rodrigues nunca pretendeu, nunca esboçou o menor desejo de ocupar o lugar que está ocupando em Paris. Aceitou-o a reiteradas instâncias do falecido Presidente, Dr. Sidónio Pais, que com clara lucidez viu nele, pelo seu valor pessoal e pela consideração que goza entre os mais altos vultos da política francesa, alguns dos quais foram em Paris seus condiscípulos, o homem que melhor podia ali representar Portugal na conjuntura difícil da guerra.
O Sr. Dr. Bettencourt Rodrigues não tinha necessidade daquele cargo que tantos cubiçam: nem pelos interêsses materiais, que não carece dêles, nem para satisfação de vulgar vaidade pessoal, e por êste lado menos ainda, porque o prestígio do seu nome como homem de sciência está muito acima das honrarias que se prestam a um representante diplomático.
Tendo vivido largos anos no Estado de S. Paulo, no Brasil, ali se notabilizou como médico; e, não se contentando em saber aplicar os conhecimentos já adquiridos na sciência, o seu nome ilustrando-se naquele centro, o mais alto da mentalidade brasileira, dali depressa passou à Europa como penetrante investigador
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de novos métodos de terapêutica. Mas, se pela sua grande inteligência e sabor tanto se elevou e tanto elevou o nome português, não se elevou menos em estima, ao mesmo tempo carinhosa e cheia de respeito, naquela grande República, tais são os primores do carácter nobilíssimo desta singular individualidade, ora que eu, Sr. Presidente, não sei o que mais admiro: se a altura do seu espírito moderno, se a nobreza de carácter o a simplicidade e grandeza desta alma amiga de português!
Êste nosso colega, que é, honra desta Câmara e honra dêste país, tinha ali criado os seus interêsses, tinha ali em todos uma família e tanto bastava, para ter ali uma segunda pátria. Mas não era ali a terra onde nascera, o acima do sentimento profundo de gratidão e de ternura que o liga à nação brasileira, e que com bom clara satisfação tantas vezes manifesta, estava o seu acendrado amor por Portugal e o desejo ou a vontade instintiva de vir assistir de perto aos progressos da nova República, e pela fôrça única do seu amor pátrio tudo deixou.
Nada disto a Câmara ignora, Sr. Presidente, mas eu precisava de dizê-lo, não para fazer o elogio banal dêste português ilustre, que não carece dele, mas para concluir lógicamente que quem, pelo lado mental e moral, possui tam opulento doto, quem e republicano austero desde o tempo em que, aqueles que tendenciosamente dêle falam, talvez não bebessem mais que o leito materno, não podia deixar do ser em Paris um diplomata dos mais distintos e um valoroso defensor dos interêsses da República, que bem do facto tem servido com o mais inteligente zêlo e brilho, atenuando-lhe as dificuldades da sua missão a atmosfera do simpatia e afectuosa deferência que tem ali.
O Sr. Dr. Bettencourt Rodrigues não está, pois em Paris pelo prazer de estar: está, é conveniente acentuá-lo, a pedido do falecido Presidente da República, fazendo o sacrifício do repouso que veio procurar a Portugal, ao abandonar a vida activa, com a satisfação que deve ter na sua consciência do serviço que presta ao seu país.
Tomei a palavra, Sr. Presidente, para responder à pregunta que sobro esta questão acaba de fazer um digno colega nesta Câmara, e devo acrescentar que o facto a que ela se refere me entristece bastante, tanto pelo que ela concretamente representa, como pelo significado que tem nos costumes da nossa vida política. Verifico com desgosto que o interêsse que nos movo nem sempre é o interêsse da Pátria e da República, mas o interêsse dos partidos o, a dentro dos partidos, o interêsse de cada um.
E preciso que nos respeitemos uns aos outros e que demos a cada um o que de direito lho pertence, que é a primeira condição do prestígio da República; sem isso não pode existir na família republicana, que deve ser a família da Nação, a união indispensável para que caia de vez essa bandeira, mais vermelha que azul e branca, que há pouco aos ameaçou.
Eu não sei. Sr. Presidente, o que será o dia do amanhã, tam sombrio o vejo eu.
Não é o perigo monárquico que eu receio: a monarquia teve em Monsanto o no norte o seu enterro definitivo, feito com todas as honras militares, que aliás não merecia, porque êsse movimento revolucionário, se não fôsse o derramamento de sangue o todo o mal que causou, a dar-lhe proporções de tragédia, seria pela sua ligeireza e insensatez de estrutura, falha de tudo, um acto de opereta.
