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REPÚBLICA

PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

nsr.°

EM 27 DE ABRIL DE 1921

Presidência do Ex,mo Sr, António Xavier Correia Barreto

Secretários os Ex.mos Srs.

Sumário. — Chamada e abertura da sessão leitura e aprovação da acta. Dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. —O Sr. Alberto da Silveira fala sobre pensões aos mutilados da guerra.

Responde o Sr. Presidente do Ministério (Ber-nardino Machado).

Sobre o mesmo assunto usa também da palavra o Sr. Ministro da Guerra (Álvaro de Castro).

O Sr. Alvares Cabral envia para a Mesa um projecto de lei.

O Sr. Lobo Alves trata, em negócio urgente, da crise dos vinhos, terminando por enviar para a Mesa uma proposta, pedindo para ela urgência e dispensa do Regimento.

É aprovada a proposta, sem discussão.

O Sr. Presidente nomeia a comissão a que a proposta se referia.

O Sr. Pais Gomes faz considerações sobre o que seja segredo profissional, enviando para a Mesa um projecto de lei nesse sentido, para o qual pede urgência e dispensa do Regimento, o que é aprovado.

O Sr. Lima Alves faz considerações sobre a carência de produtos farmacêuticos e deficiências hospitalares.

Responde o Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Jacinto Nunes faz considerações sobre o. conflito de pescarias em Tânger e sobre os pasquins afixados ameaçando de morte os monárquicos.

Responde o Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Pereira Osório f aí considerações sobre o Museu de Arte Sacra, de Coimbra.

Responde o Sr. Presidente de Ministério.

O Sr. Lobo Alves faz considerações sobre os Hospitais Civis.

Ordem do dia. — Continua em discussão a proposta de lei n.° 826.

Usam da palavra os Srs. Cristóvão Moniz, Júlio Ribeiro, Constando de Oliveira, Celestino de Almeida, Oliveira Santos, Jacinto Nunes, Sena Alves e o Presidente do Ministério.

É aprovada a proposta de lei.

O Sr. Presidente encerra a sessão.

Luís inocêncio Ramos Pereira Joaquim Pereira Gii de Matos

Presentes à chamada os Srs. :

Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.

Alberto Carlos da Silveira. Amaro Justiniano de Azevedo Gomes. António Alves de Oliveira. António Gomes de Sousa Varela. António Maria da Silva Barreto. António Vitorino Soares. António Xavier Correia Barreto. Armindo de Freitas Eibeiro de Faria. Artur Octávio do Kêgo Chagas., César Justino de Lima Alves. Ernesto Júlio Navarro. Ezequiel do Soveral Rodrigues. Francisco Martins de Oliveira Santos. Francisco Vicente Ramos. Henrique Maria Travassos Valdês. Herculano Jorge Galhardo. Joaquim Pereira Gil de Matos. Jorge Frederico Velez Caroço. José Duarte Dias de Andrade. José Jacinto Nunes. José Machado Serpa. José Mendes dos Reis. Júlio Augusto Ribeiro da Silva. Luís Inocêncio Ramos Pereira. Pedro Virgolino Ferraz Chaves. Raimundo Enes Meira. Ricardo Pais Gomes. Rodrigo Guerra Alvares Cabral.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Abel Hipólito.

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Diário MIS Sessões do Senado

Alfredo Narciso Marcai Martins Portugal.

Augusto. Lobo Alves.

Bernardino Luís Machado Guimarães.

Bernardo Pais de Almeida.

Celestino Germano Pais de Almeida.

Constando de Oliveira.

Cristóvão Moniz.

João Carlos de Melo Barreto.

João Joaquim André de Freitas.

José Dionísio Carneiro de Sousa e Faro.

Sr s. Senadores que não compareceram : •

Alfredo Rodrigues Gaspar.

António Augusto Teixeira»

António de Oliveira e Castro.

Arnaldo Alberto de Sousa Lobão.

Augusto Casimiro Alves Monteiro.

Augusto César de Vasconcelos Correia.

Augusto Vera Cruz.

Francisco Manuel Dias Pereira.

Heitor Eugênio de Magalhães Passos.

João Catanho de Meneses.

João Namorado de Aguiar»

Joaquim Celorico Palma.

José Augusto Artur Fernandes Torres.

José Joaquim Fernandes c!e Almeida.

José Joaquim Pereira Osório.

José Miguel Lainartine Prazeres da Costa.

José Nunes do Nascimento.

José Ramos Preto.

Júlio Ernesto de Lima Duque.

Luís António de Vasconcelos Dias.

Manuel Augusto Martins.

Manuel Gaspar de Lemos.

Nicolau Mesquita.

Pedro Alfredo de Morais Eosa.

Pedro Amaral Boto Machado,

Rodrigo Alfredo Pereira de Castro.

Silvério da Rocha e Cunha.

Torcato Luís de Magalhães.

Vasco Gonçalves Marques „

Pelas 16 horas e 15 minutos o Sr. Presidente manda proceder à chamada, tendo-se verificado a presença de 29 Sr s. Senadores. S. Esc.a declara aberta a sessão ^ Lida a acta da sessão anterior, foi aproa vada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte Expediente

Ofícios

Da Câmara dos Deputados acompanhando a proposta de lei, que concedo designadas vantagens aos militares que se invalidaram na defesa da Pátria ou no cumprimento dos deveres militares.

Para a comissão de Guerra.

Da Câmara dos Deputados remetendo as seguintes propostas de lei ali aprovadas:

Aprovando para ratificação o acordo entre Portugal e a Gran-Bretanha abolindo o regime das capitulações no Egipto.

Aprovando para ratificação os tratados entre Portugal e Gran-Bretanha assinados em Lisboa em 10 de Janeiro de 1921 sobre a aplicação das disposições do tratado de extradição de 17 de Outubro de 1892.

Estabelecendo as verbas que ficam constituindo receita do fundo de viação e turismo criado por decreto n.° 7:037 de 17 de Outubro de 1920.

Para a comissão dos Negócios Estrangeiros e de Finanças respectivamente.

Da União da Agricultura, Comércio e Indústria, comunicando que, em sua sessão do 15 do corrente, deliberou consignar na respectiva acta o seu mais enérgico protesto contra a lei n.° 999.

Para o «Diário».

Pedidos de licença

Pedido de um dia de licença do Sr. So-nador José Joaquim Pereira Osório. Para a comissão de faltas.

Pedido de dois dias de licença do Sr. Senador João Carlos de Melo Barreto. Para a comissão de faltas.

Parecer

Da comissão de faltas sobre o podido de licença do Sr. Senador Augusto de Lobo Alvos.

Aprovado.

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Sessão de 27 de Abril de 1921

Projectos de lei

Do Sr. Senador Rodrigo Guerra Álvares Cabral, em que são extensivas ao pessoal privativo da Divisão do Fiscalização dos Serviços de Caminho de Ferro as disposições do artigo 4.° da lei n.° 952, de 5 de Março de 1920, e do artigo 1.° da lei n.° 1:100, de 31 de Dezembro de 1920.

Para primeira leitura.

Do Sr. Senador Ricardo Pais Gomes, sobre exames que os magistrados judiciais tenham a fazer nos registos e documentos nas repartições do Estado, dos Corpos e Corporações Administrativas.

Para a comissão de legislação civil.

Do Sr. Senador Dias de Andrade, declarando sem efeito os artigos 312.° a 317.° do Código do Registo Civil de 18 de Fevereiro de 1911.

Para segunda leitura.

Dos Srs. Senadores Júlio Ribeiro, F. M. de Oliveira Santos, Rodrigo Guerra Álvares Cabral e António Vitorino Soares, autorizando o Governo a consignar, por meio de concurso, a exploração dos navios que constituem a frota mercante do Estado.

Para segunda leitura.

Antes da ordem do dia

O Sr. Alberto da Silveira: — Sr. Presidente : um jornal de Lisboa traz hoje em letra grande a comunicação ao público de que dois oficiais do exército entregaram as suas condecorações para serem vendidas em favor dos mutilados da guerra. Escuso de dizer à Câmara'a significação de facto tão extraordinário, no momento exactamente em que o Governo da República resolveu pedir às Câmaras as providências que "devia tomar, apresentando um projecto de lei, projecto que me parece já foi aprovado na Câmara dos Srs. Deputados e que deve estar na Mesa do Senado.

Este facto, Sr. Presidente, é lamentável sob todos os pontos do vista; é lamentável, porque é um caso de disciplina militar, para o qual chamo a atenção do Sr. Ministro da Guerra. Isto representa menos consideração para com o Poder Legislativo, que tem na srça mão para ser

discutido um projecto atendendo às necessidades desses mutilados da guerra.

Os poderesdo Estado é que dão essas condecorações, que não se podem vender, mas isto foi para dar a ver ao público que o Estado não tomou a atenção que devia tomar com os mutilados.

Eu quero atribuir tudo isto, ao estado de espírito em que se encontra este país, a falta de senso; tal é a onda que vai por este país fora.

Em toda a parte há uma falta de senso que invade todos e que eu receio muito que me chegue a invadir a mim, que já estou cansado. (Não apoiados}.

Em toda a parte onde existem mutilados dá guerra, os poderes públicos lhes têm dado assistência, concedendo-lhes pensões com que os diferentes países muito se honram, e que são variáveis de homem para homem, segundo as suas condições de vida.

Entra na sala o Sr. Ministro da Guerra.

Folgo em ver presente o Sr. Ministro da Guerra porque estou tratando de um caso que me maguou e que, certamente, também maguaria S. Ex.a e toda a Câmara; refiro-me ao caso de que os jornais dão notícia de dois oficiais que entregaram as suas condecorações para serem vendidas, revertendo o produto a favor dos mutilados da guerra.

Em poucas palavras eu tinha dito à Câmara que o caso era estranho sob todos os pontos de vista, e, como estava debaixo da alçada do Regulamento Disciplinar do Exército, para ele chamava a atenção do Sr._Ministro da Guerra.

Mas não é só sob o aspecto disciplinar que ele tem de ser encarado, mas também sob o que ele representa de falta de consideração pelo Poder Legislativo, tanto mais que eu sei que na Câmara dos Deputados já íoi aprovada uma proposta de lei, atendendo à situação dos mutilados da guerra, proposta que talvez já se encontre nesta Câmara, para ser discutida.

O Sr. Presidente: para esta Câmara.

Ainda não veio

O Orador: — Mas há de vir brevemente..

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cia que o Estado dá a esses infelizes e com que o Estado muito se honra, A assistência aos mutilados não a promovem os particulares. E é por isso que essa assistência tem de ser variável conforme as condições de vida dos mutilados; isto é, àqueles que eram o único amparo da família é necessário dar-lhes uma pensão muito superior à que deverá ser concedida aos que não tenham encargos. Isso é um assunto para estudar.

O que se não pode admitir, repito, é que oficiais do exército apresentem esta situação deprimente para os seus camaradas, e deprimente até para os Poderes do Estado,

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bernardino 'Machado): — Sr» Presidente: ao chegar a esta Câmara fui informado das considerações feitas pelo nosso colega Sr. Silveira. S. Ex.a mostrou-se impressionado com o acto que veie» hoje a público praticado por dois oficiais.

Devo, antes de mais nada, dizer que eu tenho toda a consideração por esses dois oficiais.

O Sr. Alberto da Silveira: — Também

eu.

