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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
SESSÃO N.º 38
EM 28 DE AGOSTO DE 1919
Presidência do Exmo. Sr. António Xavier Correia Barreto
Secretários os Exmos. Srs.
Bernardo Pais de Almeida
José Mendes dos Reis
Sumário. — Chamada e abertura da sessão.
Antes da ordem do dia.—O Sr. Abel Hipólito envia para a mesa um projecto de lei sôbre melhoria no vencimento dos sargentos, explicando as razões do projecto.
O Sr. Machado de Serpa faz considerações sôbre a pesca na Horta e sôbre a guarda republicana.
O Sr. Pereira Osório faz considerações sôbre casos de política.
O Sr. Martins Portugal faz considerações relativas a existência de enorme quantidade de milho na nossa África, o qual se está estragando, por falta de transportes.
Responde o Sr. Ministro da Agricultura.
Ordem do dia. — Proposta de lei n.° 66.—Revisão da Constituição.
Sôbre a generalidade, usam da palavra os Srs. Oliveira e Castro, Herculano Galhardo, Jacinto Nunes, Ramos Preto, Celestino de Almeida, Pereira Osório, Álvares Cabral, Manuel Augusto Martins, Morais Rosa e Vasco Marques.
O Sr. Presidente encerra a sessão
Srs. Senadores presentes:
Abel Hipólito.
Amaro Justiniano de Azevedo Gomes.
António de Oliveira e Castro.
António Xavier Correia Barreto.
Artur Octávio do Rogo Chagas.
Celestino Germano Pais de Almeida.
Ezequiel do Sobral Rodrigues.
Francisco Vicente Ramos.
Heitor Eugénio de Magalhães Passos.
João Namorado de Aguiar.
Jorge Frederico Velez Caroço.
José Duarte Dias de Andrade.
José Jacinto Nunes.
José Joaquim Pereira Osório.
José Machado Serpa.
José Mendes dos Reis.
José Ramos Preto.
Luís António de Vasconcelos Dias.
Manuel Augusto Martins.
Manuel Gaspar de Lemos.
Pedro Alfredo de Morais Rosa.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Alberto Carlos da Silveira.
Alfredo Narciso Marçal Martins Portugal.
António Maria da Silva Barreto.
António Vitorino Soares.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
Bernardo Pais de Almeida.
Constâncio de Oliveira.
Cristóvão Moniz.
César Justino de Lima Alves.
Desidério Augusto Ferro de Bessa.
Herculano Jorge Galhardo.
Joaquim Celorico Palma.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Nicolau Mesquita.
Rodrigo Guerra Álvares Cabral.
Vasco Gonçalves Marques.
Srs. Senadores que não compareceram:
Abílio de Lobão Soeiro.
Alfredo Augusto da Silva Pires.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
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António Alves de Oliveira.
António Augusto Teixeira.
António Gomes de Sousa Vareta.
António Maria Baptista.
Armindo de Freitas Ribeiro de Faria.
Ernesto Júlio Navarro.
Francisco Manuel Dias Pereira.
João Carlos de Melo Barreto.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Maria de Moura Barata Feio Terenas.
José Nunes do Nascimento.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Júlio Ernesto do Lima Duque.
Manuel do Sousa da Câmara.
Pedro Amaral Bôto Machado.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Raimundo Enes Meira.
Rodrigo Alfredo Pereira de Castro.
Silvério da Rocha e Cunha.
Torcato Luís do Magalhães.
Pelas 14 horas e 40 minutos o Sr. Presidente manda proceder à chamada.
O Sr. Presidente: — Responderam à chamada 20 Srs. Senadores.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Leu-se.
O Sr. Presidente: — Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como nenhum Sr. Senador pede a palavra, considera-se aprovada.
Leu-se o seguinte
Projecto de lei
Do Sr. Abel Hipólito, mandando dar ingresso no quadro dos segundos sargentos do secretariado militar determinados segundos sargentos.
Para segunda leitura.
Justificação de faltas
Do Sr. Silva Pires, justificando as suas faltas.
Para a comissão de faltas.
Exmo. Sr. Ministro da Justiça:
1.° Há processos organizados por crimes de direito comum contra Solari Alegro, Baldaque e outros que praticaram crimes gravíssimos contra as pessoas o propriedades de republicanos?
2.° Em que estado &e encontra o processo contra o bárbaro e cobarde assassinato do ilustre cidadão Henrique Cardoso?
3.° Torna-se inadiável nomear um novo juiz para a comarca de Marco de Canaveses, porque o actual nunca lá foi fazer serviço, estando assim parados numerosos processos durante ano e meio.—Pereira Osório.
Para a Secretaria.
Ao Exmo. Sr. Ministro do Interior: Pedindo a colocação de uma companhia da guarda nacional republicana no distrito da Horta-Açôres.— Machado Serpa.
Para a Secretaria.
Cópia
Major José Maria Freire, guarda republicana. Lisboa, 665.— Peço bons ofícios telegrama Associação Comercial para Govêrno, Deputados e Senado.- Falta transportes inevitável ruína comércio se Govêrno não providencia urgentemente, chuvas êste ano precoce, choveu já dois dias géneros expostos acção tempo Lobito, estações longo linha armazenados Benguela Lobito estão deteriorar-se, calculado valor superior dois mil contos. Praça concedida Zaire cem toneladas milho quando há dois mil embarcar e Sr. Ministro dissera carregar somente Lobito. S. Jorge carregou exclusivamente Loanda e Portugal diminuta praça contrário prometido e esperando motivo comércio recusou praça Zaire. Inevitável estrago total, ruína completa, não sendo atendidos seus juntos pedidos tantas vezes formulados e sempre desatendidos. Receie conduzirá descrença e abandono despreze.— Governador, interino, Tavares de Carvalho.
Para a Secretaria para enviar, por cópia, ao Sr. Ministro das Colónias.
Exmo. Sr. Ministro da Marinha: Que o distrito da Horta-Açôres seja contemplado com uma escola de pesca.- Machado Serpa.
Para a Secretaria.
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O Sr. Abel Hipólito: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa um projecto de lei, que se refere à melhoria do situação dalguns sargentos do exército.
Em Março de 1918 foi publicado um decreto sob o n.° 3:919, a fim de regular o provimento no quadro do secretariado militar.
É certo que não se deu execução às providências dêsse decreto, o que deu em resultado serem, prejudicados os serviços do secretariado militar das diversas repartições, pois que, vários sargentos pertencentes a este quadro estão prestando serviços nos corpos do exército, e ainda êstes, porque não tem tido acesso a um quadro que a lei lhes facultava.
De entre êstes, há a considerar muito especialmente os sargentos reservistas e milicianos que foram chamados ao efectivo, por efeito de mobilização, perdendo lugares civis que estavam desempenhando. Justo é, pois, que o Estado olhe com atenção para esses modestos funcionários, de maneira a garantir-lhes a sua existência e a de Mias famílias.
Nesta conformidade, mando para a Mesa um projecto de lei, que atende a estas circunstâncias, sem contudo prejudicar os sargentos do activo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Machado Serpa: — Sr. Presidente: desejava de usar da palavra na presença dalgum dos Srs. Ministros, mas como é provável que só tarde possam chegar ao Senado, vou fazer as considerações para que tencionava chamar a atenção do S. Exa.
Segundo consta, está prestes a finalizar esta sessão legislativa, e por conseguinte momentaneamente o Senado pode fechar as suas portas; não desejo contudo que isso suceda, sem que mais uma vez lembre ao Govêrno o distrito que represento nesta casa. Se isto constitui uma scie, eu quisera-a mais alargada e radicada, porque, Sr. Presidente, eu sou daqueles que entendem que a satisfação das pequenas necessidades locais, prestigia-nos mais aos olhos do povo do que as chamadas grandes questões ou os grandes problemas políticos.
E assim é Sr. Presidente, que eu tenho recebido do eleitorado do meu distrito alvitres e solicitações sôbre cousas regionais e não recebi ainda qualquer indicação para votar ou deixar de votar o princípio da dissolução ou o regime bancário ultramarino.
Segundo os jornais é intenção do Governo mandar proceder a um inquérito orientador sôbre uma das mais importantes indústrias do país, que é a das pescarias; mas, para que não fique tudo em inquéritos o palavras, o Govêrno pensa tambêm, segundo os jornais afirmam, em criar escolas superiores e elementares de pesca.
Isto creio que é novidade que pode valorizar-se ou vir a valorizar-se em óptimos e óptimos resultados.
É por isso que eu quisera ver aqui presente o Sr. Ministro da Marinha para lho pedir que, no conserto do seu plano, não esquecesse o meu distrito, que deve ser contemplado com uma escola de pesca, que bem o merece, por ser um distrito essencialmente marítimo, e mal se compreende que haja um distrito, repito; essencialmente marítimo, onde o peixe, que entra na alimentação popular, se venda quási ao preço do mercado de Lisboa, que o mesmo é dizer que se vende pelos olhos da cara.
Se S. Exa. estivesse presente, e insinuar-lhe ia que, se S. Exa. quisesse começar por fazer uma cousa prática, bastar-lhe ia contratar um vapor de pesca de alto mar e mandá-lo explorar o banco Princesa Alice que, se não estou em êrro, demora apenas umas treze ou quinze horas do meu distrito.
S. Exa., como marinheiro distinto que é, certamente não ignora que, segundo as investigações scientíficas do grande oceanografista Príncipe de Mónaco, que crismou aquele banco com o nome de sua filha, é ali abundosa e excepcionalmente riquíssima a fauna piscatória ou iquetrológica.
Bom serviço, óptimo serviço mesmo, faria o Govêrno que mandasse explorar aquele filão de riqueza.
Algumas tentativas particulares têm falhado por falta de embarcações apropria das, que possam aguentar-se com as ondas, sempre ali revoltas e alterosas.
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E agora, Sr. Presidente, passando do mar à terra, quero referir-me a um outro assunto distrital.
Por um recente diploma legal, creio que de Maio passado, foram criadas companhias da guarda nacional republicana nas ilhas adjacentes. Se foram lá criadas essas companhias e se foram orçamentalmente dotadas, é porque se reconheceram necessárias. E bem necessária, e para já, é uma companhia da guarda republicana no meu distrito onde, pela escassez de recursos municipais, não há o mais leve organismo policial que tal nome mereça.
V. Exa., Sr. Presidente, sabe bem que o policiamento é sempre uma norma de progresso local, e muitas vezes é, ou pode vir a ser, ou pode vir a vincar a soberania, sobretudo em terras que como os Açôres, são por muitos motivos, que não vêm agora para aqui, invejadas por gentes de fora.
Quero dever a V. Exa. 3 mais uma fineza: é de transmitir estas minhas considerações respectivamente aos Srs. Ministros da Marinha e ao Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Satisfarei o podado de S. Exa.
O Sr. Pereira Osório: — Eu desejava a presença do Sr. Ministro da Justiça ou do Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Presidente: — Vou mandar saber se estão no edilício.
Pausa.
Não está nenhum dos Srs. Ministros.
O Sr. Presidente: — Transmitirei ao Sr. Ministro respectivo as considerações de V. Exa.
O Sr. Pereira Osório: — Sr. Presidente: foi com a maior indignação que li há dias nos jornais o estatuto de uma associação organizada em Espanha por Solari Alegro e por um indivíduo que foi comissário de polícia no Pôrto de cujo nome me não recordo.
É de estranhar é que êsses homens, que deviam estar sofrendo o castigo daquilo que fizeram, não contentes em estar bem.
Espanha, ainda ali organizam meios para combater a República o a liberdade.
Isto provêm tudo dos Govêrnos e das autoridades a quem compete não fazerem aquilo que deviam fazer logo desde o princípio.
E que neste período do dezembrismo, há realmente criminosos políticos, a maior parte, são criminosos de direito comum. (Apoiados).
Realmente são autores de assassinatos, de vandalismos, de torturas, roubos o assaltos, etc.
Portanto, parece que, se as autoridades judiciais e policiais, desde que a República foi restabelecida, tratassem a sério dêstes casos, há muito que os respectivos processos crimes estariam organizados e consequentemente feito o pedido de extradição junto do Govêrno Espanhol.
