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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
SESSÃO N.º 74
EM 4 E 5 DE AGOSTO DE 1923
Presidência do Exmo Sr. António Xavier Correia Barreto
Secretários os Exmo Srs.
João Manuel Pessanha Vaz das Neves
António Medeiros Franco
PRIMEIRA PARTE
Sumário. — Com a presença de 24 Srs. Senadores abriu a sessão. Procedeu-se à leitura da acta, que foi aprovada. Deu-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Ramos da Costa reclama o aproveitamento do edifício de Santa Engrácia para Panteão Nacional, como preceitua uma lei do pais.
O Sr. Herculano Galhardo protesta contra a demora na publicação do Diário das Sessões.
O Sr. Aragão e Brito requere a discussão do projecto de lei n.° 290, discordando o Sr. Galhardo do requerimento, que é rejeitado.
O Sr. Procópio de Freitas insta pela remessa de documentos que pediu pelo Ministério do Interior.
O Sr. Joaquim Crisóstomo reclama a presença do Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Silva Barreto troca explicações com o Sr. Ministro das Finanças acêrca duma nota oficiosa publicada nos jornais sôbre matriculas nas Escolas Primárias Superiores a crianças com idade inferior a dez anos.
O Sr. Augusto de Vasconcelos ocupa-se da demissão do director do Observatório Astronómico do Pôrto, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Instrução.
A requerimento do Sr. Medeiros Franco entra em discussão e é em seguida aprovado o projecto de lei n.° 188.
A requerimento do Sr. Vicente Ramos entra em discussão e é seguidamente aprovado o projecto de lei relativo aos honorários do Sr. Presidente da República.
A requerimento do Sr. Ramos da Costa entrou em discussão e é aprovado o projecto de lei n.º 483, relativo ao Asilo de Alcobaça.
O Sr. Vasco Marques troca explicações com o Sr. Ministro da Instrução acêrca da doutrina da parte oitava do projecto de remodelação do ensino.
O Sr. Joaquim Crisóstomo protesta contra o facto de se terem suspendido os exames no Liceu de Pedro Nunes.
Ordem do dia. — Na primeira parte da ordem do dia discute-se o projecto n.° 263, sôbre abastecimento de águas à cidade de Lisboa, tendo usado da palavra os Srs. Carlos Costa e Lima Alves.
Na segunda parte da ordem usaram da palavra sôbre o projecto de lei n.º 328 (lei do inquilinato} os Srs. Oriol Pena e Catanho de Meneses, que requereu a prorrogação da sessão até se votar o projecto na generalidade.
A requerimento do Sr. José Pontes entraram em discussão e foram seguidamente aprovados os projectos n.ºs 503 e 505 relativos aos mutilados da guerra.
Sôbre o modo de votar o requerimento do Sr. Catanho de Meneses, usaram da palavra os Srs. Xavier da Silva, Herculano Galhardo, Augusto de Vasconcelos, Tomás de Vilhena e Lima Alves.
O Sr. Presidente declarou que como as Câmaras, segundo a Constituição, se encerram no mesmo dia e como a Câmara dos Deputados funciona amanhã, interrompia a sessão até o dia 5.
Eram 19 horas e 20 minutos.
SEGUNDA PARTE
Reaberta a sessão e lido o expediente, o Sr. Augusto de Vasconcelos interroga a Mesa acêrca dos projectos que deverão ser discutidos.
Responde o Sr. Presidente.
Continua a discussão da proposta de lei n.° 328 (inquilinato).
Fala o Sr. Medeiros Franco.
Foi aprovada a generalidade do projecto, baixando à secção conforme deliberação anteriormente tomada.
O Sr. Carlos Costa pregunta se podem introduzir-se emendas no projecto quando êste voltar à sessão plena.
Sôbre o assunto falam os Srs. Herculano Galhardo e Afonso de Lemos.
Lê-se a proposta de lei n.° 121 (União dos Viticultores de Portugal).
Fala o Sr. Herculano Galhardo.
Foi rejeitada a proposta na generalidade.
Entrou em discussão a proposta de lei n.º 492 (antiguidade dum oficial do exército).
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Diário das Sessões do Senado
Fala o Sr. Pereira Gil.
Foi aprovada a proposta, na generalidade e na especialidade, sendo dispensada a última redacção.
Seguem-se na discussão o projecto de lei n,º 26 e alterações {alistamento no exército de alunos de cursos superiores).
Falam os Srs. Aragão e Brito, Herculano Galhardo e Medeiros Franco.
Foi aprovado na generalidade e na especialidade, sendo dispensada a última redacção.
Entra em discussão a proposta de lei n.° 506 (admissão de aspirantes de marinha).
Falam os Srs. Aragão e Brito, Artur Costa, Procópio de Freitas, Ferreira de Si mas, Ministro da Agricultura (Fontoura da Costa), José Pontes, Costa Júnior, Medeiros Franco.
Foi aprovada a proposta e dispensada a última, redacção.
Enceriou-se a sessão.
Abertura da sessão às 15 horas.
Presentes à chamada 24 Srs. Senadores.
Entraram durante a sessão 22 Srs. Senadores.
Faltaram à chamada 24 Srs. Senadores.
Srs. Senadores presentes à chamada:
Abílio de Lobão Soeiro.
Álvaro António Bulhão Pato.
António Alves de Oliveira Júnior.
António Maria da Silva Barreto.
António de Medeiros Franco.
António Xavier Correia Barreto.
Artur Augusto da Costa.
Artur Octávio do Rêgo Chagas.
César Justino de Lima Alves.
César Procópio de Freitas.
Constantino José dos Santos.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Francisco António de Paula.
Francisco José Pereira.
Francisco Vicente Ramos.
Herculano Jorge Galhardo.
João Manuel Pessanha Vaz das Neves.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
Joaquim Xavier Figueiredo Oriol Pena.
José Duarte Dias de Andrade.
Luís Augusto de Aragão e Brito.
Rodrigo Guerra Alvares Cabral.
Silvestre Falcão.
Entraram durante a sessão 08 Srs.:
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Alfredo Narciso Marçal Martins Portugal.
António Gomes de Sousa Varela.
Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.
Augusto de Vera Cruz.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Frederico António Ferreira de Simas.
João Catanho de Meneses.
João Carlos da Costa.
Joaquim Teixeira da Silva.
Jorge Frederico Velez Caroço.
José Augusto de Sequeira.
José Joaquim Fernandes Pontes.
José Mendes dos Reis.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Manuel Gaspar de Lemos.
Nicolau Mesquita.
Raimundo Enes Meira.
Ricardo Pais Gomes.
Rodolfo Xavier da Silva.
Tomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.)
Vasco Gonçalves Marques.
Srs. Senadores que não compareceram:
Aníbal Augusto Ramos de Miranda.
António da Costa Godinho do Amaral.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
Duarte Clodomir Patten de Sá Viana.
Ernesto Júlio Navarro.
Francisco Xavier Anacleto da Silva.
João Alpoim Borges do Canto.
João Maria da Cunha Barbosa.
João Trigo Motinho.
Joaquim Manuel dos Santos Garcia.
José António da Costa Júnior.
José Augusto Ribeiro de Melo.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Joaquim Pereira Osório.
José Machado Serpa..
José Nepomuceno Fernandes Brás.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Júlio Ernesto de Lima Duque.
Luís Augusto Simões de Almeida.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Querubim da Rocha Vale Guimarães.
Roberto da Cunha Baptista.
Vasco Crispiniano da Silva.
Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
PRIMEIRA PARTE
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.
Fez-se a chamada.
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Sessão de 4 e 5 de Agosto de 1923
O Sr. Presidente: — Estão presentes 24 Srs. Senadores.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 10 minutos.
Vai ler-se a acta.
Leu-se.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a acta.
Como ninguém pede a palavra, considera-se aprovada.
Vai ler-se o
Expediente
Telegramas
Dos viticultores do Funchal, protestando contra criação nova marca Lisboa.
Para a Secretaria.
Da Junta Geral do Funchal, protestando contra criação nova marca Lisboa.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal da Madeira, protestando contra nova marca de vinhos Lisboa.
Para a Secretaria.
Do Clube Casa Pia de Lisboa, agradecendo ao Senado a aprovação projecto lei que auxilia os clubes.
Para a Secretaria.
Ofícios
Da Associação Naval de Lisboa, agradecendo ao Senado a aprovação da proposta de lei que beneficia os clubes Sports.
Para a Secretaria.
Da firma J. J. Fernandes & C.ª (Laboratório Farmacêutico), sôbre a lei do inquilinato.
Para a 2.ª secção.
Proposta
Do presidente da comissão de legislação, solicitando a cooperação do segundo oficial José Maria Parreira para os trabalhos da comissão de legislação, durante o interregno parlamentar.
Para a Secretaria para satisfazer.
Projectos de lei
Do Sr. Santos Garcia, em que é extensiva à Junta Geral do distrito de Evora a autorização consignada no § 1.° do artigo 1.° da lei n.° 1:453, de 26 de Julho
de 1921.
Para a 2.ª secção.
Do Sr. Santos Garcia, revertendo a favor do fundo especial a que se refere o § único do artigo 47.° da lei n.° 15, de 7 de Julho de 1913, a quarta parte das importâncias cobradas pelas câmaras das licenças de caça.
Para a 2.ª secção.
Do Sr. Santos Garcia, sôbre provimento de terceiros oficiais do Ministério da Agricultura.
Para a 1.ª secção.
Substituição
Comissão do Orçamento:
Para o Sr. Aragão e Brito substituir o Sr. José Joaquim Fernandes de Almeida emquanto durar o seu impedimento de assistir às sessões. — Costa Júnior.
Aprovado.
Requerimentos
Estando a proposta de lei n.° 359-B, aprovada pelo Senado, ao abrigo do disposto no artigo 32.° da Constituição Política da República Portuguesa, requeiro que ela seja promulgada nos precisos termos do referido artigo 12.° — Joaquim Crisóstomo.
Para a Secretaria.
Requeiro que ao abrigo do artigo 12.° da Constituição seja promulgada como lei da República o projecto de lei n.° 260, aprovado pelo Senado na legislatura de 1919-1920 e enviado à Câmara dos Deputados em 30 de Novembro de 1920 e que esta mesma discutiu. — José Joaquim Fernandes Pontes.
Para a Secretaria.
Comissão nomeada para cumprir a deliberação da comissão de finanças referente às melhorias de vencimentos:
Vasco Marques.
Vicente Ramos.
Silva Barreto.
Ferreira de Simas.
Carlos Costa.
Alves de Oliveira.
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Diário das Sessões do Senado
Antes da ordem do dia
O Sr. Ramos da Costa: — Sr. Presidente: mais uma vez vou pedir a V. Ex.ª que lembre aos Srs. Ministros da Guerra e do Comércio que dêem as providências necessárias para ser entregue ao Ministério do Comércio e Comunicações o edifício de Santa Engrácia, como ordena a lei de 20 de Abril de 1916.
Já me enfada falar neste assunto, já causa chamar a atenção dos poderes constituídos para o cumprimento da lei, mas peço mais uma vez a V. Ex.ª para insistir no cumprimento da lei, porque mais de uma vez se tem manifestado a necessidade de existir entre nós um panteão nacional.
O Parlamento determinou qual o edifício destinado a êsse fim, mas os governos não têm feito caso absolutamente nenhum da lei, fazendo com que se dêem factos como o que outro dia se deu com a morto do ilustre poeta Guerra Junqueiro, em que, apesar da lei destinar a sala do Capítulo dos Jerónimos unicamente para o grande Alexandre Herculano, teve o seu corpo de ali ser colocado por não haver panteão.
Eu protesto na qualidade de Senador da República Portuguesa contra o desmazêlo das autoridades que não comprem com os seus deveres.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Transmitirei aos Srs. Ministros da Guerra o do Comércio e Comunicações as considerações do V. Ex.ª.
O Sr. Herculano Galhardo: — Sr. Presidente: é para pedir a V. Ex.ª o favor de me informar sôbre se a comissão administrativa já tomou alguma deliberação a respeito do atraso em que se encontra o Diário das Câmaras.
Sr. Presidente: ontem nesta casa do Parlamento fiz um requerimento que pouco depois tive que pedir licença para retirar.
Não tenho maneira nenhuma, como Senador, de mostrar a todos o que aqui se passa, mas estou responsável pelo que diz a imprensa, isto é, que a Mesa o rejeitou.
Isto demonstra que eu sou particularmente infeliz com o que a imprensa diz quando se refere a mim, apesar de ter sido eu, como Ministro, que arranjei com que os representantes da imprensa tivessem aqui um lugar condigno, para que aquilo que aqui se passasse fôsse reproduzido fielmente.
Uma folha importantíssima da manhã traz o seguinte: que eu requeri que fôsse suspensa a discussão do projecto das águas e entrasse em discussão o projecto dos vinicultores; quando eu apenas queria que êste projecto figurasse hoje na ordem do dia.
Nós podemos com as responsabilidades que tomamos, mas não é justo que todos os que lerem esta notícia fiquem com a impressão que eu tentei prejudicar a discussão da lei do inquilinato.
Era bom que a comissão administrativa fizesse alguma cousa acêrca do Diária das Câmaras, que não pode continuar com o atraso de um ano.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Como V. Ex.ª sabe há três anos a comissão administrativa apresentou um projecto de lei para que se criasse uma tipografia no Congresso, porque então já se tinha a certeza que a Imprensa Nacional não podia dar senão com grande atraso o Diário das Câmaras.
Êsse projecto de lei não foi tomado em consideração, o depois disso já êste ano a comissão administrativa fez todas as diligências para que emprêsas particulares ou tipografias do Estado se encarregassem da impressão do Diário das Câmaras.
Nenhuma o quis imprimir.
Nenhuma se quis incumbir dêsses impressos.
Para essa despesa, que nessa época importava em 120 contos, estava a comissão administrativa habilitada.
Hoje, nem com 1:500 contos isso se faz e a comissão administrativa não dispõe desse dinheiro.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Herculano Galhardo: — Então continuaremos a ter o Diário das Câmaras com um atraso da mais de um ano, o que muito concorre para o desprestígio das instituições parlamentares.
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O Sr. Aragão e Brito: — Requeiro a V. Ex.ª que consulte o Senado sôbre se permite, que sem prejuízo dos oradores inscritos e a inscrever, entre em discussão antes da ordem do dia o projecto de lei n.° 290, relativo à junta autónoma do pôrto de Esposende.
O Sr. Herculano Galhardo: — Quando formulei o meu requerimento, supus que nenhuma deliberação seria tornada relativamente à votação de projectos antes da ordem do dia, que ficava unicamente reservada para os Srs. Senadores exercerem a fiscalização dos actos do Govêrno, como lhes compete.
Se assim não fôsse, tinha procedido doutra forma.
Por isso é que se dividiu a ordem do dia em duas partes. Se agora se vai proceder em sentido contrário, nunca ninguém se entende.
O orador não reviu.
É rejeitado o requerimento do Sr. Aragão e Brito.
O Sr. Procópio de Freitas: — Pedi há tempo que fôsse presente ao Sr. Ministro do Interior uma reclamação acêrca de um pedido para consultar, no respectivo Ministério, um processo. Até hoje ainda me não foi satisfeito êsse pedido.
O Sr. Presidente: — Êsse pedido foi expedido em 22 de Junho e instado em 27 do mês passado.
O Sr. Joaquim Crisóstomo: — No fim da sessão passada pedi a V. Ex.ª que instasse com o Sr. Ministro das Finanças para vir aqui hoje responder a umas preguntas que desejo fazer-lhe. Caso V. Ex.ª não o tenha prevenido, peço para o fazer agora.
O Sr. Presidente: — Já mandei fazer a prevenção.
O Sr. Silva Barreto: — Peço a palavra para quando esteja presente o Sr. Ministro da Instrução. Fiquei hoje surpreendido com uma notícia que, quero ainda crer, não terá foros de veracidade.
Dizem os jornais, em nota oficiosa, que vai ser publicado um decreto permitindo a matrícula nas escolas primárias superiores a crianças que tenham dez anos
completos ou a completar em 31 de Dezembro próximo.
Ninguém pode compreender que uma criança dessa idade se possa matricular numa escola cujos programas estão organizados para crianças de doze anos.
E não será provável que o novo regime do ensino seja adoptado no próximo ano, de forma a ficarem as escolas primárias superiores com programas equivalentes aos cinco anos dos liceus.
Se uma medida dessas fôsse decretada, o Parlamento teria evidentemente que se manifestar contra ela, ou teríamos que admitir que uma criança de dez anos está apta a adquirir conhecimentos que nos liceus se distribuem por um curso de cinco anos e são ministrados a crianças de dez a quinze anos.
Ninguém de boa fé, repito, mesmo que seja ignorante nestas cousas triviais de instrução, pode admitir de um modo geral que uma criança de dez anos esteja apta a adquirir conhecimentos destinados a crianças de doze a quinze anos.
Seria para mim uma desilusão que fôsse o Sr. Ministro da Instrução, o Sr. João Camoesas, quem autorizasse a publicação de um decreto desta natureza, êle que é o autor duma projectada reforma que a todos se impõe pelo seu valor e que certamente vai revolucionar o ensino, que no meu entender deve constituir um todo harmónico, com as respectivas interpretações, não esquecendo jamais o aspecto prático e experimental do ensino primário e de parte do secundário, abandonando-se de vez o ensino livresco, que tam mal nos tem feito.
Não pode ser, Sr. Presidente visto o decreto a que me estou referindo representar a negação formal da obra do Sr. João Camoesas.
Se me fôsse possível neste momento ler parte dêsses programas, V. Ex.ª estou certo, diria:
«As escolas onde se ministram tais conhecimentos a crianças de dez anos são verdadeiras universidades».
Espero, pois, que o Sr. Ministro da Instrução me dará o prazer de declarar que não tem fundamento uma tal notícia, com todo o carácter de nota oficiosa do Ministério da Instrução.
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E já que estou no uso da palavra, peço a S. Ex.ª o favor de dizer ao Senado o que há com respeito ao inquérito ao Ministério da Instrução, inquérito que S. Ex.ª prometeu mandar prosseguir.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas): — Sr. Presidente: eu não mandei lavrar decreto algum sôbre o assunto a que e referiu o Sr. Silva Barreto.
Mandei simplesmente estudar todas as reclamações, e como naturalmente existem muitas, lógico é que elas sejam devidamente ponderadas.
Trata-se do uma medida de carácter geral, ou seja o estudo de todas as reclamações que chegaram ao Ministério alem de me habilitar nestes dois meses de férias, dentro das leis e regulamentos, a organizar um conjunto de providências de forma a que justiça seja feita.
Não mandei lavrar decreto nenhum, nem a êsse respeito nem sôbre qualquer outro assunto.
Quanto ao inquérito a fazer ao Ministério de Instrução, o assunto foi pôsto de maneira que não existe nêsse Ministério nenhum funcionário com categoria Bastante para dirigir o mesmo inquérito, sendo portanto necessário ir procurar fora um funcionário devidamente idoneo e com a precisa categoria para desempenhar tal missão.
Até agora foram baldados todos os meus esforços para encontrar o funcionário preciso, mas espero resolver esta dificuldade.
O orador não reviu.
O Sr. Silva Barreto: — Folgo imenso em fazer justiça às intenções e declarações do Sr. Ministro de Instrução em matéria de instrução pública, e folgo igualmente com a declaração categórica de S. Ex.ª de que não mandou lavrar decreto nenhum sôbre o assunto a que me referi. Mas se S. Ex.ª me permite eu observo-lhe que esteja em guarda, contra aquelas criaturas que têm por fim servir os seus interêsses com prejuízo do ensino em geral, ¡Pelo Ministério de Instrução conseguem se sempre realizar aspirações e desejos que são a negação de tudo que seja o bem da instrução pública! Oxalá esta tradição seja quebrada de vez e especialmente emquanto estiver no Ministério o Sr. João Camoesas.
Quanto ao inquérito, já esperava a declaração de S. Ex.ª, porquanto no Ministério de Instrução não há de facto nenhum funcionário com a idoneidade suficiente, não digo de carácter, para o realizar, porque todos êles foram mais ou menos atingidos pela minha interpelação, os de categoria superior, directores gerais e alguns chefes de repartição.
É todavia para lamentar que S. Ex.ª o Ministro da Instrução, ainda não tenha conseguido consultar aquela prometida individualidade que a todos ofereça garantias de seriedade no trabalho a encetar. De lamentar e estranhar. Se as acusações são tam claras, tam concretas...
Mas os funcionários visados é que senão resolvem a licencear-se voluntariamente...
O orador não reviu.
O Sr. Augusto de Vasconcelos: — Agradeço ao Sr. Ministro da Instrução a fineza de vir aqui para tratar do um assunto a que já me referi, há tempo, e que tem realmente importância.
Eu sei que o Sr. Ministro da Instrução tem procurado demonstrar que toma a sério o seu lugar, e que com boa vontade e dedicação tem agido no sentido de ser justo e equitativo. Além disso S. Ex.ª apresentou um trabalho de reforma dos serviços de instrução, trabalho que honra a sua iniciativa e que representa um passo notável na reorganização do nosso ensino em bases modernas e do acôrdo com os bons princípios scientíficos.
