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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
SESSÃO N.º 102
EM 21 DE AGOSTO DE 1922
Presidência do Exmo. Sr. Manuel Gaspar de Lemos
Secretários os Exmos. Srs.
António Gomes de Sousa Varela
Luís Augusto Simões de Almeida
Sumário. - Feita a chamada verifica-se a presença de 21 Srs. Senadores. Lê-se a acta, que é aprovada, e dá-se conta do expediente,
Antes da ordem do dia. - O Sr. Afonso de Lemos requere e a Câmara aprova, que se discutam as alterações ao projecto de lei n.° 31 (caminhos de ferro). Foram aprovadas sem discussão e dispensadas da última redacção.
O Sr. Pereira Gil requere dispensa da impressão do projecto acêrca de empregadas do Govêrno Civil. Foi dispensada.
Os Srs. Ribeiro de Melo e Júlio Baptista referem-se à prisão dos diferentes oficiais de 19 de Outubro.
O Sr. Oriol Pena alude à noticia do transporte da baixela Germain. Responde o Sr. Ministro da Justiça (Catanho de Meneses) negando absolutamente o boato.
O Sr. Bulhão Pato fala acêrca da falsificação de alimentos. Responde o 'Sr. Ministro da Agricultura (Ernesto Navarro).
Dá entrada na sala o Sr. Procópio de Freitas, que presta a sua declaração de honra e toma assento.
Ordem do dia. - O Sr. Ministro da Agricultura (Ernesto Navarro) requere, o que foi aprovado, que se discuta o projecto de lei n." 24Í (empréstimos de 5:000 contos para trabalhos de arborização). Foi aprovado depois de terem falado os Srs. Gaspar de Lemos, Ministro da Agricultura e Lima Alves. Foi dispensada a última redacção.
Entra em discussão a proposta de lei n.º 26 (Transportes Marítimos). Falam vários Senadores ficando o Sr. Joaquim Crisóstomo, com a palavra reservada. A requerimento do Sr. Silva Barreto a sessão havia sido prorrogada.
Antes de se encerrar a sessão. - Os Srs. Pereira Gil e Silva Barreto propõem votos de sentimento pelo falecimento dos- Srs. Guilherme Moreira, professor de direito, e Augusto Ladeira, antigo Deputado. Associam-se todos os lados da Câmara.
Encerra-se a sessão.
Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:
Abílio de Lobão Soeiro.
Álvaro António de Bulhão Pato.
António Gomes de Sousa Varela.
António Maria da Silva Barreto.
Artur Octávio do Rêgo Chagas.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
César Justino de Lima Alves.
Constantino José dos Santos.
Ernesto Júlio Navarro.
Francisco José Pereira.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Francisco Vicente Ramos.
João Carlos da Costa.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
Joaquim Xavier de Figueiredo Oriol Pena.
José Augusto Ribeiro de Melo.
José Duarte Dias de Andrade.
José Mendes dos Reis.
Luís Augusto Simões de Almeida.
Manuel Gaspar de Lemos.
Silvestre Falcão.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Alfredo Narciso Marçal Martins Portugal.
Aníbal Augusto Ramos de Miranda.
António de Medeiros Franco.
Augusto Vera Cruz.
César Procópio de Freitas.
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Francisco António de Paula.
Frederico António Ferreira de Simas.
Herculano Jorge Galhardo.
João Catanho de Meneses.
João Maria da Cunha Barbosa.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
José Joaquim Fernandes Pontes.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Júlio Maria Baptista,
Nicolau Mesquita.
Querubim da Bocha Vale Guimarães.
Rodrigo Guerra Álvares Cabral.
Tomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.).
Vasco Gonçalves Marques.
Srs. Senadores que não compareceram à sessão:
António Alves de Oliveira Júnior.
António da Costa Godinho do Amaral.
António Xavier Correia Barreto.
Artur Augusto da Costa.
Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.
Duarte Clodomir Patteri de Sá Viana.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Francisco Xavier Anacleto da Silva.
João Alpoim Borges do Canto.
João Manuel Pessahha Vaz das Neves.
João Trigo Motinho.
Joaquim Mantiel dos Santos Garcia.
Joaquim Teixeira dá Silva.
Jorge Frederico Velez Caroço.
José António da Costa Júnior.
José Augusto de Sequeira.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Joaquim Pereira Osório.
José Machado Serpa.
José Nepomuceno Fernandes Brás.
Júlio Ernesto de Lima Duque.
Luís Augusto de Aragão e Brito.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Raimundo Enes Meira.
Ricardo Pais Gomes.
Roberto da Cunha Baptista.
Rodolfo Xavier da Silva.
Vasco Crispiniano da Silva.
Pelas 14 horas e 25 minutos o Sr. Presidente manda proceder à chamada.
Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 21 Srs. Senadores; Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Leu-se.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Senador pede a palavra, considera-se aprovada.
Vai ler-se o
Expediente
Ofícios
Da Câmara dos Deputados, acompanhando a proposta de lei que autoriza o Govêrno a adquirir o edifício onde estão instaladas as escolas primárias em Guimarães, com as suas dependências, e sob a administração da Comissão Jurisdicional dos Bens das Extintas Congregações Religiosas, para nele ficarem definitivamente instaladas as mesmas escolas e â escola primária superior.
Para as comissões, culturais, instrução e finanças.
Da Câmara dos Deputados, acompanhando as propostas de lei seguintes:
"Estabelecendo uma segunda época de exames para os alunos de ensino secundário".
Para as comissões de instrução e finanças.
Autorizando o Govêrno a contrair empréstimos destinados à construção de edifícios para escolas primárias e a reparação das existentes.
Para as comissões de instrução e finanças.
Telegramas
Do cidadão Portugal da Silva, de Leiria, protestando contra artigo República de hoje sôbre escola primária superior.
Para a Secretaria.
Duma comissão de empregados da junta freguesia, concelho de Elvas, pedindo sejam abrangidos nova lei subvenção.
Para a Secretaria.
Do administrador do concelho de Pôrto Mós, pedindo equiparação de vencimentos
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dos empregados das administrações gerais aos do Estado.
Para a Secretaria.
Dos empregados públicos de Portalegre, pedindo sejam incluídos projecto subvenções.
Para á Secretaria.
Pareceres
Da comissão dos negócios estrangeiros sôbre o projecto de lei n.° 253, regulando a promoção de cônsules.
Para imprimir e distribuir.
Da comissão de finanças, sôbre o projecto de lei n.° 209, determinando que os prejuízos causados pela revolta monárquica, em estradas, pontes, etc., sejam pagos pelo imposto estabelecido pela lei n.° 968.
Para imprimir e distribuir.
Da comissão de finanças, sôbre ò projecto de lei n.° 233, renovando por três anos p contrato de arrendamento do Mouchão de Esfola Vacas.
Para imprimir e distribuir.
Requerimentos
Do tenente Bento Freire de Matos Mergulhão, preso na casa de reclusão, em virtude dós acontecimentos de 10 de Outubro do ano findo, pedindo lhe seja dada a liberdade até julgamento.
Para a comissão de guerra.
Do major José Frederico Guilherme de Almeida Arez, preso na Trafaria, reclamando a sua liberdade.
Para a comissão de guerra.
Carta
De Aurélio Augusto Correia, fiscal dê obras municipais, em Monsão, pedindo para ser equiparado em vencimentos aos amanuenses das Câmaras.
Para a comissão de administração pública.
Projectos de lei
Do Sr. Júlio Ribeiro, em que é aplicável à polícia de investigação criminal do Pôrto o artigo 2.° do decreto n.° 5:574, de 10 de Maio de 19Í9.
Para a comissão de administração pública.
Do Sr. Teixeira da Silva, autorizando o Govêrno a nomear uma comissão de inquérito para nos Açôres estudar quais são as condições de vida daqueles povos.
Para segunda leitura.
Do Sr. Teixeira da Silva, sôbre o prolongamento dam Cais da Baía de Angra do Heroísmo.
Para a comissão de obras públicas,
Pedido de licença
Do Sr. José Augusto de Sequeira. Concedida.
O Sr. Presidente: - Vou abrir a inscrição para
Antes da ordem do dia
O Sr. Afonso de Lemos: - Já se acham impressas e distribuídas as alterações introduzidas pela Câmara dos Deputados ao projecto de lei n.° 39, que eu apresentei, sôbre caminhos de ferro.
Essas alterações têm parecer favorável das comissões do Senado. Requeiro que entrem em discussão.
Foi aprovado.
Lêem-se.
São as seguintes;
Pertence ao n.° 89
Alterações introduzidas pela Câmara dos Deputados à proposta de lei n.° 39 do Senado.
Artigo 1.° Dos recursos previstos na segunda parte de artigo 3.° da lei n.° 1:246, de 29 de Março do corrente ano, serão desde já aplicadas as importâncias adiante mencionadas à construção dos caminhos de ferro e obras seguintes:
[Ver valores da atabela na imagem]
Grupo A:
Linha do Barreiro a Cacilhas (conclusão até o Seixal)
Linhal de Cintura do Pôrto (Contumil a Leixões e ramal de S. Gemil e Ermezinde)
Linha de Estremoz a Castelo de Vide (conclusão até Fronteira)
Linha do Guadiana:
a) Trôço de Évora a Reguengos (conclusão)
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[Ver valores da tabela na imagem]
b) Troço de Serpa-Briches a Serpa
Linha de Régua a Lamego
Ponte sôbre o Sado em Alcácer
Linha do Vale de Sabor (lanços de Carviçais a Bruço e de Bruço a Mogadouro)
Linha do Vale do Tâmega (troço de Gatão a Freixieiro)
Ramal de Portimão a Lagos (conclusão)
Ramal de Sines (até Santiago do Cacem)
Linha de Évora a Ponte de Sor (troço de Mora a Montargil)
Estudos de linhas incluídas ou a incluir nos planos ferroviários do Estado)
Grupo B:
Ampliação, alargamento, beneficiação, conclusão e duplicação de parte da via existente e de algumas estações, gares e edifícios, nas linhas do Minho e Douro
Idem nas linhas do Sul e Sueste e conclusão de estradas de acesso
Grupo C:
Construção de casas para habitação do pessoal ferroviário nas linhas do Minho e Douro
Idem nas linhas do Sul e Sueste
Soma
Artigo 2.° Aprovado.
§ único. Aprovado.
Art. 3.° A dotação a que se refere o artigo 1.° será descrita no orçamento do corrente ano económico do Ministério do Comércio e Comunicações, na despesa extraordinária e no capítulo 15.°, Caminhos de Ferro do Estado, constituindo o artigo 343.°-A, sob a rubrica "Construção de novas linhas".
§ único. Aprovado.
Art. 4.° Aprovado.
Art. 5.° Nos termos do artigo 5.° da carta de lei de 1 de Julho de 1903, o Govêrno negociará com a Companhia dos Caminhos de Ferro do Mondego a conclusão do caminho de ferro de Lousa a Arganil, acautelando-se rigorosamente os interêsses do Estado e a integridade do plano ferroviário de entre o Tejo e Mondego.
§ único. Os encargos do Estado provenientes dessas negociações serão cobertos pelo fundo especial de caminhos de ferro.
Art. 6.° Fica o Govêrno autorizado a contratar com a Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro a construção e exploração do prolongamento da linha de via reduzida de Santa Comba Dão a Viseu, até encontrar a linha de Tua a Bragança, com garantia de juro não superior a seis por cento respeitante ao capital que tiver de se empregar nessa construção sob a fiscalização do Estado.
Art. 7.° O artigo 5.° da proposta. Aprovado.
Palácio do Congresso da República, em 9 de Agosto de 1922. - Domingos Leite Pereira - Baltazar de Almeida Teixeira - João de Ornelas da Silva.
Senhores Senadores. - A vossa comissão de obras públicas é de parecer que devem ser aprovadas as alterações introduzidas pela Câmara dos Deputados na proposta de lei n.° 39. Mas, entende que não deve deixar de salientar que o § único do artigo 5.° não poderá ter execução, porque o fundo especial de Caminhos de Ferro do Estado tem que ocorrer aos encargos de empréstimos já contraídos e a outros que se torna indispensável contrair, já mencionados no Orçamento do corrente ano económico, além de ter ainda de fazer face a garantias de juro de diversos empréstimos, conforme a legislação em vigor. Assim, não poderá certamente, o fundo especial de caminhos de ferro, garantir os interêsses do Estado cobrindo as despesas resultantes da execução do referido artigo 5.°
Sala das Sessões, 18 de Agosto de 1922. - Herculano Jorge Galhardo - Rodrigo Guerra Alvares Cabral - Afonso de Lemos - Artur Octávio do Rêgo Chagas - Vicente Ramos, relator.
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O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
Pausa.
Como ninguém peça a palavra, são sucessivamente postas à votação, sendo aprovadas.
A requerimento do Sr. Ribeiro de Melo, é dispensada a última redação.
O Sr. Pereira Gil: - Está sôbre a Mesa um projecto de lei que trata de empregados dos governos civis. Requeiro a dispensa da impressão.
Foi dispensada.
O Sr. Ribeiro de Melo: - Sr. Presidente: Como V. Exa. sabe, o Senado resolveu deferir o requerimento do Sr. Procópio de Freitas.
Em vista do que, V. Exa., com todo o zelo e solicitude, mandou ao Sr. comandante da divisão de Lisboa a participação respectiva. Êste, porém, esteve cêrca de 36 horas sem dar satisfação, ou cumprimento à resolução desta Câmara.
Isto dá-me lugar a estranhar o procedimento do Sr. comandante da divisão, que parece fazer do seu lugar acto de campanha e hostilidade contra os oficiais presos na Trafaria.
Êsses oficiais requereram, não só ao Senado, como à Câmara dos Srs. Deputados, que lhes fôsse dada homenagem, em consequência dos processos estarem muito demorados.
Isso era das atribuições do comandante da divisão, a quem foi pedido não se conseguindo.
Nestas circunstâncias, peço à Câmara que se pronuncie acêrca do pedido constante dos requerimentes dêsses oficiais. Sei que êles não são parlamentares, mas tenho também direito de duvidar da imparcialidade do Sr. comandante da divisão, pelo que há pouco referi.
Aproveito êste ensejo para preguntar a V. Exa. Sr. Presidente, quais as razões por que desapareceu da ordem do dia a proposta de lei da iniciativa do Sr. Ministro da Guerra e que promove a generais quatro coronéis.
O Sr. Presidente - O Sr. Ministro da Guerra é que a pediu à Mesa, dizendo não estar hoje em Lisboa. Consequentemente não se podia continuar a discussão desta proposta.
O Orador: - Estou satisfeito, muito obrigado a V. Exa.
O orador não reviu.
O Sr. Oriol Pena: - Sr. Presidente: desejo chamar a atenção do Govêrno para uma notícia que encontro num jornal como transcrita de O Rebate, jornal a que chamam órgão das comissões do Partido Democrático, em que se formula a idea de transportar nas bagagens da missão presidencial a rica baixela de Germain, destinada aos banquetes oficiais.
Declaro desde já que não acredito no boato; mas, boato ou balão de ensaio, entendo chamar a atenção do Govêrno para êste facto e pedir qualquer explicação que os Srs. Ministros entendam dar a êste respeito.
Como V. Exa. sabe, e como a Câmara sabe, a baixela de Germain tem, não só um grande valor metálico, mas também artístico. A mais insignificante peça dessa baixela tem enorme valor real, artístico e histórico e é digna dum museu.
São precisas todas as cautelas com a guarda dessas* preciosidades; é preciso não consentir que essas peças artísticas vão ficar sujeitas às contingências duma viagem e dos maus tratos, que mãos imperitas lhes possam inflingir.
Chamo, por isso, a tempo a atenção do Govêrno, pedindo-lhe que esteja acautelado e me não force a vir aqui mais tarde acusar alguém de falta de zelo pelo nosso património artístico e pedir-lhe contas pelos estragos ou estravio de alguma dessas peças, obras primas do grande ourives Germain, as melhores que êle produziu e são únicas no mundo!
Aguardo as declarações do Govêrno, e, se elas me satisfizerem cabalmente, gostosamente ficarei por aqui.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): - Pedi a palavra para dizer ao ilustre Senador, Sr. Oriol Pena, que não passa efectivamente dum boato o que S. Exa. leu no jornal, e ainda bem que S. Exa. me deu ensejo de, em nome do Govêrno, dizer que não foi autorizada a ida dessa baixela ao Brasil.
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O Sr. Bulhão Pato: - Aproveito o ensejo de estarem presentes os Srs. Ministros da Justiça e da Agricultura, a quem tenho a honra de prestar a homenagem dos meus respeitos, a fim de chamar a atenção do Govêrno para uma notícia que li num jornal e que trata da falsificação de produtos alimentares. Esta notícia não vem em forma de boato, mas em forma de entrevista dada, nem mais, nem menos por um funcionário dos abastecimentos e na qual se diz que não se trata é, de adicionar a água, ou qualquer substância como esta que apenas nos danifica a algibeira, mas sim dum produto ainda não determinado nos laboratórios, mas que já está averiguado que é nocivo à saúde.
E o azeite:
Adiciona-se ao azeite um produto ainda não determinado pelos laboratórios, que causa graves consequências e porventura até a morte das pessoas fracas e doentes.
Êste caso afigura-se-me muito grave, e é necessário que o Govêrno olhe para êle. Em toda a parte se falsificam géneros, mas também em toda a parte há as sanções correspondentes a êsses crimes.
Estive algum tempo em países de bandeira britânica, e essas transgressões são aí punidas com a multa mínima de 20 libras, indo essa punição até a prisão com trabalhos forçados.
Entre nós aplica-se uma multa irrisória de 2 ou 5 escudos.
Chamo por isso, a atenção do Govêrno para êste caso, que é grave. O Govêrno tem sabido manter a ordem pública, a circulação nas ruas está livre, e por isso êíe merece todo o nosso elogio, bem como a fôrça armada. (Apoiados).
Mas a orcem pública não é só manter a ordem nas ruas; é preciso também mante-la nos lares.
A livre circulação nas ruas, como a ordem pública nas ruas, é apenas uma consequência da ordem dos lares.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Agricultura (Ernesto Navarro): - Em resposta às considerações feitas pelo ilustre Senador que acaba de falar, devo dizer que tomo na maior consideração as suas palavras, que de facto são para ponderar, visto os abusos contínuos que se praticam falsificando os géneros de primeira necessidade.
Como V. Exa. sabe, a punição dêsses crimes pertence aos tribunais, mas os processos que para lá vão, não têm tido muitos dêles seguimento. O Govêrno está animado da melhor boa vontade, para obviar a dêsses inconvenientes, pois entende que é preciso pôr um freio à ganância de todos êsses exploradores que falsificam os géneros.
O Sr. Bulhão Pato (para explicações): - Agradeço ao Sr. Ministro da Agricultura as suas explicações, e confio em que o Govêrno tomará as providências necessárias.
O Sr. Júlio Maria Baptista: - Sôbre as considerações há pouco feitas pelo Sr. Ribeiro de Melo devo dizer que as divido em duas partes.
A primeira é aquela em que S. Exa. diz que houve negligência por parte do comandante da divisão de Lisboa em cumprir uma lei do Parlamento que mandava pôr em liberdade o Sr. Procópio de Freitas. Quanto a esta parte acho os seus reparos muito sensatos, e entendo que o Sr. Ministro da Guerra deverá mandar averiguar se de facto houve negligência, ou apertas qualquer facto imprevisto que fizesse retardar o cumprimento dessa ordem do Parlamento.
Sôbre a outra parte, aquela em que o Sr. Ribeiro de Melo diz que nos meios militares existe má disposição contra os oficiais presos, devo dizer que isso deriva do papel que êsses oficiais tiveram na revolução de 19 de Outubro, com a qual eu não concordei, se bem que eu reconheça que nesse movimento, além da intervenção do espírito militar, houve também intervenção política, mais ou menos inconfessáveis, entraram pessoas cheias de sinceridade e com a convicção de que iam bem servir o seu país.
Erraram? Em minha opinião creio que sim.
Eu devo, dizer que êsse movimento foi inconveniente e prejudicial, os motivos que o determinaram não deixaram de ser até certo ponto justificados.
A asserção de que os partidos políticos tinham falido é uma asserção absolutamente exagerada.
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Mas o que é verdade é que em geral a acção política no nosso país não correspondeu nem aos interêsses do Estado, nem aos programas dos partidos.
Eu ouvi há pouco dizer que as propostas de finanças iriam suprimir o imposto de rendimento, e deixar de pé o imposto sôbre transacções. Êstes impostos podem-se classificar de duas maneiras. Imposto sôbre transacções ou imposto dos pobres, e imposto de rendimento, que é o imposto dos ricos.
Não é justo eliminar o imposto dos ricos e deixar de pó o imposto dos pobres. Fazer isto seria a negação absoluta dos princípios do partido mais avançado desta Câmara, e eu não creio que êle o faça. Fazer isso seria uma verdadeira monstruosidade. Voltando porém à revolução de 19 de Outubro, eu devo dizer que não duvido das boas intenções dêsse movimento. Essa revolução foi inoportuna, foi um grande êrro, mas é preciso no emtanto atender a que não é justo que se estabeleça qualquer procedimento de perseguição contra aqueles que entraram nesse movimento, mas sim apenas punir aqueles que devem ser castigados.
A intervenção do Senado, ou da outra Câmara, a respeito de qualquer dos implicados que não estejam no caso particular em que estava o Sr. Procópio de Freitas, não se pode de forma alguma admitir.
Assim como eu entendo que o Poder Legislativo não deve admitir qualquer invasão das suas atribuições, também entendo que êle não deve invadir atribuições de quem quer que seja.
E esta a minha opinião.
O Sr. Ministro da Agricultura (Ernesto Navarro): - Visto não estar presente o Sr. Ministro do. Comércio e de acôrdo com S. Exa. pedia para entrar já em discussão o projecto n.° 241.
Aprovado o requerimento.
O Sr. Presidente: - Está nos corredores o Senador Procópio de Freitas; convido os Srs. Ramos de Miranda, Vasco Marques e Constantino Santos a introduzirem S. Exa.
E introduzido e toma assento.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o projecto de lei n.° 241.
Lê-se. É o seguinte:
Projecto de lei n.° 241
Artigo 1.° Da verba inscrita no artigo 1.° e a que se refere a base A da lei n.° 1:246, de 29 de Março de 1922, 5:000.000$ serão utilizados no desenvolvimento dos serviços de arborização de serras e dunas, bem como nos trabalhos de hidráulica florestal.
§ único. Dos 5:000.000$ a que se refere êste artigo serão destinados 300:000$, exclusivamente, a dar aplicação às disposições consignadas no decreto n.° 5:784, de 10 de Maio de 1919.
Art. 2.° Para o cumprimento do disposto no artigo anterior, o Govêrno procederá, após a promulgação desta lei, à abertura dum credito especial de 5:000.000$ a favor do fundo especial dos Serviços Florestais e Aquícolas, devendo a mesma importância dar entrada na Caixa Geral de Depósitos em conta do referido fundo.
Art. 3.° A verba concedida destinar-se há, nos termos do artigo 45.° da parte vi do decreto de 24 de Dezembro de 1921, que organizou os serviços agrícolas, exclusivamente ao custeio dos serviços florestais, incluindo a aquisição de terrenos para arborização.
Art. 4.° Aos serviços florestais pertencerá, tanto quanto lhe permitirem as condições locais e os seus recursos materiais, desenvolver economicamente os trabalhos nos perímetros de arborização existentes ou criar outros novos, tendo em atenção, como elemento de cálculo, que ao aumento da área arborizada sob a acção directa do Estado corresponderá nos anos subsequentes maior dispêndio, com a cultura dos novos arvoredos criados ou adquiridos.
Art. 5.° Nos orçamentos dos serviços florestais se irá utilizando a receita extraordinária de 5:000.000$ concedida por esta lei, na medida das possibilidades do desenvolvimento dos trabalhos incluindo-se já no orçamento para a gerência de 1922-1923, a verba de 800.000? sob as rubricas de receita e despesa extraordinária de arborização, verba que o Conselho de Administração da Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas distribuirá pelas diversas circunscrições.
Art. 6.° O Ministro da Agricultura poderá autorizar o fornecimento de ma-
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deiras das matas do Estado, até a quantidade de 1:000 metros cúbicos anuais aos corpos e corporações administrativas, cooperativas e quaisquer outros organismos de assistência, beneficência e previdência para construção ou reparação de edifícios destinados a assistência, beneficência e previdência, com redução de 25 por cento do preço da estiva que anualmente fôr fixada para os cortes nas referidas matas.