Não é êsse o perigo que eu receio neste momento histórico, em que o princípio da realeza por toda a parte se afunda ou vive ameaçado; o que eu receio entendo que não o devo dizer aqui, nem é preciso: êle está na clara razão de todos que vêem a tempestade que se levantou do Norte, a ferir já o coração da Europa. Só podemos conjugá-lo com a fôrça que dá a estreita união de nós todos e a observância dum claro espírito de liberdade e de justiça em todas as camadas sociais; de justiça, desde já, para os desfavorecidos da sorte, que têm na sociedade direitos Aguais aos nossos. Exige-o a nossa consciência e é condição primeira para termos ordem pública, e conseqúentemente, trabalho sereno e progressivo.
Sr. Presidente: referindo-me ao Sr. Dr. Bettenconrt Rodrigues pela forma como o fiz, se é certo que tenho a honra do ter com êle estreitas relações pessoais, não creia V. Exa. que foram elas a determinante das minhas palavras. A determinante verdadeira foi o tratar-se de alguêm
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que tem aqui assento e, acima de tudo, o deselo de justiça que me guia sempre. Eu sou, Sr. Presidente, o mais obscuro membro dêste Senado, mas, não tendo outra, falo com a autoridade moral que me dá a imparcialidade que ponho nos meus actos, e não me é difícil demonstrá-lo.
Amigo fui eu, dos mais afeiçoados e antigos do Sr. Dr. Sidónio Pais, cuja morte senti muito profundamente, e no emtanto fui dos primeiros a ver e a lamentar os seus erros, e tanto me impressionou o caminho que seguiu na sua política, de que só têm culpa real aqueles que iludiam a boa fé da sua grande alma, que eu nos últimos tempos deixei de ir ao Palácio de Belêm. E acrescento que, não pertencendo ao Partido Democrático, porque entrei na política partidária, como republicano, quando se formou o Partido Centrista, ao lado de quem formou êsse partido e só por êle ou pelos seus princípios me tenho mantido sempre, por impulso de consciência empreguei o meu esforço em arrancar da prisão, por mais duma vez, pesos democráticos que sabia inocentes. É que, quando há dois ou três meses o nosso ilustre colega Sr. Machado Santos aqui declarou que estavam nas cadeias cêrca de dez mil presos, há muito, sem culpa formada, e que um membro do Govêrno declarou não serem mais de mil, não foi o número que me impressionou (tanto valia para mim serem dez mil como cem), o que me impressionou foi saber, porque desejei saber, que havia ali inocentes de há muito detidos.
Foi por êsse alarme de consciência que eu declarei ao Sr. Machado Santos e a outros colegas do Senado que, se eu estivesse presente quando aquele ilustre Senador apresentou aqui o seu projecto de lei de amnistia aos presos políticos, eu tê-lo-ia votado sem hesitações; e se alguma cousa poderia fazer-me hesitar era a circunstância de confundir na mesma medida criminosos, que lá havia, com inocentes, que não carecem de perdão, que apenas requerem altivamente justiça.
Referindo-me aos presos políticos faço-o, Sr. Presidente, tam somente para mostrar a imparcialidade com que procedo e com que falo sempre; e para que isto não pareça uma afirmação gratuita, indigna de quem se assenta aqui, eu direi concretamente que, pelo meu esforço, setenta presos saíram uma vez das cadeias das Caldas da Rainha, e foi ainda pelo mesmo esforço que um bravo oficial, tenente-coronel do exército e antigo segundo comandante da polícia, com uma importante folha de serviços, saiu da prisão onde estava com o rótulo de conspirador, tendo tanta culpa como eu. Posso citar nomes, se a Câmara o desejar.
Aproveitei esta ocasião. Sr. Presidente, para definir bem a minha atitude de justiça igual, porque em cousas de consciência é ela, acima de tudo, o meu partido. Estarei em êrro, mas creio bem que quem assim procede tem autoridade moral bastante para repelir insinuações como aquelas que me levaram a tomar hoje a palavra.
Tenho dito, Sr. Presidente, e disse muito mal, porque, pelo menos, fiz perder tempo à Câmara com palavras, a maior parte das quais eram inúteis; mas é que muito me incomodou a questão que as motivou, bem contrária aos mais elementares princípios cívicos; e, seguindo assim, segue-se mau caminho de paixões e de dissolução, conseqúentemente cheio de perigos para a marcha ordenada da política portuguesa.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O Sr. José Júlio César: — Sr. Presidente: eu tinha pedido ontem a palavra quando o Sr. Carneiro de Moura, meu ilustre amigo, tratou aqui da necessidade absoluta da publicação dum código administrativo dentro de pouco tempo, assunto já por mim tratado em duas sessões anteriores.