O Orador: — Esses oficiais estavam fazendo serviço em postos de confiança, mas nein por isso eu posso deixar do acompanhar o Sr. Silveira na sua estranhe/, a.

É realmente para estranhar que esses oficiais, sendo, para mais, da confiança do Governo, não tivessem a absoluta confiança no Governo da Nação, que, sem dúvida, tem todos os deveres, mas, sobretudo, tem de dar assistência aos infelizes.

O Sr. Ministro da Guerra já disse na outra Gamara que a esse dever nenhum republicano faltaria. Somos incapazes de faltar a ele, e julgo que todos devem inteira confiança no cumprimento dos nossos deveres, todos! e principalmente aqueles que sSo escolhidos pelo Governo para seus colaboradores.

Pode S. Ex.a ter a certeza de que ôste caso se resolverá duma maneira satisfatória para todos, e hei-de fazer adeligênciu que se resolva já.

Não podemos ficar sob a impressão que o facto causou a S. Ex.a e a mim também.

O Sr. Ministro da Guerra (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: eu tencionava pedir a palavra para fazer algumas considerações, depois das palavras proferidas pelo Sr. Alberto da Silveira, mas S. Ex.a o Sr. Presidente do Ministério antecipou--se-me no uso da palavra, em consequência dos oficiais a que aludiu o Sr. Silveira estarem numa comissão dependente do Ministério do Interior.

Todavia, eu, como Ministro da Guerra, não posso deixar de exprimir a minha opinião sobre o caso. E assim, como chefe supremo do exército e como português, eu reprovo o acto praticado por esses dois oficiais.

Até hoje o Estado não tem precisado dos donativos particulares para manter os mutilados da guerra, cuja situação eu já disse, e repito agora, é boa, em face da que foi criada aos mutilados dos outros países que entraram na guerra.

A situação dos nossos mutilados só é má quando terminam a sua reedacação, ou quando, por qualquer circunstância, têm de deixar o Instituto de Arroios, e por isso mesmo é que eu empreguei todos os esforços no sentido de que a Câmara dos Deputados aprovasse a proposta de lei, atendendo à sua situação, a qual devo dizer não foi apresentada por mim, mas sim por um dos meus antecessores. E aproveitando o momento de me estar referindo a essa proposta de lei, eu quero podir ao Senado que ainda hoje mesmo a vote, o que no caso de entender que ela deveria ser modificada em qualquer dos seus artigos, o fizesse depois, com a apresentação de um projecto de lei.

O Sr. Enes Meira:—A comissão de guerra tem o maior empenho em que se vote essa proposta, mas parecia-me conveniente que, se a proposta for remetida hoje para esta Câmara, ela seja enviada à comissão de guerra, a qual reunirá imediatamente para dar o seu parecer, fazendo-se a respectiva discussão na sessão de amanhã.

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proposta, sem ao menos ter tempo para a ler, apenas quiz mostrar o desejo que tenho de que esta Câmara a aprovasse o mais rapidamente possível para dar satisfação a reclamações.

Eu reconheço-me incompetente na matéria, porquanto se trata duma proposta essencialmente técnica, e eu não sou um técnico em matéria dessa ordem.

Suponho que é difícil introduzir-lhe alterações, visto como ela foi elaborada por uma comissão de oficiais e de médicos conhecedores dos assuntos que se ligam com a matéria de inutilizações e estropiamen-tos, mas não quero tirar ao Senado o direito de a modificar como entender.

A minha primeira referência é para a notícia publicada no jornal A Imrensa de Lisboa e que nenhum outro jornal transcreveu.

Eu sei que há muitos mutilados que ao abrigo da lei têm requerido para serem admitidos em repartições públicas, e não o são, com o despacho de que pelo facto de serem mutilados não podem exercer essas funções, quando as juntas de saúde dão esses militares como aptos para as exercerem.

Quando o Governo tem tido conhecimento destes factos, imediatamente tem providenciado no sentido de serem admitidos, como determina a lei.

Esta campanha agora feita tem muito de perverso e muito de má fé.

Eu já tive ocasião de afirmar, tanto aqui como na Câmara dos Deputados, que era absolutamente falsa a afirmação de que o Sr. Presidente do Ministério tivesse dito a uns mutilados qualquer frase des-primorosa ou até desagradável para a situação em que eles se encontravam.

O mesmo jornal A Imprensa de Lisboa no próprio relato parlamentar atribui-me palavras que eu nunca pronunciei.

Nunca me atrevi a fazer afirmações que eu não pudesse imediatamente e com documentação provar.

Esse jornal atribui-me palavras que todos os Srs. Deputados que me ouviram sabem que são falsas.

Assim se demonstra que, se a campanha no fundo é justa, ela tem comtudo muito de má fé e de ignorância.

Eu tenho aqui o relatório da sindicância feita ao instituto dos mutilados.

Eu peço ao Senado licença para não

depositar aqui esse relatório, mas sim na Câmara dos Deputados, por ter sido ali que se iniciou o debate.

O Parlamento vai assim inteirar-se por completo desta questão, e se em face destes documentos entender necessário, para mais abertamente entrar na questão, que se constitua uma comissão parlamentar, eu estou inteiramente de acordo.

Eu disse há pouco que esta campanha também tem muito de ignorância.

Efectivamente assim é, e pelo seguinte:

Um dos factos mais graves e que mais tem irritado a opinião pública é o dos mutilados não estarem ainda todos empregados.

O Sr. Dr. Tovar de Lemos foi durante bastante tempo director do Instituto de Arroios.

E legítimo dizer, portanto, que o Sr. Dr. Tovar de Lemos merece todos os nossos louvores, porque é dele tanto a ideia da criação do Instituto de Arroios, como a sua organização. S. Ex.a empregou ali muito do seu esforço e da sua actividade.

No emtanto, deve também dizer-se, em abono da verdade, que, materialmente, o Instituto de Arroios é imperfeito e incompleto.

O Sr. Dr. Tovar de Lemos é um profissional distintíssimo, mas não é um militar, e a falta duma criatura dirigindo esse estabelecimento com a compreensão dos deveres militares traduziu-se numa grande indisciplina.

Se a Câmara se quiser dar ao incómodo de ler este relatório, verificará que as minhas palavras são absolutamente exactas.

Uma das questões que mais protestos têm levantado é a da falta de aparelhos nos mutilados que deles careciam. Isso é devido á circunstância das oficinas do Instituto não produzirem o suficiente para a fabricação desses aparelhos, e ainda pelas razões scientíficas aduzidas pelo Sr. Dr. Tovar de Lemos, que diz que se não deve fazer um aparelho senão depois de um certo tempo, de forma a que o aparelho tenha utilidade para o seu portador.

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tido o uso do aparelho, adquirindo-o eles próprios na indústria particular c comprando-o sem necessidade de dar dinhei-ro, porque o Ministério da Guerra imediatamente os pagava. Quere dizer, só não tem aparelho quem o não quis.

Consta também do relatório que, embora essas oficinas não dessem vazão aos aparelhos necessários, uma outra razão impedia que se construíssem aparelhos em maior número, qual é a da que alguns mutilados pagavam ao chefe das oficinas para os não construir. Isto não é um facto novo; deu-se em todos os países que entraram na guerra; é o horror do mutilado ao aparelho.

Em todos os países da Europa teve dó se diminuir o tempo da reeducação, e entre nós, uma proposta do director do Instituto de Arroios pedia que esse tempo ficasse reduzido a 12 meses.

Na Bélgica ó que me parece que esse tempo é menor. Mas em alguns países tornou-se obrigatória a reeducação, e em outros, como no nosso, adoptou-se o regime da liberdade.

De forma que o mutilado que estava a reeducar tiuha liberdade para sair do Instituto de Arroios quando queria, pedia licença para ir à sua terra, quando lhe apetecia, e por lá se conservava o tempo que queria, quando, aliás, ele precisava de um tratamento permanente.

Parece-me que o Estado não pode consentir numa cousa-destas (Apoiados), Havia também uma outra razão de queixa: era a questão das pensões complementares, que hoje tem uru valor relativamente pequeno, visto que está parai, breve a aprovação da proposta de lê: melhorando a situação dos mutilados da guerra, a quem se deu alta, para saírem do Instituto.

Um dos problemas mais interessantes do Instituto de Arroios era o da reeducação dos mutilados, e, embora o Dr. To-var de Lemos não tenha essa opinião, eu devo dizer que a reeducação não deu resultados.

No número dos reeducados apresentados pelo Dr. Tovar de Lemos compreendeni--se aqueles que aprenderam a, ler, mas isso não coastitue, de facto, a reeducação dê um mutilado.

Dos 563 ou 564 mutilados que passaram pelo Instituto, restam apenas 78, que já

não são reeducáveis, porque não vão às oficinas nem frequentam as aulas.

É consolador dizer que, pelo que se vê das listas do Corpo Expedicionário Português e outros complementares, nós não devemos ter mais de 500 a 600 mutilados da guerra. No Corpo Expedicionário Português foi dada baixa, por motivos cirúrgicos, a 366 homens.

Não é, por consequência, medonho para as finanças do Estado o ter de socorrer 500 a 600 homens, aos quais não falte cousa nenhuma, e por isso não sfto necessários os óbolos particulares.

Ainda um outro facto originou um mal-estar de revolta nos mutilados.

O Sr. José Pontes, que empregou grande parte da sua actividade a propagar a necessidade de serem promulgadas medidas atinentes a socorrer os mutilados, disse, em viírias conferências públicas, que quando os mutilados saíssem do Instituto poderiam receber dos donativos particulares entre 300$ a 400$. Ora, como esses donativos não deram margem a que eles recebessem mais do que 150$ a 160$, daí resultou o fazerem-sse acusações à gerência do Instituto, chegando até a dizer-•se que tinha havido roubo.

Eeriovando o que eu disse, é interessante fixar a situação dos mutilados dentro do Instituto.

A situação dos mutilados quanto a tratamento e reeducação era óptima.

A situação agravou-se só quando, reeducados, vinham para a vida pública, porque já não recebiam os vencimentos que percebiam no Instituto e passavam à situação de reformados, indo para as companhias de reformados ou depósito de inválidos, e era pior para aqueles que, tendo família, tinham de a socorrer e não podiam ir para essas instituições.

É a esta situação que se procura ocorrer pela proposta de lei que chegará ao Senado.

Mas situações criadas criam um tal estado muito difícil de resolver, e talvez que a proposta o não resolva completa-mente.

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Assim, um sargento que foi nomeado amanuense do Ministério das Colónias perfaz um vencimento de 300$ por mês, e não é fácil a um homem nestas condições dizer-lhe que fique sem alimentação e sem habitação, e sem o que percebia por um lado.

Mas como foi criada esta situação tem de se atender a ela, porque à sua sombra se criaram hábitos de vida.

De 575 mutilados só hoje restam lá 78. Os outros estão já colocados, recebendo as suas pensões.

De todos há o maior empenho em resolver este assunto, e seria melhor que se dirigissem a quem tem interesse em resolver este assunto, do que propriamente dar motivo a quem por má vontade e por uma incompreensão dos sentimentos de humanidade está fazendo uma campanha que não aproveita a ninguém.

O Sr. Rodrigo Cabral: — Mando para a Mesa um projecto de lei, que é de grande interesse porque- vai reparar uma injustiça.