§ 1.° Os pretendentes enviarão às estações oficiais competentes de que dependem os requerimentos acompanhados do projecto e orçamento detalhado da obra, com indicação da quantidade de madeira que desejam adquirir, e por forma que essas estações sôbre elas dêem informação fundamentada e os remetam ao Ministério da Agricultura até o dia 1 de Setembro de cada ano.
§ 2.° Deferido o requerimento será comunicado ao Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral.
§ 3.° Quando se verificar que a entidade ou organismo requerente deu às madeiras aplicação diversa daquela para que foram cedidas, serão obrigados a indemnizar o fundo especial dos Serviços Florestais e Aquícolas com os 25 por cento de redução e mais 25 por cento de multa, sendo relegados às execuções fiscais quando não satisfaçam a importância devida por esta cominação no prazo de sessenta dias depois de intimados pela Direcção Geral dos Serviços Florestais (c) Aquícolas.
Art. 7.° O Govêrno poderá, proporcionalmente ao aumento da área que for sendo arborizada, contratar o pessoal técnico necessário e ampliar o quadro dos guardas florestais.
Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrário.
Palácio do Congresso da República, em 21 de Agosto de 1922. - José Joaquim Pereira Osório - João Carlos da Costa - Francisco António de Paula.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
O Sr. Gaspar de Lemos: - Este projecto é daqueles que não tem maior discussão, porque não há senão que elogiar o £;r. Ministro pela sua apresentação.
Os serviços florestais são daqueles serviços mais bem organizados, e os seus funcionários têm-se distinguido pela sua competência e pelo cuidado em proceder ao revestimento do país, que devia não ter menos de um têrço do território arborizado, quando não atinge mais de 25 por cento.
O progresso tem sido enorme de há 20 anos e a receita têm atingido cêrca de 1:200 contos, quantia aliás insignificante para regularizar a arborização do pais, tornando-se necessário um subsídio especial de arborização.
Os serviços florestais dividem-se em dois ramos: o da arborização das dunas e dos montes.
Destes, avultam o Gerez e a Serra da Estrela; das dunas avulta a arborização entre o Mondego e o Lis, abrangendo o pinhal de Leiria.
Esta arborização não pode ser feita senão pelo Estado.
Só o Estado é que pode ter êsses serviços, mas êsses serviços não deixam de ser importantes, sobretudo pela influência que exercem não só no clima como na economia do país.
Se não fôsse o pinhal de Leiria, não existiam as indústrias da Marinha Grande e outras.
O pinhal de Leiria numa extensão de 50 hectares, fornece gratuitamente carradas de rama e de mato que são aproveitadas para adubos e de grande utilidade para a economia local, o que representa muitas centenas de contos; além disso o Estado com o aproveitamento das dunas e das serras procede com grande acerto, porque vai fazer com que os particulares também assim procedam na arborização das serras, do que resultariam grandes benefícios, não só para aquelas localidades como para os nossos portos, porque ninguém ignora a necessidade que há de se fixarem as correntes dêstes rios.
O porto da Figueira da Foz não pode ter um seguro abrigo sem que se faça a fixação das correntes do Mondego.
Êste assunto de há muito me interessa, tem sido aqui já por mim tratado, e o que digo com respeito ao Mondego o mesmo devo dizer com respeito ao Tejo e ao Douro, que estão completamente abandonados.
Portanto seria estar a perder tempo em
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fazer mais largas considerações sôbre esta proposta de lei.
Nós não podemos contar em equilibrar a situação financeira do país apenas por vias de impostos, em aumentos de receitas e redução de despesas, tão difíceis algumas vezes de realizar; temos de trabalhar, temos sobretudo de pensar na criação de riqueza.
Eu sei que não é só pelo problema florestal que o assunto se resolve, há de ser com muitos outros, como por exemplo o da educação geral, da irrigação, etc., mas neste serviço é muito importante o princípio de, criar riquezas. Portanto, não posso deixar de acentuar que êste projecto merece não só a aprovação, como também o aplauso da Câmara.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Agricultura (Ernesto Navarro): - Pedi a palavra apenas para agradecer ao meu ilustre amigo o Sr. Gaspar de Lemos as palavras que acaba de proferir acêrca desta proposta de lei, tanto mais que eu devo dizer que esta proposta nasceu dum passeio que eu dei às dunas de Mira, tendo sido convidado por S. Exa.
É facto que as dunas tiverem uma série de auxiliares estranhos ao serviço, e propagandistas, e entre êles encontra-se S. Exa. o Sr. Gaspar de Lemos, que acaba de falar.
Agradeço novamente as palavras de S. Exa. e não acrescentarei mais nada, visto a Câmara já estar elucidada sôbre os serviços que isto vem prestar ao país.
Foi aprovada na generalidade.
O Sr. Presidente:-Vai passar-se à discussão na especialidade. Lê-se o artigo 1.°
O Sr. Lima Alves:-Sr. Presidente: conheço um médico que interrogado sôbre qual era a sua especialidade, respondeu que era a generalidade.
Esta proposta de lei está num sentido oposto, o que devia estar na generalidade está na especialidade e, particularmente no artigo 1.° e ainda muito mais no parágrafo único dêsse artigo. Pertenço, Sr. Presidente, à comissão de agricultura que assinou um dos pareceres favoráveis a esta proposta de lei, e assinei-a sem declarações de qualquer espécie, quere dizer Sr. Presidente que com ela concordava quer na generalidade, quer na especialidade.
Sobretudo, Sr. Presidente, concordei com ela na generalidade, e não quero dizer que discorde na especialidade, porque isso me obrigaria ou a fazer qualquer proposta de emenda, ou aditamento, ou emfim de qualquer natureza.
Mas, Sr. Presidente, não quero deixar agora de me associar às palavras do Sr. Afonso de Lemos, palavras de elogio que dirigiu ao Sr. Ministro da Agricultura.
Efectivamente S. Exa. praticou uma obra digna de elogio pela apresentação desta proposta ao Senado, e eu muito mais satisfeito ficaria e então é que nenhuma objectiva faria, se porventura esta proposta de lei chegasse a esta Câmara tal como S. Exa. a propôs na Câmara dos Deputados.
Verifico que ela chegou aqui com uma modificação que vai trazer um vício importante nesta proposta, modificação essa que não é da responsabilidade do Sr. Ministro da Agricultura.
Não teria dúvida nenhuma em propor a eliminação do aditamento que foi feito na Câmara dos Deputados, se porventura visse que essa eliminação dava um remédio efectivo, mas não; ainda mesmo que fôsse aprovada pelo Senado estou convencido que o resultado seria o mesmo, visto que continuaria a ser lei do Estado justamente aquela lei a que se refere o artigo 1.°, lei que estava nas minhas intenções propor a sua modificação, ou completa revogação, nesta Casa do Parlamento.
Ora, Sr. Presidente, é justamente êste decreto que se relembra aqui nesta proposta de lei, o n.° 5:784 que, a meu ver, devia ser simples e puramente revogado, a não ser que se lhe dêsse uma profunda remodelação para o tornar mais justo, patriótico e democrático.
O que diz o decreto n.° 5:784?
Êste decreto n.° 5:784 encontra-se neste volume do Diário do Govêrno que deve ser muito conhecido de todos os parlamentares; é o volume de Maio de 1919.
E aquele volume que encerra o número infinito de decretos e de suplementos. Quere dizer que é o volume em que se
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fizeram aquelas aluviões de leis que passaram com verdadeiro escândalo a legislação portuguesa.
Pois, Sr. Presidente, é uma das leis dessa natureza, suplementos ao Diário do Govêrno, que se vai agora querer ressuscitar! Isto poderia fazer-se se representasse interêsse para a economia nacional a letra dêste decreto, mas, a meu ver, estamos muito longe de que assim seja.
Veiu dizer o motivo porque tenho êste meu modo de ver.
Poucas objecções teria a fazer a êste capítulo se porventura não fora a existência do artigo 2.° A êste artigo apenas se pode fazer uma reflexão, é que não sei. quais os motivos por que se deve considerar um dever aos proprietários que tenham mais de 100 hectares de terreno para cultivar ou arborizar, e se não considere o mesmo dever para os proprietários que tenham 60, 70, 80, etc., uma área mais ou menos susceptível de ser arborizada.
Proprietários que tenham terrenos duma área de mais de 100 hectares são com certeza lavradores que têm outras centenas de hectares de terrenos, por consequência que têm bons rendimentos. Os proprietários nestas condições deveriam ser obrigados à arborização dos seus terrenos e não pelo que regula o artigo 2.° dêste decreto.
Relativamente ao artigo 2.°, ligando êste artigo com o 1.°, nós vemos o seguinte: é que o Estado se propõe por meio dêste decreto auxiliar o lavrador. ^Mas qual o lavrador que o Estado se propõe auxiliar?
Primeiro, o lavrador mais rico, isto é, o que tiver maior área de terreno para arborizar; segundo, o que se tiver mostrado mais negligente, isto é, dar êsse prémio à riqueza e à negligência.
Isto é tudo quanto há de menos racional, só quem tiver mais de 100 hectares, só quem fôr negligente é que poderá ver os seus terrenos arborizados, não por êles, mas arborizados pelo Estado.
O Estado é que terá obrigação de semear ou plantar êsses terrenos, o Estado é que faz todas as despesas, é quem emprega todo o seu capital, o Estado não vai receber sequer o juro do seu capital, quando muito recebe a pouco e pouco, mas só passados bastantes anos é que começará a ser creditado, e isto pelas ligeiras limpezas que fizer nas matas.
Quere dizer, como se trata de terrenos de má qualidade, onde a vegetação é lenta, só passados 20 ou 30 anos é que poderá ter algum rendimento, e é então que o Estado receberá as quantias que despendeu, ainda com a agravante de, passado êsse tempo, quando fôr uma mata bastante valorizada, o proprietário vem e diz: esta mata é minha, porque há 20 ou 30 anos, êste terreno era meu e eu nesse tempo, por negligência, não o quis arborizar, mas o Estado, por um favor especial, veio arborizá-lo, agora o Estado já não tem nada com isto, porque esta propriedade é minha.
Repito, isto é tudo quanto há de mais irracional; suponho que êstes motivos são o suficiente para chamar a atenção do Parlamento para o parágrafo que nos obriga a mobilizar 300° contos daqueles 50:000 contos que o Sr. Ministro da Agricultura nos pediu para serviços desta natureza. São 300 contos que o Estado porventura só daqui por 20 ou 30 anos poderá começar a receber alguma importância daquilo que despendeu, ficando em todo o caso com o risco de não receber nem um vintém, nem mesmo com o que despende com o pessoal técnico e dirigente. Ora. isto é tudo quanto há de mais injusto.
Como fazia tenção de mandar para a Mesa um projecto de lei que regulava êste decreto, mais ou menos neste sentido, não incluía os proprietários que tivessem mais de 100 hectares de terreno, mas também não excluía os que tivessem menos de 100, porque é natural que haja 2, 3 ou 4 proprietários mais modestos do que êstes que têm mais de 100 hectares incultos, cujos terrenos se pudessem submeter, como digo, economicamente à arborização. E assim, eu disporia as cousas por forma a auxiliar de preferência êsses pequenos proprietários para regularizar os terrenos.
Pelo contrário, aos grandes proprietários que por negligência deixassem de plantar árvores, eu procuraria meios de os obrigar a isso e não lhes concederia prémio algum.
Eis, Sr. Presidente, as considerações que eu não poderia deixar de produzir
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antes da presente proposta ser transformada em lei.
Deve fazer-se a remodelação dos serviços dos diferentes Ministérios.
O Sr. Ministro da Agricultura certamente terá já a sua orientação, mas eu não poderia deixar de chamar a atenção de S. Exa. para aquilo que julgo ser extraordinário na presente proposta.
Se porventura o Sr. Ministro da Agricultura julgar que há alguma cousa de razoável naquilo que eu acabo de expor, S. Exa. que tome-os seus apontamentos e dêles aproveitará o que achar mais conveniente. Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Gaspar de Lemos: - Sr. Presidente: ouvi com toda a atenção as considerações do ilustre colega Sr. Lima Alves, e declaro desde já que, em-princípio, fundamentalmente, concordo com S. Exa.
O § único do artigo 1.°, a que S. Exa. B se referiu, é realmente inútil, mas não há perigo em que êle passe na lei, porque é inexequível.
Era conveniente que o Estado pudesse exercer coacção sôbre os proprietários para que êles mandassem arborizar os terrenos, mas por insuficiência dos serviços florestais, êle não teria meio de dar aplicação ao § único do artigo 1.°
É evidente que os proprietários não vão expontâneamente dar execução a êste § único do artigo 1.° e não haverá Ministro que passe por cima da organização autónoma dos serviços florestais, para exercer essa coacção; para obrigar a realizar um determinado perímetro aqui, ou acolá.
Pelo que diz respeito à arborização de áreas inferiores a 100 hectares, acho que não vale a pena pensar nisso. Julgo que, nem ao Estado, nem aos particulares vale a pena pensar na arborização de perímetros inferiores a 100 hectares. Os resultados tirados dêsses perímetros não podiam pagar-se, e tal exploração. fica impossível de organizar.
Concordo com as considerações de S. Exa.
Era isto que eu queria dizer sôbre o artigo 1.°, mas, visto que estou com a palavra sôbre êste assunto, não quero deixar de pedir a V. Exa., Sr. Presidente, que consulte a Câmara sôbre se ela consente que seja publicado no Diário do Govêrno o relatório que antecede esta proposta, pois êle contém elementos de estudo que convém tornar públicos.
O orador não reviu.
O Sr. Lima Alves: - É deveras para agradecer ao Sr. Gaspar de Lemos o reforço que veio trazer às minhas palavras, reforço de tal forma, que eu, não estando disposto a mandar para a Mesa qualquer emenda, vejo-me agora com grande vontade de enviar, não uma emenda, mas uma proposta de eliminação ao § único que discuti.
S. Exa., a explicação que deu foi esta: O § único é inexequível, Ora, estarmos a legislar disposições inexequíveis, suponho eu que não é a nossa missão.
A nossa missão deve ser legislar aquilo que nós suponhamos ser exequível.
Não basta já aquilo que nós estamos observando continuamente, de leis que nós aqui aprovamos e que temos a consciência de que devem ser exequíveis, estarem constantemente a serem sofismadas, e a serem dadas como letra morta, quanto mais ainda dizer-se que o que legislamos é inexequível.
A nossa missão não é essa.
Eu não mando para a Mesa uma proposta de eliminação a êste parágrafo, por um outro motivo: é porque entendo, ao contrário do Sr. Gaspar de Lemos, que êsse parágrafo é inexequível. Pelo contrario, esta lei é obrigatoriamente exequível.
Esta lei manda que, obrigatoriamente, taxativamente, se apliquem os 300 contos na arborização. Não me parece, portanto, que nem o Govêrno, nem os serviços florestais tenham autoridade para dizer que não executam uma lei do Parlamento.
Este parágrafo é muito nítido na sua redacção.
E bem explícito: "Será destinado exclusivamente".
Êstes 300 contos não podem ser aplicados por qualquer outra forma, ainda mesmo que os serviços florestais e o Ministro vejam que êles não podem ser aplicados à arborização.
Entendo que, desde que houvesse a impossibilidade de aplicar êsses 300 contos à arborização, seria preferível em-
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pregar essa quantia em trabalhos mais completos e mais importantes.
Quanto à segunda objecção feita pelo Sr. Gaspar de Lemos, devo dizer que concordo com S. Exa., mas que me parece que o ilustre Senador prestou a devida atenção às minhas palavras.
Eu concordo que, efectivamente, uma área inferior a 100 hectares não possa convenientemente ser trazida ao regime florestal, e por isso achava preferível que a 1, 2, 3 ou 4 proprietários que tivessem áreas de 50, 60 ou 70 hectares, e que não tenham os meios necessários para arborizar êsses terrenos, dar-se o auxílio do Estado de preferência aos outros que não necessitam.
Estando, por consequência de acôrdo com a opinião do Sr. Gaspar de Lemos, estou convencido de que S. Exa. deve também estar de acôrdo com as minhas palavras, porque elas significam absolutamente o que S. Exa. pensa.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Agricultura (Ernesto Navarro): - Pedi a palavra para responder à apreciação feita ao § único do artigo 1.° pelos Srs. Lima Alves e Gaspar de Lemos.
Devo dizer com toda a franqueza que não tenho entusiasmo nenhum por êste § único. Trata-se de uma lei que está ainda em experiência.
Se se vier a reconhecer que esta disposição se não pode efectivar, evidentemente que a lei pode em qualquer altura ser revogada, e essa verba reverter para o fundo de serviços florestais.
Se a verba não puder ter a aplicação designada neste parágrafo, ela será destinada, portanto, a êsse fundo.
O orador não reviu.
Posta à votação a proposta na especialidade, ficam aprovados sucessivamente todos os artigos sem discussão.
O Sr. Pereira Gil: - Requeiro a dispensa da leitura da última redacção.
Foi concedido.
Lê-se a proposta de lei n.° 226. É a seguinte:
Proposta de lei n.° 226
Artigo 1.° E criada na dependência do Ministério do Comércio e Comunicações
uma comissão, de que será presidente nato o respectivo Ministro, destinada a promover a liquidação dos Transportes Marítimos do Estado e a transferência para a indústria particular dos navios da respectiva frota, com as funções e atribuições que lhe são designadas nesta lei.
Esta comissão será dividida em duas sub-comissões:
§ 1.° A primeira sub-comissão, essencialmente para o apuramento dos débitos e créditos dos Transportes Marítimos do Estado, terá a seguinte composição:
a) Um juiz do Tribunal da Relação de Lisboa, ou do Tribunal do Comércio de Lisboa, nomeado pelo Ministro da Justiça, que aerá o vice-presidente;
b) Um ajudante do Procurador Geral da República nomeado por êste;
c) Um vogal do Conselho Superior de Finanças por êle designado;
d) O director dos serviços de contabilidade do Ministério do Comércio;
e) Um perito contabilista nomeado pelo Tribunal do Comércio de Lisboa.
§ 2.° A segunda sub-comissão, essencialmente para promover a transferência da frota, terá a seguinte composição:
a) O Secretário Geral do Ministério das Colónias, que servirá de vice-presidente;
b) O Director Geral do Comércio e Indústria do Ministério do Comércio;
c) O Director Técnico do Fomento do Ministério das Colónias;
d) Um oficial superior da armada nomeado pelo Ministro da Marinha;
e) Um comerciante indicado em lista tríplice pela Associação Comercial de Lisboa;
f) Um armador indicado em lista tríplice pela Associação de Classe dos Armadores de navios de Portugal;
g) Um oficial da marinha mercante indicado em lista tríplice pela Liga dos Oficiais de Marinha Mercante.
Art. 2.° São atribuições da comissão liquidatária:
a) Promover, nos termos desta lei, a transferência para a indústria particular da frota mercante do Estado, formulando as condições do concurso, que serão submetidas a Conselho de Ministros;
b) Liquidar todas as agências, instalações, armazéns, oficinas, depósitos, mate-
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riais, aprestes e pertences da mesma frota, da maneira mais conveniente aos interêsses do Estado, dando-se preferência à entidade para quem fôr transferida a frota, na parte em que os valores a liquidar possam interessar aos serviços dessa entidade;
c) Apurar todos os créditos dos Transportes Marítimos do Estado, promovendo a sua cobrança por todos os meios legais;
d] Apurar todos os débitos dos Transportes Marítimos do Estado e de acôrdo com o Ministério das Finanças proceder ao seu pagamento nos casos em que, pela documentação apresentada, os reclamantes façam individualmente a prova do seu crédito, sendo para tal convidados por anúncio no Diário do Govêrno;
e) Promover o encerramento das contas dos Transportes Marítimos do Estado, incluindo o das contas de todas as suas agências e dependências até a sua posse;
f) Organizar em separado todos os serviços de contabilidade desde a sua posse;
g) Instaurar ou seguir todos os processos e reclamações que julgar necessários, competindo à Direcção Geral da Contabilidade Pública seguir aqueles que ainda não estiverem terminados quando findo o seu mandato;
h) Promover, por todos os meios o completo apuramento das responsabilidades de qualquer natureza das administrações dos Transportes Marítimos do Estado;
i) Mandar proceder à avaliação dos navios da frota mercante do Estado.
§ 1.° Quando a comissão liquidatária, no apuramento dos créditos e débitos, não chegar a acôrdo com os credores ou devedores responsáveis, será a questão derimida nos tribunais nos termos gerais de direito.
§ 2.° A comissão colherá as mais largas informações, ouvindo técnicos competentes, sôbre as carreiras dos navios que mais convenham aos interêsses da metrópole e das colónias.
Art. 3.° É concedido o prazo de seis meses para a completa execução do disposto nesta lei pelo que respeita à sub-comissão encarregada da liquidação dos débitos e créditos; e o prazo de três meses à sub-comissão que trata da transferência da frota mercante.
Êstes prazos só poderão ser prorrogados por autorização legislativa. . § único. Se não estiver reunido o Congresso da República será a prorrogação concedida pelo Govêrno.
Art. 4.° As condições do concurso serão apreciadas em Conselho de Ministros, o qual, tendo-as aprovado, mandará abrir o concurso.
Art. 5.° Logo que seja promulgada esta lei cessará a exploração dos navios mercantes do Estado, até que lhes seja dado destino, exceptuando-se, porém:
a) Os navios em viagem, que terminarão as suas carreiras até o regresso ao porto de Lisboa;
b) Os navios fretados e aqueles de que a comissão possa promover o fretamento.
Êstes fretamentos deverão ser feitos por prazos curtos, com a garantia mínima de todas as despesas e encargos correntes, por forma, porém, a não comprometer a transferência da frota nos termos desta lei.
Os fretamentos só poderão ser feitos a cidadãos portugueses ou sociedades portuguesas, sendo a adjudicação feita com as devidas garantias financeiras, e não podendo ser transferido o contrato a terceiros sem autorização da comissão;
c) Os navios que estão em exploração sem terem incluídos no seu roteiro os portos da metrópole, os quais deverão regressar a Lisboa logo que termine a viagem em curso;
d) Os navios que até a transferência para a indústria particular, por alta conveniência pública, reconhecida em Conselho de Ministros, devam empreender qualquer viagem.
Art. 6.° A frota mercante do Estado, dividida por grupos, conforme os serviços a estabelecer, será entregue por concurso público a uma ou mais sociedades anónimas de responsabilidade limitada, já constituídas nos termos, da legislação portuguesa ou a entidades que se obriguem a constituí-las para a efectivação dos serviços indicados no artigo seguinte e seus parágrafos, e obedecendo às seguintes condições:
1.° As acções serão nominativas e só poderão ser possuídas por cidadãos portugueses;
2.° A sede da sociedade será em Lisboa;
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3.° A sociedade obrigar-se há à constituição de um fundo de renovação da frota, de modo a assegurar a sua continuidade;
4.° As sucursais, filiais e agências das sociedades serão sempre entregues a firmas portuguesas e só com autorização do Govêrno poderão ser entregues a estrangeiros;
5.° O Estado gozará sempre dum direito de preferência como carregador e as tarifas a aplicar-lhe serão reduzidas a 10 por cento em relação às tarifas de passageiros e ao carregador mais favorecido, ainda que seja a título de primage;
6.° A sociedade não poderá ceder, fretar, vender, hipotecar os navios ou fazer quaisquer transferências dos seus direitos, sem prévia autorização do Estado;
7.° Será permitida à sociedade, com autorização do Govêrno, a troca dalgumas unidades concedidas, por outras mais convenientes e adequadas ao serviço a estabelece devendo o valor das unidades a entregar e a receber ser arbitrado previamente por corretores oficiais;
8.° O Estado terá o. direito do nomear um número de administradores e de membros do conselho fiscal em relação com o capital das acções em seu poder, nunca podendo êsse número exceder o dos eleitos pelos accionistas menos um. O Estado renunciará ao direito de, com as suas acções, votar nas eleições dos corpos gerentes;
9.° Na hipótese da venda total a dinheiro, o Estado terá o direito de manter junto da emprêsas um comissário por êle pago.
§ único. Sempre que haja concorrentes à adjudicação de todos os grupos, serão as propostas feitas nesse sentido consideradas em primeiro lugar.