Devo dizer que não confio muito em que essa extradição se tornasse efectiva, mas pelo menos, os criminosos ver-se-iam obrigados a retirar para outro país onde não houvesse tratado de extradição.
A verdade é que nada se fez e assim vemo-nos na situação deprimente de ver publicados estatutos que são uma vergonha, renegando-nos a séculos passados.
Êsse estatuto é ignomínia principalmente porque afunda a alma republicana e se dirige a atacar a República Portuguesa e as nossas liberdades.
Era sôbre êste assunto que desejava interrogar o Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos a fim de que êle me dissesse se realmente as autoridades judiciais e policiais competentes têm cumprido os seus deveres, se êsses processos já estão organizados, e, não o estando, em que estado se encontram e que providências pensa tomar para que se organizem e concluam.
Nesta ordem de ideas eu desejava tambêm preguntar ao Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos o que há relativamente a um processo, se é que êle existe, a respeito da morte de um grande republicano, que pela sua inteligência, pelo seu saber e amor à República, e que foi vítima de um cobarde assassínio, o cidadão Henrique Cardoso, pois, até hoje, decorridos mais de quatro anos, ainda ninguêm ouviu falar no processo, sendo realmente para
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lastimar que se tenha pôsto uma pedra sôbre um assunto tam importante.
Eu pregunto a V. Exa. e h Câmara que garantias de justiça dá a República, desde que a respeito dos próprios republicanos se guarda absoluto silêncio sôbre casos tam importantes como êste a que me venho referindo.
Eram estas as preguntas que desejaria lazer ao Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos, mas já que estou com a palavra referir-me hei a um outro assunto que reputo da máxima importância para a boa administração de justiça.
A comarca de Marco de Canaveses está desde há muito tempo sem juiz, sendo muitíssimos os processos que jazem parados nos cartórios sem andamento; desejava por isso preguntar a S. Exa. se está ou não na disposição de nomear para aquela comarca um juiz, visto que o que para ali foi nomeado se acha doente, não podendo ocupar o seu lugar por se achar infelizmente atacado nas suas faculdades mentais há mais de um ano.
Vou, pois, resumir as preguntas que desejava fazer ao Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos, pedindo a V. Exa., Sr. Presidente, o obséquio de lhas transmitir e que são as seguintes:
1.ª O que há relativamente a êsses homens que no «dezembrismo» praticaram verdadeiros crimes do direito comum, se há processos organizados contra êsses indivíduos, de forma a poder-se efectivar o pedido de extradição, para que êles não L possam estar à nossa porta a achincalhar a República Portuguesa.
2.ª Em que estado está o processo relativo ao assassínio cobarde de Henrique Cardoso.
3.ª Está S. Exa. na disposição de nomear um juiz válido para a comarca de Canaveses.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: — Transmitirei ao Sr. Ministro respectivo as considerações de V. Exa.
O Sr. Alfredo Portugal: — Sr. Presidente: vou tratar dum momentoso assunto, que me parece digno de ser considerado pela Câmara.
Como se acha presente o Sr. Ministro da Agricultura, aproveito a ocasião de
mesmo a Sua Exa. me dirigir, esperando que transmitirá ao Sr. Ministro das Colónias as considerações que vou fazer.
Não quero tomar tempo à Câmara, pois que está dado para ordem do dia um dos projectos que mais tem apaixonado o Congresso e pelo qual toda a nação se interessa.
Por um telegrama que ontem me foi mostrado, assinado pelo governador interino de Benguela, Tavares de Carvalho, tive conhecimento de que no Lobito se encontram 12:000 toneladas do milho, prontas a partirem para o continente. A falta de transportes tem obstado a que êsse género venha e entretanto a acção do tempo e das chuvas precoces vai fazendo com que se percam cêrca de 2:000 contos, importância do mesmo.
Eu entendo, Sr. Presidente, que é da máxima importância o conseguir-se transportes para a sua condução.
Agora, que parecia termos entrado francamente num período de paz, o que vemos? E que continua a guerra ao consumidor, tornando-se cada vez mais intensa, cada vez mais gananciosa.
Parece-me, pois, que pedindo ao Sr. Ministro da Agricultura que transmita as minhas palavras ao Sr. Ministro das Colónias, eu interpreto o desejo do país.
Tenho presente a cópia do telegrama a que me refiro e, se V. Exa. mo permite, envio-o para a Mesa ou entrego-o ao Sr. Ministro da Agricultura para S. Exa. tomar conhecimento dêle e, assim, melhor transmitir ao seu colega referido, o das Colónias, o assunto que acabo de ventilar.
Creio que esta questão é melindrosa e que deve interessar a todos os bons portugueses, esperando, por isso, que o Sr. Ministro das Colónias não diga somente qie vai providenciar e antes, que providencia já, urgentemente, tornando em factos os desejos do comércio de Benguela.
O Sr. Lima Alves (Ministro da Agricultura): — Pedi a palavra para dizer apenas que transmitirei ao meu colega das colónias as considerações de S. Exa., podendo acrescentar, todavia, que êste assunto está sendo tratado por aquele meu colega que, creio bem, está verificando quais são as necessidades nacionais para permitir que
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o excedente do milho colonial possa ter outro destino.
Estava-se nesta altura, há dois dias, e, como saí de Lisboa, não posso garantir se já se foi mais alêm. Mas eu transmitirei, creia S. Exa., as considerações que fez, ao meu colega das colónia?.
O Sr. Alfredo Portugal: — Agradeço ao Sr. Ministro da Agricultura a amável gentileza da sua resposta e peço-lhe que, com o seu valioso auxílio, consiga alguma cousa de favorável neste assunto.
Passa-se à
ORDEM DO DIA
Discussão da proposta de lei n.° 66 (Revisão da Constituição)
O Sr. Oliveira e Castro: — Devo dizer a V. Exa. que nos anima o melhor espírito de concórdia e a melhor disposição para não ser protelado este debate, que vai aludir a um assunto já suficientemente esclarecido por meio da imprensa o da outra casa do Parlamento. Portanto, tudo quanto eu quisesse fazer para alongar esta discussão seria realmente estéril e improdutivo.
Já disso que nos anima a melhor disposição neste assunto, tanto mais que reconhecemos a conveniência de que, ainda nesta sessão legislativa, possa sair do Senado uma confirmação da proposta de há vinda da outra Câmara e ora aqui em discussão; mas o que é certo é que a nossa mentalidade não vai até o ponto de deixar de introduzir algumas modificações nessa proposta desde que as reparemos indispensáveis. Mas, mesmo neste peito de vista, faremos o menor número possível de modificações, não só para comprovar o nosso espírito de conciliação mas ao mesmo tempo para encurtar o debate.
Sr. Presidente, nos livros de direito constitucional aprende-se que o regime, parlamentar deve ter como elemento basilar o direito de dissolução; mas, mais que os livros, isto nos é ensinado pela lição dos factos passados, como já se afirma no nosso parecer.
A fôrça dos acontecimentos impôs aquele principio que, sendo um princípio basilar para ser introduzido na Constituição, precisava dos factos que todos nós presenceámos.
Eu não quero agora fazer aqui uma exposição dêles, porque com isso cansaria muito a atenção da Câmara. Mas eu creio que qualquer dos Srs. Senadores, olhando para dentro de si e passando em revista os acontecimentos que só têm dado no nosso país, concluirá que, só tivesse votado há mais tempo a dissolução, se teriam evitado muitas perturbações.
É preciso que se gravem na nossa incute todas as afrontas que se fizeram à mentalidade portuguesa e ainda, 8em dúvida, à nossa liberdade.
Eu nunca deixei de dizer aquilo que pensava, mas custava-me imenso o que só dará centra os partidos republicanos, até mesmo contra amigos muito estimados, como sucedeu com José Barbosa e Mesquita Carvalho, com a defesa dos seus princípios.
Tudo isso me sobressalta ainda e faz com que eu penso nossas horas amargas.
Outros factos só passarnm em vários pontos do país com individualidades diversas, não falando do mesmo nos do Pôrto, que são horrorosos.
Creio que todos nós estamos convencidos do que, se a dissolução se tivesse votado o tempo e horas, não só teria dado a ditadura.
Sr. Presidente: só a nossa educação política fôsse outra o a República estivesse consolidada — e não está menos neles ataques dos monárquicos do que pela desavença entre os republicanos — talvez a dissolução fôsse dispensável.
Desde 1887 que a República Francesa não passa os nossos dias, não passa os dias por que tem passado a nossa República e daí os resultados. E, Sr. Presidente, finda ontem em proclamar bem alto que os republicanos muito ainda tinham a sofrer!
Porque os republicanos franceses afastam de si todas as dissidências para, única o exclusivamente, tratarem do apazigua-mento e concórdia e olharem para os interêsses da Pátria.
Ali é sobranceira a Constituição acima do tumultuar das paixões dos homens. Aqui o que temos visto? É afundarmo-nos no mar encapelado delas.
Já só disse—e talvez muitos dos Srs., Senadores saibam quem são essas indiví-
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dualidades — que, em cada um do nós existe um ditador, e cada um de nós traz no bolso um dogma.
É a intransigência de opiniões e a irredutibilidade política.
Sr. Presidente: as revoluções portuguesas esfrangalharam a Constituição. Três foram elas: A de Pimenta de Castro; a de Sidónio Pais, e a outra, mas essa legítima, do povo, que fez decretar outra dissolução numas condições extraordinárias, dissolução que se não fez para esfrangalhar a Constituição, mas para a restabelecer. Bastavam êstes factos para decretar a dissolução legal. Mais do que os livros, bastam os factos.
Não é a hora para recriminações. Mas eu pergunto: Quem governou durante oito anos o ainda governa? Uni partido, exclusivamente um partido. É elo que tem a maior fôrça, já o disse no outro dia, é êle o maior esteio da República.
Todas as vontades dispersas, todas as inteligências afectas à causa da República, precisam congregar-se em volta dos organismos partidários, não só para a defender, mas para prestigiar.
Sr. Presidente: no meio em que se debate a política portuguesa, é bom que se dê ao Chefe do Estado o direito da dissolução, para êle ser um elemento ponderador da agitada política portuguesa.
E difícil êsse papel, mas só assim os conflitos serão momentâneos e as leis serão religiosamente acatadas.
Em meu nome individual, direi que só me solidarizarei com os princípios e processos que tenho «aqui manifestado e em harmonia com os ditames da minha consciência.
O Sr. Herculano Galhardo: — Sr. Presidente: como presidente que fui da comissão encarregada de fazer o estudo do projecto de revisão constitucional que veio da outra Câmara, tenho o dever de explicar o motivo por que a§ comissão apresentou dois pareceres. E que, estando todos, se não em princípio, pelo menos em virtude das circunstâncias do momento, de acôrdo em que se introduza na Constituição o direito de dissolução conferido ao Presidente da República, nós, Senadores do partido republicano português, fornos da opinião contrária aos Senadores evolucionistas, unionistas, católicos, e independentes quanto ao modo de o fazer.
Não se tendo conseguido encontrar uma plataforma de conciliação, a comissão entendeu que melhor ilucidaria o Senado apresentando os dois pontos de vista que a dividiram. Assim está explicado como aparecem dois pareceres.
Sr. Presidente: há no campo republicano quem tenha a excessiva preocupação de que são os monárquicos os maiores inimigos da República.
É uma maneira de ver. Outros há que supõem que o perigo se encontra nas manifestações por vezes violentas, exageradas, e muitas vezes desordenadas das aspirações do proletariado, como se aos republicanos devessem causar surpresa tais manifestações!
Elas são a consequência, é certo, da propaganda revolucionária, mas resultam em grande parte de não ter a República podido resolver ainda a parte do problema social que o povo trabalhador considera incluído no programa republicano de 1910.
Há ainda quem pense que a situação actual da República, bastante perturbada e delicada, resulta da chamada falência dos partidos. São duas palavras com as quais se tem explorado suficientemente. Julgam êstes últimos que da dissolução dos partidos, ou da sua reorganização, deverá resultar uma situação estável para a República.
Curam principalmente de resolver o que êsses republicanos chamam o problema político, como se exemplos recentes não tivessem demonstrado que os homens, quer estejam nos partidos a que pertencem, quer se afastem para entrarem na constituição de Govêrnos extra-partidários ou de concentração, procedem todos de igual forma, com a mesma capacidade, ou incapacidade que é sua característica. Acontecimentos que não vão longe demonstram bem esta afirmação. O mal não vem, a meu ver, da forma como se encontram agrupados os homens da República.
