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REPÚBLICA
PORTUGUESA
IÁRIO DO SENADO
SESSÃO IsT.° 71
EM 4 DE MAIO DE 1920
Presidência do Ei.IDO Sr. António Xavier Correia Barreto
Secretários os Ex',mos Srs,
(José Mendes dos Reis
j Luís Inoccnclo Ramos Pereira
Sumário. — Aberta a sessão com a presença de 24 Srs. Senadores, leu-se a acta que foi aprovada, 'sem reclamação e deu-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia.— O Sr. Varela refere-se ao abandono, na doca de Santos, de material de aviação que está por despachar.
Ordem do dia.—Verifica-se a interpelação anunciada pelo Sr. Júlio Ribeiro, respondendo o Sr. Ministro da Instrução (Vasco Boryes).
O Sr. Pereira Osório propõe que na acta seja exarado um voto de sentimento pela morte do pai do Sr. genaral, No-rton de Matos, o que foi aprovado, tendo-se associado os Srs. Presidente do Ministério (António Maria Baptista), Lima Alves, Pais G-omes, Vicente Ramos e Bernardino Machado.
Foi seguidamente encerrada a sessão.
Presentes à chamada os Srs.:
Afonso Henriques do Prado Castro e .Lemos.
Alfredo Narciso Marcai Martins Portugal.
António Alves de Oliveira.
António Gomes de Sousa Varela.
António de Oliveira e Castro.
António Xavier Correia Barreto.
Armindo de Freitas Èibeiro de Faria.
Augusto Casimiro Alves Monteiro. . César Justino de Lima Alves.
Ezequiel do Soveral Eodrigues.
Francisco Vicente Eamos. . Henrique Maria Travassos Valdês.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
Jorge Frederico Velez Caroço.
José Dionísio Carneiro de Sousa e Faro.
José Duarte Dias de Andrade.
José Joaquim Pereira Osório.
José Mendes dos Eeis.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Luís Inscêncio Eamos Pereira.
Nicolau Mesquita.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Eicardo Pais Gomes.
Vasco Gonçalves Marques.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Abel Hipólito. António Eodrigues Gaspar. Amaro Justiniano de Azevedo Gomes. António Augusto Teixeira. António Maria Baptista. António Maria da Silva Barreto. António Vitorino Soares. Artur Octávio do Eêgo Chagas. Augusto'Vera Cruz. Bernardino Luís Machado Guimarães. Bernardo Pais de Almeida. Constâncio de Oliveira. Cristóvão Moniz.
Desidério Augusto Ferro de Beça. Heitor Eugênio de Magalhães Passos. João Joaquim André de Freitas. José Augusto Artur Fernandes Torres. José Jacinto Nunes. José Machado Serpa. José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
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Diário das Sessões do Senado
Pedro Amaral de Boto Machado. Rodrigo Guerra Alvares Cabrel.
Srs. Senadores que não compareceram:
Abílio de Lobão S o eiró.
Alberto Carlos da Silveira.
Alfredo Augusto da Silve. Pires.
Arnaldo Alberto de Sousa Lobão.
Augusto César de Vasconcelos Correia.
Celestino Germano Pais de Almeida.
Ernesto Júlio Navarro.
Francisco Manuel Dias Pereira.
Herculano Jorge Galhardo.
João Carlos de Melo Barreto.
João Xamorado de Aguiar.
Joaquim Celprico Palma.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Xanes do Nascimento.
José Ramos Preto.
Júlio Ernesto de Lima Duque.
Manuel Augusto Martins.
Manuel Gaspar de Lemos.
Pedro Alfredo de Morais Rosa.
Raimundo Enes Meira,
Rodrigo Alfredo Pereira de Castro.
Silvério da Rocha e Cunha.
To reato Luís de Magalhães. .
Pelas 13 horas o Sr. Presidente manda proceder à chamada. Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: —Estão presentes 24 Srs. Senadores. Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta. Leu-se.
O Sr, Presidente : =— Está em cHsccs-são. Pausa.
O Sr. Presidente: — Como nenhum Sr. Senador pede a palavra, considerasse aprovada.
Vai ler-se o
Expediente
Ofícios .
Do Ministério' da Justiça, satisfazendo o requerimento do Sr. Júlio Ribeiro. Para o interessado.
Do Ministério da Marinha, enviando vários documentos para satisfazer o requerimento do Sr. Francisco Vicente Ramos.
Para. o interessado,
Do Ministério das Colónias, enviando os documentos pedidos pelo Sr. Mendes dos Reis.
Para o interessado.