O Sr. Presidente: — O Sr. Lobo Alves pediu a palavra para tratar, em negócio urgente da nomeação de uma comissão para, juntamente com outra da Câmara dos Deputados, tratar da questão dos vinhos.

Os Srs. Senadores que se manifestem a favor tenham a bondade de se levantar.

Aprovado,

O Sr. Lobo Alves: — Serei breve, porque na minha proposta que vou enviar os seus considerandos dispensam qualquer outra justificação.

Sabem todos a situação que se está desenhando para a região do Douro, e para a Madeira, pela falta de exportação dos/ seus vinhos.

É urgente a solução do assunto, porque estamos perto das vindimas e não há onde meter o vinho. Os lavradores não têm dinheiro para o amanho das terras e não podem recorrer ao crédito.

Ora,, sendo assunto de solução difícil, era conveniente a nomeação de uma comissão como eu propunha.

Assim mando a seguinte

Proposta

Considerando que é inadiável, por parte do Parlamento da Kepública, estudar rapidamente a actual crise de exportação e venda do vinho nos mercados estrangeiros, sobretudo pelo que se refere aos vinhos do Porto e da Madeira;

Considerando que tal situação grave muito prejudica e aflige o Douro, o Porto a Madeira e todo o país vitícola de Portugal, e que desastrosos serão os resultados para a economia nacional se não se remediarem e evitarem as suas tremendas consequências;

Considerando que os vinhos do Porto e da Madeira constituem o maior valor ouro da nossa exportação e o melhor factor para influir na balança económica portuguesa;

Considerando que a sua exportação, como também a doutros vinhos de Portugal, precisa ser assegurada nos seus mercados antigos e promovida em outros novos, de tal importação e consumo susceptíveis, e em uns e outros sempre garantida a sua genuinidade, defendida e protegida a sua origem e marcas regionais;

Considerando que não pode esta Câmara do Senado deixar de se ocupar com toda a atenção e interesse de tam importante e momentoso assunto, que muito convém seja estudado e resolvido em colaboração e bom entendimento com o Governo :

Temos a honra de propor a V. Ex.a ' que, apresentada esta proposta à sanção do Senado, seja imediatamente nomeada uma comissão parlamentar especial, composta de 6 membros, para tal fim.— César de Lima Alves—_ Celestino de Almeida — José Joaquim Pereira Osório — A. Lobo Alves.

Devo dizer que me fizeram a honra de assinar comigo esta proposta os Srs. Lima Alves, Celestino de Almeida e Pereira Osório.

Peço a V. Ex.a se digne consultar o Senado sobre se concede para esta proposta a urgência e dispensa do Regimento.

Ê lida.

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Diário da* Sessõe* do Senado

Como ninguém peça a palavra, é posta à votação, sendo aprovada.

O Sr. Presidente:—Nomeio para fazer parte desta comissão os Srs.:

Lobo Alves, Pereira Osório, Melo Barreto, Sousa Varela, Vasco Marques e Augusto Monteiro.

O Sr. Pais Gomes: — Peií a palavra para mandar para a Mesa mais um projecto de lei.

.Em nenhum diploma legal se define o que seja segredo profissional e no em-tanto alguns se referem a esse segredo.

Como aã sequência dos serviços públicos por vezes é preciso sa"ber bem o que seja segredo profissional para se aquilatar da responsabilidade dos funcionários, e porque o assunto é urgente, eu. mando para a Mesa um projecto de lei requerendo para ele a urgência.

E lido e considerado urgente em virtude de declarações nesse sentido por parte dos vários grupos políticos.

O Sr. Lima Alves : — Chamo a atenção do Sr. Ministro do Interior -para uni assunto que me parece muito importante.

Consta-me que no mercado e nos estabelecimentos apropriados há grande carência de vacinas e soros essenciais para combater doenças graves; quando existem, o seu preço é de tal forma elevado que dificulta o tratamento das pessoas menos abastadas.

Temos um estabelecimento, o Instituto Bacteriológico, onde se preparam muitos desses produtos, mas parece-me que está insuficientemente dotado para as exigências do mercado.

Por estes factos diz-se que já se morre em Lisboa devido à carência desses ingredientes.

O que não será por esse país fora!

A um outro assunto, de natureza semelhante, me vou também referir.

Há actualmente grande dificuldade em obter alojamento nos hospitais civis para particulares que não estão em condições de ir para as enfermarias gerais sujeitar-se a operações que não podem fazer era casa por não a terem em condições apropriadas, ou porque as despesas seriam excessivamente elevadas e incompatíveis com os meios de fortuna.

Para se obter um quarto num hospital já se está seguindo o sistema da bicha, como se faz para comprar azeite ou açúcar, pois que quando nm doente quere com urgência fazer uma operação, por ver diante de si a morte, ao procurar um quarto no hospital, encontra já lugares marcados por dois ou três pretendentes, até com os seus depósitos já feitos.

Preguntando-se em que época poderão ter a esperança de alojamento para a sua operação, ninguém lho pode garantir e fica-se com a convicção de que será bastante tarde. Entretanto, o paciente, ou candidato a paciente, pode vir a falecer sem ser operado.

Tenho esta informação como de segura origem.

Uma outra informação, de que não posso garantir a segurança, é de que tal estado de cousas talvez se pudesse melhorar a,té certo ponto.

Dizem-me que no hospital de Santa Marta se poderiam adaptar algumas divisões a quartos para estas operações. Simplesmente essas divisões parece que estão ocupadas por um número de assistentes superior às necessidades. Assim, o remédio está indicado.

Como o Sr. Presidente de Ministério e Ministro do Interior vêa estes assuntos merecem toda a atenção.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e interino da Agricultura

(Bernardi.no Machado): — Sr. Presidente: eu agradeço ao Sr. Lima Alves as informações que acaba de me dar e pode S, Ex.a ter a certeza de que, tratando-se duma questão de vidas, eu me empenharei por que se tomem as providências necessárias.

O Sr. Jacinto Nunes: — Sr. Presidente: pedi o palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministros dos Estrangeiros ou qualquer outro dos Srs. Ministros. E, como está presente o Sr, Presidente do Ministério, eu pedia- a S. Ex.a que me informasse se está solucionado o conflito que se levantou em Tânger. E, no caso afirmativo, se ficaram bem salvaguardados os interesses da Companhia de Pescarias Portuguesa.

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A segunda pregunta é se é verdadeira uma notícia publicada nos jornais acerca duma junta secreta que determinou a expulsão dos monárquicos, no prazo de 48 horas, sob pena de serem corridos no país, de vários modos.

Mais nada.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e interino da Agricultura

(Bernardino Machado): — Sr. Presidente: a questão de Tânger está pendente. Compreende por isso o ilustre Senador que eu devo entregar-me à mais completa reserva sobre o assunto.

Mas aproveito a ocasião para dizer a S. Ex.a, em primeiro lugar, que o incidente não nos deve alvoroçar. Incidentes de tal ordem ocorrem até nas nossas águas. Portanto, embora estranhemos o caso,- ele não é para nos alvoroçarmos, como se se tratasse dum desses casos que realmente, agitam a Qpinião pública.

Há bastante tempo que eu conheço este assunto, porquo tenho sempre votado uma grande atenção às nossas relações com Marrocos. Desde a implantação da Ee-pública que eu tenho procurado fazer voltar os nossos olhos para aquele Algarve de além mar. E trouxe isto a pró--pósito, porque entendo que se impõe o dever de nos interessarmos pelo que se passa naquela região.

Infelizmente, nos últimos anos da monarquia, parece que houve só um homem, aliás de grande autoridade, que se ocupou das nossas relações com Marrocos, que foi o Sr. Carlos Testa, ilustre professor, que muitas vezes levantou essa bandeira das nossas relações com Marrocos.

Como o Senado sabe, do problema de Marrocos tem dependido já por várias vezes a paz do mundo, e nós nessas questões temos tido sempre um papel apagado, ou antes, não temos tido nenhum. Pois é preciso lembrar que ainda há influência e prestígio de Portugal naquela região, para que nos não desinteressemos dela.

Depois que veio a República criou-se em Casa Branca um Consulado, mostrando assim que nós não podíamos de maneira nenhuma desinteressar-nos do problema marroquino.

Todo o Senado conhece o desenvolvi-

mento que tem tomado Casa Branca, sendo justo, portanto, que lhe devotemos a nossa atenção e mantenhamos ali a nossa antiga influência.

Agora está-se tratando de1 resolver o incidente havido com as armações de pesca, e tenho toda a esperança de que há-áe ser liquidado equitativamente, por isso que estamos em boas relações com a Kspgnha e os nossos interesses estão ligados aos interesses franceses.

O Sr. Senador falou depois de outro assunto.

De facto, como é que se podo acreditar que alguém venha por ahi de lança em riste defender a República, como se a República não tivesse Governo. (Apoiados).

Nós, republicanos, por isso mesmo que o somos, não devemos viver sem a opinião pública; mais, nós sentimos bem a necessidade de que o sentimento republicano vibre em todas as almas.

Eu sei que muitas vezes os exaltados são os que nos lances do perigo mais denodadamente lutam e se sacrificam pela República. Devemos ter por eles o sentimento de reconhecimento, por essa exaltação republicana, mas temos de lhes dizer que há Governo, que há poderes constituídos, e que nós contamos com eles como os voluntários da República.

O público tem o direito de representar aos poderes públicos. Tem efectivamente esse direito, tratando-se demais a mais de republicanos dedicados, de vir junto desses poderes, porque ás nossas portas estão abertas para todos, mas estão sobretudo abertasN de par em par àqueles que são nossos companheiros nas lutas pela República.

Mas eles têm obrigação de confiar nesses poderes e nas auctoridades, se não passaríamos à anarquia, e isso não é República. Pois então para que é que se fez a República? Fez-se para haver uni Governo Republicano.

Por consequência devem estar todos em volta do Governo (Apoiados).

Jii preciso que eles dêem força ao Governo e de maneira nenhuma criem perturbações. Já bastam as que os agitadores inimigos da República todos os dias nos criam.

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ral; mas contra o Governo não, porque eles devem contar com o Govêrao para reprimir todos os desmandos.

E quando o Parlamento, quo ó soberano, declarar que a amnistia ó um acto de justiça e de patriotismo, têm de reconhecer o direito que assiste ao Parlamento, quo 6 soberano: ninguém se pode levantar contra ele.

Tenbo a certeza de que o Governo, sem estar a criar conflitos, procederá de fornia a fazer ver a conveniência r. Gsses elementos de moderarem os seus ímpetos, não se consentindo assim que se lance o país em desordem.

O orador não reviu.

O Sr. Jacinto Nunes : — Agradeço essas explicações.

Num jornal vi uma entrevista cem um dos directores da companhia das pescarias, na qual se afirma que ficaram completa mente garantidos os direitos dessa empresa.

Com relação às outras questões, creio bem que é tudo atinente a continuar a viver u casta da-política.

O Sr. Pereira Osório: — As minhas palavras eram mais próprias quando estivesse presente o Sr. Ministro da Instrução, cuja presença já há dias pedi.

Mas como está o Sr. Presidente do Ministério, que se interessa pelo assunto de que vou tratar, aqui já versado há dias. eu aproveito esse ensejo para falar nele.

A República, sempre justiceira, mines, esquece aqueles que praticam qualquer acto que bem merece do País.

Assim, quando foi da lei da separrção, reconbece nela os altos serviços praticados pelo então bispo-conde, exarou uma disposição especial em que se dizia cpe o museu do arte-sacra ficava ccmo ato ali debaixo da administração daquele prelado até a sua morte.