O Sr. Carneiro de Moura declarou ao Senado que não havia no Ministério do Interior nenhum projecto de código administrativo elaborado pela comissão para isso encarregada pelo Sr. Machado Santos, quando Ministro do Interior. Sabe-se, porêm, que êsse projecto chegou a ser esboçado e organizado pelos Srs. Cardoso de Meneses e Sebastião Proença, membros dessa comissão, e que várias folhas dêsse trabalho tinham sido impressas. Se essa obra não foi concluída deve o facto ter sido devido ao Ministro que sucedeu ao Sr. Machado Santos no Interior não ter trocado impressões com essa comissão, para se assentar nos prin-
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cípios que deviam orientar aquele trabalho.
Certo é que êsse projecto de código administrativo não foi ainda presente ao Sr. Ministro do Interior, nem foi publicado no interregno parlamentar, como eu propus no mês de Agosto, continuando o pais na situação de ter quatro códigos administrativos em vigor, com mais uma avalanche de legislação avulsa, dando o resultado de que tudo quanto respeita a direito administrativo está perfeitamente num caos.
Aproveito a ocasião de estar presente o Sr. Presidente do Ministério e Ministro
do Interior para chamar a atenção de S. Exa. para êste assunto, que reputo de
capital importância.
Se, porventura, estivermos à espera de que qualquer membro do Parlamento apresento uma obra como deve ser o Código Administrativo poderemos não sair tam cedo, ou nunca, desta desgraçada situação.
Tive a satisfação de ouvir ontem dizer ao Sr. Carneiro de Moura que tinha um projecto de Código Administrativo elaborado que podia apresentar, dum momento para o outro, nesta Câmara.
Peço ao Sr. Ministro do Interior, o meu prezadíssimo amigo Sr. José Relvas, a quem muito respeito e considero, que procure prestar ao país o altíssimo serviço de trazer ao Parlamento o projecto que o Sr. Carneiro de Moura elaborou, e que deve ser uma obra de valor, atento o grande mérito e competência do seu autor, ou o que a comissão composta dos Srs. Cardoso de Meneses e Sebastião Proença está encarregada de organizar, ou ainda qualquer outro que S. Exa. repute em condições de poder ser discutido. Deve ser isso o mais depressa possível. Poderia ainda S. Exa. pedir autorização ao Parlamento para o promulgar no interregno parlamentar, se assim o julgar conveniente.
A situação em que estamos é que não pode continuar por mais tempo.
Na actual situação, as corporações administrativas, como muito bem disse o ilustre Senador Sr. Machado Santos, encontram-se num verdadeiro caos.
É necessário sair dêle e o mais depressa possível.
E já agora quero aproveitar a ocasião de se achar presente o ilustre Presidente do Ministério para me referir a um assunto da mesma natureza daquele a que se referiu o ilustre Senador Sr. Ramires, esperando, contudo, que o Sr. Presidente do Ministério ou o Sr. Ministro dos Estrangeiros, quando es tiverem perfeitamente a par do que se dá e puderem responder, venha, qualquer dêles, a esta casa do Parlamento dizer qual tem sido a acção do ilustre Ministro do Portugal em Paris, e, bem assim, como exerceu as suas funções o encarregado de negócios de Portugal em Madrid, ao tempo da aventura monárquica no norte, por isso que a imprensa, uma pequeníssima parte embora, pois que se limita apenas a um jornal, desde há alguns dias a esta parte, anda fazendo uma campanha, que reputo tendenciosa, no sentido de colocar em má situação um dos funcionários mais distintos da carreira diplomática e que é, tambêm, um verdadeiro republicano.
S. Exa. sabe muito bom o que foram as horas amargas de revolta de Monsanto, e sabe, tambêm, que ao tempo da revolta rialista do norte caiu um Ministério e reorganizou outro, ficando sempre a pasta dos Estrangeiros a ser exercida em interinidade o, portanto, em acumulação, por virtude da continuação em Paris do Ministro, Sr. Dr. Egas Moniz.
S. Exa. sabe bem o que tem sido o trabalho na pasta da Justiça, e com a interinidade na dos estrangeiros, dêsse grande português que é o Dr. Couceiro da Costa.
V. Exa. compreende bem, Sr. Presidente, como durante êsse tempo não era possível expedir para o estrangeiro as notícias com o cuidado que se deveria ter, visto S. Exa. não poder estar em toda a parte, resultando daí algumas comunicações chegarem tardo ao seu destino.
V. Exa. sabe ainda que uma parte da imprensa de Madrid é essencialmente germanófila e que parte dos jornais madrilenos era muito favorável aos rialistas do norte. Em Tui e Vigo havia até uma empresa encarregada de fazer o jôgo da junta governativa do norte. E fazia-o com um inexcedível zelo.
De maneira que só, porventura, não foram para a imprensa de Madrid as notícias oficiosas do nosso Govêrno acêrca do que se passara em Portugal, com a rapidez que seria p.ira desejar, eu tenho
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a convicção de que isso não foi devido à falta de cuidado e amor às instituições republicanas da parte do Sr. Vasco Quevedo Pessanha, encarregado de negócios em Madrid.
