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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

SESSÃO N.º 127

EM 16 DE NOVEMBRO DE 1922

Presidência do Exmo. Sr. José Joaquim Pereira Osório

Secretários os Exmos. Srs.

Luís Inocêncio Ramos Pereira
António Gomes de Sousa Varela

Sumário. - Verificando-se a presença de 21 Srs. Senadores abriu a sessão.

Leu-se a acta que foi aprovada e deu-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente propõe votos de sentimento pelo falecimento dos Srs. Conde do Cartaxo e Júlio Maria Baptista. Associam-se todos os lados da Câmara sendo aprovados por unanimidade.

Também o Sr. Presidente propôs um voto de saudação à República Brasileira pelo aniversário da implantação do regime, e ao mesmo tempo saudar o novo presidente daquela República.

A Câmara associa-se a êstes votos.

O Sr. Alfredo Portugal trata do fôro especial para magistrados judiciais.

O Sr. José Pontes apresentou um projecto de lei respeitante ao falecido Dr. António Granjo, e o Sr. Júlio Ribeiro outro projecto pondo em execução a lei n.º 1:340.

O Sr. Joaquim Crisóstomo insiste pela remessa da relação dos guardas afastados do serviço.

Ordem do dia. - Continua a discussão do projecto das expropriações.

Falam os Srs. Ramos da Costa, Alves de Oliveira, Dias de Andrade, Pereira Osório, Herculano Galhardo, Querubim Guimarães.

O Sr. Joaquim Crisóstomo anuncia uma nota de interpelação.

Antes de se encerar a sessão. - O Sr. Joaquim Crisóstomo, refere-se à entrega sem concurso de um dos navios dos Transportes Marítimos.

Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:

Abílio de Lobão Soeiro.
António Alves de Oliveira Júnior.
António Gomes de Sousa Varela.
António Gomes de Sousa Varela.
Artur Augusto da Costa.
Artur Octávio do Rêgo Chagas.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.
Constantino José dos Santos.
Duarte Clodomir Patten de Sá Viana.
Francisco António de Paula.
Francisco José Pereira.
Francisco Vicente Ramos.
Francisco Xavier Anacleto da Silva.
Herculano Jorge Galhardo.
João Manuel Pessanha Vaz das Neves.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
José Augusto Ribeiro de Melo.
José Duarte Dias de Andrade.
José Joaquim Fernandes Pontes.
José Joaquim Pereira Osório.
José Mendes dos Reis.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Ricardo Pais Gomes.

Srs. Senadores que entraram durante a sessão:

Alfredo Narciso Marçal Martins Portugal.
Aníbal Augusto Ramos de Miranda.
António da Costa Godinho do Amaral.
César Justino Lima Alves.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Frederico António Ferreira de Simas.

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João Carlos da Costa.
Joaquim Manuel dos Santos Garcia.
José António da Costa Júnior.
José Augusto de Sequeira.
José Machado Serpa.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Querubim da Rocha.
Vale Guimarães.
Rodolfo Xavier da Silva.
Tomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.)

Srs. Senadores que não compareceram à sessão:

Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Álvaro António Bulhão Pato.
António Maria da Silva Barreto.
António de Medeiros Franco.
António Xavier Correia Barreto.
Augusto de Vera Cruz.
César Procópio de Freitas.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Ernesto Júlio Navarro.
João Alpoim Borges do Canto.
João Catanho de Meneses.
João Maria da Cunha Barbosa.
João Trigo Motinho.
Joaquim Teixeira da Silva.
Joaquim Xavier de Figueiredo Oriol Pena.
Jorge Frederico Velez Caroço.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Nepomuceno Fernandes Brás.
Júlio Ernesto de Lima Duque.
Laís Augusto de Aragão e Brito.
Luís Augusto Simões de Almeida.
Manuel Gaspar de Lemos.
Nicolau Mesquita.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Raimundo Enes Meira.
Roberto da Cunha Baptista.
Rodrigo Guerra Álvares Cabral.
Silvestre Falcão.
Vasco Crispiniano da Silva.
Vasco Gonçalves Marques.

Pelas 15 horas e 15 minutos o Sr. Presidente manda proceder à chamada.

Fez-se a chamada.

Verificando-se a presença de 26 Srs. Senadores, S. Exa. declara aberta a sessão.

É lida a acta da sessão anterior e aprovada sem reclamação.

Menciona-se o seguinte

Expediente

Ofícios

Da Presidência da Câmara dos Deputados, acompanhando a proposta de lei que dispensava o contra-almirante, Gago Coutinho, de prestar as provas para a obtenção de diploma de observador aeronáutico.

Para a comissão de marinha.

Da mesma procedência, acompanhando as alterações introduzidas pela Câmara dos Deputados a proposta de lei n.° 59, do Senado, relativa a tesoureiros da Fazenda Pública.

Para a comissão de finanças.

Da Câmara Municipal da Lousa, protestando contra a disposição do § único do artigo 1.° do decreto n.° 8:373, que determina que as câmaras municipais deixem de ter notário próprio.

Para a Secretaria.

Da Sr. Marquesa, de Penafiel, e da Sr. D. Alice Pimenta da Costa Ferreira, agradecendo os votos de sentimento do Senado pela falecimento dos seus maridos.

Para a Secretaria.

Dos funcionários administrativos do concelho de Odemira, pedindo o inteiro cumprimento das leis n.ºs 1:355 e 1:356.

Para a Secretaria.

Telegramas

Dos funcionários administrativos dos concelhos de Esposende, de Sintra, de Alpiarça, Castelo Branco, Grãndola, Aljustrel, Olhão, Feira e Tabuaço pedindo o inteiro cumprimento das leis n.ºs 1:355 e 1:356.

Para a Secretaria.

Dos funcionários de finanças de Ancião, Gavião, Setúbal, Poiares e Cezimbra, pedindo o inteiro cumprimento da lei n.° 1:355.

Para a Secretaria.

Dos sargentos das guarnições de Pinhel, Abrantes e Castelo Branco, apoiando o pedido dos sargentos da guarnição de Braga.

Para a Secretaria.

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Das classes operárias de Lourenço Marques, protestando contra a permanência do alto comissário em Moçambique e pedindo que lhes seja aplicado o regime monetário privativo semelhante ao da Índia e Macau.