' Ach.avs.-ni8 eu no Governo Civil, como chefe do distrito, quando elo faleceu, e grandes apreensões tive. porque, conhecendo perfeitamente esse museu, o sabendo que as condições da sua instalação não tinham garantias de segurança, eu, que fiquei com a guarda dele, confesso cue tive dias de sérias apreensões.

Tratei, com o então Sr. Ministro da Justiça, de poder entregar ao director do Museu Machado do Castro aquele pre-

cioso museu e sugeri a ideia de se aproveitar para a instalação desse museu a igreja de S. João de Almedina, que ficava junto ao museu Machado-de Castro, com o qual ora fácil fazer ligação.

Tive oposição, mas, tratando-se duma causa justa, venceram-se as dificuldades.

Razão tinha eu para as minhas apreensões, porque, abandonando mais tarde o Governo Civil, não se passavam muitos dias quando houve um roubo nesse museu.

Isto vem a propósito de que são decorridos sete anos e essas preciosidades não estão suficientemente garantidas, e que as obras, que há poucos •lias tive ocasião de verificar, estão paradas, e a trabalhar--se tão vagarosamente nem daqui a dez anos estarão concluídas.

Indagando os motivos, disseram-me que era falta de dinheiro, o qual era bastante que fossem 10 contos.

Sabendo que S. Ex.a se interessa pelas coasas de Coimbra, pedi pois a palavra p£,ra fazer estas'considerações que peço leve ao Sr. Ministro da Instrução.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e interino da Agricultura (Ber-nardino Machado): — Associo-me inteiramente aos desejos do Sr. Senador.

Grande parte da minha vida passei-a em Coimbra, terra a que devo muito do que sou, e tudo quanto lhe posso fazer o farei de todo o coração.

Conheço o Tesouro, e a esse propósito não posso. deixar de lembrar um nome que ficou aureolado em Coimbra, o do fundador desse museu, o bispo-conde D. Manuel, como não posso deixar de ligar a este nome um outro dum grande democrata, cue era o colaborador dedicado daquele. António Gonçalves, que desde a morte do Bispo-Condo tem' presidido ali a todas as obras- de arte.

Não é só uma obra de respeito pelo passado, porque se fez com esse museu uma escola e dela toai saído alguns artistas distintos, dos primeiros entre nós.

Por tudo isso, associo-me inteiramente aos desejos do Sr. Pereira Osório, que são também os desejos do Sr. Cónego Andrade.

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tério mereceram as minhas considerações, mas deixe dizer-lhe:

Vários Srs. Presidentes da República, vários Srs. Presidente de Ministério e vários Srs. Ministros da Instrução têm prometido, desde anos, dar a dotação suficiente para acabar o museu e, comtudo, isso não se realiza.

Agora fico confiando que S. Ex.a o Sr. Presidente do Ministério realizará isso, que parece um impossível.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior, e, interino da Agricultura (Ber-nardino Machado):—Estamos aqui para continuar a obra desses Srs. Presidentes da República e desses Srs. Ministros e não para discutir, porventura, as suas faltas.

O Sr. Lobo Alves:—Pedi a palavra quando o Sr. Lima Alves fez uma referência aos hospitais.

Como clínico e funcionário dos hospitais, desejo informar o Senado de que é verdade haver dificuldade em obter quartos nos hospitais, mas, de modo nenhum deve ficar a impressão de que isso seja devido a procedimento menos regular que haja nesses hospitais.

Pela justa fama dos seus clínicos, pejo prestígio enorme que os hospitais de Lisboa têm adquirido, de todos os pontos do país acorrem doentes a esses- hospitais, não chegando as suas instalações, as suas enfermarias e os seus quartos para todos que os procuram.

É por isso que tem de se estabelecer o direito de preferência; mas há uma combinação tácita da parte dos clínicos hospitalares no sentido de ceder preferentemente as entradas a qualquer doente em perigo, deixando para traz o que não tem grande urgência de hospitalização.

Interrupção do Sr. Lima Alves, que, não se ouviu.

O Orador: — Da exposição de V. Ex.a pode ficar, no Senado um vislumbre de suspeita. É por isso bom dizer o que ali se passa, e dizer o que é a hospitalização actual.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Continua a discussão na generalidade e na especialidade da proposta de lei n.° 826, da iniciativa do

Sr. Ministro da Agricultura, Bernardino Machado, autorizando o Governo a tomar as medidas de fomento que as circunstâncias exigirem no sentido de estabelecer ou suprimir qualquer restrição à liberdade de comércio e de trânsito de géneros de primeira necessidade.

O Sr. Cristóvão Moniz:— Sr. Presidente: pouco tempo tomarei ao Senado, porque o assunto de que se trata, a não ser encarado sob o ponto de vista das prerrogativas do Poder Legislativo e do Poder Executivo a pouca discussão se presta como demonstra o facto de muitos dos ilustres oradores que me precederam no uso da palavra se terem afastado comple-tamento do fundo da questão. No erntanto, não podia eu, como relator da proposta, deixar de proferir algumas palavras.

Em primeiro lugar, Sr. Presidente, devo agradecer ao Sr. Lima Alves as referências agradáveis que fez à minha pessoa, gentileza que o Senado só deve atribuir à extrema amabilidade de S. Ex.a e não aos meus merecimentos, que os não tenho. Sr. Presidente, manifestaram alguns Srs-Senadores dúvidas sobre se a proposta de lei que está em discussão, é ou não a reprodução da lei n.° 1:009, cuja vigência terminou em 31 de Janeiro último.

Eu devo dizer a V. Ex.a que só posso atribuir estas dúvidas dos Srs. Senadores, ao facto de não ter sido ouvida na sala a leitura do relatório da comissão de subsis-tências.

A comissão no seu parecer afirma categoricamente que esta proposta do lei está redigida da mesma forma como o estava a lei n.° 1:009 e eu não posso admitir, para prestígio desta casa do Parlamento, que se ponham cm dúvida as afirmações categóricas das suas comissões. E isso que se torna necessário ficar registado no diário do -Senado. Os Srs. Senadores que propuseram que não havia perfeita igualdade entre os dois diplomas não ouviram ler o parecer da comissão do subsistên-cias, porque se assim não fosso eu teria de me retirar desta sala, para não mais voltar a ela, depois de lavrar o meu protesto.

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A primeira vez foi debaixo da fornia do artigo 20.° da lei n.° 822, de 27 de Setembro de 1919; depois, coino era já conhr-cida da casa, veio'sozinha e nós, reco-bendo-a muito bem, demos-lh^ até o nome de lei n.° 933, de 9 de Fevereiro de 1919; voltou novamente a visitar-nos para receber de nós, com toda a amabilidade o nome de lei n.° 1:009, de 9 de Agosto de 1Q2Q. Agora volta de novo a visitar-nos e parece-me que, tendo sido tam beu tratada das primeiras vezes, não lia motivo para que a recebamos sem ser com a mesma gentileza. Até o. Sr. Presidente do Ministério teve a condescendência de lho conservar a redacção, e estou convencido de que o fez bem co.ntra a sua vontade porque ela não prima pela elegância; mas S. Ex.a, naturalmente, não a quis alterar para se não julgar que, redigindo-a de outro modo, desejava obter uma autorização mais lata do que as anteriores, o qu? daria lugar a mais demorada discussão.

Todos nós somos contrários às autorizações parlamentares, e o Sr. Presidente do Ministério ó o primeiro que da sua cadeira de Senador mais se tem insurgido contra elas; mas S. Ex.a encontra-se em presença dona situação tal qie impossível lhe é dar um passo sem esta autorização, o todos os ilustres Senadores qno mo precederam no uso da palavra nào fizeram mais do qte produzir argumentos a favor dessa proposta de lei.

S. Ex.ÍS demonstraram os inconvenientes que têm dado na prática alguns dos diplomas publicados pelos Governos transactos ao abrigo das autorizações parlamentares, o que equivale a dizer que esses diplomas carecem de ser modificados. ,?E como o pode fazer o Governo se essas providências, tendo sido tomadas ao abriga de autorizações parlamentares, só podem ser alteradas ou modificadas por leis ou por OEtros diplomas com a mesma força ?

Alguns Sr s. disseram que o Governo devia concretizar a sua proposta; ^.mas como o havia de fazer se não pode prever aquilo, que precisará decretar?

Não há dúvida de que, quando se decreta qualquer providência é isso feito sempre tia persuasão dê que essa medida resolve o problema em questão; mas depois, ou porque as circunstâncias mudaram ou porque as disposições foram sofismadas, reconhece-se a necessidade de a modificar.

É para acudir de pronto a estes casos imprevistos que vai servir a lei que está em discussão.

As considerações feitas por alguns ilustres Senadores são óptimas para serem ditas aqui antes da ordem do dia na presença do Sr. Ministro da Agricultura que delas tomará nota para se orientar. Para justificar este meu njodo de ver muitos casos poderia citar; mas bastará lembrar que sobre o carvão foram publicados três decretos em menos de três mesos, sem que se pudesse prever quando se publicou o primeiro, havendo necessidade de dentro em pouco se promulgarem novos diplomas sobre o mesmo assunto.

Em condições destas, Sr. Prosidente, eu entendo que nenhum Ministro pode trazer propostas no género da que está em discussão com os detalhes exigidos por alguns dos Srs." Senadores.

As considerações que alguns dos Srs. Senadores fizeram, são realmente muito aproveitáveis para que o Sr. Ministro da Agricultura tome nota delas a fim de que nos diplomas que haja de promulgar ao abrigo desta lei, que certamente vai ser aprorada, tome em consideração essas lembranças e esses alvitres.

Mas daqui a supor que o Parlamento pode es*:ar constantemente a publicar leis sobre subsistências, vai um abismo enorme.

Há receios de que o Governo abuse da autorização parlamentar. «j.Mas então para que estamos nós aqui? Quando isso suceda, o Parlamento revoga esses diplomas e não será a primeira vez que o faz.

Disse que não tomaria tempo à Câmara e por isso vou terminar, apenas quis fazer estas considerações que, por obrigação do meu cargo e por ser o relator da proposta, tinha o dever de as fazer. Termino pois declarando que voto a autorização com a convicção de que presto um bom serviço ao país.

Tenho dito.

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A breve trecho, porém, surge o Comissariado dos Abastecimentos, invenção peregrina não se sabe já de quem, que ó quási o Ministério extinto mascarado com outro nome; mas, ao que se afirma publicamente e se tem dito na imprensa, com o mesmo objectivo, os mesmos defeitos, os mesmos vícios, os mesmos constantes actos ditatoriais, e, com excepção dos ditadores, com o mesmo pessoal e funcionamento burocrático.

Não conheço, e creio que ninguém conhece, a lei ou disposição que cria o ditador das subsistências, como, com propriedade, é conhecido o comissário, aparecendo-nos pela primeira vez no tempo do Sr. Dr. João Luís Eicardo, havendo, ao que parece, uma alteração na organização do Ministério da Agricultura o que é ilegal, visto que só o Parlamento podia fazer essa alteração. (Apoiados).

Agora, pela velocidade adquirida, todos os Ministros querem um comissário, embora, sem uma única excepção, todos eles tenham sido poderosos factores no agravamento^ e desorganização da nossa vida económica. (Apoiados).

