O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

REPÚBLICA PROTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

SESSÃO N. 103

EM 22 DE AGOSTO DE 1922

Presidência do Exmo. Sr. José Joaquim Pereira Osório

Secretários os Exmos. Srs.

Joaquim Pereira Gil de Matos
Francisco António de Paula

Sumário. - Chamada e abertura da sessão. Leitura e aprovação da acta. Dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia.- O Sr. Júlio Ribeiro pede a Cruz de Guerra para a bandeira da Casa Pia de Lisboa.

O Sr. Ribeiro de Melo fala sôbre a comissão do Sr. Gomes da Costa.

O Sr. Alvares Cabral apresenta um projecto de lei.

O Sr. Procópio de Freitas fala sôbre o 19 de Outubro.

Continua em discussão o projecto de lei n.° 184, criando um cofre nas escolas industriais.

Usam da palavra os Srs. Gaspar de Lemos, Oriol Pena, Querubim Guimarães e Ferreira Simas.

É aprovado o projecto de lei.

Entra em discussão a proposta de lei relativa aos Transportes Marítimos do Estado.

Usam da palavra os Srs. Joaquim Crisóstomo, Gaspar de Lemos, Ministro do Comércio, Ribeiro de Melo, Silva Barreto, Querubim Guimarães, Ramos da Costa, Alfredo Portugal e Alvares Cabral.

O Sr. Presidente encerra a sessão.

Srs. Senadores presentes à sessão:

Álvaro António Bulhão Pato.
António Maria da Silva Barreto.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
César Justino de Lima Alves.
César Procópio de Freitas.
Constantino José dos Santos.
Francisco António de Paula.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
João Carlos da Costa.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
José Augusto Ribeiro de Melo.
José Duarte Dias de Andrade.
José Joaquim Pereira Osório.
José Mendes dos Reis.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Manuel Gaspar de Lemos.
Nicolau Mesquita.
Silvestre Falcão.

Srs. Senadores que entraram durante a sessão:

Abílio de Lobão Soeiro.
Afonso Henriques da Prado Castro e Lemos.
Alfredo Narciso Marçal Martins Portugal.
Aníbal Augusto Ramos Miranda.
António Gomes de Sousa Varela.
António de Medeiros Franco.
Artur Octávio do Rêgo Chagas.
Augusto Vera Cruz.
Francisco José Pereira.
Francisco Vicente Ramos.
Frederico António Ferreira de Simas.
Herculano Jorge Galhardo.
João Maria da Cunha Barbosa.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Xavier de Figueiredo Oriol Pena.
José Joaquim Fernandes Pontes.
José Maria Baptista.
Luís Augusto Simões de Almeida.
Querubim da Rocha Vale Guimarães.
Rodolfo Xavier da Silva.

Página 2

2 Diário das Sessões do Senado

Rodrigo Guerra Álvares Cabral.
Tomás de Almeida Manuel de Vilhena (D).

Vasco Gonçalves Marques.

Srs. Senadores que faltaram à sessão:

António Alves de Oliveira Júnior.
António da Costa Godinho Amaral.
António Xavier Correia Barreto.
Artur Augusto da Costa.
Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.
Duarte Clodomir Patten de Sá Viana.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Ernesto Júlio Navarro.
Francisco Xavier Anacleto da Silva.
João Alpoim Borges do Canto.
João Catanho de Meneses.
João Manuel Pessanha Vaz das Neves.
João Trigo Moutinho.
Joaquim Manuel dos Santos Garcia.
Joaquim Teixeira da Silva.
Jorge Frederico Velez Caroço.
José António da Costa Júnior.
José Augusto de Sequeira.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Machado de Serpa.
José Nepomuceno Fernandes Brás.
Júlio Ernesto de Lima Duque.
José Augusto de Aragão e Brito.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Raimundo Enes Meira.
Ricardo Pais Gomes.
Roberto da Cunha Baptista.
Vasco Crispiniano da Silva.

Vai ler-se o

Expediente

Pelas 14 horas e 20 minutos o Sr. Presidente manda proceder à chamada, fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 18 Srs. Senadores. Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Leu-se.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Senador pede a palavra, considera-se aprovada.

Ofícios

Do Ministério do Interior, enviando ofícios dos presidentes das comissões administrativas das Câmaras Municipais de Manteigas, Serpa e Aldeia Galega do Ribatejo, sôbre a aprovação do projecto de lei do Sr. Francisco José Pereira.

Para a Secretaria.

Do Ministério do Interior, enviando um ofício do Presidente da Comissão Executiva da Câmara de Paredes, em que solicita a aprovação do projecto de lei do Sr. Francisco José Pereira.

Para a Secretaria.

Projectos de lei

Do Sr. Alvares Cabral, considerando acto punível a violência exercida sôbre animais.

Para segunda leitura.

Do Sr. Teixeira da Silva, autorizando o Govêrno a nomear uma comissão de inquérito para nos Açôres estudar quais são as condições de vida daqueles povos.

Para as comissões de comércio, administração pública e finanças.

Antes da ordem do dia

O Sr. Silva Barreto: - Sr. Presidente:, eu requeri para que entrassem em discussão, antes da ordem do dia, os projectos de lei n.ºs 184 e 229, que já estão marcados na ordem de hoje na segunda parte.

O Sr. Vasco Marques: - Mas isso com prejuízo dos que pediram a palavra para antes do ordem do dia?

O Orador: - Como a Mesa o entender.

O Sr. Presidente: - Vou pôr à votação o requerimento do Sr. Silva Barreto. Êste requerimento é para que entrem em discussão, antes da ordem do dia, os projectos de lei n.ºs 184 e 229, sem prejuízo dos oradores já inscritos.

Posto à votação, foi aprovado.

Página 3

Sessão de 22 de Agosto de 1922 3

O Sr. Júlio Ribeiro: - Tomaram parte na Grande Guerra muitos oficiais e sargentos que fizeram a sua preparação militar na Casa Pia de Lisboa, uma das instituições que mais honram o nosso país.

Alguns dêsses oficiais e sargentos morreram em campanha, outros foram condecorados com a Cruz de Guerra; não é pois legítimo que a bandeira daquela instituição não tenha sido condecorada como foi o Colégio Militar.

Visto não estar presente nenhum Sr. Ministro, eu, interpretando o sentir de antigos alunos daquela casa, peço a V. Exa. que transmita ao Govêrno êste meu pedido que acho de toda a justiça.

O Sr. Ribeiro de Melo: - Sr. Presidente: eu tinha pedido a palavra para quando estivesse presente algum dos membros do Govêrno, mas como creio que a sessão de ontem da Câmara dos Deputados se arrastou até às 9 horas de hoje, naturalmente nenhum membro do Govêrno virá tam cedo à Câmara, por isso peço a V. Exa., Sr. Presidente, o favor de comunicar ao Sr. Ministro das Colónias os reparos que eu faço acêrca duma comissão que vai inspeccionar o material de guerra às nossas colónias do oriente e à qual preside o Sr. Gomes da Costa.

V. Exa. sabe que o país está numa situação precária sob o ponto de vista de dinheiro e que nada recomenda que ao Sr. Gomes da Costa, distinto oficial, pessoa de vulto que marcou o seu lugar e o seu nome no comando do exército da República na batalha da Flandres seja dado essa conezia de inspector do material de guerra nas colónias do oriente.

Embora o ilustre general mereça de todos nós a maior consideração e respeito, eu direi mesmo que tenho por S. Exa. uma particular estima e consideração, essa alta consideração particular não vai ao ponto de admitir sem protestos que o Sr. Ministro das Colónias o despache para as colónias numa comissão que para mim representa uma simples e mera conesia, com vencimentos dobrados, e rodeado de um oneroso estado maior, que é constituído, ao que dizem, por um seu filho, funcionário do Ministério das Colónias, por dois ajudantes, um oficial do estado maior e ainda um capitão de administração militar.

Veja a Câmara- esta grande comitiva do general Gomes da Costa que vai visitar as colónias do oriente, para inspeccionar o material de guerra, que tem o seu inspector em exercício e residente ali. Porque se faz isto, Sr Presidente?

Isto faz-se única e simplesmente com o fito de afastar o Sr. general Gomes da Costa de Lisboa porque se diz que é o indicado chefe de todas as próximas futuras revoluções.

Se o Govêrno levanta a opinião pública contra si por falta de boa e zelosa administração não há maneira de evitar conspirações ou revoluções, embora abra os cofres do Estado para afastar do país aqueles oficiais que pelo seu prestígio estariam indicados a chefiar quaisquer movimentos de protesto nacional ou republicano.

Desejo por isso que V. Exa. faça chegar ao conhecimento do Sr. Presidente do Ministério êstes justos reparos que faço, a fim de serem ponderados quanto antes, visto que o Sr. Gomes da Costa deverá partir daqui a seis dias, acompanhado de tam larga e dourada comitiva que certamente vai custar ao país rios de dinheiro bem escusados e dispensáveis por todos os motivos.

Tenho dito.

O Sr. Alvares Cabral: - Existe no nosso país uma associação benemérita a que se chama Sociedade Protectora dos Animais. Tem quatro mil e tantos sócios e exerce a sua acção em todo o país, mas não tem forma oficial de exercer essa acção com proficuidade porque, até hoje, não tem tido o apoio e protecção das autoridades.

Para obviar a êsse inconveniente, mando para a Mesa um projecto de lei pedindo a V. Exa. que consulte o Senado sôbre a urgência dêle.

O Sr. Procópio de Freitas: - Como é a primeira vez que tenho a honra de falar nesta Câmara apresento os meus cumprimentos a V. Exa. e aos meus ilustres colegas.

Agradeço o acto de justiça que esta Câmara praticou votando a minha libertação, não podendo deixar de especializar os Srs. Vasco Marques e Ribeiro de Melo que tanto se interessaram para que êsse acto de justiça se realizasse.

Página 4

4 Diário das Sessões do Senado

Se a minha satisfação foi grande ao transpor a porta da prisão, foi, todavia, muito incompleta por ver que lá dentro ficavam oficiais dos mais distintos do nosso exército que têm prestado muitos serviços â Pátria e à República.

Um dêles é até uma relíquia da República.

Êsses oficiais, como eu, estão sendo vítimas do seu grande amor à República, pela qual tantos sacrifícios têm feito.

Espero que o Parlamento, tendo em consideração os altos serviços prestados à Pátria e à República por todos êsses oficiais, e o seu passado que não dá direito a ninguém de os julgar capazes de cometer os crimes de que são arguidos, influa para que lhes seja dada a liberdade a fim de que possam continuar a dar o seu esfôrço pelo bem da República, sem prejuízo do bom andamento da justiça a que nem eu nem êles nos queremos eximir, e que pelo contrário desejamos ardentemente que ela faça sentir a sua acção o mais amplamente possível, porque nós queremos que seja pela bôca da justiça que a nossa absoluta inocência seja proclamada e que a nação saiba quam caluniados temos sido.

Mas, Sr. Presidente, se é necessário fazer justiça, justiça e vingança são duas cousas bem diversas.

Para se fazer justiça não é necessário protelar o processo de 19 de Outubro que parece ser interminável, pois não há pretexto, não há dificuldade que não tenha aparecido para o fazer demorar.

A ninguém mais do que nós, Sr. Presidente, creia V. Exa. e a Câmara, repugnou e entristeceu êsses hediondos crimes praticados na noite de 19 de Outubro, não só pela forma horrenda como foram praticados, mas também porque algumas das vítimas eram nossos amigos pessoais e ainda porque foram êsses hediondos crimes que fizeram com que as nossas ideas não fôssem postas em prática para bem da Pátria e da República.

O movimento de 19 de Outubro tinha só fins absolutamente honestos, absolutamente patrióticos e republicanos.

Querer confundir o movimento de 19 de Outubro com êsses hediondos crimes que infelizmente à sombra dêle se praticaram, querendo atingir com isso a honra de oficiais que sempre se orgulharam de vestir uma farda é outro crime, e êsse crime só o praticam aqueles que prezam muito pouco a sua própria honra.

Se a dôr daqueles que perderam os seus entes queridos, vítimas dêsses hediondos crimes, nos deve merecer toda a nossa consideração e respeito, também a honra de oficiais dos mais distintos, que. sempre primaram por serem dignos e que se têm sacrificado pela sua Pátria, não deve merecer menos consideração. Mas, infelizmente há pessoas que para aniquilarem o seu adversário político ou para satisfazerem os seus ódios e interêsses pessoais, não hesitam em servir-se de quaisquer meios, mesmo os mais infamantes.

A meu ver, Sr. Presidente, é êste um péssimo caminho porque tem dado lugar a que muitos homens públicos se encontrem hoje desacreditados perante a opinião pública, sendo aliás pessoas honestíssimas.

Não me parece ser o bom caminho para a defesa da República, pois é preciso não destruir os seus alicerces porque um edifício que não tenha alicerces sólidos é um edifício arriscado a cair. (Apoiados).

Sr. Presidente: como infelizmente ainda não terminou a acção da justiça sôbre os lamentáveis acontecimentos de 19 de Outubro, abstenho-me de fazer mais considerações acêrca dêsse patriótico e republicano movimento, reservando-me para o fazer em ocasião oportuna. Até lá tratarei somente de cumprir o melhor que possa o meu mandato sem preocupação de fazer política.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Em virtude dum requerimento que a Câmara aprovou, vai entrar em discussão o projecto n.° 184.

Foi lido e pôsto à discussão na generalidade.

É o seguinte:

Projecto de lei n.° 184

Senhores Senadores. - A aflitiva situação financeira actual é de molde a convencer-nos de que, mais do que agravar a tributação da riqueza existente, importa criar ou antes "despertar" novas riquezas.

Tudo o que em tal orientação se fizer é útil, necessário e indispensável.

Mas, sem se desconhecer a complexi-

Página 5

Sessão de 22 de Agosto de 1922 5

dade do problema nacional que exige que a sua solução seja procurada num integral de esforços, temos de convir em que tem de ser pela cada vez melhor habilitação profissional que tem de se procurar conseguir tomar o caminho seguro do ressurgimento nacional.

A tarefa a realizar neste campo é imensa e tem de assentar, por certo, em grandes e sucessivas reformas de todo o ensino.

Aos Govêrnos ou a comissões parlamentares, adrede constituídas, cumpre tomar, e quanto antes, essa iniciativa.

O projecto de lei, que tenho a honra de submeter à vossa sanção, bem modesto nos seus intuitos, está longe de se aproximar dessas reformas, mas também não irá contra elas nem contra qualquer orientação que de futuro se procure imprimir ao nosso ensino industrial.

E bem simples; tam simples que nem de relatório deveria carecer e é apenas acompanhado ou precedido destas breves palavras em obediência ao preceito regimental.

Emquanto mais se não faz, do muito que há para fazer, é necessário ir impelindo as nossas escolas industriais, que, por sua própria natureza devem tender à diferenciação ambicionada pela actividade económica da sua região, para uma orientação cada vez mais prática, cada vez mais em estrito contacto com o trabalho livre - que elas são destinadas a aperfeiçoar, criando nelas estímulos próprios, "industrializando-as" um pouco, dando-lhes um início ou um certo grau de salutar autonomia que deve- ser de benefícios e progressivos efeitos, atraindo a elas melhor os alunos, tornando mais fácil a frequência dêles, em quanto, como em futuro não distante deverá porventura ser, se não procure mesmo tornar esta frequência obrigatória.

É apenas a isto que visa o presente projecto:

Artigo 1.° É criado nas escolas industriais um cofre escolar, cuja receita será constituída por:

a) Uma anuidade a pagar, em prestações trimestrais, pelos alunos;

b) Uma taxa a cobrar por cada diploma de profissão passado pela escola;

c) O produto da venda dos trabalhos dos alunos;

d) Quaisquer dotações ou subsídios especiais do Estado, do município ou donativos de quaisquer entidades.

