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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

SESSÃO N.º 63

EM 12 DE NOVEMBRO DE 019

Presidência do Exmo. Sr. António Xavier Correia Barreto

Secretários os Exmos. Srs.

José Mendes dos Reis

Luís Inocêncio Ramos Pereira

Sumário. — A sessão abre às 15 horas e 15 minutos, com 89 Srs. Senadores presentes. Aprovada a acta, o Sr. Álvares Cabral insta pela necessidade de se permitir a importação de açúcar estrangeiro; o Sr. Gaspar de Lemos pede que se expeça segunda cópia do projecto que cria ajunta autónoma do Mondego, para ser publicado; o Sr Sousa Andrade refere-se a factos anormais passados na freguesia de Mira, concelho de Pôrto de, Mós; o Sr. Celestino de Almeida ocupa-se de incidentes sucedidos no Pôrto e Ancião, atentatórios da ordem pública. Responde aos oradores precedentes o Sr Presidente do Ministério. É proclamado Senador pelo distrito da Horta o Sr André de Freitas. O Sr. Jacinto Nunes ocupa-se da circunstância de terem funcionado per um período de tempo excessivo várias comissões administrativas, tanto de municípios como de freguesias. Protesta contra êsse facto e contra os atentado que no Pôrto se tem praticado contra gente indefesa. O Sr. Ribeiro da Silva corrobora as afirmações do Sr. Jacinto Nanes, ampliando-as. liesponde-lhes o Sr. Presidente do Ministério, atribuindo a causas estranhas à vontade das autoridades administrativas os atentados a que se referiram os oradores precedentes. O Sr. Pereira Osório refere-se ao mesmo assunto e protesta contra os abu-sos de que são intimas pelos hotéis todos aqueles que a êles têem de acolher-se. Acha que a poluía deve intervir, prometendo o Sr. Ministro do Interior fazer cumprir o regulamento dos hotéis. O Sr Só ver ai Rodrigues requer e urgência para um projecto de lei que mandar para a Mesa, referente a impostos municipais. E aprovado, encerrando-se em seguida a sessão.

Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:

Abel Hipólito.

Abílio de Lobão Soeiro.

Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.

Alfredo Augusto da Silva Pires.

Alfredo Narciso Marçal Martins Portugal.

Amaro Justiniano de Azevedo Gomes.

António Alves de Oliveira.

António Gomes de Sousa Varela.

António Maria da Silva Barreto.

António Vitorino Soares.

António Xavier Correia Barreto.

Artur Octávio do Rêgo Chagas.

Augusto César de Vasconcelos Correia.

Bernardino Luís Machado Guimarães.

Celestino Germano Pais de Almeida.

Desidério Augusto Ferro de Bessa.

Ezequiel do Soveral Rodrigues.

Francisco Manuel Dias Pereira.

Francisco Vicente Ramos.

Heitor Eugénio de Magalhães Passos.

Herculano Jorge Galhardo,

João Joaquim André de Freitas.

Joaquim Celorico Palma.

Joaquim Pereira Gil de Matos.

Jorge Frederico Velez Caroço.

José Dionísio Carneiro de Sousa e Faro.

José Duarte Dias de Andrade.

José Jacinto Nunes.

José Joaquim Pereira Osório.

José Machado Serpa.

José Maria de Moura Barata Feio Terenas.

José Mendes dos Reis.

José Nunes do Nascimento.

Júlio Augusto Ribeiro da Silva.

Luís Inocêncio Ramos Pereira.

Manuel Augusto Martins.

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Pedro Virgolino Ferraz Chaves.

Raimundo Enes Meira.

Rodrigo Guerra Álvares Cabral.

Torcato Luís de Magalhães.

Srs. Senadores que entraram durante a sessão:

Augusto Casimiro Alves Monteiro.

Constâncio de Oliveira.

Cristóvão Moniz.

Ernesto Júlio Navarro.

Manuel Gaspar de Lemos.

Silvério da Rocha e Cunha.

Vasco Gonçalves Marques.

Srs. Senadores que não compareceram à sessão:

Alberto Carlos da Silveira.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

António Augusto Teixeira.

António Maria Baptista.

António de Oliveira e Castro.

Armindo de Freitas Ribeiro de Faria.

Augusto Vera Cruz.

Bernardo Pais de Almeida.

César Justino de Lima Alves.

Henrique Maria Travassos Valdês.

João Carlos de Melo Barrete.

João Namorado de Aguiar.

José Joaquim Fernandes de Almeida.

José Ramos Preto.

Júlio Ernesto de Lima Duque.

Luís António de Vasconcelos Dias.

Nicolau Mesquita.

Pedro Alfredo de Morais Rosa.

Pedro Amaral Bôto Machado.

Rodrigo Alfredo Pereira de Castro.

Às 15 horas e 15 minutos, estando presentes 30 Srs. Senadores, o Sr. Presidente declara aberta a sessão.

Lê-se e aprova-se a acta, procedendo-se em seguida à leitura do

Expediente

Pareceres

Da comissão de finanças, sôbre a proposta de lei que aumenta a cotação da Junta Geral do Distrito de Ponta Delgada.

Para imprimir e distribuir.

Da comissão de administração pública, sôbre a proposta que cria quatro comissões parlamentares para diferentes inquéritos.

Para imprimir e distribuir.

Da comissão de administração pública, relativo à autorização dada à Câmara Municipal de Lagos para lançar determinados impostos.

Para imprimir.

Projectos de lei

Do Sr. Júlio Ribeiro, permitindo e colectando o jôgo de azar.

Paro, as comissões de fomento,, legislação civil, administração pública e finanças.

Teve segunda leitura.

Transito

Transitou da comissão de instrução para a de legislação operária o projecto de lei n.° 84, relativo a contratos de professores ou executantes musicais.

