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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
SESSÃO N.º 35
EM 4 E 5 DE MAIO DE 1923
Presidência do Ex.mo Sr. António Xavier Correia Barreto
Secretários os Ex.mos Srs.
Luís Inocêncio Ramos Pereira
João Nepomuceno Fernandes Brás
PRIMEIRA PARTE
Sumário. — Com a presença de 40 Srs. Senadores abriu a sessão.
Lese a acta, que foi aprovada e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Catanho de Meneses apresenta, em nome da comissão de legislação, dois trabalhos acêrca do inquilinato; foram admitidos e requere a discussão da proposta de lei n.º 400, referente ao empréstimo. Foi aprovado.
O Sr. D. Tomás de Vilhena aludindo ao descobrimento do Brasil propõe uma saudação ao povo brasileiro. Associam-se todos os lados da Câmara e por parte do Govêrno o Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães).
O Sr. Oriol Pena trata da caução imposta às casas bancárias e protesta contra os atentados dinamitistas.
O Sr. Joaquim Crisóstomo pregunta quais as condições do empréstimo interno.
A ambos os Srs. Senadores responde o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Costa Júnior participa a constituïção da comissão do Orçamento.
Ordem do dia. — Discussão na generalidade da proposta de lei n.º 490 — Empréstimo.
Falam os Srs. Augusto de Vasconcelos, Afonso de Lemos, Ministro das Finanças e D. Tomás de Vilhena.
Interrompe-se a sessão para o dia seguinte.
SEGUNDA PARTE
Chamada e reabertura da sessão.
Continua em discussão a proposta de lei relativa ao empréstimo interno.
Usam da palavra os Srs. Herculano Galhardo, D. Tomás de Vilhena e Ministro das Finanças.
É aprovada a generalidade.
Sôbre a especialidade, usam da palavra, os Srs. Augusto de Vasconcelos, Herculano Galhardo e Ministro das Finanças.
O Sr. Presidente encerra a sessão.
Abertura da sessão às 14 horas e 45 minutos.
Presentes à chamada 40 Srs. Senadores. São os seguintes:
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Alfredo Narciso Marçal Martins Portugal;
Álvaro António Bulhão Pato.
Aníbal Augusto Ramos de Miranda.
António da Costa Godinho do Amaral.
António Gomes de Sousa Varela.
António Maria da Silva Barreto.
António Xavier Correia Barreto.
Artur Augusto da Costa.
Artur Octávio do Rêgo Chagas.
Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.
César Justino de Lima Alves.
César Procópio de Freitas.
Constantino José dos Santos.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Ernesto Júlio Navarro.
Francisco José Pereira.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Francisco Vicente Ramos.
Francisco Xavier. Anacleto da Silva.
Frederico António Ferreira de Simas.
Herculano Jorge Galhardo.
João Catanho de Meneses.
João Carlos da Costa.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Pereira Gil de Matos.

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Diário das Sessões do Senado
Joaquim Xavier de Figueiredo Oriol Pena.
José António da Costa Júnior.
José Duarte Dias de Andrade.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Joaquim Fernandes Pontes.
José Nepomuceno Fernandes Brás.
Luís Augusto do Aragão e Brito.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Manuel Gaspar de Lemos.
Nicolau Mesquita.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Rodrigo Guerra Álvares Cabral.
Silvestre Falcão.
Tomás de Almeida Manuel de Vilhena
(D.).
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
António de Medeiros Franco.
Augusto de Vera Cruz.
Joaquim Teixeira da Silva.
Srs. Senadores que não compareceram à sessão:
Abílio de Lobão Soeiro.
António Alves de Oliveira Júnior.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
Duarte Clodomir Patten de Sá Viana.
Francisco António de Paula.
João Alpoim Borges do Canto.
João Manuel Pessanha Vaz das Neves.
João Maria da Cunha Barbosa.
João Trigo Motinho.
Joaquim Manuel dos Santos Garcia.
Jorge Frederico Velez Carôço.
José Augusto Ribeiro de Melo.
José Augusto de Sequeira.
José Joaquim Pereira Osório.
José Machado Serpa.
José Mendes dos Reis.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Júlio Ernesto de Lima Duque.
Luís Augusto Simões de Almeida.
Querubim da Rocha do Vale Guimarães.
Raimundo Enes Meira.
Ricardo Pais Gomes.
Roberto da Cunha Baptista.
Rodolfo Xavier da Silva.
Vasco Crispiniano da Silva.
Vasco Gonçalves Marques.
Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
PRIMEIRA PARTE
Pelas 15 horas e 40 minutos o Sr. Presidente manda proceder à chamada.
Verificando-se a presença de 40 Srs. Senadores, S. Ex.ª declara aberta a sessão.
Lida a acta da sessão anterior, é aprovada sem reclamação. Menciona-se o seguinte
Expediente
Ofícios
Das câmaras municipais de Paredes de Coura, Batalha e Santa Marta de Penaguião, protestando contra o projecto de lei aprovado na Câmara dos Deputados que fôrça as câmaras a remunerar com determinada quantia os médicos municipais.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal de Ponte de Sor, apoiando a Câmara de Santarém sôbre o regime de execução do chamado «pão político».
Para a Secretaria.
Da comissão de finanças, enviando o parecer relativo à proposta de lei n.° 354. Para a Secretaria.
Da 1.ª secção, enviando, aprovados, a proposta de lei n.° 354 e o projecto de lei n.° 225.
Para a Secretaria.
Do Ministério do anterior, satisfazendo o requerimento n.° 404, de 20 de Abril último, do Sr. Pais Gomes.
Para a Secretaria.
Telegramas
Do núcleo escolar de Benavente, solicitando melhoria do vencimento. Para a Secretaria.
Das câmaras municipais de Óbidos e Lourinhã, pedindo rejeição disposição que visa remuneração médicos municipais.
Para a Secretaria. '
Da Câmara Municipal de Alcochete, pedindo revisão da Lei da Separação. Para a Secretaria.

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Do professorado de Soure, pedindo exclusão do artigo 6.º do parecer n.º 470. Para a Secretaria.
Ex.mo Sr. Presidente do Senado. — Participo a V. Ex.ª que ficou hoje constituída a comissão do Orçamento, tendo sido nomeados presidente o Ex.mos Srs. Pereira Osório, o secretário Costa Júnior.
Para a Secretaria.
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério do Comércio, me seja fornecida uma cópia da reclamação apresentada pela Agência Latina-Americana em que esta pretende que, pelo Comissariado da Exposição do Rio de Janeiro, lhe seja paga uma verba a que se julga com direito. — J. Crisóstomo.
Para a Secretaria.
Requeiro que, pelo Ministério do Comércio, me seja fornecida uma nota das quantias entradas no Comissariado, provenientes de anúncios publicados no catálogo da Exposição do Rio de Janeiro, com indicação dos comerciantes que as pagaram, e das percentagens que recebeu a Agência Latina-Americana relativamente aos mesmos.
Igualmente desejo que me seja fornecido, com a máxima urgência, um exemplar do aludido catálogo. — J. Crisóstomo.
Para a Secretaria.
Requeiro que, pelo Ministério do Comércio, me seja fornecida uma cópia do relatório elaborado pelo Sr. Ricardo Severo, respeitante à construção dos pavilhões da Exposição do Rio de Janeiro. — J. Crisóstomo.
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Catanho de Meneses: — Em nome da comissão de legislação envio para a Mesa dois trabalhos desta comissão.
Um relativo à proposta de lei n.° 328, que diz respeito à elevação das rendas dos prédios rústicos e urbanos e outros constituído por um projecto de lei que a mesma comissão envia para a Mesa sôbre -o mesmo assunto.
Pensou a comissão que, desde que na Câmara dos Deputados havia modificações tendentes não só ao ponto restrito da elevação das rendas mas a outros assuntos urgentes sôbre o inquilinato, à vista das representações que têm sido apresentadas, devia apresentar êste projecto.
Aproveito a ocasião de estar com a palavra para requerer que entre em discussão, com prejuízo dos que já estiverem na ordem do dia, a projecto de lei n.° 400 sôbre o empréstimo, que está também na ordem do dia.
O Sr. Vicente Ramos: — Dou o meu voto para que a proposta de lei relativa ao empréstimo seja imediatamente discutida.
Pôsto à votação o requerimento, é aprovado.
O Sr. D. Tomás de Vilhena: — Passou ontem uma data notável na História de Portugal, do Brasil e da Humanidade: o aniversário do descobrimento do Brasil, da nação irmã, à qual nos ligam tantos laços de amizade, e a qual sentimos ser como que a continuação da Pátria Portuguesa.
Proponho, por isso, que o Senado exare na acta um voto de saudação ao Brasil. O orador não reviu.
O Sr. Augusto de Vasconcelos: — Em nome dêste lado da Câmara, tenho o maior prazer em me associar ao voto proposto.
Se fôsse necessária qualquer prova do que é o valor dos portugueses e das suas qualidades colonizadoras, êsse grande povo de além-mar o atestava.
O orador não reviu.
O Sr. Catanho de Meneses: — Sr. Presidente: êste lado da Câmara associa-se devotamente h saudação apresentada pelo ilustre Senador monárquico, porque ela representa não só d sentir de todos aqueles que se encontram nêste ambiente, mas de todo o país.
Apoiados.
Estou certo Sr. Presidente, de que não há nisto uma só voz discordante.
Estou convencido de que o Brasil mais se irmanou ainda connosco depois da visita que o Sr. Presidente da República lhe fez.

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Saudar o Brasil é como que saudar a própria nação portuguesa, porque êle vive ainda das nossas tradições, o na verdade nós precisamos marchar sempre juntos.
Assim Sr. Presidente, é com a maior sinceridade o dedicação que êste lado da Câmara se associa ao voto proposto pelo Sr. D. Tomás de Vilhena.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Aragão e Brito: — Sr. Presidente: pedi a palavra para também me associar ao voto proposto pelo Sr. D. Tomás de Vilhena.
O orador não reviu.
- O Sr. Dias de Andrade: — Sr. Presidente: pedi a palavra para, em nome da minoria católica, me associar ao voto proposto pelo Sr. D. Tomás de Vilhena, com o maior entusiasmo e a propósito da data gloriosa do descobrimento do Brasil. O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Sr. Presidente: pedi a palavra para, em nome do Govêrno, mo associar ao voto de saudação ao Brasil, proposto pelo Sr. D. Tomás de Vilhena, a propósito da data que ontem se comemorou.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Câmara, eu considero o voto aprovado por unanimidade.
Apoiados.
O Sr. Oriol Pena: — Sr. Presidente: visto estar presente o Sr. Ministro das Finanças, quero, diante do S. Ex.ª, renovar o protesto que aqui fiz numa das sessões passadas contra uma medida tomada por S. Ex.ª que taxei, e continuo a taxar, de violentíssima, não a julgando de proveito algum para o País!
Refiro-me ao enorme aumento de caução que foi exigida, sem se ligar importância à proporção que era justo guardar entre as diferentes casas bancárias por essa mesma medida atingidas.
A elevação feita, do 150 a 500 contos, não chegou a molestar, nem a inquietar sequer, as grandes casas e os grandes Bancos, mas pode ser grandemente nociva às pequenas casas, que são afinal as auxiliares úteis do pequeno comércio.
É isto o que já aqui acentuei e em que insisto, preguntando ao Sr. Ministro, e desejando que S. Ex.ª nos exponha claramente, qual a razão que o levou a fazer tal exigência.
Desejaria também que S. Ex.ª me informasse se é verdade que alguns Bancos estrangeiros, isto é, se casas inglesas fizeram reclamações perante o Govêrno a respeito dessa determinação.
Não compreendo fàcilmente a razão por que se queira esmagar o pequeno comêrcio que se ocupa de cambiais, como também não compreendo que se não respeitem direitos adquiridos.
Ao mesmo tempo desejo protestar contra a violência que se praticou para com um certo número do pessoas a que chamam zangãos e circulam pela Rua dos Capelistas, tendo englobado nessa violência oito pessoas que vinham do Brasil, acabavam de desembarcar o eram portadoras de dinheiro em dólares.
Mas há mais, Sr. Presidente. Uma pessoa que eu conheço e que, na qualidade de intérprete, havia acompanhado um grupo de americanos através da cidade em automóvel, recebeu dêsses americanos para o pagamento das despesas, 5 libras cm ouro, sendo-lhe dito que, pagas as despesas feitas, guardasse o resto como gratificação.
Êste homem foi preso porque lhe encontraram as cinco libras em ouro! E assim eu chego à conclusão de que um indivíduo nestas condições o que exerce um modo de vida honesto, já não pode ter dinheiro em ouro sem ser suspeito de gatuno, visto que chamam gatunos a essas pessoas assim presas!
Visto que estou na faina de fazer protestos ainda quero fazer mais outro.
Não compreendo, Sr. Presidente, que a polícia não tenha arte de apanhar os indivíduos que fabricam ou deitam bombas e se divirta agora, segundo notícia que vejo nos jornais, a fazer buscas domiciliárias em casas de cidadãos pacíficos, fazendo constar que anda tratando de investigações sobro fabrico de explosivos!
Toda a gente sabe que os explosivos estão à venda no mercado, são fáceis de

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obter e que não é preciso correr os riscos de tentativas de fabrico.
Ninguém ignora também que o explosivo de eleição, a matéria prima da celebrada artilharia civil, é um produto da grande indústria que, com o nome de dinamite, se vende às caixas, creio que de 50 quilogramas, e não é difícil de obter.
Fabricar dinamite; para quê?!!
Fabricar mesmo pólvoras cloratadas; para quê?!!
Fabricar picratos, fulminatos; para quê?!!
Se é muito mais simples e barato comprá-los já feitos?!!
Quem quere a polícia enganar? Sim, quem é que a polícia pretende enganar, dizendo que está procedendo a investigações para conhecer da forma como se fazem explosivos?
Isto assim não pode continuar, mas eu continuarei a protestar contra isto tudo com a minha costumada rabujice.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Respondendo às considerações do Sr. Oriol Pena, como é do meu dever em virtude do ser um representante do Poder Executivo, direi a S. Ex.ª qual foi a orientação que presidiu à publicação do decreto que aumenta as cauções.
Em primeiro lugar direi que o Govêrno tem cumprido a lei som sofisma algum e que o decreto não é ilegal.
Como S. Ex.ª sabe o aumento das cauções pode ir muito longe. A primeira vista a medida promulgada tem um aspecto de injustiça, porquanto a caução é igual para todos. Não faz realmente sentido que a caução prestada por casas pequenas seja a mesma prestada pelas grandes casas.
Mas duas razões há para isso.
A primeira é que se tratava duma medida urgente, de absoluta necessidade, embora não dêsse aqueles resultados que eu esperava, porque a caução ainda foi pequena.
Estabeleceu-se um mínimo de 500.000$ e a necessária proporção de harmonia com as transacções.
V. Ex.ª talvez se admire dêste procedimento, mas é que os grandes negócios cambiais são feitos pelas casas mais pequenas.
Devo dizer que há uma casa pequena, com o capitai do cento e tantos contos, que tem um movimento de cambiais de 30:000 a 40:000 contos por mês.
Veja S. Ex.ª o que sucederia se se fixasse a caução por grandes e pequenas casas.
Posso mesmo dizer a S. Ex.ª que, nas chamadas vendas ao balcão, as casas onde há maior movimento, são essas pequenas casas. E S. Ex.ª pode verificar isto que eu digo, pelo relatório do Banco de Portugal.
Por êsse relatório S. Ex.ª pode ver qual foi, no ano anterior, o movimento de cambiais realizado pelas diversas casas, e então verificará que a que fez maiores transacções, é uma dessas pequenas casas de Lisboa, que, para muita gente, quási não é considerada uma casa bancária.
Poderei éster a ver mal o problema, mas o facto que me preocupa é a quantidade de pedidos que, constantemente entra no Ministério das Finanças para casas comerciais que desejam começar a negociar em cambiais. Daqui a pouco, temos de chegar quási à conclusão de que, se não pomos um dique a êste estado de cousas, não haverá em Lisboa senão casas para tratar do negócio de cambiais.
Nós vemos já hoje, que o número delas é superior ao número que exige a economia nacional. E dizem: — mas elas vivem.
Realmente vivem, mas é devido à especulação.
Quando alguém precisa de adquirir uma determinada quantia de moeda estrangeira, essa moeda antes de chegar às mãos dêsse indivíduo passa pelas de três ou quatro, sem necessidade nenhuma.
E quanto mais intermediários houver, maiores são os prémios a pagar, maior é o prejuízo para quem compra.
Logo que a lei das cauções foi publicada, depois de ter sofrido modificações na comissão de câmbios, começou-se a ver que ela tinha defeitos. Eu supus que, reduzindo o número de casas que fazem êsse comércio se conseguia alguma cousa, mas viu-se que não dava resultado, e agora estamos tratando de aumentar, em ocasião oportuna — à medida que formos adquirindo informações — aumentar proporcionalmente àquelas que fazem mais

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negócio, e que se verifique que esta caução não é suficiente.
A caução de 100 contos era insuficiente, o Estado podia ser defraudado em quantia superior, mas com a caução de 500 contos era preciso que fôsse uma operação de grande relêvo para que as cambiais que se têm de entregar ao Estado fizessem uma diferença de 500 contos.
Quando foi publicado o decreto, não houve quem não fizesse justiça às minhas intenções.
Da parte dos nossos Bancos nada houve, mas dos estrangeiros êles apareceram a reclamar, que tendo-lhes já sido fixada uma caução ninguém podia obrigá-los a aumentá-la.
E aqui recordo que foi o representante nas conferências de Génova e Bruxelas, cujas conclusões na parte financeira que, eu assinei que estabelecem, entre outros, o compromisso de não se cometerem desigualdades entre os Bancos estrangeiros e nacionais, e tendo sido esta cláusula apresentada na conferência pelo representante inglês, era estranho que fôsse até um Banco inglês que se viesse queixar.
Houve também uma intervenção junto do meu colega dos Negócios Estrangeiros.
Assim vieram dois Bancos, um inglês e outro francês.
O inglês veio com uma representação em que se atrevia a entrar em considerações sôbre a administração portuguesa.
Mandei devolvê-la, declarando que não vinha em termos de ser recebida.
Vozes: — Muito bem.
O Orador: — No dia seguinte entrava um requerimento dessa casa pedindo para depositar êsses 500 contos, nos mesmos termos em que estão os Bancos portugueses.
Referiu-se S. Ex.ª aos zangãos.
Ouvi dizer que tinham sido presos alguns dêsses indivíduos, que as prisões não tinham sido bem feitas, e que tinham sido postos em liberdade.
Mas no Ministério das Finanças de nada disto foi dado conhecimento.
Dias depois um funcionário da polícia me disse que, na verdade, alguns dêsses indivíduos se entregavam a operações de carácter especulativo, mas a legislação era deficiente e impossível de fazer-se prova.
Fôra preso um indivíduo que trazia 5 libras; ora nada há que proíba que um cidadão traga êsse dinheiro. O passar a fronteira com êle é que seria um acto de culpa,
Sôbre a questão dos explosivos, tratarei de transmitir ao Sr. Ministro do Interior as suas considerações.
O orador não reviu.
O Sr. Oriol Pena (para explicações): — Sr. Presidente: congratulo-me por ter levantado êste pequeno incidente perante o Sr. Ministro das Finanças e agradeço a S. Ex.ª a forma gentil, correcta e clara como respondeu.
S. Ex.ª arguiu-me, no comêço das suas ponderações, a respeito de qualquer palavra que eu tivesse pronunciado, não lhe soou bem, e me não lembra de ter proferido.
Se alguma proferi que pudesse ser mal interpretada, ou me escapou por ter falado com animação em desacôrdo com os meus cabelos brancos. Mas não ia, nem podia ir, a menor intenção de melindrar o Sr. Ministro.
Com respeito aos casos a que S. Ex.ª teve de responder, louvo-o, sem a menor reserva e bem cá de dentro, pela forma alta como S. Ex.ª soube responder, em nome do Estado Português, às reclamações que lhe foram feitas, ou tentaram ser feitas.
Registo, com muito prazer, que um português respondesse, altivamente, como português.
Folgo muito que S. Ex.ª pudesse satisfazer, não só a minha curiosidade, mas a da Câmara. Essa curiosidade era bem patente nas pessoas que em numeroso grupo se abeiraram da cadeira de S. Ex.ª, quando me estava dando essas explicações.
Com relação a cousas muito interessantes que S. Ex.ª disse sôbre a importância e volume de negócios feitos por algumas casas bancárias, são para mim absolutamente novas e algumas tam extraordinárias que parecem fabulosas. Não seria S. Ex.ª iludido?
Não pertenço ao meio bancário e se vim aqui tratar dêsse assunto, e se me