Para a Secretaria.

Do comércio e indústria do Braga, pedindo a suspensão imediata do novo regime tributário.

Para a Secretaria.

Justificação de faltas

Do Sr. Elísio Pinto de Almeida e Castro, justificando as suas faltas.

Para a comissão de faltas.

Projectos de lei

Do Sr. Alfredo Portugal, mandando aplicar ao Ultramar o preceituado no artigo 38.° do decreto n.° 4:172.

Para primeira leitura.

Dos Srs. Sá Viana e Santos Garcia, tornando exclusiva a Biblioteca Pública de Évora, a disposição do § único do artigo 8.° do decreto de 28 de Outubro de 1910. (Lei de imprensa).

Para a comissão de instrução.

Do Sr. Júlio Ribeiro, mandando pôr em execução a lei n.° 1:340.

Aprovada a urgência.

Para a comissão de guerra.

Dos Srs. Sá Viana e Santos Garcia, criando no concelho de Evorá, a assembléa eleitoral de S. Mancos, e tornando extensivo aos alunos de todas as casas de beneficência o § único do artigo 2.° da lei n.° 1:363.

Para primeira leitura.

Do Sr. Nicolau Mesquita, autorizando o Govêrno a ceder, gratuitamente, o bronze para o busto de António Granjo, e a mandá-lo fundir no Arsenal do Exército.

Para primeira leitura.

Pareceres

Da Comissão de Administração Pública, sôbre o projecto de lei n.° 298, que anexa ao concelho de Santa Iria, de Setúbal, a península do Tróia.

Para imprimir e distribuir.

Da comissão de legislação civil, sôbre o projecto de lei n.° 309, que extingue o 3.° ofício da comarca de Évora.

Para imprimir e distribuir.

Nota de interpelação

Desejo interpelar o Sr. Ministro da Justiça, acêrca da forma como está funcionando o Tribunal criado pela lei n.° 969, de 11 de Maio de 1920.

Proponho-me versar os seguintes assuntos:

1.° Tentativa de extorsão da quantia de 1.000$, praticada pelo escrivão Abílio Magro, ao arguido António Laurentino da Cunha, entregue ao mencionado Tribunal para ser julgado, com o protesto de não dar andamento ao processo que se acha pendente no seu cartório.

2.° Prisão arbitrária do referido arguido ordenada pelo presidente do mencionado tribunal, pois encontrando-se aquele era liberdade, devia ser intimado para comparecer no dia do julgamento, e não aguardar sob prisão êsse julgamento - Joaquim Crisóstomo.

Mandou-se expedir.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Obedecendo às praxes estabelecidas, proponho um voto, de sentimento pela morte dum antigo membro desta Câmara, o Sr. Conde do Cartaxo. Além dêste voto tenho de propor um outro que, infelizmente para nós, é bem mais comovedor, porque se trata dum colega que viveu connosco. Refiro-me ao Sr. Júlio Maria Baptista.

Tenho sôbre a Mesa uma carta de seu filho participando a morte dêste nosso ilustre colega.

Pôr êsse motivo proponho que se lance na acta da nossa sessão um voto de sentimento pela morte do Sr Júlio Maria Baptista, que além de ser Senador, foi um funcionário distincto e muito considerado B o Ministério das Finanças.

Muitos apoiados.

O orador não reviu.

O Sr. Júlio Ribeiro: - Sr. Presidente: em meu nome individual quero associar-me à manifestação de sentimento pela morte do nosso querido e ilustre colega Sr. Júlio Maria Baptista, que foi meu

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superior hierárquico, prestando assim o meu preito de homenagem a êsse homem que foi um espírito culto, e de grande brilho.

Como professor foi um matemático distintíssimo; como director geral dos impostos, apreciando os múltiplos e complicados serviços daquela Direcção, pode dizer-se que foi um dos mais leais cooperadores dos Ministros das Finanças.

Com a morte de Júlio Maria Baptista a República perde um valiosíssimo servidor, porque êle era um dos mais austeros e dignos do regime, e porque êle era republicano de sempre, duma profunda fé e princípios inflexíveis.

Presto, pois, o meu preito sincero de homenagem ante o cadáver ainda quente do nosso malogrado colega.

O orador não reviu.

O Sr. Augusto de Vasconcelos: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me associar aos votos de sentimento propostos por V. Exa. pelo falecimento do antigo par do reino Sr. Conde do Cartaxo, e do nosso colega Sr. Júlio Maria Baptista.

O Sr. Conde do Cartaxo era uma figura de fidalgo português da mais austera linha, que honrou o seu país e portanto, o meu partido associa-se ao voto de sentimento proposto, certo de que se associa ao voto de sentimento pela morte dum prestante cidadão.

Referindo-me ao nosso colega Sr. Júlio Maria Baptista, eu faço-o com profundo sentimento.

Júlio Maria Baptista foi dos meus antigos companheiros da propaganda republicana, e era um republicano de todos os tempos.

Apoiados.

Implantada a República, foi um dos seus primeiros funcionários, funcionário que desde os primeiros dias da República a acompanhou com a sua dedicação e os seus esforços, sempre no mesmo pôsto, cumprindo zelosamente com as suas obrigações e prestando no exercício do seu cargo os mais altos serviços à República.

Não é exagero dizer-se que não houve Ministro das Finanças em transe aflitivo de propostas de finanças que não se socorresse da sua alta competência.

Pode dizer-se até que pertence a Júlio Maria Baptista a autoria de quási todas as propostas de remodelação de impostos, que têm vindo ao Parlamento.

Júlio Maria Baptista foi um funcionário dedicado e incorruptível. Se todos os funcionários do Estado fôssem como êle, a República seria um regime ideal de administração.

Associo-me, portanto, com profunda mágoa ao voto de sentimento proposto pela morto de tam prestante cidadão, de tam ilustre funcionário e de tam distinto colega nosso.

O Sr. Vicente Ramos: - Associo-me, em nome dos Senadores independentes, ao voto de sentimento proposto pela morte do nosso colega Júlio Maria Baptista.

O orador não reviu.

O Sr. D. Tomás de Vilhena: - Associo-me também, em nome da minoria monárquica, aos votos de sentimento propostos pela morte dos Srs. Conde do Cartaxo e Júlio Maria Baptista.