Ofícios.

Do Ministério de Instrução Pública, respondendo ao requerimento n.° 111, do Sr. Heitor Passos, relativo ao último concurso de inspectores de instrução primária.

Dê-se conhecimento ao interessado.

Do Ministério do Interior, acompanhando o processo da eleição, de Senador pela Horta, do cidadão João Joaquim André de Freitas.

Para a comissão de verificação de poderei.

Antes da ordem do dia

O Sr. Álvares Cabral: — Peço ao Sr. Presidente para fazer pressente ao Sr. Ministro da Agricultura as minhas considerações, que exponho.

Constou que o Sr. Ministro da Agricultura ia dar ordem para que fôsse permitida a importação de açúcares brancos, passando as refinarias a produzir só açúcar de segunda qualidade, o que, certamente, acabaria com a negociata das requisições de açúcar na Repartição dos Abastecimentos. Agora, porêm, consta que S. Exa. apenas permite a importação do açúcar em quadrados que, como

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V. Exa. sabe, é muito caro e só pode servir para as pessoas abastadas.

Peço por isto que S. Exa. volte à sua primeira idea, autorizando a importação de açúcares brancos, cujo preço estará ao alcance das bôlsas das classes médias.

Os jornais relataram o facto dum funcionário dum dos Ministérios ter sido acusado de receber algumas quantias para fazer certos serviços que era obrigado a fazer.

Para o bom nome do regime sou de opinião que êste empregado deve ser processado, sejam quais forem as suas ideas, porque só assim se pode conseguir que a República inspire confiança ao país.

Não sei de quem se trata nem n que Ministério pertence o acusado, mas tudo leva a crer que seja um antigo funcionário dos Abastecimentos, pelo que peço ao Sr. Ministro da Agricultura que faça castigar rigorosamente o delinquente.

O Sr. Presidente: — Apresentarei ao Sr. Ministro da Agricultura as considerações de V. Exa.

O Sr. Gaspar de Lemos: — Sr. Presidente: peço a V. Exa. que me perdoe voltar ao assunto que ontem tratei, mas é uma necessidade fazê-lo. Quero referir-me a um projecto destinado a constituir a junta do rio Mondego, que apresentei.

Êsse projecto visava a melhorar a bacia hidrográfica do Mondego. Nada tem de original nem de particular. Tinha, sim, a pretensão de concorrer para beneficiar uma região importante.

Dividia-se em duas secções: a do Alto Mondego referia-se à hidráulica florestal, a outra, a do Baixo Mondego, à hidráulica agrícola.

O projecto, a que me refiro, teve um parecer lisongeiro dum ilustre membro da Câmara, o Sr. Herculano Galhardo. Depois foi para a Câmara dos Deputados. Esbarrou lá por umas três Açôes, e, tendo-se conseguido que êle entrasse em ordem do dia, o Deputado Sr. Brito Guimarães fez com que êle não passasse, sob o pretexto de que não se fazia para o Vouga cousa parecida.

Fui ter com o Sr. Brito Camacho, leader do partido a que aquele Sr. Deputado pertencia, e consegui que êle fôsse novamente pôsto em ordem do dia. Mas um outro Sr. Deputado pôs-lhe embaraços por ter querido ver nas suas disposições intuitos políticos.

Peço, pois, a V. Exa., Sr. Presidente, a sua interferência para que tal projecto se transforme em lei por ter passado o tempo em que êle devia ter-se discutido na Câmara dos Deputados.

O Sr. Presidente: — Sei que o Sr. Presidente da República o referendou.

O Orador: — Parece que o projecto se perdeu.

O Sr. Presidente: — Vai fazer-se segunda via.

O Orador: — Agradeço muito a V. Exa. as suas palavras.

O Sr. Dias de Andrade: — Sr. Presidente: pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior, para lhe solicitar providências acêrca do que se tem passado na freguesia de Mira, concelho de Pôrto de Mós; mas como tenho a informação de que S. Exa. já em parte tomou essas providências, só direi umas breves palavras sôbre o assunto.

A junta de paróquia daquela freguesia, eleita em Julho, não pôde entrar no exercício das suas funções por a comissão administrativa se recusar a entregar-lhe alguns objectos.

Fiz reclamações várias a respeito dêsse assunto, tanto mais que a comissão administrativa em questão se pôs fora da lei, perseguindo diversos indivíduos.

Estou certo de que as cousas agora se encontrarão melhor, visto que já foram tomadas algumas providências para se restabelecerem a ordem e o regime da legalidade.

O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): — Sr. Presidente: tive conhecimento do facto que o ilustre Senador Sr. Dias de Andrade acaba de narrar e dei ordem imediata para que se fizesse cumprir a lei.

Já recebi um telegrama do Sr. governador civil, dizendo que êle, por sua par-

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te, ignorava o caso, mas que ia imediatamente dar ordens enérgicas para que a lei se cumprisse e que à referida junta fôsse dado o que lhes compete.

Portanto, as reclamações do S. Exa. estão já em via de solução.

O Sr. Celestino de Almeida: — Sr. Presidente: pedi hoje a palavra para quando estivesse presente o Sr. Presidente do Ministério.

S. Exa. acha-se presente, o portanto vou usar dela.

O Sr. Jacinto Nunes: — Sr. Presidente: eu tinha pedido a palavra sôbre o Incidente...

O Sr. Celestino de Alm ida: — Só V. Exa. deseja, poderá falar depois de um, visto que tambêm me ocuparei dêsse assunto.

O Sr. Jacinto Nunes: — Bem, então falarei depois de V. Exa.