Há ainda um outro grupo: o dos chamados ideólogos, por ironia. São aqueles que supõem que a República deve tirar a sua fôrça da prática dos princípios duma pura e sã democracia, e com esta fôrça enorme arcar imediatamente com a reso
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luçao dos problemas instantes, quer de ordem económica, quer de ordem social. Por esta forma se imporia ao respeito dos seus irredutíveis adversários» e ganharia de novo a estima daqueles para quem a República foi uma esperança e é hoje, porventura, uma desilusão.
A êste número dos ideólogos pertenço eu, modesto parlamentar que muito mo honro de ser, sem outras aspirações que não sejam servir a Pátria o a República, neste lugar, sinceramente convencido, com grande fé o digo, de que uma e outra se engrandecerão num futuro mais próximo, com a política daqueles princípios a que há pouco aludi.
Mas se me anima esta esperança, devo dizê-lo, tenho tambêm um grande receio. É que existe de facto um grande perigo para a República: é a reacção.
Não me refiro, bem entendido, àquela fôrça salutar e fecunda que, na dinâmica social, se opõe aos excessos extremistas; mas à reacção que é já tradicional na nossa terra, à reacção própriamente dita, que foi a causa da morte da monarquia liberal, e que há-de ser o eterno inimigo das instituições progressivas.
E vem isto a propósito de que? A reacção já porventura assentou es seus arraiais na República? Não direi tanto.
Mas se a reacção se não apresenta ainda perfeitamente definida, com todas as suas características, existe já na República, e triste é dizê-lo, o espírito reaccionário entre os próprios republicanos.
O projecto que veio da Câmara dos Deputados, e que hoje começamos a discutir na generalidade, é, na minha opinião, um projecto reaccionário. E um projecto com o qual se pretende retroceder, regressar a uma fórmula já condenada na vida portuguesa, e com tendências, digamo-lo francamente, a estabelecer na República uma nova forma do poder pessoal.
Poderá conseguir-se isso, mas nunca sem o meu protesto, com desprestígio do Parlamento, que é a soberana expressão da vontade popular. (Apoiados).
Eu vou terminar as minhas considerações, visto que se trata apenas de apreciar o projecto na generalidade.
Porque tenho ouvido mimos republicanos, de cuja fé eu não posso duvidar, republicanos distintos e altamente cultos, fazer a afirmação de que é necessária a dissolução como meio do resolver o problema político, aceito mais êste dogma e estou na disposição de votar o principio da dissolução, tanto mais que êle não vai absolutamente contra o meu espírito.
Eu admito perfeitamente que amanhã se possa dar um facto de tal ordem, importante para a vida Nação, que seja necessário recorrer ao eleitorado para ver se êle sanciona ou não a situação anterior.
Não concordo, porêm, com aqueles que querem resolver com a dissolução um problema de momento, porque não julgo necessário para isso introduzir um principio reaccionário na Constituição da República.
Se é indispensável praticar êste acto perigoso, façamo-lo de maneira que dêle não resulte desprestígio para a representação nacional.
Foi obedecendo a esta maneira de ver, foi dominados por esta ordem de sentimentos que nós pensamos na criação dura organismo que representasse o Parlamento o dêsse ao Presidente da República, sem tocar nas suas prerrogativas, nem o diminuir aos olhos da Nação, uma indicação constitucional, indicação que, para actos muito menos importantes do que é o da dissolução do Parlamento, se julga necessária.
A fórmula a que chegamos nós, membros do partido republicano português, com excepção daqueles que negam ainda o seu voto à dissolução, consta do parecer que mandei para a Mesa.
Com o pensamento de atendermos as justas aspirações e de as de progresso das minorias, procuramos valorizá-las na nossa fórmula com o enfraquecimento das maiorias e são exactamente as minorias que vem recusar o seu apoio à nossa democrática iniciativa!
Teríamos deixado de apresentar um parecer isolado se, porventura, o nosso ponto de vista tivesse sido combatido com argumento de qualquer ordem, mas afirmo a V. Exa. (e estou certo que as minhas palavras serão confirmadas pelos Srs. Senadores da minoria) que não houve uma objecção de valor que pudesse subsistir contra o organismo que nós pretendemos criar.
Não se negaram qualidades ao novo corpo político nem se lhe notaram defei-
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tos: recusar-se-lhe pura e simplesmente a aprovação, afirmando-se únicamente que era preciso não demorar a questão o introduzir no projecto da Câmara dos Deputados o menor número possível de alterações. Em tais termos não era possível chegar a uma plataforma de conciliação.
Dificulta o conselho parlamentar na prática a execução do princípio da dissolução? Pelo contrário, facilita-a.
Há outro ponto em que nós mostrámos quando estávamos empenhados em facilitar a dissolução. Emquanto as minorias propõem no seu parecer que o Parlamento funcione durante cento e vinte dias, nós não apresentamos essa exigência porque admitimos que, de um momento para o outro, pode surgir um motivo para a dissolução.
Seria ainda o conselho parlamentar que daria ao Presidente da República a indicação da oportunidade do fazer a dissolução.
Atendendo como se vê a todos os pontos de vista a que era preciso atender.
Como é que se recusa o voto a um parecer, nestas condições, únicamente por que elo poderia talvez causar uma pequena demora na aprovação do projecto?
Só se explica pelo espírito reaccionário, sem ofensa o digo, que invalida dos homens da República, mesmo daqueles que, durante o tempo da propaganda, tanto pregaram pela liberdade contra a reacção,
Sr. Presidente: posso declarar V. Exa., em nome da maior parto dos Senadores do Partido Republicano Português a que me honro de pertencer, que na generalidade vamos dar o nosso voto ao projecto de lei em discussão, porque reconhecemos a sua oportunidade, mas que nos reservamos o direito do o rejeitar na especialidade só não fôr atendido, como parece que devo ser, para prestígio parlamentar, a constituição do corpo consultivo, que nada diminuindo os poderes do Presidente da República, coloca no sou lugar o Parlamento que todos devemos respeitar.
Tenho dito.
O Sr. Jacinto Nunes: — Não desejo entrar na discussão dêste projecto na generalidade, reservando as minhas considerações para quando se discutir na especialidade.
O Sr. Ramos Preto: — Sr. Presidente: procurarei ser breve. Não usaria mesmo da palavra se não tivesse a honra de lazer parte da comissão encarregada do dar o seu parecer sôbre a proposta vinda da Câmara dos Deputados respeitante à dissolução.
Não me proponho atacar o princípio da dissolução. Êle já foi largamente debatido, mesmo apaixonadamente e tanto que até a um parlamentar que combateu o princípio da dissolução, se lhe chegou a negar autoridade para isso com pretexto do que se êsse parlamentar não tinha velhos pergaminhos de republicano.
Se esta estranha teoria fôsse aceitável, eu não podia tambêm falar contra o princípio da dissolução, porque eu não era republicano antes de 5 de Outubro de 1910. Vim da monarquia. Dei a minha imediata adesão à República logo após a sua proclamação. E devo dizer tambêm que vim para a Republica não movido por despeitos ou pelo malogro de ambições pessoais ou políticas. Se os tivesse podia realizá-los a dentro da monarquia. Piá felizmente nesta sala quem poderia confirmar as minhas palavras.
Encontro-me, portanto, à vontade dentro de República, pira dizer aquilo que penso ser útil à vida do país.
Sr. Presidente: nunca se preguntou a quem vem combater em defesa dos bons princípios, quem é, e de onde veio. Não se lhe pedem pergaminhos. Aos que tomara lugar nas barricadas para defender o mesmo ideal faz-se-lhe campo, dão-se-lhe armas se as não tem. Acolhem-se, não só repelem. E dessa má política que tantos males trouxe à República que saiu a infeliz denominação de adesivos para todos os que deram o seu apoio à República contundindo numa designação cínica todos os que por ambições inconfessáveis ingressaram na República com os que como eu trouxeram toda a sua fenos melhores destinos de Portugal engrandecidos pela República. Desculpe-me a Câmara em ferir esta nota pessoal. Com isto quero apenas dizer que eu estou lia Republica sem favor de ninguêm, disposto a servi-la, a defendê-la com lialdade e com dedicação.
Não tenho, é lacto, no meu activo político de republicano os sofrimentos físicos e morais que outros republicanos ex-
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perimentaram pela sua dedicarão à República; mas, se acaso as circunstâncias se proporcionarem e isso se fôsse imposto estava pronto a sacrificar-me por ela.
Sr. Presidente: se a despeito do que deixo dito ainda alguém me preguntasse pelos meus pergaminhos de vento republicano que me autorizam a tomar lugar entre os que defendem a República, eu responderia que não os tenho, mas que à falta de velhos pergaminhos tenho um passado de velho liberal, um passado de lutas rijas e ásperas, combatendo a reacção político-jesuítica emquanto tantos republicanos históricos, em suas lutas nunca acusaram a sua reacção jesuítica coma acção de presença no sentido restrito do termo, porque não confundo esta com a acção religiosa que ao meu espírito liberal não repugna, e, tanto que quer nas minhas palavras, quer nos meus modestos escritos, eu nunca neguei o valor nem regateei os méritos do clero secular nacional, levando as minhas afirmações mais longe até o ponto de demonstrar que o clero nacional não deve ser e não pode ser, nem é um valor despiciendo para a vida progressiva da República.
Desta forma, e porque ingressei na República limpo de mãos e consciência assim me mantenho, assim hei-de morrer, sem ter recebido, quer da monarquia, quer da República, favores ou benesses em meu interêsse pessoal, julgo-me autorizado a falar em favor da República que eu hoje reputo necessário e indispensável à manutenção da nossa nacionalidade.
Sr. Presidente: nestas condições, eu julgo-me autorizado a dizer o que penso, fazendo o com o desassombro e sinceridade com que costumo fazê-lo.
Sr. Presidente: sou contrário ao princípio da, dissolução. Desta forma compreende V. Exa. e compreende a Câmara que não posso aceitar como boa a proposta emanada da Câmara dos Senhores Deputados.
Não concordo com o projecto, porque não admito numa República parlamentar o principio da dissolução.
Não concordo porque o reputo um enxerto mal entalhado que, não pode vingar porque não pode soldar e ligar por falta de terreno propício, porque para isso seria necessária uma revisão de toda a Constituição, revisão profunda, para evitar antagonismos que hão-de colocar, infelizmente mais cedo do que eu presumo, os Poderes Legislativo e Executivo em conflito, conflito que há-de assumir as situações mais estranhas e bizarras e para o qual não haverá dentro da Constituição urna solução constitucional, conflito que só poderá ter solução pelos meios violentos. O Presidente pode dissolver o Parlamento, mas este pode destituir o Presidente. Rema e Avinhão!
Não aceito o princípio da dissolução, Sr. Presidente, porque ninguêm logrou convencer-me da necessidade urgente de estabelecer êsse princípio assim isoladamente e sem primeiro o pôr em harmonia cem as outras disposições constitucionais, e sem convencimento eu não posso de ler dignamente a pressões que vêm de fora, mormente quando forem tam activas, apaixonadas, cominatórias e até ameaçadoras.
Eu sou contrário à proposta da dissolução exactamente porque assim foi posta, pela forma como foi apresentada, votada e como veio até aqui.
E sabe V. Exa. finalmente porque é que sou contrário ao princípio da dissolução, é porque estou convencido de que a introdução de tal medida no nosso estatuto constitucional não é o remédio para os males do que vimos sofrendo.
Sr. Presidente: eu não me proponho a fazer agora uma dissertação de direito constitucional político com reprodução de teorias e citações de autores para demonstrar só inconvenientes de introduzir no estatuto de uma República parlamentar o princípio da dissolução. Isso seria uma impertinência, mais do que isso, uma manifestação de pedanteria da minha parte.
Até hoje, aqui, ainda ninguêm, absolutamente ninguêm, me apresentou argumentes com inocentes de que no regime republicano seja necessária a dissolução.
Mas, Sr. Presidente, eu estou convencido de que prestaria um mau serviço ao meu país, se deste lugar não dissesse tudo quanto penso e sinto a tal respeito.