Art. 2.° Êste cofre será administrado pelo Conselho Escolar e servirá para ocorrer às despesas a fazer com:

a) A adquisição de materiais e ferramentas para trabalhos escolares, de laboratórios e oficinas;

b) A adquisição de aparelhos, máquinas e modelos próprios para o ensino;

c) O pagamento de pequenos salários de estímulo ou de indemnização de tempo aos alunos que produzirem trabalhos vendáveis.

Art. 3.° A anuidade a que se refere a alínea a) do artigo 1.° poderá ser variável de ano para ano, para os diversos cursos ou cadeiras e para cada classe ou categoria de alunos e deverá ser fixada pelo Conselho Escolar, sob a aprovação da Direcção Geral do Ensino Industrial. Do mesmo modo deverá ser fixada a taxa a que se refere a alínea è) do mesmo artigo 1.°

§ único. O Conselho Escolar poderá, em caso de reconhecida pobreza, dispensar qualquer aluno do pagamento de qualquer anuidade ou prestação de anuidade.

Art. 4.° Quando porventura a receita do cofre exceda as necessidades anuais dos laboratórios e oficinas ou em caso de conveniência especial, o Conselho Escolar poderá, com prévio conhecimento da Direcção Geral do Ensino Industrial, aplicar qualquer verba da receita do dito cofre a qualquer outro fim de utilidade escolar.

Art. 5.° Em todas as escolas industriais, onde ainda não existam, devem ser criados museus escolares a constituir pelos melhores trabalhos executados pelos alunos e como tais classificados pelo Conselho Escolar.

Art. 6.° As contas do cofre escolar deverão ser trimestralmente enviadas, por extracto, à Direcção Geral do Ensino Industrial, onde serão arquivadas.

Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrário.

Lisboa e Sala das Sessões do Senado, 17 de Julho de 1922. -O Senador, Manuel Gaspar de Lemos.

Senhores Senadores. -A vossa comissão de instrução foi presente o projecto

Página 6

6 Diário das Sessões do Senado

de Lei n.° 184, da iniciativa do Sr. Manuel Gaspar de Lemos, criando nas escolas industriais um cofre escolar.

A comissão de instrução não pode deixar de reconhecer o alto significado da instituição que se pretende criar, pois que tende a melhorar e fazer progredir o ensino, fornecendo os meios materiais necessários para êsse progresso, o qual numa escola profissional, embora elementar, mais do que em qualquer outra se não pode fazer sem um largo desenvolvimento do ensino prático.

Torna ainda mais digno de atenção o referido projecto de lei o facto de não tornar dependente do auxílio do Estado a formação dos fundos do cofre escolar, orientação louvável também seguida pelas caixas das escolas criadas em França em 1882.

Entende, porém, a comissão que não é razoável nem democrático confiar a administração do cofre exclusivamente ao Conselho Escolar, porquanto os fundos ao mesmo cofre hão-de ser na maior parte provenientes de contribuições dos alunos, quer em dinheiro, quer em trabalho que dinheiro representa.

É hoje prática de boa pedagogia fazer cooperar os alunos nas diferentes instituições de carácter social organizadas na escola.

Até nas escolas primárias públicas as mutualidades escolares, sociedades destinadas a desenvolver nas crianças o princípio associativo estabelecendo-lhes ao mesmo tempo um dote a receber ao atingir a maioridade, sociedades que existem de há muito em todos os países mas de que, infelizmente, só conheço duas entre nós, fazem entrar embora como adjuntas de cada cargo na comissão administrativa das mesmas instituições.

Esta orientação estimula e interessa os seus naturais contribuintes que são as crianças contribuindo para o desenvolvimento dessas obras de assistência que é também uma das feições do cofre escolar que se pretende criar pelo projecto de lei n.º 184.

Entende, pois, a comissão que o artigo 2.° do referido projecto deve ser redigido da seguinte forma:

"Art. 2.º Êste cofre será administrado por uma comissão mixta de três professores e dois alunos, sendo os primeiros eleitos pelo Conselho Escolar e os segundos pelos alunos".

Quanto aos restantes artigos nada tem a comissão a opor, parecendo-lhe que o projecto assim modificado deve merecer a vossa aprovação.

Sala das sessões da comissão, 2 de Agosto de 1922. - Artur Octávio do Rêgo Chagas - José Augusto Ribeiro de Melo - César Justino de Lima Alves - José Ribeiro - Francisco António de Paula - José Joaquim, Fernandes Pontes - António Maria da Silva Barreto-Frederico António Ferreira de Simas, relator.

O Sr. Gaspar de Lemos:: - Sr. Presidente: êste projecto de lei da minha iniciativa, embora seja um pequeno e bem modesto projecto, é de grande alcance.

Nós vivemos actualmente numa situação económica deplorável, que procuramos remediar recorrendo aos impostos, velho sistema, e apregoando "a redução das despesas, sempre difícil de fazer.

Eu estou convencido, Sr. Presidente, que na solução dêste problema nacional influi imenso o problema do ensino, que é um dos melhores alicerces para a solução do nosso problema económico.

AS nossas indústrias vivem uma vida artificial, que é a que lhe, dá a barreira cambial. No dia em que as circunstâncias económicas internacionais e as circunstâncias cambiais do país se normalizarem a indústria portuguesa há de ressentir-se porque não tem a preparação técnica necessária.

Foi por isso que eu fiz êste projecto, que me foi sugerido numa visita à Escola Marquês de Pombal, onde o Sr. Marques Leitão nos proporcionou uma visita excelente.

As escolas industriais estão sendo hoje abandonadas pelos alunos; às nossas escolas industriais só se lhes pode dar desenvolvimento concedendo-lhes um princípio de autonomia, dando aos alunos uma indemnização do tempo que êles perdem na aprendizagem.

Foi com êsse pensamento que eu apresentei êste projecto de lei, apesar do Sr. Ministro do Comércio dizer que vai apresentar uma reforma de ensino técnico, porque o meu projecto não impede que essa reforma se faça, e porque êste projecto está nos casos de ser aprovado.

Página 7

Sessão de 22 de Agosto de 1922 7

tanto mais que tem a mais amável referência da comissão de administração pública, a quem eu reconhecidamente agradeço.

O Sr. Oriol Pena: - Sr. Presidente: não vou combater êste projecto; vou simplesmente reconhecer as excelentes intenções que o ditaram e só fazem confirmar mais ainda a opinião que tenho a respeito da capacidade e intenções do meu ilustre colega Sr. Gaspar de Lemos.

Disse S. Exa. agora, na sua fala de apresentação, que um dos grandes males da nossa vida é a falta de educação técnica.

É verdade. Podemos ir mais longe e dizer mesmo que um dos grandes males de que enferma a sociedade portuguesa é uma enorme falta de educação moral, intelectual, de educação civil e de educação técnica.

Tem S. Exa. carradas de razão. Só quem se encontra mal ao pé de operários, o que felizmente me não acontece a mim, é que pode combater as intenções dêste projecto. Quando os operários são bons; honestos, diligentes e estimam a sua arte, tenho sempre visto as melhores intenções quebrarem-se contra a falta de base que há actualmente em todas as - artes e ofícios que existem em Portugal, em que predomina sobretudo a presunção vaidosa de conhecimentos, a que os franceses chamam outrecuidance, para a qual não encontro na nossa língua termo apropriado que possa, decentemente, pronunciar aqui.

O operário português, sobretudo o mau operário, tem sempre a noção de que sabe mais a dormir de que o patrão, o arquitecto, o engenheiro, emfim qualquer pessoa culta que o pretende dirigir, acordado. E isto um mal que é necessário afastar e corrigir..Com certeza na mim de atingir êste fim foi a intenção do Sr. Gaspar de Lemos ao elaborar êste projecto e por isso ela merece o meu melhor aplauso.

E perfeitamente triste que, quando nós nos abeiramos dum operário, carpinteiro por exemplo, explicando a maneira mais simples de tirar partido da sua ferramenta, de respeitar a mais pequena medida, de seguir a orientação de quem queira a obra à sua vontade, se a imaginou para um fim especial, ou como deve ser, se é

um trabalho corrente, ver que êsse operário e quási todos êles, não acatam nunca a indicação que lhes dão as pessoas cultas e nunca pensam que êles apenas são os executantes da obra que se pretende; escada, silhar, portas ou outro pormenor de construção dum prédio ou simples móvel de que nós damos os esboços ou desenhos que guiam a execução.

O operário bem preparado só teria que seguir as indicações feitas, aplicando a ferramenta apropriada que possuir, medir tudo isso com muita atenção ou executar depois de compreender o que se lhe indicou e então a execução seria perfeita e a pessoa culta, o mestre ou engenheiro, conseguiria sempre ver realizado, e bem, o que estudou e pensou.

Isto com relação ao carpinteiro; o mesmo se dá com relação a todos os outros ofícios.

O canteiro em geral não tem noções de estereotomia, não sabe o que é corte rea vesso ou oblíquo ou qualquer outro de vez, em que os defeitos de execução dão mais tarde, no assentamento, um trabalho de adaptação muito maior, que se traduz sempre num grande aumento de custo e de tempo, j Se para uma boa parte dêles nunca lhes fizeram sentir o que seja um leito magro e as vantagens dum leito cheio!

Isto dá-se não só com estas artes, como ainda em muitas outras, mas sobretudo, por exemplo, no trabalho dos metais, em que o operário tem que lidar com é fogo.

É extraordinária a dificuldade que se encontra na execução dó mais simples utensílio, fechadura ou fecho, preciso para uma construção mais especializada. Não há maneira de incutir ao artífice a idea de que quem desenha a peça deve-a conhecer pormenorizadamente; custa-lhe a crer que nós, com um simples compasso e papel, possamos determinar rigorosamente o comprimento, a largura, a espessura, o pêso, a qualidade do metal e a resistência duma peça. É isso que é necessário que desapareça para que todas as artes de construção progridam.

A inteligência do artífice português - em geral inteligente e geitoso - está mal adaptada ao serviço a executar, desde que êste saia do banal, porque não está habituado a disciplinar-se a outra

Página 8

8 Diário das Sessões do Senado

pessoa. Prefere o sistema de trabalho que tem sempre seguido e considera óptimo - embora redunde muitas vezes em maior esfôrço e perda de tempo- a outro qualquer.

Pela prática que tenho da execução de determinados trabalhos, posso dizer a V. Exa. que é enorme o esfôrço que se despende para se conseguir uma construção com as devidas condições de segurança e limpeza.

Estando a dirigir uma obra? em que tive muitos operários excelentes, nunca consegui dos canalizadores que soubessem fazer as canalizações com precisão e segurança.

Disto deriva o encarecimento do trabalho e todos os inconvenientes que emergem da falta de solidez, chegando-se a pôr a vida em precária situação, chegando-se ao risco de inundações, com todas as suas consequências quando se dê uma futura de canalização de água ou de esgoto.

Todos nós vemos nas casas que habitamos em Lisboa o risco em que estamos. O espetar de um prego numa parede pode dar origem a uma fuga de gás que provoque uma explosão ou um jorro de água que nos pode estragar os melhores móveis, os melhores livros e as melhores roupas.

Posso ainda citar o que acontece com outras artes e ofícios.

Os estucadores, pintores e decoradores, têm em Portugal um defeito máximo além dos que já enunciei, que torna a situação do arquitecto, a situação do empreiteiro, a situação do proprietário, de quem quer que seja que empreende um trabalho qualquer, sempre cheia de aborrecimentos, de contrariedades, de desgostos.

Refiro-me à falta de respeito absoluto que há no operário português, na sua generalidade, por a pessoa que o emprega, por a casa que o encarrega da obra, por b pessoal que dirige o serviço, e não só por êstes como também por os colegas de outras artes e ofícios que estão ao seu lado.

O pintor não respeita o trabalho do estucador, o carpinteiro não respeita o trabalho do pedreiro e assim sucessivamente, de modo que se chega à "perfeição" de, num trabalho apurado, imaginar-se que se chegou a um certo ponto e ter-se de voltar atrás para corrigir o que já está escangalhado.

E isto não se remedeia sem muito boa educação técnica, sem muito boa educação moral que imponha respeito pelo proprietário, pelo dirigente e pelos colegas; o respeito, emfim, pelas pessoas que têm mais competência e autoridade moral para dirigir o trabalho e que devem ser respeitadas e autorizadas e pelo trabalho dos outros corpos de ofício.

Posso a êsse respeito contar a V. Exas. o que me aconteceu com um operário estrangeiro e que estou convencido será quasi impossível acontecer com um operário português.

Mandei fazer umas canalizações na casa em que habito, canalizações que deviam ser feitas com extremo cuidado e por isso requisitei um operário estrangeiro para fazer êsse trabalho. Veio um operário da Suíça que, durante os cem dias pouco mais ou menos que esteve a trabalhar em minha casa não deu, nem a mim, nem ao meu arquitecto, nem aos meus capatazes, nem a qualquer dos operários portugueses, sombras de motivo para queixa!

Era homem educado, falava duas línguas com perfeição e entendia uma terceira e trouxe na sua bagagem até à última peça de ferramenta que lhe era precisa, tratando todas essas peças com o mais absoluto respeito. Todos os sábados as limpava, e ouvi-o muitas vezes dizer quando por acaso uma peça não ficava ajustada com aquela perfeição que lhe dá a extrema elegância, dizer com a maior tristeza: "mas não está limpa". E era verdade: a peça não estava limpa e ainda que sólida e de boa aparência não regalava a vista, não consolava os olhos.

Quando requisitei êste operário exigi que êle tivesse conhecimentos necessários para resolver qualquer dificuldade que aparecesse durante a execução do trabalho, e disse-lhe um dia: - Nós temos alteração na, cubagem desta casa; veja se os aparelhos que estão aí para a outra servem para esta.

No dia seguinte êle disse-me: - Eu vi e estou perfeitamente de acôrdo. Respondi-lhe: - Então faça. Respondeu-me: - Eu não posso fazer essa obra sem a autorização do meu engenheiro.

Porquê? Retorqui-lhe eu. Sou o dono da casa, pedi um operário que pudesse

Página 9

Sessão de 22 de Agosto de 1922 9

resolver estas dificuldades, porque é que você hesita em executar êsse trabalho?

Porque as instruções do meu engenheiro e o sckema que tenho é êste, e como eu trabalho numa casa séria V. Exa. pode querer mais trabalhos dirigidos por ela o vir e i um inspector e notar o meu trabalho, reparar que foi feito sem consulta, e quando eu voltar à fábrica, sou chamado à responsabilidade por ter feito uma alteração sem ter nada que a prove.

Isto chamo eu lima disciplina absoluta e rigorosa que não prejudica o patrão e que só redunda em respeito e utilidade de todos.

É esta lição que nós precisamos dar ao operário português, o respeito absoluto pela casa onde trabalha, respeito absoluto pelas pessoas que o dirigem e pelas instruções que traz.

Por isso me congratulo com a obra do Sr. Gaspar de Lemos; a iniciativa dêste projecto, muito embora me não satisfaça completamente o que vejo aqui logo no começo a tendência de ir forçar o aluno, ou o aprendiz, ou o operário que frequenta os cursos ao pagamento de uma espórtula, o que está em desacôrdo com o princípio democrático do ensino gratuito, não influindo contudo na muita consideração que S. Exa. me merece.

Não quero cansar mais a Câmara.

O Sr. Querubim Guimarães: - Eu abundo inteiramente nas considerações do meu ilustre colega Sr. Oriol Pena, mas permita-me V. Exa. e a Câmara que eu faça uma pequena observação para evitar qualquer dissabor que se possa levantar. Nas alíneas a) e b) do artigo 1.° há uma anuidade a pagar, parece-me que pelos diplomas passados pela escola.

