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REPÚBLICA
PORTUGUESA
IÁRIO DO SENADO
IN". 68
EM 27 DE ABRIL DE 1920
Presidência do Ex,mo Sr. António Xavier Correia Barreto
., Secr"árlMMl!l-
'fl ( José Mendes dos Reis
Sts- 1 Artur Oct4,lo ioRíg»Ckêas
SumárÍQ. — Com a presença- de 38 Sr*. Senadores foi aberta a sessão. Leu-se a acta, que foi aprovada sem reclamação, e deu-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia.— O Sr. Velez Caroço apresenta um projecto de lei autorizando o Arsenal do Exército a fornecer 8 peças de artilharia, modelo antigo, para um monumento em Portalegre. E concedida a urgência.
Q Sr. Pereira Gil chama, a atenção do Govêmo para o jogo em Coimbra. Responde o Sr. Ministro da Instrução (Vasco Borges).
O Sr. Ministro da Justiça (Ramos Preto) pede urgência e dispensa do Regimento para o projecto de lei que pune os dinamitistas. Foi concedida, entrando em discussão na generalidade. Falam sobre o assunto os Srs. Melo Barreio, Ministro da Justiça (Ramos Preto}, Celestino de Almeida, Jacinto Nunes e Mendes dos Reis, que requere votação nominal, o que foi concedido, sendo o projecto aprovado na generalidade.
Seguidamente o Sr. Presidente encerra a sessão.
Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Amaro Justmiano de Azevedo Gomes. António Alves de Oliveira. António Gomes de Sousa Varela. António Vitorino Soares. António Xavier Correia Barreto. Armindo de Freitas Kibeiro de Faria Artur Octávio do Kêgo Chagas. Augusto Casimiro Alves Monteiro. Bernardino Luís Machado Guimarães. Celestino -Germano Pais de Almeida. Cristóvão Moniz.
César Justino do Lima Alves.
Desidério Augusto Ferro de Beça.
Ernesto Júlio Navarro. •
Ezequiel do Soveral Kodrigues.
Francisco Manuel Dias Pereira.
Francisco Vicente Ramos.
Heitor Eugênio de Magalhães Passos.
Herculano Jorge Galhardo..
Henrique Maria Travassos Valdês.
João Carlos de Melo Barreto.
João Joaquim. André de Freitas.
João Namorado dê Aguiar.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
Jorge Frederico Velez Caroço.
José Augusto Artur Fernandes Torres.
José Dionísio Carneiro de Sousa Faro.
José Duarte Dias de Andrade.
José Jacinto Nunes. . José Joaquim Pereira Osório.
José Mendes dos Keis.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Manuel Gaspar de Lemos.
Nicolau Mesquita.
Pedro Amaral Boto Machado.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves..
Raimundo Enes Meira.
Ricardo Pais Gomes.
Vasco Gonçalves Marques.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
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Diário das Sessões do Senado
António Maria da Silva Barreto* António de Oliveira e Castro. Arnaldo Alberto de Sousa Lobto. Augusto Vera Cruz. Bernardo Pais de Almeida. Constâncio de Oliveira. José LIachado Serpa. José íuiguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Eamos Preto.
Luís Inocêncio Eamos Pereira.
Rodrigo Guerra Álvares Cabral.
Srs. Senadores que não compareceram à sessão:
Abel Hbólito.
Abílio de Lobão Soeiro.
Alberto Carlos da Silveira.
Alfredo Augusto da Silva Pires.
António Augusto Teixeira.
António Maria Baptista.
Augusto César de Vasconcelos Correia.
Joaquim Celorico Palma.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Xnnes do Nascimento.
Júlio Ernesto de Lima Duque. . Luís António de Vasconcelos Dias.
Manuel-Augusto Martins.
Pedro Alfredo de Morais Rosa.
Rodrigo Alfredo Pereira de Castro.
Silvério da Rocha e Cunha.
Torcaío Luís de Magalhães,
Pelas 16 horas o Sr. Presidente manda proceder à chamada. Fez-se a chamada.
O- Sr. Presidente: — Estão presentes 40 Srs. Senadores.
Está aberta a sessão.0 Vai ler-se a acta. Leu-se.
