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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
SESSÃO N.° 21
EM 31 DE MARÇO DE 1922
Presidência do Exmo. Sr. José Joaquim Pedira Osório
Secretários os Exmos. Srs.
Luís Inocêncio Ramos Pereira
José Joaquim Fernandes de Almeida
Sumário. - Às 15 horas e 20 minutos, com 32 Srs. Senadores presentes, Sr. Presidente declara aberta a sessão.
Lê-se e aprova-se a acta.
Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Júlio Ribeiro lamenta que os diplomas aprovados na Câmara não sejam publicados com a necessária prontidão.
O Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto), dá explicações.
O Sr. Ramos de Miranda participa que a comissão de Senadores que foi incumbida de saudar o Sr. Dr. António Cândido se desempenhou dessa missão.
O Sr. Raimundo Enes Meira renova a iniciativa dum projecto de lei regulando o uso dos automóveis do Estado.
O Sr. Sousa Varela pede que sejam nomeados magistrados judiciais para a comarca de Tomar, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Guerra.
O Sr. Silva Barreto refere-se às reclamações do funcionalismo público, replicando-lhe o Sr. Ministro das Finanças (Portugal Durão).
O Sr. Ministro da Guerra requere que se discuta com urgência a proposta de lei n.° 38, que regula as promoções no exército. A Câmara, em votação nominal, depois de várias considerações do Sr. Tomás de Vilhena, aprova a urgência. Falam sôbre a proposta os Srs. Roberto Baptista, Raimundo Enes Meira, Tomás de Vilhena e Mendes dos Reis, sendo em seguida aprovada a proposta.
Entra em discussão a proposta de lei sôbre os duodécimos, que é aprovada, depois de falarem os Srs. Afonso de Lemos, Ramos da Costa e Júlio Maria Baptista.
Antes de se encerrar a sessão.- O Sr. Tomas de Vilhena refere-se a vários assuntos.
O Sr. Vasco Marques requere documentos pela secretaria do Congresso,
O Sr. José Pontes pede que se olhe com carinho para os mutilados da guerra.
O Sr. Joaquim Crisóstomo ocupa-se da nomeação do nosso Ministro em Madrid.
Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Alfredo Narciso Marçal Martins Portugal.
Aníbal Augusto Ramos de Miranda.
António Alves de Oliveira Júnior.
António da Costa Godinho do Amaral.
António Gomes de Sousa Varela.
António Maria da Silva Barreto.
António Xavier Correia Barreto
Artur Augusto da Costa.
Artur Octávio do Rêgo Chagas.
César Justino de Lima Alves.
Duarte Clodomir Patten de Sá Viana.
Francisco António de Paula.
Francisco José Pereira.
Francisco Vicente Ramos.
João Maria da Cunha Barbosa.
Joaquim Manuel dos Santos Garcia.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Joaquim Pereira Osório.
José Mendes dos Reis.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Júlio Maria Baptista.
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Luís Augusto de Aragão e Brito.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Querubim da Rocha Vale Guimarães.
Raimundo Enes Meira.
Ricardo Pais Gomes.
Roberto da Cunha Baptista.
Silvestre Falcão.
Tomás de Almeida Manuel de Vilhena (D).
Vasco Gonçalves Marques.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
Ernesto Júlio Navarro.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Frederico António Ferreira de Simas.
João Trigo Motinho.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Xavier de Figueiredo Oriol Pena.
José Augusto Ribeiro de Melo.
José Joaquim Fernandes Pontes.
Rodolfo Xavier da Silva.
Rodrigo Guerra Álvares Cabral.
Srs. Senadores que não compareceram à sessão:
Abílio de Lobão Soeiro.
António de Medeiros Franco.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.
Elísio Pinto de Almeida é Castro.
Francisco Xavier Anacleto da Silva.
Herculano Jorge Galhardo.
João Alpoim Borges do Canto.
João Catanho de Meneses.
João Manuel Pessanha Vaz das Neves.
Joaquim Teixeira da Silva.
Jorge Frederico Velez Caroço.
José António da Costa Júnior.
José Augusto de Sequeira.
José Machado Serpa.
José Nepomuceno Fernandes Brás.
Júlio Ernesto de Lima Duque.
Luís Augusto Simões de Almeida.
Manuel Gaspar de Lemos.
Nicolau Mesquita.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 32 Srs. Senadores. Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta.
Leu-se.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
Pelas 15 horas e 20 minutos o Sr. Presidente manda, proceder à chamada.
Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Senador pede a palavra, considera-se aprovada.
Vai ler-se o
Expediente
Renovação de iniciativa
Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 872 apresentado em Maio de 1921.
Sala das sessões, 29 de Março de 1922. - Raimundo Meira.
Para a Secretaria.
Requerimentos
Requeiro que, pelos diferentes Ministérios me sejam fornecidos, com urgência, os esclarecimentos seguintes:
Número de automóveis ligeiros no serviço dêsses Ministérios ou do serviço deles dependentes;
Se pertencem a êsses Ministérios ou a outros e no primeiro caso como foram adquiridos e por quanto;
Entidades ao serviço de quem estão destinados;
Origem da verba para a manutenção dêsses automóveis e sua importância.- Raimundo Meira.
Para a Secretaria.
Requeiro que, pelo Ministério do Interior me sejam enviadas com urgência, as seguintes informações referentes à Guarda Nacional Republicana, em Lisboa, e referidas a 31 de Março do corrente ano:
Relação nominal dos oficiais superiores presentes, indicando postos, armas ou serviço e funções que desempenham;
Relação numérica dos capitães, subalternos, sargentos, cabos e soldados presentes, indicando postos, armas ou serviços e funções que desempenham;
Relação numérica dos solípedes presentes, indicando unidades a que pertencem ou serviço que prestam;
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Número de viaturas automóveis e hipomóveis existentes, e serviço em que são empregadas. - José Mendes dos Reis.
Para a Secretaria.
Requeiro que, pelo Ministério da Guerra me seja fornecida com urgência, uma relação dos oficiais milicianos que se encontram no serviço efectivo, indicando:
Arma ou serviço a que pertencem e graduações;
Lei ou autorização em virtude da qual se acham ao serviço;
Indicação de que se acham ao serviço de outros Ministérios na qualidade de oficiais do exército. - Raimundo Meira.
Pára a Secretaria.
A fim de poder relatar um projecto de lei, como membro da comissão de finanças, requeiro que, pelo Ministério da Instrução e Direcção Geral das Belas Artes, me seja enviada nota:
Nomes dos societários do Teatro Nacional;
Peças que se representaram em 1921, discriminando as que pela primeira vez foram à scena naquele teatro;
Quais os societários que as representaram;
Quantas representações se efectuaram com cada peça;
Numero de dias de licença que gozaram os diferentes societários. - Júlio Ribeiro.
Para a Secretaria.
Requeiro que, com urgência, me seja enviada, pela secretaria do Congresso, cópia do pedido dos pensionistas e despachos que sôbre êle recaíram.- Vasco Gonçalves Marques.
Para a Secretaria.
Interpelação
A digníssima Mesa do Senado.
Desejo interpelar S. Exa. o Sr. Ministro do Trabalho sôbre:
Acidentes de guerra e trabalho.
Escolas de reeducação funcional e profissional.
Tabelas de invalidez.-José Pontes.
Ofícios
Do Ministério das Colónias, satisfazendo o requerimento n.° 64, de 22 do corrente.