Telegrama
Gouveia, 30 de Abril. —Vida agrícola, industrial este concelho está sofrendo gravíssima crise falte braços, devido larga e intensa emigração que dia a dia vai num crescente assustador, e a continuar assim teremos em breve. terrenos por cultivar e fábricas em completa paralisação, comissão minha presidência sentindo toda a enormidade deste mal vem perante V. Ex.a pedir providências fim pôr cobro perigosa emigração, que a todos nós lançará num futuro próximo na 'maior miséria e desgraça.— Presidente Comissão Executiva Câmara, António Pires.
Para a Secretaria.
Pedidos da licença
O Sr. Manuel Gaspar de Lemos podiu 15 dias de licença para se ausentar dos trabalhos parlamentares.
Para a comissão de infracções è faltas.
O Sr. Raimundo Meira .pediu autorização à Câmara para faltar às sessões no& dks 4 a 7 do corrente.
Para a comissão de infracções e faltas.
Requerimento
Requeira que, pelo Ministério das Colónias, seja posto à minha disposição para consulta o processo respeitante às indemnizações mandadas-pagar aã tarefeiro Venâncio Guimarães 3 outros do caminho de ferro de Mpssâmedô.s, — Al/rodo Rodrigues Gaapar,'
Mano'tou^se expedir.
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Sessão d& 4 de Maio de 1920
encarregado de .comprar material para a nossa aviação, comissão de que se desem-.penhou, e quê esse" material se encontra na doca de Alcântara.
Pedia a V. Ex.a,. Sr. Presidente, para transmitir estas minhas considerações ao Sr.. Ministro da|Guerra, a fim de que esse material seja enviado ao seu destino, ou que se diga a razão porque não foi despachado.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Comunicarei ao Sr. Ministro da Guerra, as considerações de V. Ex.a
Vou dar a palavra ao Sr*.Júlio Ribeiro para realizar a sua interpelação ao Sr. Ministro da Instrução.
Tem S. Ex.a a palavra.
ORDEM DO DIA
O SrT Júlio Ribeiro : — Sr. Presidente: permita-me a Câmara que as-minhas primeiras palavras de hoje sejam de cumprimento ao Sr. Ministro ,dâ, Instrução Pública. E quej interpretando o sentir dos eleitores, que este lugar me destina* ram, em grande parte os mesmos que S. Ex.a representa na Câmara dos Deputados, eu lhe preste .as homenagens da minha alta consideração e simpatia pessoal, não só pêlo esforço que tem empregado a favor dos interesses dos povos da Beira, cotnô também pelo muito que admiro a sua invulgar figura de político já em destaque, sendo uma afirmação incontestável a certeza de que à Pátria e à República prestará relevantes serviços.
Um facto significativo do valor de S. Ex.a —que'sendo um juiz de direito, e tendo,já em duas situações exercido o cargo "de governador civil, e noutras duas a de' chefe de gabinete dum Presidente de Ministério — é o de Hão ter,sido combatido pessoalmente quando da organização deste Ministério. Na formação do actual Governo, tendo surpreendido toda a gente, inclusive os correligionários, foram os Ministros apreciados beta desa* gradávelmente.
Pois ao Sr. Vasco Borges apenas se apontava como defeito o'ser muito novo. Mas a isso pode S. Ex.a responder — já noutra tribuna o disse — como o bispo acusado do mesma crime: ;é esse um
defeito dê que, infelizmente, me irei corrigindo todos os dias! ...
Sr. Presidente: tendo lugar nesta Câmara, e lugar de destaque, distintos professores, habilíssimos pedagogos e insignes pedagogistas, entre estes o primeiro pedagogistas português, o Sr. Bernardino Machado, parecerá estranho que eu seja hoje aqui interpelante em assuntos d© instrução e educação.
Tranquilizem-se, porém, os meus ilustres colegas, que não vou propor problemas de ensino, educativos ou de arte, mas tam somente revelar o que num simples relance fortuito observamos claramente em todos os defeitos, em todas as incorrecções e em todos os inconvenientes. Refiro-me, Sr. Presidente, aos livros de ensino adoptados nos estabelecimentos de instrução secundária.