O Sr. Presidente:—Está em discussão. Pausa.
O Sr. Presidente: — Como necimn Sr. Senador peca a palavra, considera-se aprovada. Vai ler-se o
Expediente
Ofícios
Da Presidência da Câmara d1) s Deputados, comunicando ter sido aprovada
uma proposta de prorrogação da actual sessão legislativa. Para a Secretaria.
Da Presidência da Câmara dos Deputados, comunicando não haver sido aceitas as alterações introduzidas pelo Senado à proposta de lei n.° 153.,
Para a Secretaria.
Da Presidência da Câmara dos Deputados, comunicando haver sido aprovada a alteração do artigo 1.° 'e rejeitada a do 2.°. introduzidas pelo Senado à proposta de lei n.° 137.
Para a Secretaria
Da Presidência da Câmara dos Deputados, comunicando haver sido aceitas to-dasas alterações, com exclusão do § único do n.° 6.° do artigo 26.°, do § único do artigo 29.° e do § 2.° do artigo 34.°, introduzidos pelo Senado à proposta de lei n.° 33.°
Para a Secretaria.
Da Câmara dos Deputados, acompanhando a proposta de lei que estabelece a forma de julgamento para os fabricantes, portadores o ~detentores de bombas, explosivos e outros.
Telegrama
Do presidente da Associação Comercial de • Aveiro, pedindo a interferência do Governo a fim de evitar a emigração que naquele distrito cresce pavorosamente desde Outubro.
Projecto de lei
Do Sr. Jorge Frederico Velez Caroço, autorizando o Governo a ceder do Arsenal do Exército oito peças de artilharia, de ferro e do mesmo modelo, para serem colocadas em volta do monumento aos mortos da grande guerra em França é em África, cue a Associação Planetária de Portalegre vai erigir naquela cidade.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de guerra.
Parecer
Da comissão de petições, referente*ao requerimento do coronel Henrique Ribeiro de Almeida.
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Sessão de 27 de Abril de 1920
Justificação de faltas
Do Sr. José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Do Si\ Manuel Gaspar de Lemos.
Para as comissões de infracções e faltas.
Declarações de voto
Declaro que votei a proposta de lei coerciva dos atentados bombistas, não obstante desconhecer o-s seus termos, dada a urgência e dispensa do Regimento com que é votada, por, abonando-me nas palavras vdo Sr. Ministro da Justiça proferidas na Câmara dos Deputados, por ocasião da sua discussão ali, de que ela se não dirige ao combate de quaisquer escolas políticas ou sociais, mas sim à punição de actos que tiveram e têm a reprovação de. todos, não deve deixar de ocultá-la.— Pais ° Gomes.
Declaramos que votamos"a proposta de lei n-.° 407 (atentados .bombistas), convencidos de que ela se não dirige ao combate de quaisquer escolas políticas ou sociais, mas sim a uma eficaz punição de actos atentatórios da ordem e organização social, que sempre tiveram e têm a reprovação de todos, procurando aperfeiçoá-la na sua discussão na especialidade. — Alfredo Narciso Marcai -Martins Portugal — António Alves de Oliveira.
Para a acia.
O Sr. Presidente: — Convoco °o Congresso "para as 16 horas.
O Sr. Velez Caroço:—Pedi a palavra para mandar para a Mesa um projecto de lei autorizando o Governo a ceder do Arsenal do Exército oito peças de ferro, e do mesmo modelo,' para serem coloca--das em volta dum monumento aos mortos da guerra, em França e em África, que a Associação Planetária de Portalegre vai erigir naquela cidade.
Este monumento deve estar pronto no próximo mês de Maio, por isso peço a V. Ex.a que consulte o Senado sobre se consente a urgência para a discussão desta proposta.
O Sr. Presidente : —Vai proceder-se à votação.
O Sr. Herculano Galhardo: — Pedi a palavra para declarar a V. Ex.a que o pedido de urgência para a discussão desta proposta foi feito de acordo com os Senadores deste lado da Câmara.
O Sr. Pais Gomes': —r Para declarar que os Senadores do Partido Liberal votam a urgência pedida para a discussão deste projecto.
O Sr. Desidério Beça: — Pedi a palavra para fazer igual declaração em nome dos Senadores do Grupo de Reconstitui-ção Nacional.