É que nem uma só vez ao menos, por acaso, tom acertado. Uma infelicidade.

Inovação que apareça é gajfe certa. E diria asneira se a palavra fosse parlamentar, porque no meu modesto vocabulário não encontro outra que, com rigorosa propriedade, a possa substituir. Assim não a digo. (Risos),

Depois, os comissários julgam tanto das suas pessoas o da sua prodigiosa influência messiânica, que constatando, in-desmentlvelmente, que certas medidas não produziram o menor efeito ou benefício com os seus antecessores, tem a ve-leidado de supor que essas mesmas medidas promulgadas e executadas sob a soa égide darão todo o resultado e serão da maior proficuidade.

Daí os absurdos em que temos vivido osta martirizadora vida de dificuldades. (Apoiados}.

O tabelamento, que é o abe dos abastecimentos, nem uma só vez deu resultado. Talvez que noutros países seja uma medida óptima. Em Portugal ninguém nos cita um exemplo. (Apoiados).

Sempre que qualquer género é tabelado, desaparece imediatamente, como que por encanto, por um poder invencível da ma-

gia, conseguindo-se, depois, apenas por alto preço, com enormes dificuldades, por favor e de chapéu na mão.

Vejam o que se deu ultimamente com o azeite: havia em todo o país quanto quisessem ao preço exageradíssimo de 4$, 4$80 e 5$.

Por ser caro, caríssimo, pois nada justifica este preço, o que se fez?

Tabelou-se. Éacionou-se. E o que vi--mós e estamos vendo ? Como sempre, desapareceu o azeite.

E o tabelamento lá se foi mais uma vez por água abaixo, porque nem o comissariado fornece o suficiente ao racionamento, nem aparece à venda, a não ser clandestinamente e por preço fabuloso. Até nas cooperativas e nas cantinas militares, desrespeitando p diploma qne regula a tabela do azeite, o vendem por preço superior ao que aquela estabelece. E muito bem, porque disposições absurdas, arbitrárias, despóticas, não se cumprem. E, quanto a mim, esse tabelamento é ilegal, ilógico e iliberal.

Keconheceu-se e reconhece-se esta incontestável verdade, evidenciada por factos de todos os dias: mas não há a superioridade de emendar o erro, de corrigir o mal. (Apoiados).

Kacionar um género que não podem dar, que não garantem, ó uma luminosa extravagância ou uma inocente infantilidade.

Não tinham onde ir buscar azeite para garantir o abastecimento ao país e tabelaram-no a 2$80, salvo erro.

O Sr. Silva Barreto:^-A2$90.

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Mas não. Nem o que só nos fornecem platonicamente hoje é barato!

Depoisj Sr. Presidente, obrigar os consumidores a adquirirem a ração mensalmente ó o mesmo que dizer ao pobre: «Tu não tens ração».

«íOs que ganham dia a dia," semana a semana, apenas o suficiente para fazer face às despesas do dia ou da semana, onde têm dinheiro para comprar açúcar, azeite e manteiga para todo o mês?

São assim as altas congemmações nos comissariados que têm governado o estômago da país.

Ante essas engraçadas congominacões — engraç?das se não provocassem tragédias em muitos lares — chegamos à eon-. clusão de que tal medida aumentou até o número de consumidores de azeite, quando o que seria necessário era reduzí-Io o mais possível.

Uma voz : —Aumentar, como?

O Orador: — Eu explico. Por esse país fora, em certas regiões, há milhares do pessoas que não gastam um fio de azeite. Têm para o caldo o clássico unto e um pedaço de toucinho ou farinheira com pão e batatas, têm o principal passadio, não só por ser mais fácil de preparar e de levar para o trabalho, como também por economia. Pois essa gente, que nunca se preocupou com azeite, agora, que azeite é ouro, visto ter direito a um litro por mês, exige-o para depois o negociar. E, sempre qne o pode alcançar, não o dispensa. E desta forma, como disse, o comissariado aumentou o número de consumidores nessa prodigiosa medida do inoportuno racionamento.

<_ que='que' de='de' quiser='quiser' bases='bases' jornais='jornais' para='para' onde='onde' nem='nem' tabelamento='tabelamento' bois='bois' gente='gente' não='não' exigir='exigir' a='a' estãc='estãc' desde='desde' os='os' e='e' alfaias='alfaias' adubos='adubos' riem='riem' lavoura='lavoura' es='es' ao='ao' o='o' p='p' tods.='tods.' as='as' pode='pode' estão='estão' lavrador='lavrador' tabeladas='tabeladas'>

A razão única é a protecção sscanda-losa, imoral, criminosa, que se está dr.n-do aos poderosos senhores da moagem. É um Estado dentro do Estado. Não tenham dúvidas. (Apoiados}.

Mas isto, Sr. Presidente, são apenas palavras. E necessário aduzir factos cue demonstrem axiomàticamente o que é o

comissariado dos abastecimentos, a necessidade da sua extinção imediata e, conse-qúentemente, a liberdade de comércio.

Vejamos :

Nas minhas revelações não quero visar nem fazer insinuações ao comissário dos abastecimentos, que não conheço e de quem tenho ouvido fazer os maiores elogios como homem de honestidade e incapaz de se envolver em negociatas ou actos monos dignos e ilícitos.

Da minha exposição de factos, quando muito, poderá concluir-se que o Sr. Pe-res Trancoso não está à altura daquele lugar. Não tendo a preparação especial que o cargo exige, ele tem sido da mesma incompetência que já tivera caracterizado todos os seus antecessores.

O que se tem feito no Ministério da Agricultura desde longo tempo, sem a responsabilidade do actual Ministro, Sr. Bernardiao Machado, é verdadeiramente fantástico, inconcebível, inacreditável.

Há muito que o trigo nacional é tabelado, obrigando o lavrador a vendê-lo por um preço mínimo, recebendo papel, quando compram o trigo exótico por mais do dobro e pago em ouro, o que aumenta o custo duma forma pavorosa.

Ainda há poucos dias, quando da greve dos padeiros, tendo os fiscais das subsis-tências recebido ordens para irem selar a farinha das padarias que não funcionavam, foram exceptuados dessa medida os estabelecimentos pertencentes à moagem. Contra este potentado, prejudicialíssimo à Nação, ninguém se levantou. Todos se curvam reverentes ante a sua vontade.

Se assim não fosso, há muito as fábricas deveriam ter sido mobilizadas pelo Governo.

Compreende-se lá que a moagem esteja a ganhar rios de dinheiro, a fazer milionários, e que o Estado tenha, com o trigo que lho entrega um âeficit de 50 mil contos por ano?

j Mobilize-se o moagem !

Para este acto de patriotismo enérgico, é que eu queria um comissariado de abastecimentos, e não para mesquinharias que .só fazem mal e criam desconfianças. (Apoiados).

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Em Linda-a-Pastora, António Isidoro Gravata, industrial de panificação, tem duas debulhadoras, moinho, forno e padaria, sustentando uns 100 operários.

Aproveitando o facto de se haver despedido o íorneiro, mandou consertar o forno e suspendeu por isso o fabrico de pão.

Sabendo-se disto no Comissariado dos Abastecimentos, foram ali no sábado ameaçar o proprietário de que fariam a apreensão do trigo e o prenderiam... não se sabe bem porquê.

Realmente, como ele não desse importância ao caso, supondo que naquilo havia apenas um excesso de zôlo fiscaliza-dor, continuou as obras sem tomar qualquer medida.

Fez mal.

Devia ter escondido o trigo, porque, passados três dias, isto é, na segunda-íeira, quatro fiscais entraram-lhe em casa apreendendo-lho o trigo, inclusive o grão destinado à sementeira e levaram-no pre-"so para o Governo Civil, onde está num calabouço li á três dias!...

Uma voz :—

O Orador:—Naturalmente queriam ver . se se explicava.

Como se tratava de moinho, talvez houvesse quem pensasse na máquina. (Risos).

É assim, Sr. Presidente, vemos a fazenda, o dinheiro, a liberdade e o bom nome de um cidadão, à mercê .dos poderes discricionários do Comissariado dos Abastecimentos, que ó uma instituição ile-galíssima.

Não pode ser!

Urge providenciar!

l, E com o azeite o que se tem dado ?

Fantástico também.

Há dias, necessitando azeite a cantina da guarda fiscal-do Porto, dirigida pelo ilustre tenente-coronol, Sr. Graça Ferreira, oficial distintíssimo, honesto, legalista e devotadíssimo republicano, procurou adquiri-lo no distrito de Évora.

Mas, respeitador das leis e das. ordens oficiais, só quis negociar o azeite depoig de preencher todas as formalidades legais.

Obtendo as respectivas guias e a devida autorizarão do delegado dos abasteci-

mentos no norte, cujo original aqui tenho e pode ser examinado, devidamente assinado e chancelado, a cantina negociou o azeite e entregou o sinal exigido.-

Pois não obstante ter cumprido todas as disposições em vigor, quando o azeite estava para sair, o comissariado geral, numa ordem despótica, arbitrária, absur da e de uma retrospecção revoltante, proibiu que o azeite seguisse para o Porto.

Mas sobre azeite há ainda melhor do que isto. Há pouco um nosso ilustre colega desta Câmara contou-me este facto verdadeiramente inverosímil, mas que S. Ex.;i garante.

Há dias uns empregados no Comissariado dos Abastecimentos requisitaram em certa terra da Beira Baixa uns cascos de azeite manifestado pagando-o ou para ser pago, ao preço da tabela.

Pois esse mesmo azeite foi oferecido a 5$ a um negociante de Lisboa, que, por acaso, era o mesmo a quem fora requisitado, e que os vendedores ignoravam. . Risos.

A respeito de azeite dizem-se tantas cousas que as anecdotas se contam e alastram por esse país como as nódoas do mesmo óleo ao caírem se espalham e salientam em tecidos de valor.

Mas não é só com o azeite que factos repreensíveis se dão, representando também incúria, incompetência e inabilidade.

Afirma-se —e lá me foi garantido por um fiscal dos abastecimentos que interroguei— que deixaram apodrecer mais de 500 contos de batatas, cuja arrecadação custara 40 contos, preço por que foi arrendado um barracão para esse fim.

Veja isto a Câmara: 000 contos, além do mais, havendo tantas tragédias de fome por esse país fora, por esses bairros pobres,.por essas trapeiras de míseros.

Afirma-se também que há muito arroz deteriorado. Já o disse a imprensa, e esta afirmação, como as outras, não se desmentem, antes a toda a hora as ouvimos confirmar.

Com a manteiga, outro género tabelado e racionado, quási o único que hoje faz conservar as bichas, também se dão casos estranhos e inexplicáveis.

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se executa no Comissariado dos Abastecimentos, basta que lhes leia este comunicado in?erto nos jornais, sob a epígrafe e sub-epígrafe «A questão da manteiga. Pedem-se providências».

«A Empresa Industrial de Lacticínios Limitada, tendo nos seus armazéns 4:400 quilogramas de manteiga a apodrecer, devido ao Sr. Comissário dos Abastecimentos não a ter requisitado nem autorizado a sua voada, pregunta qual é o critério com que há-de proceder para evitar prejuízos e ao mesmo tempo que o público tenha:ide consumir um género deteriorado. Em poder dalgumas firmas suas associadas existe ainda também manteiga que já veio em Dezembro próximo passado e espera do mesmo modo que o Sr. Comissário se lembre de autorizar a sua venda.