Emquanto em toda a parte se esforçam-, se apuram, se esmeram por aperfeiçoar esses mestres mudos, no dizer do nosso clássico, amenizando o estudo, simplificando as definições, dando exemplos de fácil intuição e apresentando até as edições graficamente atraentes, aqui, em Portugal, editam-se e aprovam-se livros imperfeitíssimos, incompletos, um verdadeiro horror e uma vergonha. (Apoiados). Além disso, custando uma exorbitância, tam exageradamonte caros que a instrução, entre nós, quási que principia a ser apenas apanágio da plutocracia, principalmente se adicionarmos ao preço elevadíssimos dos compêndios as taxas para a matrícula nos liceus,, ou para poderem fazer exames como externos. (Apoiados). Realmente, muitos dos livros adoptados em instrução secundária, são péssimos. Mal impressos, mal orientados, em ordi-n?rí§simo papel e até com erros tipográficos, parece que os seus autores ignoram que os primeiros se destinam a crianças de 11 anos!
Emfim, há até livros aprovados em quo não é empregada a ortografia oficial e em desarmonia com o programa.
Uns ligeiros exemplos, concretizando defeitos, serão mais do que suficientes para todos ficarmos convencidos da necessidade de abrir concurso para novos compêndios, e de sermos escrupulosíssi-mos na sua aprovação.
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Diário das Sessões do Senado
çar com compasso e régua a, figura geométrica indicada no compêndio. Por mais esforces e repetições que fisesse não havia meio de reproduzir o desenho, até que, choramingando, abandonava o estudo por não saber nem compreender o que estudava.
Assistindo, por acaso, a este episódio, decidi-ma a ensinar-lhe a fazer a íigura, acompanhando-a no descrever do traçado. Erreia-a também! j Observando, vi que as letras -cue marcavam a figura estavam erradas!
Como esta, quantas crianças terão dado cabo das cabecitas estudando essas figuras erradas. (Apoiados).
£ Querem • sgora apreciar, Y. Ex.a, Sr. Presidente, e a Câmara, um trecão de gramática adoptado na l.a classe?
Eu leio:
«Dos tempos compostos, há uns que têm a denominação de anteriores, porque envolvem a idea de anterioridade ein relação ao q;ie exprime o tempo simples, e outro a denominação de indefinido, porque a sua significação é mais vaga e menos determinada do que a dos respecti-' vos simples». (Risos).
i Isto para crianças de 11 anos!
Gostaria de ver como o autor desta quási gongórica explicação a faria compreender aos alunos.
Outra explicação dum livro de botânica, aliás de autor consagrado:
«Todos têm visto as nossas árvores de fruto— a pereira, a cerejeira, a macieira— cobertas de flores, do interior de cada uma das quais sai ao depois uma pêra, uma cereja', uma maçã».
i;<í de='de' ou='ou' ilustre='ilustre' risos.='risos.' capaz='capaz' aí='aí' árvore='árvore' o='o' p='p' dizer='dizer' segundo='segundo' se='se' professor='professor' esta='esta' fruto='fruto' me='me' flor='flor' há='há' sai='sai' explicação='explicação' da='da' algum='algum'>
E caso para fundas meditações, porque eu supunha que se tratava duma transformação.
Podia ler à Câmara outras interessantes passagens de livros de estudo sc-cun-dário., mas não me quero tornar fastidioso»
Estes bastam para poder resumir em breves palavras as minhas considerações :
a) Os livros são caríssimos, dificultando por isso a instrução aos que não^são ricos:
J) Há-livros onde se emprega a antiga ortografia, tendo nós ortografia oficial;
c) Temos livros incompreensíveis, quá-sí gongóricos; •
d) Uin compêndio, pelo menos, tem as figuras geométricas erradas.
Pode isto continuar ?! Não.
Por certo o ilustre Ministro da Instrução vai providenciar de forma a serein adoptados livros bem feitos e próprios para crianças. Fazendo-o terá prestado um enorme e benéfico serviço à instrução. Confio em S. Ex,a
E /termino a primeira parte da minha interpelação, relembrando as expressões do velho mestre e grande filósofo:
— Corrijam-se os compêndios de estudo, que corrigir um livro é como que o espevita:: a luz dum candil.. . E como que dissipássemos as manchas do sol que nos ilumina.
Sr. Presidente: entrando agora na segunda parte da minha interpelação que mais propriamente deveria chamar petição— visto que de S. Ex.a o Ministro apenas imploro que lance os olhos piedosos para as anomalias que aponto — prometo ser breve e não furtar muito tempo à Câmara.
Eu teaho, Sr. Presidente, um sincero e verdadeiro culto por todas as manifestações de arte, quer essa arte seja a que nos enleva o espírito na harmonia sublime que a combinação dos sons diviniza — a musica; a arte que revive num pedaço de tela a Natureza imensa em todas as nuances coloridas e luminosas -do céu, da terra e do mar — a pintura; a arte que dá expressão e vida a um pedaço de pedra tosca, dando-nos a ilusão de que vê, ouve. sente e palpita—a escultura; ou seja, finalmente, a arte que reproduz na rampa e à luz da ribalta a vida em'todas as suas manifestações de ódio e amor, de felicidade e desdita—o teatro. (Apoiados}.