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tenho referido a êle com mais insistência é por ser do domínio público, por dêle ter conhecimento pela imprensa e não porque êle me afecte directamente.
Com respeito aos esquineiros, ou zangãos tem S. Ex.ª a impressão de que sejam perigosos!
Tenho opinião muito diferente. A verdade é que ainda não consegui que alguém me explicasse quais os danos que, da actividade dêsses laboriosos rapazes possam advir para a sociedade, para o país, ou para o Estado.
Não me convenço que seja uma grande perturbação nacional êsse negócio de cambiais feito por casas modestas.
Cambiais tem de haver sempre e, até hoje, tenho visto todas as medidas tentadas para travar o movimento de descida cambial, para obter fixidez ao câmbio, falir, miseràvelmente. S. Ex.ª, agora mesmo, acabou por concordar em que, com surprêsa sua, não tinham dado resultado essas medidas do Govêrno! A culpa não será de S. Ex.ª, mas, com certeza, minha também não é.
No que tenho dito sôbre êste assunto não me interesso por pessoas, sejam cambistas, esquineiros ou Bancos; o caso interessa-me em nome dos princípios gerais e pela perturbação que todas essas medidas põem na nossa vida já tam incerta e perturbada!
Não tenho no caso qualquer interêsse oculto; sou absolutamente alheio aos negócios de câmbio. Quando alguns valores tenho para vender, vendo-os e aí acaba a minha função. Nunca fiz especulações. Não jogo; nem clara, nem ocultamente. Sou, absolutamente, adversário de todo o jogo; seja o dos clubes; seja o da Rua dos Capelistas; seja o da Bôlsa.
Creio ter respondido, sucintamente, às observações de S. Ex.ª a quem apresento os meus agradecimentos.
Nada mais.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Agradeço a S. Ex.ª as suas palavras, que são de justiça, porque no desempenho das funções que me têm sido cometidas ponho todo o esfôrço e inteligência ao serviço do meu pais.
Devo dizer que ao ouvir S. Ex.ª falar, eu, que não lhe conhecia essa sua maneira do expressão, nem a sua vivacidade, liguei a essas palavras uma intenção que reconheço que não é assim.
Êsses indivíduos que à esquina da Rua dos Capelistas negoceiam em cambiais não são tam inofensivos como S. Ex.ª julga. Há quem começou a negociar servindo de vai-vem entre os Bancos, e que hoje tem fortunas muito grandes.
Sôbre a caução dos 500 contos, afirmasse que se podia reduzir um pouco, mas a verdade é que o negócio não é tam ruinoso que não tenham podido essas casas depositar essa caução; demais que pode ser feita em bilhetes do Tesouro, que quási todas as casas possuíam.
Sôbre a questão cambial, sabe V. Ex.ª que é, na verdade, uma questão que preocupa não só o nosso país, mas outros países, até os de moeda valorizada, o ainda não se encontrou uma forma de resolver o assunto. Mas isto não quere dizer que deixemos em liberdade o exercício duma função tam importante, pois pelos diplomas publicados pelos diversos países alguma cousa se tem obtido.
Em Portugal também os diplomas publicados algum resultado têm dado, e, assim, é que de Agosto até agora tem havido uma estabilização.
Quando tomei posse da minha pasta, em Setembro, estava o câmbio a 2, e durante estes sete meses conseguiu-se uma estabilização devido a certas medidas e a confiança da parte do país.
Quer-me parecer que se não tivesse sido publicada a legislação que está em vigor, especialmente o decreto sôbre exportações de cambiais, que não é da minha autoria, mas da autoria dos Srs. Lima Basto e Portugal Durão, não teria sido possível conseguir-se essa estabilização.
Esta última medida foi efectivamente do maior alcance. Ela não veio dar, como muita gente julga, dinheiro ao Govêrno, porque o Govêrno o que faz é comprar para depois ceder, mas essa grande disponibilidade de ouro que êle tem de entregar ao comércio e à indústria para pagarem os artigos mais importantes que se consomem, como o trigo, o algodão, carvão e a maior parte dos artigos que a indústria importa, faz com que êles não tenham necessidade de recorrer aos Bancos a comprar cambiais, porque o Estado lhas fornece em troca dos documentos

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que mostram ser essas cambiais para aquelas aplicações.
Essas medidas poderão não ser perfeitas e óptimas, mas medidas perfeitas e óptimas em todos os países estão empenhados os homens em obtê-las, e ainda não as encontraram. Alguns resultados profícuos e úteis elas, porém têm dado. Era isto o que eu tinha a dizer a V. Ex.ª
O orador não reviu.
O Sr. Costa Júnior: — Pedi a palavra para participar que está constituída a comissão do Orçamento, tendo escolhido para presidente o Sr. Pereira Osório e a mim para secretário.
O Sr. Catanho de Meneses (para um requerimento): — Sr. Presidente: há pouco mandei para a Mesa um projecto sôbre alterações a fazer à lei n.° 5:411, que diz respeito a inquilinato.
Como êsse projecto é da máxima urgência, requeiro que seja lido, a fim de o Senado, se assim o entender, votar que êle baixe imediatamente às respectivas comissões.
Foi concedida.
O Sr. Joaquim Crisóstomo: — Sr. Presidente: aproveito o ensejo de se encontrar presente o Sr. Ministro das Finanças para lhe pedir que me dê as necessárias informações, sôbre um assunto que reputo altamente importante para os interêsses do Estado.
Sendo Ministro das Finanças o Sr. Rêgo Chaves, em 1918, o Estado emprestou um avultado número de libras em ouro ao câmbio de 27 3/4, que lhe deviam ser pagas dentro de determinado prazo.
Êsse empréstimo foi feito, a meu ver, a vários Bancos, contra todos os princípios de ordem económica, financeira, administrativa e moral. A forma vaga e imprecisa como se efectuaram os respectivos contratos revela da parte dos Bancos o propósito de lesarem o Estado. Recusam-se, lançando mão de todos os expedientes, ao pagamento do capital e dos respectivos juros. Os interêsses da nação acham-se esmagados pela ganância duma quadrilha de exploradores e de parasitas que se propõe lançar a nossa sociedade na confusão e na anarquia.
Ao fim de cinco anos, contados da data
da aludida operação, ainda nenhum dos Bancos devedores se julgou habilitado a saldar a sua conta. Com profundo desgosto noto que, em Portugal, não há um único Ministro das Finanças com energia moral e coragem precisa para mandar prender os infames exploradores da miséria do povo e confiscar-lhes os bens. Calcule V. Ex.ª, Sr. Presidente, que o processo referente a êsse importantíssimo assunto tem andado num verdadeiro jubileu, do Ministério das Finanças para o Conselho Financeiro do Estado, dêste para o Ministério da Justiça, para depois regressar de novo ao seu ponto do partida.
Tudo o que se está fazendo, no sentido de favorecer os banqueiros, constitui um crime de lesa Pátria.
A questão não tem jurìdicamente a menor importância, pois o mais modesto advogado de província resolvê-la ia em poucas horas, à face do disposto nos artigos 314.°, 732.°, 1:524.°, 1:530, 1:531.°, 1:533.°, 1:537.°, 1:637.°, 1:638.° e 1:641.° do Código Civil. É indispensável que o Govêrno acorde o diga aos banqueiros: ou dinheiro em ouro ou Penitenciária. São nem mais, nem menos do que 400:000 libras que saíram dos cofres do Estado e andam vagueando em poder da cáfila da Rua do Comércio.
A casa Torlades deve 100:000 libras, o Banco Português o Brasileiro 200:000 e o Banco Espírito Santo 100:000. Que têm feito os diversos Ministros das Finanças no sentido de honrar o seu cargo, zelando os dinheiros públicos?
Nada, absolutamente nada! Até o Sr. Trancoso, náufrago de 19 de Outubro, lançou no processo o seguinte o curioso despacho: a que ao Estado fôssem pagas as libras emprestadas, quando o câmbio voltasse à divisa 27 3/4, a fim de nem os Bancos nem o Estado ficarem prejudicados», Melhor do que isto só no Hospital Miguel Bombarda!!
Como se explica que o Estado sendo tam implacável para os contribuintes que lhe devem alguns centavos, beneficie de forma tam escandalosa os corvos e vampiros da alta finança? Espero ancioso pela resposta do Sr. Vitorino Guimarães.
Tenho dito.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Levantou o Sr. Joaquim

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Crisóstomo uma questão que há pouco tempo foi levantada também na Câmara dos Deputados pelo Sr. António Fonseca.
Referiu-se S. Ex.ª aos adiantamentos de uma certa quantia em libras feito em 1919, se bem me recordo, e sendo Ministro das Finanças o Sr. Rêgo Chaves, a diversos Bancos de Lisboa.
Eu devo dizer a S. Ex.ª que os Bancos, no sentido verdadeiro do têrmo, não ficaram devendo dinheiro.
As libras foram entregues com a obrigação de os Bancos, o que fizeram, entrarem nesse mesmo dia com o correspondente em escudos, ao câmbio dêsse dia.
Eu gosto sempre de falar com toda a verdade e devo dizer que o que se deveria ter feito era uma venda, porque se previa uma melhoria cambial.
Mas depois, o câmbio piorou e começaram-se a pedir novos adiantamentos, e a questão foi-se complicando cada vez mais.
Devo dizer a V. Ex.ªs que estou a falar muito de memória e não desejava fazer qualquer afirmação donde pudesse resultar compromisso.
Os Bancos ainda pagaram o juro no primeiro e segundo trimestre, deixando depois de o pagar, até que o Sr. Ministro das Finanças de então, o Sr. Cunha Leal, quis regularizar um pouco tal estado de cousas e lavrou um despacho em que os Bancos ficavam a pagar ao Estado 7 por cento em ouro e o Estado ficava a pagar aos Bancos 7 por cento dos escudos que tinha recebido.
Mas como isto daria mais tarde ou mais cedo uma situação pouco normal, foi-se até 50 por cento.
Dadas as circunstâncias, os Bancos ficaram a pagar ao Estado 3 por cento e o Estado não lhes pagava nada. Assim continuou isto, até que mais tarde, sendo Ministro das Finanças o Sr. Peres Trancoso, êste, lavrou um despacho em que mandava acabar com o juro e ficou a questão para liquidar, quando não houvesse prejuízo para ambas as partes.
Como havia três despachos ministeriais sôbre o assunto, entendeu-se que se devia ouvir o Conselho Superior de Finanças, tendo vindo essa consulta. Todavia, em vez dela responder concretamente ao então Ministro Sr. Portugal Durão, fê-lo de forma a não se poder liquidar a questão.
Tratando-se de um assunto de tamanha gravidade, êle foi levado a Conselho de Ministros e estudado com muita cautela, e tendo sido consultado sob o ponto de vista jurídico o Sr. Ministro da Justiça, o Conselho entendeu que era preciso novamente ouvir o Conselho Superior de Finanças, tendo o processo sido para lá devolvido há cerca de dois meses, ou mês e meio.
O Sr. Joaquim Crisóstomo (interrompendo): — E V. Ex.ª pode me dizer qual era a opinião do Sr. Ministro da Justiça?
O Orador: — Não me lembro bem. Mas quando vier o processo, V. Ex.ª poderá informar-se completamente.
A nova consulta está dependente do Conselho Superior de Finanças.
O Sr. Joaquim Crisóstomo: — E de quantos Bancos se trata?
O Orador: — Apenas de três, se bem me recordo; o Banco Português, etc.
Devo dizer que na primeira ocasião ainda se pode levantar a questão da doutrina sôbre a forma de julgar, mas há já na verdade um facto de certa importância a atender, qual é o do Banco Colonial ter pago integralmente em ouro, por exigência do então Ministro das Finanças Sr. António Maria da Silva.
Ainda que o Conselho Superior de Finanças, ou os tribunais fôssem consultados e se quisesse estabelecer qualquer princípio, a forma de resolver o caso torna-se difícil, porque há já direitos adquiridos por outros.
O Sr. Joaquim Crisóstomo (interrompendo): — E a quanto monta a importância em libras?
O Orador: — Anda à volta de 400:000 libras.
Mas devo dizer que só com o processo à vista se podem dar explicações completas.
Interrupção do Sr. Francisco José Pereira, que não foi ouvida.

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O Orador: — Posso tomar o compromisso de, logo que me seja possível trazer o processo, elucidar o Senado, tanto mais que o Parlamento terá possivelmente, de resolver a questão.
Por agora só acentuarei que houve Bancos que pagaram em dia.
Tenho dito.
O orador não reviu.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Vai entrar em discussão a proposta de lei n.° 400.
É a seguinte:
Proposta de lei n.° 400
Artigo 1.° E criado um novo fundo consolidado de dívida pública, liberado em libras esterlinas, com o juro anual de 6 Va por cento, pagável aos trimestres vencidos, em ouro ou em escudos ao câmbio médio do trimestre anterior, e destinado, quando pela emissão, a um câmbio a fixar, convertido em escudos, ao pagamento das despesas gerais do Estado no ano económico de 1922-1923, o à substituïção em equivalência de valor efectivo de parte ou da totalidade dos títulos (inscrições) depositados no Banco de Portugal em caução da dívida do Estado.
Art. 2.° O novo fundo consolidado de 6 1/2 por cento, criado pelo artigo anterior, além da garantia dos rendimentos gerais do Estado, como dívida da nação, fica isento, tanto em capital, como em juro, de todos os impostos portugueses presentes e futuros, quer ordinários, quer extraordinários e do imposto do selo nos respectivos títulos em que fôr representado.
Êstes títulos ficam gozando da isenção de penhora, nos termos do artigo 33.° da -lei n.° 403, de 9 de Setembro de 1915, e poderão ser averbados em condições de imobilidade, bem como servir para caução e depósito de garantia, em concorrência com outros títulos para isso designados por leis anteriores, em todos os casos em que por disposição legal são exigidos ou admitidos títulos de dívida pública portuguesa.
Art. 3.° E o Govêrno autorizado a proceder, nos termos das leis vigentes, à emissão pela Junta do Crédito Público, e â realização pelo Ministério das Finanças, do capital nominal do novo fundo de 6 l/2 por cento, até 4 milhões esterlinos, sob a condição de que o encargo efectivo da operação não exceda 7,75 por cento, em esterlino.
§ único. Fica a cargo da Junta do Crédito Público todo o serviço e pagamento dos juros do novo fundo.
Art. 4.° E o Govêrno também autorizado a proceder à emissão e à realização de títulos dêste novo fundo consolidado, nos mesmos termos dos artigos anteriores, quando por acôrdo entre o Govêrno e o Banco de Portugal, conforme a condição 1.ª do contrato de 29 de Abril de 1918, se julgar oportuno substituir por estes títulos as inscrições depositadas em caução, devendo estas ser recolhidas, anuladas e queimadas nos termos das leis e regulamentos da Junta de Crédito Público, podendo também substituir por títulos do novo fundo consolidado de 6 l/2 por cento, em equivalência de juro, os títulos de divida externa de 3 por cento pertencentes ao fundo de amortização e reserva, criado pela lei n.° 404, de 9 de Setembro de 1915.
Art. 5.° O novo fundo que fôr vendido não poderá ser convertido em outro antes de 30 de Junho de 1933.
Art. 6.° E autorizado o Govêrno a celebrar com o Banco de Portugal um contrato nos termos seguintes:
a) Os empréstimos ou suprimentos em capital escudos que o Banco facultará ao Govêrno, e que serão acrescidos aos concedidos e realizados pela base 1.ª do contrato de 29 de Abril de 1918, pelo artigo 1.º da lei n.º 1:074, de 27 de Novembro de 1920, e pelo contrato de 21 de Abril de 1922, com representação em notas ouro, conforme a base 2.ª daquele primeiro mencionado contrato, não poderão exceder, até 31 de Dezembro de 1923, a soma de mais 140:000.000$ e serão efectuados nas mesmas condições dos anteriores;
b) Se o produto efectivo do empréstimo, autorizado pelo artigo 3.º tiver sido suficiente, no todo ou em parte, para ocorrer às deficiências de gerência durante o ano económico de 1922-1923, o Govêrno pagará ou amortizará os suprimentos que, no uso desta autorização tiver levantado com destino à satisfação daquelas deficiências, devendo consequentemente deminuir na circulação igual importância de

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notas; mas dêste movimento de operações não resultará caducidade do limite de suprimentos autorizados pelas disposições legais anteriores à presente lei, entendendo-se, emquanto às amortizações a efectuar, na conta dêsses suprimentos, anteriormente autorizados, do Banco ao Govêrno, que os mesmos suprimentos sómente poderão ser renovados quando poderosas circunstâncias o exigirem, e por metade da sua respectiva importância;
c) O Govêrno procederá à troca da prata que foi desamoedada e recolhida em execução do decreto n.° 3:296, de 15 de Agosto de 1917, pelo seu valor efectivo em ouro, o qual em conta separada ficará em depósito, pomo os referidos na alínea i) da base 2.ª do contrato de 29 de Abril de 1918, emquanto a soma total dos suprimentos do Banco ao Govêrno não tiver sido reduzida ao saldo de 31 de Dezembro de 1920; mas desde logo o Banco será reembolsado da importância das notas que emitiu para a referida operação de recolha;
d) O actual limite contratual da faculdade de emissão concedida ao Banco para operações bancárias será acrescido progressivamente de 10:000 contos por cada 70:000 contos de novos suprimentos e deverá reduzir-se na mesma proporção, num prazo não superior a seis meses, se aqueles suprimentos sofrerem amortização correlativa; mas estes acréscimos de limite de emissão poderão ser definitivamente adquiridos para o Banco, se êste constituir e mantiver reserva de ouro correspondente a 25 por cento do valor total da circulação autorizada para operações bancárias, podendo no emtanto esta reserva ser constituída nos termos indicados na alínea c) da base 2.ª do contrato de 29 de Abril de 1918, emquanto durar o período de inconvertibilidade vigente.
e) Ficam subsistindo todas as* condições dos contratos e disposições legais anteriores que pela presente lei não foram modificados.
Art. 7.° A Junta do Crédito Público, depois de cumprido o disposto no n.° 6.° do artigo 9.° do Regulamento de 8 de Outubro de 1900 e do artigo 23.° do decreto de 14 de Agosto de 1893, criará e emitirá os títulos de dívida pública do novo fundo de 6 1/2 por cento necessários à constituïção e à substituïção da caução das operações que se realizarem com o Banco de Portugal nos termos da presente lei e do contrato de 29 de Abril de 1918.
Art. 8.° Da importância total dos suprimentos, que o Govêrno poderá desde já utilizar para as necessidades do Tesouro, deverão ficar reservadas as somas necessárias para constituir um fundo de maneio do serviço das exportações com aplicação imediata à aquisição das respectivas cambiais, abrindo com êste fim no Banco de Portugal, a quem está confiado aquele serviço, uma conta corrente com rubrica especial nas situações hebdomadárias daquele Banco.
§ 1.° Logo que entre em vigor o disposto nêste artigo, fica revogado o convénio celebrado entre o Banco de Portugal e o Govêrno em 29 de Dezembro de 1922, devendo os saldos da conta aberta pela sua execução passar para a conta de que trata êste artigo.
§ 2.° Semestralmente o Govêrno apresentará ao Parlamento o estado da conta referente ao fundo de maneio de que trata êste artigo, designando claramente as diferenças de câmbio apuradas a favor ou contra o Estado nas operações realizadas.
Art. 9.° Emquanto a cotação oficial do câmbio sôbre Londres se mantiver abaixo de 12 pence por escudo, o Govêrno poderá fazer cunhar e emitir moeda subsidiária de $50 e 1$, doma liga metálica adequada, com a faculdade de, em período transitório, utilizar as notas existentes do Banco de Portugal, dêsses mesmos valores, adquirindo-as por compra pelo preço que com o Banco ajustar, e fazendo opor-lhes, em sobrecarga, o dístico «República Portuguesa — Casa da Moeda».
a) O limite da cunhagem e emissão desta moeda será de 10:000 contos por cada espécie, podendo, porém, elevar-se ao dobro, se as necessidades de trocos, reconhecidas por decreto do Govêrno, assim o exigirem.
b) O Govêrno decretará o título da liga, dimensões, pêso o tolerâncias da moeda subsidiária a emitir nos termos dêste artigo.
c) Poderá o Govêrno, em troca dos discos da liga metálica necessários para a cunhagem, alienar uma quantidade, em valor precisamente equivalente, de cobre

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em barra, que possui armazenado na Casa da Moeda e Valores Selados;
d) Feita a emissão de que trata êste artigo, cessa para o Banco do Portugal a faculdade que lhe foi concedida pelo artigo 4.º do decreto do 9 do Julho de 1891.
Art. 10.° A execução do disposto no artigo 4.º não poderá determinar acréscimo de encargo de juro nominal, em esterlino, no Orçamento para o ano económico de 1923-1924, superior ao exigido para a execução do artigo 3.°, e o encargo nos anos económicos seguintes será sempre fixado previamente na respectiva lei de receita e despesa.
Art. 11.º O Govêrno abrirá os créditos especiais necessários para a inscrição no Orçamento do Ministério das Finanças das verbas resultantes da execução desta lei.
Artigo 12.º O Govêrno dará conta ao Parlamento do uso que fizer das autorizações que lho são conferidas por esta lei.
Art. 13.° Fica revogada a legislação em contrário.
Palácio do Congresso da República, 24 de Março de 1923. — Alfredo Ernesto de Sá Cardoso— Baltasar de Almeida Teixeira.
Senhores Senadores. — A proposta de lei n.º 400 que foi enviada a esta comissão para ser examinada não difere, essencialmente, da proposta inicial que foi apresentada pela Ministro das Finanças Sr. Vitorino Guimarães.
Pequenas foram, efectivamente, as modificações que nela foram introduzidas pela Câmara dos Deputados, tendentes umas a tornar mais claras as disposições da proposta ministerial, outras a facilitar a fiscalização parlamentar e a evitar um possível abuso das autorizações por ela concedidas ao Poder Executivo.
O que é certo é que, salva a redacção de algumas delas, nenhuma das modificações feitas por aquela Câmara prejudicou a iniciativa do Govêrno no que ela tem de essencial, devendo notar-se que, no que respeita ao artigo 3.º, por exemplo, para o qual a comissão de finanças propôs uma modificação muito importante, a Câmara dos Deputados optou pelo artigo da proposta ministerial, alterando apenas o limite do encargo máximo do empréstimo, em esterlino, que reduziu de 9 a 7,75 por cento.
A política financeira cuja realização o Sr. Ministro das Finanças iniciou com a apresentação da sua proposta de um empréstimo livre, interno, liberado em ouro, obteve, portanto, a aprovação da primeira Câmara do Congresso da República.
Esta política é a do saneamento da nossa moeda valorizando-a até onde as circunstâncias o aconselharem gradual, moderada e prudentemente.
Com esta política está também de acôrdo a vossa comissão de finanças, contra a opinião daqueles que, não obstante a lição tremenda do que se tem passado nas nações da Europa, onde depois do armistício por motivos vários, se tem persistido na política de inflação preconizam ainda essa política de ruína para a resolução dos graves problemas do momento no nosso país.
A vossa comissão do finanças adoptando a política de deflação, orientou-se pelos votos emitidos em todas as sessões da Conferência Parlamentar Internacional do Comércio, desde 1916 para cá, como o Sr. Ministro das Finanças adoptando-a se inspirou certamente nas conclusões da Conferência do Bruxelas em 1920 e da comissão técnica financeira da Conferência Económica Internacional do Génova em 1922, conferências em que tomou parte como representante do Portugal o onde brilhantemente afirmou a sua alta competência de homem de Estado.
E não se diga que são ùnicamente os Parlamentos e os Governos a marcar esta orientação.
Muito recentemente se reuniu em Roma o segundo Congresso da Câmara do Comércio Internacional, instituição de carácter privado formada pelas Câmaras de Comércio, sindicatos profissionais, sociedades comerciais e altas personalidades do comércio, representando vinte e seis nações, e completamente independente dos respectivos Governos e Parlamentos, tanto como da sua fiscalização.
Nêste importante Congresso de Roma, a Câmara do Comércio Internacional, peles sons três grupos respectivamente consagrados às finanças, ao comércio e indústria, o aos transportes foram estudados os grandes problemas económicos e