O Sr. Conde do Cartaxo teve no antigo regime um lugar de destaque, desempenhando com honra os seus deveres para com o país.

Foi um homem dotado de excelentes qualidades.

O Sr. Júlio Maria Baptista foi um republicano de sempre, de uma só fé; e eu, que toda a minha vida tenho professado o mesmo credo político e uma só fé também tenho tido, mais aprecio os homens daquela têmpera.

Êle sempre se mostrou um espírito sinceramente liberal e respeitador das convicções alheias, respeitando igualmente o passado e aqueles que prestam culto à tradição.

Pelas razões expostas me associo, conseguintemente, aos dois votos de sentimento.

O orador não reviu.

O Sr. Dias de Andrade: - Associo-me, em nome da minoria católica, aos votos de sentimento propostos pela morte dos Srs. Conde do Cartaxo e Júlio Maria Baptista.

O orador não reviu.

O Sr. Artur Costa: - Declaro que me associo, em nome do Partido Republicano

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Português, aos votos de sentimento pela morte dos Srs. Conde de Cartaxo e Júlio Maria Baptista. E é com profunda mágoa que me refiro a êste último nome porque a camaradagem e as relações de amizade que me ligavam ao ilustre extinto fazem com que me comova a ponto de não poder expressar ou exteriorizar, como tanto desejava, o meu pensamento.

O Sr. Júlio Maria Baptista faz muita falta à República como funcionário modelar, que era, e como republicano desde tempos antigos, mesmo antes da fundação da República.

No espinhoso cargo de director geral dos impostos, que exercia, o Sr. Júlio Maria Baptista foi um dos mais importantes e valiosos cooperadores do novo regime.

As funções de director geral dos impostos são dificílimas, porque há sempre interêsses contrários que se chocam há sempre contribuintes que se queixam, há funcionários que procuram melhor situação, que muitas vezes os superiores não podem proporcionar. Daí vinha uma ou outra queixa dos descontentes.

Eu algumas vezes assisti no gabinete do director geral dos impostos a conversas trocadas entre êle e êsses pretendentes, e sempre notei que o Sr. Júlio Maria Baptista tinha um nobre espírito de justiça, sem deixar de ser benévolo.

Estimava sempre os bons funcionários sem se preocupar com as crenças que cada um tivesse; êle só queria que os funcionários cumprissem com os seus deveres, e êsses que assim procediam tinham em Júlio Maria Baptista um bom amigo.

Pelo contrário, os maus funcionários, aqueles que não cumpriam o seu dever, encontravam nele o chefe austero que não lhe passava pelas faltas embora, como já disse, fôsse benévolo.

Daí resultavam queixas, discussões e críticas em volta do nome do Sr. Júlio Maria Baptista.

De facto, como disse o Sr. Augusto de Vasconcelos, se todos os funcionários tivessem o pensamento de cumprir os seus deveres como tinha o nosso saudoso colega, melhor tinha sido para o regime e melhor, Sr. Presidente, tinha sido para o nosso país.

Júlio Maria Baptista era de facto um republicano sincero, dedicado, honesto e aliava a todas estas qualidades a de ser um distintíssimo funcionário.

Temos todos o dever de fazer justiça aos homens, e só tenho pena de que essa justiça, por vezes, só se faça depois de êles terem desaparecido do tablado da vida.

Há-de sentir-se a falta de Júlio Maria Baptista como funcionário da República, hão-de senti-la os diversos Ministros das Finanças, porque êle era um leal e dedicado auxiliar dos Ministros, e havemos de senti-la nós todos aqui dentro desta casa, pois nas poucas vezes que êle aqui veio, porque a doença o inibia quando entrava nas discussões, nós tínhamos que aprender porque êle conhecia profundamente todas as questões de finanças que tratava com toda a clareza e proficiência, sendo escutado com respeito por toda a Câmara que, por S. Exa., tinha a máxima consideração.

Por todas estas razões eu não posso deixar de me associar ao voto de sentimento proposto por V. Exa.

O Sr. Ribeiro de Melo: - Sr. Presidente: é na hora bem amargurada por que passam as instituições republicanas que nós temos de lamentar a perda de um dedicado cidadão, e sobretudo um alto funcionário do Ministério das Finanças, o Sr. Júlio Maria Baptista.

Sr. Presidente: é como amigo e como correligionário do falecido e já saudoso Júlio Maria Baptista que eu falo, porque as expressões de sentimento em nome do Partido Republicano Português já foram feitas pelo seu ilustre leader.

Sr. Presidente: no pequeno número de directores gerais dos, 11 Ministérios da República Portuguesa acaba á morte de ceifar um republicano histórico, um republicano de sempre, homem duma só fé, homem duma só cara democrática.

É um patriota que a morte acaba de colhêr em toda a pujança da vida, cujo passado de histórico republicano, de concidadão tem de ser honrado por todos nós republicanos de um só parecer e tem de ser nesta hora afrontosa para as instituições altamente dignificado.

Não é insensível para nós nem o podia ser que um dos directores gerais dos que existem nos Ministérios da República, tenha desaparecido pela morte, hoje, no

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momento em que um exemplo bem recente demonstrou que há funcionários públicos, que têm vilipendiado a própria democracia dentro da República Portuguesa.

Os Ministros do meu partido que hoje se sentam naquelas. cadeiras do Poder, ante a morte do nosso malogrado colega desta Câmara, o Sr. Júlio Maria Baptista, devem levantar os olhos bem alto para o pedestal da República, a fim de verem bem êsses altos funcionários da República que, numa resistência passiva à República e às instituições, estão preconizando a débâcle das instituições proclamadas em 5 de Outubro de 1910, com a conivência de alguns Ministros de Estado da República Portuguesa.

Sr. Presidente: é preciso que os homens que hoje se sentam nas cadeiras do Poder saibam que a afronta do resultado eleitoral de domingo passado nos obriga a nós, republicanos de sempre, aqueles que proclamaram, a República em 5 de Outubro de 1910, a uma resistência à outrance, não para defender os Ministros, não para defender a pessoa dos republicanos, mas sim para defender o santo ideal da República, porque nos encontramos dentro da República.

