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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
SESSÃO N.º 40
EM 30 DE AGOSTO DE 1919
Presidência do Exmo. Sr. António Xavier Correia Barreto
Secretários os Exmos Srs.
José Mendes dos Reis
António Vitorino Soares
Sumário. — Chamada e abertura da sessão. Leitura e aprovação da acta. Expediente.
Os Srs. Celorico Palma e Ramos Prelo reclamam documentos pedidos.
Ordem do dia.— Continuação da discussão na especialidade da proposta de lei n° 66 (alterações à Constituição). Usam da palavra os Srs. Oliveira e Costa, Celestino de Almeida, Herculano Galhardo, Alvares Cabral, Soveral Rodrigues, Vasconcelos Dias, Ramos Preto, Vasco Marques, Celestino Bessa, Machado Serpa, Afonso de Lemos, Alves Monteiro e Morais Rosa, requerendo o Sr. Velez Caroço votação nominal para um aditamento da minoria da comissão, sendo aprovado o n.° 10.º do artigo 1.°, por 19 votos contra 17.
Continuando a discussão e prorrogada a sessão requerimento do Sr. Soveral Rodrigues, é aprovada a proposta com modificações já do parecer da maioria da comissão, tendo apresentado tambêm proposta os Srs. Vicente Ramos, Ramos Preto, Vasco Marques, Nicolau Mesquita e Pereira Osório.
O Sr. Presidente encerra a sessão depois de designar ordem do dia para a imediata.
Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:
Abel Hipólito.
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Amaro Justiniano de Azevedo Gomes.
António Gomes de Sousa Varela.
António de Oliveira e Castro.
António Vitorino Soares.
António Xavier Correia Barreto.
Artur Octávio do Rêgo Chagas.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
Celestino Germano Pais de Almeida.
Constâncio de Oliveira.
Ezequiel do Soveral Rodrigues.
Francisco Vicente Ramos.
Heitor Eugénio de Magalhães Passos.
Herculano Jorge Galhardo.
João Namorado de Aguiar.
Joaquim Celorico Palma.
José Duarte Dias de Andrade.
José Mendes dos Reis.
José Ramos Preto.
Luís António de Vasconcelos Dias.
Manuel Augusto Martins.
Manuel Gaspar de Lemos.
Rodrigo Guerra Álvares Cabral.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
Alberto Carlos da Silveira.
António Maria da Silva Barreto.
Bernardo Pais de Almeida.
Cristóvão Moniz.
César Justino de Lima Alves.
Desidério Augusto Ferro de Bessa.
Jorge Frederico Velez Caroço.
José Joaquim Pereira Osório.
José Machado Serpa.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Nicolau Mesquita.
Pedro Alfredo de Morais Rosa.
Vasco Gonçalves Marques.
Srs. Senadores que não compareceram à sessão:
Abílio de Lobão Soeiro.
Alfredo Augusto da Silva Pires.
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Alfredo Narciso Marçal Martins Portugal.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
António Alves de Oliveira.
António Augusto Teixeira.
António Maria Baptista.
Armindo de Freitas Ribeiro de Faria.
Ernesto Júlio Navarro.
Francisco Manuel Dias Pereira.
João Carlos de Melo Barreto.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
José Jacinto Nunes.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Maria de Moura Barata Feio Terenas.
José Nunes do Nascimento.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Júlio Ernesto de Lima Duque.
Pedro Amaral Bôto Machado.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Raimundo Enes Meira.
Rodrigo Alfredo Pereira de Castro.
Silvério da Rocha e Cunha.
Torcato Luís de Magalhães.
Sendo 14 horas e 45 minutos, o Sr. Presidente manda efectuar a chamada.
Achando-se presentes 24 Srs, Senadores, o Sr. Presidente, declara aberta a sessão.
É lida e aprovada a acta da anterior sessão.
Passa-se à leitura do
Expediente
Requerimentos
Requeiro que S. Exa. o Ministro da Guerra me informe:
1.° Se no processo preparado para julgamento do Sr. tenente Teófilo Duarte foi ouvido o Sr. general Abel Hipólito.
2.° Se no processo foram juntos alguns exemplares das proclamações do Sr. Teófilo Duarte.
3.° Se ao mesmo processo só juntou nota das despesas efectuadas pelo mesmo senhor compreendidas as de transportes, material de guerra, equipamento, etc.
4.° Se essas notas se não juntaram, a quem pedir responsabilidades.— J. Ramos Preto.
Mandou-se expedir.
Requeiro que me seja dada autorização para poder examinar na respectiva
repartição as sindicâncias feitas aos celeiros municipais do distrito de Braga.— Joaquim Celorico Palma.
Mandou-se expedir.
Pedidos de licença
Do Sr. Abel Hipólito, pedindo vinte dias de licença.
Para a comissão de faltas.
Do Sr. Silva Barreto, pedindo trinta dias de licença.
Para a comissão de faltas.
Projecto de lei
Do Sr. Abel Hipólito, mandando ingressar no quadro dos segundos sargentos co secretariado militar determinados sargentos.
Para a comissão de guerra.
Antes da ordem do dia
O Sr. Celorico Palma: — Sr. Presidente: Lá deis meses e meio que pedi pelo Ministério dos Abastecimentos o resultado da sindicância feita aos celeiros municipais de Beja, e até hoje ainda não me foi dado a conhecer o resultado dessa sindicância. São apenas três ou quatro cópias das sindicâncias realizadas no distrito, cópias que se tiravam em três ou quatro horas, mas o Ministério dos Abastecimentos, que tem tempo para gastar em outras questões, não o teve ainda para uma cousa tão pequena como esta. Há naquele Ministério cento e tantas dactilógrafas, que se me afigura deverem ter bastante tempo para dar satisfação ao meu requerimento.
Não sei de quem é a responsabilidade do atraso.
Eu só peço cousas que são necessárias ao espírito, que aqui represento. Peço por isso a V. Exa. que insista mais uma vez, para que rapidamente me sejam fornecidas essas cópias, ou então que me seja dada autorização para as ir consultar ao Ministério.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vou novamente insistir pelo envio dos documentos que V. Exa. pede.
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O Sr. Ramos Preto: — Sr. Presidente: tambêm eu tenho a apresentar uma reclamação. Há mais dum mês que pedi, pelo Ministério da Agricultura, documentos acêrca do pôsto agrário de Idanha-a-Nova, sem que até agora me tivessem sido fornecidos e já pedi por duas vezes a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro da Guerra. Como S. Exa. não tem vindo a esta Câmara, eu pedia a V. Exa. o favor de lhe transmitir o seguinte que eu queria dizer a S. Exa.:
1.° Se do processo movido ao tenente Teófilo Duarte consta que tenha sido ouvido o general Sr. Abel Hipólito; 2.°, se os documentos demonstrativos das despesas feitas pelo Sr. Teófilo Duarte estavam juntos ao processo, e 3.°, se as circulares da proclamação que foz estavam tambêm juntas ao processo; e, se o estão, qual a razão por que a 7.;i divisão os não fez seguir para o tribunal competente.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Transmitirei aos Srs. Ministros da Agricultura o da Guerra as considerações de V. Exa.
Vai passar-se à
ORDEM DO DIA
(Continuação da discussão da proposta de lei n.° 06)
O Sr. Oliveira e Castro: - Referindo-me hoje novamente à proposta da minoria da comissão de revisão constitucional, convêm salientar que, todas as vezes que tenho falado sôbre ela, não tenho feito discursos de oposição. Tenho feito apenas apreciações liais sôbre o assunto.
Não me movem, pois, Sr. Presidente, quaisquer intuitos políticos ao combater a constituição do Conselho Parlamentar. Antes, pelo contrário, faço justiça às boas intenções da minoria da comissão de revisão constitucional, principalmente ao Sr. Herculano Galhardo, que foi o criador dêsse Conselho Parlamentar, completada pela colaboração jurídica dos Srs. Ramos Preto o Alves Monteiro.
Mas eu devo dizer 3esde já que êsse Conselho Parlamentar não corresponde ao fim que se tem em vista, porque, como já disse ontem e repito hoje, não faço nenhuma explanação, apenas farei uma resenha daquilo que optem disse.
Eu disso, Sr. Presidente, que o Conselho Parlamentar, da forma como se adjectivava, era representante dum Congresso que seria dissolvido, se porventura o Conselho Parlamentar constituído assim o entendesse.
Ora, é uma cousa inexplicável que, para se dissolver um corpo legislativo, se proceda à consulta de representantes dêsse mesmo corpo. Mas, alêm disso, a constituição dêsse Conselho Parlamentar equivale não a um voto consultivo, mas a um voto deliberativo ou imperativo, porque se a sua decisão fôr uniforme, o Sr. Presidente da República, demais a mais sendo o mais alto representante da Nação? não pode saltar por cima dêsse voto consultivo. Mas esse voto, quando não seja unânime, tambêm tem os mesmos defeitos: é fazer com que o Sr. Presidente da República não saiba como se há-de orientar,
Àparte do Sr. Alves Monteiro.
O Orador: — V. Exas. querem dar uma orientação, mas o que produzem é a desorientação.
Eu já disse ontem que, se porventura houver conflito entro o Senado e a Câmara dos Deputados que tem nesse conselho parlamentar os seus representantes, é natural que as opiniões se dividam.
Como é natural, se porventura houver um conflito entro o Poder Legislativo e Executivo, que a mesma colisão se dó, por haver um Govêrno que não tenha maioria e tenha por isso sofrido um cheque em pleno Parlamento e que o Sr. Presidente da República, por êsse facto, possa vir a reconhecer falta de estabilidade governativa.
(Apartes).
O Orador: — Dificuldades só não haveria quando o Poder Legislativo se divorciasse da Nação, e então o Presidente da República seguiria o caminho da dissolução.
(Mais àpartes).
O Orador: — Muito mais acertado seria que o Congresso votasse a auto-dissolução, que é afinal ao que se chega.
As boas intenções não podem impedir a verdade dos factos.
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S. Exa. aí, assim, dizem que da forma como está constituído êsse conselho, tem representação maior as minorias do que as maiorias. Vou provar o contrário.
A semelhança do que sucedeu nas eleições, podem chegar a desdobramentos da constituição dêsse conselho.
Vozes: — Mas há compromisso de honra.
O Orador: — Não basta, nas eleições jurídicas, há o que a lei manda e i:;ida mais. O que regula, é a lei e não o compromisso de honra.
V. Exas. querem dar representação às minorias, mais parece-me que isso não se faz.
Se o partido, que dispõe de maior número, combinar um desdobramento, não há meio das minorias terem representantes no conselho parlamentar.
Limitaram a dezoito o número de membros do conselho parlamentar, exactamente porque tiveram medo ao desdobramento.
(Vários àpartes).
Temos de atender às disposições da lei.
O Sr. Alves Monteiro: — Na interpretação duma lei lança-se mão apenas do texto dela, não se procura qual foi a ideia do legislador?
O Orador: — Há compromissos de honra e há intenções, mas quem executa a lei, fá-lo sôbre o seu texto.
O Sr. Pereira Osório: — A argumentação de V. Exa. funda-se na desconfiança de tudo e de todos. É uma cousa extraordinária.
O Orador: — Não vejam V. Exas. nisto um discurso de oposição, mas de colaboração.
A verdade é que V. Exas. dizem que a lei não pode ser sofismada, mas eu não sou da mesma opinião.
O Sr. Pereira Osório: — Não há lei nenhuma que não possa ser sofismada. O mal é dos homens.
O Orador: — Por que é que V. Exas. não admitem que se faça o desdobramento, como se fez nos círculos eleitorais?
O Sr. Alves Monteiro: — Das palavras de V. Exa. tira-se a seguinte conclusão: é que quando o uso duma faculdade é mau corta-se essa faculdade.
O Orador: — Não é isso; o que eu digo, é que não se deve publicar uma lei, quando já anteriormente se lhe não dá a devida interpretação. Promulgar uma lei, cuja execução depende do arbítrio, não acho que isso seja razoável.
Em lugar de se estabelecer esta proporção, porque se não estabelece outra, de harmonia com as correntes de opinião?
Eu devo dizer que acho interessante a constituição dêste Conselho Parlamentar, conforme foi apresentado pelo Sr. Galhardo, mas a verdade é que scientíficamente ela pode ser muito boa, mas politicamente pode falir.
O Sr. Alves Monteiro: — Politicamente tudo falha, até a República falhou no dezembrismo.
Trocam-se apartes.
O Sr. Presidente: — Eu peço aos Srs. Senadores que não interrompam constantemente o orador, porque a Câmara assim não pode funcionar, e mesmo porque o trabalho taquigráfico não se pode fazer com regularidade.
Vozes: — Apoiado.
O Orador: — V. Exa. está a levar as cousas para um outro campo.
Eu estou a falar com sinceridade e convicto de que êste Conselho, na prática, dá maus resultados.
Eu pregunto o que vale êste Conselho Parlamentar, desde que as suas deliberações estão sujeitas ao arbítrio?
Nestas circunstanciais, eu não quero alongar-me mais em considerações, o parecer da maioria da comissão é aquele que merece a minha simpatia e que eu acho que deve ser votado.
É preciso que não se considere o direito de dissolução como uma tentativa de estrangulamento do Poder Legislativo.