O Sr. Celestino de Almeida: — Sr. Presidente: pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Presidente do Ministério, porque desejo, primeiro que tudo, pedir-lhe que informe o Senado de factos de que S. Exa. já tratou na Câmara dos Deputados ante-ontem.

Quero referir-me ao sucedido no dia 7 do corrente, na cidade do Pôrto, à saída do conselho de guerra, com os indivíduos de Lamego, que ali tinham vindo responder, por motivo da revolta monárquica naquela cidade, em Janeiro do corrente ano.

S. Exa. deu na Câmara dos Deputados as informações que então tinha e eu desejava, primeiro que tudo, saber se podia informar o Senado mais cabalmente do que ali se passa e sôbre as previdências tomadas imediatamente ou posteriormente, pelas autoridades.

E, primeiro que tudo, sis o que eu desejava saber:

Tem V. Exa. mais algumas informações do que aquelas que deu na Câmara dos Deputados?

O orador não reviu.

O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério o Ministro do Interior): — Sr. Presidente: o ilustre Senador Sr. Celestino de Almeida começou as suas considerações dizendo que se tinha produzido o incidente a que se referiu à saída do tribunal de guerra.

Ora, peço licença para dizer que não foi à saída do referido tribunal que se deu êsse incidente, e insisto neste ponto, porque se tiveste sido nessa ocasião, o caso tinha maior importância.

No dia do julgamento, entre vários réus respondeu um indivíduo chamado, se não estou em êrro, Rufino Osório, que tinha tido uma acção de destaque em Lamego.

Havia a presunção do que contra êste indivíduo se produziria qualquer manifestação de desagrado, se viesse a ser absolvido, porque os ânimos estavam muito exaltados.

Prevendo isso, o Sr. comissário de polícia tomou as providências precisas para que a ordem fôsse mantida, dentro e fora do tribunal, e o Sr. Dr. Rufino Osório foi acompanhado por uma pequena escolta para o tribunal e depois do julgamento recolheu ao hospital, acompanhado, por essa mesma escolta.

O que eu posso garantir a V. Exa. é que à saída do tribunal nenhum incidente se deu, tendo cada um tomado o seu caminho.

Só na Cordoaria, isto é, num ponto já bastante afastado do tribunal, é que se deu um conflito, pois um indivíduo disparou uns três tiros de pistola para um automóvel que ia passando, fugindo em seguida, sem ser possível prendê-lo.

Foram estas as informações que obtive por parte do comissário de polícia que está encarregado de investigar o caso, que se passou, repito, a uns 400 metros do tribunal, isto é, a uma distância bastante grande, como a Câmara vê.

Outro caso, o do padre que foi agredido na Rua dos Caldeireiros, passou-se ainda a uma distância maior, a uns 700 ou 800 metros do tribunal, quere dizer, num ponto onde não passa quási ninguêm.

São dois factos deveras para lamentar, mas não da gravidade que V. Exa. julga, visto que se não deram à salda do tribunal, mas sim em pontos muito distantes do dito tribunal.

Dentro do tribunal e fora dele, foram tomadas todas as providências necessárias, no sentido de que se não dessem quaisquer desmandos.

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São estas as informações que posso dar ao ilustre Senador que acabou' de falar. O orador não reviu.

O Sr. Celestino de Almeida: — Sr. Presidente: agradeço ao Sr. Presidente do Ministério as considerações que fez e que me elucidaram bastante, com o que muito folguei, por isso que tinha a impressão de que os factos se haviam passado por forma diversa daquela que o Sr. Presidente do Ministério narrou à Câmara.

Folgo, repito, em que os factos se tivessem passado como V. Exa. escreveu; mas não posso deixar de fazer a êste respeito mais algumas considerações.

Se bem que os factos, Sr. Presidente, não tenham tido a gravidade que eu supunha, não deixam de ser para lamentar, e certo estou de que o Sr. Ministro do Interior será o primeiro a condená-los.

Sei o seu passado político, pelo conhecimento pessoal que tenho de S. Exa., e ainda pelas declarações feitas, quer nesta quer na outra casa do Parlamento. Infelizmente, porêm, duma forma ou doutra, revestindo aspectos diferentes, essas violências irrompem de vez em quando naquela cidade. Incidentalmente referir-me hei a um outro facto, como mais um sintoma da tendência para a violência e da manifestação de intolerância que reinam no Pôrto. Numa conferência de propaganda política republicana, realizada naquela cidade pelo Sr. António Granjo, a certa altura, algumas pessoas que se encontravam presentes levantavam-se pronunciando-se contra a opinião manifestada pelo conferente e levaram os seus propósitos a verdadeiras vias de facto.

E claro que seria uma cousa pueril e imprópria mesmo desta Câmara pedir responsabilidades dêstes actos ao Sr. Presidente do Ministério, todavia, lamento a facilidade com que se praticam tais actos e peço ao Govêrno um cuidado especial, não só pelos meios oficiais como pelos meios não oficiais, no sentido de promover, tanto quanto possível, a modificação dêste estado de cousas.

O meio oficial seria ter à testa daquele distrito pessoa autorizada e de competência especial. Eu não sou do norte e conheço-o muito pouco; todavia falando com indivíduos de lá oriundos, que lá têm relações e interêsses, que lá vivem a maior parte do tempo e até mesmo com alguns membros do Senado representantes dos vários partidos políticos e até da maioria, tenho ouvido afirmar que o cargo de governador civil do Pôrto é uma função melindrosa, que exige competência, conhecimentos e experiência absolutamente excepcionais, que não são susceptíveis de comparação com os cargos de idêntica categoria dos outros distritos. É uma espécie de Ministério de Interior. O mesmo sucede com as funções policiais, em sentido mais restrito, visto que estas se exercem simplesmente na cidade.