Art. 7.° Os serviços a que a Sociedade de que trata o artigo antecedente se deve obrigar são os seguintes:
1.° Serviços coloniais compreendendo as seguintes carreiras:
a) Cabo Verde e Guiné;
b) Angola e S. Tomé e Príncipe e cabotagem em Angola;
c) Moçambique e cabotagem nessa província;
d) Índia em ligação com Moçambique;
e) Macau e Timor em ligação com a anterior ou a seguinte;
f) Eventualmente Índia (Mormugão) em ligação com o continente de Portugal, podendo estender-se por um lado até os portos do Norte da Europa e por outro até o Extremo Oriente.
2.° Serviços do Brasil compreendendo as seguintes carreiras:
a) Brasil norte;
b) Brasil sul.
§ 1.° O programa do concurso fixará as carreiras obrigatórias e a sua periodicidade.
§ 1.° Os navios terão Lisboa como seu porto de armamento e tocarão sempre em Lisboa à ida e à volta, e uma vez pelo menos em Leixões.
§ 3.c Os navios deverão sempre obedecer às prescrições do Acto Geral de Navegação, de 8 de Julho de 1863, devendo, porém, toda a tripulação ser portuguesa.
§ -á.0 A cada grupo de serviços poderá ser distribuído um certo número de navios a empregar no melhor interêsse da Sociedade que os explore.
§ 5.° De acôrdo entre o Govêrno e qualquer das Sociedades de que 'trata o artigo antecedente, poderá também estabelecer-se uma carreira entre o continente e a América do Norte, com escala pelas ilhas adjacentes.
Art. 8.° O valor dos navios será pago ao Estado, de preferência, pela seguinte ordem:
1.° Ou todo em acções inteiramente liberadas;
2.° Ou parte em numerário corrente e parte em acções inteiramente liberadas;
3.° Ou todo em numerário corrente.
§ 1.° O capital social da Sociedade, quando o pagamento seja feito em acções, deverá ser, pelo menos, o dôbro do valor dos navios adjudicados, sendo o excesso sôbre êste valor representado por capital realizado.
§ 2.° A realização do capital a que se refere o parágrafo anterior deverá estar efectuada dentro do sessenta dias da data da adjudicação, sem o que esta se considera nula.
Os navios não serão entregues antes da integral realização do capital da Sociedade.
§ 3.° Quando o capital realizado fôr constituído, no todo ou em parte, por navios, deverão êstes ser avaliados nas mesmas condições dos do Estado.
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§ 4.° A entrega do título representativo das acções liberadas será feita dentro do prazo de sessenta dias.
§ 5.° Para garantia do determinado no § 2.° e demais condições do concurso, será exigido para admissão a êste, um depósito de 500.000$.
§ 6.° Os navios serão entregues no estado em que se encontrarem no momento do concurso, sem a obrigação para o listado de quaisquer benefícios ou reparações.
§ 7.° No caso de pagamento em acções o Estado não receberá essas acções por valor superior ao correspondente ao activo real e expressamente verificado da Sociedade a que pertenceram.
Art. 9.° O pagamento em numerário corrente realizar-se há dentro de sessenta dias depois de feita a adjudicação, devendo, pelo menos, 30 por cento ser feito no acto da escritura de transferência dos navios, podendo para os restantes 70 por cento ser requeridos prazos para o respectivo pagamento em prestações.
Em caso algum os navios serão entregues sem que os adjudicatários tenham feito ao Estado entrega de, pelo menos, 30 por cento do seu valor.
Para efeito de pagamento em prestações poderão estabelecer-se os seguintes prazos:
Durante cinco anos para os navios de vinte anos ou mais de idade;
Durante sete anos para os de dez a vinte anos;
Durante dez anos para os de menos de dez anos.
§ 1.° A taxa de juro será a do desconto no Banco de Portugal, acrescida de 1 por cento, e os juros serão pagos no fim de cada ano com a prestação.
§ 2.° Havendo concessão de prazos, os compradores terão de prestar as seguintes garantias:
a) Primeira hipoteca sôbre os navios pelo total das somas devidas ao Estado;
6) Garantia subsidiária em valores do Estado, títulos cotados na Bolsa com a margem a fixar pelo Banco de Portugal, hipoteca de propriedades ou outros navios, ou garantia bancária;
c) Seguro do navio em companhias do seguros aceitas pelo Govêrno nos seguintes termos:
1.° O valor do seguro será, pelo menos, igual ao da dívida do Estado, acrescida de 10 por cento;
2.° Um exemplar das apólices será entregue ao Govêrno dentro de oito dias da data da assinatura do contrato;
3.° No caso de avarias que atinjam metade do valor do navio, o pagamento da indemnização não poderá ser efectuado ao armador sem autorização do Govêrno dada por intermédio. da Direcção Geral da Contabilidade Pública;
4.° Por um avenant à apólice, estabelecido no acto da sua assinatura deverá ser transferido para o Estado, a título de garantia pelas somas em dívida, o benefício da apólice no caso de perda total ou abandono;
5.° No caso de a indemnização paga pela companhia de seguros ser inferior, à soma em dívida, o comprador terá de pagar a diferença.
§ 3.° O Govêrno reserva-se o direito de, em qualquer altura, exigir novas garantias subsidiárias se as garantias anteriormente prestadas tiverem na actualidade perdido ou deminuído do seu valor.
Art. 10.° As importâncias em numerário, liquidadas pela alienação dos navios, bem como as acções e os seus dividendos, pertencerão ao fundo de protecção à marinha mercante nacional, deduzida a despesa a fazer com a liquidação e transferência da frota.
Art. 11.° O Govêrno obriga-se, em especial, a conceder à sociedade adjudicatária o exclusivo de transporte de colonos, passageiros e carga do Estado para os portos servidos pelas suas carreiras, a não aumentar à mesma sociedade os actuais encargos e impostos que incidem sôbre a navegação e a garantir, igualmente, para todos os seus vapores o regime mais favorecido, bem como as facilidades e regalias de paquetes e todas aquelas de que já gozem quaisquer sociedades portuguesas de navegação.
Ainda o Estado poderá conceder subsídios para a execução das carreiras, devendo o montante a pagar ser inscrito no Orçamento Geral do Estado, abrindo-se os créditos necessários e podendo, no caso de as carreiras coloniais, concorrer para êsses subsídios ou colónias interessadas.
Art. 12.° No caso dalguns navios não poderem ser alienados por meio dos con-
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cursos estabelecidos, poderá a comissão promover a venda dêsses navios em bloco ou parcialmente, de preferência em concurso público, nas seguintes condições:
1.ª Os compradores serão cidadãos portugueses ou sociedades constituídas exclusivamente por portugueses, e os navios ficarão sujeitos a todas as condições estabelecidas pelo Acto Geral de Navegação, devendo, porém, toda a tripulação ser portuguesa;
2.* Os compradores não poderão ceder, vender ou hipotecar os navios, ou fazer quaisquer transferências dos seus direitos sem prévia autorização do Estado;
3.ª Os compradores pagarão 30 por cento da importância total no acto da escritura e o restante no acto da recepção do navio;
4.ª Para o pagamento do restante poderão ser estabelecidos prazos nos mesmos termos do artigo 9.°
Os navios só serão entregues o a quando integralmente pagos ou quando preenchidas todas as formalidades a que se refere o referido artigo 9.°;
5.ª Os navios cedidos por esta forma não poderão ser empregados em concorrência com os serviços estabelecidos por meio dos concursos a que se refere o artigo 7.°
Art. 13.° Se o concurso a que se refere o artigo 6.° ficar deserto, repetir-se há em iguais condições.
Art. 14.° É concedido o direito de opção aos armadores portugueses existentes à data da publicação desta lei, em igualdade de circunstâncias, desde que hajam ido ao concurso sôbre que pretendem a opção.
Art. 15.° Cada um dos membros da comissão liquidatária receberá mensalmente como gratificação, livre de descontos e de impostos, acumulável com outros vencimentos, e independentemente do limite fixado na lei n.° 888, de 18 de Setembro de 1919, a quantia de 200$, tendo os vice-presidentes e secretários das sub-comissões uma gratificação suplementar líquida nas mesmas condições, os primeiros de 200$ e os segundos de 100$.
Art. 16.° A comissão irá dispensando o pessoal de terra à medida que fôr desnecessário, fazendo regressar aos respectivos lugares os funcionários doutros quadros e procedendo nos termos do Código Comercial para com os outros, quando não tenham direitos adquiridos.
Art. 17.° Para fazer face aos encargos do passivo da Administração dos Transportes Marítimos do Estado e às despesas correntes da liquidação, é o Estado autorizado á despender até a quantia de 60:000.000$, podendo, para êsse efeito, abrir os correspondentes créditos especiais a favor do Ministério do Comércio e Comunicações.
§ único. Se o Govêrno, em face das circunstâncias, o julgar conveniente, poderá contratar com a Caixa Geral de Depósitos ou outro estabelecimento de crédito um ou mais empréstimos para o mesmo fim e até aquele limite, de juro não. superior à taxa de desconto do Banco de Portugal, devendo, nesse caso, fazer inscrever no orçamento do Ministério do Comércio e Comunicações a verba necessária para ocorrer aos respectivos encargos anuais de juro e amortização.
Art. 18.° A comissão poderá aplicar as receitas que fôr liquidando, com excepção das provenientes da alienação dos navios, ao pagamento das responsabilidades da administração, considerando-se, porém, o crédito de 60:000.000$, autorizado no artigo anterior, deminuído da importância correspondente a essa receita.
Art. 19.° O serviço da comissão liquidatária será um serviço autónomo, sob a fiscalização financeira da. Direcção Geral da Contabilidade Pública, devendo prestar contas da liquidação ao Conselho Superior de Finanças.
Art. 20.° Compete ao juiz de investigação criminal de Lisboa, em cuja área está a sede da Administração dos Transportes Marítimos do Estado, a instrução dos processos por crimes ocorridos nesses serviços e que, em razão do local onde foram praticados, ou por outro motivo legal, não sejam da competência dos juizes doutras comarcas do território da República.
§ 1.° Aos juizes competentes nos termos dêste artigo serão facultados todos os exames e prestados com a maior prontidão todos os documentos e informações que êles ou os respectivos magistrados do Ministério Público requisitarem, entre-
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gando-se-lhes também todos os elementos de informação colhidos, quer até agora nas sindicâncias realizadas, quer no futuro pela Comissão Liquidatária criada por esta lei e por efeito do desempenho das funções que por ela lhe são confiadas.
§ 2.° A Comissão Liquidatária poderá requisitar de todos os organismos policiais quaisquer investigações tendentes ao apuramento de responsabilidades por factos irregulares ocorridos em qualquer tempo nos mesmos serviços.
§ 3.° As sindicâncias actualmente em curso serão concluídas no prazo de quinze dias depois de instalada a Comissão Liquidatária, dando-se aos respectivos processos os destinos indicados no § 1.°
§ 4.° Ao pessoal de justiça, referido neste artigo e seu § 1.°, serão fornecidos os transportes necessários para a execução dos actos da sua competência fora do tribunal respectivo.
Art. 21.° A. Direcção Geral do Comércio e Indústria fica incumbida a fiscalização junto das sociedades marítimas que tenham contrato ou. participação com o Estado e o tratar de todas as questões relativas à exploração comercial dos portos, fomento do comércio marítimo, administração dos fundos que lhe sejam confiados e o serviço de informações.
§ único. Caberá também ao Ministério das Colónias a fiscalização das sociedades marítimas que, tendo contrato ou participação com o Estado, façam navegação para as colónias.
Art. 22.° Fica expressamente entendido que, para garantia ou cobrança de quaisquer dívidas pedidas ao Estado ou efectivação de quaisquer direitos contra êste, seja qual fôr a sua natureza, e respeitantes aos navios do Estado, não pode haver penhora nem qualquer acto preventivo e os que estiverem já efectuados nos navios serão transferidos dêstes para o crédito aberto por esta lei.
§ único. Os navios do Estado dados em hipoteca poderão ser penhorados na respectiva execução, bem como aqueles sôbre que recaia privilégio quando constatado por título exequível nos termos do artigo 874.° do Código do Processo Civil.
Art. 23.° Esta lei entra imediatamente em vigor, ficando revogada a legislação em contrário. Palácio do Congresso da República, 8 de Agosto de 1922. - Domingos Leite Pereira - Baltasar de Almeida Teixeira - João de Ornelas da Silva.
Senhores Senadores. - A proposta de lei n.° 226, proveniente da Câmara dos Deputados, tem em vista liquidar os chamados Transportes Marítimos do Estado, constituídos pelo espólio dos navios apreendidos por direito de guerra, e garantir, o pela transferência da exploração dêstes navios para a indústria particular, a sua melhor utilização a bem da economia nacional.
Com efeito, factos deploráveis, que andam no domínio público, reclamam a imediata e rápida liquidação dos Transportes Marítimos do Estado, com o apuramento da responsabilidade dêstes factos e a consequente aplicação das sanções legais que deverem ter lugar; e o desenvolvimento da nossa economia de país marítimo e colonial exige imperiosamente que se impulsione a nossa navegação mercante, que não pode nem deve ser normalmente efectuada senão pela indústria particular. E, assim, esta proposta é oportuna e necessária, só sendo para sentir que ela mais cedo não tenha sido apresentada para ter seguido os seus trâmites a tempo de terem podido ser evitadas os factos prejudiciais a que aludimos.
Procura-se nela, com cuidados e restrições, rodear de garantias a exploração da frota ou frotas que fiquem a cargo das entidades particulares para as quais sejam transferidos os navios por forma a afastar absolutamente o perigo de êstes ou a sua exploração poderem ser desnacionalizados. E inteiramente patriótica e, por isso, louvável tal preocupação. Mas é talvez excessiva. Sem dúvida alguma, é necessário que a nação se assegure de uma cada vez melhor marinha mercante para manter as relações da metrópole com as colónias, com o Brasil e com os outros países, com os quais carece de estreitas relações pela via marítima.
E isto essencial à própria vida da nação.
Mas essa marinha mercante tem de ir procurar sobretudo as suas frotas actuais noutros esforços, como sejam o do desenvolvimento da pesca marítima, costeira e longínqua, tam própria para criar e ades-
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trar o pessoal domar, desenvolvimento que deve ser propulsionado pela criação das respectivas escolas; como sejam a melhor, por mais completa, educação profissional dos oficiais destinados ao comando, direcção e administração, cada vez mais complexas, das nações modernas; e pela cria cão progressiva das condições necessárias para o estímulo da moderna construção naval (indústria siderúrgica, estaleiros e ensino técnico respectivo), etc., porque, sem êsses esforços de carácter inicial e de ordem permanente, de pouco servirem os esforços isolados da constituição, pode dizer-se ocasional, de frotas que será difícil renovar e manter.
As frotas da marinha mercante devem ser constituídas por navios ou unidades em constante renovação e aperfeiçoamento de condições, que as não deixem em situação de inferioridade em relação às das marinhas congéneres doutros países, que continuarão a frequentar os nossos portos ou - quando dêles pretendêssemos afastá-los - pela vinda a portos vizinhos.
Justifica isto um grande problema.
Mas os grandes problemas vitais de ordem nacional têm de ser encarados de frente, porque não é admissível que êles continuem sem solução.
E, pelas nossas tradições, pelas nossas colónias e até pela nossa simples situação geográfica, não podemos, com efeito, continuar a fugir à sua solução.
As carreiras de navegação mercante nacional têm de ser, a um tempo, carinhosa e fortemente patrocinadas e apoiadas pelo Estado, que não poderá, à semelhança do que querem algumas nações marítimas e, entre elas, a Inglaterra, como o melhor dos exemplos, deixar de subsidiá-las como mais conveniente fôr, sobretudo no início do seu estabelecimento, considerando-as como o devem ser todos os transportes, indústria subsidiada e indispensável para toda a actividade económica e nacional.
As emprêsas que as exploram, assim apoiadas e patrocinadas pelo Estado, e, portanto, na sua dependência, não poderão deixar de corresponder a êste patrocínio, vivendo no melhor entendimento com êle e dando-lhe todas as preferências de que êle careça, mas precisam de liberdade de acção, que não deve ser desnecessariamente limitada por excessivas restrições que poderiam tolher contraproducentemente a sua administração de utilíssimos auxiliares do Estado e, talvez, até a sua vida já necessário não esquecer que a administração de emprêsas desta natureza não deve ficar demasiadamente presa à engrenagem da administração pública, com cujas inevitáveis morosidades não pode compadecer-se.
A vossa comissão de comércio e indústria julga, contudo, que a presente proposta de lei, que já sofreu larga discussão na Câmara dos Deputados e cuja urgência é manifesta, está no caso de merecer a vossa aprovação, e limita-se a propor que lhe sejam feitas apenas as seguintes modificações:
No artigo 1.° - Substituir a palavra "na" por "sob a", e substituir a palavra "promover" por "efectuar".
No § I.° do artigo 1.° - Substituir as palavras "essencialmente para" por "que terá a seu cargo especialmente".
No § 2.° do artigo 1.° - Substituir as palavras a essencialmente para" por "que terá a seu cargo especialmente".
Suprimir, por desnecessários, os §§ 1.° 2.° do artigo 2.°
Acrescentar ao n.° 3.° do artigo 6.°: - e êste fundo será constituído por uma percentagem dos lucros líquidos não inferior à vigésima parte dêles, além da reserva legal estabelecida pele artigo 191.° do Código Comercial, até que represente, pelo menos, a quinta parte do capital social.
Substituir o n.° 5.° do artigo 6.° pelo seguinte: "o Estado terá o direito de preferência tanto pelo que diz respeito a carga de mercadorias ou efeitos de qualquer natureza como o embarque de passageiros e as tarifas por que tiverem de ser regulados os seus pagamentos sofrerão sempre a redução de 10 por cento em relação às mais prováveis ainda que estas o sejam a título de primage".
No n.° 6.° do artigo 6.° - substituir as palavras - "A sociedade não poderá" por "As sociedades não poderão".
Entro es n.ºs 6° e 7.° do artigo 6.° introduzir um novo número que ficará assim redigido:
a) "Em caso de extinção de qualquer sociedade adquirente dos navios, por motivo de dissolução, falência ou outro, o Estado terá o direito de readquirir os navios que
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tiverem sido transferidos para essa sociedade, pagando-os pelo valor que lhes foi judicialmente arbitrado".
No n.° 7.° do artigo 6.° - Substituir as palavras "à sociedade" por "às sociedades".
No n.° 8.° do artigo 6.° - Substituir as palavras "em relação com o capital das acções em seu poder" por "proporcional ao número de acções que possuir". E intercalar entre as palavras "número" e "exceder" a palavra "todavia".
No n.° 9.° do artigo 6.° - Redigir assim: "No caso de venda total de navios a dinheiro, o Estado terá o direito de se fazer representar junto da emprêsas adquirente por um comissário de sua nomeação e por êle pago".
No § 3.° do artigo 8.° - Substituir a palavra "constituído" por "representado", e acrescentar à palavra "navios" "e outros efeitos", e acrescentar ainda ao final dêste parágrafo : "ou por peritos nomeados por acôrdo entre o Estado representado pela comissão liquidatária e a sociedade ou emprêsas adquirente".
No § 6.° do artigo 8.° - Substituir as palavras "para o" por "por parte do", e acrescentar no final: "neles".
No § 7.° do artigo 8.° - Acrescentar à palavra "verificado" "pela comissão liquidatária".
No artigo 11.° - Substituirás palavras "o exclusivo" por "a preferência", e substituir a palavra "favorecido" por "favorável".
No artigo 12.° - Suprimir as palavras "de preferência".
No artigo 12.°, n.° 1.° - Substituir as palavras "serão" por "só poderão ser"; substituir as palavras "constituídas exclusivamente por portugueses" por "portuguesas"; substituir as palavras "toda a tripulação ser portuguesa" por "todas as respectivas tripulações serem portuguesas".
No artigo 12.°, n.° 2.° - Acrescentar à palavra "direitos" as palavras "sobre estes", e acrescentar ao final dêste número: "que, no prazo de três meses, a contar da data do respectivo pedido, deverá concedê-la ou declarar que prefere exercer o direito, com que fica, de readquirir os navios sob avaliação a que se deverá proceder por dois peritos, nomeados pelas partes interessadas e por um terceiro, nomeado por acôrdo ou, na falta de acôrdo, pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Se o Estado não conceder esta modificação ou não declarar querer, exercer o direito de preferência, no prazo indicado, poderão os compradores dispor livremente dos navios".
Suprimir o n.° 5.° do artigo 12.°
No artigo 13.° - Acrescentar à palavra "repetir-se há" a palavra e sucessivamente", e acrescentar ao final do artigo "com a redução de 5 por cento no preço-base do concurso".
Suprimir o artigo 14.°
No artigo 18.° - Substituir as palavras "considerando-se porém, etc." por "devendo, porém, neste caso, reduzir-se no crédito autorizado no artigo anterior importância igual à desta receita".
O artigo 19.° deverá ficar assim:
"A comissão liquidatária será autónoma, ficará sob a fiscalização financeira da Direcção Geral da Contabilidade Pública e prestará contas da liquidação ao Conselho Superior de Finanças".
O artigo 20.° ficará assim:
"Aos simples agentes do Ministério Público e aos juizes criminais competentes serão facultados todas as informações e meios de investigação que êles julgarem convenientes e requisitem à comissão liquidatária, a qual, aliás, deverá oficiosamente, enviar-lhes todos os elementos já colhidos nas sindicâncias realizadas ou que venham por qualquer forma a ser colhidos de futuro, para o inteiro apuramento de quaisquer responsabilizados concernentes à administração dos Transportes Marítimos do Estado".
O § 2.° passará a § 1.°, o 3.° a 2.° e o 4.° a 3.°
Mas, no § 4.° substituir-se hão as palavras "fornecidos os transportes necessários" por "facultados ou abonados os meios de transporte".
O artigo 21.° será assim redigido:
"A Direcção Geral do Comércio e Indústria competirá a fiscalização das sociedades marítimas que tenham contratos com o Estado e o estudo de todas as questões relativas à, exploração comercial dos portos, fomento de comércio marítimo, serviço de informação e a administração dos fundos que lhes sejam confiados".
Sala das Sessões do Senado, 16 de Agosto de 1922. - Francisco de Sales Ra-
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mos da Costa - Herculano Jorge Galhardo (com declarações) - Rodrigo Guerra Alvares Cabral - A. de Bulhão Pato - Manuel Gaspar de Lemos, relator.
Senhores Senadores. - A vossa comissão de finanças foi enviada a proposta de lei n.° 226, que trata dos Transportes Marítimos do Estado.
A comissão de comércio já deu um parecer elucidativo sôbre êste momentoso assunto e, encarando pelo aspecto financeiro, a vossa comissão de finanças salienta o facto de habilitar o Govêrno a entregar a exploração da frota a entidades particulares, dispensando o Estado de continuar a sofrer grandes prejuízos como tem tido até o presente.
Evitar prejuízos e manter sob a bandeira portuguesa a frota é um serviço digno de apreço.
A redacção da proposta não é de molde a satisfazer completamente ao fim que se tem em vista, mas acautela suficientemente os interêsses do Estado, sendo-lhe feitas algumas alterações apontadas no parecer da comissão de comércio, indústria e minas, e feitas estas emendas é a vossa comissão de finanças de parecer que merece a vossa aprovação.
Sala das sessões da comissão de finanças, 17 de Agosto de 1922. - Júlio Ribeiro (com declarações) - José Mendes dos Reis (com declarações) - Nicolau Mesquita - Vicente Ramos - Francisco de Sales Ramos da Costa, relator.
Parecer n.° 117
Penhores Deputados.- A vossa comissão de comércio e indústria examinou com a máxima atenção e cuidado a proposta do Govêrno sôbre o destino a dar à frota mercante do Estado.
Não puderam os seus membros concordar com essa proposta tal como estava redigida por lhes parecer que nalguns pontos ela não era de molde a dar ao problema dos Transportes Marítimos do Estado a solução que êle deve ter.
No intuito de encontrar uma solução mais satisfatória para êsse problema, resolveu a vossa comissão estudá-lo e examiná-lo no seu conjunto, assentando nos princípios que servissem de fundamento à exploração futura dos navios mercantes do Estado.
Em sucessivas reuniões se discutiram largamente êsses princípios assim como o carácter e a constituição da sociedade ou sociedades para que se deve transferir a propriedade dos navios da frota.
Êsse e os demais aspectos do problema foram devidamente ponderados pela comissão, resultando do seu estudo o como resultado de transigências recíprocas dos seus membros o projecto que temos a honra de submeter à vossa consideração, o qual, por isso mesmo, não representa em especial o pensamento de qualquer dêles, mas o de toda a comissão considerada no seu conjunto.