O Sr. Presidente: —Vai votar-se. Foi aprovadçL a urgência para a discussão.
O Sr. Pereira Gil: — Como vejo nas bancadas do Governo o Sr. Ministro da Instrução Pública, chamo a atenção de S. Ex.a para o quo se está passando em Coimbra.
Como V. Ex.a sabe, Coimbra é uma cidade essencialmente escolar e por isso peço' a S. Ex.a paia transmitir ao Sr. Ministro do Interior as considerações que vou fazer.
A população de estudantes em Coimbra é grande, porque além da Universidade, do Liceu e outras escolas oficiais, há bastantes colégios, pois em Coimbra continua se a jogar com todo o descaramento e ainda ontem, num carro eléctrico, ouvi a um estudante declarar que tinha perdido na véspera ao jogo 20$.
Não é só pela falta que o dinheiro pode fazer, mas pelo hábito que se adquire, que fica para toda a vida.
Há em Coimbra um clube recreativo que conseguiu legalizar a sua situação como clube recreativo, com o nome de Éden-, nesse clube joga-se até de manhã.
Ora isto não pode -ser e por isso, repito, peço a V. Ex.a para transmitir isto ao Sr. Ministro do Interior que, naturalmente, não tem conhecimento deste facto.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução Pública
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Diário das Sessões do Senado
Estou convencido de que- o Sr. Presidente do Ministério ignora esse estado de cousas e, como conheço quais são as suas disposições relativamente a jogos ilícitos, posso informar V. Ex.a que. serão tomadas as medidas necessárias para que esse estado de cousas não continue.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pereira Gil: — Muito obrigado a V. Ex.a pela sua resposta.
'O Sr. Ministro da Justiça (Ramos Preto): — Sr. Presidente: deve estar sobre a Mesa uma proposta de lei já votada pela outra Câmara tendente £ reprimir os atentados dinamitistas.
Como é urgente dar unia solução aos presos envolvidos nesses crimes, eu pedia a V. Ex.a para consultar a Câmara sobre se consentia que ôsse projecto entrasse em discussão com urgência e dispensa do Regimento.
LeiL-se na Mesa a proposta de lei. É a seguinte:
Proposta de lei
'Artigo l.6 São julgados em Lisboa, pelo processo estabelecido no decreto n.° 5:576, de 10 de Maio de 1919, e na lei n.° 922, de 30 de Dezembro de 1919, por uni tribunal constituído por um membro da magistratura judicial ou do Ministério Público e dois indivíduos formados em direito, de nonleaçao do Governo, sendo 'o primeiro o presidente.
a) Os fabricantes, os portadores e os detentores de bombas explosivas, destinadas a produzir o alarme social, seja qual for a forma que estas revistam;
6) Os agentes de atentados por meio de bombas, a que se refere a alínea a);
c) Os agentes de instigação à prática dos crimes previstos no artigo 463.°, do Código Penal, no artigo 4.° de lei de 30 de Abril de 1912 e no artigo 483.c do Código Penal, quando o crime determinado, a que se refere esse artigo, for dos crimes previstos nas' alíneas a) e b) do artigo l.c desta lei, definidos no artigo 15.° da lei de 21 de Abril de 1892;
d) ° Os vadios e reincidentes a que se referem os artigos 1.°, 5.° e 6.° cia lei de 20 de Julho de 1912 e" artigo 1.° do decreto n.° 5:576, de 10 de Maio de 1919.
Ar t. 2.° Provada a acusação dos réus,
a que se refere o artigo anterior, serão condenados a ser postos à disposição do Governo, que poderá deterininar-lhes a interdição de residência por tempo não inferior a dezóitp meses, nem superior a dez anos, para lha fixar em qualquer parte do território colonial da República, quando não possa, sem exceder a respectiva lotação, intefilá-los em qualquer dos estabelecimentos penais, a que se refere o artigo 14.° da lei de 20 de Julho de 1912.
Art. 3.° O condenado por crimes a que se refere esta lei, será julgado por qualquer outro crime cometido antes, ao mesmo tempo, ou depois deste, em harmonia com as leis em vigor, na comarca onde estiver a residir, em cumprimento.- da pena imposta.