Por conseguinte, eu não sou suspeito, visto que acabo de reconhecer em V. Ex.ª estas qualidades, dizendo que me admiro que V. Ex.ª não tenha ainda resolvido o assunto a que me vou referir, por isso que eu lho comuniquei, parece-me que logo no dia seguinte ao da posse do seu lugar do Ministro da Instrução.
Trata-se dum professor da Faculdade de Sciênscas do Pôrto, que foi demitido em condições tam excepcionais que merece realmente que V. Ex.ª repare na profunda injustiça que se cometeu.
O professor em questão foi nomeado para dirigir o Observatório que se encontrava em plena anarquia,. Reconheceu êle
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êsse estado de cousas, e por tal forma viu que aquele serviço corria mal, que a primeira cousa que fez foi pedir uma sindicância ao mesmo serviço.
Evidentemente que a êle, que nessa altura tinha sido nomeado, responsabilidade alguma cabia pelos factos passados.
Nomearam se os sindicantes. Seguiram as cousas os seus trâmites mais ou menos confusos, e reconhecendo-se que havia irregularidades, demitiu-se o professor que tinha pedido a sindicância.
Isto é uma monstruosidade sem nome.
A Faculdade de Sciências do Pôrto protestou contra o facto, reclamou que o professor voltasse para o seu lugar; mas, em vez disso, foi-se buscar para exercer êsse lugar um oficial de cavalaria que exercia não sei que funções num estabelecimento de ensino do Pôrto e que foi substituir aquele que a Faculdade tinha achado competente para o exercício do cargo.
A Faculdade pretendeu demonstrar que um observatório não era positivamente um picadeiro, e que, por conseguinte, um oficial de cavalaria, podendo ter brilhantes qualidades para militar, para equitador, não as tinha para director do Observatório.
Mas o certo é que o ilustre oficial continua a cavalgar o Observatório da Faculdade do Sciências do Pôrto e o professor que foi injustamente esbulhado do seu lugar continua fora.
Eu chamo de novo a atenção de V. Ex.ª para o caso, não deixando de lhe dizer que há no mesmo um elemento pernicioso que V. Ex.ª precisa afastar: a política, a baixa política.
Quando eu tratei do assunto com o antecessor de V. Ex.ª tive a delicadeza de dizer a S. Ex.ª que esperava que êle se pusesse acima da baixa política partidária e que fizesse justiça; mas S. Ex.ª em vez de se pôr a cima meteu-se dentro dela e foi nêsse sentido que orientou toda a sua acção e toda a perseguição que se tem movido a êste professor.
Agora não é por delicadeza, é por convicção: espero que V. Ex.ª se porá acima destas baixas e reles questiúnculas e fará a êsse professor a justiça que lhe é devida.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas): — Pedi a palavra, Sr. Presidente, para em primeiro lugar agradecer ao Sr. Silva Barreto as agradáveis referências que me fez.
Quanto ao insucesso no encontro duma pessoa para fazer o inquérito ao Ministério da Instrução, devo dizer que estou convencido de que as razões não serão as apontadas por S. Ex.ª, mas outras, certamente, de ordem diversa.
Não obstante tratar-se dum assunto do meu Ministério, desde o princípio que não me quero meter nele, nem contra, nem a favor.
Nem defendo nem ataco. Limito-me, como Ministro, a procurar ser sempre o mais possível justo. E como preciso de ter um objectivo directo ou indirecto dos factos, o que não posso é dizer que estou de acôrdo com o Sr. Silva Barreto ou com outra qualquer pessoa.
É uma questão em que estou convencido que há um fundo de justiça, embora não tenha elementos para o poder afirmar.
O que eu quero acentuar é que me mantenho absolutamente alheio à resolução do assunto; não sou nem pró nem contra.
Para fazer essa sindicância não serve qualquer pessoa; tem de ser um funcionário dos mais categorizados, para mais facilmente se poder adaptar a essas funções.
São estas as explicações que eu devia dar como Ministro.
Com relação ao Sr. Augusto de Vasconcelos também tenho de agradecer a S. Ex.ª as palavras que me dirigiu.
Sou uma pessoa franca, de uma franqueza talvez atrevida por vezes, mas devo confessar que há um fundo de justiça nas palavras de S. Ex.ª
Realmente, no trabalho que fizemos pusemos todo o empenho e cuidado, e essa circunstância fez com que a proposta de lei trazida ao Parlamento fôsse efectivamente da categoria em que foi colocada pelo Sr. Augusto de Vasconcelos.
É claro que nós não imaginamos que trouxemos a última palavra, porque, tratando--se da formação de um problema tam complexo como é o da educação nacional, indubitávelmente que há pontos susceptíveis de discussão; mas partimos
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do princípio scientífico de que o nosso sentido de observação é sempre susceptível de defeitos e que o critério é sempre uma cousa a considerar. E tanto assim que formos arrancar ao corpo da Nação a experiência que ela nos podia dar para acabar com certas dificuldades e imperfeições que o nosso trabalho poderia apresentar.
Evidentemente que estamos convencidos de que o Congresso da República, aprovando a proposta de lei que eu tive a honra de apresentar à sua apreciação, prestará um alto serviço ao país e terá inaugurado, em matéria de educação, um período de actividade inteiramente novo, ao contrário do que tantas vezes sucedeu, o que não quere dizer que nada se tivesse feito neste sentido, na monarquia e mesmo na República, e que já está produzindo os seus resultados.
Assim, verifica-se que no nosso professorado primário haja um conjunto de valores que são susceptíveis de ter uma atitude desapaixonada e serena no problema da reforma do ensino.
Quem conheceu o que era o ensino superior em 1910 sabe o extraordinário desenvolvimento que êle tem tido.
Mas o que a S. Ex.ª interessa mais neste momento é a questão do director do observatório astronómico. Trata-se de um assunto perfeitamente fechado e, se não fôssem as considerações de S. Ex.ª, a questão estava definitivamente arrumada.
O Sr. Augusto de Vasconcelos: — Injustamente arrumada.
O Orador: — O processo respectivo correu os seus termos. Ainda não tive ocasião de fazer o meu estudo sôbre êle, mas hei-de fazê-lo. Recebi, além da reclamação de V. Ex.ª, outras reclamações pró e contra.
Estou absolutamente convencido de que houve de tudo um pouco nesta questão, desde a pequena intriga até a questão política, como creio que houve também um certo nervosismo.
Mas o que é certo é que em determidada altura houve um conselho disciplinar, que obrigou o Ministro a pronunciar-se desfavoràvelmente contra o professor. A questão seguiu os seus termos.
Eu não conheço pessoalmente a pessoa ùltimamente nomeada, mas sei que, embora oficial de cavalaria, serviu durante bastante tempo na praça de Elvas. E um militar distintíssimo, um espírito brilhante, instruidissimo, ventilando com a máxima serenidade variados e complicados assuntos. É uma intelectualidade superior; e, segundo me afirma o reitor da Universidade, tem conseguido fazer uma direcção distinta nos seus trabalhos e funções.
Vou estudar o assunto cuidadosamente e, se tiver de intervir, seja contra quem fôr, mesmo contra correligionários meus que não estejam dentro da lei, eu intervirei e farei justiça.
O orador não reviu.
O Sr. Augusto de Vasconcelos: — Limito-me a agradecer ao Sr. Ministro da Instrução as suas explicações e as palavras amáveis que pessoalmente me dirigiu.
Faço notar a S. Ex.ª que o conselho disciplinar foi, parcialmente pelo menos, favorável ao professor e se o não foi completamente foi por haver da parte do reitor um pouco de irritação.
Sendo o conselho disciplinar favorável, o resultado foi a demissão! Que tremenda injustiça!
Casos dêstes não podem ser sancionados por um Ministro da República.
O orador não reviu.
O Sr. Medeiros Franco: — Requeiro a V. Ex.ª que consulte o Senado sôbre se permite que, sem prejuízo de outros já indicados, entre em discussão o projecto de lei n.° 188, que sofreu uma pequena emenda, ao abrigo do § 1.° do artigo 89.° do Regimento.
O Senado permitia.
O Sr. Vicente Ramos: — Deve estar na Mesa uma proposta de lei, vinda da outra Câmara, fixando o subsídio do Sr. Presidente da República. É disposição constitucional que êsse subsídio se fixe antes da posse do novo Presidente.
Requeiro, por isso, a V. Ex.ª que consulte o Senado sôbre se consente que essa proposta de lei seja discutida imediatamente àquela a que se referiu o Sr. Medeiros Franco.
O Senado permitiu.
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O Sr. Ramos da Costa: — Faço idêntico requerimento quanto ao projecto de lei n.° 483.
Foi aprovado.
O Sr. Vasco Marques: — Sucessivas reclamações têm chegado até mim, em virtude de uma das disposições contidas na proposta de lei, destinada a reorganizar a educação nacional.
Chamo, por isso, a atenção do Sr. Ministro da Instrução para as ligeiras considerações que vou fazer, certo de que S. Ex.ª, verificando a justiça que assiste aos madeirenses, será o primeiro a modificar a parte da sua proposta de lei reputada injusta.
Na base 8.ª da proposta do Ministro da Instrução, diz-se que a instrução secundária é ministrada pelos liceus em dois cursos: o curso geral, que é de quatro anos, e o curso especial. E diz-se mais que o curso geral será ministrado em todos os liceus do país, e o especial apenas nos de Lisboa e Pôrto.
As considerações que precedem esta proposta dizem que o número de liceus com o curso complementar é excessivo, o que em muitos dêstes a população escolar é pequena, não havendo possibilidade de os dotar convenientemente, para realizarem a sua missão.
Eu não contesto que esta parte do relatório seja verdadeira para muitos dos liceus centrais que hoje existem no país, mas não se pode aplicar o caso ao Funchal, excepto na parte que diz que não tem sido suficientemente dotado, porque então a culpa é apenas do poder central.
O Liceu do Funchal é um dos mais frequentados do país, teve sempre a regalia de liceu central, saindo dali os alunos habilitados para os cursos superiores.
A população da Madeira é de 200:000 almas, e é um dos distritos que mais concorrem para o Tesouro Público, e basta dizer, Sr. Presidente — e disso todos nos orgulhamos — que as nossas importações representam apenas? das nossas exportações, o que quero dizer que por cada 1:000 libras que importamos exportamos o mínimo de 3:000.
Evidentemente que se sucedesse o mesmo em todo o país a desvalorização do escudo não era aquela que infelizmente hoje se verifica.
É certo, Sr. Presidente, que o Liceu do Funchal se encontra pessimamente instalado; é certo que o edifício representa uma autêntica vergonha para o país, mas V. Ex.ª, Sr. Presidente, sabe-o muito bem e sabem-no muitos dos meus colegas; eu já tenho aqui apresentado em sessões transactas as minhas reclamações a êste respeito, que aliás nunca foram atendidas (o que significa que as dotações para construções escolares têm sido distribuídas com frequentes injustiças, dando-se para umas terras e negando-se para outras por completo o mais fundamental auxílio).
O Liceu do Funchal hoje encontra-se com o material de ensino ainda insuficiente; mas a verdade é que os corpos administrativos locais tem concedido sucessivamente verbas no sentido de dotar aquele estabelecimento com o indispensável, suprindo assim aquilo que o Estado se tem negado a fazer.
Eu não sei mesmo se esta regalia que o Sr. Ministro quere tirar ao Funchal não é da mais perfeita injustiça, neste tempo em que as viagens custam quantias quási fabulosas.
Se antes da guerra se podia viajar em navios explêndidos, como os navios ingleses da Booth Line, pagando uma passagem de ida e volta em 1.ª classe, válida por seis meses, por £ 7, 60 e tal mil réis, hoje uma simples passagem, ida ou volta, no pior dos vapores portugueses, custa 470$.
Eu pregunto, Sr. Presidente, se nestas circunstâncias é justo privar o Funchal duma regalia que goza há muitíssimos anos e se é possível que venham muitos alunos habilitar-se a Lisboa, Pôrto ou Coimbra.
Chamo, portanto, a atenção do Sr. Ministro da Instrução para o assunto a que me acabo de referir, certo de que S. Ex.ª será o primeiro a propor a necessária modificação à base 8.ª
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas): — Pedi a palavra, Sr. Presidente, para responder às considerações do Sr. Vasco Marques a propósito de questões de ensino no arquipélago da Madeira.
De facto, várias reclamações têm sur-
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gido, mas a meu ver não têm razão de ser.
Deu-se a designação de curso especial dos liceus a um curso preparatório para as escolas superiores, que permite tornar os cursos profissionais das escolas superiores mais intensivo, mais profissional, mais de aplicação, e que, por consequência, só pode ser ministrado naquelas localidades onde existem os instrumentos scientíficos apropriados para que os mesmos cursos não resultem uma blague.
De resto, exactamente porque reconheço o papel importantíssimo que pela sua excepcional situação geográfica desempenham os dois arquipélagos — os Açores e a Madeira — eles foram tratados duma maneira muito especial na proposta que apresentei ao Parlamento.
Eu tenho neste momento no arquipélago da Madeira um funcionário muito competente do meu Ministério com instruções para fazer um inquérito ao estado do ensino no mesmo arquipélago.
Os Açores, se eu me conservar no actual Govêrno, desejarei eu mesmo visitá-los para colher os elementos precisos sôbre as condições em que ali se encontra o ensino.
Aqui tem V. Ex.ª, resumidamente, a maneira especial como eu pretendo favorecer os arquipélagos.
Poderia ainda desenvolver um pouco mais as minhas ideas a respeito dêste assunto, mas como são horas de entrar na ordem do dia limito por aqui as minhas considerações.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Marques: — Sr. Presidente: lamento que tenha de se entrar imediatamente na ordem do dia, porque a resposta dada pelo Sr. Ministro da Instrução prestava se realmente a considerações muito interessantes. Mas eu resumirei em poucas palavras aquilo que tenho a dizer.
Os argumentos apresentados por S. Ex.ª não me convenceram.
Entendo S. Ex.ª que o arquipélago ficará favorecido, porque tendo o curso geral como todas as terras do país onde há o liceu, não tem que se queixar, visto haver igualdade do tratamento.
Mas, mais, estabelecerá o internato para alunos do sexo masculino e feminino e, perante essa oferenda de S. Ex.ª, nós, como ilhéus, devemos render-lhe agradecimentos e confessar que a projectada reforma de educação nacional nos é extraordinàriamente vantajosa. Ora eu devo dizer a S. Ex.ª que não duvido das suas boas intenções, que acredito na sinceridade das suas palavras, mas contrariamente não acredito que se estabeleça tal internato.
Mas, Sr. Presidente, afigura-se-me que aquilo que o Estado vai gastar com os internatos era mais simples aplicá-lo nos estabelecimentos do curso especial de maneira que ficasse dotado o Funchal com tudo o que fôsse necessário para êsse curso, estando os alunos fora da terra e da família pelo menos três anos.
Não vejo vantagem para o Tesouro no estabelecimento dos internatos que vão custar ao Estado mais dinheiro do que o curso especial e estou mesmo convencido de que, a pretender S. Ex.ª fazer vingar o seu critério, nós ficaremos certamente sem o internato e sem o liceu. Para averiguar das necessidades do Funchal basta que S. Ex.ª envie àquela cidade um funcionário distinto do seu Ministério.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas): — Ao defender a adaptação dos sanatórios da Madeira a estabelecimentos de instrução o de outros interêsses públicos, evidentemente me mostrava contrário à sua aplicação a casas de jôgo.
Fez o Sr. Vasco Marques umas referencias meramente doutrinárias.
Quanto a considerações doutrinárias em defesa dos meus pontos de vista, em ocasião oportuna hei-de falar largamente sôbre o assunto e me referirei à instrução na Madeira.
O orador não reviu.
O Sr. Joaquim Crisóstomo: — Sr. Presidente: pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro da Instrução a fim de lhe dar conhecimento da suspensão dos exames, no Liceu Pedro Nunes, sem motivo justificado.
Espero que V. Ex.ª, Sr. Presidente, comunicará ao referido Ministro o mencionado facto, a fim de serem tomadas as providências que o caso reclama.
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Não se compreende que aos professores, por conveniências particulares, seja permitido interromper os trabalhos escolares, com prejuízo dos estudantes. Os pais de alguns têm-se-me dirigido no intuito de eu ser intérprete das suas reclamações junto das entidades competentes. Satisfazendo aos seus pedidos manifestamente justos, nada mais faço do que prestar um serviço à causa do ensino.
Tenho dito.
ORDEM DO DIA
Entram em discussão as emendas introduzidas no projecto de lei n.° 188.
São aprovadas.
São as seguintes:
Artigo 1.° São isentos de direitos aduaneiros e de quaisquer impostos o material e instrumentos cirúrgicos e os aparelhos e material radiológico a importar do estrangeiro, e destinados respectivamente ao Hospital da Santa Casa da Misericórdia e ao Gabinete do Radiologia do Instituto de Radiologia de Ponta Delgada.
Art. 2.° Nos termos do artigo anterior serão liquidados os bilhetes do despacho existentes na Alfândega de Ponta Delgada, respeitantes a material e instrumentos cirúrgicos, aparelhos e material radiológico importados do estrangeiro e destinados ao Hospital e Gabinete de Radiologia a que se refere o mesmo artigo.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.
Palácio do Congresso da República, 4 de Agosto de 1923. — Alberto Ferreira Vidal — Baltasar de Almeida Teixeira.
A requerimento do Sr. Medeiros Franco, é dispensada a última redacção.
Entra em discussão o projecto de lei n.º 50.°
É o seguinte:
Artigo 1.° É fixado em 18 contos o subsídio anual do Presidente da República.
Art. 2.° Para despesas de representação será abonada ao mesmo Presidente a verba anual de 6 contos.
Art. 3.° As quantias designadas nos artigos anteriores será aplicado o disposto
no artigo 2.°, §§ 1.° e 3.°, da lei n.° 1:452, de 20 de Julho de 1923.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrário.
Palácio do Congresso da República, 1 de Agosto de 1923. — Afonso de Melo Pinto Veloso — Baltasar de Almeida Teixeira.
É aprovado na generalidade e na especialidade.
A requerimento do Sr. Vicente Ramos, é dispensada a última redacção.
Entra em discussão o projecto de lei n.° 383.
É aprovado na generalidade e na especialidade.
É o seguinte:
Proposta de lei n.° 483
Artigo 1.° É dispensado o asilo para velhos e velhas instituído em Alcobaça pela benemérita D. Maria do Carmo Eliseu Oliveira, da venda dos bens imóveis, cativos de usufruto ou de arrendamento a largo prazo, que a mesma instituidora lhe deixou, tornando-se-lhe assim inaplicável o disposto no artigo 1902.° do Código Civil Português.
Art. 2.° As propriedades abrangidas pelo artigo anterior entrarão na massa dos bens sujeitos a desamortização, desde que findem os arrendamentos a largo prazo ou cláusulas de usufruto, que ao presente as oneram.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.
Palácio do Congresso da República, 20 de Julho de 1923. — Alberto Ferreira Vidal — Baltasar de Almeida Teixeira — João de Orneias da Silva.
A requerimento do Sr. Pereira Gil, é dispensada a última redacção.
Continua em discussão o projecto de lei n.° 363.
O Sr. Carlos Costa: — Começo por agradecer ao Sr. Lima Alves as amáveis expressões que me dirigiu.
S. Ex.ª não fez um ataque ao projecto em discussão, antes, de uma forma amável, me fez um convite para lhe provar que estou convencido da viabilidade do projecto.
Vou satisfazer-lhe os desejos e estou convencido que conseguirei desfazer as suas dúvidas.
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S. Ex.ª pediu a palavra na altura em que me referi aos estudos de Carlos Ribeiro, sôbre a região hidrológica das proximidades de Lisboa, onde só tinha captado alguma água por meio de galerias.
Com a abertura de galerias ou minas, como sempre a profundidade é relativamente pequena, obtem-se uma reduzida quantidade de água e sempre sem velocidade nem pressão, o que não sucedo com os poços artesianos. Se considerarmos os terrenos situados nos arredores do Lisboa, a que já me referi, como um grande filtro através do qual passam as águas; e se nós nêsse filtro fizermos uma pequena incisão, a água brotará por aí em pequena quantidade, função da profundidade o da área das galerias; mas se a procurarmos na base nós temos a certeza de a encontrar em maior abundância e com probabilidades de vir à superfície, com velocidade, resultante da diferença de nivel, entre o ponto de captação e o afloramento das camadas que a absorveram.
Mas há ainda outras razões para ponderar. A abertura de uma galeria é sempre um trabalho moroso e difícil, não pode ser muito profunda, e quanto mais se descer abaixo do nível do solo, maior e mais dispendioso será o trabalho para trazer a água à superfície, ao passo que nos poços artesianos, se a água vem à superfície, é fácil captá-la, e se não vem a extracção faz-se por meio de bombas; mas o dispêndio para a abertura do poço é inferior ao da galeria e o trabalho muito mais rápido.
Não tenho necessidade de provar a existência de água nos arredores de Lisboa, visto a prova já estar feita, o que tive foi apenas que definir qual o melhor processo de ir buscá-la, o quanto a mim o melhor é o dos poços artesianos.