E é por isso, Sr. Presidente do Ministério, que eu, com toda a lialdade e isenção e sem refolhos de espécie alguma, digo que as autoridades do Pôrto não possuem os indispensáveis característicos para manterem uma política e uma orientação de harmonia com as opiniões do chefe do governo e com aquele espírito de quietação apropriado às circunstâncias e à orientação que preside à política do gabinete.

E como estou falando de autoridades administrativas, aludirei tambêm ao facto narrado pelo Sr. Dias de Andrade.

S. Exa., referindo-se a factos sucedidos no distrito de Leiria, fez referência a abusos lá praticados, e aos quais, parece, foi pôsto um pouco de cobro pela intervenção do Sr. Presidente do Ministério. Ora, a propósito, direi que, ainda ontem o jornal A República, numa local com uma epígrafe especial para chamar atenção do Sr. Presidente do Ministério, se faziam referências ao estado em que se encontra não só a freguezia de Mira mas ainda a de Alvorge, do concelho de Ancião.

Êstes factos demonstram bem o que se passa em alguns pontos do país, e demonstram igualmente como as autoridades respectivas não procedem de maneira ou de acôrdo com a orientação do Sr. Presidente do Ministério.

De tudo isto se conclui que não me faltava razão para fazer as considerações que fiz quando me ocupei das ocorrências do Pôrto, e, sendo assim, prova-se que a máquina administrativa não caminha bem, que quaisquer que sejam as considerações de V. Exa., qualquer que seja o nosso respeito por V. Exa. e pelas suas determinações, não as podemos tomar à risca em virtude dos seus delegados faze-

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rem contra elas uma sabotage lamentável.

O orador não reviu.

O Sr. Sé Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): — Sr. Presidente: as considerações que S. Exa. o Sr. Celestino de Almeida acabou de fazer obrigam-me a novamente tomar a palavra para reconhecer, como S. Exa., que realmente existe no Pôrto um estado do espírito irrequieto. É isto um facto incontestável.

Pode não ter justificação, más tem uma explicação. S. Exa. sabe, tam bem como eu, que foi o Pôrto uma das terras que mais sofreram com a revolução monárquica.

Tambêm S. Exa. sabe, tam bem como eu, qual a acção dos tribunais nos julgamentos dos diversos réus. Essa acção é benévola. Tenho de me referir ao facto, sem com isso estar a discutir as resoluções dos tribunais. Mas são factos de que preciso tirar ilações. Em regra, são benévolas as suas decisões. Em Lisboa, podem passar fácilmente despercebidos êstes factos, mas nos meios onde estão pessoas que foram duramente experimentadas, em que vão ser absolvidos ou fracamente condenados os réus, resulta daí um estado de excitação difícil de reprimir.

Nestas palavras não veja S. Exa. uma justificação dos factos ocorridos. Procuro apenas explicá-los.

Mas S. Exa. culpa as autoridades do Pôrto, discordando da orientação do Govêrno. Entretanto, os factos, corço S. Exa. os apresentou, representam já um melhoramento da situação, porque os conflitos deram-se em condições bem diversas daquelas em que se deram outros. Pois não houve tempo em que a saída dos tribunais se davam manifestações colectivas, em que se assaltavam casas e se praticavam assassínios?

Hoje só se apresenta um ou outro caso singular. Não representa isto urna melhoria de situação no estado de espírito da população do Pôrto? Creio que o ilustre Senador fará a justiça de acreditar que sim.

Tanto e Sr. governador civil do Pôrto, como o Sr. comissário de polícia são pessoas da confiança do Govêrno o, portanto, é natural que S. Exas. se tenham esforçado por modificar o estado de espírito que está produzindo casos como aqueles de que nos ocupamos.

Os meus votos são os mesmos que os do ilustre Senador Sr. Celestino de Almeida. Não há dúvida de que o melhor era que se acalmassem os nervos dos portuenses; mas, emquanto isso não sucede, procuremos evitar incidentes mais craves r do que os que até agora se têm dado. E isso o que tentarão as autoridades do Pôrto, secundadas pelo Govêrno. Com relação a Pôrto de Mós, já expliquei o que se tinha passado. Na Câmara cios Debutados fizeram-se referências a êsse caso. Preguntei ao Sr. governador civil respectivo o que havia, e obtive informações de que me não recordo. Todavia, darei à Câmara as explicações necessárias logo que isso me seja possível e, tornando-se preciso, tomarei providências adequadas.

O orador não reviu.

O Sr. Herculano Galhardo (por parte da comissão de finanças): — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o parecer da comissão de finanças sôbre o projecto de lei n.° 139.

E, já que estou no uso da palavra, proponho que V. Exa. consulte o Senado sôbre se permite que se façam as seguintes substituições:

Na comissão de finanças a do Sr. Nicolau Mesquita pelo Sr. Gaspar de Lemos, e na comissão de fomento a do Sr. António Augusto Teixeira pelo Sr. Álvares Cabral.

É aprovado.

O Sr. Álvares Cabral (por parte da comissão de instrução): — Pedi a palavra, Sr. Presidente, únicamente para mandar para a Mesa um parecer de comissão de instrução.

O Sr. Alfredo Pires (por parte da comissão de verificação de poderes): — Pedi a palavra, Sr. Presidente, para mandar para a Mesa um acórdão da comissão de que sou secretário.

O Sr. Celestino de Almeida (para explicações): — Sr. Presidente: às observações feitas pelo Sr. Presidente do Minis-

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tério não deixarei ainda de fazer algumas referências.

É um velho republicano, que muito ama a República, que se dirige a um outro republicano em iguais condições.