E porque a inserção de sucessivas emendas aos artigos da proposta ministerial tornaria o texto confuso, achou-se preferível a redacção de um novo projecto, aproveitando-se, como é óbvio, da proposta tudo quanto não estava em desacôrdo com a doutrina defendida pelos membros da vossa comissão de comércio e indústria.
O problema de utilização da frota mercante do Estado foi um dos problemas mais largamente estudado, pelas comissões, da Câmara dos Deputados na sessão de 1919-1920.
Nesse trabalho que saiu da reunião conjunta das comissões de finanças, comércio, colónias e marinha desta Câmara, e de que era relator, como é hoje, na comissão de comércio e indústria, o Deputado Sr. F. G. Velhinho Correia, preconizava-se a constituição de sociedades com a participação do Estado para as quais se devia transferir a propriedade dos navios.
Tal como na proposta do Govêrno e no presente projecto que visa a substituir essa proposta.
Ainda outros pontos fundamentais dêsse parecer, o n.° 426, de 1921, mereceram ser adoptados pela vossa comissão de comércio e indústria pela oportunidade que têm, no momento presente, para a resolução do problema da frota mercante do Estado.
Na discussão dêste projecto os membros da vossa comissão de comércio e indústria e particularmente o seu relator terão a honra de explicar e de justificar o presente trabalho, expondo igualmente a sua opinião em presença dêste problema, que é realmente um problema de grande interêsse nacional.
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PROJECTO DE LEI
Artigo 1.° É criada, na dependência do Ministério do Comércio e das Comunicações, uma comissão de onze membros de que será presidente nato o respectivo Ministro e que se intitulará "Comissão Liquidatária dos Transportes Marítimos do Estado".
Esta comissão terá os seguintes vogais:
a) Um Senador eleito pela respectiva Câmara;
b) Dois Deputados eleitos pela respectiva Câmara;
c) Um ajudante do Procurador Geral da República;
d) Um- oficial superior engenheiro maquinista naval da Armada;
e) O Director dos Serviços de Contabilidade do Ministério do Comércio;
f) Um comerciante indicado pela Associação Comercial de Lisboa;
g) Um armador indicado pela Associação de Classe dos Armadores de Navios de Portugal;
h) Um oficial da marinha mercante indicado pela Liga dos Oficiais da Marinha Mercante;
i) Um contabilista.
§ 1.° Os vogais a que se referem as alíneas c), d), f), g), h) e i) são de nomeação do Govêrno devendo os indicados nas alíneas f), g) e h) ser propostos em lista tríplice pelas respectivas associações de classe e o indicado na alínea i) ser proposto pelo Conselho Escolar do Instituto Superior do Comércio.
§ 2.° O vice-presidente desta comissão será sempre um dos representantes do Poder Legislativo.
Art. 2.° A comissão elegerá um presidente e dois vogais, que constituirão uma comissão executiva.
Art. 3.° São atribuições da comissão liquidatária;
a) Promover nos termos desta lei a transferência para a indústria particular da frota mercante do Estado;
b) Liquidar todas as agências, instalações, armazéns, oficinas, depósitos, materiais, aprestes e pertences da mesma frota, da maneira mais conveniente aos interêsses do Estado, dando-se preferência à entidade para quem fôr transferida a frota, na parte em que os valores a liquidar possam interessar aos serviços dessa entidade;
c) Apurar todos os créditos dos Transportes Marítimos do Estado, promovendo a sua cobrança por todos os meios legais;
d) Apurar todos os débitos dos Transportes Marítimos do Estado e proceder ao seu pagamento;
e) Promover o encerramento das contas dos Transportes Marítimos do Estado, incluindo as das contas de todas as suas agências e dependências até a sua posse;
f) Organizar em separado todos os serviços de contabilidade desde a sua posse;
g) Instaurar ou seguir todos os processos e reclamações que julgar necessários, competindo à Direcção Geral da Contabilidade Pública seguir aqueles que ainda não estiverem terminados quando findo o seu mandato;
h) Promover por todos os meios o completo apuramento das responsabilidades de qualquer natureza das administrações dos Transportes Marítimos do Estado;
i) Mandar proceder à avaliação dos navios da frota mercante do Estado, e rectificar, se houver lugar para isso, a tonelagem pela qual êsses navios estão registados.
Art. 4.° A comissão liquidatária deverá proceder à liquidação da frota mercante do Estado num prazo de seis meses, que só poderá ser prorrogado por autorização legislativa.
Art. 5.° Durante o tempo da liquidação promoverá a comissão o afretamento por prazos curtos, com a garantia mínima de todas as despesas e encargos correntes, dos navios da frota mercante do Estado, por forma, porém, a não comprometer a transferência da frota nos termos desta lei.
Êste afretamento só poderá ser feito a cidadãos portugueses ou sociedades portuguesas, sendo a adjudicação feita em concurso público, com as devidas garantias financeiras.
Art. 6.° A frota mercante do Estado será transferida em concurso público, para uma sociedade portuguesa constituída ou a constituir que se obrigue a estabelecer e a manter os serviços de interêsse nacional constantes desta lei.
§ único. E o Govêrno autorizado, desde já, a conceder até três navios dos de menor tonelagem da frota mercante do Es-
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tado a cada uma das províncias de Angola e Moçambique para os seus serviços costeiros, em condições a fixar com os respectivos governos daquelas províncias. A exploração dêstes navios será feita de preferência por entidades particulares em condições idênticas e na parte exequível ao que só dispõe nesta lei.
Art. 7.° Os serviços de interêsse nacional a que só refere o artigo anterior são os seguintes:
I - Serviços coloniais;
II - Serviços do Brasil;
III - Serviços de cabotagem no continente, ilhas adjacentes e mares da Europa.
§ único. Cada um dos serviços estabelecidos neste artigo será considerado em bloco, não sendo permitida a sua subdivisão.
Art. 8.° Os serviços coloniais, além dos que constam do § único do artigo 6.° compreendem as seguintes carreiras:
a) Cabo Verde e Guiné, com um mínimo de uma viagem mensal regular de carga e passageiros;
b) Angola e S. Tomé e Príncipe, com um mínimo de três viagens mensais, sendo duas regulares de carga e passageiros;
c) Moçambique, com um mínimo de uma viagem regular de carga e passageiros, por cada vinte dias.
d) Índia, Macau e Timor, com um mínimo de uma viagem regular de carga e passageiros da metrópole para estas colónias, cada dois meses.
§ único. Para os serviços a que se referem as alíneas a), b) e c) dêste artigo, poder-se hão tomar em conta as carreiras regulares feitas por quaisquer outras emprêsas portuguesas.
Art. 9.° Os serviços do Brasil compreendem as seguintes carreiras:
a) Para o Pará e Amazonas e outros partos do norte, com um- mínimo de uma viagem mensal regular de carga e passageiros;
6) Para o Rio de Janeiro e outros portos do sul, com um mínimo de uma viagem mensal regular de carga e passageiros.
Art. 10.° Os serviços de cabotagem no continente e ilhas adjacentes e mares da Europa compreendem os serviços costeiros do continente, os serviços de ligação do continente com as ilhas adjacentes, os serviços inter-insulares das ilhas adjacentes, bem como os serviços de ligação dos portos do continente e ilhas adjacentes com os portos dos países vizinhos e mares próximos.
§ único. Com respeito aos serviços de ligação com as linhas adjacentes e os serviços inter-insulares, serão considerados como mínimos os serviços de carga e passageiros já estabelecidos.
Art. 11.° A sociedade para quem o Estado transferir a propriedade da frota deverá obrigar-se, além do mais que se dispõe nesta lei, ao seguinte:
1.° Será uma sociedade anónima de responsabilidade limitada satisfazendo a todas as prescrições consignadas na legislação portuguesa, quer do capital social, quer dos capitães dos navios e respectivas tripulações, de duração indeterminada, com séde em Lisboa, podendo estabelecer sucursais, filiais e agências onde lhe convier, contanto que sejam dirigidas por portugueses, ou fiquem a cargo de firmas portuguesas,, salvo autorização especial do Govêrno para a escolha de sociedades ou firmas estrangeiras, em casos excepcionais.
2.° Somente cidadãos ou entidades portuguesas poderão ser accionistas da sociedade, cumprindo-lhes a obrigação de provar em qualquer época essa nacionalidade.
3.° As acções serão nominativas não podendo ser transferidas ou obrigadas a favor de estrangeiros nem os seus dividendos ser pagos senão aos cidadãos ou entidades portuguesas em cujo nome estiverem averbadas.
4.° E obrigatória a existência de um fundo de renovação tendente a assegurar a reconstituição e continuidade da frota.
5.° A tripulação e equipagem dos navios deve ser portuguesa e os navios devidamente nacionalizados, tendo Lisboa como porto de armamento.
6.° Os navios serão entregues no estado em que se encontrarem no momento do concurso sem a obrigação para o Estado de quais quer benefícios ou reparações.
Art. 12.° O valor dos navios será pago ao Estado em acções liberadas e em numerário corrente, sendo o prazo e condições dêsse pagamento fixado no caderno de encargos do concurso.
O Estado terá a comparticipação de 50 por cento do capital social.
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§ 1.° No caso de 50 por cento do capital exceder o valor dos navios adjudicados, ficará o capital do Estado limitado ao valor dêstes.
§ 2.° Os restantes 50 por cento do capital deverão estar realizados até 90 dias depois do concurso, sem o que a respectiva adjudicação não se tornará electiva.
Art. 13.° O número de representantes do Govêrno na Direcção e Conselho Fiscal da Sociedade a constituir será em relação ao número a eleger pelos accionistas apenas inferior em um vogal.
Art. 14.° As importâncias em numerário liquidadas pela alienação dos navios, bem como as acções e os seus dividendos pertencerão ao fundo de protecção à marinha mercante nacional.
Art. 15.° A sociedade não poderá arrendar, vender, hipotecar ou alienar por qualquer forma a propriedade ou o uso dos navios, sem prévia decisão favorável do Govêrno, tomada em Conselho de Ministros. Igual decisão será necessária para se trocarem quaisquer unidades por outras mais convenientes e adequadas aos serviços a estabelecer devendo neste caso os valores das unidades a entregar e a receber ser previamente fixados.
Art. 16.° O Govêrno da metrópole e os governos coloniais terão nos navios da sociedade preferencia na recepção da carga e obtenção de passageiros, beneficiando de uma redução de 10 por cento sôbre as tarifas mínimas estabelecidas sob qualquer designação.
Art. 17.° O Govêrno obriga-se, em especial, a conceder à sociedade adjudicatária o exclusivo de transporte de colonos passageiros e carga do Estado para os portos servidos pelas suas carreiras, a não aumentar à mesma sociedade os actuais encargos e impostos que incidem sôbre a navegação e a garantir, igualmente, para todos os seus vapores o regime mais favorecido, bem como as facilidades e regalias de paquetes e todas aquelas de que já gozem quaisquer sociedades portuguesas de navegação.
Art. 18.° No caso de não ser possível a transferência da frota mercante do Estado para uma única sociedade que se obrigue à exploração dos serviços e carreiras estabelecidos nesta lei, proceder-se há à divisão da frota em três grupos, correspondentes aos serviços a que se refere o artigo 7.°, tendo em vista as características dos navios, o seu estado, as exigências dos serviços a que se destinam e ainda a sua aplicação e utilização anterior.
Art. 19.° Feita a divisão, a que se refere o artigo anterior, promover-se há à transferência da frota, por concurso público, para duas ou três sociedades portuguesas, constituídas ou a constituir, que se obriguem, à execução dos serviços constantes nos números do artigo 7.°, como ali se estabelece, recebendo para isso a parte da frota correspondente a êsses serviços e em tudo se considerando abrangidas pelas disposições desta lei que lhe sejam aplicáveis.
Art. 20.° E especialmente reservado à frota mercante portuguesa, nos limites da possibilidade de transporte dos seus navios, o transporte de emigrantes saídos dos portos do continente, ilhas adjacentes e colónias, para os portos dos países sorvidos pelas suas carreiras regulares. O Govêrno estabelecerá as providências e sanções necessárias para tornar efectiva e eficaz esta disposição.
Art. 21.° Cada um dos membros da comissão liquidatária receberá mensalmente, como gratificação, livre de descontos e impostos, acumulável com outros vencimentos, a quantia de 200$, tendo ainda os vogais que constituírem a comissão executiva uma gratificação suplementar, líquida nas mesmas condições, sendo a do presidente de 600$ e as dos vogais de 400$.
Art. 22.° A comissão irá dispensando o pessoal de terra à medida que fôr desnecessário, fazendo regressar aos respectivos lugares os funcionários dos diversos quadros, devendo propor ao Ministério do Comércio e Comunicações a forma de atender aos direitos que, porventura, tenham adquirido.
Art. 23.° Em quanto não fôr tomada resolução definitiva sôbre o assunto, de que trata o artigo anterior, todo o pessoal dispensado e que não pertença, na efectividade, a qualquer outro serviço do Estado receberá 50 por cento do vencimento e subvenção que auferir, ficando com iguais direitos aos do restante pessoal os empregados que tenham sido dispensados do serviço depois da publicação do decreto n.° 7:797.
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Art. 24.° É autorizado o Govêrno a contratar com a Caixa Geral de Depósitos um empréstimo até a quantia de 60:000.000$ para fazer face aos encargos do passivo da administração dos Transportes Marítimos do Estado e às despesas correntes da liquidação, inserindo no Orçamento Geral do Estado a anuidade correspondente a êsse encargo.
Art. 25.° A comissão poderá aplicar as receitas que fôr liquidando com excepção das provenientes da alienação dos navios, ao pagamento das responsabilidades da administração, considerando-se porém o crédito de 60:000.000$ autorizado no artigo anterior, diminuído da importância correspondente a essa receita.
Art. 26.° O serviço da comissão liquidatária será um serviço autónomo, sob a fiscalização financeira da Direcção Gerada Contabilidade Pública, devendo prestar contas da liquidação ao Conselho Superior de Finanças.
Art. 27.° É confirmado o decreto n.° 7:814, de 17 de Novembro de 1921. que mandou proceder a uma sindicância aos serviços dos Transportes Marítimos do Estado, devendo funcionar junto do juiz, um delegado do Procurador da República e um juiz adjunto que êle requisitará ao Ministério da Justiça e dos Cultos, e aos quais será aplicável o disposto no artigo 3.° do mesmo decreto.
Art. 28.° A fiscalização da sociedade ou sociedades de navegação que tenham contrato ou participação com o Estado é exercida no Ministério do Comércio e Comunicações por intermédio da respectiva divisão de fiscalização, que, para êsse efeito, poderá ser ampliada pelo Govêrno, em harmonia com o plano orgânico daquele Ministério, e dotada com o pessoal e material necessário às suas funções, sem que para isso se tenham de admitir novos funcionários para o serviço do Estado.
§ único. Caberá também ao Ministério das Colónias a fiscalização das sociedades de navegação que, tendo contrato, ou participação com o Estado, façam navegação para as colónias.
Art. 29.° Esta lei entra imediatamente em vigor, ficando revogada a legislação em contrário.
Saía das sessões da comissão do comércio e indústria, 19 de Maio de 1922. - Aníbal Lúcio de Azevedo - Francisco Cruz (com declarações e restrições) - Nuno Simões (com declarações e restrições) - José Domingues dos Santos - Sebastião de Herédia - Artur Brandão (com declarações e restrições) - J. M. Nunes Loureiro - F. G. Velhinho Correia, relator, (com declarações designadamente pela doutrina do artigo 8.°).
Proposta de lei n.° 22-B
Senhores Deputados. - Temos a honra de submeter à vossa apreciação uma proposta de lei pela qual são entregues à indústria particular os navios de comércio pertencentes ao Estado, cumprindo assim a promessa feita na declaração ministerial, e satisfazendo também uma das aspirações consignadas no chamado Pacto dos Partidos.
A experiência demonstra a impossibilidade de continuar a administração directa pelo Estado dos seus navios mercantes, pois essa administração representa um pesado ónus para as finanças do Estado e um prejuízo grave para a economia nacional, além de todos os prejuízos de ordem moral que tem acarretado para o país.
Nesta proposta estabelece-se a abertura de concursos para a exploração de frotas que estabeleçam as carreiras mais úteis à nossa economia, especialmente para as colónias portuguesas, indo-se até a concessão de subsídios; permite-se que o Estado possa entrar com os navios em participação nas emprêsas a que sejam adjudicadas essas carreiras e prevê-se a hipótese da alienação dos navios que não entrem nos concursos, os quais poderão ser vendidos a cidadãos portugueses, rodeando-se essa venda de todas as garantias.
O trabalho de liquidação é confiado a uma comissão que, pela sua constituição, oferecerá todas as garantias de independência.
Procura-se pela obtenção de um empréstimo fazer face aos encargos avultados que nos lega a administração dos Transportes Marítimos do Estado, e, finalmente, coloca-se o, juiz sindicante daqueles serviços em condições de poder desempenhar mais cabalmente o seu mandato.
Apresentamos as fórmulas que, no mo-
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mento actual, nos pareceram as melhores para a solução do grave problema que à vossa consideração submetemos. A Câmara certamente as aperfeiçoará de modo a alcançarmos os fins que todos devemos ter em vista aliviar o Tesouro Público de encargos injustificados, beneficiar a economia nacional, dar mais garantias de futuro às numerosas classes que se dedicam à indústria marítima e dar um grande exemplo de moralização na administração pública, levantando o bom nome do país aos olhos de nacionais e de estranhos.
PROPOSTA DE LEI
Artigo 1.° É criada na dependência do Ministério do Comércio e Comunicações uma comissão, de que será presidente nato o respectivo Ministro, que se intitulará Comissão Liquidatária dos Transportes Marítimos do Estado.
Essa Comissão será constituída por:
Um juiz do Tribunal da Relação de Lisboa ou do Tribunal do Comércio de Lisboa, nomeado pelo Ministro da Justiça, e que será o vice-presidente;
Dois Senadores eleitos pela respectiva Câmara;
Três Deputados eleitos pela respectiva Câmara;
Um vogal do Conselho Superior de Finanças, eleito pelo mesmo Conselho;
Um oficial da armada, nomeado pelo Ministro da Marinha;
O director técnico do fomento do Ministério das Colónias;
O director de serviços da contabilidade do Ministério do Comércio;
Um delegado da secção de navegação. da Associação Comercial de Lisboa ou da Associação dos Armadores, se esta estiver constituída à data da publicação desta lei;
Um delegado da Liga dos Oficiais da Marinha Mercante, por ela escolhido;
Dois peritos contabilistas designados pelo Tribunal do Comércio de Lisboa;
Um perito contabilista designado pelo conselho de administração do Banco de Portugal.
Art. 2.° A comissão elegerá três dos seus membros para constituírem uma direcção que funcionará como comissão executiva, para todos os assuntos de expediente.
Art. 3.° São atribuições da comissão liquidatária:
a) Promover, nos termos desta lei, a transferência para a indústria particular da frota mercante do Estado;
b) Liquidar todas as agências, instalações e materiais pertencentes aos serviços da mesma frota, da forma mais conveniente aos interêsses do Estado;
c) Apurar todos os débitos dos Transportes Marítimos do Estado e proceder ao seu pagamento de acôrdo com o Ministério das Finanças;
d) Promover a cobrança de todos os créditos dos mesmos Transportes;
e) Promover o encerramento das contas dêsses serviços até a posse da comissão;
f) Organizar completamente em separado a contabilidade desde a posse da comissão;
g) Seguir todos os processos e reclamações em curso ou que seja necessário estabelecer, passando, quando findo o seu mandato, à Direcção Geral da Contabilidade Pública a obrigação de seguir aqueles que ainda não estiverem terminados;
h) Prestar todo o auxílio às sindicâncias em curso.
§ único. A comissão colherá as mais largas informações, ouvindo técnicos competentes, sôbre as carreiras de navios mais convenientes à metrópole e às colónias.
Art. 4.° Logo. que seja promulgada esta lei, cessará a exploração dos navios mercantes do Estado, até que lhes seja dado destino nos termos da mesma lei.
Art. 5.° Exceptuam-se do disposto no artigo antecedente:
a) Os navios em viagem, que terminarão as suas carreiras até o regresso ao porto de Lisboa;
b) Os navios afretados, que amarrarão logo que finde o primeiro prazo do afretamento;
c) Os navios que estão em exploração sem terem incluídos no seu roteiro os portos da metrópole, os quais deverão regressar a Lisboa logo que termine a viagem em curso;
d) Os navios que, até a transferência para a indústria particular, por alta conveniência pública, se reconheça indispensável deverem empreender qualquer viagem.
Art. 6.° Para se poder dar a excepção
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consignada na alínea d) do artigo anterior, dever-se hão realizar as seguintes condições:
a) A conveniência pública a que se refere a alínea d) do artigo anterior terá para cada viagem, de ser reconhecida em Conselho de Ministros, sob parecer fundamentado da comissão;
b) Deverá fazer-se um orçamento das prováveis receitas e despesas da exploração;
c) A exploração só poderá ser feita pôr administração de particulares idóneos, que deverão ser cidadãos portugueses ou sociedades portuguesas, sendo adjudicada em concurso público, na base de orna percentagem sôbre a receita bruta, com as devidas garantias financeiras e da seriedade da entidade que faça a exploração.
§ 1.° Se a viagem fôr por conta do Ministério da Marinha, a conveniência pública será do mesmo modo reconhecida em Conselho de Ministros, mas serão dispensadas as outras condições expressas neste artigo.
§ 2.° As garantias financeiras a que se refere êste artigo serão as consignadas na alínea b) da condição 5.ª do artigo 9.°
Art. 7.° Os navios de comércio na posse do Estado serão entregues a sociedades portuguesas já constituídas ou a entidades que se obriguem a constituí-las nas condições seguintes:
a) As acções das sociedades serão nominativas e só poderão ser possuídas por cidadãos portugueses;
b) O valor dos navios será o valor venal fixado pelos Lloyds;
c) O valor dos navios será pago ao Estado:
1) Ou todo em dinheiro;
2) Ou parte em dinheiro e parte em acções inteiramente liberadas;
d) Na primeira hipótese da alínea anterior o Estado manterá junto da sociedade um comissariado pago pelo Estado.
Na segunda hipótese o Estado terá o direito de nomear, por meio de portaria, um número de administradores em relação com o capital acções em seu poder, mas que nunca excederá metade do número total dos administradores. O Estado renunciará ao direito de, com as suas acções, votar nas eleições dos corpos gerentes.
A fiscalização resultante da primeira hipótese e a participação na gerência da segunda, hipótese excluir-se hão mutuamente.
e) Havendo pagamento em acções, será indispensável que a sociedade que as emita disponha, em capital já realizado, de valores pelo menos iguais ao valor total das acções entregues ao Estado. Quando o capital já realizado fôr constituído, no todo ou em parte, por navios, deverão êstes ser avaliados pelos Lioyds.
Art. 8.° a) Os navios serão agrupados em frotas destinadas a:
1.° Carreiras directas para as colónias portuguesas de África e do Oriente, podendo esta última carreira eventualmente estender-se até o Japão e devendo, fazer-se a ligação da costa oriental da África com a índia.
2.° Carreiras para o Brasil Norte, Brasil Sul e América do Norte, podendo a segunda eventualmente estender-se até a Argentina e a terceira estabelecer ligação com os Açôres.
b) Os navios tocarão sempre em Lisboa à ida ou à volta e uma vez, pelo menos, em Leixões;
c) Os navios terão Lisboa como seu porto de armamento e farão viagens, até os portos do norte da Europa e Mediterrâneo, tocando eventualmente na Grécia e Constantinopla;
d) A cada frota será distribuído um certo número de navios a empregar no melhor dos interêsses das sociedades adjudicatárias, devendo sempre navegar com tripulações portuguesas.
Art. 9.° O programa do concurso fixará, entre outras, as seguintes condições:
1.ª Carreiras obrigatórias a manter e sua periodicidade;
2.ª Depósito de 500.000$ para ser admitido ao concurso;
3.ª Entrega de 30 por cento do valor, pagável em numerário, dos navios adjudicados, dentro de oito dias, depois de feita a adjudicação, bem como pagamento, no mesmo período de tempo, da restante tonelagem à medida que fôr sendo entregue, e a contar da data da entrega;
4.ª Poderão, quando requeridos, ser concedidos prazos para pagamento em prestações dos 70 por cento restantes:
Durante cinco anos para os navios de vinte anos ou mais de idade;
Durante sete anos para os de dez a vinte anos;
Durante dez anos para os de menos de dez anos.