O que dá na prática o princípio da dissolução?
Vejamos.
Vejamos na Inglaterra, o país das fórmulas parlamentares.
Veja-se o que lhe foi na primeira metade do século XVII.
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Desde 1603 a 1649 não houve Parlamento que não fôsse adiado, dissolvido ou prorrogado! E eu pregunto a V. Exa. o Sr. Presidente, se a dinastia dos Stuarts conseguiu vingar?
Não. Caiu exactamente pelo uso imoderado de tal prorrogada.
O último dos Stuarts deu a cabeça ao cepo do carrasco. Mas, Sr. Presidente, podem dizer-me que a Constituição Francesa de 1791 não continha o princípio da dissolução e, no emtanto, Luís XVI tambêm caiu. A isso responderei. E se a Constituição de 1791 contivesse o princípio da dissolução, Luís XVI, quer no 20 de Junho, quer no 10 de Agosto, Ateria acaso fôrça para expulsar os Deputados de Paris? Não.
Napoleão I, todos sabem, era um déspota a quem todos se curvavam. Pois bem, êsse homem, que estava habituado a impor a sua vontade a toda a gente, êsse homem que, pelo acto adicional, estava autorizado a dissolver as Câmaras, quando da coalisão europea em 1815, tendo apelado para todos os meios para manter-se e firmar-se, apenas para um acto êle Dão teve coragem. Foi o da dissolução do Pai lamento, porque toda a França, rica em glórias guerreiras, mas pobre, exausta, invadida, ansiosa de paz e tranquilidade, não lhe permitiria êsse atentado, e assim Napoleão mergulhou no ocaso da sua vida e a vontade nacional, representada pelo seu Parlamento, afirmou-se soberana e forte.
Em França, o último rei do ramo — ainé dos Bourbons, como perdeu a coroa? Por efeito da dissolução intempestiva.
Para que falar em países estranhos se o nosso é tam prolífico em exemplos. D. Carlos I de Bragança usou e abusou da dissolução parlamentar. O seu trágico fim deveria ser exemplo suficiente para que o Poder Executivo use de tais meios para derimir os seus conflitos com o Poder Legislativo. Os exemplos não são animadores. Os resultados têm sido nefastos. Para que tentar nova experiência? O Sr. Dr. Oliveira e Castro, relator do parecer da maioria da comissão revisora, disse que em cada um de nós há um déspota, e quando alçapremado ao fastígio do Poder manifesta as naturais tendências. Convenho, o se assim é, para que ir dar a um Presidente de República parlamentar o direito do dissolver o Parlamento? E um contrasenso. É uma aventura perigosa.
O Sr. Dr. Oliveira o Castro, por quem aliás tenho muita consideração, afirmou que todas as vicissitudes da República do há dez anos a esta parte se fundam na falta do princípio da dissolução.
Não escreva S. Exa. isso na história. Atribua-as a factos bem diversos; às paixões dos homens e suas ambições que criaram situações afrontosas e vergonhosas para todos nós com perdas dolorosas para a nação que tem sido vítima de tanto aventureiro ambicioso.
Por princípio liberal convicto, devo dizer que nesta hora tenho satisfação em não ver nesta casa as figuras de Palmelm Bernardo de Sá e de tantos outros a que, a gratidão nacional aqui prestou culto porque conseguiram à custa de todos os sacrifícios implantar o regime parlamentar, porque realmente se essas figuras pudessem animar-se agora êles sorrir-se-iam da infantilidade com que hoje queremos que seja estabelecido o princípio da dissolução parlamentar pura e simplesmente pela vontade presidencial num regime republicano! Bem sei que o regime parlamentar tem defeitos. Tambêm o júri os tem, mas com todos êsses defeitos êles são ainda um e outro salvaguardas únicas, aqueles da soberania nacional, este dos bons princípios que devem poder julgar os indivíduos.
Olhemos bem para a nossa responsabilidade. Não amesquinhemos, não vamos deprimir a grandeza da soberania parlamentar.
Eu não falo assim movido pelo receio de amanhã o Presidente da República me intimar mandado de despejo desta cadeira onde vim trazido pelo voto dos meus correligionários, pelo voto dos republicanos independentes, porque àparte os conhecimentos agradáveis que aqui tomei com os meus ilustres colegas, das relações de amizade que contraí com muitos dêles, sentir-me-ia satisfeito por abandonar estas cadeiras convencido de que cumpri com o meu dever de republicano e patriota, cedendo assim gostosamente o lugar a quem melhor o saiba desempenhar.
Entendo, porêm, que não posso sair depois sem afirmar que o Parlamento da República Portuguesa não pode fazer uma
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tal abdicação nem tomar tal responsabilidade para o futuro e perante a história.
Compreendo que num regime monárquico constitucional se estabelecesse o principio de dissolução porque êle é o paladino desse regime.
Mas êsses ainda se previnem porque determinam a consulta prévia antes de fazer a dissolução.
Mas no regime republicano não tem êle lugar.
Não admitem a dissolução as repúblicas suíça e norte-americana, mas admite-a a França dirão. E como se a não admitisse direi eu. Apenas em 1877 usou dela e no emtanto neste longo período de quási cinquenta anos graves conflitos ali surgiram entre os Poderes Legislativo e Executivo, J. Grevy caiu e nem 1880 (Bonlanger), nem Périer nem a questão Dreyfus que agitou a França determinaram uma dissolução parlamentar.
Embora não convencido mas para honrar compromissos partidários e reconhecendo que a opinião pede o princípio de dissolução, e presando-me de ser soldado disciplinada e sobretudo patriota o para não levantar dificuldades transijo, mas dou a palavra de honra que se estivesse em minha mão evitar a votação do principio da dissolução pura e simples como consta da proposta, evitá-la-ia.
Ninguêm me convence de que o principio de dissolução tam apregoado é necessário.
Não é. O que é necessário é reformar os nossos costumes políticos (Apoiados), para que não apareçam mais aventureiros imitando e miniaturizando figuras da história.
Porque penso assim e do melhor grado dei o meu voto ao parecer da comissão revisionista, porque entre dois males escolho o menor porque do menor se resolvem os bons princípios.
Dignifique-se o Parlamento porque assim não há desdouro para um Presidente em servi-lo, em auscultar as correntes da opinião e desta forma proceder desassombradamente sim, mas lialmente tambêm.
A opinião do Presidente, por muito inteligente, por muito ilustrado, por muito bem intencionada é susceptível de se apaixonar e, portanto, êle na lialdade, na dedicação patriótica e honrada das correntes de opinião a dentro da representação nacional encontrará os únicos, os legítimos, os mais verdadeiros indicadores para orientar-se em tam grave e melindrosa resolução.
Receio mais a voluntariedade caprichosa dum Presidente da República do que as divergências de opinião a dentro do Parlamento. Esta decide-se por uma votação, aquela só pode resolver-se pela submissão às vezes violenta e por via de regra sempre prejudicial.
Disse.
O orador foi cumprimentado pela esquerda da Câmara.
O Sr. Jacinto Nunes (dirigindo-se ao Sr. Dr. Celestino de Almeida): — Segundo o Regimento, a discussão na generalidade é sôbre a conveniência e oportunidade da medida.
O Sr. Celestino de Almeida: — Garanto a S. Exa. que eu nau sairei fora dos limites do Regimento mais do que qualquer dos Srs. Senadores que me precederam no uso da palavra.
Permita-me o Senado que me refira ligeiramente a algumas das observações feitas por alguns Srs. Senadores que me precederam na apreensão da generalidade da proposta de lei em apreciação.
E, antes de mais referir-me hei a um ponto tratado pelo Sr. Herculano Galhardo, referente à existência de dois pareceres apresentados respectivamente pela maioria e minoria da Comissão de Revisão Constitucional do Senado, e a cujo propósito, e quando se tratar da discussão da especialidade, haverei que fazer mais largas referências.
Por enquanto, limitar-me hei a fazer notar a S. Exa. que vários argumentos, dr ordem política e de natureza constitucional, foram produzidos no seio da Comissão pelos membros da maioria dessa Comissão, signatário do parecer que S. Exa., por motivos de consciência (sic), entendeu não dever assinar.
Se eram ou não valiosos, isso constitui especial aspecto do assunto; e por S. Exa. e pelos colegas que o acompanharam na factura dum segundo parecer, devem realmente ter sido considerados pouco consistentes, aliás mio teriam ido S. Exas. até a elaboração dêsse segundo parecer.
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Pessoalmente, tenho a declarar ao Senado que aduzi especialmente considerações» de ordem política e objectivas, por me parecerem as mais importantes no assunto em apreciação e no momento actual, e ainda por um velho hábito de mo alhear o que posso - quando tenho de tratar de questões de realidade objectiva, e cuja resolução urge — de quanto impliquem essencialmente com os denominados espírito jurídico e espírito matemático.
Ocupou-se o Sr. Ramos Preto de assunto doutra ordem que, se as condições acústicas da sala me permitiram bem ouvir, dizia respeito a observações feitas em um jornal, quanto a tradições políticas republicanas, não sei se só a respeito de S. Exa. ou se de mais alguns Srs. Senadores.
Sr. Presidente, lamento profundamente que tais observações hajam sido feitas na imprensa, pois que aqui, no Senado, todos somos igualmente representantes da soberania popular e Senadores da República.
Sr. Presidente, se entre mim e o ilustre Senador, o Sr. Ramos Preto, não tem havido relações íntimas e destas que muitas vezes ligam os homens para sempre, tem todavia havido as bastantes, para bem compreender a repulsão, e porventura a mágoa, que tais observações pudessem ter produzido no ânimo de S. Exa.; direi mais, lamento e condeno tais observações.
Sr. Presidente, tradições republicanas têm-nas os membros do Congresso que as têm, custaram-lhe a alguns dêles uma vida inteira de dedicação e esforço contínuo em prol da República, e a êstes compete, pelo seu proceder, aformosear cada dia mais em seu passado em que gratamente se podem rever; e aqueles a que porventura faltassem na vida passada tais predicados, compete-lhes, da mesma forma, pelo seu proceder como representantes da Nação, bem merecer dela pela sua actividade e isenção, ganhando assim as suas esporas de ouro, de que poderão em breve orgulhar-se tanto uns como os outros.
E a minha opinião pessoal sôbre o assunto.
Eu, Sr. Presidente, vou fazer umas ligeiras considerações de ordem pessoal sôbre a minha maneira de pensar, ou antes sôbre a minha maneira de proceder, pois que pela maneira de pensar só assumo responsabilidades perante mim próprio, emquanto que pela maneira de proceder podem exigir-mas os outros, e isto vem bem a propósito da dissolução parlamentar, que por mais de uma vez já — a dentro da vigência da República—tenho tido ocasião de versar em público como parlamentar, dêle me estou ocupando no momento presente, e possivelmente terei de sôbre êle me pronunciar no futuro.
Entrarei agora própriamente na apreciação da generalidade da proposta de lei em discussão.
Ao iniciar as considerações que tenho a fazer na discussão da generalidade da proposta de lei constitucional, vinda da Câmara dos Deputados, respeitante às atribuições do Presidente da República, não posso esquecer as responsabilidades pessoais antes publicamente tomadas sôbre o assunto, nem deixar de antever as possivelmente a assumir em 1921, época normal de Revisão Constitucional, se fôr então e me couber ainda o desempenho do alto cargo de Senador da República.
De facto, sempre partidário da atribuição da faculdade de dissolução parlamentar ao Presidente da República, a dentro do regime parlamentarista, tomei a tal respeito determinada atitude na Assemblea Nacional Constituinte em 1911, que não é bem a que ora assumo perante a proposta de lei em apreciação, como certamente diferente será a que houver de assumir em 1921, caso tenha possibilidades de então intervir no assunto.
Preconizei em 1911, e preconizaria hoje ainda, se tal matéria houvesse de ser apreciada neste projecto restrito de Revisão Constitucional, a dissolução — por assim dizer — automática da Câmara dos Deputados, após uma crise ministerial seguida da renovação total do Ministério, e a mais, sempre que decisão favorável do Senado fôsse dada à consulta que, a tal respeito, me houvesse sido feita pelo Chefe do Estado.