Para a Secretaria.
Para dar conhecimento ao interessado.
Da Câmara dos Deputados, acompanhando a proposta de lei que anula a lei n.° 1:239, de 24 de Fevereiro de 1922.
Para a comissão de guerra.
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o projecto de lei n.° 22, aumentando os subsídios ao Presidente da República, Ministros e membros do Congresso.
Imprimir e distribuir.
Da comissão de administração pública sôbre o projecto de lei n.° 36, mandando cessar a aplicação da lei n.° 7:984, de 22 de Janeiro de 1922.
Imprimir e distribuir.
Carta
Da viúva do falecido Dr. António Granjo, agradecendo ao Senado o voto de sentimento pelo falecimento de seu marido, manifestando a sua gratidão a todos aqueles que, não tendo responsabilidades em tam monstruosos crimes, sinceramente podem partilhar de tamanha dor.
Para a Secretaria.
Projectos de lei
Do Sr. Júlio Ribeiro, em que durante o prazo de dês anos não são admitidos alunos à matrícula na Escola de Guerra.
Para segunda leitura.
Dos Srs. Ramos da Costa e Ferreira Simas em que será conferido diploma de engenheiro químico-industrial aos oficiais habilitados com o antigo curso de artilharia, estabelecido em 1897, e com os cursos de artilharia a pé estabelecidos em 1911.
Para segunda leitura.
Do Sr. Ramos da Costa, em que as Juntas Gerais dos Distritos, quando estejam presentes as maiorias dos seus membros, poderão deliberar nas suas reuniões ordinárias e extraordinárias convocadas em harmonia com a lei.
Para segunda leitura.
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Do Sr. Ramos, da Costa, equiparando para certo efeito ao estado de viúva e estado de divorciada em que possam encontrar-se os viúvas, filhas e irmãs dos sócios do Montepio Oficial.
Para segunda leitura.
Do Sr. Júlio Ribeiro, concedendo o prazo de mais de trinta dias. a contar da publicação desta lei, aos militares que queiram requerer a junta a que se refere o artigo 3.° da lei 1:170, de 21 de Maio de 1921.
Para primeira leitura.
Do Sr. Roberto da Cunha Captista, em que os oficiais promovidos nos termos da lei n.° 1:239, de 24 de Fevereiro de 1922, só terão direito aos vencimentos do novo pôsto, quando êste lhes pertença por vacatura nos respectivos quadros.
Para primeira leitura.
Antes da ordem do dia
O Sr. Júlio Ribeiro: - Sr. Presidente: vou mandar para a Mesa um projecto de lei.
Ouso, Sr. Presidente, pedir a atenção de V. Exa. para o que diz o artigo 32.° da Constituição.
Já é tempo que o texto dêste artigo seja cumprido.
Peço a V. Exa. que não consinta que o Parlamento seja desprestigiado.
Eu não posso deixar de elogiar o Govêrno, que, a propósito, cumpriu o seu dever e estou certo de que V, Exa. mio deixará de tomar as providências que o caso reclama.
O Sr. Presidente: - Tratarei de me informar sôbre o assunto a que V. Exa. se referia, depois direi a V. Exa. o que se passa.
O Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto): - Pedi a palavra para dizer ao Sr. Senador Júlio Ribeiro, que o Govêrno não tem responsabilidade da não publicação.
Do facto do Sr. Presidente da República ter mandado promulgar as leis e o Govêrno ter referendado em obediência ao preceito parlamentar e senão estão ainda publicados é por falta da Imprensa Nacional, não é do Govêrno, desde que Sr. Ministro das Finanças pôs o veto nesse projecto é porque desejamos que elas sejam publicadas.
O Sr. Ramos da Costa: - Sr. Presidente: pedi a palavra em nome dá comissão que foi nomeada por V. Exa. em consequência do voto desta Câmara pela qual se resolveu que fossem apresentados no dia de hoje as saudações do Senado a António Cândido.
Eu tenho a declarar a V. Exa. e à Câmara que a comissão foi recebida pelo Sr. António Cândido com todas as manifestações de agrado e que se transmita S. Exa. os votos do Senado especialmente as desculpas que V. Exa. por não ter podido presidir à comissão, por motivo do serviço da Câmara.
O Sr. Dr. António Cândido com todo o agrado à manifestação desta Câmara, ficando bastante reconhecido, o que foi verificado por todos os membros da comissão.
O Sr. Raimundo Meira: - Em 1921 foi aprovado nesta Câmara um projecto de lei regulando o uso dos automóveis do Estado.
De então para cá êsse uso tem-se transformado num perfeito abuso, a que urge pôr cobro com medidas adequadas.
De harmonia com o espírito que orientou a elaboração do referido projecto, vou mandar para a Mesa uma proposta de renovação de iniciativa do mesmo projecto. E, como sucedeu na apresentação do projecto primitivo, peço também a urgência para a proposta que ora envio para a Mesa.
Aproveito a ocasião de estar com a palavra para mandar para a Mesa um requerimento pedindo esclarecimentos pelo Ministério da Guerra.
O Sr. Sousa Varela: - Da cidade de Tomar chamam a minha atenção para uma notícia inserta no jornal O Século.
Entendo que é um caso que deve ser remediado com urgência e por isso rogo ao Sr. Ministro da Guerra que transmita esta reclamação ao seu colega da Justiça, porquanto não é admissível que uma comarca tam importante como a de Tomar esteja privada do seu magistrado judicial.
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O Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto): - Comunicarei ao Sr. Ministro da Justiça as considerações e a reclamação que acaba de ser apresentada pelo Sr. Senador Sousa Varela.
O Sr. Silva Barreto:-Pelos jornais, e particularmente por alguns funcionários, sei que se projecta uma nova greve de funcionários públicos.
Todavia, quero crer que ela não será levada a efeito, porque ainda acredito no bom senso da maioria dos empregados do Estado.
Toda a gente sabe que aos funcionários públicos é vedado o direito à greve.
Apenas ao assalariado, funções de carácter económico, é reconhecido o exercício de tal direito.
O salário, embora função da oferta e da procura, nem sempre acompanha a alta que todos reconhecem ser de justiça atingir. Daqui o recurso à greve como correcção de processos artificiais para o fazer descer.
Todos os povos civilizados inscreveram nos seus códigos, como conquista do proletariado, semelhante princípio.
A questão está em que dele se faça bom uso, o que nem sempre tem sucedido.
O seu êxito depende duma boa regulamentação e não menos da honestidade e consciência com que se promovem greves.
Aos funcionários públicos, porém, o direito à greve em caso algum pode ser reconhecido, desde que não sejam, como de facto não são na sua quási totalidade, simples assalariados.
Os seus proventos não oscilam com as leis da oferta e da procura.
Não são instrumentos de patrões gananciosos, pelo contrário, servindo o Estado, servem um patrão nada exigente em matéria de assiduidade e de competência.
Daqui êste fenómeno interessante, mas ao mesmo tempo confrangedor: os serviços das Secretarias de Estado, apesar da greve, a primeira que se efectivou, não levantaram reclamações, da parte dos interessados, i tal a morosidade habitual dos serviços públicos!
O Sr. Aragão e Brito: - Essa greve não a quis evitar o Parlamento, que não deu o apoio devido ao Ministério de então.
O Orador: - Não tive responsabilidade alguma no facto a que V. Exa. se refere.