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A taxa do juro será a do desconto no Banco de Portugal, acrescida de 1 por cento, e os juros serão pagos no fim de cada ano com a prestação;
5.ª Havendo concessão de prazos, os compradores terão de prestar as seguintes garantias:
a) Primeira hipoteca sôbre os navios pelo total das somas devidas ao Estado;
b) Garantia subsidiária em valores do Estado, títulos cotados na Bolsa com a margem a fixar pelo Banco de Portugal, hipoteca de propriedades ou outros navios, ou garantia bancária;
c) Seguro do navio em companhias de seguros aceitas pela comissão, nos seguintes termos:
1) O valor do seguro será, pelo menos, igual ao da dívida ao Estado, acrescida de 10 por cento;
2) Um exemplar das apólices será entregue à comissão dentro de oito dias da data da assinatura do contrato;
3) No caso de avarias que atinjam metade do valor do navio, o pagamento da indemnização não poderá ser efectuado ao armador sem autorização da Direcção Geral da Contabilidade Pública;
4) Por um avenant à apólice, estabelecido no acto da sua assinatura, deverá ser transferido para o Estado, a título de garantia pelas somas em dívida, o benefício da apólice no caso de perda total ou abandono;
5) No caso de indemnização paga pela companhia de seguros ser inferior à soma. em dívida, o comprador terá de pagar a diferença;
6.ª Entrega, dentro de oito dias, depois de feita a adjudicação do título representativo do valor dos navios, que deva ser paga em acções liberadas;
7.ª As agências das sociedades serão sempre entregues a firmas portuguesas e só com autorização do Govêrno poderão ser entregues a estrangeiros;
8.ª O Estado gozará sempre dum direito de preferência como carregador e as tarifas a aplicar-lhe serão reduzidas de 10 por, cento em relação ao carregador mais favorecido, ainda que seja a título, de primage;
9.ª A sociedade não poderá ceder, vender, hipotecar os navios ou fazer quaisquer transferências dos seus direitos sem prévia autorização do Estado;
10.ª Será permitida à sociedade, com autorização do Govêrno, a troca de algumas unidades concedidas por outras, mais convenientes e adequadas ao serviço: a estabelecer, devendo o valor das unidades a entregar e a receber ser arbitrado; previamente por corretores oficiais ingleses.
Art. 10.° No caso de alguns navios não poderem ser alienados por meio dos concursos estabelecidos no artigo antecedente, a comissão promoverá a venda dêsses navios, em bloco ou parcialmente, nas seguintes condições:
1.ª Os compradores serão cidadãos portugueses ou sociedades constituídas exclusivamente por portugueses;
2.ª Os compradores não poderão ceder, vender ou hipotecar os navios, ou fazer quaisquer transferências dos seus direitos sem prévia autorização do Estado;
3.ª Os compradores pagarão 30 por cento da importância total no acto da escritura 'e o restante no acto da recepção do navio;
4.ª Para o pagamento do restante poderão ser estabelecidos prazos nos mesmos termos das condições 4.ª e 5.ª do artigo antecedente;
5.ª Os navios cedidos por esta forma não poderão ser empregados em concorrência com os navios das emprêsas que tenham adquirido navios nos concursos a que se refere o artigo 7.°
Art. 11.° O dinheiro recebido dos navios constituirá receita do Tesouro Público para compensação das. despesas feitas. As acções ficarão pertencendo ao fundo de protecção à marinha mercante.
Art. 12.° Poderão ser concedidos subsídios para a execução das carreiras de África e do Brasil, devendo o montante a pagar ser inscrito no Orçamento Geral do Estado e podendo, no caso das carreiras coloniais, contribuir para êsses subsídios as colónias da Guiné e de Moçambique.
Êsses subsídios deverão ser liquidados por viagens.
Art. 13.° Cada um dos membros da comissão liquidatária receberá mensalmente como gratificação, livre de descontos e impostos e acumulável com outros vencimentos, a quantia de 150$, à excepção dos membros da direcção, a que se refere o artigo 2.°, que perceberão 500$ cada um, nas mesmas condições.
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Art. 14.° A comissão irá dispensando o pessoal de terra à medida que fôr desnecessário, fazendo regressar aos respectivos lugares os funcionários doutros quadros e devendo propor ao Govêrno a forma de atender aos direitos que, porventura, tenha adquirido o pessoal, para, nessa conformidade, ser presente ao Parlamento uma proposta de lei que regule essa situação.
Art. 15.° Emquanto não fôr tomada resolução definitiva sôbre êsse assunto, todo o pessoal dispensado e que não pertença na efectividade a qualquer outro serviço do Estado, perceberá 50 por cento do vencimento e subvenção que auferir, ficando com iguais direitos ao do restante pessoal, os empregados que foram dispensados do serviço depois da publicação do decreto n.° 7:797.
Art. 16.° É autorizado o Govêrno a contrair com a Caixa Geral de Depósitos um empréstimo até a quantia de 60:000 contos,, para fazer face aos encargos do passivo da administração dos Transportes Marítimos do Estado e às despesas correntes da liquidação, inserindo no Orçamento Geral do Estado a anuidade correspondente.
Art. 17.° A comissão poderá aplicaras receitas que fôr realizando, com excepção das provenientes da alienação dos navios, ao pagamento das responsabilidades da administração, devendo, porém, essas receitas ser abatidas do total de 60:000 contos autorizados.
Art. 18.° O serviço da Comissão será financeiramente autónomo, sob a fiscalização da Direcção Geral da Contabilidade Pública, devendo prestar contas da liquidação ao Conselho Superior de Finanças.
Art. 19.° E confirmado o decreto n.° 7:814, de 17 de Novembro de 1921, que mandou proceder a uma sindicância aos serviços dos Transportes Marítimos do Estado, devendo funcionar junto do juiz um delegado do Procurador da República e um juiz adjunto que êle requisitará ao Ministério da Justiça e dos Cultos, e aos quais será aplicável o disposto no artigo 3.° do mesmo decreto.
Art. 20.° A Direcção Geral do Comércio e Indústria fica incumbida a fiscalização junto das sociedades marítimas que tenham contrato ou participação com o Estado e o tratar de todas as questões relativas à exploração comercial dos portos, fomento do comércio marítimo, administração dos fundos que lhe sejam confiados e o serviço de informações.
§ único. Caberá também ao Ministério das Colónias a fiscalização das sociedades marítimas que, tendo contrato ou participação com o Estado, façam navegação para as colónias.
Art. 21.° É concedido o prazo de seis meses para a completa execução do disposto nesta lei, só podendo êsse prazo ser prorrogado por deliberação parlamentar.
Art. 22.° Esta lei entra imediatamente em vigor, ficando revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões, 20 de Março de 1922. - Albano Augusto de Portugal Durão - Eduardo Alberto Lima Basto.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
O Sr. Ministro da Agricultura (Ernesto Navarro): - Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer a V. Exa. e à Câmara que o Sr. Ministro do Comércio me pediu para tomar apontamentos no começo da discussão desta proposta. S. Exa. teve de ir ao seu Ministério para assinar um contrato, mas não deve tardar.
O Sr. Ribeiro de Melo: - Sr. Presidente: eu faço-me eco neste momento do desejo de alguns Srs. Senadores que estranham ter sido dada para ordem do dia esta proposta de lei que tem o n.° 226, sem que os pareceres das respectivas comissões tivessem sido distribuídos, para se poder fazer um estudo consciencioso sôbre um assunto de tam alta importância. (Apoiados).
Uma vez porém que ela está dada para discussão, eu desejo, antes que se entre na discussão na especialidade, pronunciar-me a respeito desta, proposta.
Faço-o, por assim dizer, sem um preparo especial, e é óbvio, porquanto, com o conhecimento que eu tinha da crise ministerial, eu julgava que esta proposta sôbre os Transportes Marítimos fôsse retirada da discussão até nova determinação em contrário.
Não sucedendo porém assim, eu vejo-me na necessidade de me referir desde já a ela, e vou referir-me o mais largamente a esta proposta de lei, e eu decla-
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ro a V. Exa., Sr. Presidente, e declaro à Câmara que vou tratar de ver se posso conseguir reunir todos os elementos de estudo que ainda estão dispersos nos muitos papéis que tenho sôbre a carteira para tratar dêste assunto, a fim de protelar a sua discussão para, na sessão de amanhã, estar convenientemente habilitado.
Se a Câmara quisesse fazer a vontade, se a Câmara concordasse em que, à falta de preparação do Senado, seria talvez de utilidade e de vantagem que esta proposta de lei fôsse retirada de hoje para amanhã, se entrar na discussão na generalidade, eu julgo que o prestígio parlamentar muito teria a lucrar com tal decisão.
Permita-me V. Exa., Sr. Presidente, que eu declare que não tenho a intenção de fazer o menor obstrucioniamo a esta proposta, pelo menos no que diz respeito à necessidade e ao dever moral que o Estado tem de solucionar êste arrastado conflito, que envergonha os seus créditos e os da República.
Ora, desde que não está no meu ânimo protelar por mais tempo o cumprimento da palavra, que deve ser honrada, do Estado republicano em satisfazer os seus compromissos de dívida, eu tenho a certeza de que por mais vinte e quatro horas não ficará prejudicado o Estado, nem sequer os próprios representantes dos credores, uma vez que o Senado tem em mim única e simplesmente dar a sua colaboração sensata à proposta de lei.
Não sendo assim, dada a falta de preparação desta Câmara, a proposta será aprovada imediatamente e impenderá sôbre o Senado a alta responsabilidade de ter dado o seu voto a uma proposta de lei n.° 225, até que o respectivo parecer, impresso, seja distribuído, porque me consta que êsse parecer ainda está por imprimir na Imprensa Nacional.
Caso êste meu requerimento não mereça a aprovação da Câmara, eu peço a V. Exa., Sr. Presidente, para me reservar a palavra a fim de prosseguir depois nas minhas considerações.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Agricultura (Ernesto Navarro): - Sr. Presidente: a proposta de lei n.° 220 já estava dada para ordem do dia da sessão de sábado passado, não tendo sido por culpa do Sr. Ministro do Comércio que só agora entrasse em discussão.
Não é da responsabilidade do Sr. Ministro do Comércio o ter vindo tam tarde a esta Câmara, porquanto S. Exa. apresentou-a já há muito tempo na outra e tem empregado os seus melhores esforços no sentido da sua votação.
Relativamente às considerações aduzidas pelo Sr. Ribeiro de Melo, creio que não são de atender, porquanto S. Exa. sabe a necessidade que há em se discutir o assunto com a maior brevidade.
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Marques: - Sr. Presidente: eu pertenço ao número daqueles que têm aqui protestado por diversas vezes contra a precipitação com que se discutem problemas dos mais importantes e" que se arrastam sem protesto de maior na outra Câmara durante semanas e até meses seguidos, e que, uma vez chegados aqui, aparece sempre uma série de circunstâncias, qual delas a mais ponderosa, que faz pressão sôbre o Senado para que apressemos a discussão.
Mas a verdade, Sr. Presidente, é que eu reconheço quanto há de justiça nas palavras que acaba de proferir o Sr. Ministro da Agricultura representando, para êste efeito o Sr. Ministro do Comércio.
Justamente a demora havida na discussão do momentoso problema dos transportes marítimos tem acarretado os mais altos inconvenientes e os mais graves prejuízos. Sou o primeiro a reconhecê-lo. Creio até que há o risco de alguns dos navios dêsses Transportes se terem já vendido no estrangeiro por vitude de dívidas por êles lá contraídas e que faltou pagar; há também credores que constantemente reclamam o pagamento dos seus débitos lá fora, cuja situação é tam periclitante que não importa delongas, e que desejam saber as condições em que vivem.
De maneira que, em face de tantas circunstâncias gravosas que tornam de facto urgentíssima a votação da proposta de lei dos Transportes Marítimos, entendo pela minha parte que é preferível discuti-lo imediatamente com o fim de evitar ao país não só prejuízos graves, mas até vexames, e, nestas condições, Sr. Presi-
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dente, dou o meu voto para que a proposta continue em discussão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Tomás de Vilhena: - Sr. Presidente: continuo a lamentar que propostas da importância desta sejam apresentadas a esta Câmara em condições de não poderem ser devidamente estudadas e apreciadas, sem ao menos haver tempo de apreciar o parecer da comissão e o texto que veio da Câmara dos Deputados?
Então vai-se tratar duma questão desta ordem sem termos o parecer impresso e ser por conseguinte necessário andar de mão e mão, demais a mais um projecto sôbre o qual se tem feito uma grande discussão?
Então a Câmara dos Deputados pode levar tempos infinitos a tratar de questões meramente políticas, atrasando a discussão de assuntos dêstes, e esta Câmara - o Senado - que é uma Câmara de ponderações e de revisão, é que há-de apreciar o assunto dêste modo?
Não pode ser, Sr. Presidente, nós protestamos contra êste processo; protesta-mos energicamente contra êste processo que nos tira autoridade perante os nossos eleitores e perante o país.
Se esta Câmara tem razão de existir, se o que se deseja é que haja apenas uma Câmara, então acabe-se com o Senado.
Repito, protesto contra esta maneira de trazer à discussão projectos desta gravidade sem fornecerem aos Senadores o tempo materialmente necessário para poderem fazer uma votação consciente e sensata.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Mendes dos Reis: - Sr. Presidente: o Senado não pode continuar a discutir projectos da importância dêste de afogadilho.
É preciso que fique bem assente que esta Câmara não serve só para chancelar todas as propostas de lei que vêm da Câmara dos Deputados. Isto não pode ser.
Quando há dias nesta Câmara foi apresentado um requerimento para que entrasse em discussão a proposta sôbre Transportes Marítimos sem se terem ainda
distribuído os pareceres das comissões, e as emendas introduzidas nos Deputados, nós protestámos e a maioria reconsiderou, rejeitando êsse requerimento.
Sr. Presidente: o parecer das comissões já foi dado há quási oito dias e havia por consequência muito tempo para a Imprensa Nacional o imprimir. £ Porque não se imprimiu?
É esta uma das propostas de grande importância nacional e que fazem parte do programa do Govêrno, Mas o Senado verdadeiramente não a contrariou porque não pode fazer fé pelo que veio publicado nos jornais. Por especial amabilidade de S. Exa. foi-me distribuído um exemplar, mas, para o apreciar, era preciso, pelo menos, 48 horas antes.
É facto que estamos no fim duma sessão legislativa e que o Governa precisa da aprovação desta proposta. Mas o Senado não tem culpa de só agora entrar em discussão.
Sem de maneira nenhuma deminuir o meu protesto, eu declaro que não voto o requerimento do Sr. Ribeiro de Melo, unicamente porque não é em 24 horas que melhoramos o nosso modo de ver.
E, embora não tenha verdadeiro conhecimento da proposta, em todo o caso pela leitura rápida que dela fiz, tenho a certeza que resolve melhor, mil vezes melhor, o problema dos Transportes Marítimos, do que se continuarmos no regime existente.
E emquanto não liquidarmos por completo essa questão será sempre uma nódoa e uma vergonha que pesará sôbre o país.
O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Cada vez se justifica mais a campanha que de longo tempo se vem fazendo entre nós contra as instituições parlamentares e, sobretudo, contra o sistema bi-câmaral.
Segundo a Constituição, uma das atribuições do Parlamento é fazer leis, e eu não compreendo que se possa legislar sem que os representantes do país, encarregados dessa função,, disponham dos necessários elementos para procederem com inteiro conhecimento de causa.
Decerto que não sou eu que vou esclarecer a Câmara sôbre a questão dos Transportes Marítimos, por me faltarem conhecimentos especiais sôbre tam importante assunto, mas os meus ilustres cole-
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gás que o podem fazer com inteligência e muita competência, também não se encontram habilitados para entrar em debate com verdadeira consciência.
A discussão nessas condições não passa duma perfeita burla constitucional.
Porventura, haverá algum preceito de direito político que permita aos Deputados e Senadores votarem um projecto de lei sem ao menos o terem lido?
Diz-se que é urgente liquidar a questão dos Transportes Marítimos. Porquê? Os credores têm muita pressa de receber o sou dinheiro? Mas quando efectuaram os fornecimentos já sabiam em que circunstâncias os faziam, pois não ignoravam que somente receberiam as respectivas importâncias quando os Transportes Marítimos lhes podessem pagar.
O Estado não fica a dever nada a ninguém. E verdade que paga tarde, mas paga sempre e até, às vezes, com juro de mil por cento.
Os referidos fornecimentos aos Transportes Marítimos de Estado representam como toda a gente sabe contas de grande capitão.
Nunca se roubou tanto em Portugal e tam descaradamente. Há géneros vendidos aos Transportes por quatro e cinco vezes mais do que os preços do mercado. Parece que todo o pessoal dos aludidos serviços estava combinado para defraudar o Estado. Sem perigo de errar, quero chamar a essa administração uma verdadeira quadrilha de gatunos.
Sr. Presidente: a segunda parte da proposta que se discute refere-se ao destino a dar aos navios.
A urgência da sua entrega a qualquer entidade particular que os explore não é a que se apregoa, porque actualmente, pelo processo que se está seguindo de alugar os navios, para viagens certas e determinadas, por uma quantia fixa, correndo todos os riscos por conta do locatário, o Estado lucra sempre, e nunca pode perder. Basta que a Câmara saiba que por êsse sistema de administração já entraram de lucros líquidos, nos cofres dos serviços dos Transportes Marítimos, desde Fevereiro do corrente ano, 1:600.000$.
A urgência que se invoca não passa dum pretexto para evitar que recaia uma longa discussão sôbre a maré das ladroeiras que se têm praticado em Portugal desde a implantação do regime constitucional.
O Sr. Alfredo Portugal (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: foi-me entregue há pouco o parecer duma das comissões desta Câmara sôbre a proposta dos Transportes Marítimos do Estado, mas, querendo eu saber em que proposta aquele se baseava, mandei vir da Câmara dos Deputados a proposta ministerial relativa aos referidos Transportes, e vi que há uma perfeita disparidade entre, o parecer do Senado, e o que me trouxeram daquela Câmara. Daqui, concluí que não era essa proposta precisamente a que tinha servido de base ao parecer da comissão que tenho presente. Pedia-a na Secretaria do Congresso, e a proposta que então me deram foi que não havia exemplar algum. Pedi-a na Mesa, e aí informaram-me que apenas tinham vindo para a Câmara 4 exemplares, os quais já tinham sido distribuídos. Não me pertenceu nenhum exemplar, quanto mais não fôsse para ver o seu formato.
Ora, tratando-se duma proposta de lei da máxima importância, e tendo a sua discussão na Câmara dos Deputados arrastando dias e dias, não se compreende, Sr. Presidente, que se esteja agora exigir do Senado, é o termo, a sua rápida aprovação. Isso envolve, por assim dizer, uma verdadeira coacção. E, devo dizer ainda que também não concordaria que se espaçasse a sua entrada em discussão no prazo curto de 24 ou 48 horas, porque êsse tempo seria muito pouco, deminuto de mais para examinar uma proposta- de lei desta natureza; se não fôsse o poder dizer-se que eu não desejava colaborar na sua discussão, e que as despesas que o Estado está fazendo com os Transportes Marítimos do Estado e o facto de esta proposta ainda não estar aprovada era exclusivamente devido, porventura, aã partido liberal ou, mais ainda, ao Senado.
Por mim pode discutir-se, submeto-me à maioria, mas não se fará sem que o meu protesto mais enérgico fique exarado, pelo motivo de se ir discutir, sem ver, uma proposta como a dos Transportes Marítimos do Estado. Tenho dito.
Consultada a Câmara, foi rejeitado o requerimento do Sr. Ribeiro de Melo.
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O Sr. Augusto Monteiro: - Requeiro a contraprova.
Feita a contraprova, foi igualmente rejeitado.
Entrou em discussão a proposta de lei n.° 226.
O Sr. Ribeiro de Melo: - Sr. Presidente: começo por fazer uma declaração: é que eu sou um republicano absolutamente contrário à proposta ora em discussão. E sou contrário a ela, porque entendo que, se esta proposta fôr aprovada, será, nem mais, nem menos do que decretar a falência administrativa do Estado republicano. Não tenha a Câmara a menor dúvida.
Eu sou daqueles que ainda punem pela administração do Estado, e defendo esta doutrina com muitos argumentos. Entendo que é preciso, para que a. administração do Estado produza os seus bons efeitos, ir verificar se ela já tem, ou não dado boas provas, e por isso não me parece que se possa decretar a falência administrativa do Estado por meio de uma proposta de lei. E assim, veja* por exemplo, a Câmara se conhece a administração feita pelo Estado que seja mais honesta e mais inteligente do que a da Caixa Geral de Depósitos ?
O Sr. Pereira Gil: - É a única!
O Orador: - Ainda há pouco tempo, quando os credores estrangeiros dos Transportes Marítimos do Estado se dirigiram aos Srs. Ministros das Finanças e do Comércio para lhes pedirem o imediato pagamento dos seus débitos, foi-lhes preguntado qual seria o estabelecimento de crédito do Estado de que êles aceitariam o aval das suas dívidas. E sabe a Câmara e que é que êsses credores responderam? Foi que única e simplesmente aceitariam o aval da Caixa Geral de Depósitos. Quere dizer, acima do Banco emissor, ou do Banco Nacional Ultramarino, estava a Caixa Geral de Depósitos.
Já vê, portanto, a Câmara que há um estabelecimento do Estado, e por êste administrado, que merece crédito, não só em Portugal, mas também no estrangeiro.
Se o Sr. Ministro do Comércio se não tivesse feito substituir pelo Sr. Ministro da Agricultura, eu preguntar-lhe-hia o que é que o país conhece da administração dos Transportes Marítimos do Estado, que criminosamente arrastou êsses serviços para o regime de descrédito e da bancarrota? S. Exa. apenas me poderia dizer que a administração dos Transportes Marítimos do Estado está actualmente encarregado da telegrafia sem fios, e que acaba há pouco tempo de receber a sua reabilitação, por ter sido louvado pelos serviços prestados como 'administrador dos Transportes Marítimos. Podia ainda S. Exa. acrescentar que se está procedendo a uma sindicância., feita por um juiz de direito. Mas a isso, preguntar-lhe-hia eu o que é feito dessa sindicância, e a não ser que os Srs. Ministros da Justiça e do Interior declarassem imediatamente que o Poder Executivo não se podia imiscuir na acção do Poder Judicial, requeria que o sindicante fôsse enérgico para dentro de curto praso surgir o resultado dessa sindicância.
Quem advoga uma administração enérgica tem o direito de que a sanção penal seja aplicada àqueles que cometem actos delituosos.
A opinião pública aponta quem não tem procedido bem.
Nada melhor que o Sr. Ministro do Comércio para dizer à Câmara se já foram condenados os responsáveis por essa vergonhosa administração.
Mas não o dirá porque está tudo ainda subordinado ao sindicante. Êste foi nomeado logo após a posse do actual Govêrno.
Do mês de Dezembro até 21 de Agosto, época actual, vão decorridos oito meses, e lembro que foi um verdadeiro jogo de empurra a sua nomeação como secretário.
O juiz sindicante por razões várias, exigia a nomeação de certo indivíduo para secretário.
O Govêrno entendia que o secretário deveria ser determinado funcionário público.
Admitindo a hipótese de que o secretário da sindicância foi nomeado sessenta dias depois, o juiz sindicante estava perfeitamente habilitado a proceder com energia, em Janeiro ou Fevereiro.
Era a opinião pública que reclamava o apuramento das responsabilidades.
Quando nós estamos habituados a ver, desde a proclamação da República até
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agora, a prisão preventiva em casos tais, presentemente, no caso de que se trata, os funcionários presumidos delinquentes gozam ainda do sol da liberdade!...
Interrupção do Sr. Alfredo Portugal que se não entendeu.
O Orador: - Complica-se â questão.
Sr. Presidente: a culpa não é do Estado Republicano; é do Poder Executivo que chamou para administrar os serviços autónomos ou independentes aqueles que não têm à menor competência, aqueles que nunca poderiam ser indicados para tais situações.
Parece, Sr. Presidente, que há gente apostada em denegrir as instituições republicanas, em contribuir para êste estado lancinante em que se encontra a administração da República. Parece que há gente apostada em contrariar a obra de soerguimento dá República.
Se tivesse havido um espírito bem democrático, essencialmente bem republicano à presidir a todos os actos do Poder Executivo, nós teríamos com certeza engrandecido esta República e a sua administração a vogar num mar bonançoso.
Não!