Tratava-se de uma como que adopção e adaptação da tradição parlamentarista inglesa, e da estatuição constitucional francesa, à nossa prática e ao nosso estatuto político fundamental.
Mercê da prática inglesa aludida, e do uso inalterável de serem imediatamente
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preenchidas as vacaturas dadas na Câmara dos Comuns, sem esquecer os hábitos de disciplina e ponderação peculiares aos cidadãos da grande nação aliada, se atingiu em Inglaterra a conveniente estabilidade ministerial, que tam propícia é aos largos empreendimentos de administração pública, e ao solucionamento ponderado dos complicados problemas sociais, havendo-se concomitantemente concorrido para a organização e desenvolvimento de grandes partidos políticos, elementos preciosos de um são regime parlamentar.
O preenchimento imediato das vagas abertas da Câmara dos Deputados permite-lhe êsse contacto quâsi permanente com as massas eleitorais, e portanto com a soberania nacional, de que elas são autênticas detentoras, o que dá azo a que mínimas variações por ela experimentá-las possam ter rápido oco e repercussão a dentro do meio parlamentar, cuja composição pode e deve ir pouco a pouco, sofrendo natural transformação.
E que assim é, demonstra-o cabalmente a tradição parlamentar inglesa, cujas oposições se robustecem habitualmente por esta forma, avolumando-se e engrossando até ombrearem com as maiorias, a que se segue em prazo incerto a lógica crise governamental, e a consequente renovação total do Ministério, resultado êste algumas vezes precipitado por divergências sujeitadas na própria maioria, divergências possíveis mas Dão precipitadas em geral exactamente pelo facto de à vida do Ministério estar ligada a existência da maioria que lhe dera vida e o amparar?.
Pelas razões aduzidas, Sr. Presidente, se vê quanto uma tal prática, uma vez introduzida entre nós, deveria ser susceptível de modificar e melhorar as nossas práticas políticas, concorrer para a estabilidade ministerial e ainda favorecer a organização de grandes correntes de opinião e formação dos respectivos agrupamentos políticos.
Não foi aceito o alvitre em 1911; terá melhor sorte em 1921, se então fôr renovado? Só o nosso popular Borda de Água poderá ter ânimo para fazer afirmações a tal respeito.
Quanto à faculdade de dissolução com voto conforme do Senado, tambêm alvitrada em 1911, defendida com sinceridade e tenacidade ate certa altura, esmoreceu
a vontade de por ela propugnar—tanto mais que foram variegados os alvitres apresentados, com intervenção do Senado ou sem ela—logo que para o mesmo Senado se estabeleceu a origem eleitoral que ainda lhe marca a constituição, pois que com um tal fundamento não pode dar sensatas e racionais garantias, de poder bem intervir, com a serenidade e demais predicados indispensáveis à. ponderada e imparcial resolução, que e quere tam momentoso assunto.
Mesmo que êle tivesse, Sr. Presidente, uma origem e organização moldadas pelas do Senado francês, não aprovaria que ao nosso sentido fôsse concedida a resolução sôbre a dissolução da Câmara dos Deputados. E isto porque lhe faltariam—em nosso fraco entender — como ao seu congénere francês, constituição e elementos apropriados ao melhor exercício de tam melindrosa operação.
Só a um Senado que concomitantemente representasse os interêsses regionais do país, e as aspirações e interêsses das grandes classes da Nação, cujos membros tivessem sido eleitos sm proporção sensivelmente igual, quer pelas corporações administrativas, quer pelos representantes legítimos da agricultura, comércio, indústria, operariado, exército, marinha, universidades, funcionalismo, etc., poderia caber a apreciação da grave crise política suscitada no seu país, que pudesse e devesse ter solução por meio duma dissolução; pois que havendo em -iodos o maior interêsse na boa marcha das cousas políticas do seu país, dada a forma da sua escolha e eleição no seu conjunto deveriam possuir a serenidade e alheamento das paixões políticas conveniente, para, bem poderem apreciar as condições de ocasião impeditivas duma consulta à soberania nacional, resolutória das graves dificuldades políticas emergidas.
Dessa intenção, facto êste a que já aludi, de em 1921 procurar melhor sorte para a solução delineada, única que se afigura susceptível de sã viabilidade.
E agora, no momento presente, que solução Lar à proposta de lei, que constitucionalmente nos vem da Câmara dos Deputados?
Na impossibilidade de poder procurar solução mais cabal ao problema da dis-
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solução parlamentar, e dada a indispensabilidade de se fazer faca à possível continuidade das graves agitações políticas, que têm salteado êstes primeiros laboriosos anos de vigência da, República Portuguesa, importa com real objectividade dos factos o possível previsão política, estatuir quanto às emergências políticas susceptíveis de irromper antes da época normal da revisão constitucional de 1921.
Pronunciei-me sem hesitação alguma pela fórmula preconizada na proposta de lei vinda da Câmara dos Deputados, pela faculdade presidencial de dissolução do Congresso sem quaisquer restrições, quando assim o exigirem os superiores interêsses da Pátria e da República.
Cabendo à maior liberdade a máxima responsabilidade, ao Chefe do Estado pertencerá, se porventura vier a criar-se a dura necessidade de haver de recorrer ao uso da faculdade de dissolução, pôr-se em contacto com quantas altas personalidades e agremiações representativas dos grandes interêsses nacionais, políticas ou não entender e julgar convenientes, para sua completa elucidação e esclarecimento sôbre a impositividade objectiva do uso da sua grave faculdade de dissolução.
E não podem restar dúvidas de que êle terá assim interrogado, ouvido e apresentado, não só quantos elementos lhe poderiam ser fornecidos pelos diversos conselhos consultivos que para sua inteira informação têm sido alvitrados, inclusive o que é proposto no parecer da minoria da Comissão de Revisão Constitucional do Senado, mas ainda bem outros mais muitos dos quais até caracterizados com um alheamento do lutas e paixões políticas tais, que bem deve considerar-se como apreciável garantia de imparcialidade e serenidade da sua apreciação das realidades objectivas de ocasião.
E sendo assim, Sr. Presidente, a que vêm os diversos conselhos consultivos dados à luz, se nenhum dêles por si, nem mesmo todos juntos, abrange a complexidade de elementos indispensáveis a concretização da opinião firme e consciente, que pode levar a agir em caso de tamanha magnitude?
Único dentre os partidos constitucionais do regime, o partido republicano evolucionista inscreveu no seu programa, desde a sua constituição política, o principio da dissolução parlamentar. Por tal principio se tem vindo sempre, mais ou menos, batendo, e com viva energia por elo pugnava em princípios de 1914, nas esperas, por assim dizer, da emergência da grande guerra com os impérios centrais.
Simplesmente, uma vez estabelecida a nossa virtual beligerância, logo nos primeiros dias, a 7 de Agosto, da grande luta, patrióticamente arredou do campo da sua acção todas as questões políticas possivelmente irritantes ou perturbadoras, não havendo voltado a prestar-lhe atenção maior, senão agora que se trata da revisão parcial na Constituição, visando especialmente êsse princípio de dissolução.
Não quere isto dizer que entretanto faltassem ao princípio da dissolução propugnadores, quer no seio do parlamento, quer no país. Teve-os, e à sombra dele, tal é a sua indispensabilidade no regime parlamentar, conseguira medrar a propaganda dezembrista, que não hesitou todavia em o fazer acamaradar com a ignóbil campanha da não ida para a guerra, para conseguir os seus fins.
E hoje compromisso tomado por todos os partidos constitucionais a inscrição do princípio da dissolução na Constituição da República Portuguesa, e daí o poder considerar-se como certa a sua próxima inclusão no nosso estatuto fundamental.
Não se pode, porêm, estatuí-lo por agora nas condições que seria para desejar; que ao menos seja inscrito com a largueza precisa e som restrições escusadas, mesmo porque em tal sentido se criou já corrente de opinião; tais são os votos que formulo e ouso esperar do esclarecido sonso e patriotismo do Senado.
O Sr. Pereira Osório: — A muito poucas palavras, Sr. Presidente, vou reduzir aquilo que tenho a dizer, sôbre a generalidade do projecto que se discute.
Desde 1912, se me não engano, que não tendo as urnas dado a certos agrupamentos políticos, aquela importância numérica e indispensável para governar, que se vem tangendo o chocalho da dissolução de que se tem aproveitado várias situações inesperadas criadas por homens ambiciosos e sem escrúpulos e que eu considero até anormais, começando de atribuir-se todos os nossos males à falta
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de estar consignado na nossa lei fundamental o princípio da dissolução. E de passagem permitam-me que diga que ê«te chocalho era tangido sempre como grito de guerra contra o partido democrático; mas adiante.
A fôrça, porêm, de se falar em dissolução, esta foi criando vulto e a verdade é que no espírito simplista da população, calou o argumento de que a falta do princípio da dissolução era a causa de todos os nossos males.
Hoje quem se opusesse ao estabelecimento daquele princípio seria lançado às feras e quási considerado como inimigo da República. No emtanto devo dizer que dou o mau voto ao projecto apesar disso ir contra os meus princípios.
Eu nunca pensei que os pontos municipais do parecer, de que é relator o Sr. Augusto Monteiro, pudessem dar origem a discussão de qualquer dos lados da Câmara.
Eu ouvi ao Sr. Celestino de Almeida no principio das suas considerações dizer que quando foi da primeira reunião da comissão em que só tinha lido o parecer vindo da Câmara dos Deputados, tinha mais ou menos concordado com a criação do conselho parlamentar, mas, ao verificar que na Câmara dos Deputado; se tinha votado a dissolução pura e simples, apresentou então alguns argumentos contra êsse conselho.
A constituição do conselho dignifica o Congresso, porque já assim se não pode dizer que foi dissolvido por uma simples vontade do supremo magistrado da nação.
Ainda num outro ponto este parecer se mostra duma abnegação e isenção moral notáveis quando dá hegemonia às minorias. Quero dizer: o partido democrático que tem sido sempre atacado de se opor à dissolução desta forma, vem mostrar que não quer pôr impedimento ao uso desta faculdade pelo Sr. Presidente da República.. E assim fez isto que é interessantíssimo: deu a maioria às minorias. Ninguêm poderá lançar sôbre êste Lido da Câmara a acusação do que está a por impedimentos ao livre uso da faculdade de dissolução pela Presidência da República. Se algum impedimento poderia ser pôsto seria pela maioria dêsse consolo que é representado pela minoria do Congresso.
Com estas breves considerações termino o que tinha a dizer sôbre a generalidade do projecto que entendo que deve ser aprovado.
Tenho dito.
O Sr. Álvares Cabral: - Sr. Presidente: não quero deixar de dizer a V. Exa. e ao Senado o que penso sôbre êste projecta de lei, que entendo de grande importância para o meu país.
Eu, Sr. Presidente, sou daqueles que não acreditam na panacea apresentada e apregoam a dissolução, dizendo que só com êsse princípio estabelecido deixaremos de ter resoluções no país. Infelizmente, eu, até agora, tenho visto que as revoluções só não têm feito em virtude da comissão dos partidos e dos homens.
Direi mais que voto a dissolução, não, como já disse, porque entenda que isso seja um; medida necessária, mas porque não quero contribuir, por forma alguma, para que se não faça experiência.
Mas voto-a com o conselho proposto pela comissão de revisão constitucional, porque estou convencido de que, alêm de, até certo ponto, nos garantir contra surpresas, dá a vantagem ao Presidente da Republica de não ser envolvido na política partidária, pois sem isso vai necessáriamente ser arrastado pelas conveniências partidárias.
É possível que eu não veja isto muito claramente, mas no meu cérebro tenho bem presente, esta idea tem-se falado na Constituição da República Francesa. O que é facto é que nossa Constituição está consignada a faculdade de dissolução, mas só depois do voto do Senado. Ali o Senado representa, pouco mais ou menos, o papel que a comissão de revisão constitucional dá ao Conselho parlamentar, o portanto não vejo razão para se estai sempre a falar na Constituição Francesa.
Tambêm me parece que, se esta Câmara votar o projecto exactamente nas condições apresentadas pela comissão, nenhumas dificuldades, trará a sua execução por isso que êste, conselho tem simplesmente o voto consultivo.