O Sr. Alves Monteiro: — Nem se considere como estrangulamento de um partido.
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O Orador: — O que eu quero evitar, é que com o direito de dissolução dado tam simplesmente e tam latitudináriamente, se não traga como consequência da sua falta uma outra revolução, donde resulte uma outra república nova.
Aqui não há democráticos, nem unionistas, nem evolucionistas. Todos se devem unir num pensamento comum para a defesa do prestígio da República.
Ai de nós se assim não pensarmos, não só para podermos reagir contra os inimigos da Pátria, mas para que todos colaborem para o bem da Nação.
O problema da hora presente pede a dedicação de todos os portugueses, mas principalmente de todos os bons republicanos. Quem diz estas palavras, não está aqui a fazer uma oposição partidária.
O Sr. Alves Monteiro: — S. Exa. faz supor que nós não temos a mesma abnegação.
O Orador: — Eu ainda ontem disse que estou a discutir no campo abstracto dos princípios, somente agora no final das minhas considerações, é que falei em se unirem todos para o bem do país. -
Com relação à composição numérica do Conselho Parlamentar, S. Exas. dirão se eu estou em êrro, porque se me convencerem disso, eu não terei dúvida em votar aquilo que a comissão julga ser uma criação admirável.
O Sr. Celestino de Almeida: — Farei apenas algumas considerações sôbre afirmações feitas aqui por alguns Sr s. Senadores.
Mas, antes disso, permita-me V. Exa. e o Senado que manifeste um pequeno reparo sôbre a maneira como se tem vindo, pouco a pouco e cada vez mais, discutindo a criação ou organização do chamado Conselho Parlamentar. O Senado começou a ocupar-se do assunto sob um ponto de vista geral e encarando-o de alto com a devida serenidade; mas, pouco a pouco, alusões e referências concretas à actual constituição do Congresso vieram sendo produzidas, a propósito do chamado Conselho Parlamentar, o que deu aso, consequência esta naturalmente previsível, a que a discussão se fôsse tornando mais e mais apaixonada, revestindo por vezes
mesmo um aspecto algo melindroso, que não está nos hábitos desta casa do Congresso, e que a meu ver, Sr. Presidente, e relevem-me V. Exas. e o Senado a lialdade e desafogo com que a êste respeito me pronuncio, creio bem não ser a melhor, nem a mais conveniente, para adoptarmos e nela prosseguirmos.
E, esperando me seja relevada a digressão feita, entro agora nas observações ligeiras que desejo fazer sôbre algumas afirmações feitas por alguns Srs. Senadores, que me precederam no uso da palavra.
Referir-me hei, em primeiro lugar, ao Sr. Afonso de Lemos.
S. Exa. é um espírito lógico e de sinceridade absoluta, como lhe reconhecemos. S. Exa. fez afirmações conceituosas e para serem tomadas em atenção, e com elas me conformo em grande parte; mas com algumas dessas considerações não estou inteiramente de acordo. S. Exa. disse, por exemplo, que os três órgãos da soberania nacional, órgãos harmónicos e independentes entre si, eram o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judicial.
E facto que a Constituição diz que êstes organismos são independentes e harmónicos na sua acção; mas a verdade é que o Poder Legislativo não se tem mostrado sempre cioso da sua autonomia e independência quanto seria para desejar, abdicando antes com desenvolta frequência das suas prerrogativas em escusadas e perniciosas autorizações concedidas ao Poder Executivo, e que a independência do Poder Judicial tem sido sofismada e tem sido na realidade inexistente, o que se comprova bem com o facto de o mesmo Conselho Superior da Magistratura, que está à frente do Poder Judicial, ser constituído na sua maioria por indivíduos nomeados directamente pelo Poder Executivo.
E será possível, Sr. Presidente, em tais condições, considerar-se o Poder Judicial, não obstante a sua independência estar garantida na Constituição, como verdadeira e realmente independente?
Sr. Presidente: Esta grande lacuna apontada quanto à independência e harmonia, que constitucionalmente deve existir entre o Poder Judicial e o Poder Executivo, não é de hoje, nem de ontem, vem quási desde a implantação do regime vigente, e, ainda que contrariado, sou for-
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çado a confessar que não tenho esperança de que êste êrro capital seja removido antes da revisão constitucional geral de 1921, em que terá de se dar uma organização diferente ao Poder Judicial; até o Sr. Presidente, pelo menos é êste o vaticínio, terá de continuar a andar um pouco fora dos eixos a nossa vida constitucional.
Se o Poder Judicial, Sr. Presidente, tivesse a constituição e independência devidas, não só teriam praticado pelos governos a maior parte dos abusos ditatoriais que se têm feito no nosso país.
Observarei ainda ao Sr. Afonso de Lemos que o Congresso da República, elegendo em segundo grau o Preside e te da República e delegando nele uma parte da soberania nacional que o corpo eleitoral lhe havia dado, pratica um acto normal instituído na Constituição. De maneira que, quer a faculdade de dissolução seja livre e sem restrições, quer surja préviamente de ser ouvido um concho consultivo ou imperativo, o que é facto que, tal como essa faculdade fôr aprovado pelo Congresso e inscrita na Constituição da República, de direito ela representar para, o Chefe do Estado uma delegação da soberania nacional, e só dentro dessa soberania. Ora desde que essa faculdade, nestas ou naquelas condições, absoluta ou restrita, haja sido aprovada por um Congresso com poderes constituintes, como as disputa o Congresso que agora, funciona, e depois inscrita na Constituição, imediatamente o Chefe do Estado poderá usai dela, como delegado detentor ad hoc da mesma soberania nacional.
Não há a opor-lhe, em caso nenhum, considerações de ordem filosóficas ou subtis, no bom sentido da palavra.
Sr. Presidente: as considerações que acabo de apresentar como republicano, patriota, representante na nação, e como homem que faz a deligência de acertar, levam-me ao ponto do ficar tranquilo, sejam quais forem as condições em que se conceda a atribuição de tal faculdade ao Chefe do Estado.
Isto, Sr. Presidente, veio a propósito das considerações aqui feitas pelo meu ilustre amigo o Sr. Afonso de Lemos.
O Sr. Afonso de Lemos: — Relativamente às últimas considerações feitas por V. Exa., creio que estamos perfeitamente de acordo.
O Orador: — Eu quis apenas fazer relerei: da ao que V. Exa. tinha dito e nada mais.
Eu, Sr. Presidente, não sou um jurisconsulto, nem um perito em matéria de direito constitucional, e por isso não será para estranhar, nem para ser tomado à conta de pedantismo fácil, a referencia que eu aqui faça, para confirmação da minha maneira de pensar quanto cá falta de independência do Poder Judicial, a dentro da Constituição da República Portuguesa, à opinião de um ilustre jurisconsulto, colaborador da grande revista La vie politiqne dans les deux Mondes, que positivamente me veio confirmar nas minhas presunções de que efectivamente um Poder Judicial organizado tal como O nosso, não tinha condições que lho permitissem real independência.
O Sr. Afonso de Lemos: — Com respeito à falta de liberdade do Poder Judicial, aqui há poucas sessões, tratando-se da questão das Universidades, eu respondi que estava de acôrdo em que o Poder Judicial fôsse absolutamente independente, e elegesse entre si o seu presidente.
Não é independente, mas enteado que o deve ser porque é um dos três poderes, do Estado que constituem a soberania nacional.
O Orador: — Sr. Presidente: passarei agora a fazer umas pequenas referências ao que diz respeito ao Conselho Parlamentar;
Serei muito breve.
Está tudo dito a êsse respeito, tudo O que era preciso e o que não era preciso dizer-se.
Eu direi, simplesmente, o que penso a êste respeito.
Debateu-se, sobretudo, na outra Câmara, que o Conselho com voto consultivo a propósito da faculdade da dissolução parlamentar tivesse várias constituições. Apresentaram-se mesmo alvitres sôbre essa constituição, simplesmente todos êsses alvitres, todas essas constituições supostas, tinham uma organização bem diferente do que propõe a minoria da comissão de revisão parlamentar do Senado.
Sr. Presidente: confesso que, apesar de tudo eu preferirei um conselho cônsul-
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tivo constituído mais ou menos pelas personalidades então indicadas para o constituírem, a um conselho tal como o que é ora apresentado perante o Senado.
Sr. Presidente: várias considerações foram já produzidas no Senado pelos ilustres Senadores, que me precederam no uso da palavra, várias outras foram igualmente produzidas no seio da comissão de revisão constitucional do Senado, quanto à constituição do Conselho Parlamentar, a que me estou agora referindo, e por isso serei breve, mio deixando, todavia, de observar antes, que bem mais observações se apresentaram no seio da comissão, do que deixam antever os defensores do Conselho Parlamentar, sendo os argumentos ali aduzidos por mim, por exemplo, de natureza essencialmente política, isto pelo carácter igualmente político que lhe imprimiram, à nascença.
Assim, Sr. Presidente, todos houvemos que nos pronunciar sôbre o chamado Conselho Parlamentar, havendo até sôbre êle incidido n ma votação, da qual resultou a resolução de se apresentarem dois parecerei, por motivo de caso de consciência, como o declararam os membros da maioria da comissão.
O parecer da maioria da comissão, relatado pelo ilustre Senador Sr. Oliveira e Castro, traduz bem a maneira de sentir, orientação e opiniões dos Senadores que o assinam.
Mais algumas considerações pessoais produzirei ainda sôbre o assunto, Sr. Presidente.
O Conselho Parlamentar, eleito no começo da Sessão Parlamentar durará até a sessão seguinte, em que será submetido à reeleição.
Dado que à data da eleição represente as correntes de opinião do Congresso que nele se querem ver expressas, sucederá o mesmo dali a semanas ou meses? Duvido, sobretudo se se quiser continuar a fazer referências ao Congresso actual, cuja instabilidade de correntes é bem conhecida.
E sendo assim, e sendo êste o dou do seu préstimo e o argumento basilar da sua valorização a, que vem então o Conselho Parlamentar, a cujos múltiplos inconvenientes se referiram já, largamente, muitos Srs. Senadores que me precederam no uso da palavra?
Mais ainda, Sr. Presidente, como indicador das diversas correntes do opinião, acho-o até inútil.
Sr. Presidente: o Chefe do Estado que, em circunstâncias de alta gravidade para a República, fôr levado a pensar no uso da faculdade de dissolver o Congresso, não o fará certamente de animo leve, e antes, com inteiro conhecimento da responsabilidade que porventura será levado a assumir, procurará utilizar todos os meios de conciliação possíveis, e colher todas, e ainda mais algumas, as informações que o possam elucidar.
E assim, se para uma simples crise ministerial, como é da praxe, o Chefe do Estado consultar V. Exa., o Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, todos os leaders das diversas correntes políticas do Congresso, e até vultos políticos alheados então do mesmo Congresso: o que não irá êle consultar, o que não procurará êle conhecer quando se tratar da grave resolução da dissolução parlamentar?
S. Exa. com todos trocará impressões, a fim de ver o que se poderá conseguir dentro e fora do Parlamento. Tendo principiado pelo Congresso, ouviria depois associações e individualidades em destaque nos vários ramos da vida portuguesa.
S. Exa. assim obteria maiores resultados do que por uma votação feita na ocasião por creaturas indicadas préviamente.
Direi mais. O Conselho Parlamentar pode ir criar, pela sua acção, mais conflitos ou agravar conflitos existentes.
Se o próprio Chefe do Estado fôr usar da faculdade de dissolução em contrário da opinião do Conselho Parlamentar, inicia-se um princípio de conflito entre o Chefe do Estado e o Conselho Parlamentar.
Vem aqui a propósito fazer Uma observação por mim já apresentada no seio da comissão de revisão constitucional do Senado de que tenho a honra de fazer parte. É simplesmente isto: Não são precisas considerações, nem eu as falei. Seria quási um abuso da minha parte pretender elucidar o Senado sôbre matéria de si e vidente, tam axiomática é a observação: que o xadrez político parlamentar é cousa essencialmente diferente do xadrez político social do país, bem mais complicado que aquele; e nesse xadrez político social do país terá sobretudo de atentar o Chefe
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do Estado, que se vir forçado a usar da faculdade de dissolução.
Sr. Presidente: à medida que os oradores têm vindo apreciando a constituição e objectivo do chamado Conselho Parlamentar, pouco a pouco se foram aquecendo os ânimos, apaixonando as opiniões, entrechocando as observações, a ponto de se haver produzido uma, se as condições acústicas da sala me permitiram bem ouvir, a que não posso deixar de fazer breve reparo.
Pode ter havido sucessivos desabafos, mas malsinações... e foi esta a mal sonante palavra que, certamente por equivoco, me pareceu ouvir pronunciar, eu não dei por elas nem V. Exa., Sr. Presidente, as não ouviu tambêm, porque, certamente, se tal houvera sucedido, as teria imediatamente sustido, reduzindo-as a não subsistentes, como na verdade no ânimo de todos eram.
Vem a propósito, Sr. Presidente, fazer aqui referência a uma expressão, algo pitoresca, por mim empregada no seio da comissão de revisão constitucional do Senado, a que tenho a honra de pertencer, de feitio popular, e que é em si bastante impressiva, como em geral todas as suas congéneres; quero referir-me ao que ali opinei que seria: deitar lenha para a fogueira.