Parece-me que isto envolve uma tributação, o se realmente assim é, vai de encontro ao artigo 23.° da Constituição. E isso que eu desejava observar à Câmara para que não estivéssemos a trabalhar debalde.

Tenho dito.

Foi aprovado na generalidade o projecto n.° 184.

Foi pôsto à discussão o artigo 1.°

O Sr. Afonso de Lemos: - Eu pedi a palavra para enviar para a Mesa um aditamento.

Eu proponho que à palavra "industriais" se acrescente "e nas escolas comerciais".

Aproveito o ensejo para agradecer as palavras dos Sr s. Oriol Pena e Querubim Guimarães e para responder que a anuidade a que se referem as alíneas a) e b) é absolutamente voluntária o convencional, e não parece que essa anuidade tenha os característicos do imposto como gentilmente lembra o Sr. Querubim Guimarães.

Parece-me que não há inconveniente nenhum em o artigo 1.° passar tal como está.

A minha proposta é a seguinte:

Proponho que no artigo 1.°, à palavra "industriais" acrescentem, as palavras "e nas escolas comerciais". - Manuel Gaspar de Lemos.

Foi admitida a proposta do Sr. Gaspar de Lemos.

O Sr. Silva Barreto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa a seguinte proposta de emenda:

Proponho que a palavra "cofre" do artigo 1.°, seja substituída pela de "caixa", substituição que se fará em todos os outros artigos. - Silva Barreto.

Apenas quero dizer duas palavras, a palavra "caixa escolar", e uma designação mundial; não há país nenhum onde não apareça a "caixa escolar", e assim fica harmonizada com toda a legislação.

Lida na Mesa foi admitida.

O Sr. Ferreira de Simas: - Em nome do comissão de instrução aceito as propostas do emenda que acabam de ser enviadas para a Mesa pelos Srs. Gaspar de Lemos e Silva Barreto.

Efectivamente é de justiça que se dê às escolas industriais a mesma regalia que se dão às escolas comerciais, conforme S. Exa. o Sr. Gaspar de Lemos propõe. Quanto à proposta do Sr. Silva Barreto, é apenas uma designação porque quem conhece estas instituições vê que isto é de toda a necessidade, até mesmo no parecer da comissão se falou nas caixas escolares.

Posto à votação o artigo 1.°, foi apro-

Página 10

10 Diário das Sessões do Senado

vaio bem como as propostas de emenda do Sr. Silva Barreto e Gaspar de Lemos.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o artigo 2.º

Leu-se.

O Sr. Gaspar de Lemos: - Sôbre êste artigo há uma emenda apresentada pela comissão de instrução e sôbre esta emenda eu quero fazer um esclarecimento.

Eu entendo, e por isso peço ao Sr. Relator, que esta palavra substitui apenas parte do artigo, depois continua como redigi.

Da melhor vontade aceito esta emenda mas o que de parece é que a comissão não pesou bem a minha intenção.

A comissão atribui a esta caixa escolar uma intenção especial democrática que não estava bem no meu pensamento, o que eu quis atribuir a esta caixa, foi sobretudo uma função pedagógica, foi êsse o meu pensamento, foi ao conselho escolar e não para o conselho administrativo, o que eu quis dar foi uma disposição fundamentalmente pedagógica.

A comissão entendeu de outra forma, entendia que a caixa escolar devia ser administrada por uma comissão composta por três professores e dois alunos.

Eu faço apenas sêste reparo sem querer alterar o ponto de vista da comissão.

O Sr. Ferreira de Simas: - Ouvi as considerações feitas pelo ilustre Senador Sr. Gaspar de Lemos, mas nós não podemos considerar uma escola sem que tenha o seu aspecto educativo; todas as escolas educam, qualquer que seja o grau, desde o jardim de infância até a universidade.

De maneira que a criação da caixa escolar de todas as escolas, que poucas existem, entre nós tem também essa função de desenvolver em todo o cidadão o espírito da colectividade que falha tanto entre nós, daqui veio naturalmente a ideia de se incluir também os alunos que contribuem para essa caixa na sua administração.

A maioria é constituída por professores que melhor saberão orientar esta caixa, sobretudo nas funções pedagógicas e saberão .seguir os alunos na administração dêsses dinheiros.

Por isso mando para a Mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a redacção do artigo 2.° seja a indicada no parecer da comissão de instrução, até a palavra "Escolar" inclusive seguindo-se depois como está redigido na texto do projecto. - Frederico de Simas.

É lida, admitida e aprovada, sem discussão, ficando implicitamente aprovada a proposta da comissão.

É aprovado o artigo 2.º

São sucessivamente aprovados, sem discussão, os artigos 3.° e 4.°

Entra em discussão o artigo 5.°

O Sr. Gaspar de Lemos: - Mando para a Mesa uma proposta de emenda ou aditamento.

Proponho que à palavra "industriais" se acrescente as palavras "e comerciais ". - Manuel Gaspar de Lemos.

É lida e admitida.

É aprovado o artigo 5.° com o aditamento proposto pelo Sr. Gaspar de Lemos.

São sucessivamente aprovados sem discussão, os restantes artigos.

A pedido do Sr. Gaspar de Lemos, é dispensada a leitura da última redacção.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vai continuar a discussão da proposta de lei n.° 224, sôbre a liquidação dos Transportes Marítimos.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Sr. Presidente: os Transportes Marítimos do Estado tiveram mais organizações do que anos de existência; o período revolucionário em que essas reorganizações se fizeram, sempre em ditadura, não foi decerto o mais favorável para a elaboração de diplomas legislativos que na prática se traduzissem em benéficos resultados. Várias campanhas de jornais, relatando escândalos o esbanjamentos e sobretudo o estado deficitário duma gerência, que semanalmente podia centenas de contos para libertar navios arrestados no estrangeiro, e em riscos de serem vendidos em leilão, dificuldades na manutenção dêste estado de cousas, levaram o Go-

Página 11

Sessão de 22 de Agosto de 1922 11

vêrno a tomar a iniciativa da proposta em discussão, que consigna o princípio da passagem dos navios da frota mercante nacional, para a indústria particular.

Essa proposta nasceu portanto de uma necessidade urgente de terminar de vez, com é insustentável situação dos Transportes Marítimos do Estado.

A contra-proposta apresentada na Câmara dos Deputados, que tinha por fim acautelar melhor os interêsses do país e concorrer para o desenvolvimento da frota marítima, harmonizava-se perfeitamente com as intenções do Govêrno.

Diz o chegar-se a um acôrdo, fundindo--se as duas propostas no sentido de se procurar libertar o Estado duma administração, que lhe era muito ruinosa e prejudicial.

A discussão foi por vezes apaixonada e irritante, estando porém todos de acôrdo quanto à doutrina, de que os navios do Estado podiam contribuir na administração de companhias particulares, para o desenvolvimento de uma marinha mercante.

Sr. Presidente: o resultado financeiro das viagens feitas pelos Transportes Marítimos seria um valioso auxiliar para o estudo das condições da transferência e adjudicação dos navios.

Por êsses resultados podia avaliar-se e prever-se tanto quanto possível a viabilidade das futuras companhias, e o valor representativo dos navios, sendo bastante para lastimar que a proposta do Govêrno, tratando-se de um organismo de funções comerciais, não viesse acompanhada de elementos e dados estatísticos que esclarecessem a questão.

A situação financeira dos Transportes Marítimos é um verdadeiro enigma.

Durante uma gerência, as receitas não chegaram para as despesas, tendo o Govêrno de abonar milhares de contos, calculando-se que ainda existem dívidas, no montante de sessenta mil contos, para cujo paga monto se preconiza um empréstimo à Caixa Geral de Depósitos.

Conviria muito que se houvesse feito distinção na proposta entre a exploração geral dos navios e a situação do qualquer gerência, para se poder determinar se com a sua requisição, que deu origem à nossa entrada na guerra com a Alemanha, temos tido lucros ou prejuízos.

Está apenas averiguado que a penúltima gerência dos Transportes Marítimos se individou, tendo sido o Govêrno obrigado a entregar-lhe milhares de contos para saldar os seus débitos.

Por outro lado está também apurado que os navios fretados à casa Furness renderam 2.700:000, libras, que foram pagas ao Estado.

Recebeu ainda o Govêrno 1.327:940 em compensação da tonelagem perdida durante a guerra que estava segurada em várias companhias e ainda 2;091:000 dólares que os Transportes Marítimos pagaram na América para compra de trigo.

Também nos termos da portaria de 13 de Outubro de 1920 recebeu o Govêrno dos Transportes Marítimos 100:000 libras, 200:000 dólares e 9.000:000 de francos.

Todas estas verbas constam de relatórios e documentos, sabendo-se portanto que entraram nos cofres públicos, em diversas datas, proveniente dos rendimentos dos navios, as seguintes importâncias:

[Ver valores da tabela na imagem]

Libras
Dólares
Francos

Igualmente o Govêrno se utilizou de vários serviços dos Transportes, sendo portanto devedor da respectiva conta, que está calculada nalguns milhões de escudos.

Terão os navios absorvido todas essas verbas sendo ainda necessário pagar dívidas num montante de 60:000 contos?

Afirmou o Sr. Velhinho Correia na Câmara dos Deputados que Portugal tinha sido o único país em que os navios requisitados haviam dado lucros efectivos ao Govêrno, mas seria de grande vantagem o poder-se liquidar oficialmente essas contas, porque, a terem confirmação as afirmações daquele Deputado, constituiriam motivo para nos orgulharmos de reunir ao Estado Português faculdades administrativas superiores às dos outros países.

A comissão liquidatária não deverá examinar somente as contas da penúltima gerência dos Transportes Marítimos, mas sim a situação financeira da frota, balanceando os lucros e perdas desde a requisição dos navios até a data em que tomar posse.

Sr. Presidente: embora a proposta não

Página 12

12 Diário das Sessões do Senado

venha acompanhada de números que indiquem a referida situação financeira o as comissões de sindicância nenhum trabalho tenham apresentado que justifique as acusações e as campanhas que a imprensa faz aos Transportes Marítimos do Estado, o simples facto, de a sua escrita não acusar o resultado das viagens e a circunstância do alguns navios terem sido arrestados em portos estrangeiros, dando assim origem ao nosso descrédito, são cousas suficientes- para determinar a extinção imediata do mencionado organismo.

Há porém três pontos a considerar:

1.° Liquidação dos Transportes Marítimos;

2.° A passagem dos navios para companhias particulares;

3.° Administração provisória dos navios pelo período que vai da aprovação da proposta até a sua entrega aos adjudicatários ou arrematantes.

O Govêrno pretende confiar a execução destas três funções à mesma comissão.

Afigura-se-me que na prática não pode produzir bons resultados semelhante orientação, porque ou se deve tratar em especial da administração dos navios ou da sua adjudicação à indústria particular. ou da liquidação dos débitos e créditos dos Transportes.

A contra-proposta da comissão de comércio e indústria obrigada a dar o seu parecer, num curto prazo, entregava também todas as atribuições a uma só comissão.

As duas propostas discutidas em conjunto na Câmara dos Deputados foram elaboradas para haver uma só comissão, e, conquanto numa emenda se tenha dividido as suas atribuições em duas sub-comissões,, é certo que toda a proposta se ressente da forma como foi concebida a sua estrutura, isto 6, para todos os serviços ficarem a cargo duma só comissão.

Devem portanto na prática surgir grandes conflitos, justificadas dúvidas o discussões inúteis, que se podiam evitar, com uma redacção mais precisa,1 em que se distribuíssem especificadamente as atribuições a que aludem os artigos 1.° e 12.° da proposta pelas sub-comissões, ou, melhor, pelas comissões indispensáveis.

Na divisão da comissão atribui-se à primeira sub-comissão a liquidação dos transportes Marítimos e a segunda a adjudicação dos navios; entretanto nada se dispõe quanto à entidade que os devo administrar desde a data da publicação da lei até a entrega da frota.

Daqui se conclui que é necessária a, criação de três comissões diferentes para os três objectivos que se deve ter em vista, ou seja, uma comissão para proceder à liquidação dos Transportes Marítimos, fazer o apuramento dos seus débitos e créditos, proceder à sua respectiva cobrança ou pagamento, examinar a forma como foram administrados os seus serviços nas diversas gerências, apreciar os resultados das viagens o estudar as cousas que determinaram os prejuízos sofridos; emfim envidar todos os esforços no sentido de serem castigados todos aqueles que prevaricaram para que se não diga com verdade, que vivemos num regime do esbanjamento, da falcatrua o do roubo; outra, comissão para estudar e elaborar as bases em que devem ser feitos os concursos, apreciar as propostas e adjudicar os navios aos concorrentes; e uma terceira comissão encarregada de administrar a, frota marítima emquanto ela se conservar na posse do Estado.

Tratando da primeira comissão, vemos que a proposta lhe marca seis meses para proceder à liquidação dos Transportes Marítimos.

Convém notar que os navios fizeram viagens para portos distantes e bastará a circunstância de a comissão ter de pedir esclarecimentos para o extremo oriente, afim de se reconhecer que seis meses não são suficientes para uma troca de correspondência.

A administração de 40 navios durante 5 anos não pode examinar-se em tam limitado espaço de tempo, a não ser que se mobilizasse uma brigada de funcionários das repartições do contabilidade do Ministério das Finanças.

Sr. Presidente: Não está no ânimo de quem elaborou, discutiu o aprovou a proposta na Câmara dos Deputados o restringir ou limitar o apuramento de todas as responsabilidades civis e criminais.

Todos concordam que a República tem interêsse em saber se são justas ou infundadas as acusações feitas pela imprensa aos Transportes Marítimos do Estado, pois impõe-se o castigo ou a reabilitação de quem dirigiu os aludidos serviços

Página 13

Sessão de 22 de Agosto de 1922 13

mou parte na sua execução, praticando quaisquer faltas, irregularidades ou crimes.

O apuramento dos débitos e créditos dos Transportes Marítimos, ou encerramento da sua escrita, a liquidação de responsabilidades, o conhecimento das causas do déficit dalgumas gerências, a análise de contratos e fretamentos, o exame das contas das agências, a apreciação finalmente dum organismo que administrou 40 navios em cinco, anos não pode de maneira alguma fazer-se em 6 meses como se estabelece na proposta.

Para êsse trabalho, que é vastíssimo, necessita-se dum pessoal técnico que conheça os serviços.

A proposta não cuida dêsse aspecto da questão.

Limita se a determinar que os funcionários doutros Ministérios regressem aos seus lugares, e que o restante pessoal seja dispensado, aplicando-se-lhe o código comercial.

Seria um contrassenso supor que o trabalho a executar deve ser leito pela comissão liquidatária, como absurdo seria o pensar-se em realizar-se essa obra com pessoal que desconheça a montagem dos mencionados serviços.

Sendo assim, como poderá chegar-se a resultados satisfatórios sem pessoal?

Como procederá a comissão liquidatária?

É natural que pense em realizar todo o trabalho com o pessoal actual dos Transportes Marítimos, dispensando-o quando se tornar desnecessário.

Mas, quem pode exigir assiduidade o zelo a um pessoal, a quem se declara de entrada, que se vai despedir, sem qualquer compensação, tendo-se para com êle •o procedimento que as casas comerciais usam para com os seus assalariados, que não satisfazem ao serviço?

Todos sabem que, em regra, um empregado cumpridor dos seus deveres, que serve durante 5 anos o mesmo patrão, não é despedido sem que para isso dê motivo.

Dispensada a cooperação dedicada do actual pessoal dos Transportes Marítimos, a comissão liquidatária está condenada apenas a pagar as dívidas que lhe forem reclamadas, sem mesmo poder ter a consciência de ordenar somente os pagamentos lícitos, e a selar em grandes maços, resmas de contas e facturas cuja simples leitura não tem tempo para fazer em 6 meses.