Sr. Presidente: eu sei que a minha voz não é senão uma dos muitos milhares de republicanos que estão sentindo afronta, pelo procedimento de determinados estadistas da República que lhes negam, o carinho a que tinham incontestável direito.

Talvez que a hora não seja própria para estarmos a condenar o procedimento de homens exercendo altos cargos da República, no momento em que choramos e lamentamos a perda do nosso inolvidável amigo e colega Júlio Maria Baptista, mas a verdade é que êsses homens estão atraiçoando o regime, embora prestem o seu juramento de fidelidade.

Assim, Sr. Presidente, eu sou obrigado a levantar a minha voz, para que os Ministros façam uma obra republicana, que o mesmo é que dizer, nacional.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Xavier da Silva: - Sr. Presidente: em nome do Partido de Reconstituição Nacional, associo-me comovidamente ao voto de sentimento proposto por V. Exa., pela morte do ilustre Senador, Sr. Júlio Maria Baptista.

Não é sem dor pungente que a República pode ver desaparecer um filho que muito a prestigiou.

Júlio Maria Baptista foi sempre republicano. Presto homenagem à sua fé, à sua cerebração e inteligência, que eram grandes; e nesta homenagem, eu quero envolver a minha gratidão de discípulo, porque êle foi meu mestre nos bancos das escolas.

Por isso, Sr. Presidente, associo-me com a máxima sinceridade e mágoa à homenagem que o Senado acaba de prestar a Júlio Maria Baptista, e ao voto de sentimento proposto per V. Exa. Sr. Presidente.

Tenho dito.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Barbosa de Magalhães): - Sr. Presidente: em nome do Govêrno associo me aos dois votos de sentimento propostos por V. Exa.

Refere-se o primeiro ao Sr. Conde do Cartaxo, que no tempo da monarquia ocupou uma situação de destaque, prestando serviços ao país, e por isso bem merece que lhe prestemos homenagem.

Refere-se o segundo voto ao Sr. Júlio Maria Baptista, cujo trabalho os vários Ministros puderam apreciar e com os quais êle trabalhou devotadamente.

O Sr. Júlio Maria Baptista era, efectivamente um funcionário exemplar, cumpridor, como poucos, dos seus deveres e um acérrimo defensor dos dinheiros públicos e dos direitos do Estado, e basta isso para a sua memória nos merecer esta sentida homenagem.

De mais êle era ainda membro desta casa do Parlamento e para aqui êle trouxe toda a sua, energia, todos os seus dotes, toda a sua inteligência, firmando-se sempre nos mesmos princípios, e conseguiu sempre servir bem a República de que era um acérrimo defensor.

É com profunda mágoa, que eu, em nome do Govêrno; me associo ao voto de sentimento proposto por V. Exa.

O Sr. Presidente: - O funeral do Sr. Júlio Maria Baptista realiza-se amanhã. Nomeio a seguinte deputação para represen-

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tar o Senado no funeral do ilustre Senador:

Srs. Artur Costa, Júlio Ribeiro, Ribeiro de Melo, Augusto de Vasconcelos, Dias de Andrade, Mendes dos Reis, Vicente Ramos e Tomás de Vilhena.

Agora vou propor um voto de outra ordem: é um voto de saudação à República Brasileira pelo aniversário da implantação dêsse regime, que passou ontem.

Eu abstenho-me de palavras porque as manifestações que ontem Lisboa fez a propósito dêsse aniversário fórum tam calorosas e significativas que ninguém poderia tirar melhor significado.

Proponho, portanto, um voto de saudação ao Brasil pelo aniversário da implantação da República, e também um voto de saudação ao novo Presidente da República Brasileira que ontem tomou posse.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Barbosa de Magalhães): - Sr. Presidente: em nome do Govêrno associo-me às saudações que V. Exa. acaba de propor; elas foram ontem já feitas pelo povo de Lisboa e a elas se associaram oficiais do exército, da armada, o Chefe do Estado, o Parlamento e o Govêrno.

Em vista de se fazer ainda hoje esta saudação bem justa, o Govêrno não quere deixar de se associar ao voto de saudação proposto por V. Exa. pelo aniversário da implantação da República no Brasil.

Coincide com esta data o início dum novo período presidencial.

Tomou conta da Presidência dêsse país um homem que pelas suas altas qualidades, pelos seus altos, serviços prestados no Govêrno do Estado de Minas Gerais, dá ao Brasil seguras garantias de ordem e progresso de que há anos para cá tem manifestado.

O Sr. Artur Bernardes é, além de grande estadista, um verdadeiro amigo do Portugal, o que não admira porque é descendente de portugueses; para êle vão as nassas saudações e votos de que durante o seu governo o Brasil tenha todas as prosperidade que merece e para que também durante êsse novo período presidencial as relações do Brasil com Portugal mais se intensifiquem para um destino comum.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Artur Costa: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me associar ao voto de saudação por V. Exa. proposto, pela passagem do 33.° aniversário da República Brasileira.

E faço-o com tanta maior satisfação, quanto é certo que o Brasil é considerado como uma segunda Pátria Portuguesa.

Não há, por assim dizer, distinção entre brasileiros e portugueses.

Todos os mal-entendidos que existiam, desapareceram, desde que nós mandámos ao Brasil como nossos embaixadores os aviadores, e depois o Chefe do Estado Português.

As manifestações que ontem o povo de Lisboa fez ao Brasil, dão a impressão de que a fraternidade entre os dois povos é indestrutível.

No cortejo, em que tomei parte, viu-se bem a admiração que há pelo Brasil, por êsse povo que, composto de mais de trinta milhões do almas, vive por si só, sem perturbações de maior, progredindo como os melhores da Europa.

E nós, como irmãos de raça, devemos sentir com isso o maior dos prazeres.

Tenho dito.

O Sr. Augusto de Vasconcelos: - Sr. Presidente: pedi a palavra para, em nome do Partido Liberal, me associar ao voto de saudação proposto por V. Exa., pela passagem do aniversário da República Brasileira e pela posse do seu novo ilustre Presidente.

O Sr. Xavier da Silva: - Sr. Presidente: em pomo dos Senadores dêste lado da Câmara, muito gostosamente me associo ao voto de saudação proposto por V. Exa.

É uma homenagem que se presta e se deve a uma República irmã.