De facto, Sr. Presidente, tal expressão elucida, de maneira bem expressiva, sôbre o meu estado de espírito, a minha orientação pessoal, ao iniciarem-se os trabalhos da comissão de revisão constitucional do Senado, naquele meio quási familiar, em que desde o começo nos encontramos.
Queria eu dizer, Sr. Presidente, que em minha opinião, e por ela pautei sempre & minha atitude, se deveria procurar, tanto quanto possível, e sempre que isso não fôsse incompatível com os princípios doutrinários, que nos servissem de guia ou com o que um ponderado bom senso nos ditasse, alterar o menos possível o que viera assente da Câmara dos Deputados, e que ali houvesse tido mais laboriosa e demorada resolução. Isto porque, como era natural, uma vez revivescido o assunto para novo debate naquela Casa do Congresso, daí só poderiam resultar novos debates e maiores delongas, o que me parecia de alta inconveniência, dado o
interêsse e desejo de todos, de que se ultimasse rapidamente a solução final do assunto.
O contrário, acrescentava, seria lançar nova lenha na fogueira da discussão e reacendê-la inevitavelmente.
É compreensível é, Sr. Presidente, que dada esta minha orientação, eu que no actual momento político sou doutrinária,ente partidário da faculdade de dissolução sem restrições, deveria ser contrário a qualquer emenda que se propusesse a introdução de uma consulta a qualquer Conselho, consultivo ou deliberativo, fôsse êle de que natureza fôsse, quanto mais de origem parlamentar, como é o preconizado pela minoria da comissão de revisão constitucional, pois que, quanto a êste, não só continuo a figuradamente considerá-lo como lenha para a fogueira, mas o que á pior, afigura-se-me tal lenha de muito má qualidade.
Vou terminar, Sr. Presidente, referindo-me a algumas das considerações produzidas pelo ilustre Senador, Sr. Machado de Serpa, a respeito da possibilidade de haver um Senado, entre nós, com a organização do Senado francês.
Disse S. Exa. que, neste caso, não teria dúvida em conceder ao Senado as faculdades de conselho consultivo, mas não deliberativo.
Devo dizer que, mesmo nessa hipótese, eu não concordaria com as faculdades que dá ao referido Conselho a Constituição francesa, pois acho má, grave, uma tal disposição, porquanto o Senado francês tem uma Constituição demasiadamente política para tal mester.
Para se conceder ao Senado a faculdade de ser árbitro em tam melindrosa e grave eventualidade, quer consultivamente, quer, melhor ainda, deliberativamento, seria preciso que a Constituição do Senado fôsse essencialmente diversa da que êle tem na Constituição francesa.
Só a um Senado com representação dos grandes interêsses regionais e dos grandes interêsses e aspirações das diversas classes do país poderia ser concedida tal atribuição. Então, sim, então poderia êle ter o alheamento das paixões políticas, a competência, o contacto com a Nação, e a serenidade indispensáveis e próprias para bem assumir o papel de árbitro em situação tam grave e melindrosa, como o
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será sempre aquela em que ao Chefe do Estado se imponha a possibilidade próxima duma dissolução parlamentar. Tenho dito.
O Sr. Herculano Galhardo: — Quando na sessão de ontem, eu pedi a palavra, fi-lo únicamente para ter ensejo de responder a algumas referências que, na sessão do dia 28, me tinham sido feitas pelos dignos oradores que falaram depois de mim, não tendo eu podido, visto que se tratava da discussão na generalidade, pedir novamente a palavra, nem podendo fazê-lo cabalmente, usando dela para simples explicações.
Foi êsse o motivo por que hoje pedi a palavra.
De então para cá a imprensa, com grande surpreza nossa e contra a nossa expectativa, tem feito referências muito honrosas ao nosso parecer e ao parecer dos Srs. Senadores da maioria da comissão, que nela representavam as minorias desta Câmara.
Algumas dessas referências feitas por amigos e correligionários têm sido amáveis e carinhosas; outras têm sido sóbrias em comentários, mas correctas e nobilíssimas, como é próprio da imprensa do nosso país, provando bem que o assunto foi julgado interessante e digno da atenção do público, merecendo, por isso, ser tratado por nós parlamentares com nobreza e elevação.
Ainda com surpresa minha, vejo na imprensa discutir-se o meu nome, e, como não tenho outra tribuna onde falar e onde responder pelos actos que pratico como membro do Congresso, tenho, por êste motivo mais, de alongar as considerações que vou fazer.
Ao Sr. Celestino de Almeida, que falou logo em seguida a mim, na discussão da generalidade, eu poderia dizer imediatamente alguma cousa; mas, como tenho de responder daqui a pouco às referências que S. Exa. acaba de fazer, nesta sessão, perdoar-me há que não responda desde já ao que S. Exa. disse na sessão, creio, de quinta feira.
Ao Sr. Morais Rosa devo referir-me em especial. S. Exa. proferiu um discurso muito interessante, mas a atitude da imprensa a que há pouco me referi, a forma ponderada como ela tratou do assunto, comentando-o por vezes, ou limitando-se, como fez o Diário de Noticias, a apresentar os dois pareceres da comissão, em paralelo, para que os leitores fizessem juízo por si próprio, mostra bem que o processo parlamentar de que S. Exa. se serviu para combater o nosso contra-pro-jecto não esteve, neste ponto, à altura dos seus méritos de parlamentar e homem distinto e ilustrado, que é.
Não era caso para se brincar, e S. Exa. brincou, positivamente, aceitando apartes que lhe serviram para fazer ressaltar o seu brilhante espírito; mas não esteve à altura da grandeza e importância do assunto que se acha tratando. Digo-o com toda a franqueza, e S. Exa., certamente, o reconhece.
O Sr. Morais Rosa: — Não sou responsável pelos apartes que me dirigem.
O Orador: — Mas é responsável pela forma graciosa que deu ao seu discurso de combate.
Ao Sr. Manuel Martins devo dizer que o seu discurso me encheu de prazer pela afirmação de princípios que nele fez.
Disse S. Exa. que, em face dos princípios, dentro da velha escola liberal, nós tínhamos talvez razão; mas em paralelo com êles...
O Sr. Manuel Martins: — Só me referi à questão da dissolução, não me referi ao conselho parlamentar.
O Orador: — Em todo o caso, V. Exa. sustentou que, em regra, os princípios da velha escola liberal devem ser respeitados e não está ainda condenada essa velha escola.
Disse S. Exa. que havia factos, que havia acontecimentos que tinham de ser contados e postos em equação, quando se trata de resolver um problema desta ordem. Sou da opinião do Sr. Manuel Martins; mas quando se trata de resolver problemas de momento, não é alterando o Estatuto Constitucional da Nação que êles se resolvem, é com medidas de ocasião.
O Sr. Dr. Oliveira e Castro sentiu-se levemente tocado por uma outra afirmação que eu fiz, referindo-me ao espírito reaccionário que eu disse começar a esboçar-se no campo republicano; S. Exa. es-
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tranbou que eu o acusasse, e aos seus amigos dêsse lado da Câmara, de reaccionários. Mas classificar alguém de reaccionários não é uma acusação; quando eu falei em reacção como inimiga da República, e de todas as instituições progressivas, fui mais longe, disse que a reacção tinha sido a causa da morte da monarquia; e, tratando de inimigos da Republica, referi-me tambêm aos monárquicos e aos sindicalistas, e, certamente, ao injurio ninguêm, chamando-lhe monárquico ou sindicalista. Pelo menos não está isso na rainha mente.
Na sessão em que se discutiu o projecto na generalidade, creio que S. Exa. não tocou em mais nenhum ponto do meu primeiro discurso; logo me referirei própriamente ao discurso proferido hoje por S, Exa. na especialidade.
Como disse a V. Exa., Sr. Presidente, pedi a palavra únicamente, para me desobrigar, ;por um dever de cortesia perante os meus colegas desta Câmara que fizeram referência ao meu discurso de quinta-feira, mas vem a imprensa, vieram cartas particulares de amigos, veio o decorrer da discussão, a questão avolumou--se, engrandeceu-se, e eu vejo-me hoje obrigado a tirar mais algum tempo à Câmara do que desejava.
V. Exas. me desculparão.
Neto dum dos chamados bravos do Mindelo, sobrinho-neto dum português, que foi alguma cousa em a nossa terra, dois portugueses de velha têmpera,, que tiveram a ventura suprema de ver implantada pela primeira vez na sua Pátria, a Liberdade, para o que concorreram com o seu sangue e o seu talento, eu desejarei sempre honrar a memória dêstes meus parentes, procurando não praticai-na minha vida de modesto homem público, nenhum acto que possa ir manchar as suas cinzas.
Até hoje, julgo não o ter praticado. Sendo assim, e não me, sentindo enfermar dêsse tal espírito reaccionário que de facto invade, com mágoa o digo, os espíritos dos republicanos, de velhos, tempos de propaganda, eu, não iria agora por cobardia renegar os meus princípios, nem praticar um acto contrário à minha consciência, por motivo de serem grandes ÍLS responsabilidades que de aí me advenham.
A hora é grave, Sr. Presidente. É muito nebuloso o futuro da nossa Pátria, e é muito desordenada a orientação dos homens a quem cabe a direcção das cousas públicas. Esta situação causa pavor e é desalentadora. Daria vontade de morrer, como disse Alexandre Herculano, em face das misérias do seu tempo, se não nos impusesse, a nós republicanos o dever de lutar, mas de lutar com nobreza e elevação.
Isto vem a propósito, Sr. Presidente e Srs. Senadores, de eu lhes dizer ou ter de dizer, que me sinto completamente desarmado para lutar com balas de papel, com flores de retórica ou com punhos de renda, porque dessa luta sairia com certeza vencido.
Luta de luva branca, sim!
Com rendilhados? Com flores? Não sei combater. Eu compreendia, Sr. Presidente, que ao projecto do minoria da comissão se tivesse feito um ataque violento, correspondendo àquele que eu porventura fiz ao projecto da sua maioria, classificando-o de reaccionário, opinião que mantenho.
Compreendia que, em resposta, os meus antagonistas me dissessem que o nosso projecto é libertário, anarquista. Aceitaria a luta nesse campo. Discutiríamos então sob êsse alto ponto de vista os dois contraprojectos e veríamos qual dêles está mais à altura da hora que passa; se aquele que se agarra às velhas tradições condenadas, se aquele que vai procurar um apoio ao futuro que se avizinha próximo.
Uma das virtudes que, com certeza o nosso parecer tem, é de dar às minorias a supremacia no Conselho Parlamentar. A nobreza dêste pensamento, não podem V. Exas. negá-la. Alguém que dentro dêste palácio ocupa um lugar de destaque pelo seu talento e pelas suas qualidades de velho republicano, parece ter dito, ao ter conhecimento da nossa fórmula, que ela assentava num princípio péssimo: o de valorizar as minorias, porque as minorias n?m sempre tinham razão. Tratando-se, porêm, de facilitar a dissolução, não lhe criando obstáculo de espécie alguma, nós preferimos dar valor às minorias, ainda mesmo que não tenham razão.
Mas as minorias desta Câmara, que fazem oposição ao Conselho Parlamentar, não n Atacaram sob este ponto de vista
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e não o fizeram porque seria difícil sustentarem-se nesse campo. Preferiram tornear a dificuldade, atacando o Conselho Parlamentar por inútil e pouco prático e ocultando, ou procurando dirimir o pensamento que nós tivemos em vista ao propô-lo.
Procurarei demonstrar o contrário, embora não possa fazê-lo com flores de retórica e rendilhados, de linguagem.
Em primeiro lugar afasto completa-mente da minha argumentação a hipótese de que a faculdade de dissolução possa constituir uma arma do Poder Executivo contra, o Legislativo. Não suponho que o Presidente da República possa querer dissolver o Parlamento, porque o julgue uma cousa desprezível. Assim como não admito que o Congresso, Usando da faculdade que lhe dá a Constituição, demita o Presidente da República, na prática de acto da guerra.
Quero afastar essa hipótese, como todas as que não dignifiquem o Presidente da República e o Congresso.
Portanto, repito, afasto tal hipótese e tudo quanto fôsse irritar o debate.
Dois argumentos, só bem me lembro, foram efectivamente apresentados contra o novo projecto do seio da comissão: o primeiro, apresentado pelos Srs. Celestino de Almeida e Oliveira e Castro, foi que introduzir qualquer alteração importante no projecto vindo da Câmara dos Deputados seria lançai mais lenha na fogueira; o segundo apresentado pelo Sr. Dr. Celestino de Almeida e a que sé agora me refiro em virtude das considerações feitas por S. Exa. no seu discurso da sessão passada e a isso elas me obrigaram, foi de que o Conselho Parlamentar ia ser constituído, «reparasse eu», por homens. O Sr. Senador Afonso de Lemos ao dizer, com graça, nesta Câmara que o Conselho Parlamentar podia chegar a ser um Conselho de família, teve naturalmente o mesmo pensamento que teve o Sr. Dr. Celestino de Almeida, ao apresentar aquele seu argumento, cujo significado escapou ao meu espírito.
Disse então a S. Exa. que reflectisse bem na importância do seu argumento e que dissesse claramente o que quero, dizer com a sua observação de que o Conselho Parlamentar ia ser constituído por homens.