Chamamos a atenção do público e do Sr. Ministro da Agricultura para o desleixo e incompetência com que eui S. Roque se tríilam destes assuntos.-— Pe]a Empresa Industrial de Lacticínios, Limitada, o gerente, António Cardoso Rebelo.

(Segue o reconhecimento)».

Vejam bem: segue-se o reconhecimento. Quere dizer, o homem assume a responsabilidade do que_ publica, o que nos leva a acreditar na veracidade desta revelação .

Se não fosse exactamente verdc-deira, com os poderes que tem ou toma o comissariado, nem alma se aproveitaria ao reclamante, porque, como já disse, aquela ilegalíssima autoridade tem na sua mão a nossa liberdade, a nossa fazenda e o nosso dinheiro!

E com o açúcar?

Ah ! com o açúcar, em que entram em scena as refinarias, contam-se factos verdadeiramente extraordinários e imorais.

P rã a província ninguém apanha um quilo de açúcar pelo preço da tabela.

As autoridades da província chegam com as respectivas requisições. No comissariado imediatamente, com uma diligência e amabilidade dignas de todo o elogio, passam as guias e ordens para certa refinaria fornecer o açúcar. O portador, muito satisfeito e dizendo com os seus; botões—| muito se calunia nesta terra!— vai fazer o depósito do dinheiro e espera...

Espera, sim, espera uma semana, uni mês, dois meses, espera sempre, sempre, e o açúcar pago nunca é fornecido. Desculpas e mais desculpas, e o ingénuo conta o caso a um amigo ou conhecido, que logo o esclarece:

— Não o apanhas sern dares por baixo de mão boas luvas na refinaria. Experimenta. Fala, seja com quem for, nas fábricas de refinação e verás.

Seguido o conselho, pagando, pelo menos, mais 100 por cento, o açúcar é-lhe fornecido imediatamente, dizendo:

— É que para a província, só se fornece do que subra a Lisboa e Porto, e a este é por favor.

Lembra aquele anedótico caso do tenente. Eu conto para amenizar um pouco estas agruras e tristezas parlamontaros.

Um tenente de certo regimento do Algarve, coo numerosa família, via com muito pesar que os impedidos não lhe paravam em casa. Uma. vez, quando muito satisfeito por o impedido já se demorar quinze dias, Cste dirige-se-lhe, pedindo humildemente para voltar ao serviço do quartel.

— O quê, homem?! Queres-te ir?! Porquê?! Então não estás satisfeito? ! O trabalho é pouco, tratamos-te bem e damos--te tudo que sobra...

— Sim, meu tenente, realmente dão-me tudo q Lie sobra, mas.. .

— Míis quê?

-7-Mas não sobra nada ! ... (Risos].

E c que acontece nas refinarias com o açúcar para a província:— vai o que sobra de Lisboa e Porto,, mas não sobra nada! (Risos}.

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Não! Não se compreende.

Pelo que acabo de expor e por muitos outros factos conhecidos, principalmente respeitantes a fornecimentos de trigos, tenho a opinião, há muito arreigada, de que só o comércio livre, absolutamente livre, ou todo. absolutamente todo, tabelado, tendo, em qualquer dos casos, o Estado como concorrente e até como assambarcador, se atenuará a horrível crise que nos martiriza, sendo absolutamente necessário e urgente meter na .ordem os repugnantes harpagões do comércio.

Dou, por isso. o meu voto a esta proposta de lei, confiando no talento, saber, energia e patriotismo do ilustre Presidente do Ministério, crendo sinceramente que S. Ex.a vai iniciar uma obra de grande utilidade. Disse. (Apoiados).

O Sr. Jacinto Nunes:—Depois destas revelações, deste discurso, não há o direito de conservar o comissariado dos abastecimentos.

O Sr. Constâncio de Oliveira:—As palavras do Sr. relator da comissão de subsis-tências obrigaram-me a pedir a palavra.

Fui o primeiro Senador que disse que me parecia que este decreto divergia dos anteriores, mas, logo que o Sr. relator, por quem tenho a máxima consideração e estima, me afirmou que era idêntico, aceitei como boa a afirmação feita.

O Sr. Lima Alves fez a apologia do regime do comércio livre e, concomitan-temente, a censura do regime do tabelamento; e eu, como já ontem declarei, ern absoluto, não sou nem por um nem por outro regime porque nem um nem outro podem satisfazer completam ente.

Em princípio sou pelo comércio livre, mas, na situação actual, a liberdade de comércio precisa de ser rodeada de muitas cautelas, como seja a intervenção do Governo quando haja excessos da parte do comércio, como seja o estabelecimento de armazéns reguladores, como seja a organização de cooperativas e como seja o auxilio dos próprios consumidores, por meio de ligas, tal como se fez na América do Norte.

Antes e nos primeiros anos da guerra, vivíamos no regime da liberdade de co-jnércio.

Os que defendem a liberdade do comércio parece que já se esqueceram dos assaltos aos estabelecimentos. *

Há mais. <_0 que='que' de='de' negociante='negociante' bolacha.='bolacha.' explorar='explorar' queijo.='queijo.' perde='perde' imediatamente='imediatamente' do='do' depare='depare' consumidor.='consumidor.' se='se' para='para' preço='preço' sucedido='sucedido' não='não' ensejo='ensejo' pão='pão' tem='tem' a='a' azeite='azeite' subir='subir' banha.='banha.' lhe='lhe' sobe='sobe' qualquer='qualquer' quando='quando' o='o' p='p' falta='falta' há='há' manteiga='manteiga' da='da'>

O Sr. Jacinto Nunes: — Os consumidores que façam greve. ..

O Orador: — Lá fora assim se tem feito. E para alguns géneros se devia também cá ter feito o mesmo. -

Para tal fim organizaram-se na América do Norte diversas ligas de consumidores, uma das quais foi a do remendo.

Toda a gente se apresentava com fatos remendados, para que as fábricas de lanifícios acabassem com aquele espírito de ganância que tinham tido até ali.

Portanto, se o regime de tabelamento tem os seus inconvenientes, e que os tem, fazendo desaparecer os géneros e dando logar às bichas, o regime de comércio livre também os tem e não são menores.

Portanto, não se pode nem deve preconizar como de absoluta vantagem, qualquer dos regimes.

Sr. Presidente: pela proposta de lei em discussão o Poder Executivo pede ao Poder Legislativo autorização para resolver os assuntos de subsistência que careçam.

E certo que análogas autorizações têm sido concedidas ao Poder Executivo por esta casa do Parlamento, mas sempre com certo escrúpulo, escrúpulo que tem sido sempre manifestado pelo Sr. Presidente do Ministério, quando na sua cadeira do Senador.

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Entretanto, como diz o relator, e muito bem, nesta questão de subsiste neias ó preciso de momento a momento estar a -tomar resoluções que são exigidas pela força das circunstâncias.

Termino, pois, Sr. Presidente, dizendo que, por essa razões, terá de, se dar ao Poder Executivo a autorização que ele agora nos vem pedir, embora eu o faça com aquele escrúpulo que seupre tenho tido, quando voto essas autorizações.

O Sr. Celestino de Almeida: — Sr. Presidente: pedi a palavra, ontem, euan-do estava falando o Sr. Limu Alves, e não podia deixar de o fazer, pois que S. Ex.a se referiu primeiro à minha atitude como membro da comissão e depois fez referências à atitude dos Deputados Liberais, e por fim L possível atitude dos Senadores Liberais nesta casa no Parlamento.

Sr. Presidente : quanto à minia atitude como membro da comissão de subsistèn-cias do Senado, parece-me que não teria S. Ex.;l necessidade de se referir a ela se atentasse no que eu havia dito ao começar as poucas palavras que disse. Pois disse que es membros da comissão de subsistencias tinham elaborado um parecer por fornia que sem contrariar a proposta que nos era apresentada, mas contrariando a possível demora que pudesse ter na comissão, nos ficasse reservada a faculdade de cada um deles ter sobre a proposta a opinião que entendesse.

Eu.. Sr. Presidente, até na ocasião observei, que teria uma atitude benévola a respeito da proposta de lei, mas de oposição.

E, sem fazar mais referências a isto, direi que foi dada liberdade a todos os membros da comissão para procederem como entendessem.

Referiu-se ainda o Sr. Lima Alves à atitude dos Deputados Liberais, havida a propósito desta proposta de lei, e ainca à possível atitude dos Senadores Liberai*. E S. Ex.a, verdadeiramente, com a célula na mão frisou a atitude de oposição, atitude desarmónica dos representantes do Partido Liberal, quer naquela case, do Parlamento, quer nesta.

Muito agradecemos ' a S. Ex.a o seu bom cuidado e a sua boa intenção de reparar na atitude dos membros do Partido

Liberal. Penhoradíssimo por esse interesse, devendo, todavia lembrar que não é assunto que esteja especialmente a seu cargo, sendo todavia permitido observações mais largas a respeito dos factos passados, do que propriamente aqueles que ainda estava prevendo.

Sr. Presidente: não fui talvez bem claro ao produzir as minhas observações a este respeito, no Senado, na sessão de ontem, e por isso preciso de sê-lo agora.

Sr. Presidente: a atitude por mim tomada eiti frente da proposta de lei para resolver assuntos que são habitualmente o muito naturalmente da atribuição do Poder Legislativo e que passariam, portanto, dentro do prazo de tempo em que esta autorização tivesse valor para o Poder Executivo, era conceder-lhe temporariamente a faculdade de decretar com força de lei a respeito de determinadas providencias relativas a subsistências.

Disse ou que essa atribuição já concedida nos precisos termos em que nos vinha a proposta de lei da Câmara dos Se-naores Deputados, por mais duma vez, como muito bem disse o Sr. Cristóvão Moniz, me parecia ter bem menos oportunidade, bem menos necessidade neste momento do que nos momentos anteriores.

Vi menos necessidade neste momento, do que nos momentos das anteriores autorizações.

Nem pelo relato dos jornais, que ó de-ficientíssinio, nem pelo relato das sessões da outra Câmara, que como o desta, anda atrasado, o não tendo por outro lado, tido a honra de ouvir na Câmara dos Senhores Deputados o Sr. Presidente do Ministério— eu poderia ter conhecimento das suas precisas opiniões.

Todavia, pela entrevista concedida a um jornal da capital, eu concluía que S. Ex.a caminhava para a liberdade de comércio, e então a oportunidade para usar de autorizações 110 sentido de tomar medidas sObre subsistências é cada vez menor, acabando-se antes a pouco e pouco com todas as restrições à liberdade de comércio.

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O Sr. Cristóvão Moniz (interrompendo): Mas é que as medidas a tomar, mesmo de anulação, teriam de ser feitas por decretos com força de lei...

O Orador:—Eu estou convencido do que, no dia em que o actual Ministro da Agricultura ou o que lhe venha a suceder trouxer ao Parlamento a sua proposta de eliminação de restrições à liberdade de comércio, não encontrarão grandes dificuldades e que o assunto será resolvido imediatamente.

Para medidas novas, compreende-se que o Sr. Ministro encontre dificuldades; para anulações, não.