É inteiramente justa, define um sentimento da nossa manifestação de estima e alegria pelo progresso dêsse país que de dia a dia se assinala e alarga.

A República Brasileira, onde florescem mentalidades dum valor provado, merece bem, pelos laços de amizade que sempre manteve com a República Portuguesa, esta homenagem do Senado.

É por isso, Sr. Presidente, que temos a honra de nos associar ao voto proposto por V. Exa.

Tenho dito.

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O Sr. Vicente Ramos: - Sr. Presidente: pedi a palavra para, por, parte dos Senadores Independentes, me associar ao voto de saudação proposto por V. Exa.

O orador não reviu.

O Sr. Dias de Andrade: - Sr. Presidente: pedi a palavra para, era nome da minoria católica, me associar às homenagens e saudações ao Brasil e ao seu novo Chefe de Estado, propostas por V. Exa.

E é com tanta mais satisfação que me associo a tal manifestação, quanto é certo que com o regime cujo aniversário ontem se celebrou, o Brasil inaugurou uma era de paz e de trabalho fecundo, desenvolvendo as suas riquezas materiais, e ao mesmo tempo de sincera tolerância, de verdadeira liberdade religiosa, na qual nós temos muito que aprender e imitar para que Portugal entre, como o Brasil, numa era de paz, de trabalho e de liberdade, que condicionam sempre a grandeza e o progresso dos povos.

O Sr. Tomás de Vilhena: - Sr. Presidente: associo-me à homenagem que V. Exa. propõe em honra da República Brasileira e do seu novo Presidente.

O povo brasileiro é um irmão nosso mais novo, mas é um irmão que nos dá honra, que exalta o nosso nome, que dignifica a tradição portuguesa, porque a tradição portuguesa lá fortificou brilhantemente, a ponto dos seus dirigentes conseguirem que o Brasil ocupe hoje uma alta posição e uma subida consideração no conceito das nações.

A República Brasileira tem dado provas de tolerância em matéria religiosa que assinalou e preparou urna paz frutificante, demonstrando assim que a liberdade, a sciência e a religião são absolutamente compatíveis.

Igualmente me associo à homenagem prestada a Artur Bernardes, homem de grande mentalidade, patriota verdadeiro, individualidade que tem dado as maiores provas de competência administrativa, pessoa de verdadeira fé e convicto católico.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Pela manifestação da Câmara está unanimamente aprovado.

O Sr. Pais Gomes: - Por parte da comissão de legislação mando para a Mesa dois pareceres sôbre dois projectos de lei.

O Sr. D. Tomás de Vilhena: - Pedi a palavra para dizer a V. Exa. que necessito de conversar aqui urgentemente com o Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior.

O Sr. Dias de Andrade: - Participo a V. Exa.. Sr. Presidente, que necessito com urgência da presença do Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Augusto de Vasconcelos: - Desejava também conversar com o Sr. Presidente do Ministério.

Já por várias vezes tenho pedido a presença de S. Exa. para tratar de assuntos de ordem pública, mas o ilustre Chefe do Govêrno ainda aqui não pôde vir.

Os jornalistas que aqui fazem serviço disseram que o Sr. Presidente do Ministério viera a esta casa, mas que o interpelante, que era, eu, não estava presente no edifício do Congresso, o que não é exacto.

Eu estava nos corredores do Senado e lamentei bastante que a sessão se tivesse encerrado sem que eu tivesse tratado do assunto que desejava, e desejo versar.

Requeiro, por isso, a V. Exa. o meu pedido para que o Sr. Presidente do Ministério aqui venha.

O Sr. Presidente: - Mandei dizer ao Sr. Presidente do Ministério que os Srs. D. Tomás de Vilhena, Augusto de Vasconcelos e Dias de Andrade solicitavam a sua presença no Senado.

O Sr. Alfredo Portugal: - O artigo 38.° do decreto n.° 4:172, de 26 de Abril de 1918, pôs em vigor os artigos da Novíssima Reforma Judiciária, que estabelecem o fôro especial para magistrados, juizes de direito e delegados da Procuradoria da República.

Esta disposição tem sofrido dúvidas pelo que respeita à sua aplicação no ultramar e, na Relação de Lourenço Marques, têm sido diferentes os julgados a tal respeito.

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Sustenta-se nalguns que a referida disposição se deve aplicar no ultramar, visto que as razões que justificam o seu restabelecimento na metrópole serem as mesmas dali, afirmando outros que, para tal disposição ser aplicável ao ultramar, necessário se torna que uma lei o determine.

É para resolver tal assunto que mando para a Mesa. um projecto de lei tornando extensivo ao ultramar tais disposições e peço a V. Exa., Sr. Presidente, que consulte o Senado sôbre se concede a urgência para êste projecto.

Foi concedido.

O Sr. Presidente: - A Mesa recebeu do Sr. Almeida de Eça, como presidente da Sociedade de Geografia, um convite, acompanhado de cinco bilhetes, para uma sessão de homenagem ao Brasil, que se realiza no dia 18 do corrente.

Os diferentes lados da Câmara resolverão quais são os Srs. Senadores que se utilizarão dêsses cinco bilhetes.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Desejo que V. Exa., Sr. Presidente, me informe se o novo Regimento, que foi distribuído há pouco, está definitivamente aprovado e quando é que entra em vigor.

O Sr. Presidente: - Está assente que o novo Regimento só comece a vigorar, em Dezembro.

O Sr. José Pontes: - Pedi a palavra para, em nome do Sr. Nicolau Mesquita, que circunstâncias imperiosas não permitem que esteja esta semana aqui, enviar para a Mesa um projecto de lei que diz respeito ao nosso nunca esquecido conterrâneo António Granjo.

O Sr. Presidente: - O Sr. Presidente do Ministério participa-me que foi interrompida a sessão da Câmara dos Deputados, mas que vai já reabrir e, por isso, não pode vir imediatamente ao Senado.

Logo que possa vir a esta Câmara, talvez hoje mesmo, S. Exa. aqui se apresentará.

O Sr. Júlio Ribeiro: - Mando para a Mesa um projecto de lei, explicando que a lei n.° 1:244 não é abrangida pela lei n.º 1:240.

O assunto já foi debatido nesta Câmara, e deu origem a uma moção apresentada pelo Sr. Augusto de Vasconcelos.