Não tinha, evidentemente, atingido bem o pensamento de S. Exa., que, explicando, me disse que o conselho ia ser constituído por homens sujeitos a todos os defeitos e intrigas.
Pensei então que o argumento era fraco, mas a discussão do projecto e principalmente o comentário do Sr. Senador Afonso do Lemos, a que há pouco aludi, vieram esclarecer-me sôbre o assunto e dar o devido valor ao argumento do Sr. Senador Celestino de Almeida.
Perdôe-me S. Exa. o não ter feito menção dêle no meu discurso da sessão passada.
O Sr. Celestino dê Almeida: — Desejo observar o seguinte: fez, S. Exa. muito bem em trazer êsse argumento, porque aqui propositadamente não o q u i§ trazer.
Era feito em família.
O Conselho Parlamentar tem homens, que amanhã representam ou não os tais poderes.
O Orador: — Esse argumento fortaleceu-se hoje com a discussão.
O Sr. Celestino de Almeida: — O argumento ora bastante para homens de correcção e coração como nós.
O Orador: — A seu tempo me referirei a êle, cumprindo-me desde já pedir aos Srs. Senadores, a quem devo respondeis desculpa de o não lazer sempre em especial para cada um dêles, como seria meu dever.
Há uma afirmação contra a qual eu quero protestar imediatamente.
O Sr. Machado de Serpa, se não ouvi mal, disse que o Conselho Parlamentar podia ser vantajosamente substituído por um outro, que o Chefe do Estado poderia consultar com honra. Eu não posso ouvir dizer isto a um parlamentar.
Êste Conselho, qualquer que seja a sua organização, deve ser constituído pela elite do Congresso que representar. Será sempre honroso para o Chefe do Estado consultá-lo.
O Conselho Parlamentar é uma inutilidade; o Conselho Parlamentar não só justifica; o Conselho Parlamentar não é necessário; tudo isto afirmaram e repetiram V. Exas. mas sem conseguir prová-lo.
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Disseram que a fórmula, que classificaram de excessivamente matemática, não poderá corresponder às necessidades de momento, visto que ela pode ser sofismada por diferentes formas.
Há pouco os Srs. Celestino de Almeida e Oliveira e Castro o afirmaram, se não foram outros Srs. Senadores que o fizeram.
O Sr. Celestino de Almeida: — Eu não fiz uma única referência a êsse assunto.
O Sr. Oliveira e Castro: — Eu disse que tinha sido sofismada.
O Orador: — Reconhecida essa possibilidade e no sentido de remediar o mal, foi que o Sr. Relator mandou para a mesa uma proposta de emenda, fixando em dezoito o número máximo de membros do Conselho Parlamentar.
Com esta limitação, o desdobramento a que S. Exas. se referiram, é praticamente impossível, já que não se julga suficiente para o evitar a imoralidade que êle representaria.
Mais se disse que, tendo a minoria da comissão o pensamento de prestigiar o Parlamento, não o conseguiu com o seu contra-projecto, porque o Conselho Parlamentar é meramente consultivo, e se o Presidente da República não seguisse a sua indicação e preferisse outra, o Conselho ficaria imediatamente em má situação, desprestigiado e com êle o Parlamento.
Actualmente nas crises dos Govêrnos, o Presidente da República chama os Presidentes e os leaders das duas Cariaras..
Ninguêm pensa certamente que todas estas entidades lhe vão dar indicação igual. Contudo, o Presidente da República opta por esta ou por aquela ou pela sua.
Havemos de concluir dêste facto que devem considerar-se desprestigiados aqueles cuja indicação não foi acatada?
Se não fossem consultados, é que poderiam julgar-se desprestigiadas e com razão.
O Conselho Parlamentar, não sendo atendido na sua consulta, ficaria em si viação deprimente, afirmou o Sr. Vasco Marques, como se, por ventura, para os seus colegas dêste lado da Câmara resultasse qualquer situação deprimente pelo facto
de S. Exa. estar em desacordo com os seus correligionários sôbre o assunto em discussão.
Finalmente, insiste-se em que o Conselho Parlamentar não é necessário.
Pois é necessário, em minha opinião, como vou demonstrá-lo; e agora chego talvez a parte mais grave das minhas afirmações.
Não vou discutir aqui se o Presidente da República é um delegado do Congresso; ou se o Congresso, elegendo-o, lhe confere parte dos poderes que recebeu da Nação.
Não vou discutir nenhum dêstes pontos, porque não os julgo essenciais para a minha argumentação.
Pretende-se com o projecto em discussão dar ao Presidente da República a faculdade de dissolver o Congresso e, contudo, continuam de pelas disposições constitucionais que conterem ao Congresso o direito de destituir o Presidente da República nos termos previstos na Constituição.
O Sr. Afonso de Lemos: — V. Exa. dá-me licença? Quando o Presidente da República dissolver o Congresso, fá-lo em nome dos altos interêsses da República e da Nação.
O Orador: — Sim, senhor.
Interrupções dos Srs. Silveira, Vasconcelos Dias e outros Srs. Senadores, estabelecendo-se confusão.
O Orador: — Mas estando de pé as disposições constitucionais, a que eu acabo de me referir, vamos introduzir na Constituição uma disposição importantíssima pela qual é dada a competência do Presidente da República para dissolver o Parlamento. Digam depois disto se não é indispensável incluir ao mesmo tempo na Constituição a condição de, por direito, ser ouvido o Parlamento!
A possibilidade de conflito, de actos desliais de hostilidade, afastámo-la por completo, como já o disse no começo do meu discurso, ao elaborarmos o nosso contra-projecto.
Mas se tais actos são admissíveis, se existe a possibilidade duma situação conflituosa, afigura-se-me prudente prevê-la na Constituição, condicionando a faculda-
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de da dissolução concedida ao Presidente da República, por forma que, acautelados, os direitos e prerrogativas parlamentares, dela não resulte tambêm desprestígio para o Chefe do Estado.
Vou referir-me a um facto já hoje histórico.
Os mortos têm direito ao nosso respeito; não devem ser por nós injuriados e aqui o afirmo solenemente—por minha parte nego a minha solidariedade a qual quer ofensa que tenha sido feita, a um morto, por muito nociva que tenha sido a sua acção para a vida do país, e qualquer que seja o morto.
Os mortos notáveis passam à historio, e a sua acção como homens públicos só pode e deve ser criticada, quando dessA critica possa resultar ensinamento. (Apoiados=.
Era Presidente da República o Sr. Dr. Manuel de Arriaga, homem que sempre mereceu o respeito de todos nós, e a cuja memória devemos ainda hoje todo o respeito pelo seu passado de político e vida inteira de homem de bem.
Digam-me todos os que estão nesta Câmara e assistiram Ao desenrolar dos acontecimentos de Janeiro de 1915, se o Presidente da República tivesse naquela ocasião o direito de usar da dissolução sem restrições, não teria usado dêle sem desprestígio para o Parlamento, embora com isso tivesse evitado o golpe de Estado, quê veio pôr um ponto negro na sua vida pública, por tantos motivos gloriosa!
Supôs êle então, afirmo-o eu, porque disso fui testemunha, servir os altos interêsses da Pátria e da República.
Tive a honra de ouvir sôbre o assunto o velho e honrado republicano, e estou convencido do que procedeu com inteira boa fé.
Por aqui se vê, Sr. Presidente, que os homens tanto o são para constituírem conselhos parlamentares, como para serem eleitos Presidentes da República!
Vozes: — Muito bem. (Apoiados).
O Sr. Afonso de Lemos: — Praticou apenas um êrro, foi usar de um poder que lhe não tinha sido conferido,
Para evitar situações dessas, é que queremos conferir êste poder.
O Orador: — Dirijo-me ao Sr. Presidente, e se acaso me dirigi ao Sr. Afonso de Lemos foi por uma questão de simpatia, mas não porque S. Exa. tenha feito no seu discurso qualquer referência a êste assunto.
O Sr. Afonso de Lemos: — Eu queria simplesmente dizer ao Sr. Herculano Galhardo que êsse morto, a que S. Exa. só referiu, praticou apenas o êrro de usar de um poder que lhe não tinha sido concedido, e que, para evitar isso, é que é bom introduzir na Constituição o princípio da dissolução.
O Orador: — Essa mesma situação poderia ter sido evitada se o Congresso tivesse usado, a tempo e horas, para com aquele venerando homem público, e que, repito, mereceu sempre a estima e a consideração de todos nós, das disposições do n.° 20.º do artigo 26.° da Constituição. (Apoiados).
Eu digo isto com todo o desassombro, porque sei e ouvi da sua boca defender o acto que praticou, cheio de boa fé e de grande amor pela sua Pátria, mas, penso eu, num estado de evidente fraqueza de ânimo, justificada pela sua idade e responsabilidades com que, porventura, já não podia.
Mas, dizia eu: Se os homens são homens para constituírem conselhos parlamentares, tambêm são homens para serem eleitos Presidentes da República.
Os altos interêsses da Pátria e da República tanto podem exigir a dissolução do Congresso como a destituição do Presidente da República. Tais situações podem surgir de um momento para outro e devem, com iguais cautelas, ser previstas na Constituição.
Ora, se as disposições do n.° 20.° do artigo 26.° da Constituição estão de pé, e se se vai nela introduzir uma nova disposição que dá ao Presidente da República o direito de dissolução do Congresso, necessário é acrescentar uma outra disposição, complementar daquela, que obrigue o Chefe do Estado a ouvir préviamente o mesmo Congresso. E esta disposição pode ser estabelecida por forma a que aquele prestígio, que deve tornar o Chefe do Estado, por assim dizer, intangível, seja respeitado tanto como o do Parlamento.
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Vi num jornal uma fórmula que eu aceitaria gostosamente. O jornal A Capital, fazendo apreciações sôbre o projecto de dissolução apresentado pela minoria da comissão, projecto que acha interessante, diz, se não estou em êrro, que se poderia modificar a fórmula da comissão de maneira que o Presidente da República, em vez de ouvir o Conselho Parlamentar, ouvisse o Presidente co Congresso, o qual lhe levaria o voto do Conselho de que è presidente.
Consta-me que um Sr. Senador vai mandar para a Mesa uma proposta nesse sentido.
Tratando-se sempre de prestigiar o Parlamento e completar, melhorando, uma disposição da importância desta que se vai introduzir na Constituição, parecia-me que esta fórmula poderia ser aceita por todos os lados da Câmara, se, realmente, não houver o simples propósito político de oposição a uma fórmula que, logo do principio, se resolveu combater.
Dizem os adversários da fórmula: O Conselho Parlamentar não prestigia o Parlamento; o Conselho Parlamentar vem dificultar a dissolução. E quem é que faz estas afirmações? É aquele lado da Câmara que, com a faculdade da dissolução, ao mesmo tempo, inclui no seu, contra-projecto, uma condição segundo a qual o Presidente da República tem de esperar cento e vinte dias, para poder dissolver o Congresso.
Essa disposição não a introduziríamos nós no nosso contra-projecto. O Presidente da República pode por êle dissolver o Parlamento dentro duma semana depois de constituído, se tanto fôr necessário. Quem facilita a dissolução aos eu aquele lado da Câmara?
Afirmar o contrário, ou é de ingénuos, ou é de sofistas, ou é de políticos, sem injúria o digo.
O Sr. Celestino de Almeida: — Responderei a V. Exa., quando se tratar dêsse número.
O Sr. Afonso de Lemos: — E eu tambêm.
O Sr. Herculano Galhardo: — Estimarei, porque tudo quanto fôr esclarecer esta questão concorrerá para que ela fique bem resolvida.
Creio ter demonstrado à Câmara que o nosso pensamento foi e é prestigiar o Parlamento; que o Presidente da República em nada è tocado no seu prestigio; que o Conselho Parlamentar é necessário e que em nada dificulta a dissolução.
Tenho dito.
O Sr. Álvares Cabral: — Chega-me a palavra muito tardiamente e já depois de terem falado os meus ilustres colegas Srs. Alves Monteiro, Machado de Serpa, Pereira Osório e Herculano Galhardo, coe, duma maneira bastante clara, apresentaram argumentos que eu tencionava aduzir.
Eu simplesmente me limitarei a afirmar princípios e a justificar o meu voto.
Eu sou, em princípio, contrário à dissolução. Não compreendo até como se pode dar ao Presidente da República a faculdade de dissolver o Parlamento tendo e Parlamento a faculdade de destituir o Presidente. Pode mesmo dar-se o caso de se cruzarem no caminho as comunicações.
Tudo indicava que no regime republicano não se dêsse ao Presidente a faculdade da dissolução; mas, em virtude de compromissos tomados em horas bastantes difíceis, pelo meu partido, eu votarei o princípio da dissolução; mas votarei tambêm o Conselho Parlamentar proposto pela comissão do revisão constitucional.
Eu quereria antes que a fórmula apresentada pelo Sr. Machado de Serpa fôsse adoptada, por estar mais ou menos no meu modo de ver.
O Senado seria composto por um têrço por eleição, um têrço eleito pelas fôrças vivas do país e um torço eleito pelas outras duas partes, para chamar a esta casa do Parlamento diversas competências que, não tendo importância política e não pertencendo às diversas classes, seriam contudo de grande auxílio.
O Senado assim constituído não seria uma câmara política, isto é qualquer proposta de lei apresentada pelo Govêrno e mio apnnadanão constituiria cheque político.