Embora contrário às greves fomentadas pelo funcionalismo público, ainda mesmo que a legislação vigente não as proibisse, a verdade é que as secretarias de Estado fizeram greve; contra factos, não há que argumentar.
O que há é necessidade de evitar que uma segunda greve se leve a efeito, com desprestígio do Govêrno do país e do regime, que bastante sofre.
Alguém, em àparte, diz que seria boa ocasião para fazer limpeza.
Esta palavra anda na boca de muita gente, e, todavia, eu não sei de que espécie de limpeza se trate, se de corpo, se de espírito...
A verdade é que vários republicanos que proclamam limpeza protegeram e continuam protegendo a admissão nos serviços públicos de monárquicos, em prejuízo de honestos e competentes republicanos. (Apoiados).
Portanto, limpeza, é palavra com que muitas vezes se ocultam reservados pensamentos.
Eu creio, sim, que se se houvesse prestado atenção a determinadas reclamações, muitas delas legítimas, a greve ter-se-ia evitado.
Mas o Estado, adia, adia... e por fim capitula.
Não conta com o factor resistência.
Os funcionários que reclamam têm razão em parte, sem dúvida.
Pelo menos quanto ao critério que presidiu à última concessão de 50$, 60$ e 70$ a funcionários de certa categoria.
Equiparando-se para êste efeito, aos funcionários do Ministério das Finanças, directores gerais, chefes de repartição e empregados menores, cometeu-se quanto a mim, uma das maiores injustiças, qual foi a de se não equipararem os oficiais, medida, esta que levantou gerais clamores e fundados protestos.
E aqui está como tamanha iniquidade se teria evitado, como era de justiça, com três a quatro centenas de contos amais no Orçamento Geraldo Estado.
Surgem agora reclamações de que certos agitadores tiram partido, elevando-as
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à avultada cifra de 30:000 contos, pelo menos, para atassalhaar a República em satisfações de ódios, mal contidos, ou servindo de instrumento a interêsses por vezes inconfessáveis.
Note V. Exa., Sr. Presidente, que esta equiparação ainda não seria perfeita.
Basta dizer que no Ministério das Finanças há, como em alguns outros e em serviços autónomos, cofres de emolumentos de que participam o Estado e os funcionários. Assim, ainda com o recente equiparação, os directores gerais, chefes de repartição e empregados menores não têm iguais vencimentos. E, ao que me afirmam, ainda não é tam pouco o que recebem aqueles que têm cofre.
Ora, só esta desigualdade, que nada explica, ainda existe, devendo desaparecer com a criação do cofre de emolumentos em todas as secretarias de Estado e sua distribuição equitativa por todos os funcionários, veja V. Exa., Sr. Presidente, como é revoltante que essa desigualdade se acentue muito mais entre primeiros, segundos e terceiros oficiais do Ministério das Finanças e dos outros Ministérios. Um terceiro oficial das Finanças quási recebe tanto como um primeiro oficial dos outros Ministérios!
Pretendeu-se, é certo, justificar tal diferença com o facto de deverem ser classificados de técnicos os serviços de contabilidade !
Grosseiro sofisma,, Sr. Presidente.
Funções técnicas só aquelas para cujo exercício se exige preparação profissional. E eu pregunto: que diploma profissional exige o Ministério das Finanças aos que pretendem ser providos em seus lugares, que não sejam igualmente exigidas para os outros Ministérios? Qual é escola ou escolas. que conferem diplomas aos pretendentes a vagas, no Ministério das Finanças, do directores gerais, à chefes de repartirão e oficiais, que não sejam os exigidos para os outros Ministérios? No Ministério das Finanças, como, de resto em todos os Ministérios, há burocratas, é êste o seu maior número.
Ignoro até se, para alguma das funções do Ministério das Finanças, as mais elevadas, se exige algum diploma profissional, ou se essas exigências se limitam como alguém me afirma, a simples preparatórios liceais, havendo apenas preferência para os candidatos que se apresentem munidos de diploma do curso de comércio elementar. Será assim?
Seja ou não, o que todos sabem é que em outros Ministérios como sejam o da Instrução, o da Justiça, o dos Estrangeiros, etc. as funções burocráticas não têm distinção das de carácter técnico ou profissional. E, porque assim é, em nenhum dêstes Ministérios pode ser provido alguém em lugares técnicos sem o competente diploma profissional, passado pelas escolas que para tal têm competência. Não necessito comprovar a afirmação. Conhece-a toda a gente.
Grita-se que é necessário disciplinar os serviços públicos. Ninguém deseja mais ardentemente do que eu que essa disciplina seja um facto. Mas eu pregunto: onde a autoridade dos superiores em. relação aos subordinados, dadas as injustiças apontadas? Disciplina de violência? Aborreço-a, nada produz; de bom, de útil. Produz, sim, o ódio contra os dirigentes políticos mais categorizados, contra os próprios superiores hierárquicos, que são acusados por vezes, e com razão, de ter em pouca conta os legítimos interêsses doa seus subordinados, para só cuidarem dos seus próprios interêsses, nem sempre legítimos.
E aqui está como a disciplina, de que tanto carecem os serviços públicos, o respeito recíproco que deve existir entre funcionários do .Estado, deixa bastante a desejar, observando-se a cada passo, por isto mesmo, claras manifestações de rebeldia que tudo anarquizam.
Sr. Presidente: Ponhamos todos os funcionários em pé de igualdade quanto a vencimentos e deveres.
E a todos, mas a todos sem distinção, o Estado que exija trabalho, rendimento, castigando sem piedade os que prevariquem, os que não queiram produzir, e despedindo os inúteis, os inadaptáveis.
Mas tudo isto obedecendo a um espírito de justiça e de equidade.
É necessário não perder de vista que os mais culpados de haver maus funcionários não são tanto êstes como os que os colocaram, quantas vezes como paga de serviços, que por outra forma deveriam ser recompensados.
Mas e Estado é quem tudo paga. Por isto mesmo, nenhum ramo de serviço é
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tam descurado como aquele em que interferem funcionários públicos, ressalvadas as devidas excepções, que é de justiça frisar, ainda são muitas felizmente.
A greve passada, diz-se, tinha sido evitada se, por ventura se tivesse ido ao encontro das reclamações justas do funcionalismo.
Não se soube evitá-la; feita a greve, todas as reclamações foram satisfeitas.
Para estas considerações eu pedi a palavra.
Espero que o Sr. Ministro das Finanças, estudando o problema que certamente lhe terá já absorvido muitas horas de preocupações, o resolva com prestígio para a República e de forma a atender o que for considerado justo, para que não suceda amanhã o Estado ter de ceder perante imposições descabidas.
E já que estou no uso da palavra, renovo o pedido que fiz, da publicação de um projecto de lei, ao abrigo do artigo 32.° da Constituição, por já terem passado duas sessões legislativas depois que êle foi aprovado numa das câmaras e para a outra transitou sem que esta sôbre êle se tivesse pronunciado.
E não é de discutir qual o tempo a atribuir a uma sessão legislativa, porque para tal não tem competência nenhuma das Câmaras, nem mesmo o Congresso, em quanto se não prove que têm funções constituintes.
E porque assim é, que nome se deverá dar que não seja o de sessão legislativa, àquela que dure ou durou não quatro meses, mas três, dois ou um mês apenas ?
Claro que na revisão da Constituição houve esquecimento de harmonizar a doutrina do artigo 32.° com o novo princípio nela consignado: o da dissolução parlamentar.