Visto que a Câmara conhece bem do que se trata peço à V. Exa., Sr. Presidente, que a consulte, sôbre se concede urgência para o projecto.

Peço também a V. Exa. a fineza de rogar à comissão de guerra que dê o seu parecer o mais breve possível.

Foi remetido à comissão de guerra.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Sr. Presidente: na sessão de 3 de Março de 1922 pedi uma relação dos guardas que se encontrassem afastados de serviço, e ainda o seguinte:

1.° Informações relativas à publicidade nos jornais, sôbre a Exposição do Rio de Janeiro.

2.° Cópia do acôrdo feito entre o Govêrno e a Emprêsa Insulana de Navegação, respeitante às viagens para os Açôres.

3.° Cópia dos relatórios do juiz sindicante à venda dos bens dos inimigos, na cidade da Horta.

4.° Nota dos juizes de direito que se encontram ausentes das suas comarcas.

5.° Nota dos empregados que em 1914 e 1919 constituíam a coluna de fiscalização do imposto do sêlo.

6.° Nota das importâncias das multas por infracções da lei da contribuição de registo nos contratos de arrendamento, dos bens imóveis arrecadados em 1920 e 1921.

7.° Nota dos vencimentos de cada funcionário ao serviço da Exposição do Rio de Janeiro.

8.° Relação do pessoal contratado e requisitado e respectivos vencimentos, para a Exposição do Rio de Janeiro.

9.° Relação das oficinas encarregadas da construção dos pavilhões para a Exposição do Rio de Janeiro.

10.° Relação de todas as despesas feitas até o presente pelo comissário da Exposição do Rio de Janeiro.

11.° Cópia do relatório da sindicância feita pelo juiz Nunes da Silva aos serviços da Universidade de Coimbra.

12.° Copiado relatório apresentado pelo comissário da Exposição do Rio de Janeiro Sr. Ministro do Comércio.

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São nem mais nem menos do que doze os pedidos, que eu fiz, desde Março a Julho dêste ano, e que até hoje não me foram satisfeitos.

Não sei de quem é a culpa; se do Senado, que não tem meios para tornar exequíveis os pedidos que os seus membros fazem, ou se é da parte dos Ministérios, que se recusam manifestamente a satisfazer êsses pedidos.

Compreende V. Exa. muito bem que nós não podemos apreciar o procedimento de qualquer funcionário público, nem fiscalizar a forma como são cumpridas as leis, sem que tenhamos para isso os necessários elementos.

Haverá porventura o propósito, ou fim especial, de privar os Senadores de exercerem as funções que a Constituição lhe impõe? Não sei. Apenas registo os factos.

Já tenho protestado mais de uma vez indignadamente contra semelhante situação.

V. Exa., Sr. Presidente, tem tido sempre a gentileza de declarar que vai de novo requisitar os documentos solicitados, mas é certo que, apesar da sua boa vontade, êles nunca aparecem.

Entre as informações que pedi figuram as que se referem à Exposição do Rio de Janeiro.

Preciso saber com urgência quais foram as razões que levaram o Sr. Lisboa de Lima a deixar de abrir concurso para a construção em ferro dos pavilhões da referida exposição. Contra êsse funcionário há queixas gravíssimas, imputando-se-lhe a responsabilidade de confiar aquela construção a uma serralharia, de que é sócio e director, e a uma outra, de que é proprietário um seu cunhado. Diz-se em toda a parte que o Sr. Lisboa de Lima está rico, com as negociatas que tem feito, à sombra do seu lugar de comissário. Apontam-se factos e comentam-se abusos. Que faz o Sr. Ministro do Comércio?

Desinteressa-se? Cada vez mais me convenço que o dinheiro do Estado é roupa de franceses, e que nas cadeiras do Poder não há quem o zele e defenda. O pais está a saque, e à mercê de quem queira com talento meter as mãos nos cofres públicos. Assim como um cego precisa de luz para a vista, assim também o país necessita dum homem de energia à frente dos negócios públicos, para meter os gatunos enluvados na cadeia. Já versei aqui os termos do contrato celebrado pelo comissariado com a Sra. Virgínia Quaresma e, se porventura o Govêrno tivesse procedido de harmonia com as minhas observações, não teriam ocorrido, os casos desgraçados que se estão passando com os serviços da Exposição do Rio de Janeiro.

Não é novidade para ninguém que em Lisboa embarcaram com destino ao Brasil, à custa do Estado, contratados pelo Sr. Lisboa de Lima, centenas de pessoas, cuja única profissão que exercem é a de andarem à boa vida, comendo bem e bebendo melhor, sem trabalharem. Essa gente, que nunca teve préstimo para cousa alguma, a não ser para iludir a polícia, acha-se no Rio de Janeiro ganhando em média 8 libras em ouro por dia à espera que sejam inaugurados os nossos pavilhões.

Posso garantir que, emquanto o Sr. Lisboa de Lima fôr nosso comissário na Exposição, todo o dinheiro que o Parlamento votar para êsse fim será esbanjado, ou melhor, será devorado pelos lobos que formam o bando de que aquele é chefe. Se dependesse de mim o Sr. Lisboa de Lima há muito estaria a contas com a justiça criminal. Basta dizer que ainda não foram inaugurados os nossos pavilhões apesar de a exposição ter aberto em 7 de Setembro.

Há dias li no Século que já houve reclamações ao Sr. Ministro do Comércio de vários expositores, alegando que, atenta a forma como corriam as cousas, desistiam de apresentar os seus produtos na Exposição e pretendiam que lhos restituíssem.

As acusações que fiz na sessão de 15 de Maio do corrente Maio ao Sr. Lisboa de Lima estão plenamente justificadas, e só sinto que esteja no poder um Govêrno sem fôrça e coragem para, moralizar a administração pública relegando aos tribunais criminais os defraudadores dos cofres do Estado, que, investidos em altas funções, procuram unicamente servir os amigos, e locupletar-se à custa da nação. O Sr. Lisboa de Lima pelo seu criminoso procedimento, não pode continuar nem mais uma hora a ser comissário da Exposição. Previno o Govêrno, para que

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mais tarde não alegue ignorância, de que o referido funcionário é capaz de vender ou empenhar os nossos pavilhões, e de desbaratar os objectos, destinados à Exposição, que lhe foram confiados.