E porque assim é, vend^ na arte a mais bela e perfeita concepção da alma humana, reputo um crime para todo o homem culto apoucar o sentimento da Arte, crime que toma as proporções do sacrilégio, se é perpetrado por algum dos seus sacerdotes. .
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-corresponde ao fim que lhe incumbe, quero pedir ao Sr. Ministro algumas explicações elucidativas.
Esta minha opinião, Sr. Presidente, que, ao divulgá-la, encontrou um artificioso clamor de indignação principia já a ser reforçada por críticos de arte, que p'areciam imersos no letargo da indiferença, ou da cobardia moral e agora sentem talvez renascer a consciência.
Hoje quando vinha para esta Câmara, chamaram-me a atenção para estas verdades insertas no Século:
«O Teatro Nacional, porém, afastou-se, infelizmente, da missão que lhe foi traçada pelos seus fundadores e se Grarrett, cujo nome usa, embora nem sempre o glorifique, ressuscitasse e visse como por vezes, se tem profanado a sua casa, decerto sucumbiria de novo ao peso de amargura produzida pela industrialização sem es-.crápulos de uma arte, que amou, e serviu em toda a sua beleza.
Na verdade, o Teatro Nacianal não mantêm, como cumpria, um repertório clássico e moderno à altura dos fins para que foi instituído, nem uma companhia organizada •em condições de poder interpretar as obras primas da literatura dramática, portuguesa e estrangeira representáveis, por forma que o considerássemos escola e padrão e, ao mesmo tempo, estímulo e prémio para autores e intérpretes».
Faço minhas estas palavras porque representam factos indesmentíveis e me evitam longas divagações, limitando-me a afirmar que só uma completa remodelação naquele organismo oficial, remunerando bem os artistas para não terem de ir procurar recursos a outros teatros de ordem inferior, poderia fazer reviver os tempos gloriosos do Teatro de D. Maria.
E, agora, permita-me, Sr. Presidente, que, com a lei na mão, formule algumas interrogações.
^ Tom-se cumprido o artigo 32.° do decreto de 10 de Maio de 1919, que manda organizar no Teatro Nacional um repor-torio de fundo, constituído pelas mais notáveis peças do teatro português contemporâneo e pelas obras primas do teatro dos séculos xvi a xvm, sendo a indicação destas últimas feitas pela classe de letras da -Academia das Sciências de Lisboa, e a sua adaptação confiada aos auto-
res dramáticos portugueses de maior consagração?
<_ p='p' indicadas='indicadas' classe='classe' as='as' quais='quais' citada='citada' pela='pela' _='_' peças='peças'>
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Nem sempre, Sr. Presidente, - porque ainda há pouco ali se representou uma peça imprópria daquela escola, que erar nem mais nem menos do que o Moulin Rouge, visto por uma ... fechadura.
Ora isto é que não se deve repetir para honra da arte de representar da nossa terra.
Sejam quais íorem as respostas do ilustre Ministro, para dois casos importantes quero ainda chamar a atenção de S. Ex.a
Chega-me a notícia de que no Teatro Nacional se vai pôr em scena uma peça intitulada Camões, tendo como protogo-nista, como é natural, o vulto imortal, lendário, divino e inteatrializável do autor dos Lusíadas, príncipe dos poetas em Portugal.
Não pode ser! Seria um sacrilégio, porque não há em Portugal um artista suficientemente grande, capaz de compreender, personificar,- sentir e interpretar a colossal e quási sobreumana figura que se idealiza através desse poema épico, que encheu a Pátria com o seu nome e todo o mundo com a harmonia ressoante das suas estrofes de ouro e geniais.
l Não, não, Sr. Presidente. É necessário que nesta terra, como se faz lá fora, haja o verdadeiro culto pelas figuras máximas da História, não as deixando apoucar nem amesquinhar.
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Nem na Itália, onde a dramaturgia é a mais bela e perfeita de todo o mundo.
Quando há anos, em Paris, sê representou a peça Cyrano de Bsrgerac, apesar de ser interpretada psío primeiro actor de França, .para darem à figura de Cyrano toda a expressão do verdade de forma a não ser apoucada, toda a imprensa reclamou, . e foi atendida, que se recorresse a Novelli, indo realmente este' artista italiano fazer o papel,
Todavia, Sr. Presidente, Cyrano está muito e muito longe de Camõ3s, tanto que Teophile Gautier o incluiu nos seus grotescos.