Mas tal esquecimento não justifica atitudes que contrariem os princípios nela consignados.
Certamente o que obrigou à disposição do artigo 32.° e o da dissolução é isto: que não descurem as duas Câmaras o dever de se pronunciarem sôbre projectos aprovados numa delas, logo no princípio do funcionamento da nova legislação a seguir ao de uma dissolução.
Êste deve ser o seu primeiro trabalho. Assim se evitam todos os inconvenientes.
Renovo, portanto, o meu pedido ao abrigo do artigo 32.° da Constituição.
O Sr. Ministro das Finanças (Portugal Durão): - Sr. Presidente: pedi a palavra para responder às considerações feitas pelo Sr. Silva Barreto, sôbre a situação do funcionalismo.
Primeiramente, para tratar dessas reclamações fui procurado por dois funcionários públicos, que se intitularam representantes da Associação de Classe dos Empregados do Estado, os quais me entregaram uma longa exposição, que já tinha sido presente ao meu antecessor, e que, portanto, não vinha pela primeira vez, às mãos do Govêrno.
Nessa exposição reclamava se não só a equiparação de vencimentos para primeiros, segundos e terceiros oficiais dos ministérios, mas para outras entidades, e incidiam-se nela várias regalias, e vantagens para o funcionalismo e assalariados.
V. Exa., Sr. Presidente e a Câmara sabem bem quanto há que fazer, neste momento, no Ministério das Finanças, de forma que eu não pude, desde logo, ligar toda a minha atenção ao assunto.
Mandei fazer um orçamento para saber em quanto importava a satisfação dos pedidos e cheguei à conclusão de que custariam qualquer cousa entre 30:000 e 50:000 contos de réis.
Ora eu pregunto: Perante um pedido desta ordem, qual seria o Ministro em qualquer país do mundo, muito mais no nosso, que tem um déficit enorme, que se não veria obrigado a dizer o que eu disse, isto é, que reconhecia que todo o funcionalismo, desde o mais graduado, lutava com grandes dificuldades para poder viver; que havia verdadeiras injustiças que era necessário reparar e se hão de reparar, mas que também havia outras injustiças da parte do funcionalismo, para com o Estado e os contribuintes, que era preciso que terminassem, pois que o Estado devia exigir no funcionalismo o cumprimento dos seus deveres, (Apoiados] visto que só produzindo mais lhes podia pagar melhor. (Apoiados).
E assim o Govêrno tenciona apresentar ao Parlamento uma proposta de lei remodelando os serviços públicos, de maneira que aqueles funcionário que não prestem
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serviços sejam dispensados, e os que produzem sejam mais beneficiados.
O Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto): - Sr. Presidente: requeiro que entre imediatamente em discussão, com urgência e dispensa do Regimento, a proposta de lei que anula a lei n.° 1:239.
Foram lidos na Mesa a proposta de lei e o respectivo parecer.
O Sr. Roberto Baptista: - Em nome dos Senadores do Partido de Reconstituição Nacional, declaro que aprovo a urgência e dispensa do Regimento.
O Sr. Mendes dos Reis: - Em nome dos Senadores independentes, declaro que aprovo a urgência e dispensa do Regimento.
O Sr. Godinho do Amaral: - Em nome do Partido Republicano Português, declaro que aprovo a urgência e dispensa do Regimento.
O Sr. Tomás de Vilhena: - Sr. Presidente: é preciso acabar com êste desgraçado costume de serem presentes a esta Câmara projectos ou propostas de lei que na outra Câmara tiveram uma larga discussão, pedindo-se para êles a sua imediata discussão, sem se saber do que tratam. (Apoiados).
A meu ver, isto até representa uma falta de consideração pelo Senado,
Se esta Câmara é uma Câmara de revisão, necessário é dar-lhe todos os elementos para que ela possa apreciar devidamente os assuntos que lhe são submetidos, e o seu voto seja dado com verdadeiro conhecimento de causa.
Há efectivamente assuntos de uma grande simplicidade, como é aquele que se refere às férias da Páscoa e que já foi aprovado na Câmara dos Deputados, que pode para êle ser pedida a urgência e dispensa do Regimento, mas outros há que são duma grande importância, que sofreram na Câmara dos Deputados uma larga discussão, e portanto não podem aqui ser aprovados de afogadilho.
Se o Senado não serve para nada, então acabe-se com êle, porque daí só resulta uma economia para o país.
O Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto): - Sr. Presidente: não houve da minha parte, nem podia haver, como velho parlamentar desta Câmara, a mais pequena desconsideração para com o Senado, ao qual tenho a honra de pertencer.
Não fui eu que tomei a responsabilidade de apresentar esta proposta de lei ao Parlamento, nem quem levantou a questão da sua legalidade ou ilegalidade, na Câmara dos Deputados, onde a respectiva discussão demorou até agora.
Hoje é o dia 31, dia da publicação da Ordem do Exército, contendo as promoções nos diferentes quadros do exército, referentes ao 2.° semestre dêste ano; se V. Exas. não discutirem e votarem hoje a proposta de lei, ou a rejeitarem, tenho de continuar a executar a lei n.° 1:239, de que não gosto (falando claramente) porque está muito mal feita e, combinada com outra que foi promulgada posteriormente, traz grandes prejuízos para a República e até para a Pátria.
Foi por isso que pedi a urgência e dispensa do Regimento.
Feita, a chamada, procede-se à votação da urgência e dispensa do Regimento, sendo aprovadas por 31 votos contra 5.
O Sr. Ramos da Gosta:-Mando para a Mesa o parecer da comissão do Orçamento relativo à proposta de lei dos duodécimos.
Terminando hoje o mês de Março, torna-se urgente a discussão da referida proposta e até a sua aprovação.
O Sr. Sousa Varela: - Mando para a Mesa o projecto de lei n.° 22, acompanhado do parecer da comissão de finanças.
Entra em discussão o projecto de lei para o qual o Sr. Ministro da Guerra havia pedido a urgência e dispensa do Regimento.
É a seguinte:
Projecto de lei n.° 38
Artigo 1.° É anulada a lei n.° 1:239, de 24 de Fevereiro de 1922.
§ único. Os oficiais promovidos por efeito dessa lei serão colocados na situação de disponibilidade até caber-lhes no quadro respectivo a vaga do pôsto obtido, sem prejuízo das comissões que possam ser-lhes confiadas ou mantidas por necessidade do serviço.
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Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Palácio do Congresso da República, 31 de Março de 1922. - Domingos Leite Pereira - Baltasar de Almeida Teixeira.
Senhores Senadores.- A vossa comissão de guerra, tendo examinado o projecto de lei n.° 38, vindo da Câmara dos Deputados, é de parecer que êle deve ser aprovado conforme aos termos em que naquela Câmara êle foi votado.
Sala das sessões da comissão de guerra, 31 de Março de 1922.- Artur Octávio do Rêgo Chagas - Raimundo Enes Meira - Roberto da Cunha Baptista (com declarações) - Aníbal Augusto Ramos de Miranda, relator.
O Sr. Roberto Baptista: - Tive hoje conhecimento, na comissão de guerra desta Câmara, da proposta de lei vinda da Câmara dos Deputados, alterando, ou antes, mandando anular a lei n.° 1:239, de 24 de Fevereiro do corrente ano.
Assinei o parecer com declarações, e por isso não posso dispensar-me de explicar à Câmara a razão por que o fiz.