Sr. Presidente: as reincidências em processos antigos, relativamente a actos de violência produzidos contra presos, julgados ou não, todos sabem o efeito deletério que têm dentro e fora do país. São sintomas que me fazem lembrar um quási nada factos passados, e que me levaram a pedir maiores explicações ao Govêrno únicamente pelo meu muito amor à República. Quanto ao caso de Pôrto de Mós, êle representa um desrespeito das autoridades administrativas para com as decisões do eleitorado.

Agradecendo as explicações do Sr. Presidente do Ministério, não me quero alongar em mais considerações, que reputo, neste momento, desnecessárias.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Vou ler o acórdão da comissão de verificação de poderes relativo à eleição pelo distrito da Horta, pelo qual se considera eleito o cidadão José Joaquim André de Freitas.

Portanto, proclamo Senador...

O Sr. Jacinto Nunes: — É parecer ou resolução? Desejo saber se foi a comissão que se julgou com o direito de considerar válida a eleição ou sovem submeter à deliberação do Senado o seu modo de ver, relativamente à eleição. Tanto o Regimento desta Câmara, como a Constituição, opõem-se a que se proclamem Senadores, sem a resolução favorável da Câmara.

A comissão dá o seu parecer e a Câmara pronuncia-se sôbre êle.

O Sr. Presidente: - Não se tem feito assim. Proclamo Senador o cidadão José Joaquim André de Freitas.

O Sr. Jacinto Nunes: — Não pode ser. Isso é contra a Constituição. A comissão apenas elaborou o seu parecer e a Câmara tem de pronunciar-se sôbre êle.

O Sr. Presidente: — Parece que V. Exa. tem razão, porque o artigo 6.° do Regimento é expresso a êsse respeito»

O Sr. Jacinto Nunes: — Só peço desculpa a V. Exa. da minha exaltação.

O Sr. Augusto de Vasconcelos: — V. Exa. dá-me licença, Sr. Presidente? Parece-me que se pode remediar o caso. Êsse acórdão, que não é acórdão, mas um parecer, deve assim ser considerado e a Câmara pode resolver sôbre êle, votando-o, è assim está feita a proclamação do Sr. Senador eleito.

O Sr. Gil de Matos: — Sr. Presidente: quando para aqui vim encontrei o costume, na comissão de verificação de poderes, de lavrar acórdãos; mas como o facto de se lhes chamar acórdãos não significa nada, classifiquemo-los de pareceres e sujeitemo-los ao veredictum da Câmara. E uma questão de palavras e mais nada.

O Sr. Presidente: — Submeto á apreciação do Senado o parecer da comissão de verificação de poderes.

O Sr. Gaspar de Lemos: — Eu queria pedir a urgência e dispensa do Regimento para êsse parecer, mas como V. Exa. já o submeteu à apreciação do Senado, desisto do meu requerimento.

O Sr. Presidente: — Vou pôr à votação o parecer. Os Srs. Senadores que aprovam, tenham a bondade de se levantar.

Foi aprovado.

O Sr. Presidente: — Está na sala dos Passos Perdidos o Sr. André de Freitas. Convido os Abílio Soeiro, Azevedo Gomes e Vicente Ramos a introduzirem S. Exa. na sala.

O Sr. André de Freitas é introduzido e toma posse do seu lugar.

O Sr. Jacinto Nunes: — Tinha pedido a palavra para usar dela depois do Sr. Dias de Andrade. Como não tinha ouvido referência nenhuma à junta da freguesia (eu continuo a chamar-lhe junta de paróquia) de Alvorge, do concelho de Ancião, foi por isso que me inscrevi. Lamento, Sr. Presidente, que as autoridades administrativas, e entre elas os governadores civis, estejam consentindo o funcionamento de comissões administrativas, que nenhuma lei autoriza,

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O artigo 176.° do Código Administrativo é claro. Mas o mais extraordinário é que há alguns corpos administrativos eleitos aos quais não foi dada posse dos seus cargos, estando a ser substituídos por simples comissões.

Fica o meu protesto lavrado centre, essa cumplicidade do Sr. Governado Civil de Leiria, que tinha, havia já meses, conhecimento dos factos. Quanto ao que se passou no Pôrto, direi que o Sr. Governador Civil, o comissário da polícia e os respectivos guardas ou são cúmplices dos desordeiros ou ineptos. Um dia, êsses desordeiros entraram numa igreja do Pôrto, cheia de fiéis, do cavalo marinho em punho e correram tudo à bengalada. Dias depois, entraram na redacção do Debate e correram a tiro o director, mais tarde, foram esperar os romeiros vindos do Norte p£,ra lhes bater, não sendo, porêm, dessa feita bem sucedidos.

Tudo isto se tem passado sem que a polícia cousa alguma descubra, o que prova ser essa inepta ou cúmplice. E agora, fiados na impunidade, cometeram o gravíssimo crime de atirar a tiro sôbre aqueles que foram absolvidos pela justiça!

A defesa do Sr. Presidenta do Ministério não foi uma atenuante, foi uma agravante.

A ira motivada pela paixão política podia ter-se manifestado à saída do tribunal; mas o acto, praticado como o foi, prova que houve premeditação.

Há muito já que o governador civil devia estar demitido e a polícia toda punida.

Isto não pode continuar assim, Sr. Presidente do Ministério.

O Pôrto está cheio de assassinos, e era Lisboa um conhecido industrial verifica que não pode viver em Portugal, porque não tem a sua vida garantida!

O orador não reviu.

O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): — Dei ao Senado as explicações que entendia ou julgava dever dar; mas não posse ficar silencioso perante a acusação de inépcia e de cumplicidade assacada às autoridades do Pôrto.

E levanto a frase de V. Exa., pela razão dela não ter cabimento nesta questão.