Deixera-nos, pois, viver embalados na doce e sublime idea que endeusa Camões. (Apoiados].
Tam alto o culminamos no Pensamento, que o niio queremos ver baixar às vulgares proporções humanas que um come- \ diante, embora de talento, possa, comportar no palco.
j Para representar Camões só um génio de artista equivalente àquele génio !...
O outro caso, Sr. Presidente, é o da falada ida ao Brasil, em tournée oficial, da companhia do Teatro Nacional.
Será um facto?
£ Que artistas formarão esse elenco oficial ? Limito a estas duas interrogações os meus reparos, certo de que o ilustre Ministro da Instrução Pública, espírito culto e inteligente, se se efectivar este projecto, se há-de esforçar para que naquelas paragens queridas, onde batem inaitos corações de amor e saudade por Portugal, se não possa ficar com a impressão de que a sensitividade moral e afectiva da alma da nossa raça, a mais delicada e subtil em todos os povos, caracterizada acen-tuadaiaente por um animismo e roman-cismo só nosso, está por cá embotada ou enfraquecida na transformação grosseira duma insensibilidade aviltante e deprimente que nos inferiorize o sentimento e a precepçâlo da Arte e do Belo. Disse. (Apoiados). O orador foi muito cumprimentado. O Sr. Ministro da Instrução Pública (Vasco Borges) : —Em primeiro lugar devo agradecer as palavras elogiosas e li- Diârto das Sessões do Senado sonjeÍT£.s do Sr. Júlio Eibeiro, que eu não posso deixar de tomar à conta de-favores devido a muita benevolência de S. Ex.a, & aos laços de muita amizade, que nos une,. o que muito me desvanece por virem de alguém, que a todos se impõe pela sua inteligência, .pelas suas qualidades de carácter, o ainda pelo seu republicanismo. Como a interpelação, que S. Ex.a anunciou, se dividiu em duas partes, e S. Ex.*-encetou as suas considerações referindo--se à questão dos livros, adoptados na curso dos liceus, será a esta parte que-eu, em primeiro lugar, procurarei responder. S. Ex.a aponton realmente casos concretos que lhe dão uma certa razão. Não obstante eu quero crer que, considerado em absoluto, o conteúdo de todos os livros adoptados nos liceus não darão inteiramente razão a S. Ex.a Não posso efectivamente acreditar que-todos os livros adoptados nos liceus sejam, do teor daqueles apontados por S. Ex.a O Sr. Pereira Osório: — São criminosos. O Orador: — O Sr. Júlio Ribeiro fez várias considerações, e eu lá chegarei a. este aspecto da questão. Os casos concretos a que se referiram. as considerações de S. Èx.a quero, pois,, creí que sejam excepções? e até que constituam factos raros. Pelo que respeita ao preço dos livros adoptados nos liceus, é evidente que eles têm de sofrer aquele aumento que tudo sofreu. Parece-me, todavia, poder afirmar, que-03 livros adoptados nos liceus não são dos mais caros. Tudo quanto é trabalho dejmprensa sofreu um aumento muito grande em virtude do aumento do custo do papel e da mão de obra, que podem considerar-se verdadeiramente extraordinários. Não é, portanto, possível que os livros-custem quantias módicas.
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Ficaria apenas a encarecer os livros a mão de obra e o papel e não os lucros, que os autores procuram obter pelo trabalho de os escreverem. Isto seria talvez um alvitre de aceitar e pôr em execução se se não desse a circunstância de o.Estado não estar em circunstâncias de assumir maiores encargos, e'ainda se se não desse a circunstância, que entendo ser de ponderar, de não ter o Estado, em relação ao ensino dog liceus, as mesmas obrigações que tem em relação ao ensino primário.
jiiste deve ser gratuito, pelo que respeita à-sua ministração, e o mais barato e módico possível quanto aos livros a adquirir.
O Sr. Desidério Beça:—Há uma anomalia constante entre as disposições dos regulamentos e o que se pratica. Os regulamentos dizem que o ensino deve ser leito por quadros e não por livros; no entanto nunca houve adoptados tam grande número de livros que as crianças não compreendem.
Ó Orador: —Na instrução primária ao passo que o ensino deve ser barato, os elementos de estudo devem ser o mais módico possível, sendo ao mesmo tempo os mais práticos e mais claros e que impliquem para os alunos o menor esforço.