Uma das razões apresentadas pelo ilustre Senador Sr. Lima Alves, contra os poços artesianos, é o receio de termos necessidade de ir captar a água a 400 metros de profundidade.
Que importa isso? Uma sondagem de 400 metros não tem uma extraordinária importância; mas se nos dissesse que tínhamos que descer a 1:000 ou 1:200 metros, então é que o caso seria mais sério a começar pela necessidade de comprar material, o que não sucedo para os 400 metros.
Nem em profundidade, nem em tempo, nós poderemos fixar-nos de antemão; veja S. Ex.ª o que sucedeu em França, quando em 1865 ou 1867 naquele país se pensou em aumentar a dotação de água para Paris. A municipalidade desta cidade entendeu dever abrir poços artesianos. A perfuração dum dêles foi entregue à casa. Lippeman, industrial, conhecido em França pela designação do «o pai das sondagens».
Trabalhou-se durante um período de dez anos, findo o qual se interromperam, os trabalhos. Um ano depois recomeçaram e um novo período de dez anos decorreu, chegando-se à profundidade de 525 metros sem encontrar água; passava-se isto em 1889.
Nessa época, à exposição universal de Paris concorreu uma casa americana da especialidade, apresentando material de sondagem com o qual fez uma demonstração prática em Vincenues, atingindo a camada aquífera a 580 metros no fim de 59 dias do trabalho. Por êste exemplo se vê que não é fácil fixar o tempo necessário para levar a cabo um trabalho dessa ordem.
Para o nosso caso, a configuração dos terrenos, tanto da região a que já me referi, como dos que a cercam, leva-nos a supor que encontraremos água em abundância a uma profundidade que não irá muito além de 100 metros.
S. Ex.ª tem dúvidas que a água se eleve dos poços artesianos ato atingir a altura dos reservatórios!
Nunca pensei em semelhante cousa.
Que ela suba até à superfície e já ficaremos muito satisfeitos.
Não percamos de vista qual a orientação do projecto: trata-se de possuir uma reserva de água para o caso de uma interrupção acidental ou propositada do Alviela, colocando assim a cidade ao abrigo de uma situação crítica.
Diz S. Ex.ª: é possível que as águas não tenham a pressão necessária!
Só uma sondagem que atinja a camada aquífera é que poderá responder a essa, objecção; há contudo as razões que já expus, que são outras tantas probabilidades a favor da água com pressão.
S. Ex.ª preferia ir buscar as águas próximo ao Alviela.
Isso era para a hipótese de aumentar
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a água pelo canal do Alviela, o ponto de vista do projecto é a obtenção de águas em Lisboa e proximidades: repito, para prover às necessidades da capital, no caso de uma interrupção no canal do Alviela.
Referiu-se também S. Ex.ª à parte económica do projecto, dizendo que não se deve perder de vista êsse assunto. Creio que tive a felicidade do encontrar uma forma económica: a direcção dos trabalhos é feita pelo corpo de engenharia militar, solução com a qual está de acôrdo o Sr. Ministro da Guerra, e a mão de obra, é feita pelos indivíduos nas condições da lei a que se refere o projecto; material para o reservatório, existe no próprio local onde suponho que será construído, por forma que a despesa se reduz a algum material para o mesmo reservatório. Mas há mais: o projecto, além de ser económico, vai acabar com a situação da dívida do Estado à Câmara Municipal, a qual ficará com um melhoramento importantíssimo, que, a ser feito, pelos seus recursos atingiria uma importância muito mais elevada do que a dívida do Estado à Câmara.
Creio, Sr. Presidente, ter respondido as considerações feitas pelo Sr. Lima Alves. Respondo agora ao Sr. Ramos da Costa. Começou S. Ex.ª por dizer que êste problema era muito complexo, e nessa altura eu disse: Não apoiado. E êsse dito meu «não apoiado» justifica-se, pelo pleno convencimento em que estou de que o assunto é tudo quanto há de mais simples.
Se eu pretendesse tratar agora do aumento de dotação de água à população de Lisboa, diria que para isso há mesmo mais do que uma solução; primeira, a municipalização do abastecimento de águas, acabando com êsse odioso monopólio, soloção que traria enormes vantagens para o público e até para a própria câmara municipal; a água vendida ao público a $40 ainda é um negócio de largos lucros. Segunda, uma atitude enérgica da parte dos Governos, obrigando a Companhia a cumprir integralmente as disposições dos contratos.
Eu bem sei que me poderão fazer a objecção de que os serviços industriais ou comerciais dirigidos pelo Estado ou pelas corporações administrativas têm dado sempre maus resultados, mas é preciso não Confundir um serviço tam fácil, como é o de vender água e receber o dinheiro, com outros muito mais complexos, por exemplo: o dos Transportes Marítimos do Estado.
A distribuição de águas não é problema transcendente, e o pessoal que faz êsse serviço conhece-o já e continuaria a desempenhá-lo da mesma forma, sob a administração da câmara municipal.
S. Ex.ª o Sr. Ramos da Costa apontou, talvez em detrimento dos poços artesianos, o caso do poço do Século.
Eu devo dizer a S. Ex.ª que quem conhece êsses trabalhos, e até mesmo sem os conhecer, sabe que, quando se encontra uma camada de terreno impermeável, com água, se deve proceder de forma que ao prosseguir a perfuração, se se atravessar uma camada permeavel, ela não possa absorver a água que primeiro se encontrou.
Creio ter sido a falta dessa elementar precaução a origem do insucesso a que S. Ex.ª se referiu.
S. Ex.ª falou de Choffat, dizendo que êsse autor afirmava que só se encontrava água a grandes profundidades.
Choffat, a p. 155 do tômo 3.° do seu livro Lês eaux d'alimentation de Lisbonne, diz o seguinte:
«A camada basáltica, formada por camadas alternadas de basalto compacto e de marnes encarniçados, tem nalguns pontos 1 metro e noutros 250 metros. É um terreno muito propício para a pesquisa de águas».
E mais adiante: «O miocene forma o principal nivel aquífero de Lisboa. Os seus extractos só se conservaram a leste do vale de Alcântara, e como são inclinados aproximadamente para leste, ou lês-sueste, são tanto mais recentes quanto mais se avança nessa direcção. O complexo inferior de uma expessura de 30 á 60 metros contém leitos permeáveis que fornecem água».
Aqui tem o que diz Choffat: de 1 a 200 metros é a profundidade indicada e verificada.
Diz S. Ex.ª que uma das soluções para o abastecimento de águas era o duplicar os sifões!
É um assunto que não nos interessa absolutamente nada para o projecto em discussão; só a Companhia é que tem que ver com isso.
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Em todo o caso, de passagem, eu devo dizer que isso não é bem assim: o canal do Alviela foi feito para o transporte máximo de 60:000 metros cúbicos, dando os sifões passagem a 44:000. Feita a duplicação dos sifões teríamos 88:000 metros cúbicos, quantidade a que o canal não pode dar razão.
Torno a repetir: disso não nos ocupamos por agora, porque o que nós pretendemos é colocar a capital ao abrigo das consequências que resultariam de uma interrupção do canal do Alviela.
Para a resolução dêsse problema devemos adoptar ou a municipalização ou uma acção enérgica dos Governos sôbre a Companhia das Águas, como provarei em ocasião oportuna.
O orador não reviu.
O Sr. Lima Alves: — Mereceu-me o maior interêsse a exposição que acaba de fazer o autor do projecto que estamos discutindo.
Devo confessar que me impressionou a extrema simplicidade que S. Ex.ª vê na resolução do problema que eu julgava ser, pelo contrário, muito complexo e de muito difícil resolução.
Na hipótese de em determinada ocasião haver uma interrupção do canal do Alviela, S. Ex.ª resolve o caso com a maior das simplicidades, pondo a trabalhar una bombazinha — na expressão de S. Ex.ª — movida por um dínamo.
Não me parece que possamos levar a simplicidade da resolução do problema até êsse exagêro, porque na melhor das hipóteses, para se obter qualquer resultado prático, seriam necessários uma bomba e um dinâmo de bastante potência, o que seria dispendioso e anti-económico.
As interrupções do canal do Alviela são, felizmente, raras; passam-se anos e anos que se não dão e, se se dão, é num período de tempo muito curto.
De resto, estaremos contìnuamente na iminência de que os aparelhos provisórios se vão estragando e não possam funcionar quando mais necessários sejam, porque se o uso estraga, a inacção dêsses maquinismos estraga muito mais.
Não podendo S. Ex.ª responder às objecções que eu apresentei acêrca do que seria necessário despender para elevar as águas do nivel em que se encontrassem
até a superfície da terra, acabou por afirmar mais uma vez o que se encontra exposto no seu relatório: que os depósitos deviam ser construídos na parte mais baixa da cidade.
Visto que a água se aproveita nas partes baixas, teremos absoluta necessidade de empregar aqueles importantes maquinismos a que eu ontem me referi, para elevar essa água das partes baixas da cidade até a parte alta.
Eu continuo a apreciar muito as facilidades que S. Ex.ª encontra em tudo isto, mas continuo a afirmar que essas facilidades não existem.
Cingindo-nos aos cálculos de S. Ex.ª construindo dois reservatórios poderemos ter água para 105 dias, a 10 litros por pessoa, 10 litros por pessoa acho que é muito suficiente, 100 dias é mais do que a quarta parte do ano.
Ora nós nunca teremos uma estiagem igual à quarta parte do ano; quando muito teremos dois, três meses de estio.
Mas há ainda um meio mais simples de resolver a questão: é arranjar reservatórios onde só recolham as águas do inverno, e isto pode fazer-se aproveitando as águas do Alviela no inverno, assim como as do aqueduto das Águas Livres, Mas se sei que essas águas não vão ao nível do poderem chegar à Serra do Monsanto, sei também que elas estão muito mais próximas dêsse nivel que as águas dos poços artesianos que fôssem abertos na parte mais baixa da cidade.
O Sr. Carlos Costa: — Próximo do Cacém é que se abria um dêsses poços.
O Orador: — Próximo do Cacém tenho a notícia que a Companhia dos Caminhos de Feiro tem aberto um poço artesiano, que está funcionando, mas que lhe dá um jacto de água insignificante, uns 6 metros cúbicos por 24 horas.
Ora se S. Ex.ª conta com poços artesianos dessa natureza, eu tenho de reconhecer que S. Ex.ª é muito pouco exigente.
E mesmo essas águas para virem para Lisboa e chegarem aos niveis superiores há necessidade de empregar um aparelho a que se chama impulsor.
Ora, como V. Ex.ª vê, Sr. Presidente, tudo quanto S. Ex.ª reconhece como sim-
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ples, reconheço-o eu um tanto ou quanto difícil.
Agora, Sr. Presidente, há ainda outro caso a atender: é que não se trata simplesmente de despesas de instalação e construção dos poços artesianos e da construção dos reservatórios; temos também que contar naturalmente com a canalização, uma canalização vinda de 3, 4 ou 5 léguas até Lisboa; é, por consequência, mais um aumento de despesa.
Ora, Sr. Presidente, parece-me que isto é suficiente para mostrar que a simplicidade não é tam grande como S. Ex.ª afiança e a economia também não é tam grande como S. Ex.ª pensa.
S. Ex.ª não se preocupa com o gasto de tempo em abrir poços artesianos. Também eu não.
S. Ex.ª referiu-se à facilidade na abertura de poços artesianos, e citou alguns exemplos em que as brocagens são fáceis.
Simplesmente êsses exemplos são em terrenos diferentes daqueles em que nos encontramos.
Assim, em todos êsses terrenos onde se têm aberto poços artesianos, a brocagem é fácil, porque a natureza do terreno é de molde a deixar-se perfurar com toda a facilidade.
De resto, a contrapor ao que S. Ex.ª disse, ou tenho que apresentar um facto de experiência aqui em Lisboa:
Uma sonda com que se pretendia abrir um poço artesiano na Tapada da Ajuda, fornecida por uma casa americana bastante acreditada, após dois ou três meses de trabalho, encravou e não se conseguiu que perfurasse mais um centímetro, apesar de ter vindo um engenheiro americano para dirigir os trabalhos. Êsse engenheiro retirou-se e a sonda anda em abertura de outros poços artesianos, mas com certeza em regiões que não são de natureza basáltica.
Em Lisboa os terrenos não são quaternários.
Mas V. Ex.ª, Sr. Presidente, já me lembrou que tinha terminado o tempo para eu usar da palavra, e eu não tenho interesse algum em prolongar esta discussão.
Outras considerações poderia fazer, no emtanto; mas como não quero que se suponha que pretendo entravar a aprovação dêste projecto do lei na generalidade, dou por concluídas as minhas considerações, acrescentando que se se trata de estudos prévios, nem êsses estudos seriam necessários, porque êles poderiam ser feitos pelas repartições competentes, para o que existem, pelo menos, duas repartições de serviços hidráulicos, uma no Ministério da Agricultura o outra no Ministério do Comércio. De maneira que o material existente nessas duas repartições poderia ser aplicado em estudos dessa natureza.
E só depois de estudos feitos pelas estações oficiais é que podemos proceder.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia.
Continua em discussão na generalidade o projecto n.° 328.
O Sr. Oriol Pena: — Sr. Presidente: quando deixei de falar, ao terminar da última sessão, fazia algumas considerações sôbre inquilinos e senhorios em resposta a afirmações do Sr. Catanho de Meneses, que tendiam a querer convencer a Câmara de ser um senhorio um ente inferior, não merecendo a menor protecção da lei, quando o inquilino era uma pobre criatura, esmagada pelas exigências e prepotências do senhorio e digna, portanto, de toda a consideração e respeito. Não posso estar de acôrdo com tal doutrina. Se reconheço muito e sinceramente haver inquilinos dignos de toda a consideração, de toda a atenção, merecedores de todas as facilidades e auxílio, outros há, e não são o menor número, que absolutamente não são dignos de qualquer consideração, nem merecem protecção de qualidade alguma.
No inquilinato comercial é público e notório não querer a maior parte dos inquilinos reconhecer direitos alguns aos senhorios, nem que uma grande parte dêstes, em Lisboa, sobretudo, está sofrendo verdadeiras privações e outros muitos ainda vivendo na miséria, emquanto os inquilinos comerciais estão, por razões várias, cheios de dinheiro, cada dia mais e mais, automàticamente, pela valorização das fazendas em armazém, de forma a paralelamente aumentarem os lucros.
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E não me seria muito difícil fazer a prova do assêrto, contando miùdamente alguns casos, se não tivesse prometido a mim mesmo, reconhecido à delicada atenção com que a Câmara ontem me ouviu, sem dar sinais de enfado, não continuar hoje a dar-lhe martírio igual e ser breve quanto possível.
Não apoiados.
Se estou pronto sempre a queixar-me dos abusos dos inquilinos em que acabei de falar, estou também sempre pronto a reconhecer as qualidades do nosso povo: fundamentalmente honesto. E justamente renovo a afirmação já feita, relatando o facto de muitos inquilinos confessarem, espontaneamente, estar o senhorio a ser vítima duma extorsão à sombra de uma lei iníqua e injusta e não quererem aproveitar-se das vantagens que essa lei lhes dá.
Tenho, sem querer fazer de modo algum cumprimentos às classes inferiores e proletárias, o máximo respeito pelo povo. Não é dêle que vem o mal, não é dos pobres, mas dos ricos, em geral muito piores que os pobres.
Talvez se estranhe que eu avance esta proposição; mas avanço-a cá de dentro.
O mal agravou-se sempre desde a primeira lei do inquilinato, promulgada logo de entrada pelo Govêrno Provisório. Já era mal intencionada, sejamos justos, sejamos sinceros.; essa primeira lei não atendeu a uma necessidade, foi uma oferta política.
Apoiados da direita.
A primeira lei do inquilinato, repito, atendeu, não a necessidades do inquilino, que não existiam na época, mas à captação dêste para efeitos de política.
Essa lei originàriamente má, e mal intencionada, má continua a ser, apesar das limadelas feitas no consulado do Dr. Sidónio Pais, e foi sistematicamente piorada sempre que lhe mexeram. É ela a causa da criação e alargamento de uma mentalidade nova, habituando o inquilino a considerar legítimo viver grátis dentro de uma propriedade que lhe não pertence.
A par e passo foram-se habituando e passaram a utilizar-se, como se seu fôsse, do que lhes não pertence, dispondo dêle a seu belprazer e só saindo quando entendem, porque as leis da República lho consentem.
Estamos caídos no problema dos traspasses, condição a ser devidamente acautelada no projecto em discussão para não ver desaparecer um resto, bem pequeno, do domínio que o proprietário ainda tem na sua propriedade.
Não mando nenhuma moção para a Mesa, mas quero fique bem expresso que a aprovação do projecto, na generalidade, não significa senão a urgência de se providenciar sôbre êste assunto, mas em termos justos, equitativos e honestos.
Lamento que, quando o projecto chegou a esta Câmara e baixou à respectiva comissão, essa comissão não se limitasse a esclarecer a parte explicativa vinda da outra Câmara e se lembrasse de, num péssimo cavalo — a emenda alterando os coeficientes permitidos, como aumento pela lei de meios do ano passado — enxertar o projecto em discussão. O cavalo era mau, a pluma era pior, o enxerto havia de ser péssimo.
Por mim, e em nome da propriedade de que me julgo representante, estou pronto a sacrificar parte dos meus interêsses sem magoar o inquilino. Não vale a pena estarmos a falar aqui, por emquanto, em números, mas V. Ex.ª, Sr. Presidente, sabe que desvalorizada a moeda 24, 25 ou 27 vezes, não é justo que seja o proprietário sobrecarregado com todos os encargos e seja obrigado a receber em moeda desvalorizada o nominal das rendas que lhe pagavam há 8 anos.
Disse o Sr. D. Tomás de Vilhena, quando falou da primeira vez, que êste projecto criava um verdadeiro morgadio a favor do inquilino, com a agravante dêste não ter de administrar, mas simplesmente fruir, quando o morgado com o direito de fruir tinha, pelo menos, o encargo do administrar, reparar e conservar, ao passo que o inquilino fica apenas com o direito de usufruir.
Um caso pessoal: sou proprietário de prédios de rendimento em dois bairros de Lisboa, cujo rendimento era suficiente, em 1914, para eu e minha mulher vivermos e sustentarmos a posição em que nascemos; tive o ano passado, feita limpeza sumária e obrigatória num prédio, 1.600$ de prejuízo, números redondos, porque até o fim de 1921, talvez um pouco por
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panache, não quis aumentar as rendas além do permitido na lei.
Para outro ponto quero também chamar a atenção de S. Ex.ª, como relator do projecto, necessitando imediatas e justas providências: o caso dos arrendamentos feitos ao Estado ou aos serviços autónomos do Estado.
Tenho a dizer a S. Ex.ª que, tendo um prédio arrendado a um serviço autónomo do Estado, e tendo a lei de Maio do ano passado autorizado o aumento de renda, mandei o meu agente procurar o chefe deste serviço autónomo, fazendo-lhe ver a justiça de ser atendido por êsse serviço do Estado e rigorosamente cumprida a disposição da lei.
Ficou êsse chefe de dar uma resposta. Continuo a receber insuficiente renda apesar de resolvido a não discutir a interpretação a pretexto da qual estamos a tratar desta discussão.
Desde Setembro do ano passado que estou sendo lesado contra o determinado na lei votada no Parlamento e publicada com todos os sacramentos, apesar dela me assegurar o direito de receber.
Isto precisa também ser acautelado na remodelação em projecto, cuja urgência todos reconhecemos e tanto tem sido defendida por S. Ex.ª
Sr. Presidente: não vale a pena estar a falar mais tempo para as paredes, portas e as poucas pessoas presentes.
Devo, porém, antes de terminar, dizer que, entre as poucas pessoas tendo visto com clareza a questão, ocupa o primeiro lugar o Sr. Joaquim Crisóstomo atacando o projecto, em primeira mão, com notável brilho, e larga competência jurídica. Seguiu-se-lhe o Sr. D. Tomás de Vilhena, com a lealdade, graça e brilho do costume, foi interessantíssimo nas animadas considerações produzidas. Depois ainda o Sr. Querubim Guimarães, com a elegância de palavra habitual e a competência jurídica bem conhecida da Câmara, conseguiu em curto espaço de tempo encantar os ouvintes e esgotar o assunto. Também o Sr. Cónego Andrade numa sábia, bem fundamentada e bem deduzida oração, deu ao projecto rudes golpes.
Aproveito a ocasião para dizer ao Sr. Catanho de Meneses que, com grande espanto meu, acabo de receber nesta sala já, êste telegrama em termos curiosos e interessantes:
«O abaixo assinado, combatente republicano Mirandela a favor da república digna, congratula-se com V. Ex.ª por defesa do direito dos proprietários atacados por ambição desenfreada».
¡Não sei quem é o Sr. Teixeira Morais; do telegrama, concluo ser um republicano, talvez, desiludiddo, que, não encontrando do lado dos republicanos quem defenda os seus interêsses, se dirigiu a mim para me animar a prosseguir no combate pela equidade, pela justiça!