Também, Sr. Presidente, desejaria tratar doutro caso, mas não estando presente o Sr. Ministro da Justiça não o posso fazer. Em tais condições limito-me a mandar para a Mesa uma nota de interpelação, nos termos do artigo 135.° do Regimento, pedindo a V. Exa. que a faça seguir com urgência para que o referido Ministro se dê por habilitado e venha a esta Câmara assumir a responsabilidade de várias faltas que tem cometido, deixando anarquizar os serviços a seu cargo, pela ausência de providências adequadas.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - V. Exa. realmente fez o seu pedido em 7 de Junho e ainda não foi atendido. Mas eu vou instar novamente porque êle seja satisfeito.

ORDEM DO DIA

Nesta altura da sessão assume a presidência o Sr. Machado Serpa.

O Sr. Presidente: - O primeiro projecto a ser discutido devia ser o relativo aos automóveis do Estado. Mas para a sua discussão foi requerida a presença do Sr. Ministro da Guerra, que se não encontra no Senado.

Vai por isso, continuar a discussão do projecto relativo a expropriações.

O Sr. Ramos da Costa: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de substituição ao artigo 1.° do projecto em discussão.

Dêste modo, creio que deixam de ter razão as reclamações que até certo ponto eram justas que se ventilaram, tomando-se na devida consideração todos os interêsses, incluindo os dos proprietários.

Em tal proposta estão assinados quási todos os membros da comissão de finanças, e por isso, recomendo-a à apreciação do Senado.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a proposta de substituição apresentada pelo Sr. Ramos da Costa.

Proposta de substituição

Artigo 1.° Para o efeito do disposto nos §§ 6.°, 7.º e 9.° do artigo 16.° da lei de 26 de Julho de 1912, o valor dos prédios rústicos e urbanos a expropriar será determinado por peritos nomeados nos termos do § 4.° do mesmo artigo, não podendo, todavia, êsse valor ser superior ao que resultou do rendimento colectável inscrito nas matrizes, multiplicado pelos coeficientes fixados pelo Estado para a liquidação da contribuição predial respectiva, nos termos dos artigos 23.° e 25.° da lei n.° 1:368, de 21 de Setembro de 1922. - Herculano Jorge Galhardo - Júlio Ribeiro - Nicolau Mesquita - Vicente Ramos - Francisco de Sales Ramos da Costa.

Lida na Mesa, foi admitida, ficando em discussão.

O Sr. Alves de Oliveira: - Sr. Presidente: a proposta de lei n.° 85 já sofreu uma longa discussão nesta Câmara.

É certo que me não encontrava presente aos trabalhos do Senado, quando tal discussão se fez. No entanto, Sr. Presidente, oferece-se-me agora o ensejo de explicar ás razões que me levaram a assumir na comissão da finanças uma atitude que divergiu da totalidade dos meus ilustres colegas nessa comissão.

Quando ali se tomou conhecimento da presente proposta de lei, desde logo manifestei a minha opinião sôbre a proposta vinda da Câmara dos Deputados e, assim, entendia que ela deveria merecer a aprovação da comissão, e já era meu propósito, quando ela viesse a ser discutida no Senado, eu acompanhar essa discussão e manifestar-me no sentido da minha exposição feita no seio da comissão.

Sr. Presidente: pôr esta proposta de lei pretende revogar-se o disposto no artigo 16.º do § 6.° da lei de 26 de Julho de 1912.

Conveniente é que, para completo esclarecimento do Senado, analisemos essa disposição.

Eu direi a V. Exa., Sr. Presidente, que a doutrina consignada no artigo 16.°

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da lei de 26 de Julho de 1912 tinha a sua justificação nesse tempo.

Quere dizer que em 1912 não havia inconveniente para o expropriado em que tivesse inteira aplicação êste preceito, mas as circunstâncias resultantes da guerra, com factores económicos bem conhecidos, tornaram a disposição, que era justa, numa disposição verdadeiramente expoliativa.

Vejamos o que diz o parágrafo que pretende revogar-se: diz que a base da. avaliação do prédio será o seu rendimento, sem redução de encargos de qualquer natureza.

O rendimento será o que consta da matriz predial, excepto se os peritos averiguarem que esta é inferior, ao rendimento efectivo.

Estava nestas últimas palavras o correctivo à exigência da lei de que a determinação do valor do prédio a expropriar fôsse verificada pelo rendimento colectável.

Isto é, sempre que os peritos averiguassem que o rendimento efectivo era superior ao rendimento que constava da matriz predial, era por êsse rendimento efectivo que se fazia a avaliação, e para acautelar os interêsses do Estado, o resultado dessa avaliação era comunicado à respectiva secretaria de finanças.

Mas veio a guerra e com ela surgiu o decreto regulador das acções de despejo, proibindo, em determinados casos, a elevação das rendas, de maneira que, na expropriação de prédios urbanos, o rendimento pelo qual se guiaram os peritos era aquele que constava da matriz, por isso que o proprietário ou senhorio não podia elevar as rendas.

Por consequência, o rendimento efectivo era realmente aquele que constava da matriz.

Assim, êsse correctivo que a própria lei de 26 de Julho de 1912 consignava, acautelando os justos, interêsses do expropriado, não surtia os seus efeitos em relação à propriedade arrendada, principalmente à propriedade urbana. Daí, os inconvenientes que advinham para o expropriado, que tinha de ver desaparecer a sua propriedade, sem ter a remuneração devida.

A expropriação por utilidade pública é justificada ppor isso que os interêsses individuais ou particulares devem ceder perante os interêsses gerais, mas de modo algum pode explicar aquilo que eu já tive ocasião de dizer e que reputo uma expoliação.

É uma restrição, a expropriação, do direito de propriedade.

É uma restrição necessária, mas que essa expropriação não se traduza num prejuízo para o expropriado. Basta êle ficar sem a sua propriedade. E se o direito originário da expropriação lhe é cerceado, dê-se-lhe o valor da propriedade.

Agora dizer-se: a propriedade deixa de ser do seu dono para passar para o Estado ou para as corporações administrativas, mas há-de pagar-se por ela aquilo que ela valia antes do agravamento resultante da guerra; isto é, numa desvalorização da moeda pagar dez e às vezes mais, mas menos do que o seu valor real, isso é uma verdadeira iniquidade! (Apoiados).