Que vantagens tem o Govêrno em fixar um prazo tam pequeno?

Não será afastármo-nos da verdade, se dissermos que apenas o Estado mandará pagar tanto a quem deve, como a quem não deve, sem grandes possibilidades de receber o que lhe- pertence, e que são ainda alguns milhares de contos.

Esta afirmação pode parecer estranha, mas a verdade é que não há muitos meses que a Agencia Geral de Paris foi acusada de desviar quantias superiores a a um milhão de escudos que pertencia aos Transportes Marítimos.

Essa acusação foi feita por um ex-sócio do mencionado agente geral e apurou-se o desfalque pela própria escrita da agência visto que pela escrituração dos Transportes em Lisboa não foi possível chegar a tal resultado.

Haverá mais alguns agentes nessas condições?

De certo que sim, pois muitos dêles nunca enviaram contas correntes semestrais ou anuais e muitos menos qualquer saldos.

Os débitos dos Transportes Marítimos representam milhões de escudos, bastando essa circunstância, para se conservar ao serviço o pessoal que actualmente trabalha, pois só êle é competente, pelos conhecimentos que tem do assunto, para auxiliar a comissão no desempenho do seu difícil mandato.

Além da criação das tais comissões, a que me referi, deve ainda estabelecer-se, a quem fica subordinado o pessoal. As secções de contabilidade e viagens precisam ficar directamente subordinadas à comissão liquidatária, assim como alguns empregados, pelo menos das restantes secções, que possam prestar esclarecimentos sôbre os documentos que nas mesmas existem. Garantir a êsse pessoal estabilidade e futuras colocações em lugares do Estado, será talvez a única maneira prática de chegar ràpidamente a uma liquidação honesta e rigorosa dos Transportes Marítimos.

Sr. Presidente: a passagem dos navios para companhias particulares, ou seja a elaboração do programa do concurso e o estudo das propostas apresentadas por

Página 14

14 Diário das Sessões do Senado

companhias concorrentes, é igualmente assunto para ponderações, se o Govêrno quiser, como parece ser seu desejo, efectuar a adjudicação com garantias e vantagens para o Estado. O procedimento do Sr. Ministro do Comércio, fazendo uma questão aberta dêste assunto, prova a sua vontade decidida de resolver o problema., com a apreciação de todas as observações, aceitando as emendas que melhorem a sua proposta.

Correm vários boatos acêrca de pretensão de estrangeiros aos navios do Estado. Tanto a primitiva proposta ministerial, como a outra proposta da comissão de comércio e indústria, se preocuparam sincera o devotadamente com a continuação dos navios, sob a bandeira nacional. Determina-se que só possam concorrer companhias portuguesas com capitais e accionistas nacionais. E porém necessário ponderar que a única garantia séria da nacionalidade da bandeira foi apresentada pelo Govêrno, quando se consignou na proposta o princípio da concessão do subsídios às companhias adjudicatárias.

Apesar de todas as cautelas, com que se rodearam os contratos, para entrega e exploração da frota, a verdade é que o conhecimento da legislação internacional, sôbre navios, demonstra que todas as cláusulas, e condições impostas, não passam dumas aspirações altamente patriotas.

Basta saber-se de que um navio de qualquer emprêsas ou companhia particular que não satisfaça uma dívida em qualquer porto, pode ser arrostado e vendido sem comunicação de Govêrno para Govêrno.

Liquidam-se muitos navios anualmente por êsse processo, visto que muitos armadores o adoptam para fugir ao cumprimento das disposições legais destinadas à protecção da bandeira.

É necessário que o Govêrno procure assegurar os lucros das companhias a quem fôr adjudicada a frota marítima.

O Sr. Ministro do Comércio viu, e bem, que era precária a situação da marinha mercante mundial.

A concorrência estabelecida desde fins do ano de 1919 reduziu ao mínimo os lucros da navegação. Os subsídios concedidos pelos diversos países são disso ama prova, tornando-se problemáticos os resultados para qualquer companhia que se à exploração dos nossos navios

sem a suficiente garantia do Estado. Quem conhece o meio marítimo vê que não há o menor indício para a formação de novas companhias.

Analisando mesmo as condições de vida das existentes, nota-se que não será com a cedência de navios ainda que sejam pagos só em acções que se pode obter o desenvolvimento da marinha mercante em Portugal.

A Companhia Nacional de Navegação suspendeu há quási um ano as suas carreiras para a África Oriental porque lhe davam prejuízo, e pena é que uma colónia tam importante esteja tam somente sujeita a navegação estrangeira sobretudo à alemã subsidiada pelo seu Govêrno e que decerto, estabelecerá tarifas que concorram para desenvolver o comércio do seu país.

Apesar do essa companhia ter portanto deminuído as suas linhas de navegação e a circunstância de ter recorrido ao frotamente dos navios do Estado, prova que não está em condições para manter os serviços que, se propôs realizar.

A Em prosa Insulana de Navegação necessitou igualmente dum navio do Estado para poder reparar os seus vapores sem suspender as suas carreiras para as ilhas.

Urge que o Estado dedique a sua atenção a êste assunto se quiser evitar ao país o desgosto de correr o risco de ver num prazo curto extinguir-se a navegação' nacional.

Já a protecção da bandeira produziu alguns resultados benéficos e o estabelecimento dos subsídios virá completar essa obra marcando o início de um período florescente para o desenvolvimento económico do país.

Impõe-se a obrigação aos nossos estadistas de estudar a questão dos subsídios com o máximo cuidado e mesmo determinar-se o seu quantitativo desde já as condições em que passarão a ser concedidos para que as companhias saibam que o auxílio do Estado não é uma simples promessa mas sim uma realidade que lhes garantem o capital que aplicaram.

A Companhia Nacional de Navegação, por exemplo, não se tem preocupado com a renovação do seu material e no em tanto tem distribuído dividendos de 10 por cento livres de qualquer imposto como sucedeu ainda o ano passado.

Página 15

Sessão de 22 de Agosto de 1922 15

Embora se possa supor que semelhante distribuição é feita com sacrifício da melhoria do seu material como está demonstrado pela necessidade que teve de recorrer aos navios do Estado a verdade é que não é um acto de boa administração pública a concessão de subsídios quando o capital duma emprêsas aufira pela sua. exploração um juro remunerador.

Êste assunto é digno dum cuidadoso estudo e toda á ponderação sendo de estranhar que a proposta não consignasse as bases para a sua fixação.

O pedido de subsídio deve ser feito ao Govêrno acompanhado duma clara documentação de contas donde conste todas as despesas efectuadas com o pessoal de escritório e agências, retribuições, às direcções e conselho fiscal.

Uma sensata administração deve realizar estas despesas dentro duma percentagem nunca superior a 10 por cento da importância dos fretes e passagens incluindo as gratificações aos agentes e angariadores de carga e passageiros.

Apresentando qualquer companhia as contas minuciosamente discriminadas e comprovada a sua modelar administração, o Govêrno deverá conceder-lhe um subsídio suficiente para distribuir um dividendo correspondente a taxa legal de desconto do Banco de Portugal.

Sr. Presidente: diz a proposta que nenhum dos vapores da frota marítima poderá de futuro ser empregado em carreiras exploradas por qualquer companhia adjudicatária dos navios do Estado.

Ora, os vapores que não forem adjudicados, em virtude de ficarem desertos os concursos, devem ser vendidos em leilão, e não ha realmente conveniência, quer para as companhias ou para o Estado, no estabelecimento de semelhantes restrições.

Se o Govêrno se propõe subsidiar as companhias de navegação, garantindo-lhe um dividendo razoável para o capitai empregado, o que receio poderá advir para a companhia da concorrência feita por um ou outro navio isolado, que não recebe subsídio algum? A concorrência "com prejuízo" não pode manter-se hoje em qualquer carreira de navegação sob pena de as companhias falirem em pouco tempo.

O Shipping Board tentou estabelecê-lo mas perdeu a "bagatela" de 2 biliões de dólares e a grande América desistiu de conquistar por êsse preço a supremacia da navegação.

A concorrência entre navios portugueses, sejam quais forem as circunstâncias que se derem, não pode ser prejudicial ao país.

Ou as companhias adjudicatárias procuram melhorar as condições dos meios de transporte e nesse caso o subsídio do Estado permite-lhe manter os serviços com vantagem sob ré qualquer concorrente menos favorecido ou a companhia se propõe a auferir grandes lucros elevando os fretes e em tal hipótese a concorrência é benéfica para os interêsses gerais do público que em última análise são os da nação.

Quer num, quer noutro caso, não há vantagens para o Estado, no estabelecimento dum preceito que na prática tem efeitos idênticos aos da concessão dum monopólio.

Também no projecto em discussão se proíbe entrar no concurso qualquer companhia portuguesa que não faça de Lisboa o seu porto de armamento.

As exigências que têm feito as classes marítimas provam que seria de toda a vantagem haver algumas companhias que realizassem noutros portos os seus contratos com o pessoal.

Em toda a parte tem o Govêrno os seus agentes e as suas autoridades de forma que não há razão alguma para que as companhias com séde em Lisboa gozem de regalias especiais.

Não são igualmente portuguesas as companhias marítimas do Pôrto?

Porque é que se estabelece que só as companhias de Lisboa podem concorrer à adjudicação dos navios que pertencem ao Estado?

Na Inglaterra nunca se fez distinção entre as companhias de Londres e as de Liverpool e o mesmo sucede na Holanda e na Alemanha.

Sr. Presidente: a passagem dos navios para companhias particulares é um assunto que exige grande ponderação e estudo por parte da comissão encarregada de o apreciar.

Fixa-lhe a proposta um prazo de três meses para todo o seu trabalho, que consiste na elaboração de um programa de

Página 16

16 Diário das Sessões do Senado

concurso, na apreciação das propostas apresentadas e na adjudicação dos navios.

Êsse trabalho é importante o ninguém pode dizer que seja suficiente o espaço de três ou seis meses para o efectuar.

Uma vez convertida esta proposta em lei várias iniciativas surgiram apreciando pormenorizadamente no campo económico as vantagens ou inconvenientes da formação de novas companhias.

Estabelecer a aludida comissão somente três meses para desempenhar as suas funções equivale a determinar que dentro dêsse prazo se devo fazer o programa do concurso, o exame das propostas e a adjudicação dos navios.

Evidentemente que não há tempo para se pensar na reorganização de novas companhias cuja formação depende da angariação de elementos financeiros que não se podem obter no curto espaço dalgumas semanas.

O mais prático e razoável seria não fixar prazos e determinar que a comissão procederá em todos os seus trabalhos com a urgência compatível com a boa defesa dos interêsses do Estado.

Na pior das hipóteses, quando se quisesse, para evitar delongas, estabelecer um prazo, êsse nunca podia ser inferior a um ano. prorrogável pelo Govêrno por mais seis meses.

Sr. Presidente: um aspecto importante da questão que não se encontra tratado na proposta refere-se à administração da frota marítima durante o espaço que mediar entre a publicação da lei e a sua adjudicação a qualquer companhia já formada ou que se vier a organizar.

As carreiras feitas por conta dos Transportes Marítimos acham-se quási todas paralisadas o os navios estão sendo fretados por prazos curtos com garantias de todos os encargos.

Desta maneira não só se tem equilibrado as receitas com as despesas como os fretamentos têm dado bons lucros.

Com êsse saldo é que se tem pago ao pessoal e ainda satisfeito, algumas dívidas das gerências antigas.

Não Há portanto desvantagem em continuar o actual sistema de administração pelo tempo suficiente para a entrega dos navios que só efectuar em boas condições para o Estado.

O sistema de fretamento ao alcance de qualquer casa comercial tem contribuído para o desenvolvimento da nossa marinha mercante, como se prova pela compra de navios feita recentemente por várias entidades que exploram emprêsas industriais.

Os bons resultados obtidos num fretamento incitam qualquer sociedade comercial ou estabelecimento fabril à aquisição de navios estabelecendo-se assim uma concorrência vantajosa para o público e que afasta sobretudo a navegação estrangeira.

Pode objectar-se que as reparações possivelmente indispensáveis venham, num futuro próximo, deminuir os lucros que o Estado presentemente aufere da administração da frota marítima, mas a verdade é que o êxito obtido com os fretamentos B, curto prazo indicam a continuação dês-se sistema de preferência a qualquer outro de resultados problemáticos.

Sr. Presidente: a questão do pessoal também merece ser estudada com todo o cuidado e atenção.

Já expus a vantagem que adviria para o Estado da conservação dos funcionários o da secção de viagens.

As duas ou três dezenas de empregados que o Govêrno pretende despedir, que ficam sem qualquer colocação de um dia para o outro é mais um êrro a juntar a tantos que se têm praticado nos serviços a cargo dos Transportes Marítimos. Não foram os empregados que cumpriram ordens os causadores do descalabro que levou aquele organismo à ruína.

Há muitos que foram nomeados ou contratados em 1916 e que sempre têm trabalhado com zelo e dedicação pelos interêsses do Estado.

A par dêsses há outros que, em virtude de traficâncias, furtos e burlas, têm enriquecido e se encontram hoje bem instalados na vida.

Não é justo que sejam tratados por forma idêntica, isto é, todos despedidos, sem se fazer distinção entre os bons e maus empregados.

Nenhuma casa comercial procede dessa forma para com os auxiliares, caixeiros ou gerentes, que a serviram durante o período de alguns anos a seu contento. A despedida dum empregado sem se lhe dar compensações só se justifica quan-

Página 17

Sessão de 22 de Agosto de 1922 17

do o assalariado não satisfaz às condições a que se sujeitou ou o estabelecimento liquida e de todo se extinguem os serviços que êle tinha a executar.

Se uma secção de uma casa comercial acaba e outras continuam, os empregados honestos que cumprem os seus deveres não são despedidos mas sim colocados num ramo diverso do que anteriormente se dedicavam.

J& assim que o Estado sempre tem procedido em assuntos respeitantes à nossa burocracia.

Ao pessoal dos abastecimentos garantiu o Govêrno colocação noutros ministérios pelo que não é justo que adopte procedimento diferente para com o pessoal dos Transportes Marítimos.

Se tal acontecer, temos o direito de supor quê se lhe aplica uma penalidade por faltas, abusos e crimes praticados por alguns trunfos políticos cujas responsabilidades cabem aos governos que, tendo delas conhecimento e provas irrefutáveis dêsses crimes, as não quiseram apurar e fazer entrar nas prisões os criminosos.

Como deixo exposto, o pessoal subordinado à comissão liquidatária, longe de causar prejuízos ao Estado, prestar-lhe há, na liquidação das contas a efectuar, relevantes serviços.

Para terminar, declaro alto e bom som, para que a Câmara e o país me oiçam, que os defeitos e imperfeições da proposta que se discute são de tal natureza que, se fôr aprovada, não terá execução prática e os navios continuarão fundeados no Tejo a apodrecer e a consumir diariamente elevadas verbas ao Estado, a pretexto dó reparações e de conservação até que um dia terão de ser vendidos cada um de per si ou em pequenos grupos, ou mandados meter a pique no alto mar, depois de desaparelhados.

Tenho dito.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - Ouvi as comunicações dos ilustres Senadores que se ocuparam da proposta de lei sôbre os Transportes Marítimos do Estado, que eu tive a honra de apresentar na outra casa do Parlamento, há cinco meses e dois dias.

Como vêem V. Exas., largo tempo teve o Parlamento para examinar essa proposta.

Logo que eu tomei conta do meu Ministério empreguei todos os meus esforços para se modificar o estado a que estava subordinada a administração dos Transportes Marítimos, cumprindo assim um compromisso- que êste Govêrno tinha tomado quando assumiu o Poder, e mais ainda, o compromisso da chamada frente única dos Partidos.