S. Exa. tem dado frisantes provas, durante a sua carreira diplomática, de que é um funcionário zelosíssimo, inteligente e honesto, e de que é um verdadeiro servidor das instituições republicanas.
Devo dizer ainda que S. Exa., quando foi das revoltas ou incursões couceiristas de 1911 e 1912, empregou todos os seus esforços para bem servir as instituições, como nosso vice-cônsul na Estremadura Espanhola, merecendo os maiores louvores do Sr. Bernardino Machado, Ministro dos Estrangeiros, e do Govêrno de então. E por tal forma procedeu que vários monárquicos cortaram, nessa altura, com êle as suas relações, vendo nele, como têm continuado a ver, e como de facto é, um bom republicano.
Mas há mais. O Sr. Dr. Vasco Quevedo é tam correcto no seu proceder, que, quando chegou a Espanha a notícia de que tinha sido restaurada a monarquia no norte de Portugal, êle, como o Sr. major Alberto Pais, de cujo republicanismo ninguêm pode duvidar, pediu a demissão do seu cargo.
Por aqui se vê, Sr. Presidente, o amor que S. Exa. tem às instituições republicanas. Pediu a sua demissão porque não queria servir com outros.
O Sr. Dr. Vasco Quevedo conseguiu — devo acrescentar ainda — pelo seu zelo, pelo seu carácter e pela sua correcção de proceder, quando serviu em Berlim com o Sr. Dr. Sidónio Pais, a sua maior estima e consideração. E tanta, que o falecido e saudoso presidente o nomeou primeiro testamenteiro do seu primeiro testamento.
Tambêm o Sr. Augusto de Vasconcelos, que todos conhecem como um antigo e verdadeiro republicano, empregou todos os esforços para que êle o acompanhasse como 1.° Secretário para a legação de Londres, o que decerto S. Exa. anão faria, se o Sr. Quevedo não fôsse da sua inteira confiança e não lhe tivesse merecido, durante o tempo que com êle serviu, o maior conceito.
Ainda o Sr. Egas Moniz, quando foi nomeado nosso Ministro em Madrid, uma
das primeiras condições que impôs para ir desempenhar a missão que com tanta inteligência levou a cabo, foi que o Sr. Vasco Quevedo o acompanhasse.
Nessa altura era êle governador civil de Aveiro, onde foi tal o seu proceder e a sua obra, que, quando foi da sua despedida daquele lugar, não houve republicano nenhum de cotação, democrático, unionista ou evolucionista que se não fôsse despedir dêle à estação.
De forma que, Sr. Presidente, eu não posso deixar de sentir uma profunda mágoa, ao ver que alguma imprensa de Lisboa, não hesite pôr em dúvida o zelo, o patriotismo e o republicanismo do Sr. Vasco Quevedo. Isto magoa muito, Sr. Presidente, sobretudo por reconhecer os fins que se tem em vista.
Eu quero pedir ao ilustre Presidente do Ministério, Sr. José Relvas, por quem tenho a máxima consideração, porque é um homem de bem e um intemerato republicano, (não desejando, porêm, que S. Exa. me responda já, mas sim depois de estar devidamente esclarecido com as informações que há-de receber do ilustre Ministro de Portugal em Madrid, o Sr. Teixeira Gomes, que é um verdadeiro homem de bem, um espírito justo, dotado dum são critério, e que é, ao mesmo tempo, um republicano dos mais conceituados), que não deixe de esclarecer o Parlamento a tal respeito, tanto mais que as suas palavras sôbre êste facto, proferidas há dias na Câmara dos Deputados, foram mal traduzidas na imprensa, deixando dúvidas que é preciso esclarecer.
Espero, assim, que após a chegada das informações acêrca do papel importante do Sr. Vasco Quevedo Pessanha, na actual e grave conjuntura, S. Exa. o Sr. Ministro dos Estrangeiros há-de trazê-las ao Parlamento, e estou convencido de que nada haverá que seja desprimoroso para aquele ilustre diplomata.
Se alguma falta houver, o que não acredito, o Sr. Vasco de Quevedo não deixará de assumir toda a responsabilidade que sôbre êle possa impender.
Contudo, pelo seu passado, pelo seu carácter, pela sua inteligência, pelo devotado amor que sempre dedicou à sua profissão e pela sua inabalável lialdade aos seus superiores hierárquicos, essas informações hão-de ser as melhores, porque
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soube ser sempre um bom português e um bom e lial servidor das instituições.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Relvas): — Ouvi com a maior atenção as considerações feitas por V. Exa., e vou estudar o assunto, devendo dizer desde já que é meu desejo que o país possua um Código Administrativo que lhe seja proveitoso
Relativamente aos dois diplomatas a que se refere a imprensa e a que V. Exa. se referiu tambêm, o Govêrno tem a declarar que é absolutamente estranho a campanhas dessa natureza.