Aproveito também a ocasião para mostrar a S. Ex.ª um dos arrendamentos a que ontem aludi e suponho tenham ainda valor legal.
Dou por findas as minhas considerações, agradecendo aos ilustres colegas, que tive a honra de ter por ouvintes, a gentileza com que me aturaram.
O Sr. José Pontes: — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que ao abrigo do § 1.° do artigo 89.° entrem imediatamente em discussão, e com prejuízo da discussão presente, as propostas de lei n.ºs 503 e 505, que dizem respeito a estropiados e mutilados de guerra.
Foi em seguida lida e aprovada sem discussão a referida proposta n.° 505.
Pediu dispensa da leitura da última redacção, sendo aprovado, o Sr. José Pontes
É a seguinte:
Projecto de lei n.° 505
Artigo 1.° São considerados mutilados de guerra os militares abrangidos pela alínea a) do artigo 6.° da lei n.° 1:170, de 21 de Maio de 1921.
Art. 2.° Os Ministérios da Guerra, Marinha o Colónias farão publicar a classificação de mutilados de guerra em Ordem do Exército, Ordem da Armada e Boletim Oficial das Colónias, com a indicação das lesões sofridas, causas que as motivaram, combate em que foram produzidas e percentagem de invalidez atribuída, devendo os averbamentos nos respectivos registos de matrícula ser feitos nos termos do presente artigo, independente de requerimento dos interessados.
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Art. 3.° Os mutilados de guerra usarão, quer quando uniformizados, quer fazendo uso do traje civil, distintivos e insígnias bem visíveis, iguais para oficiais e praças de pré, de forma a chamar a atenção dos seus concidadãos para o carinho e auxílio que lhes devem merecer estes bons e liais servidores da sua pátria.
§ único. As insígnias a que se refere êste artigo serão oferecidas aos mutilados de guerra pelo Govêrno da República Portuguesa.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrário.
Palácio do Congresso da República, 2 de Agosto de 1923. — Alberto Ferreira Vidal. — Baltasar de Almeida Teixeira.
Lê-se o projecto de lei n.° 503.
É o seguinte:
Projecto de lei n.° 503
Artigo 1.° Aos mutilados e estropiados de guerra, com 20 por cento ou mais de invalidez, serão aplicados os artigos 2.°, 6.° e § único, 7.°, 9.°, 11.° e § único, da lei n.º 1:158, de 7 de Maio de 1921, e mais legislação em vigor.
Art. 2.° Aos militares promovidos ao abrigo do artigo 2.° será contada a antiguidade do pôsto desde a data em que foram à junta de que trata a lei n.° 1:170, de 21 de Maio de 1921, na alínea a) do artigo 6.°
Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrário.
Palácio do Congresso da República, 1 de Agosto de 1923. — Afonso de Melo Pinto Veloso — Baltasar de Almeida Teixeira.
É aprovado sem discussão na generalidade e na especialidade.
A requerimento do Sr. Francisco Paula é dispensada a última redacção.
Continua em discussão na generalidade o projecto de lei n.° 328.
O Sr. Lima Alves: — É êste um dos projectos de mais alta importância. De forma alguma pode ter um carácter político, mas sim administrativo e até social. Pareceria que a discussão de um projecto desta natureza não devia ter criado irredutibilidade entre os diversos lados da Câmara.
Mas as aparências dizem-nos que elas existem ou pelo menos existiram.
Temos estado a assistir a uma luta ferrenha entre aqueles que se dizem defensores dos direitos dos proprietários e os que querem por seu lado defender os inquilinos.
Nestas condições, não admira que se tenha chegado até quásí à paixão e se tenha esquecido o espírito de justiça.
Contudo, devo reconhecer que ùltimamente prevejo outra mudança nesta atitude, perante certas frases indicativas de que os dois campos opostos reconhecem que há razões de um e de outro lado, e que se quere chegar a uma conclusão que satisfaça os dois campos.
Muito propositadamente me tenho calado; esperava continuar assim se não se tivessem passado factos que me levaram a pedir a palavra para dizer de minha justiça.
Vou referir-me ao movimento estranho ao Parlamento, que tem querido apresentar êste como responsável pela demora na resolução de um problema de tanto interêsse.
Se isto é injusto para o Senado, mais o é para o partido político a que tenho a honra de pertencer.
Largos dias tem passado, de modo a dar a impressão de que se tem querido fazer obstrucionismo.
Não acredito que tal tenha sucedido, e apesar de não ter qualquer instrução do meu leader e não poder falar em seu nome, estou absolutamente convencido de que êle não rejeitaria a minha afirmação do que nos temos conservado estranhos a esta luta, exactamente porque não queremos tomar parte nem para um lado nem para o outro.
Estamos na situação que temos visto ser a melhor.
E o que representa, Sr. Presidente, êste têrmo médio?
Representa a justiça, representa a equidade; é aquele têrmo em que nos não queremos desviar nem dos inquilinos nem dos senhorios, nem nos queremos aproximar dos senhorios nem dos inquilinos; é aquele ponto em que queremos olhar para o que fôr equitativo.
E, Sr. Presidente, nós temos de reconhecer que se tem chegado ao exagêro de defender as doutrinas olhando exclusivamente para o ponto de vista do que pretende defender um dos lados da Câmara
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O aquele que pretende defender o outro lado.
Eu, Sr. Presidente, estou convencido que esta questão devia ser uma questão aberta dentro de todos os partidos.
Assim estou convencido que ela devia ser uma questão aberta tanto dêste lado da Câmara, como na direita, como nos grupos que não pertencem nem à direita nem à esquerda.
Aqueles que defendem os proprietários parece que vêem neste projecto de lei apenas um ataque à propriedade, e como pensam assim cuidam só em defender essa propriedade atacando os outros.
Há motivos para nos queixarmos dos senhorios e há motivos para nos queixarmos dos inquilinos, não de todos, mas daqueles que não fazem senão abusar das condições em que se encontram.
Mas não podemos negar também que há proprietários que nas suas ambições, umas vezes mais ou menos legais, mas muitas vezes sensìvelmente e bastante ilegais, têm abusado da sua situação, exigindo continuamente maiores e maiores sacrifícios dos seus inquilinos.
Exactamente porque se debatem estes dois interêsses é que a discussão tem decorrido pela forma como tem decorrido: interêsses que se debatem, escolas que se apaixonam, interêsses que se apaixonam. Daqui esta discussão tam grande.
Sr. Presidente: disse, e repito; que não tinha qualquer responsabilidade na discussão o partido a que pertenço.
Não temos nela a mínima responsabilidade; todavia eu devo confessar que nos últimos tempos, lá fora e porventura mesmo cá dentro, alguém tem querido imputar responsabilidades à oposição, apesar de eu não acreditar que quem está em oposição à doutrina do projecto o tenha feito com o propósito de fazer obstrucionismo.
Sr. Presidente: nós também não podemos ter qualquer responsabilidade na Câmara, porque não temos a fôrça dos votos suficiente para introduzir qualquer modificação neste projecto de lei.
Por isto mesmo de modo algum nos podem ser assacadas responsabilidades.
Foi sobretudo para esclarecer êste ponto de vista, Sr. Presidente, que eu tomei alguns minutos ao Senado; foi para mostrar, até o ponto em que era necessário, a nenhuma responsabilidade do meu partido sôbre as delongas que possa haver para com êste projecto de lei.
E dito isto julgo conveniente para os interêsses nacionais que se deve aprovar esta proposta de lei na generalidade, o mais brevemente possível, aguardando todos nós ensejo para na especialidade fazermos o estudo mais completo, mais consciencioso e mais justiceiro que possa ser.
Na generalidade ninguém pode negar o seu voto a um projecto de lei que se apresenta para aplanar a situação entre senhorios e inquilinos; na especialidade, como se trata de assunto muito importante, faremos, por assim dizer, o nosso estudo nem contra inquilinos nem contra senhorios, mas contra senhorios e inquilinos quando êles abusarem.
O orador não reviu.
O Sr. Catanho de Meneses: — Eu estou completamente de acôrdo com o pensamento do Sr. Lima Alves, quando êle diz que o projecto na generalidade deve votar-se o mais cedo possível, visto que se trata de assunto que S. Ex.ª reconhece que é urgente.
Por isso, Sr. Presidente, serei tam breve quanto possível, pois é certo que a respeito da generalidade se tem falado o suficiente para o Senado estar habilitado a ajuizar a sua orientação.
Não posso, porém, deixar de responder a algumas das considerações feitas sôbre o caso, e serei muito breve.
Foram expendidas pelo Sr. Querubim Guimarães e pelo Sr. Dias de Andrade, que, como sempre, elucidou com a sua palavra fluente, pausada e meditada, como é próprio da sua situação, um assunto tam importante como é êste.
Eu não sei se tive, ou não, a felicidade de no relatório da comissão — êsse sim, feito por mim — empregar a palavra individualista, quando me referi ao Código Civil. Eu disse efectivamente que o Código Civil era extremamente individualista, na parte que dizia respeito ao contrato de arrendamento, quando se referia ao pagamento das rendas e quando encarava o problema do inquilinato comercial, que sofria então o duro golpe de estar sujeito a ser desalojado do seu estabelecimento quando já tinha uma boa
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clientela, o que representava um aumento do valor locativo.
Foi êsse termo que eu empreguei que fez arripiar um pouco o nosso colega Sr. Querubim Guimarães.
Individualismo! — exclamou S. Ex.ª E acrescentou: isto vai um pouco para comunismo, isto está a indicar, de alguma maneira, que o relatório pende para as ideas socialistas.
Ora eu tenho pena que S. Ex.ª não esteja presente para lhe fazer sentir que acho extraordinário que um espírito culto e de muita erudição jurídica caísse aparentemente no que a mim se afigura como uma contradição. ¿Pois o que é o individualismo? A escola individualista suprime, tanto quanto pode, a acção do Estado, entregando o máximo que lhe é possível à, acção do indivíduo, contentando-se em que o Estado lhe mantenha a segurança interna e externa.
¿E o que é a escola comunista? É precisamente o contrário: essa diz que o Estado é o indivíduo e a repartição das riquezas faz-se, ou conforme o trabalho de cada um ou conforme a sua situação.
¡¿Como é, portanto, que eu podia ser acusado de pender para o comunismo, quando empreguei a palavra individualista, se existe um profundo abismo entre os dois sistemas?!
Já no século VII faziam parte do cristianismo os pobres, os humildes, os necessitados e até os que viviam nas catacumbas. De maneira que a opinião dos santos padres era de que o comunismo era a melhor organização social, que o rico era um ladrão da sociedade e que a propriedade era um roubo.
O Sr. Dias de Andrade — Nem no evangelho nem nos livros canónicos se afirma que a propriedade é um roubo. Jesus pregou a virtude da esmola.
O Orador: — É uma opinião. Mas se eu erro, erro em muito boa companhia, como seja a do Sr. Marnoco e Sousa, a quem presto o culto da minha admiração
0 Sr. Dias de Andrade: — Efectivamente, na doutrina cristã de Jesus, a primeira que se fundou, os cristãos entregavam voluntariamente os seus bens para
serem distribuídos segundo as necessidades de cada um, mas êste fenómeno, que se deu na comuna cristã de Jesus, não se repetiu em nenhuma outra. Mas êsse sistema não era o sistema comunista, porque ninguém era obrigado a entregar o que tinha: dava-o voluntariamente.
Só aqui ou além é que V. Ex.ª encontra um ou outro padre que numa frase oratória condena os abusos dos ricos.
O Orador: — A razão explica-se doutra maneira: é que sendo o cristianismo, originariamente, a religião do povo desamparado e desprotegido do meio de fortuna, a igreja pregava para êsse povo o comunismo.
O Sr. Dias de Andrade: — Não pregava, não.
O Orador: — V. Ex.ª dói-se; mas a verdade é que quando os ricos começaram a entrar para a agremiação do cristianismo a igreja via-se então obrigada a defender a propriedade.
O Sr. Dias de Andrade: — A igreja nunca mudou de doutrina.
O Orador: — Até o século VII foi assim. Mais tarde, é claro que não.
S. Ex.ª citou as duas encíclicas. Houve a primeira, De rerum novarum. A segunda encíclica, que creio ser a continuação daquela, Gatis de communis, mostra a rara habilidade diplomática de Leão XIII, que tomou o partido dos humildes, fazendo a defesa da colectividade, dos desprotegidos e mandando que a propriedade seja respeitada.
Nós também neste projecto não desrespeitamos a propriedade. Mas as condições e circunstâncias são diversas, excepcionais, e urge proteger a colectividade.
O diploma de 12 de Novembro de 1910 representa para mim uma melhoria. Êle atende não só aos inquilinos mas também aos senhorios.
Até ali vigorava a doutrina do Código Civil.
¿Que julgou o diploma acima indicado?
Entendeu que não era justo que se aplicassem ao contrato de arrendamento princípios diferentes daqueles que se aplica-
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vam. a qualquer contrato; o desde que uma parte faltasse a qualquer cláusula do contrato do arrendamento era motivo para que elo se rescindisse. Isto era absolutamente contrário ao que dizia a legislação anterior.
E de então para cá estabeleceu-se que qualquer falta nas condições do contrato era motivo para que o senhorio despedisse o inquilo.
Veja-se se isto não era uma doutrina muito mais harmónica do direito da propriedade da que a que existia nos tempos da monarquia.
O Sr. D. Tomás de Vilhena: — Mas pelo Código Civil o arrendamento era um contrato temporário e pelo projecto de S. Ex.ª...
O Orador: — Vou responder a S. Ex.ª
Atendia-se unicamente ao arrendamento por seis meses, mas não se atendia aos arrendamentos a longo prazo, que os havia. E nesses arrendamentos, a respeito da propriedade rústica, a longo prazo, a situação era precisamente a mesma.
Quere dizer, o despejo era só permitido em dois casos: falta de pagamento da renda ou emprêgo do prédio para fins diferentes.
Ora tem a legislação republicana êste merecimento, qual é o facto de o não cumprimento de qualquer parte do contrato dar ao contratante o direito de o rescindir, e outro, ainda, que é o não ser obrigatória a antecipação no pagamento da renda.
Sinto que não esteja presente o Sr. Júlio Ribeiro para lhe agradecer as suas expressões amáveis o afirmar-lhe o meu respeito o admiração pelo seu carácter e pela maneira elevada com que costuma tratar dos assuntos.
Mas diz S. Ex.ª confessou-o êle mesmo, que o seu trabalho era apenas um trabalho de codificação e pouco mais; são estas as suas palavras.
Esta confissão sincera de S. Ex.ª importa o mesmo que dizer que não era um diploma da natureza dêste que estamos aqui a discutir aquele que S. Ex.ª elaborou.
Mas se nesse diploma, e eu não vi, existe qualquer disposição útil, a comissão não terá dúvida em a adoptar, visto não estarmos aqui para servir interesses de quem quer que seja. mas apenas para harmonizar todos os interêsses em conflito.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O Orador: — Uma delas é o aumento dos coeficientes.
Dada a carestia da vida, dado, infelizmente, o modo como se está dando a desvalorização da moeda, não há dúvida nenhuma que o senhorio precisa de receber uma renda maior.
Outra parte que há a atender é o abuso, devo confessá-lo bem alto, o abuso grande dos inquilinos, e é nesse ponto que êles abusam, de sublocar quartos por quantias fabulosas.
Chegam a receber só por um quarto maior quantia que aquela que pagam pela casa toda.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª fica com a palavra reservada porque ainda há mais três Srs. Senadores para falar antes de encerrar a sessão.
O Orador: — Eu requeria a V. Ex.ª para que deixasse continuar a sessão por mais umas duas horas, até êste projecto ser votado na generalidade, assim como alguns projectos que são mais importantes.
O orador não reviu.
O Sr. Xavier da Silva (para interrogar a Mesa}: — V. Ex.ª, Sr. Presidente, advertiu o Sr. Catanho de Meneses, que estava no uso da palavra, de que não podia continuar as suas considerações, por ter de dar a palavra aos Srs. Senadores que a tinham pedido para antes de se encerrar a sessão, o dos quais eu era um dêles.
Mas como estavam inscritos quatro Srs. Senadores para antes de se encerrar a sessão, V. Ex.ª devia ter feito essa advertência há mais tempo.
O Sr. Presidente: — É que V. Ex.ª não conhece o Regimento, porque de contrário saberia que o tempo destinado para antes de se encerrar a sessão é de Quinze minutos, mesmo que estivessem inscritos vinte Srs. Senadores.
Parece-me que o Sr. Catanho de Meneses requereu que fôsse prorrogada a ses-
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são até se votar o projecto na generalidade.
O Sr. Alfredo Portugal (para interrogar a Mesa): — Creio que não foi bem isso que requereu o Sr. Catanho de Meneses.
O Sr. Presidente: — Então, eu peço ao Sr. Catanho de Meneses o favor de formular novamente o seu requerimento.
O Sr. Catanho de Meneses: — O que eu desejo é que V. Ex.ª, Sr. Presidente, consulte a Câmara sôbre se consente que, depois de votada a generalidade dêste projecto de lei, a sessão seja prorrogada, com interrupção ou não, a fim de serem discutidos alguns projectos que estão sôbre a Mesa e que é necessário aprovar antes de se encerrar a sessão.
O Sr. Presidente: — A sessão legislativa termina amanhã.
Vozes: — Hoje, hoje!
Amanhã é domingo e aos domingos não pode haver sessões.
Protestos. Tumulto.
O Sr. Medeiros Franco: — Se esta sessão fôr prorrogada, é a mesma sessão, mesmo que continue amanhã.
O Sr. Joaquim Crisóstomo: — Aos domingos não há sessão.
Já deu a hora de se encerrar a sessão.
O Sr. Vicente Ramos: — A sessão legislativa foi prorrogada até o dia 5 de Agosto.
O Sr. Medeiros Franco: — O requerimento do Sr. Catanho de Meneses é para ser prorrogada a sessão do dia 4.
Vozes: — ¡Já deu a hora de se encerrar a sessão!
O Sr. Vicente Ramos: — Os senhores atiram com a República à terra.
Protestos.
Vozes: — Oh! oh!
O Sr. Herculano Galhardo (para invocar o Regimento): — Sr. Presidente: estranho os protestos da oposição em consequência do requerimento que acaba de ser feito, porquanto ainda agora S. Ex.ªs não protestaram, depois de eu ter defendido os direitos da minoria, por V. Ex.ª ter consentido que se excedesse a parte antes da ordem do dia a fim de ser discutido um projecto de lei.
A amabilidade de V. Ex.ª corresponde agora a minoria com os seus protestos.
O orador não reviu.
O Sr. Alves de Oliveira: — Isso faz-se todos os dias.
Quantas vezes só consente que qualquer Sr. Senador continue no uso da palavra com prejuízo de uma das partes em que se divide a sessão!
O Sr. Vasco Marques: — Eu falei por que o Sr. Presidente mo consentiu.
O Sr. Herculano Galhardo: — Eu não estranho que V. Ex.ª falasse, o que estranho é que nessa ocasião a minoria não tivesse protestado.
O Sr. Augusto de Vasconcelos: — Sr. Presidente: êste lado da Câmara não tem dúvida em votar a prorrogação da sessão até se votar a generalidade do projecto do inquilinato, e assim dá uma prova da sua cordura. O que nós não podemos consentir é que se prorrogue a sessão para a discussão do projectos que não sabemos quais sejam.
Se a maioria deseja votar outros projectos está no seu direito, mas nós saímos.
Eu acho que deve ser votada só a parte que se refere à lei do inquilinato, mas só essa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Tomas de Vilhena: — Sr. Presidente: eu também estou de acôrdo em que a sessão seja prorrogada até ser votada na sua generalidade a lei do inquilinato. E fica assim bem claro que dêste lado da Câmara nunca houve intenção de fazer obstrucionismo. Nós fizemos o que pudemos para esclarecer o problema, e tanto foi assim que ainda agora o Sr. Catanho de Meneses vem dizer que a comissão está disposta a fazer várias correcções de maneira a que êste projecto, em
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vez de ser uma lei de excepção, possa satisfazer aos interêsses duns e doutros; compreendo e estou de acôrdo. O que não é possível é estarmos agora aqui a votar sem saber o quê.
O orador não reviu.
O Sr. Lima Alves: — Peço a V. Ex.ª o favor de mandar ler a proposta do Sr. Medeiros Franco para se saber qual o prazo para o prolongamento da sessão.
O Sr. Medeiros Franco: — Até o dia 4 inclusive.
Ápartes violentos.
O Sr. Presidente: — O Congresso da República, em sessão conjunta, determinou que a sessão legislativa fôsse até ao dia 5 inclusive.
Vozes: — Não podo ser, não pode ser.
Agitação.
O Sr. Alfredo Portugal: — Sr. Presidente: o Senado tem simplesmente duas sessões plenas por semana, terças o sextas-feiras.
Ao domingo não há sessão plena, está excluído êsse dia, e mesmo a proposta do Sr. Medeiros Franco diz: «até o dia 4 inclusive».
Grande agitação, cruzam-se os apartes.