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financeiros que actualmente se impõem à atenção do mundo inteiro, e entre outros, foi tratado, como era natural, o da situação internacional consequente da inflação monetária nos países representados, alguns dos quais antes da guerra tinham a sua moeda perfeitamente sã.
Tendo o professor sueco Cassel apresentado um estudo em que preconizava um sistema de estabilização imediata mesmo nos países em que a moeda está muito depreciada, o Congresso do Roma depois de uma larga discussão da tese do professor Cassel optou pela política de deflação, única que honestamente julgou que podia e devia ser adoptada pelas nações cuja moeda não esteja por completo desvalorizada.
É êste o nosso caso e essa portanto a política financeira que convém ao nosso pais embora isso contrarie os inflacionistas, os que preconizam a estabilização do câmbio na divisa actual e, finalmente, todos os que vivem da ficção cambial que é a principal causa da maior parte dos males que nêste momento dificultam a nossa regeneração política, económica e financeira.
Pôsto isto a vossa comissão de finanças, tendo eximado pormenorizadamente a proposta de lei n.° 400, reconhece a oportunidade e urgência da sua aprovação como a primeira duma série de medidas que têm do ser promulgadas e para cuja elaboração e estudo o Govêrno, qualquer que êle seja, desde que o constituam homens competentes, tem de contar com a colaboração patriótica e dedicada do Parlamento.
E assim é urgente que o Parlamento resolva o problema da remodelação dos serviços públicos simplificando-os e comprimindo tanto quanto possível as respectivas despesas como é indispensável que, não menos urgentemente, discuta e vote o Orçamento da receita e despesa para a próxima ano económico bem como todas as medidas necessárias para que o equilíbrio orçamental seja uma realidade em curto prazo.
Entretanto, votando a proposta de lei n.° 400 o Congresso da República habilitará desde já o Govêrno com os meios indispensáveis para, desembaraçado das dificuldades consequentes da execução do Orçamento do ano económico corrente, preparar a situação para a realização de medidas do mais largo alcance, tendentes a resolver definitivamente o nosso problema cambial e, como consequência, o grave problema da carestia da vida ao qual está ligado todo o problema português, nas suas diversas modalidades.
De acôrdo com o Sr. Ministro das Finanças a vossa comissão propõe-vos algumas alterações na proposta, todas de pequena importância e que por sua natureza se justificam.
São as seguintes:
No artigo 1.º:
Substituir as palavras «em ouro ou em escudos ao câmbio médio do trimestre anterior e destinado quando pela emissão a um câmbio a fixar, convertido em escudos» pelas seguintes: «em ouro em Londres, ou em Lisboa em escudos, ao câmbio médio do trimestre anterior e destinado, quando convertido em escudos, a um câmbio de emissão a fixar pelo Govêrno».
No artigo 6.º, alínea d):
Intercalar a palavra «sou» entre as palavras «do» e «valor»; eliminar as palavras «total da circulação autorizada para operações bancárias».
No artigo 7.°:
Aditar ao artigo, substituindo previamente o «ponto final» por «uma vírgula», as seguintes palavras: «bem como os necessários à substituïção dos títulos da dívida externa de 3 por cento a que se refere o artigo 4.°».
Sala das sessões da comissão de finanças do Senado, 17 de Abril de 1923. — Francisco de Sales Ramos da Costa — António de Medeiros Franco — Frederico António Ferreira de Simas — César Justino de Lima Alves (com restrições) — J. Mendes dos Reis (com restrições) — Herculano Jorge Galhardo, relator.
Última redacção
Artigo 1.° E criado um novo fundo consolidado de dívida pública, liberado em libras esterlinas, com o juro anual de 6 1/2 por cento, pagável aos trimestres vencidos, em ouro em Londres, ou em Lisboa, em escudos ao câmbio médio do

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trimestre anterior e destinado, quando convertido em escudos a um câmbio de emissão a fixar pelo Govêrno, ao pagamento das despesas gerais do Estado no ano económico de 1922-1923, e à substituïção, em equivalência de valor efectivo de parte da totalidade dos títulos (inscrições) depositados no Banco de Portugal em caução da dívida do Estado.
Art. 2.° O novo fundo consolidado de 6 1/2 por cento, criado pelo artigo anterior, além da garantia dos rendimentos gerais do Estado, como dívida da Nação, fica isento, tanto em capital como em juro, de todos os impostos portugueses presentes e futuros, quer ordinários quer extraordinários e do imposto do selo nos respectivos títulos em que fôr representado. Estes títulos ficam gozando da isenção de penhora, nos termos do artigo 33.º da lei n.° 403, de 9 de Setembro de 1915, e poderão ser averbados em condições de imobilidade, bem como servir para caução e depósito de garantia em concorrência com outros títulos para isso designados pelas leis anteriores, em todos os casos em que por disposição legal são exigidos ou admitidos títulos de dívida pública portuguesa.
Art. 3.° E o Govêrno autorizado a proceder, nos termos das leis vigentes, à emissão pela Junta do Crédito Público, e à realização, pelo Ministro das Finanças, do capital nominal do novo fundo de 6 l/2 por cento, até quatro milhões esterlinos, sob a condição de que o encargo efectivo da operação não exceda 7,75 por cento em esterlino.
§ único. Fica a cargo da Junta do Crédito Público todo o serviço e pagamento dos juros do, novo fundo.
Art. 4.° E o Govêrno também autorizado a proceder à emissão e à realização de títulos dêste novo fundo consolidado, nos termos dos artigos anteriores, quando, por acôrdo entrego Govêrno e o Banco de Portugal, conforme a condição 1.ª do contrato de 29 de Abril de 1918, se julgar oportuno substituir, por estes títulos, as inscrições depositadas em caução, devendo estas ser recolhidas, anuladas e queimadas nos termos das leis e regulamentos da Junta do Crédito Público, podendo também substituir por títulos do novo fundo consolidado de 6 l/2 por cento, em equivalência de juro, os títulos de
dívida externa de 3 por cento pertencentes ao fundo de amortização, e reserva criado pela lei n.° 404, de 9 de Setembro de 1915.
Art. 5.° O novo fundo, que fôr vendido, não poderá ser convertido em outro antes de 30 de Junho de 1933.
Art. 6.° É autorizado o Govêrno a celebrar com o Banco de Portugal um contrato nos termos seguintes:
a) Os empréstimos ou suprimentos em capital escudos que o Banco facultará ao Govêrno e que serão acrescidos aos concedidos e realizados pela base 1.ª do contrato de 29 de Abril de 1918, pelo artigo 1.º da lei n.º 1:074, de 27 de Novembro de 1920, e pelo contrato de 21 de Abril de 1922, com representação em notas ouro, conforme a base 2.ª daquele primeiro mencionado contrato, não poderão exceder, até 31 de Dezembro de 1923, a soma de mais 140:000.000$ e serão efectuados nas mesmas condições dos anteriores;
b) Se o produto efectivo do empréstimo autorizado pelo artigo 3.° tiver sido suficiente no todo ou em parte para ocorrer às deficiências de gerência, durante o ano económico de 1922-1923, o Govêrno pagará ou amortizará os suprimentos que, no uso desta autorização, tiver levantado com destino à satisfação daquelas deficiências, devendo consequentemente deminuir na circulação igual importância de notas, mas dêste movimento de operações não resultará caducidade do limite de suprimentos autorizados, pelas disposições legais anteriores à presente lei, entendendo-se em quantas amortizações a efectuar, na conta dêsses suprimentos, anteriormente autorizados, do Banco ao Govêrno que os mesmos suprimentos sòmente poderão ser renovados quando poderosas circunstâncias o exigirem, e por metade da sua respectiva importância;
c) O Govêrno procederá à troca da prata que foi desamoedada e recolhida em execução do decreto n.° 3:296, de 15 de Agosto de 1917, pelo seu valor efectivo em ouro, o qual, em conta separada, ficará em depósito, como os referidos na alínea i) da base 2.ª do contrato de 29 de Abril de 1918 emquanto a soma total dos suprimentos do Banco ao Govêrno não tiver sido reduzida ao saldo de 31 de Dezembro de 1920; mas desde logo o Banco

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será reembolsado da importância das notas que emitir para a referida operação de recolha;
d) O actual limite contratual da faculdade de emissão concedida ao Banco para operações bancárias será acrescido progressivamente do 10.000 contos por cada 70.000 contos de novos suprimentos o deverá reduzir-se na mesma proporção, num prazo não superior a seis meses, se aqueles suprimentos sofrerem amortização correlativa; mas estes acréscimos de limite de emissão poderão ser definitivamente adquiridos para o Banco, se êste constituir e mantiver reserva de ouro correspondente a 25 por cento do seu valor, podendo no emtanto esta reserva ser constituída nos termos indicados da alínea c) da base 2.ª do contrato de 29 de Abril de 1918 emquanto durar o período de inconvertibilidade vigente;
e) Ficam subsistindo todas as condições dos contratos e disposições legais anteriores que pela presente lei não foram modificados.
Art. 7.° A Junta do Crédito Público, depois de cumprir o disposto no n.° 6.° do artigo 9.° do Regulamento de 8 de Outubro de 1900 e do artigo 23.° do decreto de 14 de Agosto de 1893, criará e emitirá os títulos de dívida pública do novo fundo de 6 1/2 por cento necessários à constituïção e à substituïção da caução das operações que se realizarem com o Banco de Portugal nos termos da presente lei e do contrato de 29 de Abril de 1918, bem como os necessários à substituïção dos títulos da dívida externa de 3 por cento a que se refere o artigo 4.°
Art. 8.° Da importância total dos suprimentos, que o Govêrno poderá desde já utilizar para as necessidades do Tesouro, deverão ficar reservadas as somas necessárias para constituir um fundo de maneio do serviço das exportações com aplicação imediata à aquisição das respectivas cambiais, abrindo com êste fim no Banco de Portugal, a quem está confiado aquele serviço, uma conta corrente com rubrica especial nas situações hebdomadárias daquele Banco.
§ 1.° Logo que entre em vigor o disposto nêste artigo, fica revogado o convénio celebrado entre o Banco de Portugal e o Govêrno em 29 de Dezembro de 1922, devendo os saldos de conta aberta pela sua execução passar para a conta de que trata êste artigo.
§ 2.° Semestralmente o Govêrno apresentará ao Parlamento o estado da conta referente ao fundo de maneio de que trata êste artigo, designando claramente as diferenças de câmbio apuradas a favor ou contra o Estado nas operações realizadas.
Art. 9.° Emquanto a cotação oficial do câmbio sôbre Londres se mantiver abaixo de 12 pence por escudo, o Govêrno poderá fazer cunhar e Omitir moeda subsidiária de $50 e lê, duma liga metálica adequada, com a faculdade de, em período transitório, utilizar as notas existentes do Banco de Portugal, dêsses mesmos valores, adquirindo-as por compra pelo preço que com o Banco ajustar, e fazendo apor-lhes, em sobrecarga, o dístico «República Portuguesa — Casa da Moeda».
a) O limite da cunhagem e emissão desta moeda será de 10:000 contos por cada espécie, podendo, porém, elevar-se ao dobro se as necessidades de trocos, reconhecidas por decreto do Govêrno, assim o exigirem;
b) O Govêrno decretará o título da liga, dimensões, pêso e tolerância da moeda subsidiária a emitir nos termos dêste artigo;
c) Poderá o Govêrno, em troca dos discos da liga metálica necessários para a cunhagem» alienar uma quantidade, em valor precisamente equivalente, de cobre em barra, que possui armazenado na Casa da Moeda o Valores Selados;
d) Feita a emissão de que […] artigo, cessa para o Banco, de Portugal a faculdade que lhe foi concedida pelo artigo 4.º do decreto de 9 de Julho de 1891.
Art. 10.° A execução do disposto no artigo 4.º não poderá determinar acréscimo de encargo de juro nominal, em esterlino, no Orçamento para o ano económico de 1923-1924, superior ao exigido para a execução do artigo 3.º, e o encargo nos anos económicos seguintes será sempre fixado previamente na respectiva, lei de receita e despesa.
Art. 11.° O Govêrno abrirá os créditos* especiais necessários para a inscrição, no-orçamento do .Ministério das Finanças, das verbas resultantes da execução- desta lei»

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Art. 12.° O Govêrno dará conta ao Parlamento do uso que fizer das autorizações que lhe são conferidas por esta lei.
Art. 13.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das sessões da comissão de redacção, em 26 de Abril de 1923. — Herculano Jorge Galhardo.
O Sr. Pereira Gil: — Sequeiro a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se ela dispensa a leitura desta proposta de lei.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade a proposta de lei n.° 400.
O Sr. Augusto de Vasconcelos: — Sr.
Presidente: a proposta de lei n.° 400, chamada do empréstimo interno, é uma complexa e variada proposta, que contém pelo menos nos seus 13 artigos (fatídico número!), seis propostas diferentes. Assim temos, sucessivamente:
1) Proposta de empréstimo imediato;
2) Proposta de alargamento da circulação fiduciária para uso do Estado;
3 Proposta de alargamento da circulação fiduciária para uso do Banco de Portugal;
4) Proposta de empréstimos deferidos;
5) Proposta de criação duma nova circulação fiduciária da conta do Estado, ao lado da circulação fiduciária do Banco de Portugal;
6) Proposta de emissão de moeda nova.
Há portanto seis propostas que analisar e que discutir, além de outras providências secundárias, como a que se refere à frota, E diz a nossa comissão de finanças que se trata duma proposta muito simples!!
Comecemos pelo empréstimo interno.
Trata-se da criação dum fundo consolidado de divida pública, liberado (vamos lá! porque não titulado?) em libras esterlinas, com o juro anual de 6 1/2 por cento, pagável aos trimestres vencidos, em ouro, ou em escudos ao câmbio médio do trimestre anterior.
Diz o artigo 3.° que o encargo efectivo da operação não excederá 7 3/4 por cento, isto é, venda de cada título de 100 £ por £ 83,87.
Se ficássemos por aqui, ficaríamos muito bem; o Sr. Ministro das Finanças trazia-nos uma proposta simples, clara, excelente para a nossa situação financeira. E ainda que o encargo efectivo fôsse um tanto mais elevado, ainda se trataria duma boa operação. Mas a certa altura do artigo 1.º intervém uma inesperada oração incidente, que nos diz acêrca do nosso pretendido ouro «quando convertido em escudos a um câmbio do emissão a fixar pelo Govêrno», nos termos propostos pela nossa comissão de finanças, porque a proposta primitiva dizia o mesmo, mas numa linguagem muito menos gramatical.
Quere dizer, vamos entregar ao público títulos de £ 100, ouro, que êle paga ao Estado a £ 83,87, para serem convertidos em escudos, títulos pelos quais o Estado pagará um juro nominal de £ 6,5. Mas emquanto que êste juro, se fôr pago em escudos, terá do ser convertido ao câmbio médio do trimestre anterior, o capital entregue vai ser convertido a um câmbio, que nós autorizamos o Govêrno a fixar, mas que não sabemos qual será, ou antes, que não sabemos pela proposta qual seja, embora o conheçamos pelas listas de subscrição dos tomadores! E eu digo, que esta proposta assim formulada, é nada menos do que inconstitucional.
Vejamos. Diz o artigo 26.°, n.° 4.°, da Constituïção (funções do Poder Legislativo):
«Autorizar o Poder Executivo a realizar empréstimos o outras operações de crédito, que não sejam de dívida flutuante, estabelecendo ou aprovando previamente as condições gerais, em que devem ser feitas».
Quais são as condições gerais para a fixação dos encargos dum empréstimo? Toda a gente sabe que são:
1) O valor nominal do título;
2) O juro nominal;
3) O preço da venda.
Nós não sabemos o preço da venda, porque o juro efectivo, se complica duma conversão, não ao câmbio do mercado, mas a um câmbio convencional. Logo, a proposta é inconstitucional e o Parlamento, ou abdica duma das suas mais altas prerrogativas, ou emenda a proposta eliminando aquela conversão arbitrária, ou fixando a taxa dessa conversão.

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Foi dito na Câmara dos Deputados, à comissão de finanças pelo próprio Sr. Ministro das Finanças, que o Govêrno tenciona fazer essa conversão ao câmbio de 6, isto é, libra a 40$. Quere dizer, por cada título de £ 100 os tomadores entregam ao Estado 3.354$80, ou seja pára os quatro milhões de libras 134.192 contos (ou mil escudos). Se o Estado se visse obrigado por uma exigência do momento a comprar com êste dinheiro, ou trigo, ou qualquer outra mercadoria que se pague em ouro, teria de converter aqueles escudos em libras, ao câmbio actual e obteria por cada um dos seus títulos de £ 100 a quantia de £ 33,5. Se o câmbio viesse para 3 (libra a 80$), taxa a que o Sr. Ministro diz que a operação já é razoável, pelo mesmo título de 100 £, o Estado não chegaria a obter 42 £, menos de 50 por cento do seu capital. Não cansarei o Senado com números; os ilustres Deputados Srs. Barros Queiroz, Cunha Leal e Alberto Xavier, com uma competência que eu não tenho, calcularam, de forma que não foi contestada, nem o podia ser, os encargos dêste empréstimo, que podem subir nas várias hipóteses apreciadas até 22 1/2 por cento ao ano.
Porque é que se adoptou esta fórmula que constitui com certeza uma novidade, aliás pouco digna de celebrização? Toda a gente o diz por aí, uma espécie de lenda, que se formou em torno desta operação.
Vou contá-la ao Senado; mas antes de o fazer, quero afirmar mais uma vez, que tenho pela seriedade e pela honorabilidade do Sr. Ministro das Finanças o maior respeito e a maior confiança, não devendo nem S. Ex.ª nem ninguém ver nas minhas palavras qualquer insinuação, que não está no meu espírito, nem nas minhas intenções.
Diz-se que esta proposta do empréstimo foi apresentada ou inspirada por alguns amigos nossos brasileiros, ou portugueses residindo no Brasil, que antes, por ocasião da famosa operação dos 50 milhões de dólares, tinham empenhado numa soma considerável de escudos as suas libras, que então se cotavam a G ou próximo de 6, ou seja a cerca de 40$ por libra.
Parece, que a quando do descalabro da operação, que se esvaiu em fumo e algumas fianças, ficou prisioneira em Portugal uma soma de perto do £ 780:000, que só poderia ser transferida do novo para o Brasil, em condições favoráveis, se o câmbio voltasse àquela longínqua divisa dos 6.
Não seria sedutor, para aqueles capitalistas, que as suas libras pudessem agora, nas próprias barbas dum câmbio a 2 1/2, transportar se para a sua terra, tal á forma dum título, vencendo 6 l/2 em ouro?
O próprio Sr. Velhinho Correia é que o diz no seu relatório, página 8.
«Os subscritores dêste empréstimo realizam uma boa operação: convertem os seus escudos em ouro a um câmbio favorável, recebendo títulos com um bom juro».
E para que tudo venha dar foros de verosimilhança a esta hipótese, até consta que os tomadores de além-mar tomaram firmes £ 780:000, cifra coincidente com a dos escudos, que aqui estavam prisioneiros dum câmbio feroz.
Para os tomadores não há a menor dúvida de que se trata duma feliz operação; para o Estado é uma operação que de má, se pode tornar em ruinosa, se o Govêrno se vir obrigado a reembolsar êste empréstimo, conforme o demonstrou o Sr. Barros Queiraz, ou se, apesar de todas as previsões optimistas, o câmbio subir para uma divisa mais desfavorável do que a actual.
Nós entendemos que é indispensável entrar nesta sã política financeira, que consiste em obter o equilíbrio orçamental pela indispensável redução das despesas e por um progressivo aumento das receitas, quer por uma honesta política fiscal, quer por uma inteligente política de fomento.
Emquanto o Orçamento se não equilibrar, saldemos o deficit por um empréstimo interno, sem recorrer ao ruinosíssimo expediente do aumento da circulação fiduciária. Façamos um empréstimo interno em ouro, porque ninguém pode preconizar o empréstimo em moeda desvalorizada, que mais tarde constituiria encargo ruinoso, se o escudo viesse a uma valorização sensível. Mas, de modo algum, um empréstimo que transforma o Estado em espe-