O Sr. Desidério Beça: — Mas (. isso o que não se dá actualmente.
O Orador: — A instrução técnica, sobretudo a instrução técnica média, pertence ao Estado ministrá-la directamente, e por elementos que resultem também o mais barato possível para o estudante.
O mesmo não sucede com o ensino secundário, porque se o Estado tem o maior interesse em que a instrução primária, e o ensino técnico sejam aproveitados pelo maior número de cidadãos, visto serem os indivíduos saídos dessas escolas que pelos seus conhecimentos po-deni trabalhar pelo ressurgimento económico do país, com a instrução secundária não se dá o rne.smo porque, em regra, tal ensino produz apenas diplomados de via reduzida, permitam-me o termo, sem competência para cousa alguma, a não ser para burocratas destinados a pejar as repartições públicas. •
O Estado o" que precisa é de indivíduos que possam concorrer para melhorar a sua vida económica, e contribuir para o ressurgimento tam necessário da nossa vida económica quer industrial, quer comercial.
Já vê V. Ex.a, que o problema da instrução- secundária não tem o mesmo interesse e a mesma importância que tem o ensino primário e o ensino técnico.
Por isso não é de estranhar, que ao Estado interesse menos que os livros da instrução secundária sejam um pouco mais caros.
Agora pelo que respeita à qualidade dos livros, devo dizer que nos liceus só se adoptam livros, que forem aprovados por uma comissão, encarregada de adoptar os livros.para o ensino dos liceus. Esses livros tinham a validade de adopção de 6 anos. Devo dizer que esses 6 anos já há muito tempo decorreram, mas sucessivos despachos ministeriais têm mantido a sua adopção. "
Paralelamente aos livros adoptados em concurso, existem Outros adoptados por efeito duma tradição.
Efectivamente, livros há que, depois de muito tempo adoptcidos nos liceus e por convirern às necessidades do ensino; têm sido mantidos por despachos ministeriais.
Devo além disso dizer à Câmara, que a razão de se manterem livros cujo prazo de G anos de adopção já decorreu, é não terem aparecido outros.
Quer dizer, adopta-se o que oficialmente-está adoptado, sem ter havido possibilidade de substituir esses livros por outros, e por outros não terem sido apresentados. Todavia, e creio que assim satisfarei dalguma forma as reclamações do Sr. Júlio Eibeiro, posso informar S. Ex.a de que muito proximamente vai ser aberto concurso para a adopção de novos livros, sendo, portanto, a ocasião dessa comissão, composta de professores e pedagogos, escolher novos livros de harmonia com o seu valor pedagógico. E será também nesse momento a ocasião de obviar aos inconvenientes apresentados pelo Sr. Pereira Osório no que respeita aos professores adoptarem este ou aquele livro.
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iDiàrio da» Sessões do tienado
escolhidos e adoptados.' Nenhum professor, creio eúr exigirá que os seus íilunos estudem por livros que o Estado nílo conheça, facto esse que efectivamente "seria inconvenientíssimo para o ensino.
Creic ter respondido à par Pelo que diz respeito ao Toatro Nacional ou, para melhor dizer, à velha questão do Teatro Nacional, na vida desse teatro teci havido efectivamente incidentes vários, alguns na verdade despresti-giosos para essa casa de arte. Algnmts épocas felizes, algamas fases brilhantes teve no, emtanto, LI cha:.nadu casa de Gurrett; e eu ainda conheci u:m, delas, & época que foi até 1399, e q.ue ainda pede considerar-se de certo brilho e de certc prestígio para a arte nacional • Refiro-me à empresa de Rosa e Brasão, que lá fez arte emquanto esteve no Teatro Nacional. Desde então para cá, de cads. vez mais se tem acentuado a "decadência (ia nossa arte de representar. Vários feetores têm concorrido para isso. A preferência dada pelo público aos espectáculos de hilaridade, a própria decadência dos elementos artísticos de valor de que outrora se dispunha e que Loje, salvo gloriosas excepções, }í Cjiiási não existem, tom concorrido para que o Teatro Nacional não esteja nas condições que era para desejar. Para remediar uma tal situação, lutamos, já não digo com uma questão complexa, mas com uma questão difícil: arte, arte, só- arte, fazendo do Teatro Nacional uma verdadeira escola, um autêntico templo de arte, ou deixar correr o que se está fazendo, procurando aponas que essa casa mantenha a compostura possível dentro do actual modo de s-ar. É ôsíe o dilema. Para a primeira hipótese, seria preciso que o Eitado- tomasse o Teatro Nacional a seu cargo," que o subsidiasse coni a respectiva