Aquelas criaturas, aqueles funcionários e ainda aqueles cidadãos estruturalmente republicanos, que à República têm dado o melhor da sua vida, toda a sua sinceridade, todo o seu bem amargurado amor pelas instituições, essa grande série de republicanos históricos, vejam V. Exas. êsse punhado de heróis e de bravos republicanos que se mataram pela proclamação da República, estão absolutamente afastados da administração do Estado. Para quê?
A Câmara pondere bem nisto, a Câmara que ajuíze bem nisto. Para quê?
Para dar entrada aos neo-republicanos, aqueles que sem terem êste desentranhado amor pela República têm sido aqueles que. têm alcançado os melhores lugares da administração pública, e que têm levado a República a um estado de tal natureza que dentro da própria opinião dos republicanos há um arrefecimento nas suas arreigadas convicções patrióticas e republicanas.
Não há, para bem de nós todos, um só exemplo de republicano histórico que possa ser apontado à execração nacional
pela sua má administração. Nem um só. Todos os republicanos históricos estão jungidos a esta afirmação concreta de salvar a nacionalidade por uma honrada administração dos dinheiros públicos, e por estarem jungidos a esta afirmação é que preferem morrer a trair sequer êstes princípios proclamados durante a propaganda da República. É por isso que êles têm sido afastados dos altos lugares de responsabilidade que entram na base administrativa do Estado, é por isso que nos serviços administrativos nos aparece uma série de cidadãos, uma série de criaturas que publicamente prestaram à República o menor esfôrço ou que jamais foram apontados pela opinião pública como grandes cidadãos.
Em todos os serviços do Estado nós encontramos pessoas que não eram conhecidas nem da população republicana nem daqueles cidadãos que têm por norma a orientá-los sempre o bem-estar da Pátria.
Vamos agora aos Transportes Marítimos do Estado.
Encontramos como director o capitão-tenente da armada Nunes Ribeiro.
No conselho administrativo uma série de oficiais da armada, sob a presidência do contra-almirante Macedo e Couto.
E se nós preguntarmos quais são os actos praticados pelos membros dêsse conselho de administração, quais são os actos praticados durante a sua vida de oficial pelo Sr. capitão-tenente Nunes Ribeiro, nós temos de constatar que nem um só serviço prestou na administração do Estado o Sr. capitão Nunes Ribeiro, nem nenhum dos outros senhores.
E quando o país batia palmas - é o termo - por se achar de posse dos navios ex-austríacos e ex-alemães que estavam ancorados nos portos da República Portuguesa, tanto no Continente como nas colónias, como nas ilhas adjacentes, viu-se, Sr. Presidente, que êsse grande entusiasmo se transformou no maior dos desgostos, transformou-se essa suave alegria num acto que eu me abstenho de classificar, porque não é palavra própria desta Câmara e que o vulgo emprega com relativa facilidade.
Os jornais têm-se alongado em considerações sôbre a administração dos Transportes Marítimos, mas eu vou apenas
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referir-me a assuntos que eu conheço perfeitamente bem.
Entre êles há um que se me apresenta bastante próprio para poder escalpelizar essa administração sob a égide do Sr. Nunes Ribeiro e do respectivo conselho* de administração.
Era eu cônsul de Portugal em Santos na ocasião em que se organizavam os serviços para as carreiras do Brasil.
A colónia portuguesa do Brasil reclamava de há muito o estabelecimento de carreiras portuguesas para aquele país. e quando se estava tratando da organização de carreiras dos Transportes Marítimos, a colónia portuguesa reuniu-se na Câmara Portuguesa de Comércio e Indústria e endereçou aos Transportes Marítimos várias firmas portuguesas das mais honestas e importantes para serem os agentes dos Transportes Marítimos.
A administração dos Transportes Marítimos entendeu, porém, que devia nomear os agentes como ela quisesse e entendesse, sem se querer deixar orientar pelos sábios conselhos dos portugueses residentes no Brasil, e assim, em Santos, por exemplo, depois de vários ofícios da Câmara Portuguesa de Comércio, e depois de várias reclamações feitas ao Ministro do Comércio de então e ao próprio conselho de administração, e ainda depois de ofícios dirigidos ao Chefe do Estado, pedindo para que os Transportes Marítimos seguissem as indicações feitas pela colónia portuguesa do Brasil, no que dizia respeito aos agentes, indicações essas feitas com toda a sinceridade e com todo o patriotismo, a administração dos Transportes Marítimos confiou a sua agência a um cidadão britânico, que veio a Portugal negociar o funcionamento dessa agência, quando estava indicado que os agentes dos Transportes Marítimos no estrangeiro fôssem aquelas casas ou firmas portuguesas especializadas no assunto.
Entre as firmas indicadas pela colónia portuguesa havia uma que se sujeitava a abandonar a sua agência de uma companhia estrangeira para, com todas as suas secções e com todos os elementos que possuía, começar a trabalhar imediatamente para servir a pátria portuguesa.
Transmitida a notícia pelo telégrafo, de que os agentes dos Transportes Marítimos em Santos seriam estrangeiros, a Câmara Portuguesa de Comércio ponderou ao Ministro do Comércio de então e à administração dos Transportes Marítimos a inconveniência de tal se fazer.
Nessa ocasião deu-se o caso de eu entrar no gozo de licença e, convencida a colónia portuguesa de que um cônsul devia ser um elemento de pêso em matéria comercial junto do Ministro do Comércio, forneceu-me todos os elementos oficiais e documentos em que se provava à evidência a desvantagem da nomeação dessa firma estrangeira para agente dos Transportes Marítimos, mostrando em contraposição a necessidade dessa agência ser dada a uma firma portuguesa.
Não logrou o cônsul de Portugal em Santos convencer o Ministro do Comércio de então a que fôsse retirada a agência a essa firma estrangeira, para a entregar, como seria conveniente, a uma firma portuguesa.
Teimou-se e insistiu-se no propósito de que essa agência continuasse a cargo de cidadãos estrangeiros.
Eu entendo que se deveria chamar à responsabilidade o Ministro que consentiu que um director geral dos serviços dependentes do seu Ministério assinasse contratos com estrangeiros, tanto mais que as informações dadas pelo Sr. Nunes Ribeiro, de que tinha, sido ouvido o ministro de Portugal no Brasil são menos verdadeiras.
Não curou o Ministro de então de se informar pelas vias competentes, que neste caso seria o Ministério dos Negócios Estrangeiros, nem sequer foram ouvidos os respectivos cônsules representantes de Portugal.
Não se fez nada disso, e apenas se contribuiu para um maior descrédito para o nosso país, e o que é mais grave ainda, é que a colónia portuguesa se sentiu deminuída aos olhos das outras colónias, e a colónia portuguesa não o merecia, porque ela é trabalhadora e honesta.
A colónia portuguesa no Brasil é entre as outras colónias estrangeiras uma das mais honradas e mais sérias.
Pois o Govêrno Português, pelo seu representante, o titular da pasta do Comércio, negou essas qualidades de trabalho e de honestidade aos Comerciantes portugueses no Brasil,
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E tanto não reconheceu à colónia portuguesa essas qualidades, que foi entregar a agência dos Transportes Marítimos a estrangeiros.
O que é que se deveria ter feito a um Ministro do Comércio que assim procedeu? Chamál-o à responsabilidade.
Dentro das leis da República há disposições que obrigam os Ministros que não acautelem nem zelem, os interêsses do país a responderem perante um tribunal. Não se fez isso, porém.
Se tal um dia se fizer, à barra do tribunal há-de passar uma longa fila de pessoas que se sentaram nas cadeiras do Terreiro do Paço.
Como eu, Sr. Presidente, não tenho elementos, porque se os tivesse, declaro a V. Exa. e à Câmara que, como cidadão e republicano, nenhuma dúvida teria em denunciar ao Poder Judicial todos os crimes praticados por desmazelo ou por falta de zêlo, os actos praticados por êsses membros do Poder Executivo.
Sr. Presidente: pelo que respeita às agências, o que se passou no Brasil, sôbre o qual tenho um conhecimento muito especial, era aquilo que se passava nos outros portos por onde os navios dos Transportes Marítimos do Estado faziam escala.
Se formos à administração dessas agências nós reconhecemos que essa administração foi a mais ruinosa que se podia dar, mais pareciam os agentes dos antigos proprietários dos navios apreendidos do que os defensores dos interêsses nacionais e dos seus direitos.
Sr. Presidente: bastaria ter em atenção, ou na memória, as notícias que os jornais de Lisboa publicaram durante muito tempo para se averiguar o estado vergonhoso a que chegou o Estado Português, em que foram os agentes dos Transportes Marítimos os mais culpados.
Êles sem nenhuma espécie de patriotismo, que não podiam ter porque, não eram portugueses e portanto não podiam defender, os interêsses do Estado, porque eram os representantes de outras antigas companhias de navegação e naturalmente optavam pelos interêsses destas antigas companhias, o que contribuiu para a ruinosa administração dos Transportes Marítimos, e dar um sinal de alarme, a ponto de se dizer que a sua função estava terminada, e que melhor seria dar êsses serviços a diferentes emprêsas ou a próprios particulares que os explorassem como entendessem.
Isto não pode ser, para que se pudesse aprovar êste projecto de lei era necessário que nós soubéssemos que estavam já apuradas as responsabilidades.
Primeiro do director geral dos Transportes Marítimos, segundo do Conselho de Administração e terceiro dos respectivos agentes, sem o que não pode ser, porque assim podia parecer o propósito de nós querermos passar uma esponja sôbre a administração desta grande frota marítima que, no entender de todos, deveria enriquecer a administração republicana, e que afinal de contas se tornou num verdadeiro sudário de verdadeiras misérias a que temos de fechar os olhos e dar a entidades particulares.
Tenho razão para afirmar (e o Sr. Ministro do Comércio, com certeza, não destrói a minha afirmação, que a actual administração por parte do Estado, não dando lucros, ocorre, todavia, às necessidades, a ponto de merecer consideração e despertar desejos de que os Transportes Marítimos não se afastem das mãos do Estado.
Sei que o Sr. Ministro do Comércio tem sido fartamente atacado por constantes pedidos dos credores dos Transportes Marítimos para pagamento das respectivas contas e se não tem feito êsse pagamento é porque não tem elementos para isso.
S. Exa. talvez tivesse sido mais feliz se trouxesse ao Parlamento uma autorização ao Govêrno para liquidar as dívidas dos Transportes Marítimos independentemente da entrega dos navios a particulares, companhias ou emprêsas, porque não me parece conveniente alienar, de um salto, uma fonte de riqueza que, como se está provando, deve ser importante se fôr bem administrada.
O Estado tem obrigação de satisfazer as dívidas dos Transportes Marítimos e se, sôbre elas, verificar que existem afirmações que não correspondem à verdade dos factos, compelir os credores a que sejam respeitadas as prescrições dadas.
O Estado não pode ser esbulhado de cêrca de 80:000 contos e de outros mais anteriores à gerência.
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Nada se fez porque o director dos Transportes Marítimos era soberano.
Parece que se impõe a obrigação de votarmos imediatamente esta proposta de lei, a fim de que a palavra do Estado não continue a ser arrastada pelas ruas da amargura.
Para um outro facto chamo a atenção, e é o dos continuados incêndios que tem havido nas cargas e nos navios.
Seria razoável que o Sr. Ministro do Comércio nos dissesse que há de apurado sôbre os incêndios frequentes e repetidos.
Há um grande mistério nisto tudo.
Alguém chama a tudo isto não Transportes Marítimos do Estado, mas trapalhada marítima do Estado.
Nesta trapalhada há-de haver autores, uns são da mais alta categoria militar, outros da mais alta categoria civil, e: estou certo portanto que êles não fugirão a assumir as responsabilidades dos seus actos de administração pública, no dia em que houver justiça em Portugal, no dia em que a actual justiça da República Portuguesa comece emfim a fazer justiça.
Não faz sentido, repito, que por simples incêndios, que já muita gente denomina "patrióticos", desapareçam centenas de contos a que atinge a carga dos navios incendiados, e que de momento para outro nós vejamos ficarem nos portos estranjeiros navios da frota do Estado arrestados pela falta de pagamento das suas dívidas.
Eu lembro-me, Sr. Presidente, quando em Outubro auxiliei o Govêrno de então, de chegarem telegramas do estrangeiro pedindo ao Govêrno Português o pagamento imediato, com urgência, de muitos milhares de francos, de muitos milhares de dólares e de muitas centenas de libras, para que os navios da frota marítima do Estado pudessem continuar as suas viagens, e, apesar do ruinoso estado financeiro em que nos encontrávamos, fez o Estado o sacrifício de enviar centenas de milhares de francos, centenas de milhares de dólares, para que o Estado Português, representado pela bandeira comercial do navio, não sofresse o vexame nem a vergonha dum arresto.
E, Sr. Presidente, os culpados destas acções vergonhosas estão êles na cadeia. Estão já sob a alçada da justiça?
Não, Sr. Presidente, não está ninguém preso.
Parece-me que não houve uma trapalhada nos Transportes Marítimos do Estado, houve sempre uma bela administração, a frota marítima do Estado se não saiu enrequecida pela administração, saiu portanto com honra, porque o Estado da República ainda não reconheceu que tivesse havido criminosos, ou faltas praticadas por êsses senhores."
Estão presos ou sôbre êles existe algum processo aqueles agentes que contribuíram para que os navios do Estado fôssem arrestados?
Estão presos aqueles funcionários dos Transportes Marítimos do Estado que obrigavam os fornecedores a apresentar uma factura num preço superior ao que representava o custo verdadeiro dos produtos fornecidos?
Não estão. E no emtanto sabe-se bem que nas colónias, em Lourenço Marques por exemplo, houve fornecedores honrados que se negaram a pôr um preço na factura diferente daquele que era ajusta retribuição do seu trabalho.
Houve denúncias aqui para o Ministério do Comércio, houve denúncias para o Govêrno, e, Sr. Presidente, quando o fornecedor das colónias ou mesmo do estrangeiro s3 recusava, a facturar por preço diferente, mas sempre superior àquele que tinha sido apresentado, essa factura era devolvida ao fornecedor e êle era obrigado a apresentar um preço muito maior que o Estado pagava e que era dividido por aqueles funcionários dos Transportes Marítimos do Estado embarcados e possivelmente por alguns dos fornecedores.
Pois, Sr. Presidente, isto que é um sudário, continuou durante muito tempo e os poucos contratos que houve fizeram incidir sôbre os credores do Estado uma campanha e antiprtia que não mereciam.
Está escrito que todos os actos maus da administração da República continuem sem serem submetidos à bitola rigorosa da lei, que 'naturalmente- dentro do Código Penal tem os elementos de castigo.
Os inquéritos que em todos os países civilizados costumam fazer-se são ràpidamente conhecidos. Todavia, há muitos meses houve incêndio nos Transportes Marítimos do Estado, nas cargas dos navios alemães e nos explorados pelo Es-
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tado, e até hoje a nação portuguesa ignora ainda quem sejam os culpados.
Eu sei que o Sr. Ministro do Comércio não tem culpa do sucedido e não pode obrigar a polícia ou a justiça a fornecer-lhe imediatamente os elementos de culpabilidade dos autores dos incêndios.
Mas S. Exa. deveria empregar todos os esforços para que as pessoas encarregadas dêsses inquéritos fornecessem elementos aos Srs. Senadores que assim o desejassem.
Não tenho a intenção de demorar a discussão da proposta de lei em discussão, apesar de não contar que ela fôsse hoje submetida à apreciação do Senado, mas desejava que o Sr. Ministro do Comércio me esclarecesse sôbre uma dúvida.
Eu receio que a entrega dos navios dos Transportes Marítimos do Estado a entidades particulares faça aquilo que pela província se chama "a vermelhínha", isto é, que naturalmente desapareçam os barcos.
Por maior consideração que eu tenha pelas emprêsas comerciais do país, a verdade é que não estou habituado a que essas emprêsas tenham em atenção os interêsses do Estado.
As principais emprêsas que absorvem os interêsses do Estado e que têm dêstes um privilégio ou monopólio são aquelas que mais caras têm ficado ao Estado e que mais exploram os seus interêsses.
Se o Sr. Ministro do Comércio declarar que tem a certeza absoluta de que os navios dos Transportes Marítimos do Estado ficam tal como eram, nunca deixarão de ser pertença do Estado, e ficarão sempre à disposição do Estado, todas as vezes que necessite dos navios, porque é preciso que nós tenhamos uma frota mercante em condições de poder, de um momento para outro, transportar os produtos das nossas colónias como um elemento de defesa, e mesmo para levar a efeito o estreitamento das nossas relações com o Brasil, estou de acôrdo.
Só a declaração do Sr. Ministro do Comércio poderá satisfazer a minha dúvida, e sobretudo a dúvida que eu tenho pelo contrato que se vai fazer sob esta. proposta de lei.
Há uns pontos de que eu discordo na proposta apresentada; quando se tratar da especialidade, eu mandarei para a Mesa algumas propostas de emenda.
Há ainda uma outra parte, que é esta: ficam acautelados as direitos dos funcionários dos Transportes Marítimos?
Os funcionários devem de ser considerados, segundo o meu modo de ver, como funcionários públicos; são portugueses que o Estado foi contratar ou que o Estado admitiu para um serviço público, e que de um momento para outro não pode despresar.
Se a proposta ministerial acautela os seus direitos, eu digo a V. Exa. que isso muito me apraz, mas se porventura no contrato que se faça entre o Estado e qualquer entidade nada se lhes faça, eu digo desde já a V. Exa. que isso levanta da minha parte o maior protesto.
Tenho a certeza que o Sr. Ministro do Comércio sôbre êste ponto também me esclarecerá, e, deixe-me dizer a V. Exa., nisso prestar-me há um serviço muito especial, porque eu tenho pelos funcionários dos Transportes Marítimos do Estado, não por aqueles que delinquiram, êsses que se metam na cadeia, mas por aqueles que prestaram os mais zelosos e prestimosos serviços, o maior respeito.
Para aqueles que cumpriram sempre os seus deveres, que desde o início se portaram bem, não pode o Estado despedir êsses funcionários com um mês ou dois de vencimento, têm de ser acautelados êsses direitos fazendo-os ingressar no funcionalismo público, ou então no contrato a fazer com quaisquer entidades a obrigação de os tomarem para os seus serviços.
Ora, Sr. Presidente, não vale a pena espraiar-me em mais considerações, nem sequer alongar-me sôbre o assunto, porque desejo ouvir a opinião de certas pessoas que decerto hão-de conhecer o assunto e que hão-de esclarecer-me.
O orador não reviu.
O Sr. Silva Barreto: - Requeiro a V. Exa. que consulte o Senado sôbre se permite que se prorrogue a sessão até as 20 horas.
Foi aprovado.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações. (Lima Basto): - Reservo-me para
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responder ao Sr. Ribeiro de Melo conjuntamente com a resposta que tenha de dar a outros oradores.
O Sr. Bulhão Pato: -Estava eu, Sr. Presidente, em viagem quando êste projecto de lei foi apresentado aia Câmara dos Deputados. Não o conhecia, portanto, e apenas pude apreciar as suas linhas gerais na comissão de comércio.
Entendo que se não deve protelar êste assunto, que se deve resolvê-lo, se não da melhor maneira, ao menos da maneira que puder ser. O caso tem várias soluções sujeitas a controvérsia, e as pessoas que impugnarem o projecto tem certamente a seu favor argumentos mais ou menos valiosos.
O principal argumento do Sr. Ribeiro de Melo contra o projecto foi de que êle implicava a falência da administração do Estado.
O Estado pode ser hábil para administrar uma ou outra indústria, mas não todas; além de que a função essencial do Estado não é a administração das indústrias. Com a administração dos Transportes Marítimos fez-se uma experiência. Os factos demonstraram que não é conveniente essa administração. Não me parece, portanto, que nesta ocasião a opinião pública aceitasse bem que o Sr. Ministro do Comércio apresentasse às câmaras uma proposta de lei no sentido de a administração dos Transportes Marítimos continuar nas mãos do Estado. A administração entregue a emprêsas particulares pode ser mais útil ao Estado que sendo o próprio, Estado a administrar.
E por isso que eu dou o meu voto a esta proposta de lei, que constitui uma esperança de que o assunto fique liquidado com honra e proveito para o país.
O Sr. Ribeiro de Melo contou vários casos referentes aos Transportes Marítimos. Eu também sei de muitos que não exporei à Câmara para lhe não tomar tempo. Apenas indicarei um.
Na minha acção oficial eu tive uma vez de embargar a saída de um paquete cheio de passageiros, por falta de um pagamento.
Os portugueses que amam e prezam a sua pátria sentem que o coração lhes pulsa com mais fôrça por ela quando estão longe de Portugal, e assim V. Exa. calculará quanto me teria custado praticar êsse acto.
Foi, Sr. Presidente, com grande júbilo para a nossa colónia de Moçambique que inaugurámos as carreiras pelo canal. O navio Levava um carregamento completo e saiu de Lourenço Marques repleto de passageiros ingleses, belgas, franceses e portugueses, comparticipando da alegria por verem a velha bandeira portuguesa, a primeira depois da guerra, a atravessar o canal num grande paquete.
Os oficiais e marinheiros cumpriram honradamente o seu dever, não se poupando a esforços no exercício da sua árdua missão e todos os passageiros iam contentes se não fôssem os contratempos que depois se deram por virtude da péssima administração dos Transportes Marítimos, que deu lugar a estarmos 35 dias parados em Marselha e serem os passageiros convidados uma semana antes dêsses 35 dias a virem por terra aqueles que assim o preferissem, mediante uma indemnização.
Nesta altura toda a gente começou a dizer mal da nossa administração, tendo eu de ouvir tudo e calar me, visto estar em presença de factos evidentes dessa má administração.
Entendo ser da maior necessidade pôr termo a êste desregramento e providenciar por forma a que as nossas colónias sejam servidas por boas linhas de paquetes, mas acho esta proposta de lei um pouco cheia de peias que me não soam bem e acho que há de ser difícil que apareça alguma entidade que queira tomar conta dos navios.
Também não compreendo bem êste exclusivismo nacional, êste - permita-me V. Exa. o termo - chauvinismo tam fora da época presente, da não admissão de -capitais estrangeiros nesta exploração. Eu, Sr. Presidente, entendo que não havia inconveniência alguma em que concorresse uma boa emprêsas com capitais, por exemplo, brasileiros, desde que respeitasse as nossas leis.
E, no entanto, nenhuma emprêsas, por melhor que seja, com capitais estrangeiros, pode concorrer, porque a lei não lho permite, só podendo entrar companhias com acções nominativas de portugueses.
Como está presente o Sr. Ministro do
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Comércio, eu desejo que S. Exa. me explique o seguinte:
Na ordem das carreiras para o Ultramar menciona primeiro Cabo Verde, Guiné e outras colónias do Atlântico, e por último Moçambique e colónias do Oriente.
Não sei se esta ordem é simplesmente geográfica, ou de preferência ou de urgência; mas o que acho mais urgente é na ordem inversa, isto é, começar pelas colónias mais afastadas do Oriente, visto que as do Atlântico já estão regularmente servidas pelos navios da Companhia Nacional.
No que respeita à província de Moçambique, está hoje muito mal servida.
As mercadorias, como o açúcar, o sinal e as oleaginosas vão de lá para os portos estrangeiros em navios estrangeiros.
Mesmo os passageiros estão mal servidos. Lutam com dificuldades para virem à Europa.
Temos, é certo, a carreira alemã, mas essa serve principalmente os portos estrangeiros.
A primeira carreira a estabelecer não seria para a África Ocidental, mas para a Oriental; primeiro os mais distantes portos, depois os mais próximos.
Assim a colónia de Timor está completamente abandonada de Portugal.
A parte holandesa de Timor está bem servida com várias carreiras, ao passo que a nossa não tem um único navio.
Com respeito ainda a Moçambique, o Sr. Alto Comissário exigia 9, navios, 3 para a cabotagem, 3 para a carreira da Europa e 3 para a carreira da índia.
Isto era de alta importância, porquanto os asiáticos espalhados por toda a África Oriental, onde exercem um grande comércio, apezar de terem carreiras inglesas para a índia, preferem os navios com bandeira nossa.
Não me quero alongar mais por agora; se as minhas palavras tiveram alguma impressão em S. Exa. o Ministro do Comércio, que atenda a êste ponto.
O Sr. Alvares Cabral: - Sr. Presidente: eu o ano passado apresentei uma proposta de lei no sentido de passarem para a administração particular os serviços dos Transportes Marítimos do Estado.