O Sr. Presidente: — O artigo 3.° da Constituição diz que as Câmaras se abrem e encerram no mesmo dia.
A Câmara dos Deputados marcou sessão para amanhã, por conseguinte eu não posso deixar de marcar sessão para amanhã.
Trocam-se ápartes violentos no meio de grande agitação.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, à hora regimental.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 25 minutos.
SEGUNDA PARTE
Reabre a sessão às 15 horas e 45 minutos.
O Sr. Augusto de Vasconcelos (para interrogar a Mesa): — Nós votamos a prorrogação da sessão mas desejamos primeiro saber quais são os projectos que deverão ser discutidos.
O Sr. Presidente: — Os projectos são os n.ºs 121, 26, 492, 506 e 328.
O Orador: — Nesses termos não tenho dúvida em dar o meu voto para que a sessão seja prorrogada até se votarem estes projectos.
O Sr. Presidente: — Vai continuar a discussão da proposta de lei n.° 328 relativa ao inquilinato. Tinha ficado com a palavra reservada o Sr. Catanho de Meneses.
O Sr. Medeiros Franco: — O Sr. Catanho de Meneses habilitou-me a declarar que, se não estivesse presente hoje na ocasião em que entrasse em discussão, na ordem do dia, o projecto relativo ao inquilinato, desistia da palavra.
Posta à votação a generalidade do projecto, é aprovada.
Em virtude de deliberação anteriormente tomada, baixou o projecto à secção.
O Sr. João Carlos Costa: — ¿V. Ex.ª diz me se, quando o projecto voltar à sessão plena, se lhe podem introduzir emendas?
O Sr. Presidente: — Entendo que sim.
O Sr. Herculano Galhardo: — Efectivamente o Regimento determina que, quando um projecto baixa às secções para ser apreciada uma emenda ao voltar à sessão plena, o Senado resolve definitivamente. Êste projecto, porém, baixa à secção, não em vista de existir uma emenda, mas por se haver tomado essa deliberação e quando voltar é como se lá não tivesse ido.
O Sr. João Carlos Costa: — Provoquei esta explicação para, quando se tratar da discussão da especialidade, não haver dúvidas.
O Sr. Afonso de Lemos: — Outro dia, deu-se um caso perfeitamente idêntico. Um projecto vindo da secção foi lido na Mesa e entrou em discussão. Nessa altura veio uma representação e um Sr. Senador
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requereu que o projecto baixasse à secção para ser apreciado em conjunto com a representação. Eu opus-me declarando que, uma vez um projecto vindo da secção não devia lá voltar pelo facto de se apresentarem representações.
Se há a ponderar quaisquer representações elas devem ser lidas na Mesa e constituírem matéria de discussão.
Respeito a resolução do Senado, mas protesto por coerência.
O Sr. João Carlos Costa: — A Câmara compreende quanta razão me assiste, principalmente depois de haver falado o Sr. Afonso de Lemos.
O Sr. Presidente: —Vai entrar em discussão a proposta de lei n.° 121. O projecto tem voto negativo da comissão de finanças.
Lê-se.
É o seguinte:
Proposta de lei n.° 121
Artigo 1.° A sociedade cooperativa anónima de responsabilidade limitada, União dos Vinicultores de Portugal, é autorizada a reformar os seus estatutos, podendo reorganizar-se nos termos da parte em vigor do decreto de 14 de Janeiro de 1905, ou associar-se ou fundir-se com outra sociedade congénere, embora não cooperativa, como deliberar a sua assemblea geral.
§ 1.° Ficam excluídas, no caso de reorganização da sociedade, tanto a concessão facultativa de isenções de direitos, contribuição ou impostos, como a cedência gratuita de edifícios e terrenos do Estado, previstos no mesmo decreto.
§ 2.° A mesma sociedade, ou aquela que resultar da sua associação ou fusão com outra congénere, continuará sujeita ao estipulado na cláusula 32.ª do contrato de 5 de Janeiro de 1909.
§ 3.° A taxa de juro, a que se refere a cláusula 32.ª, fica porém fixada em 7 por cento.
Art. 2.° Ficam revogados o artigo 32.° e seu § único da lei de 18 de Setembro de 1908, sem prejuízo da garantia concedida, nos termos dessa lei, às 200:000 obrigações cuja emissão foi autorizada pela portaria do extinto Ministério das Obras Públicas, de 8 de Maio de 1909.
§ 1.° Subsistem em vigor os §§ 1.° e 2.° do artigo 1.° da lei de 26 de Setembro de 1909.
§ 2.° No caso de não estar ainda registada a hipoteca que cauciona as obrigações emitidas, de que trata êste artigo, o Govêrno adoptará as providências necessárias para que o registo seja feito, a, seu requerimento, no prazo de três meses a contar da publicação desta lei.
§ 3.° A sociedade terá a faculdade de amortizar por antecipação, sem prejuízo dos direitos já reconhecidos aos obrigacionistas, todo ou parte do empréstimo emitido.
§ 4.° A hipoteca será cancelada logo que a sociedade prove ter amortizado integralmente o empréstimo emitido e liquidado as suas contas com o Estado, nos termos dos §§ 2.° e 3.° do artigo anterior.
§ 5.° É suprimido o cargo de delegado do Govêrno junto da União dos Vinicultores de Portugal logo que esta reforme os seus estatutos, nos termos da presente lei.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.
Palácio do Congresso da República, 8 de Junho de 1922. — Domingos Leite Pereira — Baltasar de Almeida Teixeira.
Senhores Senadores. — A comissão de legislação civil desta Câmara dá o seu parecer favorável à proposta de lei n.° 121, vinda da Câmara dos Deputados, tal como está redigida.
Trata-se por essa proposta de revogar a autorização concedida pelo artigo 32.ª da lei de 18 de Setembro de 1908 ao Govêrno para garantir o juro de 5 por cento pelas obrigações emitidas pela Cooperativa União dos Vinicultores de Portugal.
Na aprovação desta proposta há grande vantagem para o Estado que fica com a sua responsabilidade limitada aos 1:000.000$ já emitidos.
Ao mesmo tempo que assim se consegue para o Estado uma medida económica de largo alcance, dá-se à União dos Vinicultores de Portugal plena liberdade para só ou fusionada com outra qualquer entidade se abalançar a empresas tendentes a conseguir o fim que se teve em vista com a sua fundação, que foi o desenvolvimento da vinicultura nacional, o
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que actualmente é impossível dentro do regime legal em que vive a União dos Vinicultores.
De resto esta Cooperativa fica subordinada aos diplomas legais que regem a vida associativa portuguesa, funcionando como qualquer outra sociedade da sua natureza.
Sala das Sessões, 26 de Junho de 1922. — Ricardo Pais Gomes — Joaquim Pereira Gil (com declarações) — Medeiros Franco — Godinho do Amaral.
Senhores Senadores. — A vossa comissão de agricultura nada tem a opor à aprovação da proposta de lei n.° 121, que foi aprovada na Câmara dos Deputados. Tratando-se de um assunto que não diz respeito a questões técnicas de agricultura mas onde estão em jôgo interêsses do Estado, entende que deverão ser ouvidas as comissões de finanças e legislação. — César Justino de Lima Alves — Francisco José Pereira — João Pessanha Vaz das Neves — Francisco de Sales Ramos da Costa — Silvestre Falcão.
Parecer n.° 15
Senhores Deputados. — A vossa comissão de legislação civil e comercial, pelo estudo feito do projecto de lei que lhe foi apresentado, em renovação de iniciativa e do parecer adjunto com que inteiramente se conforma, entendo que o mesmo projecto de lei, que ora tem o n.° 3-J, deve ser aprovado.
Dá-se assim a satisfação devida às legítimas exigências da viticultura nacional, muito de considerar, do mesmo passo que se acautelam os interêsses do Estado, pois que, tendo a lei de 18 de Setembro de 1908 previsto a emissão de 2:000 contos em obrigações com garantia de juro a cargo do mesmo Estado, pela aprovação do projecto fica essa responsabilidade restrita aos 1:000 contos já emitidos, em primeira série, cuja amortização se está fazendo automàticamente, por depósito de garantia, na Caixa Geral.
De resto, no projecto não há inovação a considerar, visto o seu artigo 2.° subordinar a nova organização da «União dos Vinicultores» de Portugal à legislação já em vigor.
Lisboa e sala da comissão de legislação civil e comercial, 16 de Março de 1922. — Pedro Pita — Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho — Angelo Sampaio Maia — José de Oliveira da Costa Gonçalves — Félix de Morais Barreira — J. Marques Loureiro, relator.
Senhores Deputados. — A vossa comissão de agricultura é de parecer que deve ser aprovado o projecto de lei n.° 3-J, da iniciativa do Sr. Deputado Afonso de Melo, pelo qual se pretende revogar a autorização concedida, pelo artigo 32.° da lei de 18 do Setembro do 1908, ao Govêrno para garantir o juro de 5 por cento pelas obrigações emitidas pela sociedade cooperativa União dos Vinicultores de Portugal até o valor de 2:000 contos, procurando-se também com êste projecto de lei permitir que a referida «União dos Vinicultores de Portugal» se reorganize como emprêsa ou sociedade comercial, nos termos do decreto do 14 de Janeiro de 1905, ou por qualquer outra forma permitida por lei.
De facto, a sociedade cooperativa «União dos Vinicultores de Portugal» organizou-se à sombra da protecção estabelecida na lei de 18 de Setembro de 1908, pela qual o Govêrno ficou autorizado a garantir-lhe o juro de obrigações até a valor de 2:000 contos.
Foram já emitidas obrigações no valor de 1:000 contos, que o Estado garantiu; mas é certo que, apesar dêste grande sacrifício do Estado a favor da referida sociedade cooperativa, não se conseguiram os benefícios que se pretenderam alcançar com a promulgação da referida lei de 1908.
Procurou a «União dos Vinicultores de Portugal» conseguir que o Govêrno garantisse uma nova emissão de obrigações no valor de 1:000 contos.
O Govêrno, porém, reconhecendo que, mesmo com esta nova emissão de obrigações, se não conseguiriam obter as vantagens que consignam as disposições dos artigos 32.° e seguintes da lei de 18 de Setembro de 1908, negou-se a garantir esta pretendida nova emissão de obrigações.
Se tal negação tem toda a razão de ser, verificou-se no emtanto que a cooperativa «União dos Vinicultores de Portugal» não tem os recursos suficientes para poder desempenhar a função mercantil que lhe
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pertence, nem os pode alcançar, em virtude das condições especiais da sua existência jurídica. Só modificando-se estas condições especiais da sua constituição, e de forma a poder tornar-se para todos os efeitos uma emprêsa comercial, é que a «União dos Vinicultores de Portugal» poderá conseguir os elementos financeiros que necessita sem para isso sobrecarregar o Estado.
Como tal modificação só pode fazer-se com autorização legislativa, o presente projecto de lei procura solucionar o assunto; por êle termina a autorização que o Govêrno tem para garantir o juro das obrigações emitidas.
Não podem, porém, cessar as responsabilidades que o Estado já efectivou e isso se acautela no projecto que reputamos merece a vossa aprovação.
Sala das sessões da comissão de agricultura, 22 de Março de 1922. — Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro — João Salema — Afonso de Melo — Joaquim Serafim de Barros — João Luís Ricardo, relator.
Senhores Deputados. — Na prossecução duma política económica, que visava a assegurar à produção nacional de vinhos e seus derivados os mais vastos mercados, a mais remuneradora colocação e o mais amplo consumo, o Govêrno de 1908, autorizado pela lei de 18 de Setembro dêsse ano, abriu, por anúncio publicado em 5 de Outubro seguinte, concurso por sessenta dias para a constituição duma sociedade vinícola portuguesa, que se ocupasse principalmente da preparação e venda dos vinhos de pasto e das aguardentes.
A sociedade, com a forma de cooperativa, teria por sócios associações vinícolas e viticultores; criaria tipos de vinho regionais; obrigar-se-ia a ter sempre em depósito um mínimo de 15 milhões de litros, mas deveria abster-se de transacções sôbre vinhos verdes ou generosos.
O Govêrno fiscalizaria as operações comerciais da sociedade, garantiria um juro de 5 por cento às obrigações que ela emitisse até o montante de 2:000 contos, e teria o direito, quando o juro das acções excedesse 6 por cento, a haver metade do excesso para compensar-se das quantias que tivesse abonado para juro das obrigações.
A única concorrente foi a «União dos Vinicultores de Portugal», que, por escritura de 1 de Dezembro de 1908, se constituíra como sociedade cooperativa anónima de responsabilidade limitada, fixando o mínimo do seu capital em 1:000 contos, ao tempo já subscritos em vinho, aguardente e dinheiro, e propondo-se, como objecto principal da sua actividade, adquirir, preparar e vender vinhos de pasto ou de lote e aguardentes.
Com esta sociedade outorgou o Govêrno o contrato de 5 de Janeiro de 1909.
Por êle a sociedade assumia a função de promover o desenvolvimento do comércio dos vinhos de pasto e lotação no país, nas colónias e no estrangeiro, podendo mesmo não satisfazer de conta própria mas transmitir a outros negociantes ou a adegas sociais encomendas de vinhos verdes ou generosos.
Poderia verificar ela própria, ou ensinar aos seus sócios, os melhores processos de fabrico e tratamento de vinhos; e aos sócios fornecer, a crédito, a pronto pagamento ou em conta corrente, alfaias, adubos, alcool e aguardente vínicos, etc.
O contrato descreveu também a fiscalização a exercer por parte do Govêrno, as condições da emissão prevista, de obrigações com garantia de juro e a eventual compensação dos abonos que o Estado houvesse de fazer por motivo dessa garantia; entre os meios de fiscalização incluiu-se o não poderem os estatutos da União ser modificados sem autorização do Govêrno, ou em contrário da legislação vigente.
A emissão de uma primeira série de obrigações, no total de 1:000 contos, representados por 200:000 títulos de 5$, cada, foi autorizada em portaria do então Ministério das Obras Públicas, de 8 de Maio de 1909; a essa nenhuma outra emissão se seguiu, mantendo-se nos Orçamentos do Estado, sem compensação até hoje, o encargo anual de 50 contos, para pagamento do juro garantido (artigo 33.° do Orçamento do ano económico corrente), serviço confiado, desde 20 de Agosto de 1915, à Junta do Crédito Público.
Mas parte desta quantia, correspondente ao juro de 25:000 obrigações, depositadas em poder da Junta, assegura, além
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do imposto de rendimento, devido ao Estado, uma amortização por sorteios semestrais, a qual deverá completar-se dentro de 99 anos.
Em 16 de Fevereiro do ano passado, o Sr. Afonso de Melo apresentou nesta Câmara um projecto de lei, em cujo relatório apresenta o viver amargurado da sociedade, que, sob a tutela do Estado, a custo tem conseguido evitar a falência e, privada de todos os meios de acção, não corresponde, nem poderá corresponder, constituída como se encontra, às esperanças que nela depositou o legislador de 1908; e reconhecendo que aos Governos não têem faltado boas razões para se recusarem a permitir à sociedade a emissão de uma segunda série de obrigações, conclui por propor que se suprima a faculdade, para o Govêrno, de garantir o juro a mais obrigações, sem quebra da garantia actual das já emitidas, o que se autorize a União a reformar dentro de um ano os seus estatutos, podendo reorganizar-se nos termos do decreto de 14 de Janeiro de 1905, ou associar-se ou fundir-se com outra sociedade congénere.
Êste decreto de 1905, que foi um dos diplomas percursores da lei de 18 de Setembro de 1908, autorizou os Governos a concederem diversas vantagens — prémios industriais e de exportação, isenções de direitos e impostos, uso de edifícios ou terrenos do Estado na metrópole, ou nas colónias — a companhias vinícolas, que assumissem o encargo, de promover o aperfeiçoamento no fabrico e conservação dos vinhos e o desenvolvimento do seu comércio.
Deste projecto foi renovada a iniciativa pelo mesmo Sr. Deputado, em 3 de Março do ano corrente, e sôbre êle deram já pareceres favoráveis as comissões de agricultura e de legislação civil e comercial.
A vossa comissão de finanças, notando que o projecto afectava essencialmente o contrato de 5 de Janeiro de 1909 entre o Estado e a «União dos Vinicultores de Portugal», procurou saber o que a respeito dêle pensava esta sociedade. Por isso o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal dela vos enviaram uma representação, entrada em 4 do corrente mês, na qual pedem que o projecto de lei seja aprovado.
Perante o manifesto insucesso da tentativa, que a constituição duma emprêsa, nos termos da lei de 1908, representou, e porque subsistem, como forma imprescindível de proteger o desenvolvimento da riqueza nacional, as razões determinantes da política vinícola em que o decreto de 14 de Janeiro de 1905 se inspirou, não podemos deixar de dar voto afirmativo ao projecto submetido ao nosso estudo, embora, alterando-lhe a redacção, procuremos esclarecê-lo, evitando dúvidas que poderiam, no futuro, traduzir-se em novos encargos ou prejuízos para o Estado.
Assim é que, facultando à «União dos Vinicultores de Portugal» o reformar os seus estatutos, reorganizar se nos termos do decreto de 1905 e o associar-se ou fundir-se com outra sociedade congénere, consideramos necessário que expressamente se declare: — que a reorganização conforme êsse decreto não importará isenções de impostos, contribuições ou direitos de importação, visto que essas isenções foram ali estabelecidas por limitados prazos de tempo, findos há muito, e elas são hoje incompatíveis com as circunstâncias financeiras do Estado, e que, no caso de fusão, haverá de manter-se a estipulação contratual, correspondente à disposição da lei, segundo a qual é encargo da sociedade a amortização das suas obrigações, e o Estado partilha nos lucros, acima de certo limite, para compensar-se do despendido com o pagamento do juro.
E, por idêntico motivo, consignando que o Estado não garantirá o juro de novas obrigações, mas mantém a garantia concedida às já emitidas, acrescentamos que subsiste em vigor a lei correspondente à estipulação contratual acima mencionada, incluindo o preceito do § 2.° da lei de 26 de Setembro de 1909, segundo o qual, se o Estado houver de continuar o serviço do juro das obrigações emitidas além do prazo da existência da sociedade, êle fica com os direitos dos obrigacionistas como credores hipotecários.
De conformidade com o exposto, formulámos o seguinte projecto de substituição:
Artigo 1.° A sociedade cooperativa anónima de responsabilidade limitada,
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«União dos Vinicultores de Portugal», é autorizada a reformar os seus estatutos, podendo reorganizar-se nos termos da parte em vigor do decreto de 14 de Janeiro do 1905, ou associar-se ou fundir-se com outra sociedade congénere, como deliberar a sua assemblea geral.
§ 1.° Ficam excluídas, no caso da reorganização da sociedade, tanto a concessão facultativa de isenções de direitos, contribuição ou impostos, como a cedência gratuita de edifícios e terrenos do Estado, previstos no mesmo decreto.
§ 2.° A mesma sociedade, ou aquela que resultar da sua associação ou fusão com outra congénere, continuarão sujeitas ao estipulado nas cláusulas 32.ª a 35.ª do contrato de 5 de Janeiro de 1909.
Art. 2.° ficam revogados o art. 32.º e seu § único da lei do 18 de Setembro de 1908, sem prejuízo da garantia concedida, nos termos dessa lei, às 200:000 obrigações cuja emissão foi autorizada pela portaria do extinto Ministério das Obras Públicas, de 8 de Maio de 1909.
§ 1.° Subsistem em vigor os §§ 1.° e 2.° do artigo 1.° da lei de 26 do Setembro de 1909.
§ 2.° No caso de não estar ainda registada a hipoteca que cauciona, as obrigações emitidas, de que trata êste artigo, o Govêrno adoptará as providências necessárias para que o registo seja feito, a seu requerimento, no prazo de três meses a contar da publicação desta lei.
Art. 3.° É revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões do Congresso da pública, 15 do Maio de 1922. — Alberto Xavier (com restrições) — João Camoesas — Aníbal Lúcio de Azevedo — Lourenço Correia Geme — Mariano Martins — Carlos Pereira — F. da Cunha Rêgo Chaves — A. de Almeida Ribeiro, relator.
N.° 3-J
Senhores Deputados. — Para os devidos efeitos renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 666-H, com o parecer n.° 691, publicado no Diário do Govêrno do de 21 Fevereiro de 1921.
Lisboa, 3 de Março de 1922. — Afonso de Melo Pinto Veloso.
Parecer n.º 691
Senhores Deputados. — A vossa comissão de agricultura é de parecer que deve ser aprovado o projecto de lei n.° 666-H da iniciativa do Sr. Afonso de Melo pelo qual se pretende revogar a autorização comedida pelo artigo 32.° da lei de 18 de Setembro de 1908 ao Govêrno para garantir o juro de 5 por cento pelas obrigações emitidas pela sociedade cooperativa «União dos Vinicultores de Portugal» até o valor de 2:000.000$, procurando-se também com êste projecto de lei permitir que a referida «União de Vinicultores de Portugal» se reorganize como emprêsa ou sociedade comercial, nos termos do decreto de 14 de Janeiro da 1905 ou por qualquer outra forma permitida por lei.