Êste problema dos Transportes Marítimos tem sido largamente debatido, e é largamente conhecido de todo o país, e, longe de ter feito um pequeno relatório, como me acusou o Sr. Joaquim Crisóstomo, eu tive ocasião, ao apresentar na outra Câmara a minha proposta de lei, de fazer verbalmente um complemento dêsse relatório, e de fazer a análise da administração e dos prejuízos que trouxeram para o Estado essa administração.

Fazer agora a história de todos os maus actos praticados é talvez extemporâneo, pois todos nós sabemos que houve graves erros de administração.

A administração dos Transportes Marítimos sofreu males, males provenientes da impossibilidade de se constituir uma administração tam perfeita como as administrações particulares.

A indústria marítima é aquela que necessita de mais cuidado na sua exploração, e o Estado em geral não possui as aptidões para bem administrar a indústria marítima.

A administração dos Transportes Marítimos feita pelo Estado faliu em Portugal, como faliu em todos os países, porque êles não têm as aptidões precisas para acudirem a situações diversas que se podem levantar.

Disse-se aqui que eu tenho sido exagerado quando afirmei que o valor dos débitos era talvez superior ao valor da frota. Distingamos, porém.

Se nós verificarmos qual o seu rendimento, nós chegaremos à conclusão de que realmente houve lucros, mas êsses lucros que houve nos anos anteriores foram ùltimamente desviados e, portanto, o valor da frota actualmente é inferior ao que se deve.

Disse-se também- que da má administração dos Transportes Marítimos era responsável o Estado republicano.

Eu chamo a atenção da Câmara para

Página 18

18 Diário das Sessões ao Senado

isto: o Estado republicano, representado pelo seu Govêrno, teve a coragem de pôr o problema a nu, indicando todos os seus males, e procura apurar quais são os culpados, para que sejam castigados, desde que haja provas pelas quais se veja que êles foram realmente culpados. (Apoiados).

Ó Estado tem dado toda a liberdade para que se apurem as responsabilidades de todos aqueles que defraudaram o Estado e que praticaram abusos.

O Estado republicano não procura criminosos,, procura castigál-os, e tem a coragem de desvendar os erros de administração quando êles se pratiquem. (Apoiados).

Um ilustre Deputado chamou há pouco tempo a minha atenção para um facto que eu não conhecia.

Trata-se duma operação em que um funcionário ao serviço dos Transportes Marítimos praticou fraudes.

Imediatamente eu mandei suspender êsse funcionário e levantar a respectiva sindicância, com ordens terminantes dadas por mim, para se apurar até ao último acto.

A proposta que está em discussão é baseada na proposta que apresentei à outra Câmara, mas com algumas alterações.

Certamente porque os ilustres Senadores não puderam, estudar convenientemente esta proposta, houve alusões a factos ou a disposições que não constam desta proposta.

Eu voa procurar acompanhar tanto quanto possível alguns oradores nas considerações feitas, para assim mais fàcilmente responder, começando pelo Sr. Ribeiro de Melo.

Referiu-se S. Exa. à nomeação do juiz sindicante e à sua situação. Eu devo dizer que o juiz sindicante já estava nomeado quando eu tomei posse do meu Ministério.

Tem êsse juiz sindicante lutado com dificuldades de vária ordem. Não lhe foi dado um secretário e, desejando êle um escrivão para o ajudar, houve grande demora em o conseguir.

Êsse juiz também não tinha a sei lado um promotor de justiça, de forma que os trabalhos que teria de fazer eram incompletos.,

Foi por isso que na proposta trazida ao Parlamento se consigna a nomeação de um promotor, para que os processos sejam completos.

V. Exa. compreende que não é minha a culpa se cinco meses depois de ter sido apresentada ao Parlamento a proposta, ainda se não tenha tomado uma resolução sôbre o assumo.

Eu devo dizer que tenho encontrado da parte do juiz sindicante a melhor boa vontade em apurar todas as responsabilidades.

Fazer acusações é fácil, mas não é fácil fazer acusações concretas.

Citou o Sr. Ribeiro de Melo um facto para mim desconhecido, e hoje mesmo eu encarregarei o juiz sindicante de investigar acêrca dêsse facto.

O Sr. Ribeiro de Melo fez afirmações concretas quanto aos fornecedores do Lourenço Marques. O Govêrno não pode proceder por indicações anónimas; mas, atentas as afirmações positivas e claras de S. Exa., vou mandar proceder à precisa investigação.

O Sr. Ribeiro de Melo: - De resto as minhas afirmações são as que j á vieram a público nos jornais.

O Orador: - S. Exa. afirmou que conhece o caso de fornecedores terem sido obrigados a lançar nas facturas quantias superiores .para reverterem a favor de certos empregados dos Transportes Marítimos do Estado, o que, portanto, pode ser provado.

O Sr. Ribeiro de Melo: - Não tenha V. Exa. a menor dúvida.

Desde que eu tenha conhecimento de certos actos, denuncia-los hei embora vá ferir pessoas amigas.

E os factos mencionados são conhecidos de V. Exa. e de todos.

O Orador: - O que eu não posso é proceder por afirmações feitas em cartas anónimas.

Já tenho ordenado o chamamento de pessoas que fazem certas afirmações. Todavia essas afirmações não são confirmadas depois pelas mesmas pessoas.

Disse S. Exa. que, para votar uma proposta destas, é preciso, primeiro, apurar responsabilidades. Discordo, porque os

Página 19

Sessão de 22 de Agosto de 1922 19

credores dos Transportes Marítimos, cuja administração tem sido deficiente, não podem, em face da situação angustiosa em que se encontram, esperar por apuramentos de responsabilidades.

Essas responsabilidades devem ser apuradas ; e S. Exa. não ignora, como todo o Parlamento e País, que eu, na proposta inicial, procurava liquidar a questão entregando à administração particular os navios e dirimir responsabilidades, fazendo, conseguintemente, punir os criminosos aqueles que, prejudicando o nosso bom nome, arrastaram Portugal a uma situação deprimente sob o aspecto interno, e sob o aspecto externo arrastaram o nome de Portugal por todos os portos da Europa e mesmo pelo mundo inteiro, fazendo salientar, universalmente, graves erros da nossa administração.

O Sr. Bulhão Pato referiu-se à ordem e preferência das colónias, indicada na proposta.

Devo dizer que não Lá ordem de preferência e que tudo é estabelecido em conjunto e em conjunto deplorado ao mesmo tempo,

Para que essa exploração se faça, dispõe-se o Estado a auxiliar com subsídios e outras vantagens as emprêsas.

O Estado não aliena todos os navios porque embora na proposta figure a hipótese de que pode haver essa venda, admite se também a hipótese de a venda se fazer parte em acções ou em acções todas de uma companhia.

O Estado associa-se com emprêsas particulares; êle é que nomeia os administradores, competências para que essa exploração resulte profícua, experimentando para êsse fim fórmulas novas de exploração.

Não se determinou o número de viagens, porque isso era função a estabelecer perante vários factores.

Acho preferível tudo, a continuar a administração como até aqui.

A França, Inglaterra e América, viram que perdiam com essas administrações de transportes, e trataram de entregar os navios à indústria particular.

As referências do Sr. Júlio Maria Baptista à actual comissão administrativa por elogiosas, agradeço-as.

Quanto à demora havida na discussão desta proposta, tem ela sido devida à força das circunstâncias e não à culpa de alguém.

Foi o Sr. Joaquim Crisóstomo quem mais minuciosamente examinou a proposta em discussão, dizendo que ela não resolve o problema.

Pois é o que a proposta procura fazer, o prevê até o caso de se não poderem constituir as companhias, vendendo-se a entidades portuguesas, e justo era prever-se êsse caso porque não devia ficar um único navio sob a administração directa do Estado.

Falou o Sr. Joaquim Crisóstomo em proibições de concorrência de carreiras, mas não ficam inibidas as emprêsas particulares de concorrerem com os serviços do Estado com navios seus, mas não faz sentido que o Estado estabeleça emprêsas de que o em parte capitalista, e cujo déficit de receita êle vai suprir e permita que navios que lho pertencem venham a estabelecer a concorrência com êle.

A forma como o ministro encarou o problema e o pretendeu resolver, foi o que julgou melhor defender os interêsses do público.

Relativamente â questão das liquidações dos débitos junto com os navios, entendi que não era justo que se liquidassem os débitos e ao mesmo tempo se permitisse que a máquina continuasse a fazer novos débitos.

Sôbre a forma de liquidar êstes créditos, pode haver realmente alguns casos excepcionais em que alguns fornecedores tenham procurado locupletar-se à custa do Estado, porque não há regra sem excepção, mas o que é verdade é que muitos fornecedores fizeram fornecimentos ao Estado, uns a pronto pagamento, outros a 30 dias de prazo, e que alguns aumentaram os seus créditos com novos fornecimentos, talvez para não perderem a importância dos seus créditos anteriores.

Ora, eu tenho por princípio que o Estado deve ser o primeiro a dar o exemplo da correcção e a ensinar ao particular o princípio do bom pagador.

Devemos, por isso, procurar liquidar êsses débitos, embora rodeemos essa liquidação de todas as precauções.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - S. Exa. disse que êsses débitos constam de letras.

Página 20

20 Diário das Sessões do Senado

O Orador: - Uma letra aceite é um documento de dívida, mas isso não impede que a letra tenha sido aceite com favoritismo e que o Estado venha a ser defraudado.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Nesse caso o Estado é que deve provar que a letra é falsa.

O Orador: - Nós estamos fundamentalmente de acôrdo. O que eu desejo é que tudo quanto esteja devidamente fundamentado possa ser liquidado, o que não impede que, desde que surja a mais pequena dúvida sôbre o possuidor do crédito, êste não seja chamado aos tribunais para provar que êsse crédito é legítimo.

Quanto à questão do pessoal, devo dizer que, nem na proposta de lei inicial, nem nesta que se discute, se diz que os empregados serão despedidos imediatamente, mas em ambas se preceitua que êles serão despedidos à medida que forem sendo desnecessários.

Pelo que respeita à segurança da bandeira, a proposta em discussão rodeia e nossa bandeira de todas as garantias possíveis, dizendo, que os navios serão portugueses e que a navegação se fará sob a bandeira portuguesa. O que não há é forma de impedir que qualquer navio seja arrestado num porto estrangeiro.

No que toca ao porto de armamento, devo dizer que não me oponho à proposta do Sr. Joaquim Crisóstomo, no sentido de que o porto de armamento possa ser qualquer porto do país; no emtanto, eu chamo a atenção de S. Exa. para o facto de as emprêsas de navegação mais importantes terem as suas sedes em Lisboa, e que elas vão tomar conta de navios que já estão matriculados no porto de Lisboa. Por consequência, não acho vantagem em estabelecer que o porto de armamento não seja o de Lisboa.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Há muitos armadores que estão armando os seus navios fora de Lisboa, principalmente por causa das greves, porque êsse pessoal está sindicada, e assim oferece mais garantias estabelecer o porto de armamento fera de Lisboa.

O Orador: - Não me repugna aceitar que o porto de armamento seja qualquer porto do país.

Termino por afirmar que julgo uma obra de alto valor patriótico o acabar-se com essa situação em que se têm arrastado os Transportes Marítimos do Estado, entregando êsse serviço ao comércio particular, e pagando os débitos aos credores, alguns dos quais estão próximos da miséria, em riscos de falência, por terem confiado demais no Estado.

O Sr. Ribeiro de Melo: - Sr. Presidente: em obediência ás praxes parlamentares, começo por mandar para a Mesa a seguinte

Moção

O Senado, reconhecendo a necessidade e urgência de serem rigorosamente castigados os responsáveis pela criminosa administração dos navios dos Transportes Marítimos do Estado, continua na ordem do dia. - Ribeiro de Melo.

Sr. Presidente: seja-me permitido dizer ao Sr. Ministro do Comércio que sou uma das pessoas que lhe fazem Inteira justiça e que reconhecem que S. Exa., ao apresentar a sua proposta de lei, o fez na melhor das intenções, mas eu desejaria, segundo o meu modo de ver, que a frota dos Transportes Marítimos do Estado continuasse sob a administração do Estado, porque, se o Estado tem protegido criminosos, é porque na hora própria, ou no momento preciso, não se revestiu da autoridade necessária para castigar aqueles que delinquíram, aqueles que roubaram os dinheiros que eram da Nação Portuguesa.

Sr. Presidente: não me faço eco de nenhuma atoarda nem de boatos. Apenas possuo alguns elementos dei informação a que a imprensa de Lisboa fez referências e as quais o Sr. Ministro do Comércio foi certamente o primeiro a ler.

Nem para o director dos Transportes Marítimos do Estado, capitão Sr. Nunes Ribeiro, nem para quaisquer outros funcionárias, vai a insinuação de terem contribuído para a desmoralização que se aponta. Mas há factos que é preciso esclarecer.

Foi o 19 de Outubro que acabou com

Página 21

Sessão de 22 de Agosto de 1922 21

a desmoralização dos Transportes Marítimos do Estado. Mas a comissão então nomeada, ou por intermédio da polícia ou de quem quer que fôsse, permitiu ao Sr. Nunes Ribeiro que levantasse vários documentos que evidentemente lhe não pertenciam, mas que faziam parte do arquivo dos Transportes Marítimos.

Tenho comigo umas cartas datadas do Hamburgo, de que certamente o Sr. Ministro do Comércio se lembrará e que passo a ler, por assim o julgar de utilidade para esclarecimento do assunto.

Em seguida o orador U alguns documentos que não foram facultados à redacção.

Quere dizer, a administração dos Transportes Marítimos do Estado deixou retido por bastante tempo, no porto de Cap-Town, um dos seus navios. E isto fez-se numa administração do Estado, porque êles sabiam perfeitamente que, administrando um dos serviços autónomos, ficariam impunes dos maus actos praticados.

Eu sou diferente de muitos políticos que dizem não sacrificar a sua família, aos interêsses da República e da Pátria. Tenho provado sempre que me sacrifico e à minha família, quando se trata de defender a Pátria e a República.

Por isso não hesito em me sacrificar uma vez mais desde que seja mester acusar para bem servir o regime.

Sei que as sindicâncias no nosso país não têm dado os resultados que a opinião pública exige, mas eu quero acreditar que o Sr. Ministro do Comércio há-de empregar todas as diligências para que a sindicância instaurada aos Transportes Marítimos tenha um fim rápido, e que seja aquele que todos reclamam, qual é o castigo inexorável dos culpados. (Apoiados).

Não peço o castigo dos culpados por interêsses particulares; os meus interêsses são patrióticos, são os interêsses da nacionalidade portuguesa que reclamam para ,que se não decreto a falência do Estado, tirando da sua administração uma frota mercante que poderia ser bem aproveitada no desenvolvimento do inter-câmbio comercial com o Brasil e no estreitamento das relações comerciais com as colónias de além-mar, de reconhecida utilidade para o seu progresso económico.

Todos sabem e afirmam que desde que o actual administrador dos Transportes

Marítimos tomou a direcção dêste serviço tem dado ao Estado um lucro de 1:500 contos.

O que se torna necessário é acabar-se com as antigas agências, com tudo quanto se fez até em benefício de antigos Ministros.

Num Govêrno presidido pelo Sr. coronel Baptista numa hora dolorosa para a República, apareceu como Ministro da Marinha o oficial Sr. Júdice Bicker. Pois logo ouve outro Govêrno que fez do antigo oficial e ex-Ministro agente geral dos Transportes Marítimos no Brasil.

Só depois duma revolução é que êsse agente foi mandado regressar.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - Quem o mandou regressar fui eu.