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culador, com a sua fortuna, ou a sua ruína dependentes de divisa cambial a fixar em curto prazo.
Foi o próprio Sr. Ministro das Finanças quem condenou esta operação no dia tem que disse que ela era boa com o câmbio a 4, razoável com o câmbio a 3, má com o câmbio a 2! O que S. Ex.ª não nos provou é que o câmbio desce com certeza para os limites em que ela se torna ao menos razoável.
Diz-se que o nosso descalabro financeiro provém das consequências da Grande Guerra. Será mais verdade afirmar que êle provém da detestável política financeira seguida depois da guerra. Tem-se imputado ao Sr. Afonso Costa as culpas dessa política, atribuindo-se-lhe a adopção do expediente da inflação fiduciária, causa primacial das misérias da carestia da vida e das suas consequências sociais.
Não posso acompanhar êsses censores o já vêem V. Ex.ªs como sou imparcial nas minhas críticas. É certo que o Sr. Afonso Costa inaugurou a política do alargamento da circulação fiduciária para ocorrer às deficiências orçamentais. Mas acompanhou-a e corrigiu-a com a negociação do empréstimo de 2 milhões de libras e dos empréstimos de assistência financeira inglesa. De modo que durante a sua gerência a nossa divisa cambial não desceu senão muito lentamente. Depois de 1915 é que se recorre às sucessivas omissões de notas, sem nenhuma séria tentativa fiscal, nem de fomento, nem de aumento de produção, nem de empréstimo, quer interno, quer externo.
A política financeira do Sr., Afonso Costa, e, porventura, toda a sua orientação política, tinham por base uma duração curta da guerra. A guerra durou longamente e aquela política teria de se modificar consequentemente:
Já que o equilíbrio orçamental era então inatingível para os nossos recursos, dada a enormidade das despesas a efectuar, teria de se recorrer ao aumento das receitas e à emissão de empréstimos internos—e, possivelmente, externos—para cobrir os deficits dos anos da guerra. O que é que se fez? Cobriram-se os deficits com notas do Banco de Portugal. O que nos trouxe a uma situação financeira vizinha da que se criou nos países vencidos, que muito propositadamente recorreram à inflação fiduciária com a intenção de realizar uma liquidação que nós não poderemos fazer, à míngua dos recursos, de que a Alemanha dispõe. Se formos fazer uma análise minuciosa aos diferentes factores que concorrem para a desvalorização da moeda, tais como a desconfiança, o desiquilíbrio da balança comercial, a emigração de capitais, a especulação e o aumento da circulação fiduciária, verificamos que êste último é que sobreleva de tal modo a todos os outros que quási os podemos despregar, na consideração do fenómeno e nos remédios com que acudir-lhe.
Numa conferência admirável, realizada há dias no Pôrto, uma das mais agudas inteligências da nossa terra, o Sr. Belchior de Figueiredo, funcionário distintíssimo e competência reconhecida em assuntos financeiros, demonstrou, duma maneira brilhante, que há uma relação constante entre o valor global da moeda em circulação num país e o volume das suas transacções. {Segundo os seus cálculos, nós não carecemos de mais de 80:000 contos para o nosso movimento comercial, e temos uma circulação monetária que anda por 1.200:000 contos! Os gráficos elaborados pelo ilustre professor Sr. Lobo de Ávila Lima são igualmente elucidativos da influência dos aumentos da circulação fiduciária nas subidas da nossa divisa cambial.
A circulação fiduciária — eis o inimigo! — pois o Sr. Ministro das Finanças traz-nos nesta proposta não só um alargamento imediato da circulação fiduciária, mas emissões sucessivas de títulos ouro, susceptíveis de venda no mercado, sem obrigação taxativa de inutilização de notas, o que equivaleria a criar uma inflação de títulos, a par da inflação fiduciária, levando-nos a breve trecho à mais miserável situação cambial.
Não quere isto dizer, Sr. Presidente, que eu seja partidário duma descida rápida da nossa divisa cambial. A situação é hoje tal que se o câmbio viesse para 7 ou 8 já não vendíamos os nossos vinhos, nem as nossas conservas, e caminharíamos para o bloqueio de toda a nossa exportação!
A sã e boa política financeira o que aconselha é a estabilização numa divisa alta, e mais tardo, apôs um estudo cuida-

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doso da sua oportunidade, uma conversão, que os técnicos se encarregariam de nos propor.
Pois o Sr. Ministro das Finanças, que se declara adversário decidido do alargamento da circulação fiduciária, e a nossa comissão do finanças, que quási reduz o seu, aliás, bem escrito relatório a abrir esta porta escandalosa, vêm propor nos primeiros um alargamento da circulação fiduciária de 140:000 contos; mais adiante, como veremos, um novo alargamento até 40.000 contos, e depois, em virtude do artigo 4.° combinado com o artigo 10.°, uma série Indefinida de novas emissões de títulos-ouro, para a autorização dos quais bastaria que o Parlamento fixasse uma verba na lei de receita e despesa.
É certo que o Sr. Ministro das Finanças e o Sr. relator declararam na secção respectiva que o Govêrno e a comissão aceitavam a eliminação do artigo 10.° E, eu suponho que o fazem para obviar à possibilidade dessas emissões sucessivas sem o travão que até agora só o Parlamento podia alargar. Nesse sentido, e porque não desejo cansar o Senado, já suficientemente fatigado com esta minha longa intervenção, reservar-me hei para, a propósito dos artigos 4.°, e 6.° da proposta, apresentar as emendas que são indispensáveis para que a eliminação do artigo 10.º logre os desejados efeitos.
Há, porém, no artigo 4.º desta proposta inscrita uma disposição a que não posso, nem devo, deixar de me referir.
Nesse artigo 4.º propõe-se a emissão e a realização, isto é, a venda de títulos do novo fundo para substituir as inscrições depositadas em caução.
A seu tempo analisaremos o alcance daquela «realização». O final do artigo diz, porém «podendo também substituir por títulos do novo fundo consolidado de 6 1/2 por cento, em equivalência de juro, os títulos da dívida externa de 3 por cento, pertencentes ao fundo de amortização e reserva criado pela lei n.° 404, de 9 de Setembro de 1915».
O que é êste fundo?
Segundo os seus contratos o Banco de Portugal recebe 1 por cento do valor da circulação fiduciária emprestada ao Estado.
O ilustre financeiro Sr. Barros Queiroz, quando foi Ministro das Finanças por ocasião do 14 de Maio, conseguiu ao cabo de porfiadas negociações com o Banco, que de êsse 1 por cento, por cento fôssem restituídos ao Estado e aplicados à compra de fundo externo, que ficaria em depósito no Banco. Êsse fundo é até conhecido no Banco pelo fundo Barros Queiroz.
Pretendia o Sr. Barros Queiroz fazer assim uma tentativa de nacionalização da nossa dívida externa, cujos encargos em ouro, tam pesadamente se faziam já então sentir no Orçamento. Era uma iniciativa do mais alto interêsse patriótico, se nos lembrarmos que o regulamento da nossa Junta do Crédito Público, pelo que diz respeito ao controle da dívida externa não tem comparação com qualquer outro, de qualquer país autónomo, sem exceptuar a Turquia.
Tudo o que se faça para acabar com esta vexatória tutela, constituirá título legítimo de glória para os seus autores.
Pois bem, o Sr. Barros Queiroz conseguiu uma receita aplicada exclusivamente a êsse fim e calculou por mercê das circunstâncias que êsse fundo cresceria avultadamente.
O Sr. Barros Queiroz não se demorou, porém, no Ministério e quando se demitiu ainda o decreto não estava publicado, legalizando as negociações efectuadas.
Transmitiu ao seu sucessor o estado da questão e insistiu com êle, que levasse a cabo a obra encetada, demonstrando-lhe o seu alcance. Encontrou, porém, essa idea a oposição do Sr. Afonso Costa que pretendia que os 5/8 por cento constituíssem receita imediata do Estado. De tal modo se convenceu, porém, o novo Ministro das Finanças do alcance e das vantagens da idea do Sr. Barros Queiroz, que foi pessoalmente à Serra da Estrela tentar convencer o Sr. Afonso Costa, da necessidade de se publicar o decreto proposto pelo seu antecessor.
O que conseguiu; a sua eloqüência e as suas razões convenceram o Sr. Afonso Costa.
Querem V. Ex.ªs saber quem foi êsse rapaz, eloquente e patriota Ministro?
Foi o Sr. Vitorino Guimarães.
Sabem V. Ex.ªs que soma atinge hoje êsse fundo, que a quando da sua criação alguns consideraram como insignificante?

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Pois excedo um efectivo de mais de 700:000 £.
E está crescendo anualmente de uns 6:250 contos.
É contra êste fundo, tam engenhosamente constituído, que o Sr. Ministro das Finanças vibra o golpe mortal, inscrito no artigo 4.°
Substituem-se os títulos de dívida externa — sempre a pagar cm ouro — por títulos do novo fundo.
E os títulos resgatados?
Vendem-se.
Que destino se dá a essas 700:000 £?
Emquanto fôr Ministro das Finanças o Sr. Vitorino Guimarães, podemos acreditar que elas não tenham mau fim. Mas se S. Ex.ª fôr substituído por certos candidatos, cujos nomes se têm pronunciado, em ocasiões agitadas de intentonas revolucionárias, desculpará o Senado, que eu lhe escandalize os solenes ouvidos com uma frase popular: essas 700:000 £ é um ar que lhes dá!
Não pode ser.
O Sr. Ministro das Finanças não foi como Saturno, que enguliu os próprios filhos, embora êste seja apenas adoptivo.
Aceitará, deve aceitar, que a última frase do artigo 4.° seja eliminada, continuando o fundo Barros Queiroz a aumentar de valor e a servir portanto para o patriótico e interessante fim para que foi criado.
Não devo ocultar ao Senado, que, durante a discussão desta proposta na Secção, o ilustre relator em nome da comissão, se mostrou disposto a aceitar a eliminação que eu alvitrava. Mas o Sr. Ministro das Finanças opôs-se-lhe terminantemente, o que mo leva a crer, que aquelas desgraçadas 700:000 £, já têm a sua guia de marcha preparada, para outro destino menos tranquilo, do que o dos cofres do Banco de Portugal.
Concordo com as disposições da proposta relativas à troca da prata e à constituïção do fundo de maneio das exportações.
No que se refere a êste último, as disposições da proposta primitiva prestavam-se a interpretações perigosas; mas as emendas apresentadas pelo ilustre Deputado Sr. Barros Queiroz e que mereceram a aprovação da Câmara, esclareceram o texto primitivo em termos de só ser viável a sã interpretação, impondo-se além disso uma fiscalização eficaz, com a obrigação da sua publicação semestral.
Pelo artigo 9.º da proposta autoriza-se a emissão de uma nova moeda subsidiária, o que achamos bem, mas acompanha-se essa autorização com a faculdade para o Estado de utilizar as notas de £50 e 1$ num período transitório, o que nos parece muito mal
Em primeiro lugar esta inocente disposição representa um novo alargamento da circulação fiduciária, mais um! — que pode ir até 40:000 contos.
Liberta-se o Banco do encargo da emissão das notas pequenas, cuja estampagem lhe custa cerca de 20 por cento do seu valor, autorizando-o a substituí-las por notas de valores elevados, de circulação muito mais favorável e remuneradora.
Depois, entrega-se ao Estado a faculdade de emitir notas o V. Ex.ªs estão a ver o perigo que representará a criação desta moeda fiduciária de conta do Estado ao lado da moeda fiduciária do Banco de Portugal.
Estão a ver V. Ex.ªs o Estado, de posse de uma máquina de fazer notas!
Quando o Sr. Ministro das Finanças, que se declarou adversário intransigente do alargamento da circulação fiduciária, introduz na sua proposta de lei disposições sucessivas, que não visam senão a êsse alargamento, calculem V. Ex.ªs o que será, se amanhã êste pobre país fôr brindado com um Ministro das Finanças, menos intransigente que o Sr. Vitorino Guimarães, mas ao qual êste se oporia imprudentemente, a famosa máquina de fazer notas!
O Senado não o deve consentir; pelo menos aquele período transitório carece de ser limitado, sem possibilidade de alargamento.
Sr. Presidente: sinto que não devo cansar o Senado. Várias outras disposições desta proposta mereciam detida análise; reservar-me hei para a discussão na especialidade.
Creio ter demonstrado que precisando o país de um empréstimo interno, se adoptou para o efectuar uma fórmula inconstitucional, de pequenos encargos, que em certas condições podem mesmo atingir proporções ruinosas. Suponho que ninguém contestará que a faculdade de emis-

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são indefinida de títulos do novo empréstimo, sem a taxativa o exclusiva aplicação ao resgate do notas, constituiria a mais perigosa das disposições, criando uma inflação de títulos-ouro, de pesadíssimos encargos ao lado da inflação fiduciária, que escassamente deminuiria.
Julgo, que a supressão do fundo destinado à compra de títulos da divida externa, com o patriótico intuito da sua nacionalização, constitui uma detestável medida financeira, que não pode nem deve merecer a aprovação desta Câmara. Por último considero a criação de uma circulação fiduciária de conta do Estado o mais pernicioso dos expedientes, pelo uso, ou antes, pelo abuso imprudente e imoderado, que dêle se possa fazer. E como não há elixires que valham, empreguemos os velhos o sãos métodos do equilíbrio orçamental, dos impostos sensata e cautelosamente lançados, dos empréstimos internos o externos conscienciosamente estudados e seguramente executados.
Para todas estas operações o para o êxito desta política poderá qualquer Govêrno contar com a lealdade da nossa colaboração e com a actividade do nosso esfôrço.
Para uma política de aventura e de risco, para o lançamento de operações onerosíssimas para o Estado, esmagadoras do crédito público até às futuras gerações, não.
É por isso que negamos o nosso voto à proposta em discussão e a combateremos tanto quanto soubermos o pudermos em algumas das suas disposições.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Afonso de Lemos: — Sr. Presidente: na proposta de lei que ora se discute no Senado aparece no artigo 6.º o seguinte:
«Art. 6.° E autorizado o Govêrno a celebrar com o Banco de Portugal um contrato nos termos seguintes:
a) Os empréstimos ou suprimentos em capitai escudos que o Banco facultará ao Govêrno, e que serão acrescidos aos concedidos e realizados pela base 1.ª do contrato de 29 de Abril de 1918, pelo artigo 1.° da lei n.° 1:074, de 27 de Novembro de 1920, o pelo contrato de 21 de Abril de 1922, com representação em notas ouro, conforme a base 2.ª daquele primeiro mencionado contrato, não poderão exceder, até 31 do Dezembro de 1923, a soma de mais 140:000.000$ e serão efectuados nas mesmas condições dos anteriores».
No contrato feito com o Banco de Portugal estabeleceu-se o aumento da circulação fiduciária em 240:000 contos e no artigo 3.° da lei que permitiu êsse aumento estatui-se o seguinte:
«O Govêrno poderá desde já utilizar para as necessidades do Tesouro até 100:000.000$. Os 140:000.000$ restantes, 40:000.000$ dos quais ficarão reservados para serem aplicados ao fomento nacional, serão utilizados conforme fôr oportunamente determinado pelo Congresso da República».
Quando esta lei se discutiu no Senado houve o cuidado de fixar uma verba para o fomento nacional; e embora o pais visse sempre com mágoa os aumentos da circulação fiduciária, viu com prazer que uma parte dêsse aumento de circulação era reservada - na totalidade de 40:000 contos para obras de fomento. Talvez se pudesse dizer que isto era o adoçar da pílula, mas o País ficou adoçado com a idea de que pelo menos 40:000 contos tinham um destino útil, como são as obras, de fomento.
Foi com a base dêsses 40:000 contos que eu tive a honra de apresentar ao Parlamento uma proposta mandando aplicar 15:000 contos a construções de caminhos de ferro do Estado, proposta que na Câmara dos Deputados foi ampliada a 30:500.
O Ministro da Agricultura de então, Sr. Ernesto Navarro, apresentou nessa ocasião uma proposta mandando aplicar a obras florestais 6:500 contos, salvo o êrro.
Passaram-se tempos, fechou o Parlamento e após a sua abertura vota-se uma autorização na Câmara dos Deputados, que depois veio ao Senado, à qual não assisti por estar fora de Lisboa por falta do saúde, sendo também aqui aprovada.
Parece que ao abrigo do artigo 3.º desta autorização parlamentar se julga o Govêrno autorizado a levantar, e não sei se a gastar a totalidade da verba de 140:000

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contos do aumento da circulação fiduciária. Isso deu lugar a que eu no Senado, quando o Sr. Presidente do Ministério apresentou o Govêrno, fizesse referência a umas palavras que lhe tinha dirigido como leader do meu partido, em que S. Ex.ª me deu a entender que o Govêrno, em virtude desta autorização, se sentia autorizado a levantar do Banco a totalidade dos 140:000 contos contra o que eu protesto.
Por êsse motivo enviei uma nota de interpelação para a Mesa.
É o que estou fazendo nêste momento e, naturalmente, devido à resposta que me vai dar ò Sr. Ministro das Finanças, calculo que caducará a minha interpelação do Sr. Presidente do Ministério.
A minha pregunta constitui ao mesmo tempo uma necessidade, a necessidade de o Govêrno falar ao País.
Desejo saber: se os 40:000 contos que, segundo o anterior contrato com o Banco de Portugal, ficavam para obras de fomento, foram realmente reservados e porque forma? £ se o dinheiro foi emitido pelo Banco de Portugal e se ficou no Banco, ou o Govêrno levantou dos 140:000 que existiam no Banco 100:000 contos, reservando, como a lei determina, os restantes 40:000 contos para aplicação da mesma lei?
Onde estão os 40:000 contos reservados para obras de fomento?
Em harmonia com artigo 2.º os 40:000 contos a que venho de aludir são sagrados. Há uma lei que manda aplicar 30:500 contos a caminhos de ferro e 6:500 contos a obras florestais.
O contrato anterior com o Banco de Portugal para o aumento da circulação fiduciária de 240:300 contos diz que os referidos 40:000 contos ficam reservados para obras de fomento.
É preciso que o País saiba, pela boca do Sr. Ministro das Finanças, se os 40:000 contos ficaram no Banco de Portugal, ou se os levantou com os 100:000 contos restantes colocando-os noutra parte, como Caixa Geral de Depósitos, ou nos cofres do Tesouro, aplicando-os à medido que fôr necessário.
Esta última hipótese merece, todavia, algumas considerações, pois o espírito da proposta, que eu apresentei e que hoje é lei do País constitui uma medida que requere imediata aplicação; e eu tive o cuidado de fazer exarar no respectivo artigo 1.º as palavras: «serão desde já aplicados», não podendo ter outra aplicação que implicaria responsabilidade criminal.
Estas palavras foram motivadas pela sucessiva carestia da vida, que pode também ser atenuada pelo aumento das linhas férreas, que serviriam mais regiões e evitariam o contrabando.
O Sr. Ministro das Finanças responderá às minhas considerações, sendo da minha lealdade dizer que estou informado de que S. Ex.ª tem abonado todos os meses 500:000$ para as novas linhas de caminho de ferro a que a dita lei se refere.
Êste procedimento não satisfaz o espírito da minha proposta; todavia do mal o menor.
São estas as preguntas que desejei fazer a S. Ex.ª
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Sr. Presidente: há já dias, quando da reünião da secção, tive ocasião de dizer as razões que orientaram o Govêrno na apresentação do projecto em discussão e de responder, segundo me pareceu, às considerações então feitas e hoje repetidas pelo Sr. Augusto de Vasconcelos.
Antes de começar agradeço a S. Ex." as palavras de estima que me dirigiu, e que são filhas daquela nossa mútua amizade que há muitos anos nos liga.
São justas pelo menos em saber que eu lhe correspondo, e o que lastimo é que S. Ex.ª não pense como eu, cm politica.
Uma das primeiras demonstrações de S. Ex.ª foi, referindo-se à proposta, dizer que ela não é só uma, mas seis propostas diversas.
Não é um defeito, da proposta, antes uma das suas vantagens.
Pelo relatório que antecede a proposta vê-se que esta abrange um certo número de medidas que o Govêrno julgava absolutamente necessárias para acudir à situação financeira do Pais.
Seria talvez mais fácil serem, na discussão, os assuntos da proposta apresentados por documentos diversos, mas a hora que passa não permite que percamos tempo, e S. Ex.ª pode bem calcular

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quantos inconvenientes não haveria em estar a fazer várias discussões sôbre assuntos que se ligam estreitamente.
Antes de entrar pròpriamente na análise da crítica feita pelo Sr. Augusto de Vasconcelos, vou primeiro referir-me a algumas das suas observações feitas no decorrer do seu discurso.
Um dos factos apontados foi sôbre as negociações feitas com o Brasil.
S. Ex.ª disse que a origem dessa proposta tinha partido de insinuações dos portugueses residentes no Brasil.
Não é assim.
A proposta foi elaborada na meu Ministério, no tempo do Sr. Portugal Durão, e eu, não concordando com as suas bases, elaborei uma outra.
Constituiria não uma medida, mas um grupo de medidas no sentido de modificar completamente a nossa situação financeira.
Ora sabia-se que da parte dos portugueses residentes no Brasil havia na verdade o natural desejo patriótico de ajudar o seu país, não porque tivessem mandado algum documento nesse sentido, mas pelo que se dizia no Brasil além de artigos publicados nos jornais. Até o Boletim da Câmara do Comércio de S. Paulo chegou por meio dum inquérito a referir se à forma como era desejo concorrer, porque a maneira como o empréstimo foi apresentado não agradou a todos, pois que uns optavam pela fórmula escudos, outros pela fórmula dinheiro brasileiro.
A fórmula que agradava mais era a de escudos.
Não era conveniente aos interêsses do País qualquer das duas fórmulas.
Um empréstimo em escudos, moeda desvalorizada, não dá esperanças numa regeneração, antes tem de ser em ouro; em escudos era o próprio Estado a cometer uma fraude para com os tomadores dêsses títulos.
S. Ex.ª poderá ver, se na verdade se fôr modificando sucessivamente o estado financeiro do País, uma melhoria de vida.
E assim tiraremos os encargos das gerações vindouras, porque isso nos cabe fazer, mesmo com sacrifício, para que essas gerações dispondo de uma vida mais leve e possam concorrer para o progresso da sua terra.
Fazendo um empréstimo em escudos, supondo que a moeda se valorizava daqui a pouco tempo, chegava-se a esta conclusão aflitiva: os nossos descendentes ficariam a pagar de juro o dobro por ano do que se recebia na ocasião do empréstimo.
A isto se podia chegar, desde que se parta daquele critério que eu parto, que é estar cheio de fé, ter muita esperança, quanto mais não fôsse no espírito sempre demonstrado duma energia inegualável do povo português, que tem atravessado, na verdade, momentos bem trágicos, mais graves ainda do que aquele que agora passa, e contudo tem-se constantemente salvado o País com honra e dignidade.
Voltando à questão do Brasil, preciso de me referir a uma interrupção feita pelo ilustre Senador Sr. D. Tomás de Vilhena, dizendo o que houve pouco mais ou menos.
O Sr. D. Tomás de Vilhena (interrompendo): — Já agora V. Ex.ª explicava-me também se aquela circular assinada pelo visconde tinha sido autorizada pelo Govêrno ou de mótu-próprio.
O Orador: — Como V. Ex.ªs sabem perfeitamente, com a viagem do Sr. Presidente da República ao Brasil, estreitaram-se mais as relações, que sempre têm sido tam amistosas, com aquele povo nosso irmão.
Levantou-se logo na colónia portuguesa uma grande corrente no intuito de prestar mais alguns serviços ao País, tanto mais que sabemos todos os constantes serviços de auxílio quer moral, quer material, de assistência sob todos os pontos de vista, que não só a colónia portuguesa no Brasil, mas mesmo os brasileiros estão hoje a prestar ao nosso País.
Apareceram então vários intermediários, pessoas que tinham ido ao Brasil, dizendo que era ocasião de fazer o lançamento dum empréstimo no Brasil. E devo declarar que o intuito do Govêrno é fazer a emissão do empréstimo por conta do Estado, e não por intermédio dos banqueiros.
Tinha uma certa vantagem a emissão, assim, para o Govêrno e para o próprio banqueiro.
Mas voltando à questão do Brasil.