verba inscrita no Orçamento. Então o Estado poderia exigir que no Teatro Nacional só se representassem determinadas obras, por exempio, só de autores portugueses; só consentiria qi\e lá representassem elementos competentes: enfim, interferiria em todos os assunto.1? dá vida do teatro. ^Mas encontra-se o Estado em condições 'de lazer arte nesses moldes ? Creio que não, e essa seria a razão que o levou a estabelecer uma espécie de regime mixto. O Estada não deixa do poder intervir na vida do. teatro, é certo,, mas não concorrendo com quantia alguma, recusando-se a fazer qualquer despesa, a sua intervenção não pode deixar de ser, como ó, absolutamente precária. Entregue deste modo o teatro à exploração da sociedade artística a que íoi cedido, esta tem de industrializar a sua exploração, porque, caso contrário, os artistas que lá estão ver-se-iam na contingência de acabar na inanição. E este afinal um regime intermédio entre a exploração subsidiada pelo Estado e o regime om que o Estado entregasse o teatro a uma empresa particular que o exploraria em certas condições, ou até sem condições. Isto seria provavelmente mais de lamentar do que o que lá existe. Se o Estado não pods subsidiar o teatro, se os seus recursos não comportam essa possibilidade, para que nele se faça exclusivamente arte, não atendendo senão aos interesses artísticos e não querendo, por outro lado, deixar que o Teatro. Nacional chegue a maior estado de decadência, entregando-o a uma empresa particular, com condições ou sem condições, o melhor regime a adoptar ainda é o da concessão a uma sociedade de artistas, que tamb&m tem encargos artísticos. Disse S. Ex,a que. todavia, a sociedade não tem cumprido os sens eneargqs artísticos, invocando, .para eomprová-lo, a falta do disposto no artigo 29<_ p='p' lei='lei' teatro.='teatro.' orgânica='orgânica' do='do' da='da' _-='_-'> Devo dizer a S. Ex.a que por emquanto é cedo para afirma ío, porquanto o não permite a altura da épeca teatral em que nos encontramos, Daqai até o seu final há ainda tempo da sociedade artística fazer representar o número de originais portugueses a que é obrigada. Pelo que respeita ao artigo 32.°, dentro do repertório do teatro existem peças do nosso teatro clássico. Se não se representam mais vezes, e tantas quantas seria de desejar, é porque com isso sofreria graves prejuízos a exploração do tea^ tro.
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Seaasão de 4 de Maio de 1980
tro seja uma escola da língua portuguesa. Não me consta que nas representações se haja cometido atropelos da língua portuguesa. Podem as traduções não ser feitas pelos nossos melhores puristas, que a outros assuntos preferem dedicar o seu labor, mas nem por isso se pode dizer querelas tenham sido feitas por quem desconheça a língua em que escreve.
Uma reforma do Teatro Nacional, em melhores bases, mais harmónica com os interesses da arte, acho-a inviável no actual momento. A verdade, porém, ó que vários factores tom concorrido, ou contribuído para a decadência dp Teatro Nacional, sendo certo, que um deles ó, incontestavelmente a falta de gosto artístico do nosso público.
Não tenho ainda conhecimento da representação da peça Camões. Mas, desde já declaro, que .discordo um pouco das considerações", a este respeito prestadas pelo Sr. Senador, pois que algumas das nossas figuras mais célebres na História têm sido e poderão ser interpretadas por artistas como Brasão, do molde a satisfazer o público e honrar a História Pátria.
Camões, a nossa grande figura épica, por ter sido posta em teatro, em nada foi por osso facto diminuída.
O mesmo tem sucedido com outras figuras históricas. x
Em França, onde nem o patriotismo, - nem a arte são palavras vãs, quási todas as grandes figuras da sua história, desde Luís XI até Napoleão, desde Richelieu até Robespierre, têm passado pela scena francesa, interpretadas por artistas franceses.
Quanto à ida da companhia do Teatro
Nacional ao Brasil, devo dizer à C.âmara
que pode não haver inconveniente em que
ela lá vá mostrar o que é a nossa arte de
"representar.
Tudo dep.ende da composição do elenco e do seu repertório. Temos ainda hoje um grupo de artistas, que pode dignamente levar a representação da nossa arte dramática, ao Brasil. Mas, repito, tudo depende da composição do elenco, do re-portório e do cuidado da mise-en-scène. A responsabilidade, porém, desses factos deve atribuir-se ao comissário do Governo junto do teatro, que oportunamente deverá dar contas do sucesso ou insucesso dessa tournée artística ao Brasil.