§ 1.° A aplicação da pena de interdição de residência subsistirá sempre, e ó independente da aplicação de qualquer outra pena.
§ 2.° Os processos por qualquer dos crimes a que se refere esta lei não serão apensados a qualquer outro.
Art. 4..° Os processos pendentes serão julgados em harmonia com a presente lei.
Art. 5.° É o Governo desde já autorizado a praceder à revisão do decreto n.° 2:241, 'de 29 de Fevereiro de 1916, aditando às penas aí consignadas a de prisão correccional aplicável no máximo da sua duração, em processo sumário, nos termos desta lei.
Art. 6.° Para ocorrer ao encargo proveniente das gratificações a pagar aos vogais do tribunal a que se refere o artigo 1.° o oficiais necessários para o expediente, fica o Governo autorizado a abrir os créditos especiais necessários, não obstante o disposto no artigo 4.° da lei de 29 de Abril de 1915.
Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrário.
Palácio do Congresso da República, 23 de Abril de 1920.—Alfredo Ernesto de Sá Cardoso — Baltasar de Almeida Teixeira— António Marques das Neves Mantas.
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Sessão de 27 de Abril áe. 1920
O Sr. Pais Goirres: — Sr. Presidente: por parte do Partido Bepublicano Liberal e em vista da urgência e dispensa do Regimento para essa proposta ter sido requerida'pelo Sr. Ministro da Justiça, "este lado da Câmara não tem dúvida al-. guma em a votar..
O Sr. Dias de Andrade:—Pedi a palavra para declarar a V. Ex.a que voto a urgência e dispensa do Regimento pára essa proposta-.
. Ó Sr. Melo Barreto: — Pedi a palavra para declarar a Y. Ex.a, em nome deste lado da Câmara, que concordo com a urgência e dispensa do Regimento.
O Sr. Prazeres da Costa: — Pedi a palavra para declarar, em nome do -Grupo Parlamentar Popular, que votíimos a urgência e dispensa do Regimento.
O -Sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade.
O Sr. Melo Barreto:— Sr. Presidente: usando em primeiro lugar da palavra, "quando se formulou nesta Câmara o protesto contra o atentado dinamitista.da. Rua Augusta, tive ensejo de dizer ao Governo que podia contar com o apoio dos Senadores do Grupo de Reconstituição Nacional, para as ' medidas excepcionais que julgasse indispensável propor ao Parlamento, no sentido da repressão e do castigo de crimes daquela natureza, se porventura entendesse que as leis em vigor eram insuficientes para esse fim.'
Dôste compromisso me desobrigo neste momento, declarando que aprovo, na generalidade a proposta de lei em discussão.
Faltaria, ao que devo à minha consciência se dissesse que dou este meu voto com prazer.
Não. Só "constrangido o faço.
Ao meu espírito liberal, afirmado sem-' pré no Parlamento e na imprensa, repugna tudo o que representa uma lei de excepção.
E na expressão desse constrangimento encontro-me em 'excelente companhia, porque na Câmara dos Deputados ouvi o Sr. Ministro da Justiça dizer que trouxera aquela proposta de lei ao Parlamento
com repugnância, oTbrigado a isso por circunstâncias imperiosas de defesa da ordem e da disciplina social.
Essas circunstâncias referidas pelo Governo, em cuja autoridade para o respectivo julgamento todos se devem louvar, são precisamente a única determinante do-voto .dado à proposta por homens cujos princípios se opõem, naturalmente, a leis. de excepção.
Há anos, um dos mais ilustres homens-" da Franca, o Sr. de Freycinet, tendo de apresentar ao 'Parlamento uma proposta de lei .sobre liberdade de reunião, declarou que a considerava imprescindível, e-acrescentou:
«Não ocultamos que esta medida'constitui um ataque à liberdade; mas o Governo entende que ainda não chegámos à ora da liberdade ilimitada».
X)ra, . entre nós, evidentemente pela mesma ordem de. ideas que levou Freycinet'a expressar-se deste modo, o Governo actual considera' também imprescindível a proposta em discussão.
Sendo assim, o Grupo de Heconstitul-cão Nacional vota-a na generalidade, sem .entusiasmo, é certo, mas também sem hesitação.