É claro que, nestas condições, só um têrço do Senado poderia ser dissolvido; esta Câmara continuaria contudo a ser urna Câmara de revisão.
Eu, Sr. Presidente, não sou de opinião que a nomeação do Conselho seja dês-
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prestigiante para o Sr. Presidente da República; antes pelo contrário, parece-me que será a maneira de S. Exa. poder oficialmente tomar conhecimento de qualquer conflito e mesmo o Parlamento poder comunicar a S. Exa. qual a sua atitude num determinado momento, que dêsse lugar talvez a uma apreciação menos favorável por parte do chefe do Estado.
Eu, Sr. Presidente, sou daqueles que entendem que o Parlamento é quem representa a soberania popular, como directo representante do povo, e por isso entendo e sou de opinião que o Parlamento, se fôr dissolvido sem ser ouvido, fica desprestigiado e assim voto a dissolução, mas igualmente o Conselho Parlamentar proposto pela comissão.
Tenho dito.
O Sr. Soveral Rodrigues: - Sr. Presidente: não é já na minha idade que se perde o hábito de dizer francamente o que se pensa a respeito de qualquer assunto e assim eu devo dizer a V. Exa. que sou absolutamente contrário ao princípio da dissolução, que se pretende introduzir na Constituição da República Portuguesa.
Sr. Presidente: repugna à minha inteligência e ao meu patriotismo que num regime parlamentar se possa usar um poder superior à soberania popular.
Eu o que vejo, Sr. Presidente, é que se vai introduzir mais um princípio que há-de dar motivos a desordens e perturbações com grave risco para a República e para o País.
Foi dito aqui nesta Câmara, Sr. Presidente, que a dissolução era feita contra o Partido Democrático e posta a questão neste campo mesquinho teremos de aceitar o princípio da dissolução.
Para combater o Partido Democrático, Sr. Presidente, não é preciso amesquinhar a acção do Parlamento, que em boa razão representa a vontade da soberania nacional.
Como V. Exa. sabe, Sr. Presidente, a dissolução é sempre dada em lavor dum lado da Câmara contra o outro e, como o Conselho Parlamentar será constituído pelos representantes de todos os agrupamentos, nesse Conselho serão fatalmente apresentadas opiniões a favor e contra a dissolução.
Para evitar ao Presidente da República êste largo debate que talvez o coloque um pouco perplexo perante a diversidade de opiniões, entendo que êle deve travar-se fora das vistas de S. Exa., sendo presidido pelo Presidente do Congresso que levará depois ao Presidente da República as opiniões apresentadas no Conselho Parlamentar e o voto da sua maioria.
Assim, mando para a Mesa um aditamento ao n.° 10.°, que poderá ser um dos seus parágrafos, o qual contêm uma disposição que remedeia, em parte, o inconveniente que indiquei.
O Sr. Presidente: — A oportunidade do aditamento que V. Exa. apresenta é quando se tratar do § 1.°, se fôr aprovado o n.° 10.° que está em discussão.
O Orador: — O n.° 10.° não tem parágrafos. Parece-me, portanto, que é esta a altura em que se pode introduzir o aditamento que proponho.
Com êste sacrifício à doutrina e princípios do partido republicano português, eu laço votos para que a República enverede por um caminho de ordem e harmonia, a fim de não haver necessidade do povo vir para a rua, de armas na mão, defender a liberdade e a República.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A proposta de S. Exa. será lida a seu tempo.
O Sr. Vasconcelos Dias: — Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para fazer a minha declaração de voto.
Contrário, em absoluto, à admissão do princípio da dissolução parlamentar, eu não desejaria que, de modo algum, amanhã me pudesse ser assacada a responsabilidade de não haver, tambêm, juntado o meu protesto ao de tantos outros que, nesta Câmara, se têm manifestado contrários h prática disso que eu considero um crime constitucional, tentando, se não evitar a sua aprovação, visto que a grande maioria dos nossos colegas são partidários dêsse princípio, contribuir ao menos para que elo seja cercado de todas as cautelas tendentes a evitar abusos, abusos que caracterizaram os últimos anos da monarquia, sob o ponto de vista do regime parlamentar, e cautelas com que pretendo
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cercá-lo contra o projecto elaborado pela maioria da comissão de revisão constitucional.
Eu sou, Sr. Presidente, daqueles que não consideram que a adopção do principio da dissolução parlamentar venha de qualquer modo resolver a questão. Pelo contrário, estou disso convencido, a faculdade que se vai conceder ao Sr. Presidente da República, para dissolver o Parlamento, vai ser a determinante de lutas, lutas gravíssimas entre os políticos luta ainda mais graves e mais frequentes de que todas aquelas que, até agora têm convulsionado a sociedade portuguesa, após o advento da Republica.
Diz-se, e eu já o ouvi repetir nesta Câmara que é uma experiência que só vai tentar e que, se não ler o resultado que sé espera, se revogará depois.
Não sei, Sr. Presidente, se, politicamente, e no gravíssimo momento histórico que passa, nos devemos abalançar a realizar experiências desta natureza, experiências que contribuam ou possam contribuir para irritar e acirrar ainda mais as paixões que, sob o ponto de vista político existem na família portuguesa, contribuindo tambêm para desenvolver nela ainda maiores ambições, que têm sido e continuarão a ser a verdadeira e a única causa de todas as perturbações por que temos passado, de todas as lutas que se têm desencadeado em Portugal, nestes últimos anos.
Em boa verdade repugna-me até discutir esta questão.
De facto, sendo nós, os parlamentares, meros delegados do povo que nos elegeu para virmos aqui, constituindo verdadeiramente a representação das opiniões dêsse povo, estudar e votar as leis mais convenientes à boa marcha dos negócios públicos e à administração do património nacional, sendo, por consequência, nós aqui apenas os mandatários dos nossos eleitores do povo, dêsse povo que é verdadeiramente soberano nas suas resoluções sôbre este assunto, como de resto o é em todos os outros, por intermédio dos seus representantes, como poderia ou admitir que fôsse armado com poderes especiais para invalidar as resoluções do povo um indivíduo que nós, os delegados do povo, escolhemos para, a suprema magistratura do país?
Decididamente não faz sentido, Sr. Presidente, que êsse eleito pelos representantes do povo, amanhã possa fechar-nos a porta da Casa do Congresso e pôr-nos na rua, com a mesma sem cerimónia com que se despede um criado inconveniente ou importuno.
Não, Sr. Presidente, o mais alto magistrado da Nação, a quem compete especialmente velar por que só Mantenha a harmonia entre as diferentes facções em que se acha dividida a política, a quem cabe particularmente o encargo, espinhoso na verdade, de procurar manter entre todos os portugueses a paz e, a concórdia, pontos basilares para o desenvolvimento material e o progresso intelectual do país, não pode de modo algum ficar dotado cem poderes que, quando mal empregados, serão a causa dos mais graves, dos mais terríveis efeitos para a Nação.
E que o Presidente pode, em determinados casos, errar, basta-lhe ser tirado geral mento, da vida política, arrancado a um dos partidos ou agrupamentos em que se divide essa mesma política, partido, ou agrupamentos separados, na maioria dos casos, por princípios, opiniões, ou maneiras de ver absolutamente opostas.
Quem nos pode garantir, Sr. Presidente, que, posta a questão no pé do Presidente da República ter do dissolver um Parlamento que se tenha mostrado contrário à aceitação de tal ou tal orientação, que seja a do grupo ou partido a que S. Exa. tenha pertencido, e cujas opiniões, muitas vezes, poderá o até ser as suas opiniões pessoais, êle não vá, influenciado por tudo isso a que não pode ser superior, dissolver um Parlamento, abrindo assim um conflito com a Nação, e vindo, consequentemente, a sua personalidade para o campo da discussão, de que só desprestígio para a instituição e para o principio da autoridade, que o Presidente representa, pode resultar? Decididamente, Sr. Presidente, isso não ceve ser, isso não pode ser.
De resto, Sr. Presidente, a revogação do mandato parlamentar só pode ser feita por aqueles; que o conferiram, e nunca por outro, seja ele quem for, sejam quais forem as circunstâncias, em que se pretenda que ela seja realizada.
Mas, Sr. Presidente, há mais; muito mais ainda, e sobretudo muito mais grave.
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Imagine, por momentos, V. Exa., e suponha-o a Câmara, que se abre amanhã um conflito irredutível entre o Parlamento e o Presidente da República.
O Parlamento, usando da faculdade que lhe confere, a Constituição, procurará reùnir o Congresso e obter aí, pela votação de dois terços dos seus membros, a destituição do Presidente da República.
Êste, por seu turno, armado com a terrível e perigosíssima arma com que V. Exas. o querem dotar, recorrerá, é fora de dúvida, à faculdade que lhe foi conferida e dissolverá o Parlamento.
Tudo isto pode acontecer, e é mesmo, infelizmente, muito fácil de suceder.
Como se resolverá, pois, esta questão? Necessariamente, por meio das armas, e então aí tem V. Exa., Sr. Presidente e meus senhores, que, em vez de obtermos um remédio que de. vez ponha termo a êsse espectáculo, a todos os respeitos deprimente para um povo, do constante recurso à luta nas ruas, nós vamos ainda agravar êsse mal, arranjando mais uma causa para que se tenha de recorrer a êsse, a todos os respeitos, condenável processo.
Nestes termos, Sr. Presidente, eu gostaria que me dissessem se ainda assim se persiste na aprovação de tam perniciosa medida.
Eu até já ouvi, Sr. Presidente, esta peregrina teoria:
«E facto que durante a monarquia, e especialmente nos seus últimos anos, a faculdade da dissolução constituiu um perigo para o país pelo muito que dêle se abusou em favor de um ou outro partido que, até em alguns casos, obteve a dissolução sob a promessa de aprovação de determinada medida que ao chefe do Estado aproveitava».
Mas isso deu-se na monarquia e a República ainda não provou que dentro dela se procederia por tal forma, e, portanto, pelo menos como experiência, é necessário aprová-la tanto mais quanto é certo que é fácil de revogar, se vier a reconhecer-se que não satisfaz os fins em vista».
Eu, Sr. Presidente, não necessitava de outros argumentos para rejeitar tal medida quando proposta, visto que os seus próprios defensores estão tam pouco convencidos da sua utilidade e das suas vantagens, que apelam para que seja feita a título de experiência.
Como se pudéssemos estar a fazer experiências políticas neste momento, em que todo o tempo é pouco e todos os esforços pequenos para se obter a harmonia na família portuguesa, tam gravemente perturbada por tantas e tam grandes convulsões, das quais a guerra é sem dúvida a mais importante.
A dissolução, quanto a mim, Sr. Presidente, é apenas uma arma que se pretende jogar contra o Partido Republicano Português, que, mercê da sua grande fôrça e da sua admirável organização, do seu programa, o mais radical de todos os programas dos agrupamentos republicanos portugueses, está mais em harmonia com as tendências e com o espírito liberal do povo português.
Pretende-se, Sr. Presidente, quanto a ruim, obter por meio da dissolução parlamentar que o Partido Republicano Português abandone as cadeiras do Poder quando, depois de vencidas todas ou, pelo menos, as maiores dificuldades do momento, a qualquer partido convenha o Govêrno que, sistematicamente, tem rejeitado até agora, nas muitas vezes que lhe tem sido oferecido.
Sr. Presidente: esta é a verdade, dita por esta forma seca e despida de atavios, que em nada a modificando na sua estrutura, teriam apenas o resultado de a tornar menos dura.
De resto, Sr. Presidente, eu tenho ouvido com toda a atenção os ilustres oradores que me precederam, como já tenho ouvido muitos outros na Câmara dos Deputados; e, confesso-o, nenhum dêles conseguiu até agora aduzir um único argumento que destruísse ou sequer abalasse a convicção, que se acha arraigadíssima no meu espírito de que a dissolução é um êrro político e um perigo grave, a que nos vamos expor e expor o país.
Agora, Sr. Presidente, que disse a V. Exa. e à Câmara a minha maneira de ver sôbre o assunto, direi tambêm que, não obstante isso, votarei o projecto, mas apenas e tam somente por disciplina partidária.
Sou militar, já um velho militar, disciplinado e disciplinador, e não será agora, Sr. Presidente, no fim de quarenta anos de vida militar, que eu vá praticar um acto de indisciplina.
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O meu partido tornou num momento grave para a nacionalidade o compromisso de votar a dissolução parlamentar; votá-la-hei, pois, mas votá-la-hei cercada das máximas cautelas, e por consequência nos termos apresentados pela minoria da Comissão de revisão constitucional, lamentando apenas, que as cautelas de que cercara tal faculdade sejam tam poucas e tam teóricas.
E isto o que eu desejo fique bem assente, para que nunca, e em caso algum, me possa ser assacada a responsabilidade de ter contribuído para ser introduzido na nossa Constituição um princípio tam mau e presomívelmente de tam graves consequências.
Tenho dito.