Eu lembrava por minha parte a conveniência, se não de fixar, pelo menos de alguma maneira fazer conhecer os propósitos em que se estava, de se estabelecer o preço mínimo em que se pudessem realizar estas passagens do comércio para uma situação normal, como a que nos encontrávamos antes da guerra, e isto para nos precaver contra os actuais assambar-cadores e exploradores, que os há, de géneros de primeira necessidade, e ainda para poder contrariar o jogo destes e de todos aqueles que poderiam ir fazendo as suas compras, organizando os seus stoJcs à medida que fosse passando para a liberdade de comércio.

Pelos motivos que expus, parece-me que as autorizações não tinham razão de ser, como se afigurou ao Sr. Presidente do Ministério, e como eu vi que se afigurava também um pouco ao Sr. relator da comissão. Por me parecer, ou antes por ver nesta autorização, assim concedida, a possibilidade dela só servir para à sua sombra se decretar sobre matéria de subsistências com mais ou menos cautela, como se fez à sombra de outras autorizações, umas vezes com maior, outras vezes com menor hostilidade, é por esse motivo que eu sinto na pouca necessidade destas autorizações, e que pelos motivos que expus as considero mais sob o aspecto de verdadeiras concessões feitas ao Poder Executivo por forma a representar no. fundo, até certo ponto, um voto de confiança ao Governo.

Mas como se tratava de assunto de ordem económica, e não era propósito dos nossos amigos políticos criar dificuldades ao Governo, disse que não só tínhamos

facilitado a preciação de uma proposta de tal importância, como ainda se lhe tinha concedido a urgência e dispensa de Regimento.

Aqui está porque eu disse então que nós Senadores Liberais, sem querer dificultar a acção do Governo no exercício das suas funções, teríamos de considerar essa proposta porque envolvia um aspecto económico.

Era isto que eu queria dizer e se repeti o que então já tinha dito, era para que o laconismo meu não representasse uma atitude que não tinha em vista tomar.

O orador não reviu.

O Sr. Oliveira Santos: — Não tenho ainda motivo para mudar de opinião.

O Governo não tinha necessidade de vir aqui .pedir a aprovação dessa proposta, e se aqui vem é porque quere que Parlamento seja solidário com os seus actos.

A questão dos abastecimentos tem de ser resolvida indirectamente pela pasta das Finanças.

Estamos com um encargo tremendo, temos de gastar seis mil libras por dia só para abastecer de trigo o país. Este problema requere pois, uma grande atenção e o Governo ainda não disse uma palavra sobre a. sua mais conveniente e viável solução.

O Governo ainda não disse aqui quais os resultados da comissão nomeada para o inquérito à indústria de panificação e moagem, e todavia, esse inquérito ó importante.

O Governo não encarou de frente o problema das subsistências, pois que anda a ladeá-lo simplesmente, ladeia-o e nada mais.

Nesta conformidade não voto a proposta sem que o Governo diga o que pensa sobre matéria de finanças, porque é daqui que deve partir a resolução do problema económico que nos asfixia.

O Sr. Jacinto Nunes: — O Governo não carece dessa autorização — disse o orador antecedente.

Devo dizer que uma autorização só pode ser^ aproveitada numa gó vez.

É do artigo 27.° da Constituição.

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0 Orador: — Isto é pregar no deserto porque nunca o Senado ou a Câmara dos Senhores Deputados se importaram com ela; julgam que receberam do país carta branca para legislar sobre tudo, o que tem sido um mau exemplo.

Eu já disse ontem que a lei n.° 1:009, não faz a menor referência a baldios e, contudo, o Governo dessa época legislou, largamente sobre baldios.

Quando a posse de terrenos baldios for contestada entre as câmaras municipais e as juntas de paróquia passa ao Estado para todos os efeitos.

1 Isto é um perigo enorme para £, propriedade !

O Sr. Alves de Oliveira: — O Estado não se apossa dos baldios, faz a divisão que devia ser feita pelas corporações administrativas. Esse direito está dentro da autorização.

O Orador: — O artigo 66.° da minha autoria, é bem claro.

.Não é preciso mais nada.

As questões de posse foram sempre da competência dos tribunais comuns.

Agora, Sr. Presidente, dificuldades do trânsito: um sujeito quere mandar azeite, fariniia, carne, ovos, etc., e tem de percorrer, õ, 10, 15, 20 quilómetros para chegar à sede do concelho; gasta aí um dia, quando não tinha precisão disso, porque passoa por vários concelhos onde podia pôr o visto. Eu mandei uma bilha de azeite à minha filha e tivemos de pagar

400&,

Eu, como tinha a guia de trânsito, mandei o criado levar o azeite para despachar, a guia vinha aos termos da lei e chegou ao cais e ali disseram que sem ordem de cima não era despachado.

Para tudo é preciso um grande empenho.

E visto que pedi a palavra sobre isto sempre direi que o Governo o que devia, fazer era o mesmo que já se fez noutros tempos, que foi providenciar no sentido de intensificar a cultura, principalmente dos cereais.

Em 1889 realizou-se em Lisboa um importante congresso agrícola presidido por uma grande sumidade jurídica—o Sr. Dr. Pinto Coelho.—Então, vendia-se o trigo a 40 centavos os 15 litros, isto é, não dava pare a despesa.

Tomaram-se providências sérias e & sabe o Senado o que resultou deste regime especial de cereais? E que hoje semeamos muito mais do que semeávamos naquele tempo.,

Sr. Presidente do Ministério, tenha V. Ex.a muita cautela quando tratarem da fixação do preço dos cereaes, porque o ano vai terrível.

Se não chover por estes dias desaparece toda a produção agrícola.

Além disso os adubos químicos custaram 20 vezes mais do que custaram noutros tempos e as alfaias agrícolas também.

Esquecia-me já de dizer que nos tempos ominosas em que se tomaram medidas sérias a favor da intensificação cerealífera, as alfaias agrícolas e outros materiais necessários à pua construção eram isentos de direitos aduaneiros, os adubos químicos ou os elementos da sua composição eram também isentos de direitos e transitavam gratuitamente nas linhas do Estado. Assim é que V. Ex.a resolveria o problema das subsistências.

Não podendo, como não pode o Governo 'tabelar os adubos, as alfaias agrícolas e os salários, ,;com que direito se vai tabelar o preço do trigo, o centeio, o milho, etc.?

E por agora, tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Lima Alves: — Sr. Presidente: ainda duas palavras E respeito do assunto que se está debatendo, e apenas para dar ligeiras explicações aos Srs. Senadores que me deram a honra de se referirem a algumas das minhas palavras aqui proferidas ontem.

Falo ainda para o esclarecimento de V. Ex.as e para esclarecimento do Senado e para que a minha atitude, o meu modo de ver seja compreendido por fornia diferente daquele porque parece ter sido.

O Sr. Constâncio de Oliveira parece ter depreendido das minhas palavras que eu sou apologista incondicional da liberdade de comércio.

Desejo que não fique tal impressão no

Cl 1

Senado.

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Parece-me, que ontem frisei bem este ponto dizendo que, aprovando-se a proposta de lei em discussão, nela se encontraria redacção que permita, quer ampliar, quer restringir a liberdade de comércio, afirmando também que confiava no Governo e em particular no Sr. Ministro da Agricultura, para apreciarem dessa oportunidade. Por consequência, repito, sou muito pela liberdade de comércio, mas não incondicionalmente.

Ela deve vir só quando se julgar oportuna.

Em referência às palavras, que me pareceram magoadas, do nosso estimado colega Sr. Celestino de Almeida, eu devo dizer a S. Ex.a que por forma alguma deveria ter visto nas minhas considerações qualquer fundamento para mágoa. Limitei-me apenas a salientar a circunstância de que S. Ex.a, eu e outros membros da comissão havíamos feito notar ao Senado que a aprovação dessa proposta de lei seria um acto de coerência. S. Ex.a deveria pois, tirar apenas a ilação, a dedução que a lógica mandava que se tirasse. Nada, absolutamente, que a meu ver, possa ser considerado de menos deferência para o ilustre Senador.

Mas, se por ventura S. Ex.a, depois destas palavras, julgar ainda necessário que eu faça a afirmação da muita consideração que por S. Ex.a tenho, eu não terei a menor dúvida em o fazer.

Eu folgo' em ter ouvido hoje um novo discurso de S. Ex,a, o qual poderá servir de base para a minha desculpa.

Foi S. Ex.a o primeiro que disse que possivelmente ontem não haveria sido suficientemente claro na sua exposição.

Foi S. Ex.a que quis hoje repor nos devidos termos a sua situação.

Eu ontem não afirmei, nem o podia fazer, que esta questão fosse uma questão fechada para os Senadores Liberais; limitei-me a frisar a circunstância de certos Senadores Liberais se terem já manifestado a favor da aprovação desta proposta.

Folgo, repito, em ver hoje o assunto completamente esclarecido e em reconhecer que não é um assunto fechado dentro daquele partido.

Qualquer referência que da minha parte tivesse havido a esse partido, nada envolvia de desprimorosa para ele.

Suponho que todos nós, de qualquer partido, temos a obrigação de não intervir na vida íntima dos outros partidos; mas também temos o direito de apreciar os seus actos .e atitudes dentro do Parlamento, para os discutir e apreciar, tendo apenas em vista os interesses da Nação, Pertence este direito a qualquer Senador, a qualquer partido.

Kepito, Sr. Presidente, não sei se estas explicações serão as suficientes. Mas, como a minha consideração pelo Sr. Celestino de Almeida é muita, eu ofereço todas as que S. Ex.a tiver por bastantes.

Tenho dito.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Agricultura

(Bernardino Machado): — Sr. Presidente: depois do discurso sobre este assunto que o Sr. relator da comissão pronunciou, — e o nosso ilustre colega tem uma autoridade incontestável—eu não precisava já de usar da palavra. S. Ex.a disse o que era necessário dizer para justificar plenamente a presente proposta de lei. Mas não há que considerar somente a sua voz de autorizado parlamentar, de agrónomo que merece a consideração de todos e de funcionário superior distintíssimo. O Parlamento votou sucessivamente esta autorização— O Parlamento.

Na outra Câmara, as antigos Ministros da Agricultura Srs. Jorge Nunes, João Luís Ricardo, António G r anjo e João Gonçalves, unanimemente sustentaram esta proposta de autorização. Se mais Ministros houvesse, mais votos teria a proposta.

Venho para esta Câmara. Encontro cá um ilustre membro do professorado agrícola português e único Ministro da Agri-Wltura, e tenho o seu voto. Parlamento e Poder Executivo unanimemente se apreendem da necessidade desta autorização.

Eu mesmo constituí uma comissão-.

Eu combati sempre as autorizações.

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bati este regime das autorizações, combato-o ainda hoje, mas agora tenho de fazer justiça aos outros.

Sabe V. Ex.a que por uma lei se criou o Comissário dos Abastecimentos, por outra lei se organizou o Comissariado, e sabe V. Ex.a e o Senado as faculdades. que nesta lei se deram aos comissários, as mais amplas e absolutas, dizendo-se a todos os momentos, eles decidirão.

No meu pedido de autorização, que evidentemente é uma autorização, mas para limitação de poderes absolutos que eram dados numa lei, em vez de ser uma abdicação do Parlamento, é pelo contrário, uma confissão que o Governo faz que não pode com responsabilidades daquela estrutura.

Como V. Ex.a vê, o que se pede aqui não é por forma nenhuma um pedido do autorização que vá invadir as prerrogativas parlamentares.

Estou agora fazendo o que fizeram os meus antecessores, limitando as largas atribuições que tinham sido conferidas pela lei do comissariado ao próprio comissário.