Vou fazer algumas considerações sôbre a lei a que me refiro, abstraindo por completo da minha qualidade de oficial do exército. E, mesmo que o não fizesse, deveria discutir o assunto com toda a imparcialidade, porque se o oficial do exercito tem obrigação de em tempo de guerra sacrificar a sua vida pelo país, em tempo de paz deve, pela educação da própria vontade, adquirir a coragem cívica precisa para saber sacrificar, em todas as circunstâncias, no altar da Pátria, as suas ambições individuais, os seus interêsses e as suas vaidades. (Apoiados).
Ao discutir a presente proposta de lei, não tenho de ver se a lei n.° 1:239 aproveitava ou não aos oficiais que estiveram .ou aos que não estiveram na guerra.
Eu tive a honra de pertencer ao número dos oficiais que tomaram parte na Grande Guerra, e, porque no exercício do cargo que desempenhei tive muitas vezes ocasião de voluntariamente arriscar a minha vida, no que eu julguei, e ainda julgo, que era o cumprimento do meu dever, tenho autoridade moral para poder declarar que não há razão para distinguir entre os oficiais que estiveram na
guerra e aqueles que não estiveram, porque para lá não foram mandados (Apoiados), e que apenas há motivo para se fazer distinção entre os oficiais que, em todas as circunstâncias, têm sabido cumprir o seu dever - e êsses constituem a quási generalidade - e aqueles que por vezes se têm esquecido de os cumprir, e que representam uma insignificante minoria.
Certamente que o Sr. Ministro da Guerra, quando teve conhecimento desta lei, foi o primeiro a reconhecer que da sua aplicação haviam de resultar alguns inconvenientes, mas S. Exa., como membro do Poder Executivo, dignificou-se cumprindo a lei.
S. Exa., como velho soldado, sabe perfeitamente que só obedecendo é que nós, os militares, adquirimos a autoridade para poder mandar.
Sr. Presidente: a lei n.° 1:239, que a proposta de lei em discussão pretende anular, lei. essa com que eu não concordo nos seus detalhes, consigna, contudo, um princípio que não posso deixar de considerar como justo.
Pretendeu essa lei acabar com a desigualdade de promoções nos diferentes quadros do exército, mas b que não se soube foi aplicar êsse princípio por forma a evitar uma grande perturbação nos mesmos quadros.
Devo dizer a V. Exa., Sr. Presidente, e à Câmara, que essas desigualdades de promoções são resultantes, na sua quási totalidade, do estado caótico em que nós temos vivido desde o começo da guerra.
A sombra das necessidades da guerra fizeram-se muitas promoções (Apoiados), e fizeram-se também muitas leis (Apoiados), e daí resultou o tal estado caótico que a lei n.° 1:239 pretendeu remediar. Não foi talvez muito feliz nas correcções que quis introduzir, porquanto, querendo aplicar o princípio da equiparação, que já estava consignado em leis anteriores, mas dentro de certos limites, em lugar de fazer a equiparação dentro das armas, misturou tudo, de maneira que as armas em buscar a equiparação aos serviços.
Não quero alongar muito as minhas considerações; apenas desejo salientar que, embora concorde em que a lei n.° 1:239 tenha de ser revogada, eu enten-
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do que na proposta de lei vinda da Câmara dos Deputados, e à qual eu dou o meu voto, devem ser introduzidas algumas alterações. Julgo que talvez mesmo conviesse deixar ficar consignados alguns princípios a que aquela lei atendia. Assim, por exemplo, a lei n.° 1:239 dizia no seu artigo 2.°
Leu.
Sendo anulada a lei n.° 1:239, do 24 de Fevereiro de 1922, desaparecerão os efeitos do seu artigo 2.°, donde resulta que os oficiais promovidos à sombra desta lei ficam com os vencimentos correspondentes ao novo pôsto, como se, de facto, fôssem efectivos noa respectivos quadros.
A lei n.° 1:239 consigna o seguinte no artigo 3.°:
Leu.
Sendo anulada a lei, e portanto o seu artigo 3.°, vai dar-se o seguinte: um oficial, por exemplo capitão, é promovido ao pôsto de major, e, como não tem vaga no respectivo quadro, fica sendo supranumerário; mas, como se deu uma vaga no quadro dos capitães, haverá uma promoção de tenente a capitão.
A lei n.° 1:239, no seu artigo 4.°, diz:
Leu.
É esta uma disposição que me parecia muito justa, qual é a do princípio da reforma por equiparação.
Pelo artigo 9.° da citada lei n.? 1:239 os capitães a quem coubesse, nos termos do artigo 1.°, a promoção ao pôsto imediato seriam promovidos quando tivessem já prestado as provas para o pôsto de major, dispensando-os contudo das outras condições de promoção.
Devo dizer que não concordo com a dispensa de condições para a promoção ao pôsto imediato (Apoiados); sou muito contrário a isso, mas desde que já se concedeu essa dispensa a alguns oficiais, não é justo que a outros mais antigos que. por quaisquer circunstâncias não puderam prestar as suas provas, não seja concedida igual dispensa.
A essas considerações atendeu a lei n.° 1:239 no seu artigo 10.°
Vou terminar declarando que dou o meu voto à proposta em discussão, mas considerando que essa proposta só por si não faz desaparecer um certo número de anomalias, umas criadas pela lei n.° 1:239, outras anteriores à sua promulgação; eu tenho a honra de enviar para a Mesa um projecto de lei, para cuja discussão não peço nem urgência, nem dispensa do Regimento. (Apoiados).
O Sr. Raimundo Meira: - Sr. Presidente: eu não tencionava falar sôbre esta lei.
Eu tinha resolvido fazer isso porque já na outra Câmara se falou talvez demasiadamente sôbre êste assunto, e com enorme desprestígio para o Exército.
Depois, porém, das considerações feitas pelo Sr. Roberto Baptista, eu entendi dever fazer unias ligeiras considerações.
Eu fiz parte da comissão de guerra que elaborou esta lei.
Não fui seu relator, mas trabalhei nesse projecto.
A origem desta lei foi um projecto apresentado pelo Sr. Pedro Chaves.
O Sr. Velez Caroço apresentou um outro projecto de lei e a comissão de guerra, remodelando os dois projectos, fez esta lei.
Eu folguei ver o Sr. Roberto Baptista fazer justiça ao espírito e às intenções que levaram a comissão de guerra a formular aquela lei.
Eu devo dizer a S. Exa. e à Câmara que nunca passou pela idea da comissão de guerra que esta lei pudesse dar os resultados que deu.
Foi um lapso, e a culpa foi da comissão de guerra, não há dúvida.
Na noite do próprio dia em que aqui foi votado êsse projecto, eu, consultando a lista dos oficiais do exército, descobri um oficial promovido a coronel em data recente e que ia arrastar grande número de promoções, embora não trouxesse prejuízos para os serviços do exército nem aumento de despesa.
A comissão de guerra procurou atenuar as enormes desigualdades que, artificialmente, como disse o Sr. Roberto Baptista, se produziram no exército.
Não pode haver exército disciplinado, não pode haver amor à profissão quando um oficial que tem muitos anos de serviço se vê obrigado a fazer um cumprimento a outro oficial muito mais moderno do que êle ou que já serviu sob as suas ordens.
Eu vou contar a propósito um caso sucedido comigo.
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Era eu tenente e um indivíduo fez nessa data exame de instrução primária. Pois passados tempos, e tendo êsse indivíduo seguido a carreira militar, devia sair coronel primeiro do que eu se não se tivesse publicado, a lei n.° 1:239.