O Sr. Ramos Preto: — Sr. Presidente: tomo a palavra, não para esclarecer o debate, porque nada tenho a acrescentar ao que disse na sessão passada, mas para ler à Câmara uma carta que há pouco recebi do nosso colega Dr. Jacinto Nunes, e que diz o seguinte:
Lisboa, 29-8-919.— Exmo. Sr. Dr. Santos Preto, meu presado amigo e ilustre colega.— Não podendo assistir à sessão de amanhã, por ter de sair para Grândola, onde assuntos de carácter urgente reclamam a minha presença, peco licença para comunicar a V. Exa. o mais eficaz, constitucional e justiceiro meio de obstar à dissolução do Parlamento, no caso em que ela seja votada.
Êste meio consiste na destituição do Presidente da República, autorizada pelo artigo 26.° n.° 20.°, e pela 1.ª parte do artigo 46.° da Constituição, e isto logo que se produza qualquer conflito entre os dois poderes do Estado e antes, portanto, do Presidente intimar ao Parlamento o mandado de despego. Taís poderão, ou antes, deverão ser as consequências ou frutos da faculdade que porventura concedam ao Presidente para dissolver o Parlamento.
Pode V. Exa. fazer destas linhas o uso que lhe aprouver. De V. Exa., amigo, colega e obg.°, J. Jacinto Nunes.
Compreendo V. Exa. e a Câmara, quanto me lisongearia o facto do Sr. Jacinto Nunes, figura primacial da República, o vulto respeitabilíssímo desta Câmara, a quem todos nós prestamos as maiores homenagens, me escolher a mim para reproduzir as suas opiniões, que, com toda a sua autoridade e tradição tam gloriosas expende na carta que teve a honra de ler. Nessa carta estão bem indicados os perigos do futuro e que eu, quando se discutiu o projecto na generalidade, tive já ensejo de apontar, prever e ponderar.
Se amanhã surgir um conflito entre os dois poderes e se um, o Legislativo, cônscio doa seus direitos, fôr amanhã dissolvido por acto proveniente da má orientação política ou erro de visto, ainda por um capricho, e, finalmente, por um acto violento e injustificado do Presidente da República, o que é possível, por que não posso compreender que êle pensa sempre acertadamente, porque, como homem, está sujeito a errar, podendo receber influências estranhas, nós ou outros que nos sucederem neste lugar ternos naturalmente e incontestável direito, a obrigarão mesmo, de o destituir porque êsse direito, êsse dever nos é conferido e imposto pela Constituição e pela suprema defesa da República.
Falou o Sr. Morais Rosa em «subtileza» por parte da minoria da comissão ao organizar o seu contra-projecto.
S. Exa. foi injusto porque os propósitos honestos dessa minoria da comissão ficaram tam superiormente afirmados que S. Exa. não tem o direito de duvidar.
Não foi uma subtileza, não houve propósitos de iludir a intenção de dar efectividade prática à dissolução.
O que houve foi a providência. O que se faz foi prestigiar a representação nacional a quem não pode fazer-se o agravo de supor que ela, anteponha quaisquer vaidades aos interêsses da Nação.
Pelo que refere ao Sr. Oliveira e Castro, direi simplesmente que a sua argumentação falhou. Que me importa que o Conselho Parlamentar, que vai ser ouvido, seja constituído por um, dois ou mais grupos representantes das diversas correntes de opinião? Melhor!
O que é preciso; que o Presidente tique devidamente orientado e quem sabe se até tanto e tam bem que possa evitar um acto tam violento como é a dissolução do Parlamento.
Mais nada direi porque seria impertinência.
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Dizem-me que vamos tentar a experiência. Mas para quê?
A experiência é uma aventura (Apoiados).
E essa aventura pode ferir mortalmente os bons princípios republicanos.
Não quero tomar sôbre mim a responsabilidade dela, por que, se amanhã essa aventura, liquidasse em mais um desastre, eu mio poderia perdoar a mim mesmo o facto de contra ela não haver protestado antecipadamente, não por um protesto como o que celebrizou Pilatos, mas com toda a minha energia de português, de patriota e parlamentar que no Parlamento põe a confiança nos destinos da Nação.
Perante a aventura, perante a experiência que me dizem dever tentar-se, eu ouço, acato e respeito as palavras proféticas do Sr. Dr. Jacinto Nunes, que pela sua alta envergadura intelectual, moral e política, são para ponderar nesta hora melindrosa da vida parlamentar.
Nós, parlamentares, não podemos honradamente abdicar. Não temos êsse direito. Tenho dito.
O Sr. Vasco Marques: — Não tencionava usar da palavra na discussão da especialidade, por que tendo-a usado já na generalidade, julgava-me dispensado de fazer uso dela.
Sei que não discurso com brilho, mas tenho a convicção de que sou sempre muito claro e preciso nas minhas palavras, por que elas são sempre ponderadas e exprimem sempre a minha convicção.
Mas nas palavras do ilustre Senador, Sr. Herculano Galhardo, eu julgo compreender que no espírito de S. Exa. ficara qualquer cousa de menos verdadeiro acêrca daquilo que eu tinha dito; a muita consideração e estima que tenho por S. Exa. obriga-me a esclarecer as palavras por mim pronunciadas, por que não quero de forma alguma que no espírito de S. Exa. subsista qualquer razão menos justa acêrca do que pronunciei.
A razão por que pedi a palavra para, discutir êste projecto, foi porque discordando dele, entendi que, pela muita consideração e estima, que tenho por qualquer dos membros da comissão, não deveria simplesmente, secamente votar contra o princípio por ela consignado; nestas circunstâncias a minha intenção foi de todas a melhor e eu, pronunciando as palavras que pronunciei, apenas quis provar, a grande consideração que tenho por todos os membros da comissão, sem abdicar da minha maneira de pensar numa questão perfeitamente aberta.
Sr. Presidente; eu disso muito claramente que era contrário ao princípio da dissolução, mas que a votava por que numa hora muito grave para a República e para o partido a que me honro de pertencer, compromissos haviam sido tomados nesse sentido e entendi que não podia nem devia faltar a êles. Considero esse compromisso político absolutamente fechado e entendi que não devia usar do meu voto livre, mas tinha de honrar a palavra dada pelos homens mais prestigiosos do meu partido.
Voto o princípio de dissolução, não porque seja partidário dele, porque esteja convencido das suas virtudes, mas simplesmente, repito, para honrar os compromissos tomados pelos meus correligionários,
Por conseguinte, Sr. Presidente, não me parece nestas condições, que eu tivesse de discutir se as cautelas, que cercavam êsse princípio eram melhores ou pioras, pois desde que sou contrário à dissolução e a voto por questão de disciplina, enteado que só assim eu seria perfeitamente coerente, visto que me encontro numa situação especial por todos os ilustres Senadores deste lado da Câmara defenderem o princípio de dissolução como medida boa; os meus restantes colegas dêste lado votam-na cercada de determinadas cautelas e eu voto-a única e simplesmente por disciplina partidária e convencido de que voto uma medida má, porque a dissolução é um perigo.
Nestas condições, Sr. Presidente, eu não queria que, em tempo algum, quando a dissolução provasse a sua ineficácia, se viesse dizer que, era por virtude de a termos rodeado de cautelas que a não deixaram produzir os seus efeitos benéficos. Se o princípio assim estabelecido demonstrar que é bom, não tenho dúvida em vir dizer que me enganei, visto que o considero agora mau.
Apartes da direita.
O Orador: — V. Exas. estão no seu direito de me interromper. Só me honram,
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porque assim provam que fazem favor de ouvir as minhas palavras.
Mas, diziam V. Exas. e aqueles que sofrerem as consequências do princípio da dissolução?
Desde que V. Exas. votam o Conselho Parlamentar com voto consultivo, evidentemente o Presidente da República faz a dissolução, embora com o parecer contrário do Conselho Parlamentar. Logo nu sempre consequências... Se eu tivesse liberdade de acção, vetava contra a dissolução que reputo um perigo.
Já expliquei a V. Exas. que não posso votar contra, porque entendo que tenho de honrar um compromisso tomado pelo meu partido.
O Sr.Herculano Galhardo: — Mas V. Exa. supõe que nós não honramos êsse compromisso?
O Orador: — Pelo contrário, todos nos estamos honrando êsse compromisso.
V. Exas. votam o princípio da dissolução e eu tambêm, apenas nos pormenores divergimos; mas das observações feitas por alguns Srs. Senadores daquele laço da Câmara verifica-se que, por mais honestas que sejam as intenções da minoria da comissão e meus ilustres colegas, elas podem prestar-se sempre a várias interpretações, e assim eu declarei que era o primeiro a fazer completa justiça assunto nobres, sãs e dignas intenções dos membros da comissão que propunham o Conselho Parlamentar, fazendo-o absolutamente convencidos de que aquela era a mais digna para o prestígio do Parlamento.
Eu disse isto muito claramente, mas acrescentei que se podiam desvirtuar todas as intenções, pois até um ilustre Senador classificou o princípio de subtil, e um jornal declarou que se podia recorrer a habilidades para alcançar um número maior de votos.
Ora eu, longe de me tornar eco daqueles que querem ver um perigo na proposta dêste lado da Câmara, pelo contrário, reconheci-lhes a nobreza das suas intenções e a honestidade dos seus propósitos. Por consequência, não podia haver, da minha parte, qualquer cousa que não fôsse de aplauso às suas intenções e à nobreza com que os Srs. Senadores dêste lado da Câmara, estabeleceram a proposta.
Eu precisava de fazer esta declaração de que, votando a dissolução pura e simples, é porque a reputo um perigo e desejo que ela prove a sua eficácia se é um bem, mas que compro\e os seus perigos se é um mal, sem que haja desculpas com as cautelas, porque depois teremos autoridade moral para pedir a sua eliminação.
Eu queria simplesmente salientar que, votando esta proposta por coerência, não
O faço, nem para magoar, nem para ser menos correcto para com qualquer dos Srs. Senadores que constituem a comissão que deu o parecer, visto que sempre procedo com toda a lialdade, tendo por todos os Srs. Senadores a consideração que lhes é devida.
O Sr. Desidério Beça: — Sr. Presidente, êste assunto, de tam grande magnitude, está suficientemente esclarecido, e a mim falta-me competência para o discutir, jurídica e constitucionalmente.
Apenas vou fazer declaração do meu voto, porque tenho restrita obrigação de a fazer:
Como republicano, sou contra a dissolução.
Não sou, porêm, o eco dos Exmos. colegas que têm falado neste assunto por esta forma.
Quando o exército republicano, devidamente comandado e enquadrado, abatia, mais uma vez, a bandeira da monarquia em Monsanto, quando êsse mesmo exército, disciplinado e tecnicamente preparado, cercava o Pôrto para abafar aquele último reduto monárquico, quando a 2.ª divisão, brilhantemente comandada pelo Exmo. Sr. General Abel Hipólito, marchava a proteger a bela província trasmontana, o meu querido distrito de Bragança, aquele canto abençoado onde nasci, o Govêrno de então marco Li-me um lugar de honra na defesa da República, como governador civil e comandante militar de Bragança. Ao tomar posse do cargo e nas visitas aos concelhos, disse eu que numa democracia quem governa é o povo.
Como delegado do Govêrno, portanto, nunca resolveria um assunto de interêsse geral, sem o condenso de todos os bons republicanos da localidade e da região; e
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para isso todos teriam lugar e opinião no gabinete do governador civil.
Agradou, Sr. Presidente, esta atitude; e os bragançanos souberam corresponder à minha espectativa; pois que do seu bom conselho resultaram algumas medidas de utilidade local e geral.
Dizia-me então êsse povo, e não era somente a elite dos republicanos conscientes e intelectuais, que era indispensável introduzir na Constituição o princípio da dissolução.
Ora, sendo eu mandatário dêsse povo, qual é o meu dever? Cumprir aquilo que êsse povo deseja.
Por consequência, Sr. Presidente, disciplinado por índole e por educação militar, não é no caso presente a disciplina partidária que me leva a votar a dissolução; é, porêm, a vontade do povo que para esta Câmara me elegeu.
Em obediência à disciplina partidária, no partido a que me honro de pertencer, voto a consulta ao Conselho Parlamentar, porque estou convencido de que um acto dessa natureza muito prestigiará S. Exa. o Presidente da República, quando as circunstâncias o coloquem na dura contingência de dissolver o Parlamento, por quem êle fora eleito.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: — Não havendo mais ninguêm inscrito, considero encerrada a discussão.
O Sr. Velez Caroço: - Requeiro que incida votação nominal sôbre o n.° 10.°
Consultado o Senado, foi aprovado êste requerimento.
O Sr. Presidente: — Há uma proposta de eliminação do n.° 10.° apresentada pelo Sr. Jacinto Nunes. Desejava saber se a Câmara tambêm quere que sôbre essa proposta recaia votação nominal.
A Câmara manifestou-se contrariamente.
Lida na Mesa e posta à votação a proposta de eliminação do n.° 10.° do artigo 1.° foi rejeitada.
Proposta de eliminação
Considerando que o Poder Legislativo é, de entre os três poderes do Estado, o único que representa directamente a Nação (Constituição, artigo 8.°);
Considerando que é ao Poder Legislativo que compete velar pela observância da Constituição e das leis (Constituição, artigo 20.°, n.° 2.°);
Considerando que é o Poder Legislativo que elege e pode destituir o Chefe do Poder Executivo (Constituição, artigo 26.°, n.ºs 19.° e 20.°, e artigo 40.°);
Considerando, por isso, que cumpre ao Poder Legislativo fiscalizar os actos praticados pelos agentes do Poder Executivo;
Considerando que a solução a dar a qualquer conflito irredutível que se produza entre o Chefe do Poder Executivo e o Legislativo está consignado no artigo 26.º, n.° 20.°, e artigo 46.° (1.ª parte), da Constituição.