E possível que, nessa altura, não esteja neste lugar, mas confio em que, o meu sucessor, exija do referido funcionário as respectivas responsabilidade».
Mas tenho esperança de que tudo corra lisonjeiramente para a nossa arte, e para o bom nome do nosso país. (Apoiados),
Tenho dito,
c
Vozes;—Muito bem.
O orador não reviu. ' . •
O Sr. Jacinto Nunes:—Pedi a palavra para quando estivessem presentes os Srs. Ministros da Justiça, Agricultura ou do Interior.
Eu anunciei parêce-me uma interpelação ao Sr. Ministro do Interior acerca duma circular expedida pelo Ministério do Interior, comunicando às autoridades administrativas que quem continuava a conceder licenças a estabelecimentos insalubres, eram os governadores civis, e que, não só as licenças para estabelecimentos onde existam artigos perigosos, continuaria a pertencer aos administradores de concelho mas ainda que as licenças de estabelecimentos insalubres, incómodos e perigos°os continuam a pertencer aos administradores dos concelhos.
. A circular que tenho na mão, baixou do governo civil de "Lisboa.
Não sei se o Sr. Ministro do Interior já se deu por habilitado a responder à minha interpelação'.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente dp Ministério e Ministro do Interior (António Maria Baptista):— Eu recebi há cinco, seis ou sete dias um ofício da Mesa do Senado informando-me de que o Sr. Jacinto Nunes me desejava interpelar sobre o assunto. ^
Sei tíimbêm que S. Ex.a já tinha mandado outras notas de interpelação a mais dois Srs. Ministros, meus antecessores.
Imediatamente mandei responder, dizendo- que me considerava habilitado a responder ao Sr. Jacinto Nunes. (Apoiados).
O orador não reviu.
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Diário das Sessões do Senado
O Sr. Lima Alves:—Sr.Presidente: pedi a palavra para solicitar de V. Ex.a que Insto j unto do Sr. Ministro da Agricultura pela remessa dos documentos que há tempos pedi por esse Ministério, e ciada lambem para preguntar, se S. Ex.a já se deu por habilitado a responder à minha interpelação sobre o regime de panificação e moagem.
~ O Sr. Pereira Osório:—Sr. Presidente: pedi a palavra para propor um voto de sentimento, pela morte do pai do grande republicano, homem a queic a República tanto deve, sobretudo no período da guerra, que é Norton de Matos. (Apoiados^.
O Sr. Lima Alves:—:Sr. Presidente: em nome do Grupo de Reconstitulção Nacional, associo-me ao voto de sentimento que acaba de ser proposto pelo Sr. Pereira Osório.
O Sr. Presidente do Mimstério e Ministro do Interior (António fiaria Baptista):— Sr. Presidente: em nome do Go-vêrno, não posso deixar de rne associar à homenagem de sentimento que acaba de ser proposta pelo falecimoVo do pai do grande republicano, e disiuito militar o Sr. Norton de Matos.
S. Ex.a merece a consideração de todos os honeins de bem, e de todos os bons republicanos.
Os seus serviços à Pátria são tam destacados que é escusado rememorá-los.
Foi ele que conseguiu reorgítaizar o nosso exército, por forma a poder bater-se ao lado dos exércitos aliados.
Por aqui se vê quantos desgostos esse homem teria sofrido para realizar esse grande esíôrço.
O ilustre extinto foi um distintíssimo cavalheiro, e por isso bem merece a consideração que acaba de lhe ser prestada e à qual o Governo se associa, com todo o sentimento. (Apoiados).
Vozes:—Muito bem.
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O Sr. Bernardino Machado :—Sr. Presidente :: pedi a palavra para declarar que me associo de todo o coração, ao voto de sentimento prçposto pelo nosso ilustre colega Sr., Pereira Osório.,
O luto de Norton de Matos, que ó uma das grandes individualidades da República (Apoiados), é incontestavelmente o luto não só da sua família, mas a de toda a família portuguesa.
O Sr. Pais Gomes:—Sr. Presidente: em nome do Partido Republicano Liberal, associo-me ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Pereira Osório.
O Sr. Vicente Ramos:—Em nome dos Senadores independentes, associo-me ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Pereira Osório.
O Sr. Presidente:—Em vista da manifestação da Câmara, considero aprovada a proposta do Sr. Pereira Osório.
A próxima sessão ó na quinta-feira 6, à hora regimental, sem ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.