Creio que nessa ocasião a opinião não estava ainda bem firme, e o caso é que se o protelando a discussão e por fim passou para o cesto dos papéis velhos.
Assinei o parecer da Comissão, sem restrições ou declarações, porque estou convencido que com ela se fará o que eu desejo: saldar os débitos e reduzir a pouco e pouco o pessoal e passar para a indústria particular a exploração da frota mercante nacional.
Quando eu apresentei o meu projecto apresentei ao Senado uma exposição feita por um patrício meu que estava em New-York, que de uma maneira clara e com dados positivos prova que para concertar uma avaria que um dos vapores havia tido, naquela cidade, creio que foi o S. Vicente, tinham sido apresentaras duas propostas e que a adjudicada foi exactamente aquela que levava maior quantia, o mesmo se dando com o fornecimento de carvão.
Foi devido a êstes factos e por ter visto um pouco mais do alto o que fizeram os outros países que tinham grandes frotas mercantes ao serviço do Estado, chegando a América a queimar navios de madeira, e a oferecer alguns a particulares, que eu elaborei o meu projecto e que cheguei à conclusão de que mesmo que o Estado oferecesse a qualquer companhia de navegação os navios perfeitamente de graça, ainda assim fazia um bom serviço público. E esta asserção provo-a eu em duas palavras.
V. Exa. sabe que hoje está calculado por pessoas competentes que os navios vendidos nas melhores condições não dão para pagar as dívidas feitas por êles. Em vista disso é natural que êles continuassem na posse do Estado, o que creio não succede, visto êste Govêrno ter encetado a resolução dêste grande problema nacional.
Ora tudo isto se vê claramente.
Mas pergunto eu os navios deram realmente origem a uma grande dívida, trouxeram porventura grandes benefícios ao país?
Os benefícios, Sr. Presidente, são muito problemáticos.
As nossas colónias produzem cereais, carnes, etc., e até agora temos tido carência absoluta dêsses produtos.
Era natural esperar-se, embora com alguns sacrifícios, que, havendo por par-
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te do Estado uma frota mercante de importância, daí nos adviessem benefícios,, para atenuar a nossa apavorante crise de subsistências.
Os navios, estando na posse do Estado, nunca puderam abastecer o mercado de forma a que concorressem para atenuar um pouco os preços dos géneros de primeira necessidade.
Alguém, Sr. Presidente, falou aqui em opinião pública.
Com a boa fé que sempre ponho em todas as questões que discuto, direi que me parece que a opinião pública está toda a favor da entrega dos navios à indústria particular.
E lembra-me agora que na Inglaterra, o país que melhor se administra, que eu conheço de perto e em que há várias indústrias fiscalizadas pelo Estado, o Ministro dos Transportes disse em tempo que ia entregar os caminhos de ferro a várias emprêsas particulares, porque tinha a certeza que as companhias iam ganhar e que o Estado estava a perder milhares de libras mensais.
É por isto que eu sou de opinião que os navios deixem de estar na posse do Estado.
Outro ponto a que eu desejo também fazer referência, é que, embora eu assinasse o parecer sem restrições e não o fiz porque não queira de forma alguma embaraçar ou demorar a conversão em lei da presente proposta, é ao facto de quererem acabar com a sindicância.
Sou de opinião que a sindicância deve continuar, e neste sentido, quando se discutir a proposta na especialidade, terei ocasião de mandar para a Mesa uma emenda.
Pode não haver crime, e em todo o caso haver faltas, que devem de alguma . maneira ser castigadas disciplinarmente.
Há outro ponto a que me quero ainda referir.
Nos Transportes Marítimos do Estado há empregados ganhando 800$ e 1.000$, e até dactilógrafas com 300$.
Ora parece-me que tais empregados não devem ser incluídos nas subvenções, pois que têm um carácter adventício todos aqueles emprêgos.
O Sr. Júlio Maria Baptista: - Felicito o Sr. Ministro do Comércio pelo facto da administração dos Transportes Marítimos, depois que S. Exa. começou a gerir a sua pasta, se ter modificado por forma que deixou de ser uma cousa extraordinária e vergonhosa para ser modelar pela maneira como tem conseguido ir liquidando os assuntos pendentes.
Diz o Sr. Joaquim Crisóstomo que não será muito para lamentar que os credores dos Transportes Marítimos esperem um pouco mais pelo pagamento dos seus créditos, porque tirarão os juros correspondentes a essa demora, visto que na importância das suas contas incluirão largas compensações. Isso poderá, até certo ponto, ser exacto, mas há créditos de natureza especial.
Um navio, por exemplo, saiu daqui para o Oriente, mas a administração não preveniu as cousas, de forma que, em todos os portos de escala, teve de se ir arranjando dinheiro para carvão, mantimentos, etc.
Chegado a certo ponto, manda-se-lhe ordem daqui para não seguir viagem.
Falando com um português que fazia parte duma firma estrangeira, mas que era um português com todo o amor da sua pátria, conseguiu de sua casa, para evitar aquela vergonha, que a casa de que êle fazia parte dêsse aval para lhe dar carvão.
De maneira que o navio saiu dali para S... para depois pagarem a despesa à pessoa que tinha garantido o dinheiro para o carvão, chegou a S ... e recebeu lá ordem dos Transportes Marítimos para mandar dinheiro para cá, e dois anos depois os s e benemérito maçais ta veio aqui pedir que lhe pagassem êsse dinheiro de que estava desembolsado, porque nunca mais lho tinham dado, e ainda está desembolsado dalgumas libras.
Ora, como o Sr. Joaquim Crisóstomo vê, nem todos os créditos são da mesma natureza, mas há uma regra que não tem excepção: quem deve paga e quem não paga é caloteiro, desculpem-me a frase.
Ora o calote nacional não pode permitir-se nem estabelecer-se como direito, verifiquem-se os créditos, discutam-se no Tribunal do Comércio aqueles que devem ser discutidos, mas aqueles que forem verificados e conferidos paguem-se.
Por consequência, há necessidade de pagamento imediato dos créditos dos
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Transportes Marítimos, aqueles créditos , que hão de pagar-se imediatamente, não pode haver duas opiniões. E possível que nesses créditos houvesse demasiada compensação, mas se o contrato está feito não há outro remédio senão pagar.
Há uma outra parte a que me quero referir, é a aplicação da frota.
Eu não sou de opinião que o Estado seja administrador, porque a experiência me diz o contrário; se me perguntarem qual a razão por que o Estado não pode ser administrador, eu não sei, mas sei que nunca soube administrar emprêsas industriais e comerciais
O Sr. Joaquim Crisóstomo (interrompendo): - Então qual é a função do Estado senão administrar?
O Orador: - O Estado não é comerciante nem industrial ou pelo menos não tem mostrado a sua competência para essa função, nem mesmo deve.
Não procuremos exemplificar como os serviços públicos estão constituídos, que acêrca de alguns eu faço muito má idéa, tratamos agora dos Transportes Marítimos, especialmente no caso presente parece-me que o Estado não tem mostrado grande capacidade administrativa, e em quási todos os países assim sucede; a regra é esta.
Os Transportes Marítimos do Estado tinham um pessoal numeroso porque a política assim o entendia, era preciso atender um amigo político importante, servia-se dos Transportes Marítimos para o efeito, e foi assim que colocaram a administração neste estado.
Toda a minha vida tenho lutado contra os favores políticos porque entendo que quem faz favores à custa do Estado não cumpre o seu dever.
É por esta razão que eu sou de opinião que a administração da frota deve passar para a indústria particular.
Seria preferível, como muito bem disse o Sr. Ribeiro de Melo, dividir a proposta em duas, mas, como não podemos estar a perder tempo, porque os dias fazem semanas e as semanas fazem meses, acho melhor votar-se a proposta que está em discussão, à qual declaro, desde já, dar o meu voto. Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Querubim Guimarães: - Sr. Presidente: já há pouco o ilustre colega e meu distinto correligionário Sr. D. Tomás de Vilhena aqui referiu - bem sei que o assunto está arrumado - a circunstância de nos acharmos numa situação muito difícil e má, relativamente à discussão desta proposta de lei, não podendo nós, por um motivo de fôrça maior, intervir no exame dela depois dum estudo aturado e atento, como seria necessário e para desejar.
Sr. Presidente: êste assunto tem um melindre excepcional, muito excepcional, porque a administração dos Transportes Marítimos do Estado assume e toma aspectos de tal maneira escandalosos, que o país inteiro está com os olhos postos neste assunto e nós, legisladores, sentimos que só no caso dos maiores escândalos, como nos dos Bairros Sociais, aparecem idênticos a êstes, aliás de muito menor importância e prejuízo para os interêsses do Estado.
Bom seria realmente que a esta Câmara tivessem sido fornecidos todos os elementos de estudo para que ela se pudesse pronunciar, e por outro lado, que houvesse o tempo necessário para devidamente o fazer.
Não posso, Sr. Presidente, alongar-me em considerações, não só porque não gosto de dizer daqui dêste lugar apenas palavras e afirmar princípios, sem me escudar em dados seguros.
Nós não desejamos seguir o mesmo caminho dos propagandistas da República, de demolir, só demolir.
Só quando se levantou na Rotunda a moçoila da República - e não vai nisto intenção de desprimor-quando se quis entrar na fase construtiva é que se viu que não havia os materiais próprios para se fazer uma construção sólida.
Ora, não querendo eu comparar a situação dos propagandistas pró-República com a nossa, evidentemente que me não apresto a fazer afirmações vagas e em que não tenha bases seguras.
Certamente que o Sr. Ministro do Comércio, para seu bom nome pessoal, para bom nome do Govêrno e da República que defende, seria o primeiro a concordar connosco, seria o primeiro a desejar que fôssemos bem esclarecidos sôbre o assunto, para sôbre êle nos podermos pronunciar com consciência.
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Tendo começado a discussão da presente proposta de lei na Câmara dos Deputados em Junho, salvo êrro, isto é, há dois meses, é lamentável que só agora venha a esta Câmara, estando-se ainda a votar mais propostas na outra, para nós as votarmos aqui também.
Mas apresentado êsote contraste, permitam-me que eu mande a seguinte moção:
Leu.
Dentro dos princípios desta moção eu i arei as minhas considerações.
Esta escandalosa administração tem para o bom nome do país um aspecto moral, qual é o da averiguação de todas as responsabilidades dos que prevaricaram, para que se não continue a viver na impunidade permanente, fazendo-se uma tábua rasa de todo o passado.
É preciso que em tudo isto não sejam envolvidos os que trabalharam honestamente nos Transportes Marítimos, e decerto que devem haver ainda homens honestos que tenham a coragem precisa para punir êsses criminosos.
Sei que estamos num regime de manifesta impunidade, e por isso é que eu aqui protesto indignadamente contra semelhantes abusos que se refletem não apenas entre nós, mas lá fora e estranha-se a cada passo que os capitalistas portugueses desviem os seus capitais para o estrangeiro.
É preciso que haja um exemplo severo.
Quando o Sr. Ministro do Trabalho apresentou uma proposta para a solução da questão dos Bairros Sociais eu dei o meu voto, porque foi assunto que mais me feriu a minha sensibilidade.
Entendera o Sr. Ministro do Trabalho que não podia continuar uma tal situação, que era vexatória. Trouxe aqui uma proposta e, eu dei-lhe o meu voto e disse: - mas S. Exa. deve punir todos os criminosos e se de tal se esquecer, eu hei-de protestar energicamente contra semelhante regime de impunidade.
É o mesmo que agora digo ao Sr. Ministro do Comércio.
Na verdade eu não sei bem o que diz a proposta em discussão, porque nem sequer me foi dado tempo para conhecê-la, a não ser num ponto ou noutro pela leitura dos jornais.
Quando em 1916, salvo o erro, foram apresados os barcos alemães e austríacos, 72, se bem me recordo, de norte a sul do país se cantou vitória e se disse que, emfim, Portugal ia ter, sem sacrifício de maior, uma frota mercante de grande importância.
Decerto que ao conhecer-se a tonelagem dêsses barcos se viu que nós seríamos compensados pelos sacrifícios da guerra.
Passam-se seis anos e chegamos a esta situação dolorosa de ficarmos a zero ou talvez menos que zero.
Julgo que o Sr. Ministro do Comércio disse que nem vendendo todos os barcos dos Transportes Marítimos do Estado nós poderíamos pagar todas as despesas com êles feitas.
E há-de passar-se por cima de tildo isto sem que se peçam severas contas aos responsáveis por esta situação?!...
Eu sei que uma das comissões ou sub-comissões de que fala a proposta, é averiguar das responsabilidades relativas ao caso.
Se se trata duma responsabilidade criminal ou civil, não sei, não conheço bem, como digo, a proposta. Mas o que 'é precise que fique bem consignado é a responsabilidade penal. Um meu ilustre, colega no foro e meu distintíssimo correligionário na outra Câmara, o Sr. Dr. Cancela de Abreu, ocupando-se da administração dos Transportes Marítimos do Estado produziu um tal trabalho de investigação sôbre o assunto, que ninguém poderá deixar de reconhecer que êle é verdadeiramente notável.
Não seria eu, portanto, quem poderia - ainda que me tivesse especializado no assunto - fornecer melhores elementos de informação, mas sim S. Exa.
Se nós lermos êsse admirável discurso, ficamos verdadeiramente admirados como, de roubo em roubo, de escândalo em escândalo, se conseguiu chegar até agora com uma tal impunidade.
Deu-se até, Sr. Presidente, um caso curioso.
Houve prejuízos extraordinários para o Estado Português.
A cifra que o Sr. Cancela de Abreu conseguiu apurar relativamente com o contrate da Furness fala eloquentemente.
Leu.
Veja V. Exa., Sr. Presidente, e veja a Câmara, se porventura há ou não aqui
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uma grave responsabilidade a averiguar e a exigir.
Vejam V. Exas. com que leviandade se fez um contrato desta ordem.
Então não era conveniente para o bom nome das pessoas envolvidas nesse contrato, e para o bom nome do regime, exigir a responsabilidade a essas pessoas?
Eu quero ver se porventura na proposta apresentada pelo Sr. Ministro do Comércio há ou não margem para estas averiguações, e se nós podemos ter a convicção de que elas se farão e se não escapará à averiguação dessas responsabilidades o célebre contrato com a Furness.
Os casos sucedidos com os Transportes Marítimos chegam a assumir proporções espantosas., proporções que ora tomam o aspecto cómico, ora tomam o aspecto trágico.
Desse exame feito pelo Sr. Cancela de Abreu vê-se, por exemplo, que houve navios que, porque se não pagava à respectiva tripulação, como aconteceu em Inglaterra com o Sines, foi transformado o convés numa horta onde se plantavam couves para a tripulação.
Isto era vergonhoso, além do prejuízo que resultava da paragem prolongada dêsse barco.
Quem foi o responsável disto? A tripulação? O capitão do barco? O Estado?
A Direcção dos Transportes Marítimos?
Há-de haver um responsável de tudo isto.
A situação em que se encontram os Transportes Marítimos, relativamente às quantias que o Estado lhe deve, é também pavorosa.
Pelo estudo feito pelo Sr. Cancela de Abreu chega-se à conclusão de que o Estado deve porto de 40:000 contos aos Transportes Marítimos. O Estado, que devia dar o exemplo pagando todas as suas dívidas, é o primeiro a não se importar com o pagamento de uma quantia tam importante, e sem que ao menos tivesse pago qualquer prestação para deminuir êsse enorme débito.
Então em matérias de esbanjamentos bastavam as considerações do Sr. Júlio Baptista para nós nos prevenirmos a respeito de tudo o que de extraordinário se pudesse dar com os Transportes Marítimos.
S. Exa., com uma grande franqueza, disse, e muito bem, que na administração dos Transportes Marítimos há o favoritismo e o empenho a imperar, o assim acontecia que em alguns barcos havia pessoal a mais, que era de 20 a 2õ por cento e que estando computado o sustento de cada tripulante em 5$ por dia se pagava o dôbro ou mais.
Nós chegamos à conclusão de que o Estado, além de ser, como disse o Sr. Júlio Baptista, um mau pagador, é ainda na frase pouco parlamentar, mas significativa, um caloteiro e um esbanjador emérito.
O empenho nesta terra tem sido infelizmente a grande arma demolidora do bom nome e da boa ordem dos serviços públicos em Portugal. Se porventura isso acontece nos regimes monárquicos, acontece, porém, muito mais nos regimes democráticos. Nós temos a experiência do que sucede nos outros países, com excepção apenas da Suíça, cujo povo é modelar. Êste regime de empenho é preciso acabar.
A respeito de empenhos permita-me a Câmara que eu conto uma anedota. Não penso V. Exa. nem a Câmara que eu pretendo de forma alguma demorar a aprovação desta proposta. Eu, como já disse, sou o primeiro ã dar o meu voto à generalidade dessa proposta, porque entendo que é necessário liquidar .esta situação vergonhosa dos Transportes Marítimos. Eu peço, portanto, licença à Câmara para contar essa anedota.
Êsse grande espírito e republicano que foi José Falcão presidia habitualmente ao júri dos exames de vários liceus.
Quando êle ia para Aveiro hospedava-se quási sempre em casa de um grande amigo seu, Sebastião Lima. que era pai de Jaime Magalhães Lima. Sebastião Lima, que era um grande influente político, tinha a cada passo pedidos de amigos seus, pais de alunos que frequentavam os liceus, mas como êle sabia o carácter de José Falcão entendeu sempre que não lhe devia pedir nada.
Um ano, porém, aparece uma situação a Sebastião Lima em que êle se viu na necessidade de falar com José Falcão, e êste disse-lhe muito amavelmente e muito entornecidamente: Oh! tivesse pedido; pede-se sempre, porque ainda que a gente não queira fazer o favor, não sei o que
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é, fazem-se sempre umas preguntas mais fáceis.
Nestas circunstâncias, eu representando, neste ponto, êste lado da Câmara, dou o meu voto à proposta na discussão na generalidade, desejando, pedindo, rogando ao Estado Português, representado pelo seu Poder Executivo, que não deixe, nos termos da moção que mandei para a Mesa, de proceder a todas as averiguações indispensáveis para que se conheçam os verdadeiros criminosos, a fim de se exigirem as respectivas responsabilidades e de se meterem na cadeia êsses delapidadores (Apoiados), e ao mesmo tempo para que o Estado seja, tanto quanto possível, indemnizado de todos os prejuízos que sofreu.
Se, porventura, se averiguar que A, B ou C têm meios para poder indemnizar o Estado dos prejuízos que lhe causou, que se lhe exija não só a responsabilidade moral mas também a responsabilidade penal. (Apoiados).
E isto que eu tenho a pedir ao Govêrno, fazendo inteiros votos para que, na liquidação a fazer-se, haja o maior apuro de contas, porquanto era tal o descalabro da administração dos Transportes Marítimos do Estado, que se fez toda a administração, sobretudo desde 1919 para cá, sem. escrita, e vários períodos houve em que a escrita se fazia em linguados de papel.
Veja V. Exa., Sr. Presidente, e veja a Câmara se, porventura, essa comissão que tem de ir averiguar toda essa situação pode legitimamente, como deve ser, fazer o apuramento das contas, se ela não tiver em que se basear, por lhe faltar inteiramente a escrita.
Não foi, na verdade, por falta de funcionários que a administração dos Transportes Marítimos do Estado deixou de fazer a sua escrita como devia. Não havia funcionários para tudo.
Ora, eu exorto o Sr. Ministro do Comércio, emquanto S. Exa. se conservar naquelas cadeiras, ou a quem lhe venha a suceder, a que não largue de mão o assunto para honra do seu nome, para honra do regime e para honra de Portugal, a fim de se apurarem todas as responsabilidades, obrigando os responsáveis por todo êsse descalabro a entrarem nos cofres públicos com as quantias que desviaram e a metê-los na cadeia se, porventura, estiverem debaixo da alçada do Código Penal.
O orador não reviu.
O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Sr. Presidente: não dou o meu modestíssimo voto à proposta de lei em discussão, não porque entenda que os serviços a cargo dos Transportes Marítimos do Estado correm às mil maravilhas e que, por consequência, devem permanecer na situação em que presentemente se encontram, mas porque entendo, e estou disso absolutamente convencido, como os factos se encarregarão de demonstrar, que esta proposta de lei não resolve a questão.
Continuaremos, apesar da extrema urgência que se alega de votar esta proposta, arrancando uma decisão rápida ao Senado, pouco mais ou menos na mesma situação anterior, porque da sua aprovação nenhumas vantagens resultarão para a frota marítima do Estado.
Com a franqueza que me caracteriza, devo dizer que não estou habilitado a apreciar a proposta em discussão com os elementos de crítica que seriam para desejar. Faço acêrca dela uma idea ou mesmo juízo muito vago e passageiro, o que não é para estranhar nem admirar, porquanto ainda não li um único exemplar "autêntico dessa proposta.
Conheço umas ligeiras referências e apreciações genéricas provenientes da larga discussão que sôbre aquela incidiu na Câmara dos Deputados e do papel brilhante que no debate desempenharam os ilustres Parlamentares Srs. Velhinho Correia e Lúcio de Azevedo, que, pondo ao serviço da causa nacional todo o seu alto valor intelectual e scientifico, procuraram contribuir com o seu notável esfôrço para que a aludida proposta fôsse tanto mais perfeita e completa quanto o podia ser. Nas circunstâncias em que eu me encontro, desprovido de elementos seguros de análise e de estudo, é possível que nem sempre seja rigorosa a crítica que me proponho fazer; no emtanto irei até onde os meus conhecimentos técnicos mo permitirem.
Afigura-se-me que a discussão precipitada ou de afogadilho, como se costuma dizer, duma matéria tam importante que esteve pendente na Câmara dos Deputa-
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dos durante dois meses, constitui uma violência que contrasta com as melindrosas funções de legisladores, que nos compete desempenhar.
Eu poderia, em vista da deficiência de dados a que me referi, não entrar na discussão da proposta, mas, como adoptei o princípio de nunca desertar, porque sou um soldado disciplinado, sempre pronto para cumprir os meus deveres de cidadão até o sacrifício, hei-de conseguir demonstrar à Câmara que a solução que o Sr. Ministro do Comércio apresenta para a liquidação dos Transportes Marítimos é pouco consentânea com os fins que S. Exa. tem em vista.
Admito inclusivamente a hipótese de surgirem circunstâncias imprevistas que venham em meu auxílio e que a breve trecho se proporcione o ensejo de a discussão ser interrompida, para que a Câmara possa fazer um estudo ponderado da questão e pronunciar-se de forma a bem acautelar os interêsses do Estado.
Começo por notar que o Sr. Ministro do Comércio foi extremamente conciso em palavras e singularmente deficiente em elementos estatísticos a fim de habilitar o Parlamento a apreciar o assunto, tomando conhecimento e inteirando-se da situação em que se encontram os Transportes Marítimos.
Fazem-se na proposta considerações tam genéricas e tam vagas que mais parecem obra dum jornalista encarregado de escrever o artigo editorial do Século.
Quem não conhecer, pela imprensa diária, pormenores acêrca dos escândalos e esbanjamentos dos referidos Transportes, acha-se inibido de formar um juízo relativamente à orientação que se deve seguir, quanto à administração da frota marítima do Estado.
Quer e dizer, se convém que ela seja entregue à indústria particular fiscalizada ou se é preferível a administração directa a cargo dum organismo autónomo.
Parece-me que seria muito mais consentâneo com o objectivo que o Sr. Ministro do Comércio tem em vista é com a importância do diploma em discussão que fôsse precedido de um relatório claro, preciso e minucioso, reconstituindo a história da frota marítima do Estado desde o seu início, de maneira a elucidar convenientemente o Parlamento sôbre os erros, faltas e crimes praticados na sua administração e medidas a adoptar tendentes a pôr termo a êsses escâncalos e roubalheiras.
Assiste-me o direito de preguntar: quantos são os navios que se pretende entregar, por concurso, às sociedades que se hão-de organizar?
Ninguém o sabe! Nem o Sr. Lima Basto, que é versado em assuntos da especialidade!!
Qual é a tonelagem de cada um dos referidos navios? Também ninguém conhece! Oh, terrível ironia da arte de governar!! Navegamos política e economicamente à mercê do acaso, sem bússola nem estrela que nos oriente.
Pregunto mais: qual é o déficit que cada um dêsses navios deu ao Estado durante as sucessivas administrações dos Transportes Marítimos? Ninguém me responde.