Considerando, portanto, que armar o Chefe do Poder Executivo com a faculdade -de dissolver o Poder Legislativo constitui, não só uma estranha inversão de papéis tara afrontosa para a Constituição, como perigosa para a independência do Parlamento;
Considerando que a dissolução é tam anti-democrática, que em todo o novo e velho mundo só uma Constituição Republicana, a francesa, a autoriza, e ainda assim com o assentimento do Senado, motivo porque desde 1877 se não faz uso dela, em quanto que em todas as constituições monárquicas ela pende, como a mitológica espada de Damocles, sôbre a caneca dos Deputados, para os conservar submissos;
Considerando que seria humilhante para a República Portuguesa afastá-la, numa questão de tal natureza, das suas congéneres mundiais, para a emparceirar com as monárquicas e colocá-la até abaixo da Hungria, cuja Constituição só autoriza a dissolução da Câmara dos Representantes com assentimento do Senado;
E atendendo ainda ao disposto no artigo 6.° da Constituição, que garante a independência dos três Poderes do Estado:
Proponho a eliminação do n.° 10.° do artigo 1.° da proposta de lei n.° 66, sôbre que versam os dois pareceres da comissão. — José Jacinto Nunes.
O Sr. Herculano Galhardo: — Desejava saber como vai ser feita a votação.
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O Sr. Presidente: — Naturalmente pela votação, em primeiro lugar, do n.° 10.° da proposta de lei.
O Sr. Herculano Galhardo: — Se se votar o n.° 10.° da proposta vinda da outra Câmara, fica prejudicado o parecer da minoria?
O Sr. Presidente: — A proposta da minoria constitui um aditamento. Aprovado o n.º 10.°, tenho de pôr à votação o aditamento.
O Sr. Velez Caroço: — Devo dizer que o meu requerimento se referia só à votação nominal para o aditamento.
O Sr. Presidente: — Informo o Senado de que o Sr. Velez Caroço, quando há pouco requereu votação nominal, se releria só ao aditamento relativo ao n.° 10.º. Deve, pois, repetir-se a votação.
Consultado o Senado, resolveu que recaísse votação nominal no aditamento ao n.° 10.º
É lido o n.° 10.°
É o seguinte:
«Dissolver as Câmaras Legislativas quando assim o exigirem os superiores interêsses da Pátria e da República;.
É aprovado.
Em seguida é lido o seguinte aditamento:
«... mediante prévia consulta do Conselho Parlamentar».
Faz-se a chamada para a votação.
Disseram aprovo 10 Srs. Senadores e disseram rejeito 17.
Disseram, aprovo os Srs.:
António Maria da Silva Barreto.
António Xavier Correia Barreto.
Artur Octávio do Rêgo Chagas.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
Bernardo Pais de Almeida.
César Justino de Lima Alves.
Desidério Augusto Ferro de Beça.
Ezequiel do Soveral Rodrigues.
Herculano Jorge Galhardo.
João Namorado de Aguiar.
Jorge Frederico Velez Caroço.
José Joaquim Pereira Osório.
José Machado Serpa.
José Ramos Preto.
Luís António de Vasconcelos Dias.
Diário das Sessões do Senado
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Manuel Gaspar de Lemos.
Nicolau Mesquita.
Rodrigo Guerra Álvares Cabral.
Disseram rejeito os Srs.:
Abel Hipólito.
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Alberto Carlos da Silveira.
Amaro Justiniano de Azevedo Gomes.
António de Oliveira e Castro.
António Vitorino Soares.
Celestino Germano Pais de Almeida.
Constâncio de Oliveira.
Cristóvão Moniz.
Francisco Vicente Ramos.
Heitor Eugênio de Magalhães Passos.
Joaquim Celorico Palma.
José Duarte Dias de Andrade.
José Meneses dos Reis.
Manuel Augusto Martins.
Pedro Alfredo de Morais Rosa.
Vasco Gonçalves Marques.
O Sr. Presidente: — Está aprovado o aditamento.
Passa-se ao § 1°
Lê-se na Mesa o § 1.° da proposta da minoria.
«§ 1.° Êste Conselho será eleito pelo Congresso, na primeira sessão, depois da promulgação desta lei de forma a nele terem representação todas as correntes de opinião na seguinte proporção: 4 membros do Congresso elegem 1; 5 a 15, 2; 16 a 45, 3: 46 a 90, 4; 90 por diante, 5».
É lida a seguinte
Emenda
Proponho que no § 1.° do n.° 10.° seja, assim redigido: Êste Conselho não poderá ter mais de 18 membros, será eleito pelo Congresso etc.
Os Senadores: Augusto Monteiro — Herculano Galhardo — Ramos Preto.
É aprovada a proposta de emenda e § 1.°, saia a emenda.
É lida e admitida a proposta de aditamento.
Aditamento
32.° Êste Conselho será presidido pelo Presidente do Congresso que será incumbido de transmitir ao Presidente da República as opiniões do Conselho, constantes da
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sua acta, indicando-lhe qual foi o voto da maioria. — Soveral Rodrigues.
É pôsto em discussão.
O Sr. Afonso de Lemos: — Declaro que êste lado da Câmara naturalmente, tendo votado contra o aditamento, se desinteressa do resto da discussão.
Não saímos da sala, simplesmente porque não desejamos usar de menos cortesia para com o Senado, nem obrigar o Senado a encerrar a sessão por falta de número.
O Sr. Vicente Ramos: — Sr. Presidente, conquanto vencido pela votação do Senado pela aprovação do Conselho Parlamentar entendo, todavia, que não devo desinteressar-me do resto da discussão por isso que o assunto interessa ao País (Apoiados).
A forma porque a discussão tem decorrido no Senado leva-me a crer que o Conselho Parlamentar será aprovado na Câmara dos Deputados. Assim, parece-me que àquele corpo consultivo deva presidir o Sr. Presidente da República. Nesse sentido vou mandar para a mesa uma proposta.
O Conselho Parlamentar não exercer funções legislativas; mas, apenas, lerá por fim dar o seu parecer sôbre a conveniência ou inconveniência da dissolução das Câmaras Legislativas.
Quando o Sr. Presidente da República carecer daquele parecer, convocará o Conselho e resolvera o voto de cada um dos seus membros.
E o que me parece mais acertado. Sr. Presidente: a comissão, nomeada pelo Senado para dar parecer sôbre a reforma constitucional que se discute, obedeceu, mais ou menos, ao preceito agora estabelecido para a organização do Conselho Parlamentar.
E V. Exa., Sr. Presidente, sabe qual foi o resultado. A apresentação de dois pareceres contraditórios.
É para evitar que Caso análogo se dó quando o Sr. Presidente da República tenha de ouvir o Conselho Parlamentar, que eu entendo que deverá ser S. Exa. quem presida às sessões do Conselho.
O Sr. Herculano Galhardo: — Por acaso, é exactamente assim.
O Orador: — Os factos demonstram que pode sair do Conselho mais de um voto.
As maiorias, e foi isso que sucedeu com a comissão de revisão constitucional, é que predominam, e aqui tambêm será assim.
Portanto, parecia-me que devia o Conselho fazer-se presidir pelo Chefe do Estado.
O interêsse é do Presidente da República, e assim entendo que é êle que deve presidir a êsse Conselho.
Repito, nestas condições, eu entendo que será muito melhor que o Conselho Parlamentar seja presidido pelo Sr. Presidente da República, e neste sentido vou mandar paea a Mesa uma proposta.
O Sr. Soveral Rodrigues: — Peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que esta sessão seja prorrogada até completa discussão e votação da proposta de lei que está em discussão.
Consultada á Câmara, resolveu afirmativamente.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a proposta de emenda mandada para a Mesa pelo Sr. Vicente Ramos.
Foi admitida a ficou em discussão, juntamente com a proposta de lei.
Proposta de emenda
§ 2.° Substituir as palavras: «pelo Presidente do Congresso», peias palavras: «pelo Presidente da República».— Vicente Ramos.
O Sr. Alves Monteiro: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar, em nome da comissão, que acatamos a proposta de aditamento apresentada pelo Sr. Soveral Rodrigues; porêm, rejeitamos em absoluto a proposta apresentada pelo Sr. Vicente Ramos, e em poucas palavras vou dizer as razões.
Sr. Presidente: a discussão deve fazer-se Já fora, a comissão reúne quando fôr convocada pelo Sr. Presidente da República, apresenta o seu voto, exara-o na acta, e depois o Presidente dessa comissão leva ao Presidente da República a expressão de todos os membros dessa comissão; o que leva são as opiniões e não as razões.
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É isto o que se deve fazer, e nada mais. Não rebaixa nem um nem outro. Tenho dito. O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Não está mais ninguêm inscrito, e como tal vou pôr à, votação, primeiro, a proposta de emenda ao parágrafo adicional.
Foi rejeitada.
O Sr. Presidente: — Agora vai votar-se o parágrafo adicional.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se, para se votar, o § 2.°, que passa agora a ser 3.°:
«§ 2.° O Conselho fica dissolvido de pleno direito logo que termine o seu mandato o Congresso que o elegeu».
O Sr. Machado Serpa: — Eu, Sr. Presidente, mandaria para a Mesa uma proposta de eliminação, se tivesse a certeza dela ser aceita.
Acho perfeitamente inútil êste parágrafo, pois, desde o momento em que e Conselho do Estado é composto de parlamentares, desde que o Parlamento seja dissolvido, êles i certamente que tambêm o serão.
Acho, repito, inútil e desnecessário êste parágrafo.
O orador não reviu.
Pôsto à votação o § 2.°, que passa a 3.°, é aprovado.
É aprovado, sem discussão, o § 3.º que passa a 4.°
«§ 3.° O Congresso que suceder, na sra primeira sessão depois de constituído, elegera o Conselho Parlamentar».
É lido e entra em discussão o § 1.° da i proposta de lei n.° 66.º qual corresponde, com uma emenda numa eliminação, ao projecto da maioria.
Projecto de lei n.° 66:
«§ 1.° No decreto do dissolução será fixado o dia, dentro dos sessenta imediatos à sua publicação oficial e sem faculdade de alteração, em que deverão reùnir os colégios eleitorais. A inobservância dêste preceito tornará o decreto de dissolução nulo de pleno direito».
Proposta da minoria:
«§ 4.° No decreto da dissolução será fixado o dia, dentro dos quarenta imediatos à sua publicação, e sem faculdade de alteração, em que deverão reùnir os colégios eleitorais. A inobservância dêste preceito tornará o decreto da dissolução nulo de pleno direito».
O Sr. Alves Monteiro: — Declaro que a parte da comissão que redigiu êste parecer desista da eliminação.
É rejeitada a proposta de eliminação.
Posta ò votação a emenda, é aprovada.
É aprovado o § 1.° salva a emenda.
É lido e entra em discussão o § 2.° da proposta de lei:
«§ 2.° As Câmaras novamente eleitas serão, pelo Poder Executivo, convocadas a reùnir dentro dos dez dias que se seguirem ao encerramento definitivo das operações eleitorais, e, se o não forem, reùnirão, por direito próprio, no décimo dia».
Proposta da minoria:
§ 5.° As Câmaras novamente eleitas serão pelo Poder Executivo convocadas a reùnir dentro dos dez dias imediatos ao encerramento definitivo das operações eleitorais, e, se o não forem, reùnirão por direito próprio no décimo dia.
O Sr. Ramos Preto: — Manda para a Mesa uma, proposta de substituição.
É a seguinte:
Proponho que o § 5.º do artigo 10.° fique assim redigido:
§ 5.° As eleições serão efectuadas pela lei eleitoral em vigor ao tempo da dissolução e as Câmaras novamente eleitas serão pelo Poder Executivo convocadas a reùnir-se dentro dos dez dias imediatos ao encerramento definitivo das operações eleitorais no continente, e, se o não forem, reùnir-se hão por direito próprio no décimo dia.— José Ramos Preto.
É lida e admitida.
O Sr. Vasco Marques: — Simplesmente para propor um aditamento.
Todos sabemos que as eleições são feitas no continente, nas ilhas adjacentes e no ultramar, e o Parlamento reúne-se
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apenas estejam ultimadas essas eleições no continente e nas ilhas adjacentes.
Para evitar que se pretenda, com o pretexto de não estarem ultimadas as eleições no ultramar, que o Parlamento não se reúna, proponho o seguinte:
«Proponho que se intercalem entre as palavras «eleitorais» e «e» o seguinte: «no continente da República e ilhas adjacentes».— Vasco Marques.
É lida e admitida.
O Sr. Alves Monteiro: — Em nome da minoria da comissão, declaro que aceito o aditamento proposto pelo Sr. Vasco Marques.
O Sr. Oliveira e Castro: — Declaro, em nome da maioria da comissão, que ela tambêm aceita a proposta do Sr. Vasco Marques.
O Sr. Machado de Serpa: — Apesar da comissão toda concordar com a proposta de aditamento, permito-me fazer um reparo, pois, salvo o devido respeito, não acho procedente essa proposta.