O Orador: - Houve ordens terminantes para que regressasse ao continente o Sr. Júdice Bicker, que fora, como V. Exa. sabe, nomeado com largos proventos.

Mas não foi esta nomeação a que mais prejudicou a boa administração dos Transportes Marítimos, porque logo do início, ao estabelecerem-se as muitas agências no Brasil, se verificou que havia o propósito de fazer negócios em tudo e por tudo, ainda mesmo contra as patrióticas indicações dos cônsules que, depois de ouvirem as câmaras de comércio, aconselharam a escolha de honradas firmas portuguesas para representantes dos Transportes Marítimos.

Quem assim procede deve ir à barra dos tribunais responder pelos seus actos, quer se trate de director geral, quer de membros do conselho de administração ou ainda de ministros, que porventura consentiram que tais erros de ofício se praticassem.

Fala assim um republicano e é preciso que assim fale, porque sendo o Govêrno constituído por marechais do Partido Republicano Português, a cujo partido pertenço, deve ir ao encontro das reclamações de todos, mormente daquele lado da Câmara que poderá servir-se dêstes factos condenáveis para combater a República, que, afinal, não pode ser culpada, porque homens sem dignidade tam mal a serviram.

Página 22

22 Diário das Sessões do Senado

Faço-o, porque estou convencido de que presto um serviço à República o para que de futuro todos os Ministros pratiquem uma administração honesta, honrada e limpa.

E isto que tenho a dizer.

Apesar de ter tantos elementos de combate para esta proposta não quero servir-me dolos, para que V. Exa. o Senado se convençam de que eu não tenho senão o desejo e o fim patriótico de evitar a transferencia dos navios da frota mercante do Estado para entidades particulares, que hão-de apenas cuidar dos seus interêsses sem se importarem com os da nação.

Repito, esta proposta terá o meu voto contrário.

Não entrarei na discussão da especialidade e farei a declaração de voto justificando a razão por que lho sou contrário.

Tenho dito.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - Sr. Presidente: quando em 1917 eu fui Ministro desta pasta eu tinha a opinião e defendi o princípio da administração dos navios por conta do Estado, querendo à testa dêstes serviços pessoas competentes. Durante êsse tempo, posso afirmá-lo, as receitas dos navios eram abundantes e tendo até recebido o balancete, prova de que as contas andavam em dia.

Houve administração nessa época, cobraram-se receitas o defenderam-se os interêsses do Estado.

Recordo-me que fiz um contrato com vários agricultores para obter o indispensável para produção de trigo em Portugal.

Quando vi os Transportes Marítimos transformados numa repartição burocrática, convenci-me que deviam ser entregues à indústria particular. E essa idea que eu defendo.

O Sr. Silva Barreto: - Requeiro prioridade na votação para a proposta do Sr. Gaspar de Lemos.

E aprovado êste requerimento.

É aprovada a proposta do Sr. Gaspar de Lemos, ficando por isso prejudicadas iodas as outras.

Posta à votação a generalidade da proposta de lei, é aprovada.

O Sr. Silva Barreto: - Requeiro que a sessão seja prorrogada até as 20 horas.

É aprovado êste requerimento.

Passando-se à especialidade, entra em discussão o artigo 1.°

O Sr. Gaspar de Lemos: - Mando para a Mesa duas propostas de emenda.

"Proponho que na alínea a) do § 1.° do artigo 1.° se substitua n palavra "vice-presidente" por "presidente". - Gaspar de Lemos."

"Proponho que no artigo 1.° e em seguida às palavras "nesta lei" se acrescente "e que seria denominada Comissão de Liquidação dos Transportes Marítimos do Estado". - Gaspar de Lemos-".

São sucessivamente lidas na Mesa e admitidas.

O Sr. Vicente Ramos: - Por êste artigo é criada uma comissão para promover a transferência da frota. Essa comissão divide-se em duas sub-comissões.

Parecia-me que devia ser indicado para a segunda snb-comissão mais um elemento que julgo indispensável para o bom andamento dos negócios do que se vai ocupar.

Nesse sentido vou mandar para a Mesa uma proposta.

Porque se transformaram os Transportes Marítimos numa administração burocrática e política e se chegou ao descalabro que todos conhecem;

Sr. Presidente: vai tratar-se do destino da frota. Eu julgo que há toda a conveniência em que faca parte desta sub-comissão, para bem elucidar todos os seus vogais, o presidente da que ùltimamente foi nomeada.

Eu vou mandar para a Mesa a minha proposta e peço ao Sr. Ministro do Comércio a sua informação sôbre a conveniência da sua adopção, porque as palavras de S. Exa. certamente influirão no ânimo da Câmara.

Sr. Presidente: desde Fevereiro do ano corrente até agora a administração dos Transportes Marítimos do Estado tem sido cuidadosa e tam zelosa que deu um lucro mão inferior a 2:000 contos. No primeiro ano da administração dos barcos que ficaram ao serviço do país houve um

Página 23

Sessão de 22 de Agosto de 1922 23

lucro de 112 por cento sôbre o valor dêsses barcos, ao passo que o lucro sôbre o valor dos que foram entregues à Furness foi apenas do 20 por cento.

Não devo atribuir-se somente à falta de tonelagem mundial e, portanto, à superabundância de cargas aquele resultado. Para êle concorreu, em grande parte, a boa administração dos Transportes Marítimos, que foi, digamos, uma administração comercial.

Depois, a burocracia o a política, aliadas à incompetência dó uns e desleixo de outros, conduziram aquela administração, que deveria ter sido uma fonte de riqueza para o país, ao desastroso resultado que todos conhecemos o deploramos.

Sr. Presidente: o Sr. Ministro do Comércio, reconhecendo o valioso serviço prestado pelo actual presidente da comissão administrativa dos Transportes Marítimos, não deixará, creio eu, de perfilhar a minha proposta.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a proposta de emenda mandada para a Mesa pelo Sr. Vicente Ramos.

Lida na Mesa a proposta de emenda, foi admitida, ficando em discussão conjuntamente com o artigo.

O Sr. Gaspar, de Lemos: - Sr. Presidente: pedi a palavra simplesmente para declarar em nome da comissão que aceito a proposta apresentada pelo Sr. Vicente Ramos.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - Sr. Presidente: declaro que aceito não só as propostas apresentadas ao artigo 1.º, como também as da comissão.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Sr. Presidente: no artigo em discussão estabelecem-se duas comissões: uma destinada à liquidação dos Transportes Marítimos do Estado e outra encarregada de fazer a entrega da frota marítima a uma emprêsas particular.

A segunda julgo-a bem organizada o que não se observa em relação à primeira:

Na parte propriamente técnica, isto é, para estudar e apreciar as reclamações de créditos, não há dúvida que na referida comissão figuram três entidades que oferecem todas as garantias de competência, imparcialidade e rectidão.

Há porém a classe comercial que se não acha devidamente representada, e que devo colaborar na comissão, porque tem interêsses importantíssimos a defender.

Os credores dos Transportes Marítimos querem receber os seus créditos, e por isso convém que na comissão encarregada de mandar efectuar os pagamentos intervenha um delegado da associação comercial.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto) (interrompendo): - Devo dizer a V. Exa. que da comissão faz parte, em tríplice, um comerciante da Associação Comerciai de Lisboa. - É a alínea e), § 2.°, que diz:

"Um comerciante, indicado, em lista tríplice, pela Associação Comercial de
Lisboa".

O Orador: - Nesse caso está bem. mas. a culpa do meu êrro é tam somente do Senado que autorizou a discussão desta proposta som que ela houvesse sido impressa, distribuída e dada para ordem do dia.

Sr. Presidente: também desejaria que ficasse consignado que o juiz do Tribunal do Comércio ou Relação, o adjunto da Procuradoria da República, o vogal do Conselho Superior de Finanças e o director da contabilidade do Ministério do Comércio não pudessem acumular as suas funções com as que lhe são conferidas, na qualidade de vogais da comissão de liquidação dos Transportes Marítimos do Estado.

Constitui um princípio de alta moral extinguir e proibir quaisquer acumulações, porque muito bem diz o povo "quem dois amos quere servir a algum dêles há-de mentir".

É de absoluta conveniência que fique consignado na proposta que os funcionários a quem forem confiadas as atribuições de liquidatários dos Transportes Marítimos não as possam acumular com os seus cargos.

Êles devem ser os primeiros a reconhecer que o dia tem só 24 horas e que

Página 24

24 Diário das Sessões do Senado

não lhes é possível desempenhar com probidade os dois cargos.

O grande mal da nossa administração pública são as acumulações.

Conheço funcionários, que, para o efeito de receberem vencimentos, acumulam mais de 4 emprêgos, quando afinal não produzem trabalho que os habilite a auferir o ordenado correspondente a nenhum dêles.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lime Basto): - Eu não sei quais as consequências que isso poderia trazer para êsses juizes.

Êstes juizes vão receber apenas 200$ por mês, e nós não lhes podemos impor que por 200$ deixem as suas funções dos tribunais.

O Orador: - Está V. Exa. muito enganado.

Os juizes da Relação e do Tribunal do Comércio têm muito que fazer no exercício, dos cargos que desempenham, e portanto, não poderão acumular as suas funções cora as do membros da comissão liquidatária dos Transportes Marítimos.

Se esta proposta não é, como a primeira,, vasta, parece uma mistificação destinada a iludir as exigências e a abrir uma trégua na campanha feita pela imprensa contra o Gevêrno, estou certo que V. Exa. terá de concordar com a minha opinião. Ou se é juiz para julgar causas, ou se é vogal duma comissão para apurar responsabilidades civis e criminais. As duas cousas ao mesmo tempo é que não pode ser. Quanto a vencimentos, o Sr! Ministro do Comércio sabe perfeitamente que quem quere bons funcionários o primeiro que tem a fazer é pagar-lhes generosamente. Se se trata dum nicho, para dar mais 200$ a qualquer juiz, então o melhor é mandar-lhos a casa todos os meses e meter na comissão um oficial de diligências da Boa Hora.

Envio para a Mesa uma emenda.

Foi admitida.

Proponho que ao § 1.° seja acatado ama alínea f). Um comerciante indicado, em lista tríplice, pela Associação Comercial de Lisboa. - Joaquim Crisóstomo.

Proponho que seja aditado o seguinte:

Os empregados de bordo que exerceram as suas funções durante a guerra, no serviço de Transportes Marítimos, embora estrangeiros podem ser contratados e continuar ao serviço nos navios que forem adjudicados a companhias e sociedades que ao abrigo desta lei se formarem. - Joaquim Crisóstomo.

Foram admitidas.

Postas à votação as emendas do artigo 1.°, foram aprovadas.

Posta à votação a primeira proposta do Sr. Joaquim Crisóstomo, foi aprovada.

Posta à votação a segunda proposta do Sr. Joaquim Crisóstomo.

Foi rejeitada.

Posto à votação o artigo 1.°, salvo as emendas já votadas, foi aprovado.

É lido o artigo 2.°

O Sr. Querubim Guimarães: - Sr. Presidente: eu apresento a V. Exa. e à Câmara umas observações sob o ponto de vista de técnica jurídica e que me parece serem de aceitar.

Há duas sub-comissões: uma que trata do apuramento dos débitos e créditos dos Transportes Marítimos e outra que trata de promover a transferência da frota.

No artigo 2.° agora em discussão diz-se:

Leu.

Parece-me que esta função não é exclusiva da segunda comissão, pois estão aqui atribuições que pertencem melhor à primeira comissão.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - Parecendo à primeira vista que se deveria seguir- o critério do Sr. Querubim Guimarães, êle não pode no emtanto merecer a minha aprovação, visto que salta muito claramente à vista as atribuições de cada urna das comissões. Se vamos especificar amiudadamente essas atribuições, isso poderá, causar grandes entraves.

A Câmara dos Deputados teve o cuidado de criar estas duas comissões mas sem serem completamente independentes.

Liquidar, por exemplo, débitos e créditos, implica muitas vezes com determinados casos que podem pertencer à liquidação da, frota, e portanto é conveniente que essas duas comissões tenham qualquer ligação.

O Sr. Querubim Guimarães: - Em vista das explicações do Sr. Ministro do Comer-

Página 25

Sessão de 22 de Agosto de 1922 25

cio, eu, em vez da proposta que tencionava mandar, envio para a Mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que ao artigo 2.° se adite um parágrafo concebido nos seguintes termos: "§ 3.° Quando haja dúvidas sôbre a qual das sub-comissões pertence qualquer das atribuições a que se refere o artigo 2.°, a comissão liquidatária reunirá em conjunto e resolverá". - Querubim Vale Guimarães.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - Eu não tenho dúvida em aceitar um parágrafo estabelecendo que as dúvidas que se possam levantar, sejam resolvidas pelas duas comissões reunidas.

O Sr. Gaspar de Lemos: - Mando para a Mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que na alínea b) do artigo 2.° se acrescente à palavra "preferência" as palavras "na aquisição destes" - M. Gaspar de Liamos.

Foi admitida.

É lida a proposta do Sr. Querubim Guimarães.

Foi admitida.

Posto à votação o artigo 2.° foi aprovado, bem como o aditamento do Sr. Gaspar de Lemos.

Posta à votação a proposta do Sr. Querubim Guimarães, foi aprovada.

Foram seguidamente aprovados sem discussão os artigos 3.°, 4.° e 5.°

É lido o artigo 6.°

O Sr. Álvares Cabral: - Todos sabem as dificuldades com que actualmente lutam as companhias de navegação.

Durante a guerra a indústria marítima deu muitos lucros, mas actualmente todas as companhias de navegação lutam com dificuldades. Os Transportes Marítimos cederam um dos seus vapores- à Emprêsa Insulana de Navegação, vapor que está prestando muito bons serviços às ilhas; se amanhã, se fizer a adjudicação de todos os navios a uma emprêsas que se forme, êsse navio que se acha ao serviço da Emprêsa Insulana substituindo um velho vapor que está incapaz de fazer um bom
serviço, devido às suas exíguas dimensões tem de ser retirado das carreiras dessa Emprêsa, o que causará grandes prejuízos aos povos dos arquipélagos dos Açôres e da Madeira.

Eu tenho aqui dois telegramas em que se pedem que êsse vapor que é o Lima seja cedido a essa Emprêsa, por igualdade de preço e sem prejuízo para o Estado.

Nesta ordem de ideas, mando para a Mesa uma emenda do teor seguinte:

"Proponho que fique o Govêrno autorizado a retirar da frota um navio para ser cedido a uma emprêsas que faça a carreira dos distritos insulares".

"§ novo. E mantido o decreto n.° 7:814, de 17 de Novembro de 1921, que manda proceder a uma sindicância aos serviços dos Transportes Marítimos do Estado, continuando o resto do artigo 19.° da proposta primitiva do Ministro. - Álvares Cabral - Ribeiro de Melo.-"

É admitida.

O Sr. Gaspar de Lemos: - Em nome da comissão de comércio, declaro que não concordo com a proposta do Sr. Rodrigo Cabral.

Mando para a Mesa as seguintes propostas:

Proponho que no n.° 2 do artigo 6.° se acrescente a palavra "sociedade" nu "sociedades". - M. Gaspar de Lemos.

"Proponho que no n.° 3.° do artigo 6.°. se substitua a palavra "obrigar-se há" por "ou sociedades obrigar-se há". - M. Gaspar de Lemos.

Foram admitidas.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - A proposta do Sr. Álvaro Cabral com contrariar os fins a que visa o projecto.

Se isso ficasse, amanhã um indivíduo que tinha fretado um navio, vem pedir opção.

Chegava a não se organizar companhia nenhuma, e entregava-se tudo a emprêsas de caracter particular.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - Aceito as propos-

Página 26

26 Diário das Sessões do Senado

tas do Sr. Gaspar de Lemos e da comissão.