O Govêrno, quando vê que qualquer funcionário, quer em Portugal que no estrangeiro, não cumpre o seu dever, não tem senão um caminho a seguir, que é não conservá-lo mais tempo nesse lugar; emquanto isso,, não se der, o Govêrno conservá-lo há no seu lugar o dar-lhe hei a sua confiança.
Tenho dito.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Ministro das Colónias (Carlos da Maia): — Sendo esta a primeira vez que tenho a honra de falar nesta casa, começo por saudar V. Exa. e todos os ilustres Senadores, apresentando-lhes a minha homenagem de respeito e consideração.
Vejo agora enviar para a Mesa uma proposta sôbre a nomeação do governador do Timor, visto que o actual tem de retirar-se com a máxima urgência, propondo para êsse cargo um funcionário que está em Macau, que é a província, que mais perto se encontra daquela colónia.
A proposta é a seguinte:
Proposta
Sondo necessário prover urgentemente o lugar de governador da província de Timor; encontrando-se em Macau, onde tem desempenhado diversos cargos com acerto e inteligência o major de infantaria António Júlio Guimarães Lobato, que por isso está em condições de rapidamente poder tomar conta do mesmo lugar; tenho a honra de propor o referido major de infantaria António Júlio Guimarães Lobato para o cargo de governador interino da província de Timor. — O Ministro das Colónias, José Carlos da Maia.
O Sr. Alfredo da Silva: — Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer umas breves considerações acêrca duma proposta, que nos termos do Regimento desejo mandar para a Mesa.
Em duas palavras vou dizer de que se trata.
É de 1892 o regime pautal que, quer na metrópole quer nas colónias, nos está regendo; quer dizer que há vinte e seis anos está em vigor. Isto dispensa qualquer argumento sôbre a necessidade da reforma das referidas; pautas.
Mas acresce ainda o seguinte: é que ultimamente foram decretados o pagamento duma parte dos direitos em ouro, o que corresponde a uma sobretaxa pautal e tambêm uma sobretaxa sôbre artigos de luxo, o que ainda veio complicar e desequilibrar mais as bases em que assentava o nosso regime pautal.
Assim, êste mesmo regime pautal, mais que antiquado, antiquadíssimo, que poucas alterações tem sofrido, foi agora alterado duma forma empírica, sem ter tido por base um estudo racional, considerando as circunstâncias da actualidade.
Estamos próximos do termo da Conferência da Paz e neste momento, em que o modo de ser da geografia e o modo de ser económico de todos os países vão ser completamente transformados, em que as relações entre a metrópole e as colónias vão ser alteradas de forma que o proteccionismo terá de ser revisto e adequado ao estado das indústrias nos diversos países em que o regime da circulação das matérias primas vai constituir doutrina nova, a revisão pautal é um facto que se impõe.
Esta sessão legislativa vai, ao que parece, terminar em curto prazo de tempo e provavelmente antes de concluída a Conferência da Paz; e assim, como medida preventiva e imediata, para o Govêrno ficar habilitado a modificar o regime pautal em conformidade com o que foi determinado naquela Conferência, mando para a Mesa um projecto conferindo poderes a urna comissão que com representação de classes e das estações oficiais, presidida pelo Sr. Ministro das Finanças e pelo Sr. Ministro das Colónias, possa organizar uma pauta de forma a pô-la em vigor logo que esteja terminada a Conferência da Paz. Depois virá ao Parlamento para
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ser aprovada ou modificada e desta forma se atende a uma necessidade que é inadiável, porquanto ao terminar a conferência o Govêrno tem que subordinar as condições do nosso regime pautal, o que quer dizer um regime económico, às conclusões daquela Conferência. Isto é assim e não pode ser doutra forma.
E essa reforma pautal, feita nas condições indicadas na minha proposta, faz que tenham uma representação larga as classes industrial, comercial e agrícola, quer do comércio das duas costas de África — a ocidental e oriental — às quais, por terem interêsses desencontrados, dei representação separada.
A minha proposta indica tambêm representação dos Ministérios dos Estrangeiros, Colónias e Finanças, havendo assim uma contextura de conjunto para se conseguir um trabalho útil para o país.
Isto posto, aproveito a ocasião de estar presente um membro do Govêrno para chamar a atenção do Sr. Ministro das Subsistências e Transportes para o que se está passando com o transporte de adubos necessários à agricultura.