Sr. Presidente: tendo eu assistido à-primeira parte da discussão na Câmara 'dos Deputados, animou-me,, durante alguns dias, a esperança de que aquela casa do Parlamento, em íntima colaboração, com o Governo, dadas as declarações do Sr. Ministro da Justiça, aperfeiçoasse a proposta,, considerada defeituosa, no ponto de vista jurídico, por alguns profissionais do direito, introduzindo-lhe as emeadas indispensáveis para esse fim.
Algumas emendas foram aprovadas-com efeito.
Infelizmente, porém, a esperança a que acabo de -referir-me não teve realização na parte que mais impressionou o meus espírito: a alínea c) do artigo 1.°, de redacção infeliz, que apesar do esclarecimento proposto pelo Sr. Ministro da Justiça e aprovado, pode atingir"a imprensa por delitos que não sejam precisamente aqueles que se pretendem castigar, dada a elasticidade do artigo 483.° do Código Penal. . .
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prensa do que a do próprio.artigo 1.° da lei de 13 de Fevereiro de 1896, de que os jornalistas não anarquistas só conseguiram vêr-se livres pelos artigos 1.° e 2.° da lei do 21 de Julho de 1899, da responsabilidade do ilustre homem público José de Alpoim, mas sugerida e redigida pelo alto espírito liberal de Trindade Coelho, que,, alêtn do respectivo articulado, escreveu a seu respeito um relatório primoroso, em que se acentua que uma cousa é professar e fazer alarde do doutrinas de anarquismo, conducentes à prática dos crimes que se pretendia punir, outra cousa é, por uma aberração do momento, e sem a profissão de tais doutrinas, defender ou aplaudir actos subversivos da existência da ordem social, ou da segurança das pessoas ou ainda da propriedade.
A votação desse preceito incluído, primitivamente, na proposta ministerial, não se compadeceria com as tradições, de quem, como eu, tÍAre a honra de iniciar, no Parlamento, a campanha veementissi-ma contra a proposta que se converteu na lei de 11 de Abril de 1907, da inícia-tiva> do Ministério João Franco, considerando-a n~ ais odiosa ainda, pelo loup de liberdade com-que pertendia mascarar-se, do que a lei de 3 de Agosto de 1850. do Conde de Tomar e de Félix Pereira de Magalhães, refogada pelo Duque de Saldanha no ano seguinte,-e do que a de 29 de Março de 1890, de Lopo V az, revogada pela de Veiga Beirão, em 1898, ambas com todas as anda cias de quem sabe •querer e de quem finge transigir para afinal impor, a cadapasso, a sua vontade de ferro; 1850, 1890 e 1907 assinalam, com efeito, as três étapes dominantes do estrangulamento da liberdade de imprensa -em Portugal, e seria, na verdada, lamentável que a essas datas sinislras o Governo actual, embora na melhor das intenções, juntasse a de 1920.
Compreendo perfeitamente que a defesa da ordem social seja a primeira das preocupações dos Governos; nen: eu seria um homem de Govôrno se porventura pensasse o contrário.
Sr. Presidente: defendendo a ordem só--ciai, o Governo — qualquer Governo — •exerce uma das suas funções essenciais. 'O que não compreendo é que, a pretexto desea defesa, só pretendesse armar um tribunal de excepção com poderes para
Diário das Sessões do Senado
punir, não só os crimes previstos pela lei de 13 de Fevereiro, mas tudo que pode ser abrangido pelo artigo 483.° do Código Penal.
O que não compreendo é que, a pretexto dessa defesa, se pretendesse incluir. a matéria do referido artigo 483.° numa lei que preceitua o julgamento sem intervenção do júri, sendo certo que aquele artigo previne o incitamento a todos os crimes, incluindo os de natureza política, e, entre estes, os de imprensa (artigo 10.° do decreto de-28 de Outubro de 1910), que devem sor julgados, sempre, com júri, nos termos do artigo 59.° da Constituição.
Por «uma interpretação apaixonada — para não dizer cavilosa — quanto s, delitos de opinião não poderiam correr Q perigo de sor submetidos àquolo tribunal excepcional !