Eu pregunto a V. Exa.8 se pode haver disciplina e se um oficial tem a coragem de se apresentar fardado nas ruas da cidade quando sucedem desigualdades como esta
E êste um dos motivas por que actualmente é raro ver-se um oficial do exército fardado.
Ninguém gosta evidentemente de passar por um seu aluno e vê-lo com um pôsto superior ao seu.
Foi o que sucedeu com o Sr. Álvaro de Castro, que tendo tido um aluno na Escola Militar, êsse aluno é hoje mais antigo que êle!
Não era intenção da comissão de guerra fazer as promoções por equiparação; a comissão quis apenas evitar que se continuassem dando essas desigualdades.
Como há pouco disse, não tencionava usar da palavra sôbre esta lei.
Faço-o apenas por deferência para com o Sr. Roberto Baptista.
No dia imediato ao da votação do projecto, eu. disse aos meus colegas da comissão da guerra, escapara isto, e fui ter com os membros da comissão de guerra, da outra Câmara, para ver se podiam acautelar esta hipótese, mas por circunstâncias várias, a comissão de guerra não pode reunir e o projecto seguiu os trâmites que a Câmara sabe.
Isto para justificação do procedimento da comissão de guerra do Senado, pois eu sou o primeiro a reconhecer que houve um lapso ao elaborar êste projecto, que trouxe um certo número de promoções que não se desejava.
Eu concordo plenamente com o projecto que acaba de apresentar o Sr. Roberto Baptista, que é sob todos os pontos justa, mas como essa proposta vai à comissão de guerra, eu reservo-me para em ocasião oportuna fazer as considerações que julgar convenientes, para manter o princípio da autoridade e o prestígio das instituições militares.
O Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto): - Eu dou o meu completo aplauso
às considerações do Sr. Roberto Baptista, e não era necessário dize-lo, por essas considerações partirem de um oficial que serviu a sua pátria na guerra, e que pelos seus profundos conhecimentos, é autoridade em assuntos militares.
A lei n.° 1:239 tinha um fundo de justiça que era ò equilíbrio das promoções do exército, mas êste equilíbrio foi mal feito, indo-se buscar a equiparação ao quadro dos farmacêuticos.
Trocam-se explicações entre o Sr. Enes Meira e o orador.
O Orador: - A verdade é que resultou isto, e não o digo com desprimor para a classe dos farmacêuticos que presta relevantes serviços ao exército, mas a verdade é que não é uma classe que se possa chamar nitidamente militar, como também não o são os médicos e os veterinários e portanto não era justo ir buscar àquelas classes a equiparação para oficiais que, por profissão ,são combatentes.
Foi mais uma tentativa infeliz a juntar a outras com que por várias vezes se tentou fazer desaparecer as desigualdades de promoção entre as diversas armas e serviços, desigualdades que por vezes muito se agravaram e eu vou contar à Câmara um facto interessante, que comigo se deu.
Fui para Angra do Heroísmo, quando era capitão e encontrei lá um oficial almoxarife que era tenente.
Pois êsse oficial foi promovido a coronel e eu continuei capitão.
Como disse o Sr. Roberto Baptista, cumpri o meu dever dando execução à lei e continuarei a fazer as promoções resultantes da lei n.° 1:239, até conhecer a vontade da Parlamento, manifestada pelas duas Câmaras.
Tenho dito.
O Sr. D. Tomás de Vilhena: - Não há ninguém que tenha mais consideração pelo exército português do que eu.
O exército português é um dos mais nobres e de mais brilhantes tradições.
O grande general do século passado, Napoleão Bonaparte, disse uma vez:
Com gente desta, era capaz de conquistar o mundo.
Incontestàvelmente a nosso soldado, pelo seu espírito de disciplina e pelo seu heroísmo, em toda a parte em que se apre-
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senta marca um lagar distinto, e merece a consideração de todos nós.
Entretanto o que me parece grave nesta questão não será tanto o tentar-se dalgum inodo acabar com essas desigualdades de promoções que são sempre perigosas em qualquer corporação, mas muito principalmente na corporação militar.
O que houve neste caso, foi uma precipitação grande.
Esta lei n.° 1:239 é incontestavelmente uma lei inconstitucional.
O Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto):- E é o Poder Executivo quem julga da inconstitucionalidade das leis?
Esta lei foi publicada em 24 de Fevereiro e só em Março é que se levantaram dúvidas sôbre a sua inconstitucionalidade.
O Orador: - O que eu sustento é que essa lei era inconstitucional.
Eu lamento esta precipitação que se está tendo nas discussões de leis, e o querer-se muitas vezes caminhar depressa e demasiado, é que traz muitas vezes resultados como êstes que estamos agora vendo: ou manter-se uma lei inconstitucional, ou ir arrancar os galões aos oficiais, o que é muito desagradável.
O Govêrno Inglês, para evitar promoções demasiadas nos quadros do exército, regulou as promoções pondo um galão branco naqueles postos em que se estava temporariamente, e acabada a guerra os oficiais voltaram a ocupar os postos que lhe competiam.
Eu lamento, repito, que tivesse havido precipitação num caso desta natureza e que se tivesse promulgado uma lei inconstitucional, tanto mais que havia já na outra Câmara una projecto de lei revogando essa lei n.° 1:239.
O Sr. Mendes dos Reis: - Sr. Presidente: eu não tencionava usar da palavra sôbre êste assunto, pois reservava algumas considerações que tenho a fazer, para a discussão do projecto de lei apresentado pelo meu ilustre camarada, Sr. Roberto Baptista, com o qual em alguns pontos estou de acordo.
Se pedi a palavra, foi apenas devido a umas considerações que acaba de fazer o Sr. Tomás de Vilhena, e às quais julgo dever responder.
Estou absolutamente de acordo com tudo quanto S. Exa. disse relativamente ao nosso exército.
S. Exa. apesar de inimigo da República, é acima de tudo, português, e eu como oficial do exército, agradeço-lhe as palavras elogiosas e justas que proferiu.
Relativamente à inconstitucionalidade da lei, eu não a posso nem quero discutir.
Não sou jurisconsulto, e na Câmara dos Deputados discutiu-se a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei e não se chegou a acordo, nem houve dois jurisconsultos que tivessem a mesma opinião. Mas, em face da Constituição da República, que é a lei basilar que nos rege, esta lei é absolutamente constitucional.
Nós não temos .de discutir o período das sessões legislativas. Isto compete às Câmaras que tenham poderes constituintes.
A lei foi mandada publicar pela Mesa do Senado, que cumpriu a sua obrigação dando cumprimento ao que o artigo 32.° preceitua.
Disse o Sr. D. Tomás de Vilhena que, desde o momento em que havia na Câmara dos Deputados um projecto de lei referente à revogação da lei n.° 1:239, esta lei não deveria ter sido posta em execução.
Se fôssemos a admitir êsse critério não haveria nada mais fácil, nem mais simples, do que anular os efeitos de qualquer lei que se promulgasse.
Bastaria qualquer parlamentar que com ela não concordasse apresentar um projecto de lei, revogando-a.
O Sr. D. Tomás de Vilhena (interrompendo):- A lei em questão era de excepcional melindre, e o mal não teria sido grande se se esperasse um pouco.
O Orador: - Perdão! Mesmo que a lei fôsse má, o Sr. Ministro da Guerra não podia deixar de a executar.