A situação que se está Criando a êste respeito é muito grave. E certo que há necessidades militares, necessidades do fazer transportes de tropas para o restabelecimento da ordem pública, que estão acima de tudo; mas é preciso que se saiba — e é bom dizer-se — que se está no momento da adubação nas zonas servidas pela linha de oeste e linha do norte e que daqui a quinze dias já se não poderão fazer as sementeiras, sendo depois nulos todos os transportes porque já não podem ser adubadas as terras. Uma das sementeiras é a da batata. Veio a semente de fora, custou muito dinheiro, tem havido grandes dificuldades para o transporte dessa semente, mas ela não pode ser utilizada por falta de adubos a tempo nos locais de emprego.
Não estou defendendo interêsses meus. O caso de poder colocar ou expedir uns vagões de adubos a mais ou a menos representa para nem um valor mínimo. Deixar de se fazer as culturas representa para o país um valor máximo, que é o que interessa. A batata é um género de primeira necessidade e pode perder-se a respectiva sementeira por falta de transporte de adubos. A falta de transporte
prejudica igualmente os trigos temporões.
Peço, portanto, a V. Exa., Sr. Ministro das Colónias, que transmita as minhas considerações ao seu colega dos Abastecimentos, visto tratar-se dum assunto de essencial gravidade. E os representantes dos sindicatos agrícolas que fazem parte desta Câmara, sabem bem quão verdadeiras são as minhas palavras.
Êste problema é urgente, e porque há outros transportes que poderiam esperar, sem prejuízo para a economia nacional, mais uns dias, devia dar-se-lhe a ele uma preferência absoluta. Êste transporte ou se faz agora, ou uma grande área cultivável do país ficará inculta e improdutiva.
O Sr. Ministro das Colónias (Carlos da Maia): — Ouvi com a maior atenção as palavras do Sr. Alfredo da Silva, com relação ao assunto que se relaciona com o transporte de adubos.
S. Exa. compreende bem as dificuldades que há na satisfação do seu desejo.
O Govêrno faz inteira justiça a S. Exa. e de modo algum lhe podia passar pelo espírito que o ilustre Senador trazia ao Parlamento um assunto que lho não fôsse sugerido pelo interêsse nacional.
Apresentarei ao Sr. Ministro dos Abastecimentos a lembrança do Sr. Alfredo da Silva, e estou certo que S. Exa. a tomará na devida consideração, atento o seu acrisolado amor à. Pátria e à República.
O Sr. Alfredo da Silva: — Agradeço as explicações de S. Exa., que dessa maneira vem auxiliar a minha idea.
O Sr. Oliveira Belo: — Pedi a palavra para secundar as considerações do Sr. Alfredo da Silva.
Quanto às modificações das nossas pautas, nunca se conseguiu senão nomear comissões que trabalharam poucos dias e em seguida se dissolveram.
Se há momentos graves para a economia nacional, é êste um dêles, porque aos nossos delegados à Conferência da Paz não se tem fornecido elementos para tratarem da questão pautal.
Os delegados da Inglaterra são perto de quinhentos indivíduos especialistas nes-
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sés assuntos e possuem os elementos bastantes para tratarem dêles na Conferência.
Êsse assunto será com certeza debatido ali e não se consentirá que Laja país algum que tenha, como o nosso, pautas com 200 a 250 por cento de protecção pautal. Tais percentagens só se fxam em casos extraordinários e para períodos restritos e não com limite indefinido.
Eu requeiro a urgência para a proposta do Sr. Alfredo da Silva porque se trata apenas da nomeação de uma comissão.
Consultado o Senado, é aprovada a urgência.
O Sr. Tiago Sales: — Tenho pena que não esteja presente o representante do Govêrno que há pouco se retirou da sala para, me referir ao que disse o Sr. Alfredo da Silva, e outras observações fazer sobro assunto que interessa a economia agrícola.
V. Exa. então fará o favor de transmitir as minhas considerações.
Teve o Sr. Alfredo da Silva inteira razão no que disse acêrca da falta de transportes para adubos e das consequências perniciosas que isso pode trazer à agricultura e ao consumidor.
Tinha já há dias pedido a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro dos Abastecimentos, pari, tratar dêste mesmo assunto, que é grave.
Tenho a convicção de que para a economia do consumidor o ano que se aproxima será pior do que o actual.
Alguns géneros de primeira necessidade serão mais caros, chegarão ao consumidor em piores condições do que neste momento.
A vida económica dum povo está dependente do barateamento de produção e da facilidade de colocação desta.
Êste ano as despesas de cultura são superiores às do ano passado aproximadamente a 50 por cento, e veja-se com que consciência se chegou a reclamar dos governos que os alimentos de primeira necessidade não pudessem ter um preço superior a 30 por cento do que tinham antes da guerra! A inconsciência com que em Portugal se fala e escreve! Simplesmente inacreditável tam profunda ignorância de tudo!
Não exagero dizendo que os preços das culturas são hoje superiores á 600 por cento do que era antes da guerra.
Haja vista que o trabalhador agrícola está exigindo 500 por cento mais do que tinha antes dá guerra. (Apoiados).