Pois será para admirar que o Presidente da República vá consultar um organismo para um acto tam solene, e importante como é o dissolver o Parlamento, quando, para a simples chamada de um
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Govêrno é da praxe consultar os leaders das diversas correntes políticas.
Mas, como já disse, voto este projecto com a consciência bastante descansada, porque assim, alêm de não ser desprestigiado o Parlamento, salvaguardamos a possibilidade de, em qualquer tempo, ser eleito um Presidente da República que queira, por uma questão que me abstenho de classificar, passar por cima dos representantes da Nação e lazer uma dissolução, sem ser perfeitamente necessária o sem que, nessa ocasião, se dê o desacordo entro os representantes do país e a maioria da Nação, que é caso único em que deve ser empregada a dissolução.
O Sr. Manuel Augusto Martins: — Sr. Presidente: não tencionava usar da palavra sôbre êste projecto, na discussão da generalidade, mas fui forçado a pedi-la, depois dumas declarações que, há pouco, ouvi lazer.
A primeira foi a de que êste projecto era, de qualquer maneira, influenciado pela reacção; era um projecto reaccionário, tendendo ao engrandecimento do poder pessoal; a segunda pela distinção feita entre republicanos novos e velhos.
Eu, Sr. Presidente, tenho a declarar a uma parto da Câmara, que me não conhece, que sou um dos republicanos que nunca foram outra cousa.
Tambêm sou daqueles que têm medo dalguns republicanos que se vão deixando influenciar pela reacção.
Neste ponto estou de acôrdo com o Sr. Galhardo.
Tenho visto, realmente, nos últimos tempos, pela idea de captar simpatias e engrossar partidos, muitas vezes, republicanos, que deviam ter mais arreigadas as suas convicções fazerem afirmações que não são próprias do seu republicanismo.
Sob êste ponto estou tambêm de acôrdo com o Sr. Galhardo.
Não sou dos republicanos exaltados, mas sou um dos republicanos que entendi mi que a República deve defender-se com toda a energia, principalmente no momento actual; nunca posso, portanto, ser acusado de reaccionário, ou de me deixar influenciar pela reacção.
Todavia, sou partidário do que se dê a faculdade de dissolução ao Presidente da República.
Devo dizer ao Sr. Herculano Galhardo que lhe faço justiça, e tenho a certeza absoluta de que S. Exa. dizendo algumas palavras contrárias à dissolução, está convencido que a dissolução é um mal para as instituições.
Mas deve tambêm S. Exa. fazer a justiça de acreditar que se eu sou partidário de que essa faculdade se dê ao Presidente da República, é porque estou convencido de que ela representa um grande beneficio para a República e não porque eu seja um reaccionário.
Defendo esta concessão sob o meu modo de ver e o meu modo de pensar.
Preciso dizer que nunca fiz, apesar do ser republicano velho, desde tempos do estudante, distinção entre republicanos desta ou daquela data; se o tivesse feito, arrepender-me-ia muito, pois que muitos republicanos do tempo da propaganda se têm atolado nesse lamaçal de deslialdades e traições ao ideal que outrora defenderam com tanto calor, ao passo que bastantes republicanos novos se mantiveram com firmeza, no seu pôsto de combate, em todas as ocasiões em que a República tem estado em perigo.
Hoje, portanto, não há que fazer distinção entre republicanos velhos e novos; cada qual defende a sua opinião com dignidade e na convicção de que bem servo os interêsses da República.
Parecia-me necessário fazer esta declaração.
E natural que eu esteja em êrro, defendendo a concessão ao Presidente da República de dissolver o Parlamento; mas a Verdade é que os tratadistas dizem precisamente o contrário daquilo que tenho visto apresentar nesta Câmara. Sustentam êles doutrinas de que tanto nas monarquias como nas repúblicas presidencialistas se não deve dar ao chefe de Estado a faculdade da dissolução parlamentar; e que, precisamente nas repúblicas parlamentares é que se deve dar aos presidentes a faculdade da dissolução.
E a razão disto é simples; é que nas monarquias e nas repúblicas presidencialistas, residindo a fôrça principal nos chefes de Estado, deve haver outra fôrça, que dolos em nada dependa, a contrapor ao poder da lei ou do Presidente para evitar abusos; ao passo que nas repúblicas parlamentares sendo no Parlamento que ré-
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side a principal forca, devendo, portanto, os presidentes estar armados com o princípio da dissolução para evitar o abuso dessa forca.
Eu não trato neste momento de saber se os estadistas têm ou não razão, e não tenho pretensões a convencer ninguém, preciso dizer no emtanto que não tenho receio da dissolução.
Quem anda agarrado aos princípios da escola liberal e quem só a esses princípios atende, evidentemente chega a conclusão de que ninguêm tem o direito de conceder ao chefe do Estado o poder de dissolver o Parlamento. E que essa escola sustenta o princípio de que o Parlamento representa sempre a vontade nacional; que o Parlamento é sempre o verdadeiro delegado da soberania do povo.
Mas nós, Sr. Presidente, não podemos legislar simplesmente baseando-nos nestas teorias antigas sem base na experiência.
Os facto mostra-nos de maneira evidente que ocasiões aparecem em que os Parlamentos, divorciando-se da opinião pública, longe de representarem a vontade nacional a desprezam ou pretendem esmagar. Nessas ocasiões, a dissolução impõe-se; e ou ela é feita pelo Presidente legalmente ou pelo povo revolucionária-mente.
De maneira, Sr. Presidente, nestas circunstâncias eu não tenho receio em votar a favor da dissolução parlamentar.
Tenho mais receio das dissoluções revolucionárias populares ou mesmo das ilegais feitas pelo Presidente do que das dissoluções nos termos da Constituição rodeada de cautelas como no caso do presente projecto.
Pode o Presidente abusar e dissolver em caso em que os interêsses da Pátria e da República o não exijam?
Pode; mas nesse caso lá está o artigo 46.° da Constituição em virtude do qual o Parlamento de novo eleito o destituíra, podendo fazê-lo absolutamente livre de qualquer coacção, pois que o projecto consigna a disposição de que a dissolução só pode dar-se depois de passados cento e vinte dias da sessão, para mais que suficiente para julgamento e destituição do Presidente.
Diz-se que a dissolução é um ataque à soberania do povo.
Eu entendo que, pelo contrário, é restituir ao povo a soberania que o Parlamento havia usurpado, visto que as câmaras só exercem a soberania como delegadas do povo e portanto, de acôrdo com êle. Logo que o desacordo se dá o Parlamento, teimando em exercer a soberania, usurpa-a.
Nestas e circunstâncias, Sr. Presidente e Srs. Senadores, dou o meu voto, repito, ao projecto.
Tenho dito.
O Sr. Morais Rosa: — Sr. Presidente: em harmonia com os preceitos regimentais, começo por ler e mandar para a Mesa a minha moção do ordem:
«O Senado, reconhecendo que o direito da dissolução parlamentar deve ser atribuição exclusiva do chefe do Estado, continua na ordem do dia».— Morais Rosa.
O Sr. José Jacinto Nunes: — Eu devo declarar a V. Exa. que não estamos ainda discutindo o projecto na especialidade.
O Sr. Morais Rosa: — Eu sei perfeitamente que estamos discutindo o projecto na generalidade, mas isso não me impede que possa referir-me a qualquer dos artigos que o constituem, pois é do conjunto dêles que se compõe a generalidade.
O Sr. José Jacinto Nunes: — Sr. Presidente, peço a palavra para invocar o Regimento.
O Sr. Morais Rosa: — Sr. Presidente, em primeiro lugar, devo declarar a V. Exa. e à Câmara que não podia adivinhar as intenções do Sr. Jacinto Nunes.
Pôsto isto, o entrando agora do assunto que se discute, pronunciarei apenas algumas palavras, as suficientes para dizer o que penso sôbre o projecto o os dois pareceres que o acompanham. E assim, começarei por declarar, honestamente, que fui um adversário da dissolução parlamentar.
Ainda em tempo da monarquia insurgi-me contra o abuso que então se fazia do direito da dissolução, e isso me valeu, sendo ao tempo oficial subalterno numa
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pequena guarnição, ver classificadas as palavras que a tal propósito proferi, 'como constituindo um acto de rebeldia, do que resultou darem-me a honra de me mandarem sindicar por um general, sendo eu, então, um simples tenente. E, se não fora a lialdade com que os republicanos e os homens liberais dessa localidade se puseram ao meu lado, e ainda a bondade do velho general sindicante, eu teria sido talvez julgado por crime de lesa-majestade. Ainda assim, tive de mudar de guarnição.
Foi, pois, com o espírito imbuído da necessidade de impedir o abuso da dissolução que fui eleito Deputado à Assemblea Nacional Constituinte.
Muitos dos meus companheiros pensavam como eu. Os princípios, por mais idealistas que fossem, considerávamo-los intangíveis.
Sc tivesse aqui à mão o Diário das Sessões da Assemblea Constituinte, poderia mostrar a V. Exas. as Interessantes paisagens de discussões sôbre a dissolução, em que muitos Deputados se recusaram obstinadamente a ouvir as sensatas palavras dos que, avisados e experientes, nos pretendiam demonstrar os perigos e inconvenientes de não ficar consignado na Constituição o princípio da dissolução parlamentar.
Nada valeu e êsse salutar princípio não ficou estabelecido.
Posteriormente, os factos ocorridos em quási nove anos de regime republicano têm, a meu ver, demonstrado a indispensabilidade de dar a alguém a atribuição de dissolver o Parlamento quando surjam conflitos irreductíveis, quer entre o Poder Executivo e o Legislativo, quer entre as duas Câmaras do Congresso.
Não podemos continuar na situação de ser forçoso ter de levar recurso a actos violentos quando um Govêrno se obstina no poder contra a opinião nacional.
Temos assim caído no maior defeito que os inimigos do regime republicano até certo ponto justificadamente lhe atribuem: o estabelecimento duma oligarquia dominante.
A circunstância do Parlamento ser indissolúvel tem determinado a permanência de um partido no poder, de onde só momentaneamente actos revolucionários tem conseguido afastá-lo.
Estou mesmo convencido de que, em determinadas ocasiões, êsse partido se tem mantido no poder contra a opinião de muitos dos seus correligionários.
Os factos, portanto, obrigam-me a modificar a opinião que tinha acêrca da dissolução, e não julgo que esta honesta confissão possa envolver para mim qualquer desdouro, pois sempre ouvi dizer que só os tolos são insusceptíveis de modificar as suas opiniões.
Sr. Presidente: há dias que não tenho podido comparecer às sessões, e acabando agora de entrar na sala, mal pude fazer uma rápida leitura dos pareceres que se discutem. Contudo, verifico que a minoria da comissão encarregada da revisão constitucional elaborou um parecer separado, em que se estabelecem restrições ao princípio da dissolução, em termos que se não compadecem com o meu modo de ver e dos quais pode porventura resultar a ineficácia do princípio estabelecido.
A minoria da comissão, por uma forma engenhosa e subtil, que demonstra inteligência, estabelece a criação de um Conselho Parlamentar, com voto consultivo, que o Chefe do Estado terá de ouvir quando queira dissolver o Parlamento.
E para organização êsse corpo inventou uma fórmula que põe o problema político em equação aritmética. Simplesmente, para achar os termos dessa equação seria preciso recorrer a um inquérito que nenhuma disposição legal autoriza ou pode autorizar, visto que seria forçoso conhecer, definida e concretamente, a opinião política de todos os parlamentares;
Ora, para se conhecer a opinião dos membros do Congresso, teria de fazer-se uma espécie de devassa, inquirindo de cada um, quer êle fôsse Deputado, quer êle fôsse Senador, qual a corrente de opinião política que defendem ou sustentam.
Tal propósito começa por ser ilegal e acaba por ser absurdo.
Um Sr. Senador (interrompendo): — Não é tam absurdo que não exista em leis.
O Orador: — Se qualquer princípio ou disposição se pode sempre classificar de bom só porque existe em lei, então, nós não estávamos aqui a fazer nada, porque
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se tudo quanto está era lei é bom, não há necessidade de o modificar ou corrigir, e nós somos um órgão sem função.
Não há em parte alguma, consignado a quem quer que seja, o direito de preguntar a alguém o parado a que pertence, ou a opinião que representa, tanto mais que na Constituição, não se fala, nem se podia falar de partidos políticos. Mas há mais. Os partidos políticos são até as únicas agremiações que não têm existência legal.