Compreendo as intenções do Sr. Álvaro Cabral que pretendia servir os Açôres com um navio.

Mn s a sua idea generalizada como se apresenta dava um resultado contraproducente, e inutilizava a técnica da proposta em discussão.

Só qualquer navio que sobrasse, como talvez suceda com um veleiro existente, é que será o único a ser alienado pela Fazenda.

A idea do Sr. Álvaro Cabral dava como resultado uma opção larga de mais pára a economia do projecto.

O Sr. alvares Cabral: - Recebi, como já disse, dois telegramas dos Açôres pedindo a permanência naquela carreira do vapor Lima.

Vejo, porém, com espanto, que alguns Senadores, por aquele distrito se opõem a êste desejo.

Diz o Sr. Ministro que a minha proposta foi mal apresentada. Todavia, se S. Exa. concordar, eu apresentarei outra emenda para que se reserve para a carreira dos Açôres o vapor Lima.

Tenho dito.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - Sr. Presidente: a Câmara é que tem de decidir em última análise.

O que o Sr. Rodrigo Cabral invoca é uma preferência para a Emprêsa Insulana de Navegação, que tem dois vapores e à qual, com frete barato, com risco até de defraudar os interêsses do Estado, procurei dar facilidades para não prejudicar os povos açoreanos.

Vozes: - Apoiado! Apoiado! E assim mesmo que se faz!

O Orador: - O que me parece melhor é, talvez, tirar da frota um vapor para ser vendido na condição de empregar-se em qualquer carreira de interêsse nacional.

Creio que assim se poderão satisfazer os desejos do ilustre Senador.

O Sr. Presidente: - Eu peço a atenção da Câmara para êste artigo, porque há

nele aditamentos, emendas e eliminações, tendo o Sr. Ministro do. Comércio declarado já que aceita as alterações da comissão.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto V. - Sr. Presidente: na primeira, emenda do n.° 3.º do artigo 6.º diz a comissão:

Leu.

Talvez fôsse preferível redigir doutro modo. Assim, taxativamente se impõe que o fundo não é senão 5 por cento dos lucros que podem não existir.

Mas o lucro teria de ser 5 por cento líquido. É obrigatório haver um fundo, conquanto que êle não seja inferior a 5 por cento.

O Sr. Gaspar de Lemos: - Sr. Presidente: a intenção da comissão foi apenas esclarecer a lei. A comissão o que fez foi apenas elevar a 10 por cento. Contudo, eu não tenho dúvida nenhuma em aceitar as observações do Sr. Ministro do Comércio.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - Sr. Presidente: o fundo que o artigo impõe é um fundo de amortização para renovação da frota. Mas concordo em que não valerá a pena emenda.

Posta à votação a proposta de emenda do Sr. Gaspar de, Lemos, foi aprovada.

O Sr. Álvares Cabral: - Sr. Presidente: peço a V. Exa. que consulte a Caruaru sôbre se permite que eu substitua a proposta que enviei há pouco por outra que vou enviar e que está redigida nos termos que o Sr. Ministro indicou.

Foi autorizada a substituição.

Posto à votação o artigo 6.° foi aprovado, bem como as emendas da comissão e o parágrafo proposto pelo Sr. Alçares Cabral.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o artigo 7.°

O Sr. Alvas Monteiro (para um requerimento): - Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que consulte a Câmara sôbre se dispensa a leitura dos. artigos desta proposta.

Foi concedido.

Página 27

Sessão de 22 de Agosto de 1922 27

O Sr. Vera Cruz: - Envio para a Mesa a seguinte proposta de aditamento:

"Proponho que ao artigo 7.°, n.° 1, a) à segunda palavra "Guiné", se acrescentem as palavras: "compreendendo a cabotagem entre as ilhas daquele arquipélago". Augusto Vera Cruz.

Eu não preciso justificar esta minha proposta porque as reclamações repetidas que eu tenho feito à Câmara são suficientes para que o Senado esteja elucidado sôbre a necessidade de se estabelecer a navegação entre aquelas ilhas.

Há toda a conveniência em que elas tenham comunicação entre si.

Foi admitida.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - Declaro que aceito a proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Vera Cruz.

O Sr. Gaspar de Lemos: - Pedi a palavra para declarar que, como relator, também aceito a proposta do Sr. Vera Cruz.

O Sr. Querubim Guimarães: - Eu peço ao Sr. Ministro do Comércio a fineza de me explicar porque é que está aqui esta palavra "eventualmente".

Se, porventura, eu me der por satisfeito não continuarei no uso da palavra.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - Esta palavra "eventualmente" está propositadamente posta pelo seguinte: nós temos toda a vantagem patriótica em estabelecer ligação entre a metrópole e todas as nossas colónias.

No emtanto, isso depende de um concurso e de um subsídio.

Se o subsídio a estabelecer para que se faça a carreira da índia fôr bastante oneroso para o Estado, evidentemente que essa carreira não poderá ser estabelecida.

Se, porventura, se chegar a estabelecer essa carreira e a prática indicar que o subsídio que o Estado der não é compensado de forma alguma pela manutenção da carreira, fica a emprêsas fazendo as outras carreiras, sem ter obrigação de fazer a da índia;

E por isso que aqui está esta palavra "eventualmente".

Ficando aqui esta palavra, pode-se suprimir essa carreira, quando se reconhecer que os encargos com a sua manutenção não são compensados.

O Sr. Querubim Guimarães: - Eu aceito como boas as explicações dadas pelo Sr. Ministro do Comércio, e desde já fico sabendo que o facto de haver ou não ligação com a índia fica dependente de dar ou não resultado a exploração dessa carreira.

O Sr. Joaquim Crisóstomo - Eu pedi a palavra para fazer umas ligeiras observações ao disposto no § 3.°

Êste artigo 6.° estabelece que os navios obedecerão sempre às prescrições do acto geral de navegação, devendo toda a tripulação ser portuguesa.

Eu acho demasiadamente rigoroso êste preceito, porquanto eu entendo que se deve abrir uma excepção para aqueles que durante a guerra exerceram as suas funções nos navios dos Transportes Marítimos.

Principalmente aqueles estrangeiros que exerceram o lugar de criados de mesa, chamados vulgarmente galegos, eu entendo que se não deve proibir às emprêsas a formar o poderem contratá-los.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - Eu não concordo com o critério do Sr. Joaquim Crisóstomo, porquanto nós devemos reservar para portugueses êsses lugares.

Um dos pontos mais debatidos na Câmara dos Deputados foi o de garantir para os portugueses a tripulação dos navios da sua nacionalidade.

Pelo acto de navegação, três quartas partes da tripulação deve ser portuguesa, mas insistiu-se muito na outra Câmara para que toda a tripulação fôsse portuguesa, e assim ficou resolvido.

No momento em que todos procuram fazer economias de pessoal para deminuir as despesas, é natural que sobrem os portugueses.

Não vejo, portanto, razão para se abrir uma excepção aos tripulantes estrangei-

Página 28

28 Diário das Sessões ao Senado

ros, embora já tenham prestado serviços nos Transportes Marítimos.

Não devemos ir dar emprêgo a êstes, para que os portugueses fiquem desempregados.

O Sr. Joaquim Crisóstomo (interrompendo): - Evidentemente, que não se deve impor às companhias a obrigação de aceitarem êsse pessoal, mas também o que se não deve é proibir de o poderem contratar.

O Orador: - Apesar disso, permita-me V. Exa. que eu mantenha a minha opinião de que se deve reservar para portugueses o tripularem navios portugueses.

O Sr. Gaspar de Lemos: - Sr. Presidente: não posso concordar, em nome da comissão de comércio, com essa emenda, nem com as considerações que a tal respeito fez o ilustre Senador Sr. Joaquim Crisóstomo.

Os nossos marinheiros da marinha mercante estiveram durante a guerra expostos ao perigo e muitos dos nossos navios foram torpedeados.

Bateram-se muitos dêles contra o inimigo, sendo tam valentes como os militares.

Dadas estas razões, eu não posso concordar com a emenda de S. Exa.

Foi aprovado o artigo 7.° com a sua alínea e parágrafo, bem como a proposta do Sr. Vera Cruz e rejeitada a emenda do Sr. Joaquim Crisóstomo.

Entra em discussão o artigo 8.°

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - Pedi a palavra para declarar que concordo com as emendas propostas pela comissão ao artigo 8.°

Foi aprovado o artigo 8.°, salvo as alterações da comissão de comércio.

Entram em discussão as alterações da comissão de comércio.

O Sr. Querubim Guimarães: - O que está em discussão são as emendas propostas pela comissão de comércio na parte em que ela propõe acrescentar as palavras:

Leu.

As minhas dúvidas são com respeito à segunda proposta de emenda, que não entendo bem. Desejava que o Sr. relator me explicasse.

O Sr. Gaspar de Lemos: - Quer isso dizer, representado por outros valores. Mas V. Exa. propõe a emenda neste sentido que eu aceito-a.

O Sr. Querubim Guimarães: - Envio para a Mesa a seguinte proposta:

Proponho que em vez da palavra "efeitos" da emenda apresentada pela comissão de comércio fique consignada a palavra "valores". - Querubim do Vale Guimarães.

O Sr. Álvares Cabral: - Requeiro a V. Exa. para consultar o Senado sôbre a conveniência de se prorrogar a sessão até se votar esta proposta de lei.

Consultado o Senado, foi aprovado.

Foram lidas na Mesa, admitida e aprovada pelo Senado a proposta de emenda do Sr. Querubim Guimarães de substituição de palavras, outra da comissão de comércio, de substituição de palavras e uma de aditamento. Aprovados seguidamente os artigos 9.°, 10.° e 11.°, salvo as alterações propostas pela comissão ao artigo 11.°

O Sr. Querubim Guimarães: - Tenho aqui uma nota para propor uma emenda ao artigo 11.°

Se houver outra entidade que faça as carreiras em melhores condições, parece-me que a não devemos sacrificar. Desejava que o Sr. Ministro do Comércio me dissesse o que pensa a êste respeito.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - A comissão propunha na sua emenda substituir o exclusivo por preferência, mas eu não concordava com essa emenda porque não acho justo que o Estado vá dar a outra emprêsas condições de prejudicar aquela de que o próprio Estado é societário.

O Sr. Querubim Guimarães: - Eu concordo antes com o parecer da comissão. Mando por isso a seguinte proposta para a Mesa:

Proponho que ao artigo 11.° seja aditado o seguinte § único:

§ único. Deixará de se dar o exclusivo e apenas a preferência quanto ao trans-

Página 29

Sessão de 22 de Agosto de 1922 29

porte de colonos passageiros a cargo do Estado, a que se refere o texto do artigo, sempre que o Estado não tenha participação nos lucros da emprêsas exploradora dos navios. - Querubim Vale Guimarães.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - As emprêsas hão-de ter toda a conveniência em que os preços das suas passagens e da carga possam fazer concorrência com os preços das outras emprêsas que fazem o mesmo serviço. E nestas condições, vemos que as emprêsas têm toda a vantagem em não estabelecer preços mais altos, porque têm a concorrência das carreiras alemã 'e francesa.

Mas, emfim, a idea do Sr. Querubim Guimarães pode estabelecer-se por meio de um parágrafo, dizendo que a preferência será dada quando o Estado não tiver participação no capital da sociedade.

Lida na Mesa, foi admitida a proposta do Sr. Querubim Guimarães.

Foi aprovado o artigo 11.° salvo as propostas da comissão e a do Sr. Querubim Guimarães, ficando prejudicada a primeira parte da proposta da comissão.

E entrou em discussão o artigo 12.°

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar que não concordo com o § 5.° do artigo em discussão, que dispõe o seguinte:

"Os navios cedidos por esta forma não poderão ser empregados, em concorrência com os serviços estabelecidos, por meio dos concursos a que se refere o artigo 7.°".

Parece-me que esta doutrina não deve merecer a aprovação da Câmara.

Desde que o Estado concede um determinado subsídio às companhias que se organizarem, tendo por objecto a exploração dos navios da nossa frota mercante, e ainda se lhes concedem outras prerrogativas, evidentemente que essas companhias ficam em tais condições de superioridade, que não devem temer a concorrência de qualquer emprêsas.

Ninguém presentemente emprega o seu capital, sobretudo nos países pequenos, em negócios arriscados, como seria a compra dum navio, destinado a fazer concorrência às carreiras duma importante companhia de navegação.

Na América do Norte, uma sociedade anónima com a designação de Shipping Board perdeu mais de dois biliões de dólares em poucos anos e de então para cá nenhuma outra emprêsas tentou fazer concorrência às companhias subsidiadas pelo Estado.

Sou partidário da absoluta liberdade de comércio e de indústria, porque as medidas restritivas só servem para dificultar o desenvolvimento da produção e criar obstáculos à circulação das riquezas.

E pela concorrência que se consegue o barateamento dos géneros e a melhoria de condições de vida. Os monopólios são sempre odiosos e unicamente se justificam como meios financeiros, de que os Estados lançam mão, para auferirem mais elevadas receitas. No caso presente, o intuito do Govêrno visa facilitar a adjudicação dos navios, por grupos. Não julgo essa causa fundamento suficiente para me convencer a votar o parágrafo em discussão. A boa lógica manda eliminá-lo. Não é de certo a circunstância de alguns dos piores navios poderem ser comprados e empregados na exploração, fazendo concorrência às carreiras que as companhias adjudicatárias se propuserem efectuar, que as afastará do concurso. Sejamos criteriosos para que não nos acusem de incompetentes.

Tenho dito.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - Sr. Presidente: a êste artigo fez a comissão várias emendas que eu vou apreciar, e com algumas das quais eu não concordo.

A primeira emenda da comissão é para serem suprimidas do corpo do artigo as palavras "de preferência".

Ora, tirando as palavras "de preferência", ficará a alteração obrigatória em concurso público, com o que eu não concordo.

Eu entendo que nos navios que tenham de ser vendidos, embora se abra concurso público, deve o Estado ficar com o direito de os poder vender sem ser em concurso público. E a razão é muito simples não são abundantes os compradores dêste artigo, e por consequência, para cada navio a alienar, não devem afluir os concorrentes.

De forma que, se por uma disposição

Página 30

30 Diário das Sessões do Senado

da lei nós tornarmos obrigatória a adjudicação em concurso público, os concorrentes já sabem que os concursos se hão-de repetir tantas vezes quantas forem precisas para os navios serem alienados. E por isso, apesar de todas as acusações que me pudessem fazer, eu não tenho dúvida em propor que os navios serão vendidos, mesmo sem concurso.

Quanto á, proposta do Sr. Joaquim Crisóstomo, não concordo também com ela, como não concordo também com a da comissão.

Eu não afasto a concorrência, e deixo a todas as emprêsas a exclusiva concorrência.

O trabalho que nós estamos fazendo, porque acaba com a administração dos Transportes Marítimos, é também um trabalho de administração.

Assim, pretende-se estabelecer as carreiras para as nossas colónias, de forma a que se estabeleçam as ligações que existiam antes da guerra.

Todos devemos amparar as emprêsas que se formarem, para que elas possam, desenvolver-se, a fim de que, de futuro, estejam em condições de dispensarem o subsídio.

Os navios que nos pertencem seriam aplicados a outros fins de utilidade nacional.

Não deixemos às emprêsas facilidade em concorrer aquilo em que vamos perder, dinheiro.

Eis a razão por que não posso concordar com essa emenda.

Não concordo também com a substituição referente ao n.° 1.°

A sociedade pode ser composta de um português e muitos estrangeiros e as acções podem ser possuídas por estrangeiros.

Portanto, não posso concordar com a eliminação da palavra "preferência".