S. Exa. cumpriu o seu dever, não só como Ministro, mas como parlamentar.
Disse ainda o ilustre Senador tratar a lei de organização do exército, não sendo, portanto, da competência do Senado.
Não se trata de organização do exército, mas apenas de simples equiparações.
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E, quanto à afirmativa de que no estrangeiro se põem e tiram galões com facilidade em tempo de guerra, eu direi que o mesmo se faz em tempo de paz.
Sr. Presidente: o que lá fora se pratica não pode praticar-se entre nós. Temos uma psicologia completamente diferente.
Mas, Sr. Presidente, isto não é assunto para se discutir agora. Pedi a palavra, como disse, apenas por consideração para com o ilustre Senador e para não deixar sem resposta alguns dos argumentos produzidos por S. Exa.
Tenho dito.
O Sr. Júlio Maria Baptista: - Sr. Presidente: eu desejava apenas pedir um esclarecimento, pois parece-me que o projecto apresentado pelo ilustre Senador, Sr. Roberto Baptista, apoiado, aliás, por todos os oradores que se ocuparam do assunto, é contrário àquele que está em discussão.
O Sr. Roberto Baptista (interrompendo): - Não, senhor.
O Sr. Mendes dos Reis: - Não, senhor.
O Orador: - Parece-me que há uma disposição da lei n.° 1:239 que o Sr. Roberto Baptista pretende estabelecer agora.
Aprovado o projecto em discussão, é lei. Os coronéis, pela lei n.° 1:239, eram promovidos sem direito ao vencimento da sua patente em vista da restrição feita na lei n.° 1:239. Revogada esta, mas conservada a patente, desaparece a restrição e permanecem os direitos consequentes da patente.
Logo, estamos em presença dum projecto que, se fôr aprovado, cria direitos.
Uma voz: - Com isso não concordo eu.
O Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto): - Esses oficiais foram promovidos à sombra da lei e continuam a gozar das regalias da promoção.
Eu pus a minha pasta sôbre êste caso. Agora, dar-lho mais dinheiro, isso não.
O Orador: - Embora seja essa a minha intenção, não está ela, contudo, traduzida na lei. Parece-me indispensável introduzir qualquer disposição que torne a questão compreensível e regular.
O Sr. Pais Gomes: - A fórmula "fica revogada a legislação em contrário" não altera os efeitos da legislação anterior.
O Orador: - Não estou de acordo; se assim fôsse, não era necessária uma nova medida, como a proposta do Sr. Roberto Baptista.
Ou as disposições dêsse projecto são necessárias, e devem fazer parte da lei que se discute, ou não são necessárias e não se compreende o apoio dado a êsse projecto pelos Srs. Senadores que defendem a lei em discussão.
Em todo o caso, a declaração do Sr. Ministro da Guerra esclarece a intenção do projecto em discussão e ainda bem que assim seja.
Não havendo mais ninguém inscrito, foi pôsto à votação o projecto, sendo aprovado.
O Sr. Mendes dos Reis: - Requeiro a dispensa da última redacção para o projecto que acaba de ser votado.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: - O Sr. Ramos da Costa pediu urgência e dispensa do Regimento para o projecto relativo aos duodécimos.
Vai proceder-se à chamada no caso de a Câmara se não manifestar de acordo.
O Sr. Tomás de Vilhena: - Aqui está uma urgência que eu compreendo. Por essa razão, voto-a.
O Sr. Afonso de Lemos: - Sr. Presidente: há poucos dias ainda o ilustre Senador Sr. D. Tomás de Vilhena, em um caso análogo a êste, verberou, e com toda a razão, êste acto de se estarem a votar projectos com urgência, tratando de assuntos que não conhece.
Eu, Sr. Presidente, já estou aqui no Senado, como todos sabem, desde a implantação da República e tenho assistido a dezenas de protestos e portanto me associei a S. Exa. nesse seu protesto.
Não fique S. Exa. com a impressão de que eu venho censurar o seu procedi-
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mento de agora, declarando que compreende esta urgência.
Todos os que aqui estão terá apresentado protestos contra os maus hábitos e bom será que mais uma vez isso fique registado.
Nestas condições, Sr. Presidente, eu, como representante dos meus colegas do Partido Liberal não quero fazer uma nova edição das considerações que tenho feito desde há onze anos a esta parte, pedindo aos Srs. Ministros para na outra Câmara fazerem os seus esfôrços a fira de que os projectos não estejam ali um mês inteiro nas suas comissões para depois virem a esta Câmara com toda a pressa no fim do mês.
Por consequência eu lamentando reais uma vez esta cousa dos duodécimos, entendo que isto deve ficar bem assente.
Posto isto, declaro em meu nome e no do Partido Liberal que dispensamos a chamada.
O Sr. Ramos da Costa: - Sr. Presidente: - pedi a palavra para dizer à Câmara que só ontem me foi possível obter parecer para o projecto porque a comissão teve muito pouco tempo para estudar o assunto devidamente.
Também junto o meu protesto contra o hábito de se demorarem os projectos na Câmara dos Deputados e virem depois a esta Câmara à última hora em condições de se não poderem estudar devidamente.
Peço também aos Srs. Ministros que empreguem diligências na outra Câmara a fim de evitar êste mau precedente.
De resto êste lado da Câmara dispensa também a chamada.
O Sr. Vasco Marques: - Sr. Presidente: eu não vou proferir mais uma vez a lamentação do costume.
Desta vez os Senadores Reconstituintes votam, até com prazer a dispensa do Regimento visto que à Câmara dos Srs. Deputados já foi apresentado o orçamento e por conseguinte estamos convencidos de que dentro em pouco vamos entrar numa situação regular. E, não podendo o Govêrno autorizar despesas nem cobrar receitas sem lhes darmos os meios necessários, é essa a razão por que votamos a urgência e dispensa do Regimento.
O Sr. Cunha Barbosa: - Êste lado da Câmara dá o seu voto e dispensa à chamada.
O Sr. Júlio Maria Baptista: - Sr. Presidente: é com prazer que abro excepção para êste projecto porque se trata de um assunto em que temos forçosamente de votar.
O Govêrno apresentou em devido tempo o orçamento à Câmara; evidentemente
O Govêrno não dirige as discussões na Câmara dos Deputados que discute como entende e, neste caso, a única forma simples e rápida para que os serviços não paralisem é esta dos duodécimos.
E o único caso em que eu admito as dispensas do Regimento. Voto-o, portanto.
O Sr. Presidente: - Em vista das declarações que foram feitas, é dispensada a chamada e vai-se proceder à leitura, para a discussão na generalidade.
Foi aprovado sem discussão, tanto na especialidade como na generalidade.
A proposta é a seguinte:
Proposta de lei n.° 85
Artigo 1.° Ao pagamento das despesas dos serviços públicos relativos ao ano económico de 1921-1922 poderão ser aplicados mais três duodécimos, respeitantes aos meses de Abril, Maio e Junho, do total das dotações de cada um dos Ministérios, constantes das propostas orçamentais para o referido ano, rectificadas de conformidade com as alterações a que se refere o artigo 2.° da lei n.º 1:240, de 1 de Março de 1922, e com as que constam das notas anexas a esta proposta de lei e que dela fazem parte integrante.