Uma simples sociedade de recreio, uma filarmónica, tem os seus estatutos aprovados por um alvará do governador civil do distrito a que pertence a respectiva, localidade.
Os partidos políticos funcionam sem êsse alvará. Não tem, portanto, existência legal.
Como pretendem V. Exas. fazer 11111 inquérito duma cousa que perante a lei não tem existência? Cousa alguma confere tal direito.
A verdade é, pois, que legalmente não existem partidos.
V. Exas. compreendem que nestas condições, e não há outras, porque outras não existem, não há possibilidade, nem maneira de se efectivar a aplicação de tal fórmula aritmética, visto não haver modo do descobrir os valores a atribuir aos números que a constituem. Isto sem falar dos sofismas e que por ventura a sua aplicação prática que poderia prestar, o que eu não quero agora explanar, pois estou, crente na boa fé da comissão, embora deva observar que as disposições legais nunca devem prestar-se a mais de uma interpretação, dado que a boa fé de quem faz a, lei pode não ser igual à boa fé de quem possa vir a interpretá-la.
A verdade é que não há nada que impeça que os grupos ou correntes mais numerosos se subdividam de maneira a que a representação não seja aquela que estava na mente de quem organizou a fórmula e que, pretendendo que as minorias sejam representadas com mais forte proporção, pode ver o seu pensamento adulterado.
Eu acredito sempre, e neste caso muito especialmente, na boa fé, na boa intenção de quem formula princípios, de que faz propaganda de doutrinas, mas ninguêm é infalível.
Todos os problemas, e nomeadamente os problemas políticos, tem aspectos divertes e quantas vezes nos julgamos na posse da boa doutrina e afinal laboramos em êrro, que a precipitação ou a paixão nos não deixaram ver com aquela serena imparcialidade que é mester pôr em todas as disposições legais e principalmente quando elas directamente implicam com a solução de problemas de tal magnitude.
O Sr. Alves Monteiro: - A maioria desta Câmara está em minoria na comissão.
Isto mostra a honestidade que presidiu à organização do parecer.
O Orador: — V. Exa. não pode afirmar que um princípio que se estabelece não é susceptível de oferecer algum aspecto que ver.ha a subverter a própria doutrina que o princípio o proclamou.
Eu poderia apresentar exemplos de circunstâncias em que isso se tem dado.
Se assim não fôsse não havia razão para discutir.
Mas, o caso especial de que nos ocupamos, é opinião minha que, seja qual for o organismo criado para temperar a dissolução, êsse organismo para nada serve. Longe da sua existência ser benéfica, é profundamente prejudicial.
No tempo da monarquia existia o Conselho de Estado e devemos dizer, para ser justos, que a maioria dos homens que o compunham era formada de pessoas de envergadura intelectual e moral susceptíveis de orientar o chefe de Estado a tomar deliberações consentâneas com as circunstâncias de momento. Êsse corpo, meramente consultivo, estava sempre de acôrdo com a necessidade que o cheio de Estado reconhecia de dissolver o Parlamento.
Faça isso para não deixar o rei a descoberto.
A sua acção resultava portanto uma quási comédia.
V. Exas. dirão que o mesmo não sucederá agora, mas vejamos.
Quando o chefe de Estado convocar o conselho parlamentar, como êle só tem de ser ouvido para se decretar a dissolução parlamentar, todos ficarão sabendo que o Presidente em sua consciência entende que é nesse momento uma necessidade a dissolução do Parlamento; de contrário não descubro a razão por que há-de convocá-lo.
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Quando no Diário do Govêrno aparecer o aviso da convocação, todos ficam sabendo que na mente do chefe do Estado está o reconhecimento da necessidade de dissolver o Parlamento. (Apartes).
Sr. Presidente: a admitir-se o que aqui tem sido exposto em apartem, iríamos cair, em matéria legislativa, no princípio da originalidade do papel químico. Isto é: faríamos isto porque se faz assim, legislaríamos aquilo, porque se legislou noutro ponto, estabeleceríamos aqueloutro, porque se estabeleceu em tal país.
Seríamos assim um Parlamento de tradutores, não merecendo sequer as honras de adaptadores,
O Sr. Jacinto Nunes: — Invoco o artigo 108.° do Regimento.
O Orador — Eu já venho acostumado da outra casa do Parlamento, a que, quando falo, os meus ilustres colegas me honram sempre com numerosos apartes e interrupções.
Agradeço essa atitude, pois ela significa, pelo menos, que ouvem as minhas palavras, e não posso acreditar que esse facto se produza, porque elas o irritam, porquanto V. Exa., Sr. Presidente, bem vê quanto eu sou correcto, atencioso e ordeiro,
O Sr. Presidente: — Tendo todos os Srs. Senadores falado com largueza, eu não posso coaretar o direito de falar ao orador.
O Orador: — Não Sr. Presidente, os meus colegas não demonstraram ainda o desejo de não continuarem a escutar-me, apenas o Sr. Jacinto Nunes», a quem muito respeito e estimo, entende, com os seus constantes pruridos de legalidade, que estou fora da ordem, caso que, como V. Exa. observa, se não verifica.
Diz-se, Sr. Presidente e Srs. Senadores, que existe aqui ou acolá êste organismo de consulta.
Ora isto não é argumentar razoável mente.
Eu comecei por fazer justiça das intenções da comissão, embora ache uma certa subtileza no parecer que, afinal, é feito em forma vaga e imprecisa, não se podendo compreender bem o modo de estabelecer a praticabilidade da fórmula em termos insofismáveis.
Mas ia eu dizendo, que quando o Chefe de Estado convocasse o Conselho Parlamentar ficava no espírito público a convicção de que existia no espírito do Presidente da República, pelo menos em estado latente, a idea da necessidade de aplicar o direito da dissolução. Ora, se o Chefe do Estado e o Conselho estivarem de acôrdo, nada haverá perdido, mas nesta hipótese a existência do Conselho nada adianta.
O Sr. Herculano Galhardo (interrompendo): — Eu provarei na discussão, na especialidade, que se adianta muito.
Quanto à subtileza eu sei que até já só tem dito nos jornais que só arranjara uma nova forma do partido democrático estar a governar.
Ora, V. Exa. deve fazer justiça à nossa nobreza...
O Orador: — Faço e já fiz. De resto, não compreendo o motivo por que nas palavras subtil e subtileza parecem haver magoado os ouvidos da minaria da comissão. A forma subtil é a maneira inteligente da insinuar no espírito alheio as nossas convicções sem contundências que foram, sem atritos que melindrem... A subtileza é a mais leve e gracil forma de insinuação, é o emprego dos imponderáveis na consecução dos nossos desejos, é o recurso à delicadeza extrema da argumentação, é a forma de vencer o espírito pelo espírito, evitando a luta árdua ou conflituosa de uma argumentação violenta e de arremesso. E foi porque eu assim classifiquei o parecer da comissão que maguei V. Exas.?
Se injustiça existe, não é a da minha apreciação, mas sim a do modo como V. Exas. estão interpretando as minhas palavras.
Sussurro.
Àpartes.
O Orador: — Mas V. Exas. estão em contradição... Àpartes vários.
O Sr. Machado Serpa: — Numa câmara municipal, se o presidente a pretende dissolver, é igualmente o que se dá. Assim o Parlamento deve ser ouvido.
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O Orador: — Nesse caso seria mais lógico que o Parlamento se dissolvesse por sua própria deliberação.
O que se pretende afinal é pôr em dificuldades o Chefe do Estado na aplicação do direito de dissolução.
Vozes: — Isso é má interpretação.
O Orador: — A verdade é que, mesmo admitindo a exequibilidade da organização do tal Conselho Parlamentar — o que eu já demonstrei ser impossível, porquanto não há meio de achar o valor dos números da fórmula estabelecida — a verdade é que êle enferma do vício de origem, pois não se justifica que seja o próprio Parlamento, assim a concentrado» no respectivo Conselho, que tenha de prenunciar-se sôbre um assunto que directamente lhe respeita. E ser juiz em causa própria.
Acresce que, na hipótese do Presidente dissolver o Parlamento contra o voto do Conselho, o Parlamento ficará desprestigiado porque foi dissolvido contra sua vontade e o Presidente ficará exposto aos comentários da opinião.
Sr. Presidente: se tal princípio ficar estabelecido na Constituição, o Chefe do Estado, quando tenha necessidade de usar do direito de dissolução, será arrastado; para a arena da discussão parlamentar, expor-se há às críticas da imprensa, e não escapará à acção deletéria do comentário de todos os mentideros da política, e V. Exa. compreende quanto seria desprestigioso para o Chefe de Estado, cuja acção se exerce não só dentro do país, mas que tambêm tem a seu cargo a direcção de política externa, o estar a ser discutido a descoberto no Parlamento, na imprensa, nos cafés, em toda a parte, emfim.
Sr. Presidente: estou certo de (pé o Senado não vai tomar uma deliberação impensada e que procederá conforme os bons princípios e a sã razão.
Vou terminar, parecendo-me ter dito o suficiente para demonstrar a necessidade de se votar o princípio da dissolução e amo atribuição exclusiva do Chefe do Estado, sem artifícios nem ficções que, não servindo a evitar um possível abuso de um direito, tornam difícil e embaraçoso o seu uso legítimo.
Tenho dito.
Foi lida na mesa e admitida a moção do Sr. Florais Rosa.
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O Sr. Jacinto Nunes: — Sr. Presidente: não fazia tenção de falar sôbre êste projecto, na generalidade, e tanto que declarei que tinha assinado o respectivo parecer vencido, quando o deveria assinar vencido, em parte, ou com declarações.
Mas, como vi que todos os Srs. Senadores que o têm discutido, o têm feito na especialidade, eu estou no meu direito de discutir tambêm a moção apresentada pelo Sr. Morais Rosa.
Sr. Presidente: onde reside a soberania nacional? Di-lo o artigo 5.° da Constituição. Quem representa nesta Câmara e na outra a soberania nacional? Qual foi o poder que foi investido no exercício do seu mandato? Apenas o Poder Legislativo.
Qual é o poder a quem compete velar pela Constituição e pelas leis, o promover o tem geral da nação? Simplesmente o Poder Legislativo.
O que diz o n.° 20.º do artigo 26.° da Constituição? Que o Presidente da República é eleito pelo Poder Legislativo.
O que diz o artigo 20.°? Que o Poder Legislativo é que destitui o Presidente da República.
O que diz o artigo 46.°?
Quem é que elege o Presidente da República e quem é que o pode demitir?
Quem é que fiscaliza os actos do Poder Executivo? É o Poder Legislativo.
Pregunto eu, portanto: Em face destas disposições categóricas e expressas da Constituição, dado um conflito irredutível entre os: Poderes Legislativo e Executivo, como se soluciona o conflito?
A face dos artigos constitucionais que eu citei, armar o chefe de Poder Executivo com a espada de Damôcles, com a faculdade de dissolver o Poder Legislativo, de que êle derivou, de cujo mandato dimanou o seu mandato, é uma monstruosa inversão de papéis (apoiados).
Se se quere introduzir a dissolução, então modifique-se a Constituição nestes pontos.
A dissolver o Parlamento é uma inversão monstruosa dos papéis! Quem deve ser destituído é que destitui... Esta faculdade a dar ao Presidente é afrontosa do Parlamento.
É a espada de Damôcles pendendo constantemente sôbre a cabeça da Nação.
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Aonde vai parar a independência do Poder Legislativo?
Eu não conheço monarquias onde não esteja consignado o princípio da dissolução; emquanto que constituições republicanas apenas conheço uma que autoriza a dissolução, mas com êste correctivo — o assentimento do Senado.
É na França, onde uma dissolução do Parlamento custou a vida política de Mac-Mahon.
Encontramos a dissolução só nas monarquias.
Um regime em que o Parlamento está à mercê de um Presidente da República, não é parlamentarista, é presidencialista.
(Interrupções que se não perceberam).
O Orador: — O mandatário domina e pode anular o mandato dos que o elegeram.
E depois que garantia nos dá o Presidente?
Quem fica no Poder é quem faz as eleições. É isto um perigo enorme.