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Nessa ocasião, na verdade, me dirigi a pessoas da finança que tinham interêsses naquela República irmã, para saber a forma como lá seria recebido o lançamento dum empréstimo.
Foi enviado êsse telegrama e devemos aqui prestar homenagem às altas qualidades de patriotismo do Sr. Visconde de Morais, que com um grupo comprometia-se a tomar uma determinada quantia.
Nessa ocasião se disse que o Ministro fixara a divisa cambial, como se isso não fôsse segundo o câmbio que estivesse no dia da emissão do empréstimo.
Com o câmbio então de 6 disse, apenas para o Brasil, que a divisa cambial devia andar à roda dos 3.
Eu tive conhecimento dessa circular apenas por uma notícia que vi em um jornal. Não sabia que se havia feito isso de iniciativa puramente particular, porque não há compromisso de espécie alguma, a não ser a troca de telegramas preguntando como seria recebido lá um empréstimo nestas condições.
E isto o que há com o Brasil, e devo dizer que espero na verdade, que o patriotismo dos portugueses, ali residentes, nos auxiliará o mais possível.
Pode S. Ex.ª estar certo que o Govêrno fará sempre todo o possível para reduzir os encargos do empréstimo à menor cifra que fôr possível. Feitas estas considerações vou procurar responder mais ou menos ao que disse o Sr. Augusto de Vasconcelos.
S. Ex.ª trouxe aqui o modo de ver que expôs na outra Câmara o Sr. Barros Queiroz, não porque S. Ex.ª precise de se servir dos argumentos dos outros, pois pelos seus dotes S. Ex.ª pode muito bem sustentar uma discussão destas sem ter necessidade de se servir dos argumentos de ninguém.
Eu já tive ocasião de dizer ao Sr. Barros Queiroz que também me não desagradava a realização dum empréstimo em ouro com juro igual a êste que o Govêrno pretende realizar. Mas eu não sei, e isso não o disse o Sr. Barros Queiroz, a forma de o realizar.
Seria V. Ex.ª capaz de colocar um empréstimo em ouro no estrangeiro, sem garantias nenhumas especiais, e a um juro relativamente baixo?
Como é que se pode pensar em tal quando outros países estão contraindo os seus empréstimos ao juro de 8, 10 e até 12 por cento?
Obter nas condições normais um empréstimo ouro seria magnifico, mas tal facto só será possível depois de realizada a proposta que se está discutindo. Antes disso não há possibilidade.
Devo dizer que julgo isso possível, porque não temos contra nós tam más vontades como se costuma afirmar.
Tenho estado por vezes em contacto com as mais elevadas personalidades financeiras do mundo, e, embora não nos tenha sido feita aquela justiça que nos e devida, quanto mais não fôsse pela honradez de Portugal, que tem tido sempre em dia o pagamento dos seus compromissos, tenho no emtanto verificado que a nossa situação não é tam desagradável como por vezes se tem querido fazer ver; o que se tem dito, e com toda a razão, é que Portugal não tem o direito de ir pedir o auxílio de externos quando até hoje êle não tinha feito sacrifício de espécie alguma.
É absolutamente necessário realizar um esfôrço, ainda que seja grande sacrifício para o país, que o não é.
Depois de feita aquela obra orçamental que é necessário que se faça, não uma obra orçamental apenas da discussão do orçamento, para ver se são legais as verbas que ali estão, mas uma discussão que permita ver bem se são de utilidade e de proficuidade os dinheiros empregados nas despesas públicas, e isso compete ao Parlamento, depois de feita essa obra orçamental, depois de termos demonstrado que os dinheiros públicos são empregados com proficuidade, há o direito de dizer ao país que para as despesas normais ainda faça mais um esfôrço, e êle tem de o fazer, porque um país que não pode fazer aqueles sacrifícios que são precisos para a sua vida normal não tem condições de vida.
Depois de fazer êsse esfôrço e de mostrar lá fora que o povo português tem confiança nos seus destinos e que concorre com o seu dinheiro para acudir às necessidades do Estado, nós então podemos ter a esperança de realizar a medida que preconizou o Sr. Augusto de Vasconcelos, e que é um empréstimo cm ouro.

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Só à custa de ignomínia é que podíamos, no momento presente, solicitar do estrangeiro que nos acudisse, porque êle imporia condições de tal ordem que nós não podíamos aceitar.
Só em condições muito desastrosas, que ninguém pode aceitar.
Não é, portanto, com leviandade e sem ter sido pensada maduramente que esta proposta foi trazida ao Parlamento. Tive ocasião de ouvir sôbre o assunto o conselho de muitas pessoas que sabem o que fazem e pesam detidamente os conselhos que dão.
No momento actual não se podia obter melhor.
Postas estas considerações, devo responder ao Sr. Augusto de Vasconcelos.
Quanto ao aumento da circulação fiduciária S. Ex.ª deve fazer a justiça de reconhecer que se não fazem milagres e que se não podia acudir à situação do País senão desta forma.
A realização dum empréstimo não se obtém em dias nem em meses, e nós temos um orçamento com deficit que de alguma forma temos de cobrir.
Por mais profícuas que sejam as medidas que se tomem, temos de partir do princípio que elas não dão todos os resultados de que são susceptíveis nos primeiros tempos temos; de esperar que se se vão executando.
É, por assim dizer, um adiantamento, mas que será resgatado logo que as quantias estejam completamente cobradas, porque na verdade se nós conseguíssemos com estas receitas tudo quanto queríamos, se o país tivesse o seu Orçamento equilibrado não teríamos de recorrer a empréstimo.
Contudo há países que têm o seu orçamento equilibrado, e até alguns com superavit, que às vezes precisam de recorrer ao empréstimo.
O Estado precisa de ter sempre uma certa disponibilidade para despesas.
Êstes 140:000 contos do aumento de circulação fiduciária talvez fôssem dispensados se esta proposta tivesse sido aprovada no mês de Janeiro, mas abençoada a idea de se ter feito essa emissão, porque já estamos a 4 de Maio e não havia possibilidade de ir buscar receita para cobrir o deficit, porque eu não posso até 30 de Maio realizar o empréstimo.
Com relação ao artigo 4.º, em que já outro dia tive ocasião de responder ao Sr. Augusto de Vasconcelos" numa das últimas secções financeiras, são verdadeiras as considerações que S. Ex.ª fez sob o ponto de vista de reorganização, cuja iniciativa cabe ao Sr. Barros Queiroz e até eu tive depois a felicidade de efectivar e se alguma pena tenho é de não ter realizado tam perfeitamente como S. Ex.ª o havia esboçado.
Não vejo perigo algum para o Estado, conformo o Sr. Augusto de Vasconcelos pretendeu mostrar, em que o fundo de amortização fique por assim dizer debaixo da tutela do Ministro. Devo declarar que êste fundo apenas pode servir de garantia do uma operação monetária, e portanto nenhum perigo existe para o Estado, e não me parece que haja um Ministro que vá fazer venda de títulos da dívida externa.
Êsse argumento já foi apresentado na Câmara dos Deputados, mas eu não quero, nem admitir, que possa passar por esta cadeira alguém menos digno, menos honesto, menos sensato, que pudesse vir modificar o que se estabelece sôbre êste ponto.
O que nos restava a nós, nessa altura, era abandonar esta tarefa em que andamos envolvidos, porque, se efectivamente vamos a pensar que pode vir uma pessoa revogar essa disposição tam necessária para a segurança dos negócios públicos, tornar-se-iam inúteis todos os esforços que vamos fazer.
Tenho a esperança de que tal facto não se dará; poderão aqui estar homens mais ou menos inteligentes, com mais ou menos qualidades, mas o que não estará é alguém, cuja falta do patriotismo o leve a desfazer-se daquilo que é princípio essencial para o Estado.
As outras considerações feitas pelo Sr. Augusto de Vasconcelos, são generalidades a que eu me referirei depois na Secção, quando êste projecto voltar a ser lá discutido.
Sr. Presidente: também fez umas considerações o ilustre Senador e meu querido amigo Sr. Afonso de Lemos.
Devo dizer que não houve falta do Govêrno em relação aos 40:000 contos destinados a obras de fomento nacional.
Foram destinados 40:000 contos para

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obras de fomento nacional, mas o dinheiro do Estado não pode estar como nas casas comerciais metido dentro de uma gaveta para ser aplicado a despesas.
E posso garantir desde já a S. Ex.ª que o Estado não empregará êsse dinheiro senão para o que foi destinado.
A situação financeira do Estado não è m boa, não temos abundância de dinheiro, mas, como houve uma lei estabelecendo determinada quantia destinada sòmente aos caminhos de ferro, procurei saber o quantum a destinar para essas obras, o que foi calculado em 400, e já está agora em 500 contos.
E à medida que se forem fazendo os contratos, fixando acordos para construção e desenvolvimento de nossas linhas, essa mensalidade será elevada até aquilo que fôr necessário para que essas obras continuem.
Poda S. Ex.ª estar completamente seguro de que não estão prejudicadas as obras de fomento, porque o Govêrno tem o máximo respeito pela lei e, tanto assim, que já mandou aplicar uma determinada importância na construção de caminhos de ferro.
São estas as explicações que tenho o prazer de dar ao ilustre Senador. Tenho dito. O orador não reviu.
O Sr. Ernesto Navarro: — Requeiro que V. Ex.ª consulte o Senado sôbre se permite a prorrogação da sessão até se votar esta proposta de lei, podendo ser interrompida e continuar amanha. E um requerimento que eu faço.
Foi aprovado.
O Sr. Augusto de Vasconcelos: — Requeiro a contraprova.
Feita a contraprova, verificou-se o mesmo resultado.
O Sr. Afonso de Lemos: — Pedi a palavra para declarar que me dou por satisfeito com as explicações apresentadas pela Sr. Ministro das Finanças acêrca das preguntas que aqui fiz, e pedir a V. Ex.ª o favor de mandar prevenir o Sr. Presidente do Ministério de que, pela minha parte, me julgo dispensado da interpelação que há tempos anunciei relativamente a êste assunto a que hoje me referi, no Senado.
O Sr. D. Tomás de Vilhena - Sr. Presidente: depois de estar tanto tempo à espera que chegasse a esta Câmara a proposta em discussão, vemo-nos obrigados a discuti-la em marchas forçadas.
É desagradável e não vejo nisso vantagem alguma a não ser predispor o espírito público com esta operação que, diga-se a verdade, não tem a simpatia geral.
Sr. Presidente: V. Ex.ª já tem, como eu, cabelos brancos e, devo dizer-lhe, sem ferir a sua modéstia, que lhe ficam muito bem.
Dão-lhe um ar distinto. E, porque já tem cabelos brancos deve ter conhecido o célebre morgado Ferraz que viveu em Lisboa muito distintamente na segunda metade do século XIX.
Eu ainda o conheci.
Êste morgado Ferraz herdou uma boa casa, tendo muito dinheiro, mas administrou sempre muito mal, e tam mal que pouco a pouco foi liquidando tudo quanto possuía.
O morgado Ferraz foi uma das vítimas do empréstimo. Primeiro começou por ir aos Bancos o casas de crédito, fazendo empréstimos com juros vulgares; mas como as despesas aumentassem sempre ao mesmo tempo que as receitas deminuíam sucessivamente, dentro em pouco passou a cair na mão de usurários que o levaram à situação desgraçada em que por fim caiu.
Um belo dia desapareceu o morgado Ferraz, até que veio no Diário de Noticias a noticia de que êle tinha recolhido ao Hospital de S. José, e daí foi parar à vala do Alto de S. João.
E aqui está o resultado dos desregramentos da vida.
Eu faço votos, Sr. Presidente, porque esta minha Pátria não vá cair na vala do cemitério.
Há empréstimos e há empréstimos. Há empréstimos que salvam e há empréstimos que perdem.
Os empréstimos que se fazem para desenvolver a riqueza pública podem transformar-se em fonte de riqueza e conseguir a prosperidade do Estado.
Agora fazer empréstimos para acudir às despesas ordinárias do Estado, isso é

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grave e tam grave que os economistas mais célebres condenam absolutamente tal processo.
As despesas ordinárias têm de ser cobertas com as receitas ordinárias. Ora isto de recorrermos ao empréstimo para cobrir despesas ordinárias é caminharmos para o abismo.
O empréstimo que hoje se nos apresenta não vem senão aumentar o deficit do ano seguinte; são 300:000 contos mais o juro correspondente ao capital emitido. Portanto, vamos num crescendo chegar à insolubilidade da vida. Se o desregramento individual traz o desastre do morgado Ferraz; o desregramento na vida do instado traz a bancarrota.
Há muitos géneros de empréstimos: empréstimos internos, empréstimos externos, teorias muito diversas, muitas maneiras de pagar os empréstimos, ora determinando um juro anteriormente, ora pagando ao câmbio do dia; há empréstimos forçados; o que não há é empréstimos como aquele de que agora se está tratando, um empréstimo em que se recebe papel e se paga em ouro.
Nós nem sequer podemos fazer um cálculo aproximado dos encargos que possam resultar e das responsabilidades. Da fixação do câmbio é que podia saír o rigor dos nossos cálculos, mas a proposta não no-lo diz.
Suponhamos que seja a 40$.
Desde o momento em que o nosso ilustre Ministro disse que havia, pelo menos, toda a possibilidade dum câmbio a 15, eu poderia: provar-lhe que o juro iria a 22 e a mais até. O que é facto é que o juro que se paga pelo capital recebido não é nem metade do que devia ser.
Como é que em tais circunstâncias nós podemos imaginar que entramos numa política de saneamento, que vamos modificar a nossa situação tam grave da nossa moeda, e portanto, modificar a nossa vida económica?
Era isto que eu desejava ver explicado.
Disse o Sr. Ministro que não devemos sobrecarregar com encargos as gerações vindouras.
E esta uma das indicações dos mestres de finanças, que dizem que as despesas ordinárias não deve depender por motivo do empréstimo das gerações vindouras.
£ Como é que nós podemos, com encargos dêstes, conseguir uma situação financeira desafogada? Eu não sei.
A melhoria cambial deriva dum número grande e variado de factores, e não da maior porção de ouro exclusivamente, e não com encargos como estes que ameaçam êste empréstimo, que nós lhe poderemos fazer face.
Mas há mais, Sr. Presidente, e é uma das cousas mais graves dêste empréstimo.
E muito natural que os portadores de -fundos portugueses, que recebam um juro bastante inferior a êste, vão vender os seus títulos para comprei estes, que lhe oferecem um benefício muito maior.
Com certeza, que os possuidores de bilhetes de Tesouro, que recebem a um câmbio de 6 e 6 1/2, quando chegar a época da liquidação, liquidam e vão tomar os títulos dêste empréstimo que lhe pode dar até 20.
Se porventura isto acontece — o que é natural que suceda— o empréstimo mal vai chegar para pagar todos êsses bilhetes de Tesouro que estão em circulação.
Como é que em tais condições pode haver melhoria na nossa vida?
Pode até dar de momento uma crise na Bôlsa, afectar o mercado e aí temos mais uma especulação.
Estou convencido que nas mãos do Sr. Ministro estão garantidas essas 700:000 libras, mas num Pais tam agitado como o nosso, pode de um dia para o outro vir outro Govêrno que as empregasse com maior facilidade.
Não nos parece êste projecto a melhor forma de salvar o País, o que é necessário é entrar duma vez para sempre na compressão das despesas não se gastando mais do que se tem.
Se continuamos a aumentar as despesas não fazemos se não piorar cada vez mais.
O Sr. Presidente: — Interrompo a sessão para continuar amanha às 14 horas. Eram 19 horas.
SEGUNDA PARTE
Às 15 horas e 10 minutos, o Sr. Presidente declara reaberta a sessão.
O Sr. Herculano Galhardo: — Sr. Presidente: pedi a palavra para responder a

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um ponto do discurso do ilustre Senador e meu querido amigo Sr. Augusto de Vasconcelos e para responder em parte ao discurso do Sr. D. Tomás de Vilhena, e ainda para conseguir que o Sr. Ministro das Finanças esclareça um pouco a sua política financeira do Govêrno. Se não tivesse estas razões eu não usaria da palavra porque entendo que a Câmara já deve estar um pouco cansada de números de câmbio, de carestia da vida, de inflação e deflação e outras palavras um pouco mal soantes e que cansam o espírito.
O Sr. Augusto de Vasconcelos na sessão passada foi muito amável para o relator da proposta, embora na reünião da secção, quando se tratou do assunto, S. Ex.ª sem deixar de ser primoroso na linguagem o imensamente correcto como é sempre, não tivesse sido tam amável para o relator da comissão de finanças, quando se declarou admirado de que o relator tivesse produzido apenas aquele trabalho, que S. Ex.ª considerou interessante mas que não julgou corresponder ao trabalho que havia a esperar dessa comissão.
Isso faz-me dizer, visto que a secção perfilhou por completo a orientação da comissão de finanças que a comissão dêsse mais alguma cousa do que S. Ex.ª afirmou.
A comissão de finanças afirmou um ponto de vista e com êsse ponto de vista estiveram de acôrdo os Senadores que representavam o Partido Nacionalista nessa comissão.
Evidentemente que S. Ex.ªs não estiveram de acôrdo na parte que se referia à contextura do projecto e à parte que traduzia confiança política nêste Govêrno.
Isto é claro.
S. Ex.ª não leu talvez com atenção o parecer que mereceu a aprovação da secção. Aí se afirma uma doutrina ê se diz que a comissão de finanças está de acôrdo com a política financeira do Govêrno, política de deflação, política de valorização do escudo.
Depois disso a comissão declara que esta proposta representa a primeira medida duma série com os quais o Govêrno pretendo resolver a parte mais importante do problema português.
Esta medida que o Govêrno apresentou é relativamente pequena, mas o Govêrno no seu relatório, o pròpriamente no texto da proposta que é claro e que não tem alçapões, diz que com esta proposta apenas -se trata do resolver uma parte dêsse problema.
Outras medidas de mais largo alcance apresentará o Govêrno o êle tem o direito de esperar do Parlamento uma leal colaboração.
A comissão diz por sua parte que fornecendo-nos o Govêrno esta primeira do trabalho que prepara o terreno para a solução do problema português.
Depois destas considerações preliminares, eu devo começar por responder a uma afirmação do Sr. Augusto de Vasconcelos e a que o Sr. Ministro das Finanças, certamente por lapso, deixou de responder. É aquele em que S. Ex.ª afirmou que a proposta era inconstitucional, e que a Constituïção ia ser profundamente ferida com a aprovação desta proposta.
Eu vou permitir-me chamar a atenção do Senado para o artigo da Constituïção a que S. Ex.ª fez referência.
É o artigo 26.º
S. Ex.ª com inteira boa fé, devemos todos fazer essa justiça, afirmou que a proposta era inconstitucional sob êste ponto de vista. Quere dizer, a proposta não fixa, no dizer de S. Ex.ª, as condições gerais do empréstimo, não fixa o valor nominal, taxa, encargos, etc.
Eu tenho uma opinião diametralmente oposta.
O projecto fixa o valor nominal, fixa os encargos que são de 6 e 1/2 por cento esterlino, diz que se trata de um fundo consolidado da dívida pública sem amortização, fixa juro o as condições que é necessário fixar.
O que interessa é saber qual é o encargo, e isso compete privativamente ao Congresso da República.
Trata-se de um encargo de 6 e 1/2 por cento sôbre quatro milhões de libras ou seja 260:000 libras por ano.
Nada mais claro, e nada mais constitucional.
Quere ver V. Ex.ª o que não é constitucional?
Eu vou recordar um episódio sucedido com um Ministro, Ministro que eu ataquei