Ou V. Exa. dirige essa acusação a todas as autoridades do país, ou não a dirige a nenhuma, pois o Sr. Jacinto Nunes sabe muito bem que em todo o país, e sobretudo e:n Lisboa, se têm cometido actos da maior gravidade, sem que a polícia tenha descoberto os seus autores, sem que haja descoberto cousa alguma!

S. Exa. foi dum exclusivismo extraordinário para com o Porto.

Pois então assassina-se em plena Lisboa o nosso camarada Henrique Cardoso, e o Sr. Jacinto Nunes não se levantou a pedir que se descobrisse o autor do crime?

É assaltado o Grémio Luzitano, faz-se u m inquérito, não há maneira de apurar cousa alguma, e o Sr. Jacinto Nunes fica silencioso?

Dá-se o caso da leva da morte, essa scena macabra que feriu toda a alma republicana, faz-se um inquérito, os cúmplices desaparecem por entre os dedos, e o Sr. Jacinto Nunes não se insurge?

E S. Exa. acusa de cumplicidade as autoridades do Pôrto!

Queria S. Exa. um polícia dentro de cada cidadão?

Como evitar ou prevenir os crimes praticados na rua?

Não acompanho S. Exa. nas suas considerações e respondo com esta alteração de voz para lavrar um protesto muito altivo contra a acusação do cumplicidade e do inépcia assacada as autoridades do Pôrto.

O orador não reviu.

O Sr. Jacinto Nunes: — Sr. Presidente: pedi a palavra únicamente para dizer duas palavras sôbre o assunto que se debate.

O que eu não compreendo, Sr. Presidente, é que a polícia não saiba os nomes dos autores dos crimes que se discutem.

Não compreendo nem posso compreender por isso que se não trata de um caso único, desgraçadamente, tanto mais para lamentar, quanto é certo, que o Sr. Presidente do Ministério nos acaba de declarar que êles se não tem dado somente no Pôrto, mas sim em todo o país, o que é mais grave ainda.

O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério è Ministro do Interior): - Então V. Exa. não tem conhecimento do que se

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tem passado por êsse país fora,, e muito especialmente em Lisboa?

Certamente que tem, conhecendo V. Exa. muito bem o magistrado que foi encarregado de fazer a sindicância aos factos ocorridos nos Congregados.

Tenho a certeza que V. Exa. há-de ser o primeiro a fazer justiça a êsse magistrado, não podendo eu no entanto acompanhar S. Exa. no terreno em que se colocou.

O Sr. Jacinto Nunes: — O que eu digo a V. Exa. é que é sempre a mesma gente a praticar os mesmos delitos.

Por mim, dou-lhe o nome de trauliteiros modernos.

O Sr. Júlio Ribeiro: — Sr. Presidente: é bastante contrariado que ante o ilustre Presidente do Ministério me vejo forçado a fazer recriminações e a verberar o procedimento daqueles que se dizem cooperadores da nobilíssima obra política de S. Exa., por leviandade, facciosismo ou desorientação, se esquecem de que é necessário e absolutamente indispensável estabelecer na sociedade portuguesa um frisante contrasto entre o sidónismo martirizador, servido por verdugos, e a verdadeira Re-pública, defendida por gente de coração e dignificada pelos mais sãos princípios democráticos. (Apoiados). E contrariado, sim, Sr. Presidente, por que conhecendo bem quais as patrióticas intenções da política de tolerância e acalmação do Govêrno, compreendo como será desagradável e penoso para o Sr. Sá Cardoso ouvir constatar factos repreensíveis, cometidos por pessoas que se dizem seus cooperadores. Mas é necessário não calar a verdade, dizê-la sem sofismas, nem rodeios, nem solércias, para que se saiba que entre os próprios partidários do Govêrno há fiscalização e que no nosso partido a ninguêm repugna ouvir a verdade, por mais dolorosa e cruel que seja. E a verdade, Sr. Presidente, é que há bastante verdade nas palavras do ilustre Senador Sr. Dr. Jacinto Nunes, quanto à polícia do Pôrto, palavras que causaram indignação ao ilustre Presidente do Ministério, revelando-se mais uma vez em toda a grandeza moral do seu alto coração, do seu vigoroso carácter e das suas sinceras convicções. (Apoiados). Alêm do caso referido pelo Sr. Celestino de Almeida, honestamente explicado pelo Sr. Presidente do Ministério, explicação que eu aceito e acato, há mais e de maior gravidade. Vejamos.

Um vendedor de jornais, preso no Aljube, morreu ali sem assistência médica, embora de dentro da prisão durante dias os companheiros gritassem condoídos e cheios de revolta — está aqui uma pessoa a morrer! Está aqui uma pessoa a morrer!— Dói a alma, Sr. Presidente, ao saber-se que em pleno século XX isto se pratica numa terra civilizada e assim se despreza a existência de um dêsses simpáticos cooperadores do jornalismo, que com o seu pregão estridente vão, como Pégaso moderno, na expressão de um grande escritor, levar ideais e pensamentos aos mais recônditos cantos duma cidade.

Há dias foram mandados sair da Cave de Reclusão Militar os antigos oficiais que ali estavam presos, alguns coronéis e tenentes-coronéis demitidos, fazendo-os conduzir no meio de escoltas através das ruas da cidade, sem a menor consideração pelo facto de terem culminado as mais altas posições no exército português! Não tiveram automóveis, quando, ao que se diz, em três meses, se gastaram perto de seis contos com êsses meios de transporte.

O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério): — V. Exa. refere-se ao período que diga respeito à minha estada no Ministério?

O Orador: — Não, senhor. Foi anteriormente. Mas há mais, Sr. Presidente, há mais. Removendo um sacerdote preso, levaram-no em charola e, deixando-o cair galhofeiramente, riam do doente. Note V. Exa. que isto foi-me garantido por carta. Isto não foi averiguado por mim.