Mariano de Carvalho, ao discutir na Câmara dos Deputados, com o seu subti-líssimo espírito, a proposta qne se converteu na lei de 13 do Fevereiro do 1896, demonstrou que o artigo 1.°, pela forma genérica como estava—e como ficou — redigido, era tam amplo, que até podia abranger um folheto publicado tempos antes... pelo Sr. António de Serpa Pimen-tel, chefe do Partido Regenerador, sobre a concepção filosófica do sistema da anarquia — sendo certo que aquele venerando homem público, se era capaz de fazer bem a muita gente, era incapaz do lazer mal a quem qv..er que fosse!
O julgamento de delitos de opinião nunca deve pertencer aos governantes representados, para os efeitos., por tribunais como o que é instituído pelo artigo 1.° da proposta em discussão mas sim a própria opinião. v
Só ela, representada pelo júri, deve julgar os delitos de opinião.
Deixar aos homens do Poder, representados pelos seus mandatários, por muito respeitáveis que estes sejam, o que pôde chamar-se a policia da opinião, foi sempre, um erro.
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neas-anteriores e definidas no artigo 15.° da lei de 21 de Abril de 1892, da iniciativa do Sr. Aires de Gouveia. Faço justiça às intenções daquele homem público o louvo-o pela sua atitude. Mas a verdade é que, mesmo dentro da fórmula proposta pelo Sr. Ramos Preto e aprovada pela Câmara dos Deputados, a imprensa fica sujeita a perigos deinter-• pretação que eu tenho o dever de ponderar ao Senado, esperando que o Senado cortará o mal péla raiz com a supressão pura e simples da referência ao artigo 485.° do Código Penal na alínea c) do artigo 1.° Nesta ordem de ideas, Sr. Presidente, quando se discutir a especialidade enviarei para aMesa umaproposta de emenda, também com o intuito de evitar que a lei tenha um carácter inconstitucional, por conflito com o artigo 59.° da Constituição. Dando a miuha aprovação à proposta, na generalidade, em nome tio Grupo de Reconstituição Nacional, .faço votos para que o Governo use da devida prudência na aplicação da lei em que ela vai converter-se, isto sem prejuízo da defesa da ordem social, antes com vantagem para a proficuidade dessa louvável iniciativa, que é, de resto, o mais rudimentar dever de todos os Governos legalmente constituídos. (Apoiados).^ Vozes : — Muito bem, muito bem. O orador foi muito cumprimentado. O Sr. Ministro da Justiça (Ramos Preto):—Principiarei por agradecer ao Sr. Melo Barreto as palavras amáveis que a meu respeito pronunciou e que só posso .atribuir à sua amizade e consideração. "Em resposta às considerações que S. Ex.a fez sobre o projecto de lei em discussão, só tenho de repetir • as palavras que proferi na outra casa do Parlamento quando ali se discutiu este assunto. Foi com. profundo desgosto que me vi •compelido a apresentar esta lei de excepção,. E inútil reproduzir as circunstâncias, que determinaram esse procedimento do •Governo, porque são do conhecimento de todos. Trata-se duma lei de excepção, porque não podia ser doutra forma, mas não se írata duma lei de ódios. Procura-se nesta lei, em todo o seu contexto, evitar a prática de actos, que possam produzir alarme e, portanto, é uma lei de prevenção. O assunto foi extraordináriameete debatido na Câmara dos Deputados. Nessa ocasião, tivera honra de ouvir palavras da maior dedicação e interesse pela obra do Governo, havendo apenas dois oradores que, em meu entender, não encararam o assunto como deviam. Nos crimes que se trata de prevenir não são os que actuam os mais prejudi-.ciàis e mais para tenier. Mais prejudiciais são aqueles, que vivem da agitação e da desordem, e escolhem os elementos que atiram para a frente ficando quási sempre impunes. Esses homens têm maior responsabili-dades, porque têm cultura intelectual superior. Já houve quem dissesse que esta lei era mais odiosa que a lei de 13 de Fevereiro da autoria de João Franco. Eu sentiria um desgosto profundo se, no meu espírito, ficasse a convicção de que realmente esta lei era tam odiosa, ou .mais que a de João Franco, pois que contra essa lei também eu entrei em luta. Não tive em vista encarcerar o pensamento humano. Respeito todos os ideais e doutrinas, mas entre respeitar ideas e doutrinas e tolerar actos criminosos não há que hesitar. Não me alongarei em mais considerações. Faço justiça à imprensa do meu país, à imprensa honesta que é incapaz de incitar seja quem for à prática desses crimes, e portanto não é abrangida nesta lei. (Apoiados). O oradar não reviu. O Sr. Celestino de Almeida: —Em nome do Partido Liberal há pouco já o ilustre Senador Sr. Pais Gomes interveio, concedendo a urgência e dispensa do Regimento para a apreciação da lei que está presentemente em discussão. Fez S. Ex.a muito bem, apesar desta lei não se encontrar nos moldes regimentais, melhor apropriados, para ser concedida a urgência e dispensa do Regimento, visto que ela se refere a assuntos de grande gravidade.