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sempre com a maior lealdade, como de resto é sempre meu costume, e ataquei-o, embora se tratasse de um amigo meu.
Êsse Ministro era o Sr. Vasco Borges que ocupava então a pasta do Trabalho.
E sabe V. Ex.ª porque é que eu o atacava?
Porque S. Ex.ª apresentou uma proposta inconstitucional, e teve graça que, quando êsse Ministro era atacado vigorosamente por mim, foi apoiado pela maioria de que é leader o Sr. Augusto de Vasconcelos. Se S. Ex.ª não tivesse sido apoiado pelos amigos do Sr. Augusto de Vasconcelos, teria saído daqui muito mal ferido, porque S". Ex.ª apresentava uma proposta de empréstimo para os Bairros Sociais que não trazia consignados os encargos.
Isto sim, isto é que era inconstitucional. Algumas vezes o presidente da comissão de finanças tem de discordar da opinião do Govêrno sem que isso represente desconfiança.
Nessa ocasião, como eu já disse, o Sr. Vasco Borges atacado por mim foi apoiado por aquele lado da Câmara.
Eu vou referir a V. Ex.ª alguns casos em que a Constituïção tem sido ferida.
Eu vou referir-me à lei n.º 1:101, de 3 de Janeiro de 1921, referendada pelos Srs. Francisco Pinto da Cunha Leal, António Fonseca e José Domingues dos Santos.
Esta lei no seu artigo 1.º diz:
Leu,
Eu devo dizer que êste artigo 2.º, a que se refere essa lei, era um artigo em que se fixavam as condições gerais do empréstimo de 20:000 contos.
Pois esta lei, que a Câmara dos Deputados aprovou e que o Senado aprovou, sem protesto do Sr. Augusto de Vasconcelos nem dos seus amigos políticos, diz o seguinte:
Leu.
Quere S. Ex.ª cousa mais indeterminada, quere mais latitude dada ao Govêrno para negociar, sem que o Congresso da República saiba como é que o empréstimo vai ser realizado?
Esta lei foi aprovada, e, no emtanto, devo dizer que ela foi ferir a Constituïção, mas era absolutamente necessário fazer isso, quando não, não se fazia o empréstimo.
Mas na presente proposta de lei fixa-se tudo. Portanto que mais precisa saber o Congresso?
Que mais interessa às negociações?
Resta saber como é que se trabalhará com os câmbios. Isso é função do Poder Executivo. Êle fará o que entender e depois dará conta ao Parlamento.
Esta proposta o que veio foi mal redigida em vários pontos. Traz um mau feitio de lei, mas não é a primeira vez que aqui chega uma proposta ou um projecto de lei em tais termos.
Trata-se, de facto, de um empréstimo pelo qual o Govêrno poderá ter ouro se quiser. Mas é preferível que o tenha em grande quantidade, porque seria ingenuidade da minha parte supor possível aquilo que o Sr. Augusto de Vasconcelos considerou a parte boa da proposta, isto é, um empréstimo a 6 por cento. Tal empréstimo seria, nesta altura, perfeitamente adorável, mas é inexequível.
Também o Sr. Augusto de Vasconcelos, depois de chamar a atenção da Câmara para o que se afirma na parte doutrinária, sôbre a conveniência de reduzir a circulação fiduciária e de pôr em destaque a política de deflação, disse: mas o empréstimo que se projecta dá exactamente o contrário, o empréstimo é uma medida infleccionista. Tem inflecção desde o primeiro até o último artigo.
Efectivamente alguma cousa há de verdade, como não podia deixar de haver, no que disse o Sr. Augusto de Vasconcelos, mas S. Ex.ª foi injusto, porque não reparou nas intenções da proposta.
E assim, quando se referiu a um novo aumento de circulação fiduciária, não afirmou, como teria sido seu dever, que o intento do presente empréstimo é produzir o necessário para que as notas não circulem.
Evidentemente existe necessidade de se fazerem pagamentos para os quais não há receita. Todos sabem que há deficit
Como é que o Govêrno há-de proceder?
É inventando dinheiro?
É recorrendo a impostos?
É esta a altura de o fazer?
Teria de recorrer ao empréstimo porque não tinha nem um nem outro meio.
E até no artigo 1.º se diz que êste era convertido em escudos e seria aplicado às despesas gerais do Estado, relativas ao

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ano de 1922-1923. Mas fala-se logo adiante, quando se trata da alínea b) do artigo 6.º do novo suprimento de 140:000 contos.
S. Ex.ª não se referiu a esta parte, e se quisesse ter sido justo devia tê-lo feito, por que aqui é que está a parte sã do projecto.
O Govêrno, emquanto precisa, o não tem outro meio, recorre a uma nova emissão de notas, mas logo que realize o empréstimo, com a operação da transformação em escudos, e se sobejar, o Govêrno amortizará o suprimento anterior. E lá diz o artigo também com sinceridade — porque êste projecto não tem alçapões — não implica as autorizações anteriores.
O Govêrno prevê sempre a necessidade e deve fazê-lo, supondo a necessidade de um novo aumento.
Mas lá fixa o projecto «a autorização não poderá ser usada senão em metade».
O Govêrno só poderá usar das autorizações por metade. Está aqui a tendência deflacionista.
Sr. Presidente: devo referir-me agora de passagem, porque eu não o ouvi todo, ao discurso do Sr. D. Tomás de Vilhena.
S. Ex.ª estranhou que o Govêrno resolvesse assim as dificuldades do Tesouro Português.
Eu tinha já dito antes que se trata de uma tentativa do Govêrno, o Govêrno procura apenas desembaraçar-se das dificuldades do momento, e como tem na sua frente — como disso o Sr. Ministro das Finanças — o problema cambial, o logo depois o problema da carestia da vida, o Govêrno tenta resolver êsse problema com êste empréstimo. E para que o valor do nosso escudo, principalmente externamente, não continuo, como hoje, a ser superior àquilo que foi fixado pelo câmbio, o Govêrno tem de combater a especulação. E para isso precisava que o Parlamento lhe dêsse meios para trabalhar, que estou aqui também consignados.
O Sr. D. Tomás de Vilhena (interrompendo): — Eu tenho protestado sempre contra a especulação, seja ela feita por quem fôr.
O Orador: — Mas agora S. Ex.ª não concorda com as disposições que êste projecto contém para combater a especulação.
O Sr. D. Tomás de Vilhena: — Não concordo porque acho êsse o meio mais ignóbil de combater a especulação.
Comecei por dizer na Secção que êste projecto, uns o combatiam e outros o defendiam com o mesmo sentimento patriótico e com a mesma boa fé. Declarei que tanto os que o defendiam como os que o atacavam estavam todos em terreno defensável.
O Govêrno não pretende com esta medida modesta, que não é importante, senão resolver o problema de momento e preparar-se para firmar a situação e para atacar imediatamente, ferindo, a especulação. O Governo precisava, portanto, de mobilizar o que estivesse imobilizado.
A comissão de finanças elaborou o seu parecer relativamente a esta proposta, sendo perfilhada inteiramente pela secção de finanças.
A comissão de finanças considerava esta medida um pouco intangível, apenas modificando os erros de redacção que foram feitos na Câmara dos Deputados, e num ponto essencial: na parte que se refere â concessão de mais 20:000 contos concedidos ao Banco do Portugal para operações bancárias.
Com esta modificação estavam de acôrdo os Srs. Senadores da minoria, porque era efectivamente um lapso.
Devo dizer a V. Ex.ª que se os Srs. Augusto de Vasconcelos e D. Tomás de Vilhena quisessem atacar o Govêrno lealmente, como o fazem sempre, o poderiam fazer, mas não pela forma por que o fizeram.
Permita-me V. Ex.ª que eu, depois de defender o projecto, porque o julgo útil quando pôsto cm boas mãos, passe a atacar o projecto e o Govêrno. Vou fazê-lo com cautela.
Sr. Presidente: tendo estudado o assunto com cuidado o atenção, a comissão de finanças declarou-se de acôrdo com a orientação tomada pelo Sr. Ministro das Finanças, no sentido do valorizar o escudo e considerou a proposta oportuna e benéfica, porque desembaraça o Govêrno das dificuldades de momento, mas, apesar disso, a comissão deu o seu voto com condições. Se essa condição se não realizar,

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não é a comissão do finanças, não é a secção, é todo o Senado que se põe contra o projecto.
Êste projecto é uma medida útil, mas pode ser perigosa nas mãos duma pessoa incompetente; perigosa nas mãos duma pessoa que não tenha sentimentos patrióticos.
Ora, Sr. Presidente, eu não posso acreditar que em situação alguma se vá sentar na cadeira de Ministro das finanças um político que não seja competente e patriótico.
A própria comissão de finanças diz que o Ministro das Finanças tem o direito de exigir a colaboração leal e patriótica de todos, seja qual fôr a sua situação política.
Mas, Sr. Presidente, esta condição está posta, e estou certo de que a V. Ex.ª não repugnará, qualquer que seja o programa do Govêrno, dêste ou doutro qualquer; êle, embora realizado, não concorrerá para melhorar a situação do país, se a política de equilíbrio orçamental, se não realizar a todo o transe, enérgica e eficazmente.
Sr. Presidente e Sr. Ministro: a comissão de finanças, ligando-se, por maioria, à proposta, fê-lo convencida de que efectivamente se trata de caminhar nesse sentido, que é essa a directriz do Govêrno, como deve ser a de todos nós.
Há dificuldades? Há.
O próprio Parlamento o está demonstrando. Foi organizada uma comissão piara estudar a remodelação dos serviços públicos. Essa comissão no prazo que foi primitivamente fixado não fez nada, até agora pouco tem feito. E é indispensável que isso se faça.
Sr. Presidente: devo dizer a V. Ex.ª que falo por esta forma porque estou convencido de que é possível, senão comprimir despesas, remodelar os serviços públicos de forma às despesas serem proveitosas e úteis.
Nós, que estamos a falar em medidas de fomento, devemos começar por as despesas públicas serem aplicadas proveitosamente para o país.
Nós podemos utilizar as despesas que fazemos agora por forma útil para o pais.
É o que se está fazendo?
Não.
Outra cousa eu pedirei ao Sr. Ministro das Finanças, porque eu conheço a sua dedicação pelo país, e sei que vibra unissonamente comigo nêste ponto. Sr. Ministro: não parece que caminhemos para uma política de equilíbrio orçamental. Constantemente estão a cair nesta casa do Parlamento, vindas da outra Câmara, e na maior parto das vezes oriundas do Govêrno, propostas de aumento de despesa. São frequentes. Ainda agora estão pendentes da discussão nesta Câmara propostas de aumento de despesa. Conta essa orientação protesto enèrgicamente.
Apoiados de todos os lados da Câmara.
Quando às vezes chegam a esta Câmara já não é tempo de lhe pôr mão, e, assim, Sr. Presidente, se realmente não aparecer uma política da parte do Govêrno, no sentido de canalizar todas as ambições, então, Sr. Presidente, temos de ir todos para o fundo, e não é isto que salva a Nação.
Chegam estas medidas à Câmara do Senado quando lhe é impossível ter mão, e quando a comissão competente procura dificultar — no seu dever — a marcha dêsses projectos, que considera ruinosos para o país, as pressões aparecem de toda a parte.
Estou certo de que S. Ex.ª o Sr. Ministro poderá ter mão na política financeira do Govêrno. Eu sei que existem dificuldades espantosas, já não digo insuperáveis, porque diante da situação financeira, do país não há nada insuperável.
Esta proposta será até nociva se não nos unirmos todos, Govêrno e todas as criaturas, quaisquer que sejam as suas situações políticas, parlamentares das duas Câmaras, para uma política orçamental rápida, enérgica e decisiva.
Vozes: — Muito bem. Muito bem.
O Orador: — Não poderá, Sr. Presidente, ser obtido êsse equilíbrio ùnicamente pela compressão de despesas.
Pois bem! Quanto a despesas, arrumemos a casa, e quanto a receitas, assuma o Sr. Ministro e assuma o Govêrno a atitude que deve assumir, não para impor ao Parlamento os assuntos, não para êle votar aquilo que não deve votar. O caminho do Govêrno está indicado.
Sou pela política de estabilidade ministerial, quando dela pode resultar utilida-

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de para o país; agora quando o próprio Govêrno reconhecer que não pode levar por diante o resolver o problema da economia e da finança, então entendo que o Govêrno deve dar lugar a outros.
Estou a dizer isto a um amigo meu. Mas quando o Sr. Barros Queiroz formou Gabinete e se contentou em trazer a esta Câmara uma das mais insignificantes medidas, eu disse-lhe:
— Sr. Ministro: V. Ex.ª, depois de ter apresentado tam largos planos, contenta-se em trazer a esta Câmara isto?
O Sr. Barros Queiroz, velho republicano, honradíssimo (Apoiados), pouco tempo depois estava de acôrdo com esta orientação e abandonava o Govêrno.
É preciso que as responsabilidades vão para onde devem ir. O Govêrno está empenhado em resolver os problemas nacionais. Se por acaso o Parlamento não se resolve a colaborar patriòticamente com o Govêrno, e lhe não dá essa colaboração do que êle precisa, então o Govêrno assuma a atitude enérgica que deve assumir perante o Parlamento e diga-lhe:
— Se não querem colaborar connosco então venham tomar estes lugares.
Tenho dito.
Vozes: — Apoiado! Apoiado! Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. D. Tomás de Vilhena: — Sr. Presidente: duas palavras apenas e em parte para me congratular de estar em pleno acôrdo com o ilustre leader daquele lado da Câmara.
O Sr. Herculano Galhardo (interrompendo): — Devo dizer a V. Ex.ª que eu não sou leader dêste lado da Câmara.
O Orador: — Pois, se não é, já o foi e é o relator do projecto, e além disso, presidente da comissão de finanças.
Nós fômos educados na mesma escola e eu à medida que vou cada vez mais para velho, mais vou andando para a direita.
Mas o que eu quero notar é que as minhas afirmações de ontem ficam todas de pé, e que quando se trata de problemas de interêsses do País, estamos plenamente de acôrdo.
Eu ontem reconheci que o empréstimo de que se trata, é um empréstimo de recursos.
S. Ex.ª não disse desesperado, mas eu direi semi-desesperado.
Como é que me podem persuadir de que êste empréstimo pode melhorar a divisa cambial?
Porventura com o recurso à circulação fiduciária, êle vai modificar a nossa situação cambial?
Porventura ela é destinada a desenvolver fontes de riqueza? Não; ela é ùnicamente um recurso de desespero que pode cloroformizar por momentos êste estado de dor e de agonia em que vivemos.
Se o Govêrno não cuidar imediatamente de, por meio duma administração sensata, pôr um têrmo a êste desequilíbrio em que temos vivido, se não tratar de equilibrar tanto quanto possível as despesas com as receitas, mal vai.
Emquanto o Govêrno não se declarar rigorosamente disposto a manter êsse equilíbrio financeiro, não há empréstimos que possam valer à nossa desgraçada situação, e assim êste empréstimo não é mais do que um paliativo.
Eu pus um pouco de calor nas minhas palavras, calor justificado, porque ontem fiquei extremamente incomodado, extremamente preocupado com as declarações que aqui fez o Sr. Ministro das Finanças com a sua voz solene, com a sua voz compassada, que me pareceu aquele sino grande de S. Vicente de Fora quando em outras épocas anunciava a morte dum soberano ou dum patriarca, dizendo que era preciso pedir à circulação fiduciária 140:000 contos e que não julgava possível colocar lá fora um empréstimo em condições que não fôssem vilipendiosas.
Eu, em nome da Pátria, em nome das nossas famílias, peço ao Govêrno que trate de equilibrar o orçamento e que não sacrifique a essa gente que vêm pedindo constantemente aumentos de ordenados, os interêsses de todos nós, a honra nacional.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Conquanto tivesse ontem ocasião de dar ao Senado as explicações que julgava convenientes sôbre esta proposta de lei, eu não deixarei de acudir à chamada feita pelo meu querido amigo

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Sr. Herculano Galhardo sôbre qual é a política financeira do Govêrno.
Essa política conhece-a S. Ex.ª bem mas apesar disso não mo admira o apelo que S. Ex.ª veio fazer, e até lho agradeço, porque acho que há toda a vantagem em recordar o cumprimento dos nossos deveres e mostrar ao povo qual é a orientação que tencionamos seguir; o programa financeiro do Govêrno foi exposto na declaração ministerial o mais particularmente, quer no relatório que precede a proposta em discussão, quer no relatório que antecede o Orçamento do Estado.
Não há dúvida de que, embora haja problemas de ordem vária a influir na situação financeira do País, eu estou de acôrdo com o mesmo ponto de vista a que se referiu o Sr. Herculano Galhardo, de que a nossa principal dificuldade é de ordem cambial, o digo do ordem cambial porque acho na verdade que é uma situação por assim dizer sui generis o que não é de maneira alguma semelhante à que se dá nos outros países.
Eu não acho que seja uma situação de dificuldades de ordem cambial a situação da Áustria e da Alemanha, mas é-o em Portugal, e se formos a estudar com toda a atenção h situação financeira de Portugal nós não encontramos explicação verdadeira para ela (apoiados da esquerda), quer pelas despesas feitas e pelos sacrifícios sofridos por um lado, quer pelo desenvolvimento das riquezas que têm tido por outro lado.
Olhando para êsses factores, nós não podemos achar significação para uma situação tam grave, mas não desesperada, como aquela que atravessamos.
Com certeza que há factores do outra ordem que nos arrastaram a esta situação em que vivemos.
Em minha opinião, há três factores que para isso concorrem, não contando, é claro, com aqueles que levaram o mundo ao estado em que hoje se encontra o que são as consequências da Grande Guerra.
Mas fora disso há três factores, um dos quais, o importante na verdade, é a desconfiança que se estabeleceu o que fez com que muitos portugueses julgassem que tinham mais seguros os seus haveres depositando-os nos bancos estrangeiros do que fazendo-o no nosso País, cometendo assim, deixem-me V. Ex.ªs dizer com toda a franqueza, não só um verdadeiro crime de lesa pátria, mas a mais perfeita e completa imbecilidade.
Apoiados da esquerda.
Muitos dêsses portugueses que têm dinheiro depositado em bancos que na verdade dão uma certa e determinada segurança puderam efectivamente por momentos julgar que isso seria mais vantajoso para êles, foram levados apenas pelo espírito do egoísmo estreito o sórdido de um indivíduo que trata de si sem se importar com a sociedade.
Se tal facto já muito dificilmente se admite, menos se admite ainda quando é levado pela imbecilidade, pois êsses portugueses que têm dinheiro depositado no estrangeiro em bancos e em companhias estão muito mais arriscados a sofrer as consequências inevitáveis do momento que atravessamos, consequências essas que, se nós podemos evitar, para muitos países elas são inevitáveis.
Não é preciso ser muito versado em questões financeiras para sabor que o que eu acabo de dizer é a perfeita realidade.
Para êsses países é de tal maneira monstruosa as cifras que se amontoaram das dívidas e encargos que têm de satisfazer, que não há maneira de chegarem a uma normalização sem primeiro terem do passar por uma catástrofe financeira tremenda.
O que tem havido é uma grande falta de fé e de confiança.
Bastava um pouco mais de confiança para que Portugal se salvasse, com regular facilidade.
E não era de admirar que assim sucedesse, porque os nossos sacrifícios, embora grandes, não podem de maneira nenhuma comparar-se com os de outros países que entraram na guerra, nem foram mesmo maiores do que aqueles que regista a história de muitos países.
Um outro factor concorre para esta nossa situação: é a especulação desenfreada que se tem desenvolvido, mas que, no emtanto, não teria dado os resultados desvantajosos que tem produzido para a comunidade, se não encontrasse terreno próprio, terreno que se deve, por um lado, à desconfiança, e por outro lado ao espírito de prodigalidade do povo português (Apoiados) e que é, permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, que lhe diga,

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a cousa pior o que mais tem motivado a triste situação que atravessamos.
Eu estava em França quando começou a aparecer, depois da guerra, a actual situação financeira, com grande surprêsa pôr parte da população, que julgava que, terminada ela, tudo entraria na normalidade, mas sem surprêsa nenhuma para aqueles que já sabiam que a repercussão das despesas o sacrifícios feitos se haviam de fazer sentir depois, não só porque isso era lógico, mas também porque já sabiam que, depois dos conflitos armados, é nos primeiros anos da paz que se fazem sentir todas as consequências desastrosas dêsses mesmos sacrifícios.
Mas, ao passo que eu observava isso, notei também que lá havia o desejo de defender a autonomia nacional, e de evitar que saísse ouro para fora do País.
Entre nós, porém, não se dá isso; não só o ouro é levado para fora, ùnicamente com a mira na ganância, o que revela um grande espírito de antipatriotismo, mas também porque cada vez há mais necessidade de efectuar pagamentos em ouro, como eu posso afirmar pela análise dos documentos que passam pelas minhas mãos, em virtude do cargo que ocupo, parecendo que os portugueses estão apostados em cada vez mais importar produtos do estrangeiro.
Apoiados.
E dá-se êste fenómeno: é nós chegarmos a pensar que, na verdade, não vale a pena estar a desempenhar um papel patriótico, envidando todos os esforços para concorrermos para a melhoria cambial, pois que a uma melhoria cambial sucede-se a queda rápida. E sabe V. Ex.ª, Sr. Presidente, porquê?
E porque as encomendas que hão-de vir do estrangeiro, logo que há uma melhoria ligeira, aumentam duma maneira extraordinária.
São estes três factores que me fazem levar a dizer que a questão portuguesa é apenas uma questão de desconfiança cambial e especulação e intranquilidade. São mais factores de ordem moral, que, desaparecidos êles, nós vemos normalizada a nossa situação, porque sabe o Parlamento muito bem que não era preciso fazer uma valorização extraordinária do escudo para que na verdade pudéssemos alcançar o equilíbrio orçamental.
Os encargos resultantes das diferenças cambiais que temos à pagar, não só pelas verbas que estão inscritas, no orçamento, mas mesmo o dinheiro para aquisição de matérias primas, materiais e subsistências que o Estado tem de pagar, são os factores que concorrem para o deficit que o Estado apresenta.
Sr. Presidente: temos de pôr cobro a êste estado de cousas, e assim a primeira cousa que há a fazer é estabelecer a confiança em todo o País.
E é fora de dúvida, Sr. Presidente e Srs. Senadores, que êsse era na verdade um factor principal para chegar ao equilíbrio orçamental, e para que os portugueses, convencidos que na verdade os homens que estão à frente do País se preocupam com os interêsses da comunidade, concorram na medida das suas posses para que essa situação melhore.
Mas, Sr. Presidente, o Sr. Herculano Galhardo, que já teve a triste sina de também passar por êste lugar, tam cheio de dificuldades, que é o Ministério das Finanças, S. Ex.ª é que avalia bem as horas de amargura que nêste lugar passamos, S. Ex.ª sabe bem as dificuldades que há a vencer para se conseguir qualquer cousa, e que é preciso não, ter qualidades de inteligência e de talento, porque senão eu não estaria nêste lugar (Muitos não apoiados), mas qualidades de energia, que é preciso ter uma fôrça de vontade inquebrantável, e mais alguma cousa que isso, porque um homem por muito que queira nada pode fazer, é preciso não só auxílio do Govêrno inteiro, mas também do Parlamento.
E sabe S. Ex.ª as dificuldades que preocupam esta pasta, porque a primeira luta a sustentar é com os Ministros das outras pastas, que não querem passar por simples «verbos de encher», e porque êles não podem desempenhar os cargos de administração pública para que foram chamados a desempenhar, sem dinheiro. E daí o esfôrço constante que se faz à volta do Ministro das Finanças para o aumento de certas despesas, o que dá em resultado o Ministro, por mais forte que seja a sua resistência, acabar por ser vencido.
Um outro factor também concorre muitas vezes para que apareçam propostas que trazem aumentos de despesa. Êsse