Em presença dêste sepulcral silêncio, que juízo devo formar da competência do Sr. Lima Basto para gerir a Pasta do Comércio? Onde é que se viu um Ministro andar tam alheio aos negócios que correm pela sua Secretaria? Vai liquidar-se a frota marítima do Estado, porquê e para quê? Era precisamente isso que o Sr. Ministro do Comércio devia expor e versar no relatório da proposta em discussão.
Sr. Presidente: impunha-se a elaboração de um trabalho, em que se mencionasse, especificadamente, o nome de cada um dos vapores da frota, sua tonelagem, condições de exploração, número de viagens que haviam efectuado, seu estado de conservação e prejuízos resultantes do péssimo sistema porque foram administrados.
Pouco ou nada se adianta, com a leitura do relatório da proposta, atesta o seu completo laconismo.
Quando o Sr. Ministro do Comércio nos devia fornecer dados estatísticos, para nos habilitarmos a formar uma opinião sôbre o destino a dar à frota marítima do Estado, limitou-se a fazer considerações vagas, que mais se assemelham às lições de um estudante cábula, do que à exposição concreta de factos relativos a serviços de administração pública.
Dir-me hão que S. Exa. tem muito que fazer, e que os seus trabalhos no Minis-
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tério não lhe permitem dedicar a necessária atenção às propostas que elabora ou manda redigir.
Não é bem assim, pois o Sr. Lima Basto dispõe de raras faculdades de trabalho, e teve mês e meio para estudar o Assunto e colhêr os dados precisos, a fim de fazer um relatório digno de ser apresentado a um Parlamento, composto de cidadãos da mais elevada cultura intelectual.
Não tolero que um Ministro, ou por desleixo ou por incompetência, seja me nos correcto para com o Poder Legislativo confiado no apoio que lhe dispensam os seus correlegionários.
Gosto de sempre de ver cada entidade oficial desempenhar as suas funções com inteligência e zelo, tanto a bem do prestígio pessoal, como do cargo que lhe está confiado.
Sobretudo os Ministros devem ser os primeiros a dar o exemplo, para estimularem os seus inferiores, a envidar todos os esforços no sentido de evitar críticas ao mecanismo burocrático.
Como pode o Senado entrar na apreciação da especialidade da proposta se até bases lhe faltam para a discutir na generalidade?
Supõe o Sr. Ministro do Comércio, que por ter o seu partido maioria nas duas Câmaras consegue fazer aprovar qualquer diploma legislativo sem justificar a sua necessidade?
Engana-se redondamente!
Nem sempre vence quem dispõe da maioria de votos nos Parlamentos, porque a. opinião pública é que decide em última instância.
O Sr. Lima Basto, conquanto se apresente com aspecto autoritário, querendo simular de novo Messias, não passa de um vulgar Ministro, a quem o país nenhum serviço relevante lhe deve, que o autorize a impôr a sua autoridade.
Não o conheço do tempo saudoso da propaganda, em que eu em Coimbra fundava um centro académico com José Teixeira de Carvalho e outros, para contrapor à organização do clube monárquico, chefiado por Egas Moniz.
Não o vi fazer parte do Govêrno Provisório, nem desempenhou em 1910 qualquer cargo de confiança da República.
Não me consta que em 1912 ou 1919 tivesse tomado parte no combate, contra as invasões de Paiva Couceiro, ou na insurreição monárquica do Norte, e de Monsanto.
Ignoro qual é o seu activo de serviços prestados à causa da democracia portuguesa.
Pode ser hoje um bom republicano, na qualidade de soldado, mas nunca na de general.
Sr. Presidente: dir-me há para que precisamos nós saber o que se tem passado em matéria de administração da frota marítima do Estado?
Estou plenamente convencido que se a Câmara dos Deputados conhecesse melhor o assunto não teria criado apenas uma comissão liquidatária, mas sim 3 ou 4, autónomas, com funções especializadas, nem estabeleceria que os empregados dos Transportes Marítimos seriam imediatamente despedidos, passando uns para os Ministérios donde tinham vindo e ficando outros sem colocação e com direito de receber um mês de ordenado.
A proposta contém disposições cujo estudo e crítica dependem de muitos esclarecimentos, como são as que dizem respeito aos prazos, quer para os concursos de adjudicação, quer para a liquidação dos débitos e dos créditos.
Um crédito ou dois, ou dez, ou vinte, de pequena importância, podem liquidar-se dentro de poucas horas, mas se forem muitos e ascenderem a milhares de contos, evidentemente que tais prazos têm de ser incomparavelmente mais longos. Ora, se o Sr. Ministro do Comércio no seu relatório, que antecede a proposta, não se referiu à soma aproximada dos débitos dos Transportes Marítimos, nem à sua natureza, é claro que a Câmara dos Deputados ficou impossibilitadas de fixar com critério o tempo em que êles deviam ser liquidados.
Votou o artigo 3.° por mero palpite, o que justifica as acusações que alguns publicistas fazem ao Poder Legislativos considerando-o uma genuína ficção.
Os referidos prazos não podiam deixar de corresponder à maior ou menor importância dos créditos e débitos.
Sr. Presidente: as liquidações têm dois aspectos: um é receber e outro é pagar.
Para se efectuar o pagamento de qualquer delito é necessário primeiramente
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que se proceda ao exame da escrita, e da documentação sem o que o Estado ficaria bastante lesado.
Pode o Sr. Ministro do Comércio dizer-me qual é o número de credores dos Transportes Marítimos? A quanto montam os créditos até hoje reclamados?
Segundo a atmosfera que tenho observado, preparada pela imprensa, com intuitos de favorecer os interêsses dos tais infelizes credores que têm a falência à porta, e que tam generosamente cobriram com a sua aza protectora os Transportes Marítimos do Estado, fornecendo-lhes géneros de primeira qualidade por baixo preço, êsses débitos devem ir além de 70:000 contos.
O Estado lucraria muito entregando aos aludidos patriotas toda a frota, a título de liquidação dos seus débitos!
Infelizmente em Portugal toda a gente que negoceia com o Govêrno enriquece em pouco tempo. Um fornecedor de linhas ao Caminho de Ferro do Sal e Sueste conheço eu que no ano de 1919 arranjou dinheiro para comprar um prédio, 1 que hoje vale 200 contos.
Não houve um único fornecimento feito aos Transportes Marítimos do Estado em que os respectivos comerciantes não andassem a pedir, com empenhes, e a prometerem comissões e percentagens, a quem lhes facilitasse lucrativas negociatas.
Não foram os mencionados Transportes que solicitaram crédito aos estabelecimentos de géneros alimentícios, e de apetrechos marítimos, mas, pelo contrário, moviam-se altas influências para ser dada preferência nos fornecimentos a certos banqueiros gananciosos e outros especuladores acostumados a explorar a miséria do povo.
Portanto, os fornecedores não são vítimas da sua boa fé como sustentam, nem tam pouco foram iludidos na sua sinceridade, como afirmam. Esperem que não tardará o dia de cravarem as suas garras aduncas na presa já esquelética da Nação.
Sr. Presidente: quanto aos créditos do Estado, convinha que o Sr. Ministro do Comércio prestasse algumas informações ao Senado, porque o país tem o direito de saber quem são os gatunos que se apoderaram dos dinheiros do Tesouro Público.
Consta-me que o director da agência de Paris se locupletou com 1:000.000$, e que o director da agência de Lourenço Marques levantou um depósito de 5:000 libras, que tinha colocado num banco às ordens dos Transportes Marítimos, dissipando-as em seu proveito.
Sendo certo que os navios da frota do Estado não faziam carreiras para Cacilhas ou Seixal, mas sim para quási todas as partes do mundo, chegando ao Extremo Oriente, pregunto eu como é que, em 6 meses, uma comissão pode liquidar transacções efectuadas na China, no Japão ou na índia, quando uma carta leva, pelo menos, 3 meses a fazer o percurso?
Se a proposta fôsse precedida de um. relatório minucioso e pormenorizado, como era mester, num assunto de semelhante magnitude, naturalmente nem o número de comissões seria tam limitado, nem o prazo estabelecido para a liquidação estaria reduzido apenas a 6 meses.
Sr. Presidente: relativamente aos funcionários dos Transportes Marítimos do Estado, diz-se que aqueles que houvessem sido requisitados a outras repartições voltariam às suas situações anteriores, e os restantes seriam despedidos, aplicando-se-lhes o disposto no Código Comercial. Para me habilitar a discutir a proposta, necessito saber qual, é o número de funcionários actualmente ao serviço dos Transportes Marítimos. Quantos regressam à sua anterior situação e quantos vão ser despedidos?
Desde que num diploma legislativo se preceitua acêrca da colocação de funcionários, torna-se indispensável saber qual é o seu número e quais as condições em que foram admitidos ao serviço. Os seus direitos variam consoante as cláusulas estabelecidas no contrato de admissão, se o houve, sob o ponto de vista morai, tanto faz que seja só 1 funcionário, como 100 ou 1:000, mas sob o ponto de vista social já não é assim. Não podemos, com a mesma facilidade com que pomos na rua um criado, despedir 100, 200 ou 3:000 funcionários, lançando as suas numerosas famílias na extrema miséria. O legislador tem a obrigação de ser previdente, encarando as questões submetidas ao seu estudo e julgamento sob os seus variados aspectos.
Legislar é construir, e não se constroe
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com solidez, sem se dispor de bons materiais para êsse fim.
Sr. Presidente: de facto, a história social assim o ensina sempre que se declara uma greve em qualquer indústria ou classe operária, ou emprêsas que tem ao seu serviço muitos empregados, se o conflito não é resolvido, por mútuo acôrdo, os grevistas em geral vão bater à porta do Govêrno para defender os seus, interêsses.
Que significa isto? E que perante um ou dois indivíduos revoltados a sociedade não corre perigo, nem está ameaçada, visto êles isoladamente, não podem perturbar a ordem pública.
Diversamente sucede, se em vez de um ou dois operários, forem dezenas ou centenas, que estejam sem trabalho, às por estas da desgraça e do infortúnio, porque o Estado tem necessidade de intervir. Não são só êsses indivíduos que sofrem as consequências de uma atitude, mas também as suas famílias.
Era portanto, de toda a conveniência, que o Sr. Ministro do Comércio tivesse dedicado no seu relatório um capítulo respeitante aos funcionários dos Transportes Marítimos.
Ainda mais. S. Exa. devia classificá-los de harmonia com o seu zelo pelo serviço, competência, honestidade e aptidões.
Assim como o Estado não deve ser uma associação de socorros mútuos, nem de beneficência, subvencionando e remunerando quem não trabalha, nem produz, também não é justo, nem razoável que mande para casa um funcionário, depois de ter dado as suas provas dê mérito e assiduidade durante cinco anos, para apenas com iam mês de ordenado.
Um dos assuntos que o Sr. Ministro do Comércio devia ter estudado cautelosamente a fim de habilitar o Parlamento a resolver era o dos funcionários dos Transportes Marítimos, e não limitar-se a estabelecer simplesmente, numa disposição da proposta, que de um dia para o outro alguns honrados servidores do país veriam fechadas as portas da sua repartição, recebendo a título de compensação um mês de ordenado.
Não é de ânimo leve que se reduz à fome e se estrangula o bem estar e o futuro de muitas famílias, que por não terem nascido ricas, nem disporem de aptidões para o comércio, têm tanto direito à vida como qualquer deputado, senador ou ministro.
Se o relatório satisfizesse aos mais rudimentares princípios aconselhados pelas frases parlamentares, e pelos tratadistas de direito constitucional, nem a Câmara dos Deputados votaria a proposta nos termos em que o fez, nem tam pouco eu me veria forçado a perder tempo na crítica dum diploma, que só revela a grande decadência a que chegámos em todos os ramos de conhecimentos humanos.
Sr. Presidente: nenhuma dúvida me resta sôbre a inviabilidade da proposta, já porque é incompleta quanto ao número de comissões a criar, já porque o prazo que lhes fixa, para cumprir a sua missão, é demasiadamente curto.
Se não vejamos: Uma das atribuições, confiadas à comissão, e a que alude o artigo 1.°, consiste em promover a determinação do palor dos navios a cargo dos Transportes Marítimos.
Já disse, e repito, que não faço uma idéa segura sôbre o número e tonelagem da frota marítima do Estado, em virtude de me faltarem os necessários elementos oficiais, que só o Sr. Ministro do Comércio era obrigado a fornecer-me.
Em todo o caso, pelas informações particulares que tenho, consta-me que essa frota é composta de 40 navios.
Sr. Presidente: é a bagatela de 40 navios que têm de ser avaliados, antes de se abrir o concurso para a adjudicação.
Ora não se avalia um vapor como quem avalia um anel, um alfinete de gravata, um par de botões de punho em qualquer ourives da rua da Palma.
O Sr. Álvares Cabral: - Há uma companhia chamada Lloyd, que tem isso tudo feito.
O Orador: - Onde é que V. Exa. encontra essa solução na proposta?
Cite o artigo. Pode V. Exa. saber muito de astronomia e mesmo de náutica, mas em matéria de direito civil, comercial ou de processo não me dá lições. Na proposta não se diz que os vapores serão postos em concurso, consoante o valor, e classificação que tiverem na Lloyd.
No artigo 2.°, alínea a), lê-se: "São
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atribuições da comissão, mandar proceder à avaliação dos navios da frota mercante do Estado".
Dá V. Exa. as mãos à palmatória?
Então, posso continuar. A avaliação dos navios não se faz em poucas horas, leva em regra mais de dois dias, ainda que os peritos sejam competentíssimos. Na Alemanha, gasta-se em média três dias no esconso do casco, caldeiras e máquinas de vapor, para efeito da avaliação, até uma certa tonelagem, porque êsse prazo de tempo aumenta se o navio atingir grandes dimensões.
O que se observa nos países construtores, como a Alemanha, a Holanda, a Inglaterra e a América, não pode ser aplicado a Portugal porque não temos técnicos essa nossa especialidade.
Se estabelecermos a média de três ou quatro dias para a avaliação de cada navio, chega-se à conclusão que a frota não pode estar avaliada em menos de 160 dias, assente que o número de navios atinge a cifra de 40 e se encontrarem todos no Tejo.
Verifica-se assim, à face da matemática, que o prazo de seis meses é insuficientíssimo para a comissão desempenhar as múltiplas e complexas funções que a proposta lhe confere no citado artigo 2.°
Sr. Presidente: o fim principal que o Govêrno tem em vista é entregar os navios a uma administração particular de carácter colectivo, porque nós não temos capitalistas com fortuna suficiente que possam assumir a responsabilidade de tomar a seu cargo as despesas da exploração duma carreira de navegação para África ou Brasil.
Na proposta faz-se depender a adjudicação da frota da constituição de sociedades anónimas, que são, no autorizado parecer dos comercialistas, as mais difíceis de organizar.
Não sei qual a razão por que não se permite que se constituam sociedades por cotas tendo por objecto a compra e administração de um grupo de navios da referida frota. Será que o capital das sociedades por cotas é inferior, em regra, ao das sociedades anónimas? Será porque estas, pela sua escrituração falsificada, tonam possível toda a espécie de ladroeiras? O Sr. Lima Basto sabe muito bem que, depois da guerra, a tonelagem
da marinha mercante tem aumentado consideràvelmente.
Os países como a Alemanha, América, Inglaterra e Holanda destinaram nos últimos três anos algumas dezenas de milhões de libras à construção de navios.
Acha-se averiguado pelos economistas que a indústria dos transportes marítimos atravessa actualmente uma enorme crise que se reflecte no barateamento dos fretes da carga e das passagens.
Conquanto haja muito dinheiro em Portugal ou, por outra, muitas notas falsas, falsificadas pelo próprio Estado, para iludir o povo, segundo a opinião insuspeita do Sr. Ministro das Finanças, é certo que nem todos os que as possuem estão dispostos a perdê-las.
Os que conseguiram fazer fortuna, ainda que por processos ilícitos, defraudando o Estado e assenhoreando-se do que não lhes pertencia, apoiam a defender mais os seus valores do que aqueles que os adquiriram legitimamente.
Jogaram a partida e venceram, pelo que, senhores da vitória, guardam os seus capitais a sete chaves, quando os não vão colocar nos bancos estrangeiros.
Por êsse motivo e atenta a crise dos transportes marítimos que se manifesta na América e na Europa, não é fácil, de um momento para o outro, formar uma sociedade anónima que tenha por objecto a exploração da frota do Estado.
Para uma emprêsas tam arriscada, creio bem que os nossos financeiros da Rua dos Capelistas, que há muito deviam ter sido postos fora da fronteira, não concorrerão com a mais insignificante quantia. Só sabem fazer negócios da China, preparando artificialmente a baixa e a alta do câmbio no intuito de se locupletarem à custa dos que trabalham e se esforçam pelo desenvolvimento da produção nacional.
Pior ainda do que os seus infames processos de exercer a indústria da compra e venda de cambiais é a atitude do Govêrno, que os deixa praticar à vontade todo o género de falcatruas.
Ninguém que conheça o meio em que vivemos será capaz de admitir a possibilidade de se organizar em quinze dias uma sociedade anónima destinada a concorrer à adjudicação da aludida frota.
Nestas condições, já vê S. Exa. o Sr.
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50 Diário das Sessões do Senado
Ministro do Comércio que seria de toda a conveniência aumenta o citado prazo de 15 para 30 dias. Na devida oportunidade enviarei para a Mesa a competente emenda, que, pelas razões expostas, deve merecer a aprovação do Seriado.
Sr. Presidente: quanto às bases do concurso que a comissão liquidatária fica encarregada de elaborar, parecia-me mais razoável que algumas delas, pelo menos as de maior importância, constassem da lei, pela dificuldade de resolver as dúvidas que venham a surgir quanto a certas condições e cláusulas a estabelecer no programa.
Num país como o nosso em que se vive numa permanente atmosfera de suspeições devem revestir-se ás entidades oficiais de todos os meios de defesa para evitar as campanhas odiosas que a cada passo surgem, especialmente na imprensa monárquica e reaccionária.
Sr. Presidente: um outro ponto que devia estar regulado com a devida minuciosidade na proposta diz respeito aos subsídios que o Estado se compromete a conceder às sociedades que se organizarem para adquirir e explorar os navios actualmente a cargo dos Transportes Marítimos.
A quanto pode elevar-se êsse subsídio? Em que condições deve ser êle dado? Quando é permitido ao Govêrno retirá-lo? Talvez convenha aos políticos que o assunto só seja, tratado na proposta com a clareza e precisão necessárias, á fim de poderem beneficiar os seus amigos e afilhados, mas eu, que hão leio pela sua cartilha, hei de conseguir, quando se proceder à discussão na especialidade, que o caso fique esclarecido.
Não pode deixar de se consignar na lei:
1.º Qual é o máximo e o mínimo do subsídio a conceder. 2.° Quais as bases para se fixar êsse máximo ou minímo. 3.° Em que data deve ser fixado, isto é, se antes ou depois de aberto o concurso. 4.º Quem é a entidade que o fixa. 5.° Se é permanente ou pode ser retirado, desde que se verifiquem certas e determinadas circunstâncias. 6.° Se é susceptível de ser aumentado ou reduzido.
Afigura-se-me que o subsídio deve constar das bases dos concursos e tem de ser de forma a suprir as deficiências que possam advir da exploração da concessão. Evidentemente que variará conforme a importância das carreiras a que alude o artigo 7.° da proposta.
Como os subsídios passam à constituir uma despesa pública, não podem deixar de ser votados pelo Parlamento, e, portanto, falece competência ao Poder Executivo para os fixar. A proposta precisa de ser completada nessa parte.
Devo dizer que concordo plenamente com a sua concessão, porque, se por um lado importam uma despesa para o Estado, por outro trazem consideráveis benefícios de natureza económica e moral ao país. E êsse o sistema adoptado pelas principais nações do mundo, de que têm colhido os mais lisonjeiros resultados.
O Sr. Presidente: - Faltando apenas dez minutos para a hora de encerrar â sessão e havendo alguns Srs. Senadores inscritos para antes do encerramento, poderá V. Exa. ficar com a palavra reservada para amanhã.
O Orador: - Aceito gostosamente a indicação de V. Exa. e fico com a palavra reservada para a próxima sessão.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Pereira Gil: - Realiza-se hoje em Coimbra o funeral do Sr. Dr. Guilherme Alves Moreira, uma glória da Universidade de Coimbra, um professor, inteligente e distinto que foi Ministro da República e a quem todo o Senado deve prestar homenagem.
Como Senador pelo distrito de Coimbra, não posso deixar de propor que se lance na acta um voto de sentimento que será comunicado ao reitor daquela Universidade e à família do extinto.
O Sr.. Dias de Andrade: - A minoria católica desta Câmara associa-se ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Pereira Gil.
O Sr. Dr. Guilherme Alves Moreira foi, sem dúvida nenhuma, um dos primeiros, se não o primeiro
Por tudo isto, êle não foi apenas uma perda para a Faculdade de Direito, mas também para o país.
Associo-me pois comovidamente a êsse voto de sentimento.
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Sessão de 21 de Agosto de 1922 51
O Sr. Alfredo Portugal: - Em nome do Partido Liberal associo-me, sinceramente comovido, ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Pereira Gil.
Foi o Dr. Guilherme Moreira um professor distintíssimo da Universidade de Coimbra, um tratadista considerado de direito civil, um trabalhador incansável da sciência jurídica, alguém que deixou obras importantes dêsse ramo de conhecimentos, alguém que muito amou a terra portuguesa e que devotadamente concorreu para o engrandecimento da cidade de Coimbra.
Não podia o Partido Liberal, portanto, tratando-se de entidade tam ilustre, deixar de apoiar o referido voto com sincera comoção e pungente dor.
O Sr. Lima Alves: - Em nome dos Senadores Reconstituintes associo-me ao voto de sentimento.
Bem o merece o falecido porque foi um professor distintíssimo e um republicano ilustre.
O Sr. Silva Barreto: - Associo-me em nome da maioria ao voto de sentimento proposto e lembro igual voto em memória de Alfredo Ladeira, que prestou relevantes serviços à República.
O Sr. Querubim Guimarães: - Pela minoria monárquica associo-me ao voto de sentimento proposto.
Foi Guilherme Moreira um distintíssimo professor e, sobretudo, em direito civil, uma autêntica notabilidade.
Sem desprimor para ninguém, devo dizer que não conheço hoje pessoa que o possa substituir com tanta proficiência e autoridade no estudo do direito civil.
Neste ramo do direito deixou obras notáveis.
Dessa obra deveria ser publicado um segundo volume se S. Exa. não tivesse falecido.
Guilherme Moreira era, apesar do seu aspecto pouco simpático, uma boa alma (apoiados), era um extremoso chefe de família e era uma pessoa que, pondo de parte uma ou oura aspereza do seu feitio, era incapaz de querer mal a alguém.
Em má hora para êle lembrou-se de colaborar com Pimenta de Castro numa obra política para que êle não tinha feitio.
Êle era tudo menos um político. No entanto, na sua curta passagem pela Pasta da Justiça, êle fez aquilo que podia fazer, dada a circunstância dessa época ter sido tam agitada.
Se porventura Guilherme Moreira tivesse ocupado essa Pasta em qualquer época normal, êle teria deixado atrás de si um rasto bem vincado da sua inteligência e sobretudo do seu muito saber.
E, pois, com toda a sinceridade que eu me associo ao voto de sentimento pela sua morte, como me associo igualmente que se comunique à viúva e ao reitor da Universidade de Coimbra esta manifestação do Senado.
O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Pedi a palavra para me associar em nome dos Senadores Independentes ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Pereira Gil, bem como a proposta do Sr. Silva Barreto a respeito de Alfredo Ladeira.
O Sr. Ministro da Agricultura (Ernesto Navarro): - Pedi a palavra para me associar, em nome do Govêrno, aos votos de sentimento propostos pelos Srs. Pereira Gil e Silva Barreto, pelo falecimento dos Srs. Guilherme Moreira e Alfredo Ladeira, que foram dois parlamentares e dois republicanos, cada um dentro da sua esfera de acção.
O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Câmara, considero aprovados por unanimidade os votos de sentimento propostos.
Está sôbre a Mesa uma carta do Sr. José Sequeira pedindo licença para se retirar durante 5 dias por motivo de falecimento de pessoa de família.
Eu proponho que se mandem a S. Exa. os pêsames do Senado.
Vozes: - Muito bem.
Foi concedida a licença.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, com a seguinte ordem do dia:
Projectos n.ºs 39, 226, 239, 210, 242, 184, 201, 208, 44, 234, 199 e 194.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas.
O REDACTOR - Albano da Cunha.