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proposta, com o pedido de urgência e dispensa do Regimento, como o fez na outra Camará.
Por G=te motivo o Sr. Pais Gomos voto a essa urgência e dispensa do Regimento.
Alguniiis observações vou porém fazer a esta respeito, em harmonia cora a ati-• tude torcada pelo Partido Republicano Liberal na Câmara dos Depurados. Esta proposta foi aí considerada como uma questão aberta para os Depntaios do Partido Liba_ai; no Senado sê-lo há também para os Senadores do Partido Libei-ai.
Qcanto à urgência da apresentação desta proposta perante o Senado, 2Q tenho pena que o Sr. Ministro da Justiça nas consiiarações que acaba cê fazer não trouxesse ao meu espírito a convicção do que a urgência e dispensa do Regimento concedida pejos Senadores d3síe lado'da Câmara era realmente justificada.
Os factos a que visa realmsato cs.ta lei não suo C3 ontem nem de r.nte-ontein; são de lia dias.
Não 'quero dizer que esses factos não se possuo reproduzir. Os acontecimentos desta ordem, quer no nosso :oaís, quer •nos outros não são facilmente prevísi-vos.
Depois de ter sido aprovada 0=3,1 lei na Câmara dos Deputados atJ a sua apresentação no Senado passaram alguns dias.
Eu cuis há pouco saber quantos dias se tinham passado; não me foi possível sabê-lo", porque a colecção do jornais que eu fui consultar estava incompleta.
O quo é certo, porém, é q.13 pas^atarn alguns, o não poucos, dias.
Sr. Presidente: esta lei é por sua assen-cia dacuaias que o Regimento não par-mite que lhe seja concedida a urgência e dispensa do Regimento. - TÍEI 'artigos muito complicados com matéria neva estranha às normas habituais da lagislação; tem artigos com numerosas citações de leis e decretos, e, por isso, eu que não sou homem d3 leis, não sou. jurisconsulto, sinto-me absolata-mente incompetente para eonsciêneiosa-mente a poder apreciar no s:-u legítimo alcança. Tanto mais, Sr. Presidente, que bem conhecidos os hábitos do Senado cue em geral não demora nas suas comissões exageradai-iente os simples projectos de' . lei. que lhes são apresentados o rnuho me-
Diáric das Sessões flo Senado
nos ainda as propostas de lei, muito mais como esta destinada a marcar orientação-republicana porque então teríamos o cuidado especial, pelo menos a comissão d& legislação civil, que em vinte e quatro-horas teria feito a apreciação dessa "lei, haveria feito o seu relatório que teria apresentado senão quarenta e oito horas depois —pelo menos vinte e quatro horas-e em seguida distribuída para todos tomarem dele cabal conhecimento.
E então, e assim, e só assim, após o exame reflectido e consciencioso das suas-respectivas comissões, o Senado apreciaria o assunto com a serenidade e conhecimento de causa inteiramente imprescindíveis.
Ora tudo isto podcr'a levar o que? Uns quatro, cinco ou seis dias? Certamente,, pois que mais' seria desnecessário. . Seria isto, uma cousa exagerada, quo viesse a prejudicar a ordem pública, ocasionar perturbações, podendo acarretar inconvenientes, para a administração do- . Estado?
Kão creio, Sr. Presidente.
Por isso compreendo, Sr. Presidente,. as declarações do Sr. Pais Gomes.