Não ficamos por aqui: três antigos oficiais superiores estiveram, e talvez ainda estejam, encarcerados num pequeno quarto de 8 metros de cubagem, precisando retirar uma das camas para terem espaço para meter uma mesa!

É inverosímil. 6 metros cúbicos é o mínimo para uma pessoa.

A correspondência dos presos é violada ou não lhes é entregue.

Há dias escrevi ao ex-coronel Sá e Melo, que ali estava preso, e passados oito

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dias fui ao Pôrto e ainda não tinha sido entregue da minha carta.

Alêm disto, Sr. Presidente, a polícia do Porto está passando ao domínio da opereta, da revista, do grotesco. Aprecie a Câmara estes factos. Um cabo de polícia, pessoa de confiança, rouba perto de 1 conto de valores apreendidos a presos! Esteve a polícia para ficar sem luz e sem água, devido a não pagar o que devia. Há, dias uma esquadra policial recebeu, mandado judicial de despejo por falta de pagamento de renda.

Isto exposto com toda a singeleza, quero protestar contra êstes factos e contra a enormidade que representem aqueles cárceres, impróprios do nosso tempo e da nossa civilização. São uma afronta dignidade humana, um desprestígio jiarc a República, um escárneo para o sentimento compassivo que superioriza a nossa raça. Não, Sr. Presidente, não podem continuar ali encerradas criaturas humanas.

Naqueles subterrâneos, onde um frio glacial percorre as astérias, nos cubículos sem luz, nem ar, nem higiene, o nas salas onde se aglomeram es presos como se fossam suínos gafados, não podem viver portugueses, seja qual fôr o seu crime, por que isso é uma monstruosidade moral.

Eu bem sei que muito mais, muitíssimo mais, tanto mais que não há confronto, se fez no dezembrismo (Apoiados); mas, exactamente por isso, é que eu levanto aqui o meu protesto veemente contra os factos referidos.

Não quero hoje nada, absolutamente nada, que se pareça com êsses miserandos tempos de vergonha, opróbrio e crueldades.

Não se pode realizar o que todos os bons republicanos desejam? Pode.

Em seguida ao. 14 de Maio, o Sr. Dr. Pereira Osório, como governador civil, ante o mal que queria alastrar, fez publicar um enérgico edital, onde a coragem moral se conciliava com a dignidade do republicano, evitando que novos desvarios se cometessem. Façam agora assim, procedendo com energia.

É necessário afirmar, com factos, que a República é a pura e verdadeira expressão da Democracia no que da tem de mais levantado, mais nobre, mais salutar e mais humano. (Apoiados).

O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério o Ministro do Interior): — Dos factos apresentados por V. Exa. à Câmara, dos quais não tenho conhecimento, tomei nota e mandarei averiguar. Há, porêm, um a que V. Exa. se referiu, que já foi justificado numa nota oficiosa nos jornais do Pôrto é o dos casos anormais passados no Aljube. Dos outros torneia devida nota, apesar de dalguns dêles não ser culpado êste Govêrno. Se o Aljube ainda existe, dêste Govêrno não é a culpa; assim como não é culpa dêle que Monsanto e outras prisões estejam pejadas de presos.

Que culpa tem o Govêrno de que se não possam transportar para a África, senão com muita dificuldade, todos os condenados que estão aguardando êsse destino? Há muito que ando a tratar de lhes arranjar passagem, e só lá para 20 deste mês o conseguirei.

Pregos políticos durante a vigência do actual Govêrno, quasi se pode dizer que os não há, alêm dos implicados no movimento de Monsanto.

Onde quere o ilustre Senador que meta êsses presos?

S. Exa. falou numa esquadra de polícia que tem de ser despejada, e eu dir-lhe hei que o que sucede lá sucede aqui. Não temos verbas no Orçamento para satisfazer aos encargos, cada vez mais crescentes, com a polícia.

Tenho neste momento em Lisboa uma autoridade policial que não tem casa alguma onde trabalhar, porque dentro dos edifícios do Estado não tenho onde a meter e não tenho tambêm verba para lhe pagar casa. Esta situação dura há mais de dez dias.

São casos êstes contra os quais nós nada podemos, a Dão ser que a todo o momento venha o Govêrno ao Parlamento pedir créditos extraordinários. Não sei se as verbas do orçamento estão mal calculadas ou só as despesas actualmente são maiores do que se previu. O que é certo é que se dão casos como aqueles a que acabo de referir-me.

O Sr. Júlio Ribeiro:— Agradeço as explicações que me deu o Sr. Presidente do Ministério.

Pego a S. Exa. o favor de ir ao Pôrto ver o que são aquelas prisões. Não há

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nada que se lhes compare. Monsanto é um paraíso comparado com elas.

Posso indicar ao Sr. Presidente do Ministério uma solução para o caso. Os presos do Pôrto poderiam ser removidos para o palácio das Carrancas, que para isso seria fácilmente cedido.

O Sr. Vasco Marques: — Por parte da comissão de administração pública, mando para a Mesa dois projectos de lei devidamente relatados.

O Sr. Pereira Osório: — Pedi a palavra muito especialmente pelas referências que se fizeram à minha modesta e humilde pessoa, e porque desejo fazer algumas considerações sôbre o caso a que se aludiu. Acredito na sinceridade com que o Sr. Júlio Ribeiro vem falar nas prisões do Pôrto; mas garanto à Câmara que isso não passa duma campanha, feita pelos inimigos da República, para chamarem a atenção sôbre si próprios.

Posso garantir isto à Câmara: nas prisões do Pôrto não se praticaram as violências a que se referiu o ilustre Senador Sr. Júlio Ribeiro, nem essas mesmas prisões são antros terríveis, como S. Exa. lhes chamou.