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factor é o próprio Parlamento, por isso que os parlamentares, levados por compromissos que trazem quando vêm ocupar as suas cadeiras, procuram por todas formas tornar-se úteis às suas terras e serem agradáveis às regiões que os elegeram, apresentando ou defendendo propostas que trazem verdadeiros aumentos de despesa. E, embora haja a lei-travão, o Govêrno vê-se em sérios embaraços para poder vencer a resistência que lhe é feita, e assim é que de vez em quando aparece uma ou outra proposta que vem trazer aumento do despesa.
O Sr. Herculano Galhardo: — Não é uma ou outra, são quási todas.
O Orador: — Devo dizer a V. Ex.ª que essas propostas não são de responsabilidade do Ministro das Finanças.
São naturalmente propostas que foram apresentadas nesta Câmara dos Deputados antes da apresentação do Orçamento Geral do Estado e que por isso não exigem o «concordo» do Ministro das Finanças de harmonia com a lei-travão, porque são" muito reduzidas aquelas a que tenho dado o meu assentimento para que elas sejam discutidas.
Há, efectivamente, no Parlamento, algumas que trazem aumento de despesa que são as que se reforem à guarda republicana, à guarda fiscal e à marinha, mas essas oram absolutamente indispensáveis, porque foram mais uma conseqüência desastrosa das leis n.os 1:355 e 1:356. De resto todos sabem que a guarda fiscal continua digna do nome honrado que sempre tem mantido, que é uma instituïção modelar e que apesar da insuficiência de remuneração que recebe tem sabido sempre cumprir o seu dever, não se deixando fàcilmente subornar. O mesmo se deu com a da guarda republicana, cujo corpo tinha as fileiras quási desguarnecidas por terem um vencimento mesquinho, sendo necessário acudir-lhe com rapidez. Além disso trata-se duma verdadeira justiça a prestar a êsses honrados elementos de segurança do Estado.
Dá-se isto, Sr. Presidente, com as praças readmitidas de marinha, que são profissionais e que estavam na mesma situação.
São estes os aumentos de despesa que o Govêrno teve de sancionar; e por muito aflitiva que fôsse a situação do Estado, ela não se podia pôr acima de todos os princípios 'do justiça numa diferença de vencimentos colossal.
A não ser isto e qualquer refôrço de verbas para remediar a insuficiência das fixadas no orçamento em virtude da carestia da vida, pois quando se discutiu o orçamento que agora está em vigor a divisa cambial era 4 e logo após a sua votação desceu até 2; por outro lado, houve também a necessidade de se adquirirem materiais no estrangeiro, e de tal modo foi preciso reforçar as verbas respectivas, bom como as que se referem á alimentação o fardamento da fôrça pública.
A não ser isto. não me parece que no Parlamento outras medidas haja, a não ser a do empréstimo para acudir de alguma forma à reparação das estradas, e esta mesma, não sei se será aprovada.
Devo dizer que só quem não tiver em conta os interêsses do país é que pode rejeitar o seu «concordo» às reparações das estradas. Se não acudirmos ràpidamente às estradas, o algumas há que já com pouca proficuidade isso se fará, elas estragar-se hão totalmente.
Contudo, Sr. Presidente, foram úteis as palavras pronunciados pelo Sr. Herculano Galhardo, porque dado os aplausos que elas tiveram, não só dos meus amigos políticos, mas de toda a Câmara, elas revigoram a minha energia para continuar a defender com mais proficuidade os dinheiros públicos e evitar quanto possível que nem cinco réis sejam mal gastos dos dinheiros entregues ao Estado, para os empregar em serviços donde apenas resulte utilidade para a colectividade.
Pode o ilustre Senador estar também certo de que, tanto pela, minha parte como pela de todo o Govêrno, se fará o mais possível pela compressão das despesas, embora, que nesta questão, a compressão das despesas públicas nunca pode ser feita duma maneira tam grande que influencie decisivamente nas finanças públicas.
Se há serviços que estão largamente dotados também outros há que estão muito mal dotados e que resultam por isso quási inúteis para o fim que foram chamados a desempenhar, isto porque não lho dão os elementos necessários para cumprirem a sua missão.

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V. Ex.ª traduziu bem o que é necessário fazer dizendo que «é preciso pôr a casa em ordem».
Êsse é o principal fim que devemos ter em vista, isto é, não gastarmos aquilo que não possa ter utilidade, mas gastarmos porém aquilo que alguma utilidade possa ter para nós todos.
É necessário procedermos assim porque na verdade se assim não fizermos falha-nos aquela autoridade que é indispensável para exigir ao povo novos sacrifícios, sacrifícios que são na verdade justos porque atendendo à desvalorização que tem a nossa moeda o contribuinte não paga hoje o que devia pagar.
Portanto não se pode dizer que sejam exagerados os novos sacrifícios que se venham a pedir, mas para os pedir é necessário que se tenha autoridade e se dê ao contribuinte a segurança de que o dinheiro que êle vai fazer entrar nos cofres do Estado não será mal empregado, e que pelo contrário algum benefício e alguma utilidade êles colherão do sacrifício que fazem.
Assim como o Sr. Herculano Galhardo apelou para o Govêrno, também eu, em nome do Govêrno, quero apelar para o Parlamento para que tam breve quanto possível se ocupe das propostas que estão pendentes, e eu por minha parte desde já declaro que quando se discutir as propostas da minha iniciativa aceitarei todas as emendas que as possam melhorar, partam elas donde partirem, e terei a maior satisfação em vê-las aprovadas, quando mais não seja por egoísmo pessoal, porque quanto mais forem reduzidos os encargos do Estado mais fácil será a minha tarefa.
Como o Sr. Herculano Galhardo ontem muito bem disse, esta proposta não é isolada. Eu já tive ocasião de dizer ao Senado que assim era, não vou agora fazer a repetição do que o Govêrno pensa fazer porque isso está na declaração ministerial, no relatório que precede esta proposta e no relatório que antecede o Orçamento.
Em duas palavras direi que a política do Govêrno é uma política de deflação.
Fazendo justiça às intenções verdadeiramente patrióticas do Sr. D. Tomás de Vilhena eu direi que nêste ponto cada um de nós tem um critério diametralmente oposto, o que não quere dizer que não
estejamos ambos nas mesmas intenções, e não tenhamos o mesmo desejo ardente de bem servir o País.
Eu acho que algumas vantagens advirão desta proposta, e já que tive ocasião de dizer que elas não serão tam grandes como nós desejaríamos, porque nós temos de atender ao meio e à época que atravessamos, o que é fora de dúvida é que dela há-de resultar uma deflação e portanto uma consequente valorização, mas não uma valorização excessiva, porque uma valorização excessiva do escudo nêste momento seria mais prejudicial do que uma desvalorização.
Temos de ir paulatinamente procurando a valorização por estabilizações sucessivas para que o meio se vá preparando.
O Sr. D. Tomás de Vilhena também não compreendeu bem as minhas palavras porquanto ao referir-me aos empréstimos feitos na América do Norte, notei que as condições foram tam leoninas que se um país de moeda desvalorizada aparecesse nesse mercado a pedir certa quantia, para acudir a uma má situação, decerto que se exigiriam cousas que nenhum homem público amigo do seu país as aceitaria.
Mas, em resposta a uma observação do Sr. Augusto de Vasconcelos, a situação de Portugal pela política que ora se tem feito, não é de todo má, e a continuarmos nesta orientação de saneamento das finanças públicas, que não será apenas de um Govêrno nem de um Partido mas de todos, é de esperar que num certo espaço de tempo, as condições do País hão-de melhorar.
Eram estas as considerações que eu queria fazer e que me parece que mais ou menos respondem às considerações feitas pelo Sr. Herculano Galhardo.
O Sr. Herculano Galhardo: — Eu estou certo de que toda a Câmara ficou grata ao Sr. Ministro das Finanças pelas declarações que S. Ex.ª fez e que eu provoquei. S. Ex.ª, no pensamento altamente patriótico de concorrer com o seu trabalho para a regeneração das nossas condições económicas e financeiras, dirigiu mais uma vez um apelo ao Parlamento.
Eu estou certo de que as suas palavras encontrarão eco nesta e na outra Câmara, e que da parte dos seus amigos políticos S. Ex.ª não terá outra cousa a

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esperar senão uma leal colaboração. Mas é necessário que o Governo não inutilize o trabalho parlamentar e que procure por todos os meios pôr um dique a aumentos de despesa.
S. Ex.ª referiu se a uma passagem efémera que eu fiz pela pasta das Finanças e a propósito, em duas palavras, eu vou dizer o que sucedeu comigo.
Tendo procurado ver em que estado estava a casa, comecei por isto: verifiquei os créditos que estavam abertos, e fechei os.
Sr. Ministro: feche a torneira, que alguma cousa pode conseguir. Feche V. Ex.ª as contas abertas que não tenham justificação, e creia que alguma cousa pode fazer.
Referiu-se V. Ex.ª à lei-travão. Eu creio que na outra Câmara essa lei é interpretada por esta forma: Um Sr. Deputado apresenta um projecto aumentando as despesas, o Ministro das Finanças põe o seu «concordo», o projecto é aprovado e vem para esta Câmara.
Ora isto é uma má compreensão do que seja essa lei.
A lei-travão diz que nenhum Deputado ou Senador pode apresentar qualquer projecto que envolva aumento de despesa ou deminuïção de receitas emquanto não fôr aprovado o orçamento. Apenas para os projectos de lei que estavam pendentes é que houve excepção.
Isto tem dado em resultado chegarem aqui propostas vindas da outra Câmara, e com o «concordo» de Ministros das Finanças, que são contra essa lei. Isto não diz respeito a V. Ex.ª, Sr. Ministro das Finanças. V. Ex.ª pode muito perante os seus colegas e podo muito perante o Parlamento.
V. Ex.ª, na sua exposição, que todos nós ouvimos com muito prazer, referiu-se a aumentos de despesa que justificou brilhantemente, mas eu devo dizer que não é por essa forma que se chega a equilibrar o Orçamento, e estou certo de que V. Ex.ª não julga que com a melhoria financeira se equilibra o Orçamento.
Eu estou certo de que V. Ex.ª sente, como eu, a necessidade de se seguir a política da mais estrita economia.
Referiu-se V. Ex.ª a propostas que estão na outra Câmara, e que é preciso que sejam aprovadas.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães) (interrompendo): — Efectivamente estão na Câmara dos Deputados, e há muito tempo, duas propostas de lei, uma remodelando o imposto do sêlo e outra a contribuïção de registo, e que eu julgo que concorrerão para que o Orçamento fique equilibrado, se o Parlamento na discussão do Orçamento desempenhar aquele papel que eu julgo que êle precisa desempenhar.
E aprovado na generalidade o projecto.
Entra em discussão o artigo 1.°
O Sr. Augusto de Vasconcelos: — Parece-me que êste artigo foi pôsto à vocação já com a emenda.
O Sr. Herculano Galhardo: — Parece-me que se deve discutir agora a última redacção da secção.
O Orador: — Não me oponho a que seja assim.
Disse que não me inscrevia novamente na generalidade para responder tanto ao Sr. relator como ao Sr. Ministro das Finanças.
Disse que me reservava para responder na especialidade, e, a propósito dêste artigo, vou efectivamente responder a algumas das considerações feitas.
Disse o Sr. Ministro das Finanças que grande parte das considerações que fiz haviam sido feitas na Câmara dos Deputados, e que, por coerência partidária, eu aqui ainda reproduzo.
Foi pelo mesmo motivo que o Sr. Ministro das Finanças não respondeu aqui, como não respondeu também na Câmara dos Deputados, e daí a reprodução das considerações ali feitas por mim nesta Câmara.
O Sr. Herculano Galhardo nesta casa é a vestal da Constituïção, de maneira que admirado estava eu de que S. Ex.ª deixasse passar êste projecto, considerado inconstitucional.
Tentou S. Ex.ª responder, dizendo que estavam fixados os encargos do empréstimo e que a disposição do n.° 4.° do artigo 26.° da Constituïção estava absolutamente rejeitada. r
Mas esqueceu-se S. Ex.ª de que os encargos do empréstimo geral são fixados pelo que o Sr. Herculano Galhardo disse

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e mais pelo preço da venda, e êste não está fixado; fica ao arbítrio do Sr. Ministro das Finanças.
No momento em que S. Ex.ª me mostrar qual é o preço de venda nêste empréstimo, elemento essencial para a apreciação do empréstimo, eu declaro-me convencido.
E como êste empréstimo é inconstitucional, tal como está redigida a proposta, vou mandar para a Mesa algumas emendas que visam a constitucionalizá-lo. Essas emendas são referentes aos artigos 1.° e 3.°
Assim, quanto ao artigo 1.° eu proponho o seguinte:
Suprimidas estas palavras, o empréstimo fica perfeitamente constitucional.
Dir-me há o Sr. Ministro das Finanças que o empréstimo ficará constitucional, mas será irrealizável.
A S. Ex.ª compete procurar forma de o tornar realizável.
E a êste propósito tenho eu de me entender com o Poder Executivo e com o Sr. relator que mo acusaram de pretender substituir esta proposta por um empréstimo em ouro no estrangeiro, a 6 1/2 por cento.
Nunca disse semelhante non sense como dizem os ingleses.
Sei que hoje seria absolutamente impossível, para nós, lançar um empréstimo no estrangeiro, ao juro de 6 ½ por cento, sem garantias, mas já não digo que fôsse impossível lançar um empréstimo em ouro. E vou prová-lo, lendo as condições de vários empréstimos, realizados já êste ano, por diferentes Estados:
Leu.
Ora, Sr. Presidente e Sr. Ministro, nós não estamos na situação da Áustria, felizmente.
V. Ex.ª naturalmente vai dizer-me: mas a Áustria tem o patrocínio da Sociedade das Nações o êsse patrocínio faz com que mais fàcilmente possa ser acolhido.
E eu pregunto: se não haverá meio para Portugal, que entrou na guerra e que teve de fazer enormes sacrifícios, se não há meio de fazer uma situação semelhante ou pelo menos comparável à que tem a Áustria, que esteve ao lado do inimigo e que contra nós combateu?
Já V. Ex.ª vê que não é impossível fazer empréstimos em ouro, o no emtanto quando eu fiz aqui as minhas considerações não disso que nós tentássemos um grande empréstimo em ouro no estrangeiro, o que disse foi que se fizesse um empréstimo interno.
Provemos, primeiro, que somos capazes de o fazer e depois recorreremos ao estrangeiro.
Fica, pois, provado portanto, Sr. Ministro, que eu não propus um empréstimo externo em ouro a 6 1/2 por cento.
O Sr. Ministro das Finanças, quando me fez a honra de responder, contou que a história dêste empréstimo não era bem como eu tinha referido, porque a intervenção dos nossos amigos de além-mar não tinha sido aquela a que me referi, não tinha vindo a proposta do Brasil para Portugal, mas pelo contrário que se tinha preguntado para lá se seria possível fazer um empréstimo semelhante ao que fôra apresentado.
E claro que esta pregunta foi feita para o Brasil, mas quero fazer a justiça ao Sr. Ministro das Finanças de acreditar que a idea dêste empréstimo assim lançado não nasceu da sua cabeça, quero fazer-lhe essa justiça.
V. Ex.ª já disse que encontrou no seu gabinete de estudo esta proposta de empréstimo e que êsse estudo fôra por V. Ex.ª melhorado o aperfeiçoado.
Ora êsse estudo que V. Ex.ª encontrou e que parece não há dúvida que foi muito auxiliado por aqueles que tinham comprado escudos a 40 por libra e depois desenvolvendo êste estudo chegou-se a êste empréstimo cuja constituïção é verdadeiramente original.
Disse o Sr. Ministro das Finanças: a conversão a 6 foi apenas um exemplo.
Ora eu tenho idea do informações de que, quando o Sr. Ministro das Finanças foi perante a comissão de finanças da Câmara dos Deputados, não deu a conversão de 6 como exemplo, mas como uma cousa perfeitamente assente.
Empregou o Sr. Ministro das Finanças um argumento para defender a sua proposta que, confesso, me impressionou vivamente. Foi quando S. Ex.ª disse que no momento actual não se pode obter melhor.
Confesso, repito, que essa declaração é daquelas que pesam no espírito de to-

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dos nós, e principalmente aqueles que, como eu, amam sinceramente a sua Pátria; quando vêem um Ministro das Finanças levantar-se e dizer que nós não podemos alcançar melhores condições, sentem-se fortemente emocionados, e, se se inclinam para uma benevolência nas suas críticas em face duma afirmação dessas, dadas as responsabilidades de S. Ex.ª e as nossas, sentimos que ela pesa fortemente em toda a nossa argumentação.
Muitas outras objecções tenho a fazer a respeito desta proposta, as quais já enunciei na generalidade, e que irei apreciando na especialidade.
Confesso que me desgostou a afirmação de S. Ex.ª o Sr. .Ministro das Finanças de que não aceitava emendas, senão as que fôssem apresentadas pela comissão de finanças.
Julgo que tal atitude nem é favorável ao Parlamento, nem ao País.
Não conhecendo S. Ex.ª as emendas que eu tenciono apresentar, como é que S. Ex.ª pode fazer essa declaração prévia, que, além de chocante, é anti-parlamentar. permita-me o Sr. Ministro das Finanças que lho diga.
Assim, por exemplo, sôbre o artigo 1.° eu vou mandar para a Mesa uma proposta suprimindo as palavras «a emissão a um câmbio a fixar pelo Govêrno».
Já sei que S. Ex.ª não aceita esta minha proposta.
Mas, porventura, não aceitará a substituïção da redacção da parte final do artigo 1.°?
O que é que diz o artigo 1.° no seu final?
Diz o seguinte: Leu.
E o que diz êsse artigo 1.° no seu final?
Diz o seguinte: Leu.
Mas então o Estado vai confessar-se devedor!
Segundo os contratos com o Banco de Portugal o Estado não é devedor dessas somas; por conseguinte eu proponho que essas palavras sejam substituídas por outras, que não registem expressamente a declaração de que j Estado é devedor de cousas que não deve.
Esta é que é a verdadeira situação e o verdadeiro estado da questão.
Mas se V. Ex.ª me diz que não aceita emenda nenhuma, então faz-me acreditar que ficam aquelas palavras que confessam que o Estado fica devedor duma dívida que não tem.
O Sr. Herculano Galhardo, na sua argumentação, referiu-se a outros pontos do projecto; como o meu propósito não é o de protelar a discussão, quando fôr ocasião de se discutirem na especialidade os diversos artigos eu referir-me hei aos pontos essenciais que carecem de emendas, e depois a propósito dos diversos artigos eu me referirei às objecções que fiz na generalidade e procurarei combater as objecções feitas por V. Ex.ª
São lidas na Mesa e admitidas as propostas do Sr. Augusto de Vasconcelos.
O Sr. Herculano Galhardo: — Sr. Presidente: eu apenas desejo declarar ao Sr. Augusto de Vasconcelos que sustento o meu, ponto de vista sôbre êste artigo na parte que se refere a constitucionalidade.
S. Ex.ª acaba de pretender sustentar o contrário, isto é, que o projecto é inconstitucional.
Sr. Presidente: trata-se de um empréstimo em ouro, de que resulta um encargo de 6 l/2 por cento, esterlino, que se traduz num encargo de 200:000 libras anuais, êste é que é o encargo do projecto e não há outro.
Estou convencido que o empréstimo é constitucional e há um ponto em que V. Ex.ª está laborando num êrro.
Trata-se efectivamente de um empréstimo esterlino que se pode converter em escudos.
Ora eu pregunto a V. Ex.ª, Sr. Presidente, à Câmara e ao Sr. Augusto do Vasconcelos, se é da competência do Congresso intervir na forma como o Sr. Ministro das Finanças converte os escudos em esterlino para pagamento no estrangeiro?
Efectivamente o Congresso pode pedir contas da má administração que fizer o Ministro, mas não vai ao ponto de ir saber qual o câmbio que o Sr. Ministro.
O Sr. Ministro das Finanças toma resoluções relativamente a centenas de milhares de libras sem que o Congresso intervenha nessas operações.
De resto, Sr. Presidente, está fixado

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nesta proposta o encargo como o exige o preceito constitucional.
A colocação será de 84 por cento, pelo menos.
Não sei, Sr. Presidente, o que irá dizer o Sr. Ministro das Finanças, a respeito das emendas apresentadas pelo Sr. Augusto de Vasconcelos.
Tenho nêste momento de dizer o seguinte: que é realmente imensamente lamentável que o Sr. Augusto de Vasconcelos, ilustre representante do seu partido, nêste momento tenha deixado chegar o projecto à sessão plena para apresentar uma proposta de emenda, declarando S. Ex.ª que não deseja protelar a discussão desta proposta, quando, se S. Ex.ª a tivesse apresentado na secção, a proposta de lei seria hoje aprovada na especialidade.
E disse S. Ex.ª, em nome do seu Partido, que não deseja protelar a discussão, quando de facto fica protelada.
Com relação às emendas, não sei o que a seu respeito dirá o Sr. Ministro das Finanças.
A primeira parece-me inaceitável, mas a segunda julgo-a interessante, porque trata-se duma forma mais própria de dizer num projecto.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Sr. Presidente: serei breve, mas vou responder ao ilustre Senador e meu prezado amigo Sr. Augusto de Vasconcelos.
Fez S. Ex.ª os seus reparos aos juros do empréstimo.
Quando porventura se oferecem garantias seguras e sólidas, não é difícil fazer empréstimos em ouro.
Simplesmente na ocasião presente não é fácil fazê-los em condições vantajosas dada a situação mundial.
Preguntou S. Ex.ª se a idea de colocação do empréstimo no Brasil era da minha autoria.
Devo dizer a S. Ex.ª que não.
Acho muito extraordinário que V. Ex.ª me diga que isto é uma cousa nova, quando isto não é moderno, mas já foi usado na Roménia, na Alemanha — pelo menos num empréstimo — e ainda por um outro país cujo nome não me recordo agora.
Há ainda poucos nestas condições, mas têm sido feitos por esta forma quási todos os empréstimos dos países de moeda desvalorizada.
O fim principal do empréstimo não foi recorrer ao auxílio do Brasil.
E tanto assim é que eu mandei para lá preguntar como seria êle recebido, e soube que o seu desejo era que êle fôsse emitido em escudos ou em moeda brasileira, e no emtanto o empréstimo é feito em libras.
Tem havido um grande êrro na discussão desta proposta.
Todos dizem que têm a máxima confiança no Ministro das Finanças, mas não me fazem justiça.
Se a um câmbio como hoje está, de 2 eu dissesse que ia fazer um empréstimo a 6, eu seria criminoso, porque teria de pagar um juro de 21 por cento.
Ninguém obriga o Estado a vender os títulos abaixo ou acima do par.
Como eu já no outro dia disse, partindo da hipótese, de que eu fazia a emissão a 6, e que vendia ao par, êste empréstimo seria aceitável no câmbio de 2 7/8, seria razoável ao câmbio de 3 7/8, seria bom ao câmbio de 4 ½ seria mau ao câmbio de 2 1/2 e seria desastroso daí para baixo.
Para que o Estado tenha uma comparticipação de lucros que se fizerem a favor do empréstimo e também já tive ocasião de dizer se fôr bem sucedido e que seja feita a maior parte pelas estações oficiais, como a França já o fez, em que foi subscrito pelos caminhos de ferro, por correios e telégrafos, etc, etc.
Também já tive ocasião de dizer na Câmara dos Deputados que foi do armistício e que se fizeram os empréstimos da vitória, recordo-me que a agência do Banco de França não chegou a cobrar um milhão emquanto que os tesoureiros de finanças cobraram cinco milhões de entidades oficiais que empregaram os seus capitais em prol da sua Pátria.
Oxalá que efectivamente êsse princípio se estabelecesse entre nós.
Nêste projecto não há nada que obrigue a pagar acima do câmbio, mas há uma propensão para os títulos serem pagos acima do par, efectivamente para aqueles que tem uma certa estabilização, o que convém é a divisa de 6 e assim nós vemos o seguinte:
Leu.
Entendo que com esta base 4.ª talvez seja o comêço da estabilização.