De facto a sociedade cooperativa União dos Vinicultores de Portugal organizou-se à sombra da protecção estabelecida na lei de 18 do Setembro de 1908, pela qual o Govêrno ficou autorizado a garantir-lhe o juro de obrigações até o valor de 2:000.000$.
Foram já emitidas obrigações no valor de 1:000.000$ que o Estado garantiu; mas é certo que, apesar dêste grande sacrifício do Estado a favor da referida sociedade cooperativa, não se conseguiram os benefícios que se pretenderam alcançar com a promulgação da referida lei ao 1908.
Procurou a «União dos Vinicultores de Portugal» conseguir que o Govêrno garantisse uma nova emissão de obrigações no valor de 1:000.000$. O Govêrno, porém, reconhecendo que mesmo com esta nova emissão de obrigações se não conseguiram por intermédio da cooperativa «União dos Vinicultores de Portugal», as vantagens que se procuraram obter com as disposições dos artigos 32.° e seguintes da lei de 18 de Setembro de 1908, negou-se a garantir esta pretendida nova emissão de obrigações.
Tal negação tem toda a razão de ser. Mas, por outro lado, verifica-se que a cooperativa «União de Vinicultores de Portugal» não tem os recursos suficientes para poder desempenhar a função mercantil que lhe pertence, nem os pode alcançar, em virtude das condições especiais da sua existência jurídica.
Só modificando-se estas condições especiais da sua constituição, e de forma a
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poder tornar-se para todos os efeitos uma emprêsa comercial, é que a «União dos Vinicultores de Portugal»poderá conseguir os elementos financeiros que necessita, sem para isso sobrecarregar o Estado.
Ora tal modificação só pode fazer-se com autorização legislativa.
O presente projecto de lei procura conseguir uma autorização neste sentido, fazendo terminar ao mesmo tempo, como lógica conseqùência, a autorização legal que o Govêrno tem para garantir o juro das obrigações emitidas por esta cooperativa com seu consentimento.
Mas, terminando esta autorização, não podem evidentemente cessar as responsa-bilidades que o Estado já efectivou.
Em fáce de tudo o que se expõe e do que lùcidamente se lê no relatório que precede o presente projecto de lei, é a vossa comissão de agricultura de parecer que êste projecto merece a vossa aprovação.
Sala das sessões da comissão de agricultura, 20 de Março de 1921. — João Luís Ricardo—F. Sousa Dias — Plínio Silva — Jorge Nunes—Alfredo Sousa, relator.
Projecto lei n.° 666-H
Senhores Deputados. — Durante um largo período foi a vinicultura nacional afectada por gravíssima crise, derivada do pronunciado desequilíbrio entre a produção dos vinhos de pasto e as necessidades do seu consumo interno e a expansão do seu comércio externo.
Esta crise de superabundância, ou antes de má venda, que tam sensìvelmente perturbou a economia nacional, quási logo a seguir à não menos grave crise proveniente da devastação dos nossos vinhedos pelo filoxera, tem merecido sempre a atenção dos nossos homens de Estado e dos nossos parlamentares, justamente alarmados com a desorganização das classes produtoras e a consequente fraqueza dos seus meios de acção.
A idea da criação de adegas regionais, o decreto do 14 de Janeiro de 1905 sôbre companhias vinícolas e outras medidas de mais alcance, referentes à utilização económica do material vinário, a prémios de exportação, etc.; obedeceram ao propósito de dotar a viti-vinicultura com armas de combate que lhes permitissem acreditar-se no mercado interno e lutar vitoriosamente
com a concorrência dos vinhos franceses, espanhóis e italianos nos nossos tradicionais mercados de além-mar.
A lei de 18 de Setembro de 1908 quis ter também a mesma louvável orientação, criando um organismo bastantemente forte para evitar especulações tendentes a forçar a baixa dos preços no mercado interno e para ao mesmo tempo conquistar amplos, mas novos, mercados externos.
A esta aspiração, que seria de largo alcance, se estivesse mais de harmonia com as realidades dos princípios económicos e do comércio internacional, não corresponderam ainda assim os meios necessários para a efectivar, antes se empecilhou com tais restrições a vida da instituição que se pretendera forte o desembaraçada, que o mesmo foi votá-la de antemão ao insucesso.
Nasceu, pois, a «União dos Vinicultores de Portugal» sob a tutela do Estado, ineficaz e até contraproducente, para viver uma vida amargurada, que só não chegou à completa falência porque uma administração prudente e zelosa a tempo conseguiu salvá-la da ruína, mais estrondosa.
Todavia, esta sociedade, privada de todos os meios de acção, não pode mais corresponder às esperanças que nela se depositaram e vai-se limitando a procurar solver honradamente os elevados compromissos contraídos com os seus credores.
O Estado, que autorizou a emissão de uma primeira série de 1:000 contos de obrigações, tem-se negado, com razão, a permitir a emissão da segunda série prevista na lei de 1908.
Mas por outro lado não pode desinteressar-se do problema, pois preciso é assegurar à produção e comércio de vinhos o uso do importante núcleo de estabelecimentos de armazenagem, preparação e embarque de vinhos, que actualmente permanecem quási inactivos nas mãos duma sociedade sem meios de vida.
A solução está em se voltar ao sistema do decreto de 14 de Janeiro de 1905, à sombra do qual se constituíram emprêsas comerciais que, nada custando ao Estado, ainda hoje vivem e prosperam.
E por outro lado é preciso assegurar à mesma sociedade os meios de acabar de regularizar as suas contas, à custa dos seus próprios recursos, sem lhe tolher a
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possibilidade de assumir uma feição conforme as necessidades do mercado, sem qualquer encargo para a Fazenda Nacional.
É neste intuito, e no de aliviar ao mesmo tempo o Estado de encargos que a experiência mostrou ineficazes, que vos é presente o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Fica revogada a faculdade concedida pela lei de 18 de Setembro de 1908 para a emissão de obrigações da União dos Vinicultores de Portugal até o limite de dois milhões de escudos (2:000.000$00) sem prejuízo das garantias pela mesma lei asseguradas à emissão já efectuada, na importância de um milhão de escudos (1:000.000$00).
Art. 2.° A «União dos Vinicultores de Portugal» procederá à revisão dos seus estatutos no prazo de um ano, a contar da promulgação desta lei, podendo reorganizar-se, nos termos do decreto de 14 de Janeiro de 1905, com as cláusulas nele prescritas, ou tomar outra forma social, nos termos da lei geral, ou associar-se ou fundir-se com outra sociedade congénere em qualquer tempo, conforme deliberar a sua assemblea geral.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 16 de Fevereiro de 1921. —O Deputado, Afonso de Melo.
Senhores Deputados. — Em virtude da lei de 18 do Setembro de 1908, o Govêrno abriu concurso para adjudicar a garantia de juro de 5 por cento a 2:000 contos em obrigações à sociedade cooperativa de vinicultores que se organizasse com maior capital e mais elevado número de sócios. Formou-se a «União dos Vinicultores de Portugal», que assinou o contrato com o Govêrno em 5 de Janeiro de 1909, publicado no Diário do Govêrno de 12 do mesmo mês.
E, de harmonia com o regulamento de 28 de Novembro de 1908, foram emitidos apenas 1:000 contos de obrigações, ficando a União obrigada a conservar um stock legal de 30:000 pipas de vinho, pelo que teve de adquirir e construir instalações adequadas, como se já tivesse emitido todo o empréstimo de 2:000 contos, primeiramente previsto pelo Parlamento.
Daqui resultaram, inicialmente, dificuldades comerciais e financeiras que sucessivamente, mercê dalguns erros administrativos, dos abusos dalguns sócios e da instabilidade dos preços dos vinhos, conduziram a União a uma situação de quási completa ruína, com evidente prejuízo dos interêsses da vinicultura nacional e completo malôgro dos intuitos que presidiram à sua constituição.
A experiência, a dura lição dos factos, provaram que esta forma de sociedade não pode corresponder às necessidades tam absorventes e intensas do complicado movimento comercial do mercado mundial dos vinhos.
Mercê duma parcimoniosa e severa administração, e ajudada pela alta dos preços dos imóveis, cuja propriedade adquirira no começo da sua vida pôde, emfim, a União, nos últimos anos, entrever uma esperança de ressurreição. Mas, para poder voltar a viver e a prestar às necessidades urgentes da cultura e da exportação dos nossos vinhos, os serviços que os seus armazéns podem facultar, carece de se moldar em novas bases, mais amplas e desembaraçadas, sem, contudo, solicitar novos favores financeiros do Estado, de tal modo reconhecem os signatários dêste documento que as circunstâncias em que a União falhou à confiança que o Parlamento depositava na sua organização lhe tiram autoridade para quaisquer pretensões cm tal sentido.
Quanto à emissão de obrigações, já efectuada, nenhuns embaraços traz para o Estado, em nada pesa na situação financeira do Tesouro Público. A amortização das obrigações emitidas está-se fazendo automàticamente, segundo a tabela aprovada pela Caixa Geral de Depósitos, mediante o depósito de 125 contos em títulos, cujo rendimento chega não só para a amortização calculada, mas ainda para a comissão cobrada pela referida Caixa Geral.
Os juros são pagos pela Junta do Crédito Público, o saem no Fundo de Fomento Agrícola, proveniente dum imposto especial sôbre os vinhos entrados em Lisboa, que ascende a importância não inferior a 400 contos anuais, ao passo que os encargos pouco excedem a 150 contos, de onde resulta que o Estado tem até tirado importante lucro dos meios financei-
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ros com que ocorreu aos possíveis encargos do empréstimo.
Senhores Deputados da Nação: — Pelo exposto, a União dos Vinicultores de Portugal, representada pelos seus corpos gerentes, vem perante vós representar para que deis aprovação ao projecto do lei apresentado na presente sessão legislativa pelo Sr. Deputado Afonso de Melo, e actualmente sujeito à apreciação das vossas comissões de agricultura e de finanças.
Lisboa, 1 de Maio de 1922. —O conselho de administração, Luís Ferreira Roquete — Artur de Meneses C. de Sousa — Manuel de Carvalho Daun e Lorena (Conde de O eiras) — Luís Xavier da Gama — Silverio Botelho Moniz de Sequeira. — O conselho fiscal, A. Ferreira de Freitas — João Jacinto Seabra.
O Sr. Presidente: — Está em discussão.
O Sr. Herculano Galhardo: — Sr. Presidente: pedi a palavra, como relator e presidente da comissão de finanças, para desenvolver um pouco mais o parecer da mesma comissão.
É conhecida de V. Ex.ª, e da Câmara, a história da União dos Viticultores de Portugal, e o bom pensamento que teve o Govêrno de 1908 de promover o desenvolvimento do comércio dos vinhos. Mas todos sabem também que a solução que se adoptou foi desgraçada, embora todos entrassem nela com a melhor boa fé.
A União dos Viticultores, apesar de todo o seu cuidado, da sua direcção magnífica e do apoio que lhe deu o Estado, transformou-se num enorme fracasso.
De então para cá a União manteve uma despesa anual de 50:000$, despesa absolutamente improdutiva.
O ilustre Deputado Sr. Afonso de Melo apresentou na outra Câmara, para resolver o problema, um projecto que, submetido à apreciação cuidadosa da comissão de finanças, obteve dessa comissão um parecer declarando que o projecto só deveria ser aprovado com grandes modificações; e apresentou outro projecto, que veiu até o Senado.
A nossa comissão de legislação, tendo estudado o assunto, deu parecer favorável, pelo que o projecto foi aqui aprovado, visto o Estado libertar-se da garantia
de juro com mais uma emissão de obrigações.
Mas aqui é que está o equívoco.
O Estado não está obrigado; apenas está autorizado a fazê-lo.
E não há Govêrno algum que se atreva hoje a garantir uma nova emissão de 1:000 contos, porquanto se sabe bem o resultado que deu a primeira emissão com garantia de juro.
Todavia é certo que a União dos Viticultores de Portugal pode ser um organismo de grande utilidade, principalmente se repararmos na crise que se apróxima para a agricultura nacional, convindo, portanto, dar-lhe uma solução,
A comissão de finanças do Senado não concorda com a solução dada na outra Câmara.
A União dos Viticultores tomou, em 1909, com o Govêrno uma série de obrigações e reservou para o Govêrno as obrigações resultantes da lei, isto é, a garantia de juro para uma emissão de 1:000 contos. A União ficou obrigada para com o Estado a uma sério de obrigações e ficou também obrigada a fazer a amortização o a pagar o imposto de rendimento.
A amortização foi estudada nos termos duma tabela, tabela em que se estabeleciam os juros e a cota relativa à amortização, ficando a cooperativa ao abrigo de encargos nos primeiros 50 anos.
O empréstimo é efectivamente amortizado em 99 anos, mas a amortização importante não começa a ter lugar senão depois de 50 anos.
Como a cooperativa tinha de pagar o imposto de rendimento e fazer as amortizações, resolveu-se o problema duma forma inteligente e engraçada:
Propõe a cooperativa ao Govêrno a entrega de 25:000 obrigações garantidas pelo Estado, dizendo:
«Aqui tem o Estado estas obrigações, que representam pouco mais ou menos a importância dos encargos da cooperativa, e o Estado fica absolutamente garantido».
E o Estado, na melhor boa fé, aceitou, sem pensar que a cooperativa ficava sem encargo algum. De maneira que era o próprio Estado que ia fazer a amortização. Quer dizer, nem mesmo o encargo da amortização ficava sôbre a cooperativa.
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Resolveu-se depois que a cooperativa deixasse de o ser para passar a ser uma sociedade particular, como outra qualquer, livrando-se então de todos os encargos tomados para com o Estado, menos o da amortização, que continuou a seu cargo, mas nos mesmos termos. De maneira que o encargo é absolutamente nulo.
Também outra obrigação que tinha era a de indemnizar o Estado pelos encargos. Calculando êsses encargos a 5 por cento, encontramos uma verba aproximada de 960 contos, que, se esta lei não fôsse aprovada, o Estado ia conceder a uma sociedade puramente particular.
Não foi êste decerto o pensamento do ilustre Deputado que tomou a iniciativa de apresentar o projecto. Eu conversei com S. Ex.ª, que foi o primeiro a dar-me razão, concordando que o projecto não serve, pois ainda mais complica a questão. E agora já não podemos dizer que não temos a experiência do negócio.
Se a primitiva lei era má, o que é facto é que esta ainda é pior. Julgo que é tempo de o Estado acordar e a cooperativa também. Por isso a comissão de finanças entende que êste projecto não pode ser aprovado, devendo, porém, o assunto ser resolvido com urgência, entrando-se num acôrdo.
Se a cooperativa tem interêsse em libertar-se das peias que lhe estabeleceu o contrato, libertando-se igualmente das obrigações tomadas para com o Estado, justo é também que o Estado tenha as suas compensações. Mas isso não pode fazer-se sem um acôrdo prévio. Por isso a comissão de finanças propõe que o Poder Executivo tome a iniciativa duma proposta de lei. Mas, quando o Poder Executivo não possa, ou não queira fazer, nos, Parlamento, não ficamos privados do direito de iniciativa de acordarmos com a sociedade por forma a nós mesmos apresentarmos um projecto de lei.
Tenho verdadeira paixão por esta questão, porque mo interesso muito pelo fomento nacional, e mesmo porque num dado momento tive ensejo de a resolver. Êsse ensejo, porém, desapareceu em breve. Todavia, posso aproveitar agora a ocasião, e estou certo de que a Câmara me ajudará neste empenho. Quere dizer, reconhecemos todos que o que veio da Câmara dos Deputados não é aceitável,
mas também temos de reconhecer que é urgênte resolver oproblema no momento actual, porque essa sociedade, com os recursos de que já dispõe, poderá representar, de facto, uma sociedade forte que muito possa contribuir para o comércio de vinhos.
Portanto, sustento o parecer da comissão de finanças, que o projecto seja rejeitado, mas que todos tomemos o compromisso de tratar por todas as formas de resolver o problema, quer seja com a colaboração do Poder Executivo, quer não seja, e seja qual fôr a sua cor política.
Entendo que esta questão está acima dos partidos, porque é uma questão do fomento nacional.
Nós, liquidando o problema por agora, não ficamos inibidos de o resolver na primeira oportunidade.
O orador não reviu.
Foi rejeitada a proposta na generalidade.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se, para entrar em discussão, a proposta de lei n.° 492.
Leu-se.
É a seguinte:
Proposta de lei n.° 492
Artigo 1.° É contada ao major de infantaria, João Maria Ferreira do Amaral, a antiguidade do referido pôsto desde a data em que nele foi graduado.
Art. 2.° O oficial a que se refere o artigo anterior passa a ser considerado supranumerário na sua arma desde a data da publicação desta lei, ingressando imediatamente no serviço activo.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.
Palácio do Congresso da República, 30 de Julho de 1923.
O Sr. Presidente: — Está em discussão
O Sr. Pereira Gil: — Sr. Presidente: visa êste projecto de lei a contar a antiguidade, desde a data em que foi graduado, ao major Ferreira do Amaral.
É de toda a justiça que êste projecto seja aprovado, por isso que êsse oficial é merecedor de tudo quanto o Parlamento
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lhe possa fazer, pela forma briosa como S. Ex.ª se portou na guerra.
O major Ferreira do Amaral é um oficial distinto que arriscou muitas vezes a sua vida para salvar a honra da Pátaia e do exército português, tendo, em conseqùência disso, sido várias vezes condecorado. Não era, portanto, justo que êle estivesse na inactividade, sem receber sôldo algum.
Nestes termos, entendo que o Senado se honra votando êste projecto, honrando também o exército português.
Apoiados.
Foi aprovado sem discussão na generalidade e na especialidade. \
O Sr. Pereira Gil: — Requeiro a dispensa da última redacção.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Vão ler-se o projecto de lei n.° 26 e alterações respectivas.
Lêem-se.
São as seguintes:
Projecto de lei n.° 26
Senhores Senadores. — É frequente vermos alunos do curso superior interromper as suas carreiras scientíficas e literárias para irem cumprir as leis do recrutamento, prejudicando-se assim, sem vantagem para ninguém e tornando porventura menos proveitosas as suas habilitações pela forçada falta de sequência nos seus estudos.
Êste prejuízo representa uma flagrante injustiça, não só pelo que directamente respeita aos interessados, mas também por não ser regular que àqueles que se instruem em prol da própria sociedade não seja dado qualquer benefício que lhe compense até certo ponto os trabalhos e despesas a que se obrigam.
É ao que visa a primeira parte dêste projecto de lei.
Os oficiais do exército e da armada que conseguem internar seus filhos no Colégio Militar não só são altamente beneficiados pecuniàriamente, como, no fim dos cursos, os vêem nomeados primeiros sargentos, com preferência à entrada na Escola de Guerra e outras regalias.
Não sendo justo que aqueles que não alcançaram o primeiro benefício não gozem também do segundo, com o fim de estabelecer uma relativa equidade entre filhos de camaradas e até, às vezes, entre irmãos, submeto à apreciação do Senado a forma fácil, a meu ver, de obviar a essas desigualdades.
Projecto de lei
Artigo 1.° Aos mancebos matriculados em qualquer curso superior, mediante requerimento dirigido ao Ministro da Guerra. pode ser adiado o alistamento no exército ou na armada até concluírem aquele, curso, não podendo êsse adiamento ir alêm dos vinte e seis anos.
§ único. Aos mancebos a que se refere êste artigo, se completarem o curso superior, será facultada a frequência na Escola de Oficiais Milicianos.
Art. 2.° Se antes de concluírem os vinte e sete anos se não apresentarem voluntàriamente, serão considerados refractários.
Art. 3.° Os filhos do oficiais do exército e da armada que, como voluntários ou recrutados, assentarem praça e estetejam habilitados com o curso geral ou qualquer curso complementar dos liceus, serão respectivamente nomeados segundos e primeiros sargentos, exactamente nas mesmas condições dos habilitados com os correspondentes cursos no Colégio Militar.
§ único. Estas nomeações só se tornarão efectivas se, requerendo um exame, mostrarem saber a instrução de recruta, desta instrução tenham sido dados prontos ou tenham toda a instrução militar preparatória.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões do Senado, 15 de Março de 1922. — O Senador, Júlio Ribeiro.
Senhores Senadores. — O projecto de lei n.° 26, da autoria do Sr. Ribeiro da Silva, pode considerar-se dividido em duas partes, cada uma visando o seu fim:
1.ª Permitir que aos mancebos matriculados em qualquer curso superior seja adiado o alistamento nas fileiras do exército ou da armada, até a conclusão dos seus cursos, não podendo porém êsse adiamento ir alêm dos 26 anos;
2.° Dar aos filhos dos oficiais do exército ou da armada, habilitados com o cur-
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so geral o a complementar dos liceus, quando assentem praça, os postos respectivamente de segundos e primeiros sargentos, semelhantemente ao que acontece com os alunos do Colégio Militar.
A comissão de guerra, considerando que há toda a vantagem em evitar que os alunos dos cursos superiores interrompam os seus cursos, vantagens que não são só para os alunos, mas também para o país, e tendo em consideração que essa regalia já é concedida pelo n.° 1.° da alínea c) do artigo 164.° do regulamento de recrutamento em vigor, aos mancebos que residem no estrangeiro por motivo de estudos, é de parecer que a primeira parte do projecto merece a vossa aprovação.