O Governo reconheceu que se precisava definir quais eram os poderes que o Parlamento lhes devia conferir para pôr em cumprimento a lei do Comissariado dos Abastecimentos.

Portanto, chamou a atenção do Senado para que indicasse o carácter desta autorização, que é de limitação e depois para a situação em que está o Ministro.

Dito isto, está-se a ver como todos os parlamentares têm votado esta lei. Todos a têm julgado necessária, e foi demonstrado que dentro do actual regime o Ministro da Agricultura não podia cumprir a lei sem esta autorização.

Dito isto, tenho o direito de me voltar para os que impugnavam esta proposta, preguntando se ainda depois destas explicações acham que é possível duvidar da obrigação que lhes incorre de votar esta proposta;, e entre os impugnadores volto--me para o aieu antigo amigo e companheiro de campanhas, o Sr. Celestino de Almeida.

Quando o Governo aqui se apresentou encontrou contra o Governo, o Sr. Celestino de Almeida.

Tive surpresa porque me parecia que o momento não era para lutas, e disse que embora ele quisesse lutar, não encontra-

ria cora quem, porque achava que a luta não seria travada.

Agora o Sr. Ceies tino de Almeida, volta inflamado a levantar a mesma questão política, e eu repito o que então disse.

«j.Cora quem é que S. Ex.'a luta? Comigo não.

«jCom quem quere lutar então?

(T Com o seu partido que votou na Câmara dos Senhores Deputados esta autorização ?

Parece-me que houve no meu querido amigo flama guerreira de mais.

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Mo é.

E como há uma tendência deplorável no país para as lutas, não podia deixar de frisar que o momento não era. azado para tal, se se tratasse de pessoa que não tivesse perante o país responsabilidades como S. Ex.a pela sua elevada posição a dentro da Eepública.

Não podemos estar a terçar armas a propósito de tudo.

Basta que já lá fora haja quem havendo que apoiar a República fomente dilacerações como se não fosse necessário dar toda a estabilidade à vida republicana a começar pela estabilidade ministerial.

Esta estabilidade ministerial não é a do homens é a da vida política e administrativa da Nação.

Podemos estar certos do que o Governo fará por resolver o problema dos abastecimentos.,

ó Qual é a questão que temos diante de nós, neste momento?

Este regime de restrições podia ser, até certo ponto, um regime que não atacasse essencialmente a liberdade de comércio; durante a guerra, está claro,, todos os meios eram necessários, mas acabada a guerra, numa situação deficitária como a nossa, para evitar as especulações o que naturalmente se deveria ter feito, eu disse-o aqui, como Senador foi sempre essa a minha opinião, era o Estado intervir com os seus armazéns reguladores, intervindo também as câmaras municipais. Foi isto o que eu disse e algumas câmaras o fizeram em 1915, .1916 e 1917 e deu um exemplo notável a Câmara do Porto.

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situação deficitária fosse melhorando, aumentando-se a produção até se tornar à normalidade.

Mas fez-se isto? Não se fez, e eu devo reconhecer que se não fez até certo ponto, pelas,dificuldades financeiras em que se encontrava o Estado e as câmaras municipais.

Para esta intervenção era preciso dinheiro, era preciso comprar os artigos necessários para o abastecimento da Nação dos géneros indispensáveis, e para isso o Estado tinha de despender somas consideráveis nesta intervenção ; as câmaras, está claro, dentro dos limites da sua circunscrição, também não podiam intervir por falta de recursos.

^E então o que se fez? Foi-se para o tabelamento, estabeleceu-se o tabelamento, Quere dizer: não se podendo evitar a exploração pela concorrência do Estado, entendeu-se que o Estado podia continuar, fixando ele o preço.

Ora, compreende V. Ex.a e p Senado, primeiro, como é difícil a fixação do preço, compreende as consequências deploráveis quando essa fixação é feita contra o produtor e todos sabem o abalo que isto produziu na economia nacional.

Na metrópole e nas colónias muitos produtores entenderam que deviam abandonar os artigos que produziam, porque eles não davam suficiente remuneração.

É muito grave a tabelação que vem desde a idade média. V. Ex.a sabe quanto desastrosas foram as consequências deste sistema, mas não houve remédio, teve de se fazer o tabelamento, foi a necessidade que impôs este regime, mas é preciso dizer-se que se procurou acertar.

Aqui tem-se falado por exemplo no tabelamento do trigo, mas V. Ex.a sabe que se nomeou uma comissão para tabelar o preço do trigo, que tem de funcionar todos os anos, não é ao arbítrio que isso se faz, mas sim ao custo da produção, pois esse tabelamento tem sido por vezos infeliz, tem-se criado no propósito de não ofender os legítimos interesses do produtor.

Encontrámo-nos todos com esto rogime porque ele é lei.

Dentro dele criarám-se interesses legítimos e direitos que é justo respeitar.

Por exemplo: como o Senado sabe, com o tabelamento exigiu-se o manifesto dos artigos, mas houve quem não manifestasse.

Se amanhã suprimíssemos de repente o tabelamento, faríamos o jogo dos que clandestinamente fugiram a vender os géneros polo preço tabelado.

As classes menos felizes, tam exploradas pelos intermediários que se chamaram milicianos do comércio, puseram fé no tabelamento, acre.ditaram na sua eficácia; contudo o Senado vê as manifestações que se estão produzindo desde que se falou em liberdade de comércio.

De maneira que, até para respeitar essa sensibilidade pública, pois . não devemos ir ao arrepio dela, temos de ir desbastando as restrições e temos necessidade da autorização que pedi.

O Estado não pode providencialmente fazer tudo, é preciso o concurso dos sindicatos agrícolas, das suas federações que eu estimaria que fossem instituições profundamente republicanas para que o Estado confiasse mais nelas e elas pudessem confiar no Estado.

jíi preciso que por toda a parte se saiba que essas instituições que nos são simpáticas precisam de se apoiar na República, merecendo confiança a todos. Temos de aumentar a produção pela lei de sindicatos.

V. Ex.*s sabem muito bem que os americanos conseguiram a baixa dos preços pela larga produção que depois da guerra passou a sor excessiva, e cm França não foi só peja produção que obtiveram a diminuição dos preços, foi pelo que chamaram o resumo do consumo. Cada um reduziu as suas despesas ao mínimo, pela organização do cooperativas, e isso é que é preciso fazer-so em Portugal, e isso tem de ser feito pelas cooperativas.

Eu tive ainda há pouco ocasião de falar dos comerciantes milicianos, desse sem número de intermediários que andam aí pelo comércio. Não quero dizer que não haja no comércio milicianos muito distintos. Novos comerciantes vieram à luz deste meio e têm-se mostrado homens do distinção e muita consideração, mas pro-cisamos dessa organização e dizer aos principais comerciantes que organizem as suas associações do forma a que os seus capitais em trusts cooperem de maneira a equilibrar a missão daqueles quo causam o mal doía.

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que faz com que os produtos subam a uma granàe importância.

Sendo o consumo disciplinado, desaparece a concorrência, mas são os próprios comerciantes que enfeicham as suas forças o são estes que fazem com que os géneros custem uma exorbitância.

Não é o livre câmbio que nós queremos nós queremos obras na arena das lutas, nós não queremos lutas, queremos a solidariedade à qual o Estado prestará sempre a sua atenção, nós queremos é caminhar rapidamente.

Objecta-se, como se há-de fazer isso..

Veja-se a divisa cambial, aqui posta em relevo por um ilustre Senador, e eu dou-Uie razão. Evidentemente que eu não posso esperar a normalidade da vida externa, sem se regularizar a vida interna.

É preciso produzir muito e muito, e que as importações sejam reduzidas ao indispensável. A situação cambial é muito penosa.

Quando aqui se fala aos Governos, parte-se sempre desta disposição,: — ;0s Governos não fazem nada! ,íE necessário fazer a melhoria do câmbio e não fazem ?

Ora eu acho que a dialéctica parlamentar devia ser mais concreta. Pregunto-se duma forma precisa: — ^Se o Governo ainda não apresentou as suas propostas, o que é que tenciona fazer?

Se o ilustre- Senador Sr. Oliveira Santos, que é um novo aqui—e é sempre agradável receber um novo — nos pre-guntasse o que tencionávamos fazer, rios poderíamos dizer-lho. Provavelmente S. Ex.a ainda estava em Timor quando aqui foi lida a declaração ministerial.

Em Portugal, entre nós, os nossos inimigos fizeram a propaganda do defectis-mo durante a guerra e depois da guerra. Depois da guerra: — «Não há reparações. . . D. E até republicanos da mais alta categoria, no afan de bem servir a cansa pú-.blica — não tenho dúvidas a esse respeito.

As nossas compensações morais da guerra, se as não tivemos de sobejo, ú-vémo-las contudo para exaltarem o nosso orgulho nos últimos dias em que se produziu o acontecimento mais notável ca

história contemporânea dos nossos dias* Temos lá fora um crédito negociável.

<_ com='com' que='que' nada='nada' fora='fora' tag0:_='importamos:_' dos='dos' crédito='crédito' nacional='nacional' trigo='trigo' do='do' nos='nos' para='para' um='um' não='não' pois='pois' assegure='assegure' vir='vir' ele='ele' vinha='vinha' e='e' termos='termos' nosso='nosso' abastecimento='abastecimento' contamos='contamos' o='o' p='p' algodão.='algodão.' carvão='carvão' lá='lá' há-de='há-de' imaginávamos='imaginávamos' negociamos='negociamos' produtos='produtos' defectismo='defectismo' porque='porque' xmlns:tag0='urn:x-prefix:importamos'>

Aqui. têm V. Ex.as como desde o princípio, estava no nosso programa a melhoria do câmbio. Mas mais; um dos males, o nosso grande, mal, de efeito moral decisivo, sobre os câmbios, tem sido a desordem das finanças portuguesas, não termos sobretudo um orçamento organizado e votado. (Apoiados).

Vamos organizá-lo e votá-lo, vamos inspirar confiança, e V, Ex.as verão que o nosso câmbio melhorará.

É isto o que eu penso.

Quanto à economia nacional eu penso que se não deverá fazer questão da liber-bade de comércio, porque vamos fazer as restrições necessárias, como se tem feito tantas vezes, para melhorar a vida geral da Nação.

O Marquês de Pombal deu o exemplo vestindo nesse tempo o Chefe de Estado de briche.

Estas é que são as restrições nececes-sárias, pois são esses os sacrifícios que devemos à prosperidade da Nação.

(Apoiados).

O orador não reviu.

O Sr. Celestino de Almeida: — Sr. Presidente : está longe do meu espírito o fazer considerações largas sobre o brilhante discurso do Sr. Presidente do Ministério.

Ele merece contudo bastantes considerações, mas a hora vai adiantada.

À consideração que eu tenho por S. Ex.a é ainda superior, se acaso o pode ser, à que eu já tinha.'

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Posta à discussão a proposta de lei, na generalidade e especialidade foi aprovada.

O Sr. Cristóvão Moniz: — Sr. Presidente : requeiro a dispensei da última redacção.

Posto à votação o requerimento foi aprovado.

O Sr. Presidente:—A próxima sessão é amanhã à hora regimental, sendo a ordem do dia a mesma que estava marcada para hoje, e mais a proposta de lei n.° 884.

Está encerrada a sessão. Eram 19 horas.

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