O Sr. Querubim Guimarães: - Parece-me que o artigo 13.° que está na proposta inicial deve passar a 12.° e o 12.° a 13.°

A boa técnica aconselha a que se estabeleça que a adjudicação dos navios seja feita em concurso e só depois se determine a repetição do concurso por uma, duas ou três vezes, e, em seguida, venha a disposição que manda fazer a adjudicação em particular.

Nem sempre o concurso público traz vantagem.

Quem não vê como correm os serviços de arrematação em hasta pública é que pôde afirmar o contrário.

Aceito, portanto, nesta parte o critério do Sr. Ministro do Comércio.

O Sr. Gaspar de Lemos: - Concordo com as considerações feitas pelo Sr. Querubim Guimarães. relativamente aos artigos 12.° e 13.°

Não me parece que haja conveniência em manter o n.° 5.°, porquanto êle não defende, como se julga, o Estado.

Acho demasiado o critério das exclusões de qualquer capital estrangeiro.

Num segundo concurso devia-se permitir a concorrência de qualquer capitalista estrangeiro.

O Sr. Querubim Guimarães: - Devia êsse critério da comissão estar subordinado a uri outro que não foi o que presidiu à redacção do n.° 1.° do artigo 6.°

Não olhamos à hipótese do segundo concurso que é o do artigo 13.°

É aprovado o artigo 12.°

São aprovadas substituições de palavras a êsse artigo.

Aprova-se no n.° 2.° aditamentos.

É rejeitado o n.° 5.°

Feita a contra-prova a requerimento do Sr. Joaquim Crisóstomo, verifica-se o mesmo resultado.

Posta à votação a proposta do Sr. Querubim Guimarães para que o artigo 13.° passe a ser 12.° e o 12.° passe para 13.°, foi aprovada.

É pôsto à discussão o artigo 13.° da proposta, que passa a ser 2.°

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - Propôs a comissão que se acrescente a êste artigo as palavras que a Câmara conhece.

Eu devo dizer em primeiro lugar que o artigo introduzido na proposta não foi da minha iniciativa.

O repetirem-se os concursos em iguais condições não é da minha iniciativa, mas da iniciativa de um Sr. Deputado do Partido Reconstituinte.

Eu julgo que havendo as bases gerais do concurso a concessão deve girar em volta de 2 pontos: um, o número de via-

Página 31

Sessão de 22 de Agosto de 1922 31

gens por cada carreira, e o outro, o número de subsídios.

Estabelecer mais viagens e pedir menos subsídios parece-me que deve ser êste motivo de preferência.

Julgo êste critério mais aceitável do que o estabelecer-se que os concursos se repetirão sempre em iguais condições.

O Sr. Gaspar de Lemos : - Eu concordo com as considerações do Sr. Ministro do Comércio, e por isso entendo que êste artigo não pode ficar como está no texto, por isso que é absurdo repetir-se o concurso em iguais condições.

Parecia-me que esta parte deveria ficar assim: "repetir-se há em mais favoráveis
condições".

Nestas condições mando para a Mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que no artigo 13.° se substitua a palavra "iguais" por "mais favoráveis". - M. Gaspar de Lemos.

Admitida.

O Sr. Querubim Guimarães: - Eu entendo que mesmo a proposta do Sr. Gaspar de Lemos pode dar logar a receios de que o Estado possa ficar prejudicado.

Segundo a lei geral de processo, a segunda praça é por metade do valor, e a terceira praça é por qualquer valor.

Querendo fugir a qualquer má intenção de prejudicar o Estado para beneficiar o particular, a comissão apresentou uma proposta de emenda, e o Senador Gaspar de Lemos acaba também de apresentar outra proposta.

Parece-me que há razões para que subsista êsse receio, apesar das duas propostas, e por isso eu entendo que em lugar da palavra "favoráveis" como propõe o Sr. Gaspar de Lemos, se ponha as palavras "em novas condições".

Parece-me que é êste o melhor critério.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - Eu aceito a supressão das palavras "em iguais condições", e substituí-las, por exemplo, por aquelas que constam da proposta do Sr. Querubim Guimarães.

Posta à votação a proposta da substituição, foi aprovada, ficando prejudicado o artigo.

Posta à votação a proposta da comissão eliminando o artigo 14.°, foi aprovada, Entra em discussão o artigo 15.°

O Sr. Querubim Guimarães: - O artigo 15.° trata dos vencimentos a receber pelos membros da comissão liquidatária.

Eu entendo que em lugar de "vice-presidente" fique apenas "presidente", devendo portanto esta parte ficar redigida nesta conformidade.

Relativamente a vencimentos eu desejaria que o Sr. Ministro do Comércio me explicasse se porventura os vencimentos do presidente e dos secretários têm uma gratificação suplementar líquida, isto além dos 200$ que recebem como membros da comissão, porque pelo facto de serem presidente ou secretários da comissão, não deixam, a meu ver, de ser membros da mesma comissão.

Se porventura assim é, êles recebem além dos 200$ como membros da comissão, mais 200$ sendo presidente e mais 100$ sendo secretários.

O meu critério é o do menor dispêndio possível, mas, como a função de presidente é indubitavelmente uma função de responsabilidade, e a função de secretário uma função de trabalho, eu não deixo de concordar que tenham uma gratificação maior do que a dos outros membros da comissão.

Mas, eu não sei se porventura a gratificação suplementar estará em relação com o aumento de trabalho, porque essa gratificação suplementar é nem mais nem menos que o dôbro.

Parece-me que mais 100$ seria uma gratificação suplementar muito razoável, mas agora ser o suplemento igual ao ordenado, acho demais.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - É-me indiferente o vencimento que se fixa aos membros do conselho de administração.

Entra em discussão o artigo 16.°

O Sr. Ramos da Costa: - Parece-me que a redacção dêste artigo não está bem, porque não estabelece com equidade o pagamento aos empregados que são despedidos.

Acho conveniente a sua modificação e

Página 32

32 Diário das Sessões ao Senado

por isso proponho a sua substituição pelo seguinte:

"A comissão irá dispensando o pessoal de terra â medida que fôr desnecessário, começando pelos mais modernos, e fará regressar aos respectivos lugares os funcionários doutros quadros, sendo concedido ao pessoal dispensado e que não pertença na efectividade á qualquer, outro serviço do Estado, uma indemnização equivalente a um mês de vencimento e subvenção que auferir, por cada seis meses que tiver de serviço efectivo, ficando com iguais direitos como se à data da publicação desta lei estivessem ao serviço todos os empregados que foram dispensados depois da publicação do decreto n.° 7:797, e que à data tivessem mais de 6 meses de bom serviço". - Francisco de Sales Ramos da Costa.

Aproveito a ocasião de estar no uso da palavra para enviar para a Mesa outra proposta do artigo 16.°-A.

Êsses funcionários têm 'preferência em emprêgos públicos visto que já estão empregados, sendo por isso natural que sejam preferidos.

Por isso proponho o seguinte:

Artigo 16.°-A Os empregados dos Transportes Marítimos do Estado que por serviços prestados à Pátria e à República se encontrem ao abrigo do disposto no artigo 2õ.° da lei n.° 1:170 inserta no Diário do Govêrno n.° 10o, 1.ª série, de 21 de Maio de 1921, serão colocados na mesma categoria e como adidos nas secretarias do Estado e suas dependências até que possam ser colocados definitivamente em qualquer serviço do Estado. - Francisco de Sales Ramos da Costa.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - É para declarar que aceito as propostas mandadas para a Mesa pelo Sr. Ramos da Costa.

A primeira proposta parece-me que devia ser considerada em duas partes. Propõe o Sr. Ramos da Costa que em vez de se despedirem em igualdade de circunstâncias todos os empregados, se tenha era atenção o tempo de serviço que êles prestaram. Está muito bem.

No final da mesma proposta o Sr. Ramos da Costa considera em igualdade de circunstâncias aqueles empregados que actualmente estão ao serviço e um grupo de empregados que foram despedidos, alguns dos mais antigos, alguns dos que mais serviços prestaram aos Transportes Marítimos, alguns dos tempos em que se começaram a organizar êsses serviços, aqueles que mais honestamente procederam e que foram despedidos em Novembro e Dezembro. Eu adiro às propostas do Sr. Ramos da Costa.

Foram admitidas as propostas do Sr. Ramos da Costa.

O Sr. Querubim Guimarães: - Sr. Presidente: pedi a palavra unicamente para dizer que entendo que êsses empregados, aqueles que trabalharam honestamente não devem de modo nenhum ser espoliados dos seus direitos, sem qualquer garantia.

Ainda não há muito o Sr. Joaquim Crisóstomo aqui trouxe à Câmara o exemplo de que se passava em França. Há uma certa necessidade de reduzir os quadros do funcionalismo pelo princípio da compressão de despesas, mas os empregados que forem despedidos têm, a meu ver, direitos a que devemos atender. O artigo 15.° da proposta primitiva, diz:

"Emquanto não fôr tomada resolução definitva sôbre êste assunto, todo o pessoal dispensado e que não pertença na efectividade a qualquer outro serviço do Estado, perceberá 50 por cento do vencimento e subvenção que auferir, ficando com iguais direitos ao do restante pessoal os empregados que foram dispensados do serviço depois da publicação do decreto n.° 7:797".

Quere dizer, dava-se por essa proposta uma certa quantia, como garantia de subsistência, àqueles que ficavam desempregados.

O Estado Francês, quando despediu os seus empregados, garantiu-lhes os seus ordenados durante 6 meses, tempo suficiente para êles obterem uma colocação ou dar à sua vida um novo rumo.

O que é necessário consignar é que não pode o Estado despedir os seus empregados sem lhe garantir num período

Página 33

Sessão de 22 de Agosto de 1922 33

transitório os meios de subsistência - 6 meses, 4 meses, o que se entender melhor -.

Achava preferível o critério do Sr. Ministro do Comércio ao que foi adoptado na Câmara dos Srs. Deputados e consignado nesta proposta.

Dar-se a indemnização aos desempregados nos termos do Código Comercial acho que é muito pouco. Isso faz-se em serviços de pequena monta, no comércio em que os comerciantes são obrigados a indemnizar os empregados que despedem com dois meses de ordenado.

Em serviços públicos, isso é uma insignificância.

Eu quero que o Estado economize o mais possível e expurgue os seus quadros do pessoal deshonesto ou desnecessário, mas entendo que deve pagar condignamente aos bons empregados e respeitar-lhes os seus direitos, com indemnização capaz quando tenha de lhe dispensar os serviços.

Sou de opinião, portanto, que se deve manter êste critério e se deve consignar a doutrina estabelecida na proposta inicial do Sr. Ministro, limitando-se apenas o tempo determinado a auxílio aos desempregados.

O Sr. Presidente: - Ninguém mais pede a palavra; vai votar-se a substituição do artigo 16.° com a redacção feita pela Sr. Ramos da Costa.

Posto à votação foi aprovado, ficando prejudicado o artigo.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o artigo novo.

Foi lido e seguidamente pôsto à votação foi aprovado. Foram também aprovados sem discussão o artigo 17.° e 18.°, bem como o artigo 19.° da comissão do comércio.

Está em discussão o artigo 20.°.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações- (Lima Basto): - Pedi a palavra para declarar que pela proposta primitiva aperfeiçoava-se o serviço de sindicância por virtude dum decreto fazendo continuar independente a faculdade de ser um verdadeiro juiz de investigação criminal.

A Câmara dos Deputados fez substituir essa proposta, e a comissão substituíu-a
pela forma como está redigido o artigo 20.°

Eu chamo a atenção de V. Exa. e da Câmara, porque, a querer-se que a sindicância continue, não sei se tal como está êste artigo se poderá continuar.

Entrego isto à consideração da Câmara.

O Sr. Alfredo Portugal:-Pela proposta do actual titular da pasta do Comércio, havia um juiz sindicante aos serviços dos Transportes Marítimos do Estado que era o mesmo que foi nomeado pelo decreto n.° 7:914. Por portaria de 22 de Maio de. 1922, publicada no Diário do Govêrno, 2.ª série, de 24 de Maio, e por virtude de requisição do juiz sindicante referido ao Sr. Ministro do Comércio, foi nomeado um juiz adjunto.

Conclui-se, pois, que era e é excessivo o serviço a realizar junto dos Transportes Marítimos, e justificava-se pela portaria aludida, ficando em exercício os dois juizes cumulativamente.

Realmente, o decreto que criou o primeiro dos Juizes sindicantes deu a êste atribuições idênticas às dos juizes de investigação criminal, ou seja o poder instruir o processo até à pronúncia mas esquece-se de estabelecer, junto dêles, um agente do Ministério Público que promovesse os seus termos. Foi realmente um lapso que não se explica, pois êsse decreto, da autoria do Sr. Vasco Borges, que é um juiz, não podia alterar o preceito de que não pode haver pronúncia sem haver queixa ou querela e, não havendo delegado que as dê, também esta não podia existir.

Daí, e muito bem, o Sr. Ministro do Comércio, na proposta que apresentou à Câmara dos Deputados, colocou essa entidade no Ministério Público, junto dêsse tribunal, chamar-lhe hemos assim; na Câmara dos Srs. Deputados, porém, fez-se uma alteração completa a êsse artigo, de modo que ficou restabelecido o que era lei, isto é, os factos crimes praticados na área de um juízo de investigação pertencem a êsse juízo e, assim, os ocorridos nos Transportes Marítimos do Estado são da competência do 4.° juízo.

Sr. Presidente: na proposta de lei apresentada, na outra Câmara, reconheceu-se que havia necessidade de dois juizes sindicantes e, se assim sucedia, era porque

Página 34

34 Diário das Sessões do Senado

os serviços a cargo dos dois são muitos e não fazia sentido que, como se diz na proposta em discussão, se fôsse entregar tudo a um só juiz de investigação, cheio de trabalho e com os encargos duma área grande, a maior de Lisboa, visto estender-se até Cascais.

Isto é simplesmente violentíssimo, além de que as atribuições do juiz sindicante, num dado momento, podem ser muito diferentes, ou sejam de natureza criminal ou disciplinar, competência esta que não pertence ao juiz de investigação criminal.

Se o Sr. Ministro do Comércio entendeu que um juiz sindicante e um juiz adjunto com o Ministério Público tinham bastante que fazer nos Transportes Marítimos, entendo que deve manter-se a forma que S. Exa. apresentou na sua proposta inicial, artigo 19.°

Foi lido na Mesa o artigo 19.° da proposta inicial, pelo qual o Sr. Alfredo Portugal pretendia que fôsse substituído o artigo 20.° da proposta.

Foram lidas as propostas dos Srs. Alvares Cabral e Ribeiro de Melo.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - Como a proposta feita pelo Sr. Alfredo Portugal é a repetição de um artigo que eu, inicialmente, propus, eu não posso deixar de dizer que

concordo com elas, mas entrego à Câmara a resolução do assunto.

Foram rejeitadas as propostas dos Srs. Alvares Cabral e Ribeiro de Melo, sendo aprovados o artigo 20.° da comissão e as alterações da Comissão aos seus parágrafos.

Entrou em discussão o artigo 21.°

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lima Basto): - Declaro que aceito a proposta da Comissão a êste artigo.

Foi aprovada a redacção do artigo 21.° proposta pela comissão, sendo em seguida aprovados, sem discussão, os artigos 22.° e 23.°

O Sr. Ramos de Miranda: - Requeiro a dispensa da leitura da última redacção.

Consultada a Câmara, foi dispensada.

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Senadores a fineza de comparecerem à sessão de amanhã, às 14 horas, hora regimental, a fim de evitar que haja sessão nocturna.

Resolvi também dividir a ordem dos trabalhos em duas partes, de que farão parte os seguintes projectos de lei: n.ºs 246, 48, 229, 239, 234 e 199.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 50 minutos.

O REDACTOR - Alberto Bramão.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×