Eu estive lá. Estive, desde a peor enxovia até ao melhor salão, e, francamente, as enxovias, àparte a sua pequena capacidade, que é para quarenta pessoas e chegaram a ter 127, o que nos obrigava a estar de pé, àparte isso, eram relativmente confortáveis, para uma prisão, considerada na sua verdadeira acepção. E o mais interessante é que, apesar de tal aglomeração de presos, com dois pneumónicos entre nós durante oito dias sem assistência médica, não fomos sequer contaminados pela epidemia. Com respeito ao meu edital, por ocasião do assassínio de Homero de Lencastre, foi feito numa ocasião em que havia grande efervescência, pois foi logo após o 14 de Maio. Nessa ocasião, tendo eu sido quási que obrigado a tomar conta do Govêrno Civil do Pôrto, e sabendo que se projectavam alterações da ordem, de que podiam resultar mortes, eu, de acôrdo com Caldeira Scévola, tomei as precauções necessárias para evitar desmandos. Ao primeiro crime tememos que se seguissem outros, tantas eram as pessoas indicadas
como merecedoras de castigo, pela sua atitude durante o Govêrno do Sr. Pimenta de Castro. Nestas condições, mandei publicar os referidos editais, chamando para ruim todos os ódios e atenções, pois o que eu queria era ganhar tempo, para que as pessoas exaltadas esquecessem as pessoas que visavam. E, realmente, consegui o meu fim. Fiquei mal com os meus correligionários, mas tambêm fiquei certo de ter cumprido o meu dever.

O que é certo é que as medidas que tomei deram o resultado desejado porque, realmente, não houve mais nenhum atentado.

O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): — E V. Exa. compara o estado de exaltações dos ânimos no Norte em seguida ao 14 de Maio com o estado de exaltação que se seguiu à última revolta monárquica?

O Sr. Pereira Osório: — O que certamente há, o que com certeza se está manifestando, são os ressentimentos pelos agravos resultantes dos actos da traulitânia. Eu não sei o que faria se encontrasse hoje pela minha frente alguns dos indivíduos responsáveis por actos que me feriram fundamente. Quando minha mulher e minha filha, aflitas, receavam pela minha vida, era-lhes dito por uma autoridade isto:

— Se morrer, não se perde nada!

Eu posso ter amanhã um conflito com qualquer pessoa, e êsse acto nunca pode ser considerado «orno um acto colectivo.

Passei pelas prisões do Pôrto e sei que elas são um horror.

Quando ali fui Governador Civil, mandei melhorá-las. Foram metidos presos políticos em enxovias construídas para gatunos e indivíduos apanhados debaixo dos bancos das praças públicas.

Essa gente vai para prisões com boa luz eléctrica, comida às horas e boa cama. E o mais que pode desejar.

Mas o motivo por que eu hoje pedi a palavra é para tratar, na presença do Sr. Ministro do Interior, dos abusos extraordinários que se estão cometendo nos hotéis.

É caso para dizer que os donos dos hotéis roubam os seus hospedes.

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12 Diário das Sessões do Senado

Só quem precisa vir a Lisboa e necessita estar num hotel é que pode avaliar o que se passa.

Eu, por exemplo, que necessito ir todas as semanas ao Pôrto, sou deveras espoliado.

Dum dia para o outro, o mesmo quarto passa para o mesmo hospede, a custar mais 1$ alêm dos 25 por cento da ordem. Nunca uma pessoa sabe quanto tem apagar!

Não é tanto o exagero dos pregos, por-: que é, mais do que isso, a instabilidade deles. E isto explica-se por causa dos negócios fenomenais que se fazem com traspasses de hotéis. Fala-se muito no turismo, quando os hotéis, para êle, são apenas os que existem, e já insuficientes para a vida nacional presente, porque para o mais pequeno negócio se tem sucessivamente de vir a Lisboa.

Sabendo da existência dum regulamento de hotéis e de hospedarias, fui-o ver e encontrei no artigo 7.° elementos para meter os hoteleiros na ordem, os quais não podem alterar as tabelas sem o participarem à polícia.

Ora, se essa tabela muda constante-mente, faz-se isso de acôrdo com a policia?

Outro abuso que não deve consentir-se é o representado pela percentagem da 25 por cento sôbre as contas. Isso dá lugar a abusos, como acontece com os vinhos, Lavagem de roupa, ate., para que tudo isso sofra a cobrança dessa sobretaxa, a qual representa ama espoliação torpe, com que é preciso acabar, porque
envergonha a cidade de Lisboa, e até a prejudica.

Faço votos por que S. Exa. o Sr. Ministro do Interior não preciso nunca de entrar em hotéis, e peço que junto do Sr. Governador Civil faça ver a justiça das minhas considerações, averiguando se tal mudança de preços e de tabelas tem OL não sido feitas com autorização da pol;cia administrativa.

Ô orador não reviu.

O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): - Pela especialidade dos assuntos que S. Exa. tratou não posso responder agora, mas tomo nota de todas as considerações que o a vi, e tratarei de me informar.

O Sr. Sousa Varela: — Comunico que a comissão de legislação operária se acha constituída, tendo escolhido para Presidente o Sr. Feio Terenas, e para secretário o Sr. Augusto Monteiro.

O Sr. Soveral Rodrigues: — Mando para a Mesa um projecto de lei determinando que nas estações dos caminhos de ferro se exijam coladas nas mercadorias submetidas a despacho as estampilhas fiscais que os municípios, devidamente autorizados, usem.

Pede a urgência, que é concedida.

O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, à hora regimental.

Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas.

O REDACTOR—Adelino Mendes.

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