A segunda parte do projecto, a comissão, não obstante o espírito de justiça e equidade que guiou o ilustre Senador, ao redigir o seu projecto, não pode dar parecer favorável, porque aos alunos dos liceus não é dada a instrução militar necessária para o pôsto de sargento, como acontece aos alunos do Colégio Militar, que a partir da 5.ª classe, principalmente têm uma aturada instrução de com idade e escrituração militar, prática de comando e doutros conhecimentos militares que são absolutamente indispensáveis para o pôsto de sargento, principalmente de primeiro sargento.
O conhecimento de instrução de recruta não é suficiente.
Pelos motivos expostos, a comissão de guerra é de parecer que o projecto de lei n.° 26 deve ser substituído pelo seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° O n.° 1.° da alínea c) do artigo 164.° do regulamento do recrutamento de 1911, em vigor, passa a ter a seguinte redacção:
1.° Aos mancebos que residirem no estrangeiro por motivo de estudos, e ainda aos alunos das escolas superiores e das escolas superiores técnicas nacionais até aos 26 anos, os quais, desde que apresentem diploma que prove terem completado os respectivos cursos, ingressarão directamente nas escolas preparatórias de oficiais milicianes a que o curso disser respeito.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões, 6 de Junho de 1922. — Aníbal Ramos de Miranda — Artur Octávio do Rêgo Chagas — Roberto da Cunha Baptista (vencido) — Raimundo Enes Meira, relator.
Alterações à proposta de lei do Senado n.° 26:
Artigo 1.° Os mancebos que no acto da encorporação apresentem um diploma de desenvolvimento físico e conhecimentos militares, sendo alunos das escolas superiores nacionais, serão licenciados por períodos anuais sucessivos, até completarem o curso, não podendo o licenciamento ir alêm dos vinte e seis anos.
§ único. Estes mancebos pagarão a taxa militar durante o período do licenciamento e apresentar-se hão fardados à sua custa na unidade a que forem destinados, sendo sempre a mais próxima do seu domicílio.
Art. 2.º As praças a que se refere o artigo anterior, apresentarão anualmente atestados do seu aproveitamento no curso que frequentarem.
$1º estas praças, no caso de perderem ocasiões sucessivos ou interpelados
por motivo de frequência irregular e não justificada por doença, perderão as vantagens consignadas nesta lei.
§ 2.° O atestado de doença será sempre confirmado por una junta militar reunida no hospital militar da cidade onde a praça permaneça por motivo dos seus estudos.
Art. 3.° As praças que ao abrigo desta lei concluam os cursos de medicina, de farmácia, de veterinária ou de dentista, reunindo todas as condições para o exercício dessas profissões, são obrigadas a frequentar um curso técnico das respectivas especialidades, findos os quais, se obtiverem bom aproveitamento e boas informações, serão promovidos a alferes milicianos e obrigados a prestar um ano efectivo de serviço sem vencimento especial.
§ 1.° As praças que frequentem as outras escolas superiores, concluindo os respectivos cursos e satisfaçam a um exame especial, serão promovidas a primeiro sargento miliciano ou a alferes miliciano, conforme a classificação obtida, da arma ou serviço a que tenham sido destinadas, prestando serviço de um ano nas condições dêste artigo.
§ 2.° As praças que não obtiverem
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aprovação no referido exame prestarão um ano de serviço no quadro permanente como primeiros cabos.
Art. 4.° Os programas do diploma de desenvolvimento físico e conhecimentos militares a que se refere o artigo 1.°, e dos exames especiais a que se refere o artigo 3.°, serão indicados no regulamento desta lei, bem como a composição dos respectivos júris.
§ 1.° A propina para a obtenção do diploma de desenvolvimento físico e conhecimentos militares será de 10$, e para a admissão aos exames especiais será de 25$.
§ 2.° O produto das propinas será destinado a pagar a gratificação de serviços aos membros dos júris.
§ 3.° O Ministro da Guerra facilitará a criação de cursos de desenvolvimento físico e de conhecimentos militares junto das escolas superiores, sem encargo especial para o Ministério da Guerra, sendo as despesas pagas pelas associações escolares de intuitos patrióticos.
Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrário.
Palácio do Congresso da República, 26 de Julho de 1923.
O Sr. Presidente:
Estão em discussão.
0 Sr. Aragão e Brito: — Sr. Presidente: não concordo com a alterações que acabam de ser lidas na mesa, e introduzidas pela Câmara dos Deputados, porque elas contrariam, a meu ver, a razão do projecto aqui apresentado.
Visava o projecto, sem dúvida alguma, a dar protecção aos alunos matriculados nas escolas superiores, e sobretudo a evitar que êles se fôssem matricular nas escolas superiores do estrangeiro.
Pelas alterações introduzidas pela Câmara dos Deputados há toda a vantagem em ir para o estrangeiro tirar um curso superior e não ficar cursando as escolas superiores nacionais.
Exige-se aqui que o aluno apresente um diploma de desenvolvimento físico e que tenha conhecimentos militares.
Isto é uma cousa muito vaga. Se por acaso o aluno é fraco, naturalmente não pode arranjar êsse diploma de desenvolvimento físico.
Quanto aos conhecimentos militares,? onde é que êles vão adquirir êsses conhecimentos?
?Quem é que lhes deve dar essa instrução militar? Não se diz aqui, e portanto também é uma causa muito vaga.
Alêm disso obrigam-nos a fardarem-se à sua custa, ao passo que os que estão no estrangeiro são isentos de todas estas exigências.
Os veterinários, farmacêuticos e dentistas, depois de terminados os respectivos cursos, são obrigados a fazer um ano de serviço, e são promovidos a alferes, ao passo que aqueles que são formados em matemática, engenharia e filosofia, cursos muito superiores aos dos farmacêuticos e dentistas, são promovidos a alferes ou a primeiros sargentos.
Acresce ainda que, se alguns dos que têm cursos superiores, não têm vocação para a vida militar, e no geral sucede isso, porque as pessoas que estudam muito não têm inclinação para a vida militar, êsses são obrigados a servir como cabos. Isto é, depois de terem um curso superior são obrigados a servir no exército apenas como cabos, pelo simples facto de não terem vocação para a vida militar e não poderem servir como oficiais milicianos.
Não me parece que as emendas vindas da Câmara dos Deputados sejam de aprovar.
O orador não reviu.
O Sr. Herculano Galhardo: — Não é fácil em assunto tam delicado legislar com perfeição. Mas o óptimo é inimigo do bom, e nós precisamos legislar por uma forma que tenha, pelo menos, um aspecto bom.
Diz o Sr. Aragão e Brito que não sabe como os alunos adquirirão estes conhecimentos militares e aptidões físicas. É que S. Ex.ª não reparou para o final.
A parte interessante do projecto está no estímulo que se quere dar às associações escolares que se interessarão pela instrução militar.
E apreciando devidamente todas as disposições do projecto acho perfeitamente justificável a sua doutrina.
O orador não reviu.
É aprovado na generalidade.
Entra em discussão o artigo 1.°
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O Sr. Aragão e Brito: — Continuo a não saber por quem é passado o diploma do desenvolvimento físico e dos conhecimentos militares, porquanto as associações ainda se hão-de organizar. E um estudante, embora tenha robustez para ser um oficial, não pode às vezes fazer o seu desenvolvimento físico por conselho médico. E não venha a privar-se certos alunos de poderem continuar os seus estudos pelo facto de não terem a robustez física precisa. Isto, pois, vem contrariar os intuitos do projecto, que era facilitar a matrícula para as escolas superiores estrangeiras; porque êsse aluno não fica obrigado a estas cláusulas que são muito exigentes.
Desde que o aluno se tenha de fardar à sua custa, êle farda-se segundo o novo plano de uniforme, que êle inventa, por que cada um faz aquilo que entende e que quere.
A meu ver essas alterações não devem ser aprovadas, não querendo eu dizer com isto que o projecto de lei saído do Senado não fôsse bom.
O orador não reviu.
O Sr. Herculano Galhardo: — Sr. Presidente: efectivamente não me referi às entidades que deviam passar os atestados de aptidão militar e física, mas como no projecto se diz que os alunos têm de se sujeitar a umas provas, o júri dessas provas passará êsse diploma.
Demais eu disse que o projecto tinha defeitos, mas que era uma solução interessante, porque estimulava as associações escolares, fazendo-as olhar com outra atenção para as instituições militares.
A lei estabelece os princípios, o regulamento depois estudará o que estivar compreendido na lei.
Diz S. Ex.ª que isto em vez de dificultar a emigração de alunos Vai facilitá-la, porque êles querem frustrar-se a estes encargos. ¡ Mas os encargos lá fora ainda são maiores!
Reconheço que a solução não é perfeita, mas a regulamentação limará muitas destas arestas.
Êles têm realmente que se fardar à sua custa, mas, dada a importância do dever militar, nós não podemos criar esta excepção sem impor condições pesadas.
Se vamos colocá-los em condições excepcionais é preciso que êles concorram também.
O orador não reviu.
Foram lidos e aprovados os artigos 1.º e 2.°
Foi pôsto à discussão o artigo 3.°
O Sr. Aragão e Brito: — Sr. Presidente: neste artigo estão bem consignadas as vantagens militares que se dão aos alunos das escolas superiores nacionais.
Emquanto que um aluno que não frequenta o curso superior vai fazer uma escola, por exemplo, da arma de infantaria, que dura três meses, o aluno duma escola superior é obrigado a tirar o curso da sua especialidade e um ano de alferes miliciano sem remuneração especial.
Isto não é democrático, é antes arranjar uma aristocracia, uma casta única.
Quere dizer, o aluno que frequenta uma escola superior é obrigado a isto: até aqui havia uma lei que só depois de terminado o seu curso é que vinha apresentar-se para fazer o seu serviço, e que já o fazia em determinadas condições, para não fugir à instrução militar; agora, obriga-se a isto, que é mais extraordinário ainda, é que o aluno que tirar o curso de dentista ou farmácia é promovido como alferes miliciano, e como tal vai desempenhar as funções durante um ano, ao passo que um aluno que tira um curso superior de matemática, de filosofia ou qualquer outro, pode ficar como primeiro sargento.
Trocam -se explicações entre o orador e o Sr. Medeiros Franco.
O Orador: — Há confusão da parte de S. Ex.ª; um aluno que frequenta um curso superior só depois de terminar é que é obrigado a fazer serviço.
Não há lei nenhuma e, se a há, S. Ex.ª tenha a bondade de me indicar qual ela é.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Medeiros Franco: — Mesmo que eu esteja equivocado e S. Ex.ª na razão, insisto no meu ponto de vista.
Não é natural que o aluno vá perder um ano, interrompendo a frequência escalar.
Essa garantia só prejudica.
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É aprovado o artigo 3.° A contraprova, requerida pelo Sr. medeiros Franco, confirmou a votação.
São sucessivamente lidos e aprovados, sem discussão, os restantes artigos.
A pedido do Sr. Dias Andrade é dispensada a última redacção.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se, para entrar em discussão, a proposta de lei
n.° 506.
Lê-se. É a seguinte:
Proposta de lei n.° 506
Artigo 1.° Para o próximo ano lectivo, no concurso de admissão de aspirantes de marinha, será reservada metade das vagas para os concorrentes que se encontravam habilitados com os preparatórios exigidos pela lei de 5 de Junho de 1903, na data indicada pela mesma lei, isto é, até 15 de Agosto de 1922.
Art. 2.° O restante número de vagas será preenchido por quaisquer concorrentes que satisfaçam às condições da citada lei, independente da data em que terminaram os preparatórios.
Art. 3.° Para os concorrentes que estejam nas condições do artigo 1.° o limite de idade é elevado a 21 anos, mas ùnicamente para o preenchimento das vagas indicadas no mesmo artigo.
Art. 4.° Caso não haja concorrentes em número suficiente para preencher as vagas indicadas no artigo 1.°, serão as vagas em aberto preenchidas pelos concorrentes a que se refere o artigo 2.°
Art. 5.° Fica revogado a legislação em contrário.
Palácio do Congresso da República, 2 de Agosto de 1923.
O Sr. Presidente: — Está em discussão.
O Sr. Aragão e Brito: —O ano passado esteve encerrada a Escola Naval e não houve, por isso, concurso para aspirantes de marinha.
Agora quere-se dividir o concurso em duas classes: uma para os que tinham os preparatórios o ano passado e não entraram por estar encerrada a escola, e outra para os que completaram agora os preparatórios.
Não me parece justa esta divisão.
O orador não reviu.
Posta à votação a generalidade da proposta de lei, é aprovada.
São sucessivamente lidos e aprovados, sem discussão, os artigos 1.° e 2.°
O Sr. Joaquim Crisóstomo: — Envio para a Mesa um requerimento pedindo que seja promulgada uma lei ao abrigo do artigo 32.° da Constituição.
Entra em discussão o artigo 3.°
O Sr. Artur Costa: — Sr. Presidente: eu não compreendo a razão dessa emenda.
Trata-se de alunos que estavam preparados para a admissão na Escola Naval em 1922, e que não podiam ter, portanto, mais de 20 anos.
?A que propósito obedece esta emenda mudando a idade de entrada dêsses alunos, para 22 anos?
É um mau precedente querer alterar as disposições regulamentares, que devem ser acatadas.
Digam V. Ex.as se acham justo que se estejam a coarctar as prerrogativas do Conselho da Escola Naval.
Com uma emenda desta natureza modificamos os regulamentos, a constituição orgânica daquela Escola.
Se isto foi feito para proteger os alunos que não se puderam matricular o ano passado, que o digam claramente.
Os alunos que estavam para entrar o ano passado não podiam ter mais do 20 anos, e, so vamos mudar a idade da entrada para 22, beneficia-se meia dúzia apenas.
O orador não reviu.
O Sr. Procópio de Freitas: — Sr. Presidente: animado pelos maus princípios de justiça e de igualdade e não por simpatia ou antipatia por ninguêm, visto que nós quando entramos aquela porta devemos ser única e simplesmente legisladores, pois só assim as leis poderão ser justas e equitativas, vou expôr a V. Ex.ª e à Câmara o que disse ontem na secção.
Sr. Presidente, em 1921 entraram para a Escola Naval um certo número de aspirantes. Alguns dêsses aspirantes, desde o primeiro dia da sua entrada, tiveram a sua sentença lavrada, e essa sentença foi cumprida.
No fim do primeiro ano não tiveram média, porque era a forma de os pôr fora,
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visto que pelo regulamento da Escola Naval os alunos que, no fim do primeiro ano, não atingirem a média necessária para irem a exame, são imediatamente abatidos ao efectivo do corpo de alunos.
Só no segundo ano é que se lhes concede um ano de tolerância.
Segundo me informam, êsses alunos eram talvez os únicos que eram republicanos, e nós temos o direito e o dever de defender a República dos seus inimigos e de fazer do exército e da matrícula das corporações estruturalmente republicanas.
Um dos alunos inabilitados tinha a média de 9,75. Êsse rapaz esteve com seu pai no quartel de marinheiros em 5 de Outubro.
A proposta do Sr. Ministro da Marinha pretende elevar a 21 anos a idade de entrada dos aspirantes com o fundamento de poderem concorrer os alunos que não entraram o ano passado por não ter sido aberto concurso.
No ano passado, o Parlamento votou uma lei permitindo uma 2.ª época de exames aos alunos de todas as escolas que tivessem ficado reprovados na 1.ª época, ou não tivessem feito exame nessa época por falta de média. Os alunos da Escola Naval foram os únicos que não gozaram desta regalia.
Se na Escola Naval tivesse havido exames na 2.ª época para os alunos que ficaram inabilitados na primeira época, os seis alunos que foram abatidos efectivo por falta de média, teriam feito exame na 2.ª época, e possivelmente teriam ficado aprovados.
Dêsses seis alunos três têm 21 anos e podiam ser admitidos com êste aumento de idade, e são exactamente os que menos média tinham. Os outros três, um entrou para a Escola de Guerra, e os dois restantes têm 22 anos, e são precisamente os que tinham maior média.
Não é justo que sejam estes os que não possam ser novamente admitidos.
O Sr. Artur Costa falou em que lhe parecia querer-se favorecer alguém com a emenda introduzida, mas eu creio que o Sr. Artur Costa já estava informado pelo Sr. Vítor Hugo do que se pretendia e que eu claramente o disse.
O Sr. Artur Costa (àparte}: — S. Ex.ª, a meu respeito, pronunciou-se muito mal.
O Orador: — -Posso assim falar.
O Sr. Ferreira de Simas: — Sr. Presidente: a proposta em discussão, não a emenda, tende a favorecer alguns alunos da Escola Naval.
A emenda apresentada pelo Sr. Senador Pais Gomes tende a alargar ainda mais essa concessão.
Sr. Presidente: devo dizer, como professor que sou — e há muitos anos— que estudantes como estes que manifestam o desejo tam veemente de seguir uma carreira para que naturalmente têm vocação, persistindo sempre, apesar de todas as dificuldades, são realmente dignos da vossa simpatia.
Elas Sr. Presidente, como professor também, não passo deixar passar uma acusação que o Sr. Procópio de Freitas fez ao Conselho da Escola Naval.
Não tenho o encargo de defender êsse Conselho, mas devo dizer que me merecem especial atenção e respeito os conselhos escolares porque êles não são constituídos por quaisquer criaturas anónimas, mas por pessoas em regra escolhidas pelas suas qualidades de saber, de inteligência e de carácter.
A acusação que S. Ex.ª lhe fez é gravíssima.
Não tenho, repito, procuração para defender êsse conselho escolar, mas devo afirmar que se comete uma grave injustiça acusando o mesmo conselho duma falta que até considero improvável, porque não admito que haja um professor que propositadamente o faça, e um conselho escolar que o consinta.
Se o professor tivesse êsse propósito, não iria dar 9,75 valores ao aluno precisando êle de 10 para passar.
Repito, eu nunca o fiz, nem posso admitir que se faça, que um conselho escolar, propositada e injustamente, procure inutilizar os seus alunos.
Inutiliza-os, sim, mas quando reconhece que êles mio têm a competência e a capacidade necessárias para exercerem as funções a que se destinam.
O Sr. Procópio de Freitas: — Mas um conselho escolar é uma cousa e um professor é outra.
Um aluno pode ter muito boas médias e haver um professor X, sem essas boas
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qualidades referidas por V. Ex.ª, que lhe dê um zero; evidentemente, o rapaz fica inutilizado.
O Orador: — Mas lá está o conselho escolar para reconhecer a injustiça e não a sancionar.
Eu, como já disse, como professor, merecem-me especial consideração os conselhos escolares, e entendo que não temos necessidade alguma de os pôr em cheque.
Repito: não teria dúvida em aprovar esta medida de benevolência para êsses rapazes que desejam ser oficiais de marinha, mas receio que, procedendo dessa forma, vamos hostilizar o conselho escolar.
Julgo que não podemos intervir em casos desta natureza sem sabermos a opinião dêsse conselho, ou, pelo menos, a do Sr. Ministro da Marinha, que é também professor da Escola Naval.
O Sr. Procópio de Freitas: — Aqui é simplesmente Ministro da Marinha.
O Orador: — Bem sei que quem é complacente para uns tantos alunos pode sê-lo para mais dois; mas, como princípio entendo que o Parlamento não deve intervir nas decisões dos conselhos escolares, para não contribuir para o seu desprestígio, o que pode ter consequências gravíssimas, principalmente tratando-se de uma escola militar.
Já nos liceus, mercê de leis extremamente benévolas e anti-pedagógicas que por aqui têm passado, os alunos dizem de vez em quando «pois sim, não tenho medo; se me cortarem, arranjarei no Parlamento alguma forma de poder ir a exame».
Ora eu não acredito que, em dois meses, se consiga vencer o que não foi possível alcançar durante o ano lectivo, e tanto assim que as reprovações nessas épocas excepcionais de exames contam-se quási em número igual às dos examinandos. De maneira que, os rapazes nada ganham e os conselhos escolares ficam em cheque.
Êste meu respeito pelos conselhos escolares é que me levou a não votar na Secção a emenda do Sr. Pais Gomes, embora o sentimentalismo me inclinasse a fazer êsse favor.
O Sr. Artur Costa: — Sr. Presidente: desejava que o Sr. Ministro da Marinha estivesse presente, porque não seria mau que S. Ex.ª desse a sua opinião acêrca desta emenda.
Se V. Ex.ª, Sr. Presidente, fizesse o favor de o mandar chamar, muito me obsequiava, porquanto desejava ouvir dizer-nosS. Ex.ª quantos são os alunos que, êste ano, são admitidos à Escola Naval e qual o número de alunos que estavam nas condições de entrar para a Escola Naval no ano passado.
Desejava ainda saber qual o critério a que obedeceu o conselho da Escola Naval para abrir êste ano concurso para vinte vagas, e no ano passado não abriu concurso.
São estas informações que nós precisamos ter para podermos emitir o nosso voto com consciência.
Entra na sala o Sr. Ministro da Marinha.