O mesmo acontece com o preço dos adubos, sendo só êste ano a elevação de seu custo em relação ao ano último aproximada de 50 por cento. Demonstrada fica assim a minha afirmação sôbre a inevitável elevação de preços dos géneros de primeira necessidade.
Em países como o nosso, onde há em geral horror ao estudo e abordar conscienciosamente assuntos que interessam à vida da Nação, e onde só apaixonam assuntos de mínima importância para aquela, como os que dizem rés peito ao partidarismo estreito ou, como quem diz, à caça dos empregos, sei, repito, que questões como esta fatigam deveras, tendo eu, todavia, o prazer de reconhecer que isso não se dá no Senado, onde há verdadeiro interêsse por estas questões.
Mas, Sr. Presidente, alêm das razões que eu acabo de expôr e que motivam fatalmente um acréscimo de preço nos géneros de primeira necessidade, outros motivos há que concorrem e muito para isso, tais como a falta de transportes de caminho de ferro e o aumento de tarifas.
Muitas vezes acontece que, quando os adubos são precisos para as sementeiras, não chegam a tempo de poderem ser empregados, agravando muito êste facto o estado deplorável em que se encontram todas as estradas do nosso país.
É tam grave a situação de nossas vias de comunicação, que toda a vida do País está sendo fundamente perturbada com tal estado de cousas.
Já anunciei uma interpelação ao Sr. Ministre do Comércio sôbre o assunto, muito desejando que não se demore a sua realização, pois tenho na minha carteira dezenas de telegramas de câmaras municipais e de sindicatos agrícolas, reclamando as mais enérgicas providências sôbre o assunto.
Quando essa interpelação se realizar, demonstrarei que são em número de 5.000 os quilómetros de estradas necessitando urgentemente grandes reparações, o que quer dizer que a todos os momentos em 5.000 quilómetros de estradas portuguê-
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sa.s dezenas de milhares de portugueses estão gritando alto as suas indignações e apóstrofes contra tal descuido de administração (Apoiados).
Ainda não há muito que, passando eu na estrada que vai da Lourinhã a Torres Vedras, tive ocasião de ver no caminho duas galeras inutilizadas, isto devido ao mau estado em que se encontra o referido caminho, onde há verdadeiras trincheiras abertas, como se nela se tivessem travado rudes batalhas. Temos de encarar esta importantíssima questão de frente, sem o que não se deixarão de ouvir os maiores e justificados protestos e será impossível baratear a vida. (Apoiados).
Sr. Presidente, o mau estado em que se encontram as estradas do nosso país merece a especial atenção do Parlamento e do Govêrno, conforme o exigem os altos interêsses nacionais, só se podendo resolver o assunto como demonstrarei com um empréstimo, pelo menos, de 9.000 contos.
Sr. Presidente: outros factos vou apontar que muito tem prejudicado as culturas, e que bem demonstram como no nosso país encaram os assuntos económicos agrícolas, ainda mesmo aqueles que, por dever, tem a obrigação de os conhecer e de lhes dar sola cão satisfatória.
Todos sabem, Sr. Presidente, a grande necessidade que existe do nitrato de sódio, fertilizante êste que é de absoluta necessidade para a cultura do trigo, numa grande região, e bem assim para a composição de adubos compostos; pois, a êste respeito, vou contar à Câmara um facto que é bastante curioso.
Se bem que já tenha chegado a Lisboa, e já esteja nas mãos 4o comércio e da agricultura o nitrato de sódio vindo da Argentina, e se bem que já tivesse sido distribuído à indústria o nitrato que lhe cederam e em grandes quantidades, ainda não chegou à agricultura, conforme fora determinado, o que está na alfândega há mais de dois anos e que foi desembarcado dos navios que pertenciam à Alemanha!
Risos.
Por esta razão muitos sindicatos e agricultores e estão comprando por dura necessidade ao comércio a 300$, quando o podia obter por metade do preço, por meio da Federação de Sindicatos Agrícolas e outras associações agrícolas.
Já em fins de Janeiro é que êsse rateio foi feito, agravado isto ainda pela dificuldade que sempre existe na obtenção dos documentos nas repartições, apesar de haver o maior empenho em que as formalidades burocráticas se simplificassem de modo a não aumentar mais, como disse, a extraordinária demora no rateio do nitrato que estava na alfândega.
Vou contar à Câmara como estas cousas se passam; é digno dum artigo do Sr. João Verdades, que muitas vezes tem carradas de razão no seu espírito crítico e afiada ironia sôbre a maneira como se dão os acontecimentos no nosso país.