Lamento que efectivamente esto afan qus levou o Sr. Ministro a pedir ao Se- , nado a urgência e dispensa do Regimento-não seja justificado, pois que da demora aludida de três, quatro até cinco dias,, dado o desenrolar dos factos sociais que-a proposta de lei visa, não poderia acarretar prejuízos ou embaraços apreciáveis do qualquer ordem, e do tal aían só resultaram o imperfeito conhecimento do assunto, a quási leviandade com que ele vai ser apreciado, não obstante a sua alta gravidade..
Tenho dito:
O Sr. Ricardo Pais Gomes:—A aiinha declaração sobre a urgência e dispensa do Eegi mento em nome do Partido Liberal, por não estar nenhum dos seus leaders foi feita sem de forma nenhuma sacrificar a independência e liberdade dos membros desse partido para apreciar essa proposta.
O Sr. Celestino de Almeida acaba de-apoiar a minha resolução.
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•Se ssão de 27 de Abril de 1920
•constitui para o Partido Liberal uma . questão aberta, no entanto devo reconhecer que a proposta é duma alta gravidade por ser uma lei de excepção, não tendo eu elementos pára a poder apreciar. Manifestando-me acerca da proposta, lenho que me basear nas próprias palavras do Sr. Ministro da Justiça, que afirmou que a lei não atingia qualquer escola política ou social, mas apenas um ataque .aos atentados do conhecimento de todos. O oi*ador não reviu.
'O Sr. Jacinto Nunes: — Se o Sr. Ministro da Justiça viesse apresentar nma proposta de lei, com a pena de morte, •contra essas feras, eu votaria, procedendo também assim se viesse pedir a suspensão de garantias para - atirar para África com essas feras. Mas, como fiscal •da Constituição, francamente não posso votar, visto o que marca o n.° 21.° do ar-íigo° 3.° da mesma Constituição.
O Sr. Presidente:—Vai pôr-se à votação, na generalidade, o projecto.
O Sr. Mendes dos Reis : — Requeiro votação nominal.
Foi aprovado.
feita a votação nominal disseram «aprovo» 40 Srs. Senadores e trejeito» ô, sendo, pois, aprovada a proposta por maioria.
Disseram «aprovo» os Srs :
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Alfredo Narciso Marcai Martins Portugal.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Justiniano de Azevedo Gomes.
António Alves de Oliveira:
António Gomes de Sousa Varela
António Maria da Silva Barreto.
António de Oliveira e Castro.
António Vitorino Soares.
António 2£ávier Correia Barreto.
Arnaldo Alberto de Sousa Lobão.
Artur Octávio do Rego Chagas.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
Augusto Vera Cruz.
Bernardino Luís Machado Guimarães.
Bernardo Pais de Almeida.
Constâncio de Oliveira.
Cristóvão Moniz.
César Justino de Lima Alves.
Desidério Augusto Ferro de Beça.
Ernesto Júlio Navarro.
Ezequiel do Soveral Rodrigues.
Francisco Manuel Dias Pereira.
Francisco Vicente Ramos.
Herculano Jorge Galhardo. .Henrique Maria Travassos Valdês.
João Carlos de Melo Barreto.
João Joaquim André de Freitas.
João Namorado de Aguiar.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
Jorge Frederico Velez Caroço.
José Augusto Artur Fernandes Torres.
José Dionísio Carneiro de Sousa e Faro.
José Duarte Dias de Andrade. • José Joaquim Pereira Osório.
J.osé Machado Serpa.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Ramos Preto.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Nicolau Mesquita.
Pedro Virgoíino Ferraz Chaves.
Raimundo Enes Meira.
Ricardo Pais Gomes.
Rodrigo Guerra Alvares Cabral.
Vasco Gonçalves Marques.
Disseram urejeito» os Srs:
. Armando de Freitas Ribeiro de Faria. Celestino Germano Pais de Almeida. Heitor Eugênio de Magalhães Passos. José Jacinto Nunes. José Mendes dos Reis.
O Sr. Presidente:—A próxima sessão é amanhã, 28, à hora regimental, com a mesma ordem do dia. - Está encerrada a sessão. Eram 16 horas.