Pedi a presença de V. Ex.ª porque desejava saber qual o número de alunos que estavam nas condições do artigo 1.° do projecto, isto é, que se encontravam habilitados com os preparatórios para a entrada na Escola Naval no ano do 1922; qual a razão por que não entraram e porque é que a Escola Naval não abriu concurso o ano passado.
Desejava também ser informado do motivo que levou a Escola Naval a abrir concurso êste ano para vinte vagas. Se é por haver mais navios de guerra ou por deficiência de oficiais subalternos.
Há pouco, fiz umas ligeiras considerações, que agora repito, sumàriamente, na presença do Sr. Ministro da Marinha.
Estranhei que se alargasse o limite de idade para os 22 anos, porquanto, marcando o regulamento da Escola Naval a idade de 20 anos para a entrada nessa escola, e sendo certo que os alunos, que estavam o ano passado em condições de entrar para a Escola Naval, tinham vinte anos, parecendo, por isso, justo que êles entrassem êste ano para a escola, estranhei, repito, que com êsses se fôssem misturar outros que têm 22 anos.
E assim, presumi que isso seria para permitir nova matrícula a dois, três, quatro ou dez rapazes, que tivessem ficado reprovados, ou que não obtivessem média para passar de ano.
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Se realmente êste princípio se admite, porque não se põe, num modo geral, para todos os alunos, que o ano passado foram infelizes. Porque se há-de abrir uma excepção que parece ser só para dois alunos, podendo isso dar lugar a que amanhã apareçam mais alunos nas mesmas condições, e nós termos necessidade de vir pedir que se faça o mesmo, à semelhança do que aconteceu em 1923 a dois alunos?
Não seria então preferível fazer um artigo de carácter geral, alterando o regulamento das escolas e a legislação em vigor em que se dissesse: todos os alunos da Escola Naval que não obtenham m dia no 1.° ano poderão matricular-se no ano seguinte novamente. Achava isto mais natural.
Não sou técnico, mas no emtanto tenho igual direito de discutir como todos os Senadores; direi tolices talvez.
Não apoiados.
Mas no emtanto não deixo de expor a minha opinião sôbre qualquer projecto que se discuta.
Nunca no meu espírito houve o mais pequeno ódio, perseguição, má vontade ou favoritismo de qualquer espécie que possa prejudicar qualquer pessoa ou o Estado.
Não, quem não me conhecer e queira continuar a fazer essa injustiça è-me indiferente, não me importa Mas aqueles que me conhecem há já muitos anos, tenho a certeza que não dizem que venho aqui para beneficiar ou prejudicar alunos, porque são defensores da República, como não prejudicaria outros que fôssem defensores da monarquia, desde que tivessem o direito de ser tratados como qualquer cidadão dentro da República.
Não conheço aqui senão o que deve ser. É assim que discuto, e já não arrepio caminho.
Vou terminar, esperando que o Sr. Ministro diga qualquer cousa sôbre o assunto, pois pode muito bem ser que, tendo eu combatido esta emenda, com as explicações de S. Ex.ª talvez eu possa mudar de opinião e votá-la.
Não fico desonrado, nem sou incoerente, porque um homem de mais competência que eu me apresente razões convincentes.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Agricultura e interino da Marinha (Fontoura da Costa): — Fez-me o Sr. Artur Costa várias preguntas, às quais com muito prazer vou responder.
Ignoro qual é o número de alunos que 0 ano passado podiam ter concorrido à, Escola Naval, porque não houve concursos.
O Parlamento votou que, se até 31 de Dezembro não estivessem reformados os serviços de marinha, não se admitiriam alunos. Ficaria isso para depois.
O Sr. Ministro da Marinha, mais tarde, pensou em mandar abrir concurso para admissão de alunòs, mas ponderaram-lhe que isso era inconveniente, porque o ano lectivo não poderia fechar em 30 do Maio, como é costume, e teria de ir até Julho, ficando os trabalhos escolares altamente prejudicados. S. Ex.ª concordou e não se abriu concurso.
Por uma lei de equiparação foram promovidos quási todos os primeiros tenentes, de modo que a armada quási não tem oficiais subalternos.
Se a emenda é para proteger alunos do ano passado, era justo também que se abrangessem os de há dois, três ou quatro anos.
So se admitem alunos com 22 anos de idade, terminarão o curso aos 25, quando já são homens feitos e ainda aspirantes, o que é exquisito.
Até aos 21 anos aceito, por uma questão de justiça.
Se a Câmara aprovar a emenda, com que eu não concordo, o projecto terá do voltar à Câmara dos Deputados, que, senão aprovar, terá de enviar o projecto à reunião conjunta do Congresso, mas o encerramento do Parlamento está à porta.
O orador não reviu.
O Sr. Augusto de Vasconcelos: — Pedi a palavra quando o Sr. Ferreira de Simas invocava a sua qualidade de professor nesta discussão.
Pois também eu invoco a minha qualidade de professor, para dizer a S. Ex.ª que se trata duma desigualdade e duma injustiça.
Trata-se de cinco alunos que estavam nas mesmas condições, com pequenas diferenças de média, que é de 9,75. Quere
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dizer, êsses alunos ficam excluídos por 25 centésimos.
Trocam-se explicações entre o orador e os Srs. Artur Costa e Procópio de Freitas.
O Orador: — A proposta salva uns e exclui outros, quando eu só compreendo que se aceitem todos, ou se excluam todos. Aceitar uns e excluir outros por uma pequena diferença de idade, não é proceder com justiça.
E quanto ao Sr. Ferreira de Simas dizer que há agravo para o Conselho Escolar, eu não creio nisso.
Se o Conselho Escolar se julgasse agravado, vinha representar perante o Parlamento.
Eu não creio que êsse conselho se sinta melindrado, tanto mais que da parte dos professores há sempre a disposição para a benevolência com os seus alunos.
Entendo que a emenda do Sr. Pais Gomes deve ser aprovada; o contrário seria uma desigualdade e uma injustiça revoltante.
O orador não reviu.
O Sr. Procópio de Freitas: — Pedi a palavra para me referir a uma frase proferida pelo Sr. Ferreira de Simas.
Eu não fiz acusações algumas ao Conselho da Escola Naval, nem falei mesmo no Conselho da Escola Naval.
O Conselho não é quem dá as notas aos alunos.
Desde que há um aluno que não tem a média a que é obrigado por lei para poder ir a exame, o Conselho só tem de cumprir a lei.
Quanto ao facto de o Conselho ficar agravado com a resolução do Parlamento, não me parece que tal possa suceder, visto que êsses alunos não saíram da Escola Naval por falta de respeito, ou cousa semelhante.
Se assim tivesse sucedido, então, perfeitamente de acôrdo, o conselho teria de melindrar-se.
Mas o Parlamento está a pugnar por um princípio de justiça.
Desde que se vão favorecer três alunos, então façamos justiça completa.
Demais, tanta razão há para favorecer os alunos que, no ano passado, não entraram para a Escola Naval por não ter sido aberto concurso, como aqueles que foram vítimas da lei, que não lhes permitiu fazer exame na segunda época.
De maneira que, ou o Parlamento aprova uma medida de justiça, ou então reprova o projecto e a Escola Naval admite apenas os alunos, que estejam nas condições da lei em vigor actualmente.
O Sr. Artur Costa (para explicações): — Sr. Presidente: não sei se o meu ouvido me atraiçoou, mas pareceu-me ouvir dizer ao Sr. Augusto de Vasconcelos que há três alunos que estão nas mesmas condições e que se encontram abrangidos pelo artigo 1.° do projecto.
Diz o artigo 1.°:
«Os alunos que se encontravam habilitados com os preparatórios».
Logo, nenhum dêsses alunos frequentava ainda a Escola Naval.
O Sr. Procópio de Freitas: — Êsses três rapazes estão exactamente nas mesmas condições, porque em 1922 tinham os preparatórios para entrar para a Escola Naval e agora concorrem como civis, quere dizer, como se ainda não tivessem frequentado a Escola Naval.
O Orador: — Mas alêm dêsses rapazes há outros que estavam também habilitados com os preparatórios.
Ora, consultando a lei de 1903, citada no artigo 1.° do projecto, verifica-se que então se exigiam vários preparatórios para a entrada na Escola Naval, o que hoje, creio eu, está modificado por um diploma posterior.
Terminando as minhas considerações, dando por certa a interpretação que dou ao artigo 1.°, os rapazes que perderam o ano por falta de média ficam sujeitos às disposições regulamentares, a não ser que os alunos de 20 anos completos pudessem entrar de novo, porque então ficam incluídos os três.
O orador não reviu.
O Sr. José Pontes: — Sr. Presidente: não tinha vontade de entrar na discussão dêste projecto, mas porque o Sr. Artur Costa está guerreando a entrada dêstes alunos, direi que dos seis que perde-
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ram o ano passado por média um já está na Escola do Exército. Dos cinco restantes três estão nas condições da lei. Aparecem dois que não estão nas condições e para os salvar foi apresentada esta lei.
Eu, que fui estudante, e que fui dos piores estudantes, e que estive por duas, ou três vezes para ser afastado da Escola, vi sempre que os professores acima de tudo pensavam única e exclusivamente: são rapazes!
Os rapazes de hoje são os homens de amanha e muitos dos cábulas de ontem são os grandes homens de hoje.
Muitos apoiados.
Ora, se venho aqui tratar êste assunto com um bocado de calor é porque se trata de dois estudantes, e porque isto é uma cousa que briga com a nossa consciência.
Também não quero deixar de protestar contra o que se quere fazer.
Francamente êsse rigor não deve existir quando se trata de dois rapazes. Devemos, como mais velhos, estender a nossa mão e acarinhar os que são mais novos.
São os cábulas donde muitas vezes saem homens fortes e enérgicos para a vida.
No seu tempo de estudantes pouparam a sua energia para depois.
Quem diria que eu, na Escola Médica, tive por professor quem hoje aqui dentro é igual a mim.
Veja-se, pois, a forma de se beneficiar êsses rapazes, e neste sentido, dou o meu voto.
O orador não reviu.
O Sr. Aragão e Brito: — Exigiam-se três anos de preparatórios para a matrícula na Escola Naval e uma reorganização de serviços permitiu aos alunos com um ano matricularem-se na Escola.
Mas a idade foi mais elevada e fazendo-se a classificação consoante as habilitações.
Entraram alunos com diferentes anos de preparatórios e a classificação feita foi de harmonia com êsses preparatórios.
Agora está aberto concurso, nos termos da lei de 5 de Julho de 1903, para o ingresso de aspirantes de marinha e propõe-se nesta proposta de lei, que seja êste concurso dividido em duas partes, uma para os alunos, que já estavam habilitados com os preparatórios desde 1922 e outra para os que só habilitaram após o ano do 1922.
Como a idade é valor a entrar apenas quando houvesse igualdade nos coeficientes, lembrei o que propus.
Pretende-se agora elevar o limite de idade do 21 para 22 anos.
É uma razão que cala, uma razão humana.
Diz o Dr. Artur Costa que pode haver alunos dos cursos superiores em igualdade de condições.
Pode haver; mas é que êles não entraram por ter atingido o limite de idade; êste caso é perfeitamente excepcional, e, se se não abrisse essa excepção, não se podia vir aqui pedi-la. Ela tem uma explicação.
Um aluno que tem 9,75 de média tem ou não 10 valores?
Estou convencido que sim, à semelhança do que se faz nas outras escolas superiores, e até nos concursos para funcionários públicos, desde que o indivíduo tenha uma média superior a 9,5 é classificado como tendo 10 valores.
Ora, Sr. Presidente, um dos alunos encontra-se nestas condições, e, sem querer deminuir a Escola Naval, parece-me que com um bocadinho de boa vontade, mesmo imito pequenino que êle fôsse, era o bastante para o aluno que tem 9,75 valores passar a ter 10.
Parece-me, portanto, que outra razão houve que os obrigou a não lhe darem essa classificação, razão que não é do nosso conhecimento nem de ninguêm, a não ser talvez do conselho escolar da Escola Naval.
E, Sr. Presidente, isto com a agravante dêste aluno ter um passado manifestamente republicano, com qualidades morais, que lhe deviam conquistar os 25 centésimos, êsse quarto de média que lhe faltava para ser classificado.
Os alunos que entram para a Escola Naval pela primeira vez são seleccionados pela sua classificação.
Por consequência, êste aluno a quem o Parlamento deve permitir que concorra novamente à Escola Naval, ainda vai sujeitar-se a um concurso com outros alunos, que já obtiveram classificação; quere dizer: ainda estão na contingência
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de serem, ou não admitidos na Escola Naval; e, como sabemos, não é a primeira vez que se têm admitido alunos na Escola Naval, que já haviam perdido a tolerância, alguns dos quais em mais dum ano.
Sr. Presidente: como disse, a lei de 5 de Julho de 1915 não está bem clara, mas o que está claro, de facto, são os antecedentes que têm permitido aos alunos que têm perdido a tolerância na Escola Naval o matricularem-se novamente.
Acresce ainda a circunstância de que um dos alunos a quem, se não fôr elevado o limite de idade para 22 anos, fica fora da Escola Naval, é um dos mais classificados.
Argumenta-se também para o facto de não ser aprovada esta emenda aqui no Senado, que brevemente estamos no dia 10, dia que está combinado para se fazer a inspecção aos candidatos que fôssem admitidos à matrícula da Escola Naval. Ora admitindo-se aqui uma emenda, ela vai protelar a aprovação dêste projecto, e, por consequência, não servira ninguêm.
O facto de nós querermos tornar extensiva essa disposição a mais dois candidatos vai talvez prejudicar os outros.
Estou certo que o Parlamento, tendo em consideração as razões que obrigaram o Sr. Ministro da Marinha a apresentar esta proposta de lei, terá também em consideração as razões que forçaram o relator, Sr. Pais Gomes, a apresentar a emenda.
Parece, à primeira vista, que o facto de elevarmos a 22 anos o limite de idade vai prejudicar os concorrentes abrangidos neste artigo 4.°, mas não é assim, porque o número de concorrentes habilitados com os preparatórios no ano de 1922 é em número tal que não podem ser todos admitidos.
O facto de se dividir em duas partes o concurso, pode dar margem a que em qualquer dos grupos entrem candidatos com desiguais habilitações, podendo dar-se o caso do num grupo haver alunos com uma média de dez valores, e no outro grupo alunos com média de 14.
Não pretendendo fazer obstrucionismo, ou cansar a atenção da Câmara, dou por concluídas as minhas considerações.
O orador não reviu.
O Sr. Mendes dos Reis: —Requeiro a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se dá a matéria por discutida, sem prejuízo dos oradores inscritos.
O Senado aprovou.
O Sr. Ferreira Simas: — O Sr. José Pontes falou também ao coração dos meus colegas, pelo que não servirão de nada as minhas palavras contra a emenda.
Simplesmente quero levantar afirmações feitas pelos Srs. Procópio de Freitas e Augusto de Vasconcelos.
As classificações não podem ser estabelecidas senão por decisão do conselho escolar. Se êle entende que se pretende fazer uma injustiça não cede perante a opinião do professor.
Os professores, em geral, são amigos dos seus alunos e, em regra, incapazes de uma vingança. Se algum professor não é assim, não é digno dêste nome.
Devo acrescentar, que não é razoável adoptar medidas que tenham influência sôbre a organização duma escola e sobretudo dum estabelecimento de ensino superior, sem ser ouvido o respectivo conselho escolar. Responderei assim a uma outra afirmação do Sr. Augusto de Vasconcelos.
O Sr. Costa Júnior: — Sr. Presidente: entendo que o artigo com a emenda do Sr. Pais Gomes devem ser votados. Não lhe dou o meu voto, porque já tive a honra de fazer parte dum conselho escolar e só essa entidade deve ser competente para julgar estes casos, e não o Parlamento.
Concordo, mas não voto.
O orador não reviu.
O Sr. Medeiros Franco: — Sr. Presidente: o assunto que se está a discutir tem merecido uma particularíssima atenção da Câmara, e a proposta do Sr. Pais Gomes é fundamentalmente defensável, merece a minha melhor simpatia, e para isso não era preciso ouvir, como há pouco ouvi, a palavra quente, a palavra entusiasta do nosso ilustre colega Sr. José Pontes, alma sempre aberta para todos os ideais.
Para me convencer da justiça da causa não era necessário que S. Ex.ª apelasse para a bondade dos corações dos que o
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ouviram, porque do facto esta proposta tende a evitar que dois alunos sejam prejudicados, se ela não fôr aprovada.
Mas Sr. Presidente, devemos no Senado e em todo a parte seguir orientações práticas; parece que estamos na última sessão, e, se fôr admitida a proposta do Sr. Pais Gomes, não haverá possibilidade de se fazer votar na outra Câmara e, porventura, no Congresso, se a Câmara dos Deputados com ela não concordar.
Daí o que resulta?
Que os dois alunos não serão beneficiados, nem o serão também os três que já frequentaram a escola, mas que, talvez, por falta de média não puderam continuar a frequentá-la.
Há pouco ouvi o Sr. Ministro da Marinha, que aqui foi chamado a pedido do Sr. Artur Costa, dizer que o prazo para concurso terminava no dia 10 de Agosto. Não há, por conseqùência tempo para que, se o Senado aprovar esta proposta do Sr. Pais Gomes, ela possa ir à outra Câmara, e ali sofrendo, ou não a discussão que aqui tem sofrido, possa ser rejeitada, determinando essa atitude da Câmara dos Deputados a necessidade da convocação do Congresso para definitivamente sôbre ela se pronunciar.
É certo, Sr. Presidente, que nos merece toda a simpatia esta proposta, porque, de facto, não é pela admissão de dois alunos e, aliás, dos mais distintos que nesse ano frequentaram a escola, que vamos quebrar a disciplina. Eu também sou professor; sou director de uma escola e também, devo aos conselhos escolares todo o respeito e toda a consideração a que êles têm direito. E quando o ilustre Senador Sr. Procópio de Freitas disse há pouco que êsses alunos não haviam sido excluídos por mau comportamento, nem por motivo de disciplina, queria S. Ex.ª dizer que, pelo facto de não terem média, nós podíamos saltar por cima do parecer dos conselhos, porque isso não iria melindrá-los.
Da redacção do artigo concluo imediatamente que podem concorrer aqueles alunos que, embora tenham falta de média, frequentaram os dois anos da Escola Naval.
Como há pouco disse, é humana a proposta apresenta-la pelo Sr. Pais Gomes,
porquanto se ela não é aprovada, dois alunos ficam excluídos da frequência de uma escola para a qual se destinaram de princípio e que deram excelentes provas, visto que os excluídos eram os melhores.
Mas, se aprovarmos uma emenda, impedirá isso que à Escola Naval concorram os alunos habilitados com os preparatórios da lei de 5 de Julho do 1903?
E se não estiver nenhuma lei aprovada, que sucede?
O meu receio é que vamos aprovar uma cousa que seja inútil depois.
O orador não reviu..
O Sr. Pais Gomes: — Uso da palavra como relator.
Só agra soube, Sr. Presidente, que tinha sido nomeado relator dêste projecto por ter apresentado a proposta em discussão. O Sr. Artur Costa mostrou algumas dúvidas, que vou explicar a S. Ex.ª
Segundo os regulamentos da Escola Naval o indivíduo que não obtém média de 10 valores é excluído da Escola. Quere dizer, é excluído nesse ano, mas não fica por isso impedido de concorrer à Escola desde que tenha a idade legal.
Ora, Sr. Presidente, pela proposta em discussão estabelece-se uma excepção à regra geral estabelecida nessa lei, na qual se lixa 20 anos de idade para ser admitido.
E no presente caso estabelece-se uma excepção para uns indivíduos, seis foram êles, que foram excluídos o ano passado.
Dêsses indivíduos, um foi para a Escola do Exército e dos cinco restantes três têm 21 anos, e dois têm 22 anos.
Segundo o projecto em discussão estabelece-se uma excepção que se estende apenas aos que têm 21 anos.
Por que razão se não há-de fazer excepção a todos os que foram alunos. Por que razão não deve o projecto abranger todos, os que têm 22 anos e os que têm 21?
Parece-me que isto é de inteira justiça e é esta a razão da minha emenda.
Trocam-se explicações entre o orador e o Sr. Azevedo Coutinho, que não se conseguem ouvir.
O orador não reviu.
Foi aprovado o artigo 3.° em prova e contraprova requerida pelo Sr. Azevedo Coutinho.
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Foram aprovados os artigos 4.° e 5.° O
Sr. Procópio de Freitas requere dispensa da leitura da última redacção, sendo aprovado.
O Sr. Presidente: —Vou ler à Câmara a constituição da comissão que deve estudar as reclamações feitas sôbre vencimentos e estabelecer tabelas de vencimentos durante o interregno parlamentar:
São os Srs. Vasco Marques, Vicente Ramos, Silva Barreto, Ferreira de Simas, Carlos Costa e Alves de Oliveira.
Convoco o Congresso da República para ámanhã, às dezasseis horas, para cumprir o artigo 38.° da Constituição.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 10 minutos.
Os REDACTORES:
Adelino Mendes.
Albano da Cunha.