Já disse que o nitrato de sódio foi distribuído tarde. Feita a distribuição, fácil devia ser o despacho. Mas veja V. Exa. os tramites que tem de passar para chegar ao seu destino. Feita a distribuição a Direcção Geral de Agricultura passa a guia; essa guia tem de ir à Contabilidade do Ministério dos Abastecimentos e depois h do Ministério do Interior. Feito isso volta ao ponto de partida, isto é, à Repartição Superior do Comércio e Agricultura. Depois, tem de ser paga no Banco de Portugal. Imaginam agora que depois disto segue para a alfândega a despacho? Não senhores, tem de voltar novamente à contabilidade do Ministério dos Abastecimentos e assim sucessivamente, como é costumo dizer-se.
Pisos.
E o que é facto é que se passam dias e semanas e não há maneira de fazer chegar o nitrato ao seu destino. Eu pregunto, Sr. Presidente, se tudo isto não era assunto até para figurar num quadro de revista, se não fossem os extraordinários prejuízos que causa. Mas, o que sucede com isto, acontece com tudo o mais.
O que sucede com o nitrato de sódio acontece com a batata para semente. Sôbre êste assunto, tambêm há casos interessantes a contar à Câmara. Ajuda hoje, em conversa com o Sr. José Barbosa, estivemos fazendo considerações sôbre o que se passou a propósito da vinda de batata francesa para Portugal. É uma cousa muito complicada, mas que valia a pena relatar ao Senado para ver como assuntos, que são importantes, são tratados com menos cuidado.
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Restando todavia que diga que nenhuma semente veio de França, apesar dêste país ter autorizado a sua saída para Portugal!
Êste caso ficará para outra vez visto que já estou abusando um pouco da paciência da Câmara.
Vozes: — Não apoiado.
O Orador: — Relativamente à batata que nos foi enviada de Inglaterra, posso garantir a V. Exa. que ainda a Federação dos Sindicatos Agrícolas não recebeu uma única semente, apesar de estarmos num período de tempo nada cedo para as sementeiras e apesar das reclamações recebidas.
Como se tudo isto fôsse pouco temos ainda a agravar esta situação dolorosa a máxima deficiência de serviços ferroviários, não havendo maneira de alcançar dois vagões para transporte de sementes e adubos como já referi.
Não está presente nenhum membro do Govêrno; pedia portanto a V. Exa., Sr. Presidente, o favor de transmitir ao Sr. Ministro dos Abastecimentos as minhas considerações, desejando em primeiro lugar, que sejam dadas as necessárias ordens para que seja fornecido material para o transporte de nitrato de sódio, adubos e sementes, sem o que as culturas mais reduzidas ainda serão com graves prejuízos futuros para todos os produtores, principalmente consumidores dos grandes aglomerados.
Peço, tambêm, o favor de transmitir ao Sr. Ministro do Interior que desejava saber qual a situação do Sr. Oliveira Soares, ilustre director da Associação de Agricultura e grande homem de bem, que pela sua idade e temperamento é insusceptível de se meter em aventuras revolucionárias.
Numa das últimas sessões tive ocasião do verberar os crimes cometidos pelos monárquicos no Pôrto, nas pessoas de presos, ao mesmo tempo que manifestava o maior prazer pelo contraste dêste procedimento com a generosidade dos republicanos para com os seus adversários, acrescentando que era necessário que em parte alguma se manchasse a República com atitudes menos correctas dos republicanos.
A propósito apontei o que se tinha passado na Nazaré, em Évora, com a prisão do Senador Sr. Oliveira Soares, presidente da Associação Central de Agricultura, pessoa que, pelas suas altas qualidades, mereceu a sua eleição para êste lugar.
A República, para se erguer no conceito do todos os portugueses, tem de manter o maior culto pela ordem, disciplina e respeito que a uns e outros nós devemos.
Aproveitar este movimento para satisfazer ruins paixões pessoais, ódios mais ou menos desprezíveis e ambições mesquinhas à custa da tranquilidade do muita gente, inocente e indefesa, não pode ser. (Apoiados).
Para isto deve olhar o Govêrno com a maior atenção, mantendo alio o prestígio do poder e a dignidade da República.
O Sr. João José da Silva: — Como aditamento ao que disse o Sr. Tiago Sales, lembro sôbre imunidades parlamentares o que vem no artigo 17.° da Constituição.
O Sr. Presidente: — Vou transmitir integralmente ao Sr. Presidente do Ministério as considerações, de S. Exa.
A respeito do Sr. Oliveira Soares, já ontem insisti junto de S. Exa. para que providências imediatas fossem tomadas, e S. Exa. garantiu-me que, dentro do possível, seriam atendidos os nossos pedidos.
Não havendo número para deliberações, marco sessão para amanhã, à hora regimental, com a seguinte ordem do dia: eleição de comissões, eleição do governador de Timor e pareceres das comissões.
Está encerrada a sessão.
Eram 16 horas e 17 minutos.
O REDACTOR — F. Alves Pereira.