§ 1.° Os duodécimos a que êste artigo se refere são representados pelas seguintes quantias:
[Ver valores da tabela na tabela]
Ministério das Finanças
Ministério do Interior
Ministério da Justiça
Ministério da Guerra
Ministério da Marinha
Ministério dos Negócios Estrangeiros
Ministério do Comércio e Comunicações
Soma e segue
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[Ver valores da tabela na imagem]
Transporte
Ministério das Colónias
Ministério da Instrução Pública
Ministério do Trabalho
Ministério da
§ 2.° Os duodécimos dos meses de Julho a Março do corrente ano económico são rectificados de conformidade com os quantitativos mencionados no parágrafo antecedente.
Art. 2.° Em conta das verbas consignadas na despesa extraordinária à compra de material de guerra não poderá dispender-se quantia alguma, nem mesmo realizar-se quaisquer contratos, sem que se tenha observado o disposto no artigo 1.° da lei n.° 956, de 22 de Março de 1920.
Art. 3.° Para fazer face às despesas extraordinárias resultantes da guerra, que haja a satisfazer nos meses de Abril a Junho de 1922, de conformidade com o artigo 1.° da lei n.° 856, de 21 de Agosto de 1919, poder-se há despender a quantia de 500.000$, correspondente a três duodécimos na verba inscrita na proposta orçamental do Ministério das Finanças.
Art. 4.° Para fazer face às despesas com a manutenção do Instituto de Arroios e Assistência aos Mutilados da Guerra, nos termos do artigo 2.° da lei n.° 959, de 7 de Março de 1920, e da lei n.° 1:170, de 21 de Maio de 1921, poder-se há despender até a importância de 18.000$, correspondente a três duodécimos.
Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrário.
Palácio do Congresso da República, 28 de Março de 1922. - Domingos Leite Pereira - Baltasar de Almeida Teixeira.
As tabelas vêm publicadas no "Diário do Govêrno" de 27 de Março de 1922, 2.a série.
O Sr. Goditnho do Amaral: - Requeiro a dispensa da última redacção. foi aprovado.
O Sr. Santos Garcia: - Pedi a palavra para mandar para a Mesa o parecer relativo ao projecto de lei n.° 18.
O Sr. Pais Gomes: - Pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão, porque não tendo tido o prazer de ver, durante a sessão, nas bancadas ministeriais, o titular da pasta do Comércio, e querendo dirigir-lhe os meus agradecimentos, porque certamente devido à sua intervenção directa ou indirecta janto da Companhia da Beira Alta, segundo informações que tenho desde sábado, esta Companhia tem fenecido material para o tráfego dos vinhos do Dão, eu não quero deixar passar esta sessão sem pedir â V. Exa. que lhe transmita os meus agradecimentos.
Além disso, e em vista de estar presente o Sr. Ministro da Agricultura, eu quero pedir a S. Exa. para que, em vista de estar próxima a estação calmosa, envide os seus esfôrços a fim de que os cais dos caminhos de ferro não estejam pejados de cascos com vinho, por isso que o calor adultera o vinho.
O Sr. D. Tomás de Vilhena: - Peço ao Sr. Ministro da Agricultura o favor de transmitir ao Sr. Presidente do Ministério o meu pedido de providências para a forma tumultuaria como decorrem as operações do recenseamento eleitoral em Viana do Castelo, porquanto numa democracia deve haver o maior cuidado e zelo para êstes assuntos, que muito importam aos cidadãos.
O Sr. Vasco Marques: - Mando para a Mesa um pedido de determinados documentos, pela Secretaria do Congresso.
O Sr. José Pontes: - Vi na imprensa uma notícia que me entristeceu. Dizia que um mutilado da guerra andava esmolando pelas ruas.
Fui durante muito tempo, e ainda sou, um amigo dos mutilados. Compunge-me, portanto, tal notícia. Peço ao Govêrno da República, para prestígio da mesma República, que evite tais factos.
Em Londres ouvi dizer, num banquete oficial, ainda durante a guerra, a sir Keogh, chefe do serviço de saúde do exército inglês, que era preciso que os mutilados, que tantas provas de ternura estavam recebendo, não fossem depois esquecidos na paz.
O mesmo digo eu agora.
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Peço aos Srs. oficiais que foram comandantes dêsses soldados - e alguns vejo eu aqui - e a todos os portugueses que prestem mais atenção e mais cuidadosa assistência a êsses militares.
É possível que muitos profissionais da mendicidade explorem com o nome de mutilados da guerra, mas, nesse caso, torna-se preciso que se faça o cadastro dessa gente para se saber, ao certo quem são os exploradores da caridade e quem tem direito ao amparo da gente portuguesa.
Peço ao Sr. Ministro da Agricultura que comunique ao seu colega da Guerra estas minhas considerações.
Aproveito a ocasião para mandar uma nota de interpelação ao Sr. Ministro do Trabalho.
O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Folgo bastante em ter ensejo para me referir elogiosamente ao procedimento do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, enviando para a imprensa uma nota em que declara que o Sr. Fernandes Costa deixou de ser nosso Ministro em Madrid por não desejar estar nesse cargo.
Essa nota deixou bem colocado o Sr. Fernandes Costa, assim como o Govêrno, pela atitude correcta que tomou.
Aproveito também o ensejo para felicitar o Sr. Melo Barreto pela prova de confiança que lhe prestaram em homenagem aos seus méritos e qualidades de grande patriota.
O Sr. José Pontes: - Um colega Senador veio fazer-me uma indicação e uma referência ao que eu disse há pouco.
Assim, é facto que andava em tempos próximos pelas roas de Lisboa um homem fardado, esmolando e mostrando os seus aleijões, ao mesmo tempo que censurava aqueles que o abandonavam sem o proteger. Uns por especulação política, outros por falsa caridade, lamentavam essa vítima da guerra.
Chamado à responsabilidade, declarou que nunca tinha sido militar e que tinha envergado a farda para ajudado, em parte, com a propaganda dos jornais a favor dos mutilados, explorar a caridade pública.
Ora a alma portuguesa, que tem umas características de bondade como em parte alguma se conhece, pode ser ludibriada por êstes profissionais da mendicidade, e, assim, é bem necessário que os poderes públicos façam um cadastro rigoroso dos mutilados da guerra e daqueles que têm direito à nossa atenção e cuidados.
Lembro, já que falo do feridos de guerra, à comissão de finanças, um projecto meu que nela. se encontra, que tem por fim dar transporte beneficiado ou gratuito àqueles que na Flandres ou África perderam a saúde e ficaram em condições de inferioridade física.
Êles são os que desejo beneficiar, em número inferior a 160, sim, porque os inválidos, com invalidez superior a 50 por cento, não chegarão talvez a 200, e, dêsses 200 os que necessitam de maior tratamento hospitalar não chegam talvez a 60.
Não vai, portanto, o meu projecto onerar as despesas do Estado em grande quantia.
Terminando, Sr. Presidente, eu mais uma vez peço um pouco de interêsse e um pouco de atenção para êsses homens, que merecem todo o nosso carinho, todo o nosso amor e todo o nosso respeito.
O Sr. Presidente: - Não havendo mais assuntos a tratar, eu vou encerrar a sessão e marco a próxima para têrça-feira, à hora regimental, com a seguinte ordem do dia:
Interpelação do Sr. Lima Alves ao Sr. Ministro da Agricultura.
Discussão da proposta de lei n.° 8 e discussão dos projectos n.ºs 4, 12 e 15.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 30 minutos.
O REDACTOR - Adelino Mendes.