Com que independência pode o Parlamento trabalhar se está ameaçado?
(Interrupção do Sr. Oliveira e Castro que se não ouviu, e outras interrupções).
O Orador: — Como é que pode haver independência, se um Poder pode de um momento para o outro ferir de morte o legislador?
Reservo-me para na especialidade dizer mais alguma cousa.
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Marques: — Sr. Presidente: não vou própriamente fazer um discurso, pois as minhas considerações visam a uma declaração de voto que julgo necessária, já porque num assunto momentoso como êste deve cada qual assumir as responsabilidades do seu voto, mas porque creio estar neste momento em condições especiais que poderiam ser julgadas menos favoravelmente para mim, pelo que quero esclarecer a razão do meu voto, provando que sou coerente, e não incoerente como poderia julgar-se.
Eu, Sr. Presidente, nesta momentosa questão da dissolução, penso como os meus dignos colegas da esquerda da Câmara; mas vou votar exactamente com os meus colegas da direita do Senado.
Sr. Presidente: eu fui sempre contrário ao princípio da dissolução.
Todos os argumentos que aqui se apresentaram, e de muita boa fé, mais me arreigaram a convicção de que, longe de irmos votar um remédio, de desejarmos introduzir um princípio novo, salutar e honesto para a vida do regime, vamos votar um princípio pernicioso para a vida da República. (Apoiados).
Eu desejaria bem, Sr. Presidente, não ser o pregoeiro da desgraça, ou então que me pudessem convencer de que vejo mal a questão e que, uma vez introduzida na Constituição, ela será de toda a vantagem para a vida da República e do País.
Não posso, repito. Sr. Presidente, convencer-me da necessidade do princípio da dissolução.
Não vou, Sr. Presidente, apresentar as razões e os argumentos que me levam a pensar assim, por isso que essas razões já foram aqui brilhantemente expostas pelos ilustres oradores que usaram da palavra sôbre o assunto e mesmo porque estou convencido de que não conseguiria fazer arrepiar caminho aqueles que pensam duma maneira contrária; mas basta dizer que o Poder Legislativo, o mais alto dos poderes do Estado, fica sujeito às contingências que não podem atingir os outros poderes.
Êste facto, Sr. Presidente, basta para eu ser contrário ao princípio da dissolução.
Mas, Sr. Presidente, desde muito que vejo pôsto o seguinte dilema: Dissolução ou Revolução.
Factos de todos conhecidos demonstram que o dilema era verdadeiro, pois que não tendo sido votada a dissolução tivemos a revolução, cujas causas ocultas seriam muito outras, mas cuja bandeira se agitou sempre em torno dêste princípio, apregoando-o como indispensável remédio para todos os nossos males.
O homem que mais nefasto foi à República apregoou-se no dia 5 de Dezembro de 1917 como o paladino da dissolução e isso serviu-lhe admiravelmente, porque a Nação já não via com bons olhos que a não dissolução mantinha o Poder nas mãos dos democráticos.
Esta é que é realmente a verdade.
Parece, porêm, que estas cadeiras do Parlamento, reduzidos de tal maneira os
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novos eleitos, que eles puseram absolutamente de parte Gases princípios que tinham defendido para afinal de contas fazerem o mesmo qUe os democráticos tinham feito; apesar de serem conhecidas aã suas acusações e os motivos que os tinham Invado no seu Acto revolucionário.
Não tiveram a coragem de introduzir ha Constituição o apregoado principio.
Eu não quero que, com bons fundamentos, me acusem do mesmo.
Eu soube, embora nisso não tivesse responsabilidade directa, que o partido a que me honro de pertencer tinha aceito, numa hora muito critica, o princípio da dissolução.
Por conseguinte, quando vim para aqui, sabia que o meu partido tinha de cumprir o que prometera numa ocasião solene e grave, e que, por conseguinte, tinha de votar o princípio da dissolução. Mas BO eu votar o princípio da dissolução, cercado de peias, tenho a certeza que por mais honesta, por mais honrada que tenha eido a minha intenção, ela há-de ser sempre adulterada, há-de ser envenenada, e se ela fôr um alfobre de desordens, ainda nessa altura só atribuiria a responsabilidade ft maioria democrática, porque tinha votado o princípio da dissolução de tal maneira cercado do pelas, de tal maneira subjugado, que afinal de contas tinha votado uma ficção em vez de votar o princípio da dissolução.
É por isso que eu, sendo contra o princípio da dissolução, tenho de o votar nem peias, para que se não julgue, que nesta casa, quer lá fora, que nós votamos apenas um subterfúgio, mas sim que queremos cumprir honradamente aquilo que em horas críticas, alguém com bastantes responsabilidades no partido democrático, tinha prometido aceitar.
Um jornal mesmo chegou a afirmar que o princípio consignado pela minoria da comissão não era mais do que uma nova fórmula, talvez muito hábil, dos democráticos continuarem a conservar o Poder nas suas mãos.
Ainda há pouco o ilustre Senador Sr. Morais Rosa dizia que não havia maneira muito clara, muito definida, de se ver quais os partidos que tinham assenta na Câmara, o por conseguinte não se podia saber como devia ser rigorosamente constituído êsse conselho parlamentar,
Eu já estou vendo por esta serie de argumentos que não Faltará quem diga que nós os democráticos amanha vamos pôr em prática uma habilidade, e é que no momento próprio fingimo-nos sindidos, e em vez dum partido único constituiremos agrupamentos a, cada um dos quais cabe um certo número de votos e no dia em que se constitua o conselho parlamentar estaremos ali em maioria.
A melhor das intenções pode ser sempre deturpada, o mais são dos princípios pode ser envenenado.
Eu quero que o princípio da dissolução seja votado sem pelas para que, se fôr uma virtude, mostre a sua bondade e a sua eficácia, e se pelo contrário, for um erro, mostre a sua maldade e as suas tristes consequências.
O intuito da minoria da comissão foi prestigiar o Parlamento e evitar que nos despedissem como criados, que nos mandassem embora sem nos dizerem as razões porque nos despediam.
Seria assim, se realmente pudéssemos supor que o Presidente da República estaria sempre de acôrdo com as indicações do conselho parlamentar, mas eu não vejo que se prestigie o Parlamento, se o conselho indicar ao Presidente da República um caminho e este seguir pelo caminho oposto.
Neste caso, entendo que o Parlamento fica desconsiderado duas vezes, porque é despedido, depois do seu conselho ter sido desprezado.
O Sr. Machado de Serpa: — O Sr. Ministro das Colónias tem junto a si um conselho colonial formado do homens competentes.
No dia em que não seguir a opinião do concelho colonial êste fica desprestigiado?
O Orador: - V. Exa. não foi feliz na comparação.
O nosso mandato ô soberano, somos nós que elegemos e destituímos o Presidente da República e, por isso, passando êste sobre o Conselho Parlamentar humilhá-lo. O Conselho Colonial não pode nomear nem demitir o Ministro, e as suas funções pão muito mais restritas e mais modestas do que as do Parlamento,
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V. Exa., Sr. Machado de Serpa, pode apresentar os argumentos que quiser, mas a verdade é que o Parlamento não fica bem desde que declare que não ha indicações para ser dissolvido e seja contudo pôsto fora.
Sou o primeiro a fazer justiça às nobres, honradas e sãs intenções da minoria da comissão, mas, nesta parte, não concordo com o parecer.
Estou convencido de que a dissolução será uma fonte de desgraças que vez de ser uma origem de benefícios, mas vou votá-la, pura e simples, sem peias de nenhuma natureza, para que, se trouxer vantagens à minha Pátria e à República, possam todos gozar êsses benefícios, confessando-me eu então convencido, se se demonstrar a sua ineficácia, que ninguêm possa argumentar que ela resulta das peias de que a cercaram, e fique antes bem patente que foi um erro que cometemos votando-a, a fim de que nós, ou os que nos sucederem, possam eliminar de -vez o princípio da dissolução da Constituição da República, reconhecido como ficaria. que necessário ora riscar o princípio nocivo que as paixões dos homens tornaram bandeira de resoluções, que não podem nem devem continuar.
O Sr. Oliveira e Castro: — Sr. Presidente: em primeiro lugar devo dizer que pedi a palavra para fazer considerações sôbre o ponto principal: a dissolução. Se falo novamente é simplesmente para responder aos Srs. Herculano Galhardo e Ramos Preto, seguindo na esteira do Sr. Augusto Martins.
Eu devo dizer ao Sr. Herculano Galhardo que acusou de reaccionário...
O Sr. Herculano Galhardo (interrompendo): — Acusei, não...
O Orador: — Eu o que desejo afirmar é que manifestei sempre em todos os meus actos, a coragem de não fazer causa com os ultramontanos.
Tenho sido liberal...
O Sr. Ramos Preto: — V. Exa. tomou como uma censura algumas das palavras que proferi?
O Orador: — Não! Não! O que quero dizer é que, se V. Exa. apresentou as
suas tradições liberais, eu tambêm posso dizer que nunca foi reaccionário e q«o defendi o princípio da dissolução, por concordar com pessoas de autoridade, que êle é inerente ao regime parlamentar; e ainda que se já se tivesse votado o princípio da dissolução, se teriam, evitado revoluções...
«Apoiados e não apoiados;» (sussurro e àpartes).
O Orador: — Há muita gente no partido democrático, que comigo pensa, sente e vibra, vendo exactamente as cousas como eu.
O que eu desejo acentuar é que, na questão da dissolução, não estava só em campo.
Na Câmara dos Deputados houve quem pensasse como eu, entre os deputados democráticos.
O que escrevi foi isto:
Interrupção do Sr. Ramos Preto, que se não ouviu.
O Orador: — Vamos a ver o que os democráticos dizem no seu parecer a respeito da dissolução.
Sussurro e apartes.
O Orador: — Quanto ao conselho parlamentar, eu disse, que êle era uma curiosidade scientífica e digna da nossa admiração a idea do Sr. Herculano Galhardo, e cheguei a dizer que as consequências práticas do conselho parlamentar são detestáveis. E na comissão, se não houve objecções tambêm não houve censuras.
O Sr. Ramos Preto, para atacar o direito de dissolução, foi analisar o direito conferido aos déspotas e autócratas.
O Sr. Ramos Preto (em aparte): — A dissolução, segundo as melhores autoridades, nos casos graves não serve para nada e nos casos vulgares apenas irrita.
O Orador: — Não vou citar autoridades.
O Sr. Alves Monteiro: — Na Câmara dos Deputados foi dito por um membro categorizado do seu partido que a dissolução era contra o partido democrático.
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26 Diário das Sessões do Senado
O Orador: — Nem eu nem o meu partido podem responder a essa observação de V. Exa.
Voltando ao assunto, eu mais uma vez afirmo a minha convicção de que o princípio de dissolução não ofende a soberania nacional.
O ilustre Senador Sr. Ramos Preto referindo-se à dissolução, disse que era uma arma contra o partido democrático. Ora eu entendo que o partido democrático, que é o mais forte esteio da República, deve governar o país e defender a República, mas, tambêm é necessário que não disfrute do poder por forma que outros partidos não possam cumprir o sou programa.
Falei apenas para não deixar passar factos e umas certas asserções que me visavam, qual foi, por exemplo, a de que a dissolução era defendida apenas pela reacção.
Termino por dizer que não vejo perigo, numa democracia, num regime parlamentar, e em Portugal, desde o momento em que se possa alcandorar no lugar de Chefe do Estado um homem democrático, como ainda há pouco se fez, não vejo perigo de que êsse homem se transforme num ditador.
O Sr. Presidente: — Previno o orador de que tem apenas 5 minutos para concluir o seu discurso.
O Orador: — Num regime presidencialista pode haver receio do direito da dissolução, mas no regime democrático, não, pela pessoa a quem é entregue e pela natureza do próprio regime.
O Sr. Presidente: — Como não há mais nenhum Sr. Senador inscrito, na generalidade, vai ler-se a moção do Sr. Morais Rosa, a fim de se votar.
O Sr. Morais Rosa: - Requeiro que seja consultado o Senado sobro se permite que eu retire a minha moção.
Consultada a Câmara, foi consentido.
Foi aprovado o projecto, na generalidade.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 35 minutos.
O REDACTOR — Alberto Bramão.