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Sessão de 4 e õ de Maio de 1923
De resto eu direi a V. Ex.ª que a divisa de 6 não foi tomada ao acaso, o que se não tem sabido é fazer justiça às considerações apresentadas.
Quanto às emendas, seria um agravo ao Parlamento eu não aceitar emendas, senão apenas as da comissão.
Acêrca da emenda de substituïção, devo dizer que acho interessante a expressão que V. Ex.ª encontrou, e não tenho dúvidas em aceitar.
O Sr. Augusto de Vasconcelos: — Eu não tencionava usar de novo da palavra, mas S. Ex.ª o Sr. Herculano Galhardo chamou-me à barra e eu aqui estou.
S. Ex.ª depois de renovar as suas conhecidas objecções sôbre a questão das emendas que eu não apresentei na Secção, diz que não é minha intenção protelar a discussão do projecto; faz me justiça, porque se ela tem sido protelada é por culpa do Regimento e não por minha.
Quanto à matéria constitucional, julgo que estamos a perder o nosso tempo.
Diz o Sr. Herculano Galhardo que o juro efectivo é de 7 3/4 e que está lá marcado.
Ora, pregunto eu a S. Ex.ª porque é então que para o juro de 6 1/2 se diz ao câmbio médio do trimestre anterior?
O Sr. Herculano Galhardo: — Isso dá-se quando se tenha de pagar em escudos.
O Orador: — Ora era isso que eu queria que se fizesse também para o capital.
O Sr. Herculano Galhardo: — Nesse caso trata-se de uma conversão de libras em escudos e V. Ex.ª não sabe como é que o Sr. Ministro faz essa conversão para os efeitos de pagamento.
O Orador: — O que eu preciso dizer a V. Ex.ª é que ficamos na mesma.
V. Ex.ª entende que o Sr. Ministro das Finanças tem o direito de fixar o câmbio da conversão, eu digo que sim, mas que essa fixação se deve fazer pelo preço do mercado, ou por um preço próximo, mas êle vai fazê-la por um câmbio muito diferente.
O Sr. Herculano Galhardo: — O Sr. Ministro procede assim porque esta operação tem êste facto singular, permite ao Govêrno dispôr de um câmbio especial porque se trata de um empréstimo sem garantias nenhumas e que tem um juro módico.
Há-de haver um aperitivo; e o aperitivo está nisto.
E grande? & E pequeno?
Se o Ministro conseguir com a realização do projecto aquilo a que êle se propõe, a vantagem é grande para o país, e o prejuízo, se o há, é insignificante.
O Orador: — São duas doutrinas diametralmente opostas, a de V. Ex.ª e a minha.
V. Ex.ª concede ao Govêrno a faculdade de fazer um empréstimo cujos encargos não são fixados, e dependerão de melhores ou piores circunstâncias, eu sustento a doutrina de que era preferível fazer um empréstimo em ouro, mas fixando-se aqui os encargos.
O Sr. Herculano Galhardo: — Os encargos são de 260:000 libras anuais, desde o momento em que isto se efective.
Está mais do que fixado.
O Orador: — O que o Estado vai receber é que ninguém sabe. O processo que preconizo parece-me o melhor.
Agora a questão das emendas.
S. Ex.ª referiu-se aqui a essa questão, e como eu ainda a não tinha exposto perante o Senado, vou fazer as minhas declarações.
Eu entendo que nós devemos trazer aqui as emendas que melhorem o projecto, temos obrigação de as trazer a uma sessão pública, para que o país saiba atribuir a quem compita as consequências, boas ou más, que daqui saírem, essas responsabilidades perante o país.
Eu não tenho culpa que se tenha feito uma péssima disposição constitucional e um Regimento que nos leva a más condições.
E devo declarar que não apresento emendas, sejam elas quais forem, senão em sessão pública. Daqui me não demovo.
Não quero de forma nenhuma estar a protelar a discussão da proposta e tenho-o provado.

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Diário das Sessões do Senado
Julgo que a maioria não me pode legitimamente fazer uma tal acusação. Se na verdade êste lado da Câmara quisesse demorar a discussão da presente proposta, nunca mais ela sairia daqui.
Felicito-mo por algumas das declarações do Sr. Ministro, das Finanças, como, por exemplo, aquela em que S. Ex.ª nos diz que procurará fazer a colocação do empréstimo pelas estações oficiais. Oxalá que isso lhe mio crie hostilidades por parte das casas bancárias. Confio em que S. Ex.ª procederá de modo a não criar hostilidades que seriam muito para recear.
Poderia ainda referir-me a outras afirmações feitas pelo Sr. Ministro das Finanças, mas, como elas são de ordem teórica, não o farei.
Não estou absolutamente de acôrdo com S. Ex.ª quanto às causas que nos têm levado à situação actual.
Parece-me que os elementos da confiança e da especulação são secundários, e que o elemento primacial e aquele contra o qual temos de partir em guerra é o desequilíbrio orçamental.
Quando nós dizemos que a situação cambial é que nos levou ao presente estado de cousas, não pomos bom a questão no devido pé; o desequilíbrio orçamental é que nos tem levado à inflação fiduciária o é contra êle que nós temos do fazer uma guerra implacável. Nesse ponto estou de acôrdo com o ilustre Senador Sr. D. Tomás de Vilhena e com o Sr. relator, em que temos de combater implacavelmente todos os aumentos de despesa, senão iramos para o fundo e ninguém nos poderá salvar.
O Sr. Herculano Galhardo: — O artigo 1.° da lei que reformou o artigo 13.° da Constituïção estabeleceu que, pelo § 4.° o projecto em discussão volte para as secções desde que seja admitida uma proposta do emenda.
O Sr. Augusto de Vasconcelos tem o direito de apresentar emendas em sessão plena. Mas dos de que S. Ex.ª afirmou que não desejava protelar a discussão do projecto, é preciso que digamos que a discussão fica protelada desde que se apresentem tais emendas, abstendo-se de as apresentar nas sessões.
Assim procedeu S. Ex.ª no sentido de uma maior publicidade.
Mas as sessões das secções se não são públicas também não são secretas. Podia assim o Sr. Senador ter apresentado em secção as suas emendas.
Não o fez, de modo que protelou a discussão.
Entra em discussão o artigo 2.°, que é aprovado.
Entra em discussão o artigo 3.°
O Sr. Augusto de Vasconcelos: — Mando para a Mesa a seguinte emenda:
O Govêrno poderá receber o produto do empréstimo de que trata êste artigo em libras esterlinas, ou em escudos, fixando-se para a segunda hipótese o câmbio da conversão pela média do câmbio sôbre Londres nos três meses anteriores ao dia em que se fizer esta fixação. — Augusto de Vasconcelos.
Entra em discussão o artigo 4.°
O Sr. Augusto de Vasconcelos: — E êste um dos artigos mais importantes.
Apesar do que diz o Sr. relator, a clareza do projecto não é das maiores.
Dêste modo êste artigo como está dá ao Govêrno uma autorização perigosa mas se fôr recolher notas e as fôr gastar?
é O que ô que sucede?
Sucede que não se alarga a circulação fiduciária mas vai-se criar uma inflação de títulos ouro, pior do que a inflação da moeda, porque os encargos são muito maiores.
Eu faço a justiça do acreditar que o Sr. Ministro das Finanças utilizará esta emissão de títulos para realizar uma política de deflação prudente e inteligente. Mas eu chamo a atenção do Senado para a faculdade que o Parlamento vai conferir a todos os Ministros das Finanças, que poderão porventura não ser tam capazes nem tam prudentes como o Sr. Vitorino Guimarães.
Se àmanhã isto suceder, V. Ex.ªs estão a ver o perigo tremendo dêste artigo 4.° E por isso que eu julgo do meu dever mandar para a Mesa uma emenda que limite precisamente o alcance dêste artigo, e que determine que as notas assim recolhidas sejam realmente queimadas.

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Sessão de 4 e 5 de Maio de 1923
A minha proposta é a seguinte:
Acrescentar o parágrafo seguinte: O produto da venda dos títulos, autorisado por este artigo, será integralmente aplicado ao resgate de notas em circulação sob a responsabilidade do Estado. — Augusto de Vasconcelos.
Assim não haverá perigo, pelo menos sob o ponto de vista legal, e quem violar a lei fica sujeito às penas comuns.
Agora temos o final do artigo. Alonguei-me a demonstrar a inconveniência de suprimir o fundo para amortização da dívida externa, e tive ocasião do provar que tinha sido o Sr. Vitorino Guimarães quem, perfilhando as ideas do Sr. Barros Queiroz, tinha criado êste fundo.
Eu julgo um mau serviço para o Estado ir suprimi-lo e desejo fazer ao Sr. Ministro das Finanças uma pregunta a que espero S. Ex.ª responderá.
Não fica bem claro das disposições dêste artigo se os cinco oitavos se continuam a cobrar.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães) (interrompendo). — Isso fica para o fundo novo.
O Orador: — V. Ex.ª sabe quanto isso é mau para o Estado.
Ficando êsse fundo a ser aplicado em divida externa nós continuamos a fazer a patriótica tentativa do nacionalizarmos a nossa dívida externa, para nos libertarmos de uma conversão que será detestável e que terá para as nossas finanças um efeito também detestável.
Quero também chamar a atenção do Senado para a seguinte circunstância:
Por esta proposta nós vamos entregar ao Sr. Ministro das Finanças nada menos que 2.200:000 libras.
Êste fundo a que me estou referindo representa 700:000 libras. A venda da prata calcula-a o relator da comissão da Câmara dos Deputados em 1.300:000 a 1.500:000.
Fica por conseguinte o Sr. Ministro das Finanças autorizado por esta lei a dispôr de, 2.200:000 libras.
Eu quero crer que o Sr. Ministro fará o melhor uso dêstes 2.200:000 libras, mas esta autorização não a damos apenas a v S. Ex.ª, damos aos futuros Ministros das
Finanças esta autorização, que é demasiadamente lata.
Disse S. Ex.ª: «eu não posso acreditar que venha para estas cadeiras quem não saiba honrar êste lugar e que pratique loucuras».
Infelizmente, eu podia citar exemplos, e S. Ex.ª conhece casos até muito recentes que me levam a supor que esta autorização não deixa de ser perigosa.
Há porém ainda um ponto de vista mais alto o que não se refere a pessoas.
É que nós quando fazemos as leis não queremos saber de pessoas.
O Parlamento quando faz uma lei tem de ser o mais cauteloso possível (apoiados da direita) para que ao Parlamento não possa nunca ser imputadas responsabilidades, per um êrro que um Ministro pratique ou por um abuso que cometa.
Nós tomos de prevenir êsses abusos o por conseqüência evitá-los.
É por isso que eu julgo mais prudente suprimir o final dêste artigo.
Os Ministros têm tendência para dispôr dos fundos do Estado, embora, eu faço-lhes essa justiça, com o intuito de lhes dar a aplicação que seja mais valiosa para os interêsses do Estado.
Eu julgo que o Sr. Vitorino Guimarães prestaria um bom serviço ao país se aceitasse a minha emenda eliminando as últimas palavras dêste artigo.
Mandarei por conseguinte para a Mesa a seguinte
Proposta de emenda
Artigo 4.°:
Eliminar as palavras «podendo também substituir por títulos do novo fundo consolidado de 6 1/2 por cento, em equivalência de juro, os títulos de dívida externa de 3 por cento, pertencentes ao fundo do amortização e reserva, criado pela lei n.° 404, de 9 de Setembro de 1915». — Augusto de Vasconcelos.
É lida a proposta de aditamento.
Foi admitida.
É lida a proposta de eliminação. Foi admitida.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Pedi a palavra para declarar que, tendo essas emendas de ir à secção respectiva e como eu terei de assistir à sua discussão nessa secção, será

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então o momento de eu dizer quais as razões que me levam a não as aceitar.
Por agora, quero-me apenas referir a uma afirmação do Sr. Augusto de Vasconcelos.
Eu devo dizer a S. Ex.ª que acho na verdade peregrina a teoria de se ficar muito preocupado, pelo facto de irem ficar à disposição do Ministro das Finanças 2.200:000 libras.
Sr. Presidente: a aceitar-se o critério expendido pelo ilustre Senador quási que não deve existir Ministro das Finanças, nem ninguêm, para dispôr dos dinheiros públicos, pois que o rendimento do Estado, cuja arrecadação é da competêndo Ministro das Finanças, é muito superior à verba mencionada nesta proposta. De maneira que não vejo qual seja a preocupação de S. Ex.ª Até vejo na opinião de S. Ex.ª uma contradição pois S. Ex.ª uma das razões porque segundo disse combatia o empréstimo é porque 4.000:000 libras não era nada, que era uma gota de água no oceano e S. Ex.ª aparece agora preocupado porque vão ficar à disposição do Govêrno 2.200:000 libras.
Creio que não há motivo para receios da parte de S. Ex.ª, porque têm passado pela pasta das Finanças pessoas que não mereciam a S. Ex.ª aquela confiança necessária e todavia êsses títulos continuam na posse do Estado e continuarão na posse do Estado.
O Sr. Augusto de Vasconcelos: — Sr. Presidente: parece-me que não me fiz compreender pelo Sr. Ministro das Finanças.
Eu não disse que me importava com o facto de ficar nas mãos do Sr. Ministro das Finanças a quantia de 2.200:000 libras, porque isso é uma gota de água no oceano.
O que eu disse é que receava que êsses 2.200:000 libras fôssem aplicados num num fim diverso da vontade do actual Ministro das Finanças.
Disse também S. Ex.ª que estes títulos que vão substituir os que estão no Banco de Portugal, da dívida externa de 3 por cento, são títulos ouro como os outros. " Peço perdão. São títulos ouro, mas podem ser pagos em escudos.
Veja V. Ex.ª a diferença que há entre uns e outros.
Ora os títulos da dívida externa têm consignação de rendimento que êstes não têm. De maneira que são títulos que hão-de ter sempre no mercado um valor superior.
Entra em discussão o artigo 5.° Aprovado.
Passa-se ao artigo 6.°
O Sr. Herculano Galhardo: — Requeiro que se dispensa a leitura dos artigos no acto de se porem em discussão.
Aprovado.
O Sr. Augusto de Vasconcelos: — Suponho que a alínea b) dêste artigo é bastante perigosa.
Diz-se no relatório:
Leu.
E preciso, pois, emendar.
Sabe-se qual é a intenção do Sr. Ministro, mas não é o que está escrito.
Assim, mando a seguinte proposta de substituïção:
- Substituir a alínea b) por:
b) O produto efectivo do empréstimo autorizado pelo artigo 3.° destina-se ao pagamento das despesas do Estado, não cobertos pelas receitas do ano económico de 1922-1923, mas o Govêrno é obrigado a amortizar os suprimentos que tiver utilizado por virtude da alínea anterior para o mesmo fim, em tanto quanto a soma do produto dos referidos empréstimos e suprimentos exceda a importância do deficit de 1922-1923, ficando o limite fixado na alínea a) reduzido da importância assim inutilizada. — Augusto de Vasconcelos.
O Sr. Herculano Galhardo: — Sr. Presidente: eu pedi a palavra sôbre o modo de votar, para chamar a atenção do Sr. Augusto de Vasconcelos para o facto de êste artigo já ter sido emendado na Câmara dos Deputados pelo seu relator, com a inclusão das palavras «no todo ou em parte».
O Sr. Augusto de Vasconcelos: — Mas, isso só não me satisfaz.
O Orador: — Eu julgava que havia só o intuito de corrigir, por isso fiz estas considerações, mas como há outro fim eu não faço mais considerações.
Foi admitida a proposta do Sr. Augusto de Vasconcelos.

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Foram lidos e aprovados sem discussão os artigos 7.° e 8.°
Foi pôsto à discussão o artigo 9.°
O Sr. Augusto de Vasconcelos: — Há um novo aumento da circulação fiduciária nêste artigo, que pode ir até 40:000 contos, e que eu julgo muito perigoso.
Vai entregar ao Estado a faculdade de fazer notas, o que só podia fazer o Banco de Portugal.
Passam a haver duas circulações: a das notas maiores, por conta do Banco de Portugal, outra a das notas de 1$ e $50, por conta do Estado.
V. Ex.ªs estão a ver, em primeiro lugar, a possibilidade — que é quási inevitável — de começarem a ser coladas de maneiras diferentes a circulação do Estado e a do Banco de Portugal, situação que tem os seus inconvenientes mais evidentes, e que podia ser mesmo perigosa para o crédito do Estado. Depois, a facilidade que os Governos poderão ter de usar da máquina que lhe é entregue, de fazer notas, é das mais temerosas para o país.
Eu achava melhor que esta disposição fôsse eliminada.
S. Ex.ª o Sr. Ministro disse há pouco que aqueles dois milhões eram uma gota de água no Oceano.
Pois bem, Sr. Ministro, estes 40:000 contos são uma gotícula.
Dispense S. Ex.ª esta faculdade, que é muito perigosa, é uma gota, mas é uma gota de um tóxico.
Mando para a Mesa a seguinte proposta de emenda ao artigo 9.°:
Eliminar as palavras: «com a faculdade de, em períodos transitórios, utilizar as notas existentes no Banco de Portugal dêsses mesmos valores» etc, (até o fim do artigo, sem as alíneas). — Augusto de Vasconcelos.
Foi lida na Mesa e admitida a proposta do Sr. Augusto de Vasconcelos.
Foi pôsto à discussão o artigo 10.°
O Sr. Augusto de Vasconcelos: — Sr. Presidente: tantas vezes me tenho referido a
êste artigo 10.° que acho que já é inútil dizer as vantagens da sua eliminação.
Essas vantagens dependem da aprovação, em grande parte, das emendas que eu mandei para a Mesa. Se essas emendas não forem aprovadas, o artigo 10.° constituirá o travão ligeiríssimo à faculdade com que o Govêrno fica de emitir títulos indefinidamente.
Até aqui, o travão para a inflação fiduciária era constituído pela necessidade de trazer ao Parlamento um projecto de contrato com o Banco de Portugal, projecto êsse que sofria larga discussão o que produzia uma grande impressão no país, porque era discutido largamente.
Por êste artigo, que eu atrás citei, pode-se fazer uma inflação de títulos indefinidamente, e isso é bom perigoso para o país, porque deixa-se de fazer a inflação fiduciária mas faz-se a emissão de valores que têm encargos superiores aos da inflação fiduciária.
O artigo 10.° constitui um pequeno travão.
O Sr. Herculano Galhardo: — Aí tem V. Ex.ª a razão por que eu disse que estava assombrado em V. Ex.ª o reprovar.
O Orador: — Não é motivo para assombro, é porque eu tenho nas mãos outra emenda, tenho um travão muito mais resistente do que êste. Proponho uma emenda que mando para a Mesa.
Mesmo que as minhas emendas não sejam aprovadas, e que se aprove o artigo 10.°, eu julgo-o insuficiente para evitar o aumento constante da emissão de títulos.
A proposta é a seguinte:
«Proposta de eliminação do artigo 10.º — Augusto de Vasconcelos.
Foi lida e admitida a proposta de eliminação ao artigo 10.°
Postos à discussão os artigos 11.°, 12.° e 13.°, foram aprovados.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é têrça-feira, 8 de Maio, à hora regimental. Está encerrada a sessão. Eram 18 horas e 20 minutos.
Os Redactores:
Albano da Cunha. Alberto Bramão.

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