Até aqui dá-se o caso das Câmaras reùnirem em Dezembro, sem estarem eleitos os parlamentares das ilhas.
O cumprimento dêste preceito constitucional é a reunião imediata das Câmaras. Mas a aprovação da proposta do Sr. Dr. Vasco Marques envolve o pensamento da comissão, e acontece que já aprovámos, creio eu, um artigo que fixa o prazo dentro do qual se há-de proceder às eleições; ora, o que pode suceder é que, dentro dêsse prazo, não se possa proceder às eleições nas ilhas, bastando para isso apenas que o cabo submarino esteja interrompido, e não se tenha conhecimento lá do decreto que manda proceder à realização do acto eleitoral.
O Sr. Alves Monteiro (interrompendo): — V. Exa. dá-me licença? há a telegrafia sem fios.
O Orador: — Mas êste caso tem-se dado muitas vezes, de se reùnir o Parlamento em Dezembro, sem que estejam feitas as eleições nas ilhas.
Tenho dito, Sr. Presidente.
O orador não reviu.
O Sr. Vicente Ramos: — Pedi a palavra para declarar que acho aceitável a proposta do Sr. Vasco Marques. E certo que o Parlamento pode reùnir-se, por isso que tem a maioria no continente sem a presença de todos os parlamentares das ilhas e colónias, mas é de toda a vantagem que as eleições nas ilhas sejam feitas no mesmo dia em que são realizadas no continente.
Assim é que deve ser.
O Sr. Alves Monteiro: — Isso não é disposição constitucional...
O Orador: — V. Exa. sabe bem quais os inconvenientes que há em se estarem a fazer eleições por partes, pois que êsses inconvenientes reflectem-se nos partidos e muito principalmente na República.
Por consequência, esta proposta do Sr. Vasco Marques conjura êsse perigo, e estou certo de que o Senado andará bem aprovando-a.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Passando-se às votações, é rejeitada a emenda da minoria.
O Sr. Presidente: — Vou pôr a votação o § 2.° da proposta de lei n.° 66, e se fôr rejeitada porei à votação a proposta de substituição.
Pôsto à votação, foi rejeitado o § 2.° da proposta e aprovada a substituição.
O Sr. Vasco Marques: — Requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que eu retire a minha proposta de aditamento.
Foi concedido.
Entra em discussão o § 5.° da proposta de lei n.° 66 e suas propostas de emenda da maioria e de eliminação da minoria.
§ 3.° A dissolução das Câmaras Legislativas não se realizará sem que elas tenham funcionado em cento e vinte dias de sessão legislativa ordinária, e as eleições far-se hão nos termos das leis eleitorais em vigor à data da dissolução.
Proposta da maioria:
§ 3.° A dissolução das Câmaras Legislativas não se realizará sem que sôbre a data da primeira reunião das mesmas te-
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nham decorrido cento e vinte dias, e as eleições far-se hão nos termos das leis eleitorais em vigor à data da dissolução.
O Sr. Oliveira e Castro: — Quando a maioria da comissão estabeleceu os cento e vinte dias foi para se harmonizar a proposta da Câmara dos Deputados. Mas, desde que foi votado aqui o Conselho Parlamentar, em nome dessa maioria declaro que concordo com a proposta de eliminação.
O Sr. Afonso de Lemos: — Tambêm concordo com a eliminação dêste artigo. E esta minha opinião constitui a resposta ao Sr. Herculano Galhardo.
Entendo que o Presidente da República não pode nunca dissolver o Parlamento antes dêle se constituir. Isso seria uma ofensa ao eleitorado. Mas uma vez reunido o Parlamento e produzido o primeiro dos seus actos, está dada a indicação suficiente para que o Presidente pudesse exercer essa prerrogativa.
O orador não reviu.
Aprovada a proposta de eliminação do 3.º
Entra em discussão o § 4.° e suas propostas de eliminação tanto do parecer da maioria como da minoria.
§ 4.° No decreto de dissolução se há o dia dentro dos dez seguintes em que o Senado devia reùnir-se para nos termos do artigo 24.°, § 1.°, da Constituição, se proceder ao sorteio dos de§ distritos e das três províncias ultramarinas que cevem ser compreendidas pela dissolução.
O Sr. Afonso de Lemos: — Dêste lado da Câmara concorda-se com a proposta de eliminação.
É aprovada a proposta de, eliminação do § 4.°
Entra em discussão o § 5.°
§ 5.° Durante o período que decorrer entre o acto da dissolução e a, reunião das Câmaras eleitas, ao Poder Executico é defeso declarar o estado de sítio, sobre o caso de guerra com país estrangeiro, devendo, nesta hipótese, realizar-se as eleições e ser convocadas as Câmaras eleitas em curto prazo após o restabelecimento da normalidade, e as Câmara.- dissolvi das serão imediatamente convocadas ou reùnirão, por direito próprio, no prazo do dez dias, contados da data da declaração do estado de sítio, exclusivamente para o Poder Executivo lhe comunicar o estado de sítio, relatar os acontecimentos e obter autorização para fazer a guerra.
O Sr. Alves Monteiro: — Requeiro, visto que não há discrepâncias, que os §§ 5.° em diante e artigos sejam discutidos em globo.
O Sr. Oliveira e Castro: — Em nome da maioria da comissão concordo com a votação em globo.
Aprovado o requerimento.
É aprovado o § 5.° e o restante da proposta n.° 66.
§ 6.° Durante o período que decorrer entra o acto da dissolução o a reunião das Câmaras eleitas, o Poder Executivo restringir-se há rigorosamente ao exercício das suas atribuições próprias, caducando por esse neto todas as autorizações concedidas pelo Poder Legislativo, sendo nulos de pleno direito, não podendo ter execução nem ninguêm lhes devendo obediência, todos os actos do Poder Executivo contrários aos preceitos constitucionais.
§ 7.° Em caso de dissolução todos os despachos do Poder Executivo para nomeações e colocação de pessoal e ainda sôbre concessões feitas durante o interregno parlamentar terão de ser considerados provisórios.
§ 8.° Se durante o período que correr entre o acto da dissolução das Câmaras e a reunião das eleitas se produzir a vacatura da Presidência da República, a eleição do novo Presidente só será feita pelas novas Câmaras reunidas em sessão conjunta e aos termos do disposto no § 1.° do artigo 38.° da Constituição.
§ 9.° As Câmaras dissolvidas ser^o convocadas eu reùnir-se hão por direito próprio, em todas as hipóteses previstas na Constituição, em que o funcionamento do Poder Legislativo é considerado indispensável, devendo essas Câmaras restringir as suas deliberações exclusivamente ao assunto que; motivar a convocação ou a reunião por direito próprio.
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§ 10.° As novas Câmaras serão eleitas por uma legislatura ordinária e completa, sem prejuízo do direito do dissolução.
Art. 2.° As atribuições a que se refere o artigo anterior serão exercidas por intermédio dos Ministros, nos termos do artigo 49.° da Constituição, salvo a atribuição do n.° 1.º do artigo antecedente.
Art. 3.° Ficam dêste modo substituídos os artigos 47.° e 48.° da Constituição, devendo o Poder Executivo fazer publicar oportunamente uma edição oficial da Constituição, inserindo no lugar competente o texto dos artigos 1.° e 2.° dês.ta lei.
O Sr. Nicolau de Mesquita: — Desejo mandar para a Mesa a seguinte proposta, que 'será o complemento do que foi votado:
Proposta
Proponho o adicionamento do seguinte artigo:
O actual Congresso dá por finda a sua missão, devendo o Poder Executivo fazer a convocação dos colégios eleitorais para a eleição do novo Congresso, que só reùnirá no dia 2 de Dezembro, conforme a Constituição.— Nicolau Mesquita.
É lida e admitida.
O Sr. Afonso de Lemos: — Por coerência com o que disse, não posso deixar de dar o meu apoio à, proposta do Sr. Nicolau de Mesquita.
Simplesmente me parece que esse assunto deve ser cercado doutras cautelas. Precisa por isso de ser convenientemente estudado.
Não sei se o Senado está disposto a introduzir na Constituição êsse caso;- mas, por mim sou coerente com as minhas doutrinas, e, folgando que houvesse agora ocasião de fazer essa experiência — a auto-dissolução — não posso todavia deixar de concordar que é um assunto que precisa de ser estudado ponderadamente.
O orador não reviu.
O Sr. Machado de Serpa: — Eu voto contra a proposta, pelo seguinte motivo: ainda está no Govêrno um Ministério composto de membros do partido democrático. O Sr. Nicolau Mesquita não diz, sequer, por quem seria constituído o Ministério que lhe havia de suceder.
Supúnhamos que êle continua até as eleições. O partido democrático forte, a ponto de se dizer que esta proposta era votada contra êle para o enfraquecer, ganha as eleições, e o Presidente da República por sua vez dissolve-o e manda proceder a novas eleições.
É este o resultado que pode dar essa proposta o por êsse motivo não posso concordar com ela.
O orador não reviu.
O Sr. Celestino de Almeida: — Sr. Presidente: pedi a palavra para observar a V. Exa. e ao Senado que me parece que a proposta do Sr. Nicolau Mesquita não pode ser apreciada pelo Senado.
E isto por motivo de se haver assentado na Câmara dos Deputados, quando da sua iniciativa de Revisão Constitucional, que as propostas de alteração à Constituição, constitucionalmente de iniciativa da Câmara dos Deputados, seguissem no seu decurso normal de apreciação os trâmites ordinários. Isto é, seriam apresentadas na Câmara dos Deputados, viriam depois ao Senado para serem apreciadas por êste, e desde que neste houvessem sofrido emendas, voltariam à Câmara dos Deputados, onde, sendo aprovadas as emendas do Senado, ficariam logo constituindo lei, e não o sendo teriam de ir ao Congresso para deliberação e resolução finais.
Pelo exposto, julgo não caber ao Senado a iniciativa tomada pelo Sr. Nicolau de Mesquita, e que portanto não nos cabe igualmente a sua apreciação neste momento e nas condições em que a proposta se nos apresenta.
Lamento profundamente haver tido que fazer as observações que produzi, tanto mais que sou de opinião que a lei constitucional deveria ser revista em sessão do Congresso, mas achei ser meu dever esclarecer o Senado sôbre o estado da questão que respeita à Revisão Constitucional; tanto mais que o Sr. Nicolau de Mesquita, ao tomar a iniciativa da sua proposta, fê-lo certamente por orientação pessoal e razão de ordem política, absolutamente para considerar.
Fica-me a mágoa de não ser permitido — e com interferência minha para isso — o Sr. Nicolau de Mesquita, a exposição das considerações justificativas da
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sua proposta, sem dúvida ponderosas e bastante interessantes para todos nós e para o próprio país. Tenho dito.
O Sr. Afonso de Lemos: — Em primeiro lugar direi que as declarações que há pouco fiz, são em meu nome e não c-m nome do partido; são simplesmente da responsabilidade da minha pessoa e foi por coerência que as fiz. Estando aqui a tratar-se da Constituição da República, entendo que de maneira nenhuma pode ser discutida a proposta do Sr. Nicolau de Mesquita.
O Sr. Nicolau de Mesquita: — Êste artigo é transitório, não vejo inconveniente nenhum em que seja aprovado.
Orador: — V. Exa. podia, numa outra sessão qualquer, fazer essa proposta.
Eu em princípio já disse que a aceitava, mas não é nesta altura que se pode fazer uma proposta desta ordem.
Leu-se a proposta do Sr. Nicolau de Mesquita, que foi rejeitada.
O Sr. Pereira Osório: — Sr. Presidente: quanto mais penso no caso, mais dúvidas tenho sôbre a redacção do n.° 4.° do artigo 1.° da proposta de lei n.° 66.
Tenho trocado impressões com alguns membros da Câmara na parte que se refere aos funcionários civis e militares que vão para o estrangeiro e parece-me que há um meio de remediar essa lacuna e talvez introduzi-la no mesmo n.° 4.°
O que proponho agora é do artigo 3.°
Se a Câmara aprovasse esta proposta e autorizasse a comissão de redacção a introduzir esta doutrina no lugar que entendesse, ficaria assim suprida esta lacuna, que, é evidente, existe, por não se saber quem é que nomeava ou demitia os funcionários civis e militares que fossem exercer qualquer cargo no estrangeiro.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi lida na Mesa e admitida à discussão a proposta do Sr. Pereira Osório.
Artigo 3.° A doutrina do n.° 4.° do artigo 1.° é aplicável aos funcionários civis e militares destinados a ocupar quaisquer cargos no estrangeiro. — Pereira Osório.
O Sr. Morais Rosa: — Sr. Presidente: eu continuo a achar razão ao Sr. Pereira Osório, porque, efectivamente, a redacção do artigo 4.° foi um pouco infeliz, mas parecia-me mais conveniente autorizar a comissão de redacção a melhorar a sua recacção, para o que bastava suprimir duas palavras.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Senadores que concordam em que a comissão de redacção fique autorizada a introduzir as disposições da proposta do Sr. Pereira Osório, na altura que lhe parecer mais conveniente, tenham a bondade de se levantar.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é na segunda-feira, 1 de Setembro, sendo a ordem do dia a interpelação do Sr. Afonso de Lemos ao Sr. Ministro das Colónias.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 36 minutos.
O REDACTOR — F. Alves Pereira.