Pretendem justificar, apreciando esta proposta de lei, três pareceres: o da comissão de finanças, o da comissão de legislação civil e o da comissão de administração pública e, todavia, os pareceres são divergentes.

O parecer da comissão de legislação civil preocupou-se com a situação de desigualdade em que se encontravam o expropriado e o Estado, e assim disse, que, ter um prédio um valor para o proprietário pagar a contribuição ao Estado e outra para o Estado pagar quando expropriado por utilidade pública, é que não é, absolutamente, pé de igualdade.

Em primeiro lugar esqueceu-se a comissão de legislação civil de que não é só o Estado a expropriar; há as expropriações das corporações administrativas. Mas, aceitemos a proposição da comissão de legislação civil em relação ao Estado expropriante e do proprietário expropriado.

Eu pregunto então: se essa desigualdade se dá, de quem é a culpa?

Do proprietário ou do Estado que não deixou elevar as rendas?

Se esta desigualdade existe em resultado da atitude do Estado para com o senhorio a quem não deixou aumentar as rendas, de modo que o rendimento colectável inscrito na matriz é aquele que consta do título de arrendamento.

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De maneira que, se o Estado cobra uma contribuição inferior à que podia corresponder ao valor do prédio, não é por culpa do proprietário, mas por culpa derivada da lei que tem sido cumprida.

Portanto, se essa desigualdade se dá ela nasce da circunstância da legislação especial que foi promulgada em relação ao despejo.

Ainda nessa preocupação da comissão da legislação civil se nota que a comissão se preocupou com expropriações na totalidade quando é certo que, já não direi tratando-se da propriedade urbana mas da propriedade rústica, há a expropriação parcelar, e, Sr. Presidente, havia então o correctivo para ser elevada a contribuição se porventura ficar na nossa legislação o preceito estatuído na proposta de lei, por isso que, uma vez determinado o valor dos prédios a expropriar pela legislação geral, essa importância da indemnização a pagar ao expropriado eleva as outras parcelas que não são abrangidas pela expropriação, e por essas vai o Estado cobrar uma contribuição mais elevada, corrigindo a matriz predial em relação ao rendimento duma propriedade que estava na matriz com rendimento colectável baixo.

Sr. Presidente: na comissão de legislação civil foi estabelecido êste critério e procurava-se dar-lhe êste remédio: substituindo a proposta de lei vinda da Câmara dos Deputados por um artigo único que é mais ou menos a doutrina da proposta agora enviada para a Mesa pelo ilustre relator da comissão de finanças.

Com esta proposta de lei o que se pretende?

Pretende-se que a determinação do valor dos prédios a expropriar seja feita pela legislação geral.

A legislação geral encontra-se no artigo 253.° do Código do Processo Civil, e da leitura do artigo se verifica que há elementos vários para a determinação do valor.

E assim, sendo de facto o rendimento da propriedade a expropriar, o elemento principal para determinar o valor da indemnização, é certo que a outros elementos a lei manda atender.

Se a Câmara me dá licença eu leio o artigo 253.° e seu § 1.° que regula essa matéria.

Quere dizer, para determinar o valor do capital, vai-se procurar a média do rendimento dos últimos cinco anos.

Mas ainda há outros elementos a atender para a fixação do valor, como por exemplo, o tempo em que a propriedade pode continuar a dar o mesmo rendimento, pois que propriedades há que podem ter um rendimento garantido, mas a propriedade rústica pode ter um rendimento elevado durante um certo espaço de tempo e ser reduzido ou até aumentado posteriormente.

Estão neste caso aquelas propriedades de cultura de vinha.

Todos sabem que há um período em que a produção é maior do que a renda, mas, ou pela acção do tempo, ou pela acção da doença de que é susceptível essa cultura, dá-se um abaixamento do rendimento.

E o que digo a respeito da propriedade cultivada de vinha, podia dizer relativamente à propriedade com árvores de fruto.

Portanto, é preciso atender, nos termos da legislação geral, ao tempo em que a propriedade pode continuar a dar o mesmo produto ou rendimento.

Pelo que toca à propriedade urbana, é necessário atender também muitas vezes ao uso a que poderá aplicar-se.

Apoiados.

Assim, por exemplo, pode suceder que o proprietário arrende uma casa para habitação, mas num dado momento ela pode ser aplicada ao exercício duma qualquer indústria, aumentando, por consequência, muito o valor.

É portanto êsse um elemento a atender para a determinação do seu valor.

No momento em que se faz a expropriação e a relação àquele período de tempo para determinação do rendimento sujeito à equiparação que determina o capital, pode suceder que a propriedade esteja por um valor baixo, ou por um valor alto.

É preciso atender também a essa circunstância.

O que se pretende, por consequência, com a proposta de lei em discussão, é fazer voltar aos princípios da lei geral aquilo que estava desviado, e desviado sem grande prejuízo desde 1912; mas com grande prejuízo para o proprietário, de-

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pois do conflito europeu e principalmente depois que o Estado não permitia aos proprietários elevarem as respectivas rendas.

Uma situação, portanto, criada para com o proprietário, era. face da lei, sem que êle para tal tivesse concorrido.

Até aqui, êle achava-se numa posição de prejudicado, reagindo pelos meios ao seu alcance.

Não era, pois, salvo o devido respeito pelos ilustres membros da comissão de legislação civil, de atender essa presumida desigualdade que se encontra no papel do Estado e no papel do proprietário.

Se essa circunstância se dava, para ela nada tinha concorrido o proprietário.

Se menos contribuição pagava, é porque o rendimento colectável tinha sido determinado pelo valor fixado no título de arrendamento.

Êste foi o argumento de que se serviu a comissão de legislação civil.

Passemos agora a ver as razões que determinaram as comissões de finanças a dar o seu parecer desfavorável à proposta em discussão.

Esta comissão atendeu mais à circunstância do prejuízo que haveria para as corporações administrativas em todos os projectos de melhoramentos das cidades e vilas, cujos réditos elas administraram, e nesta ordem de ideas diz que, no interêsse do grande público, devia manter-se a legislação vigente.

Sr. Presidente: eu sei que neste momento é certo que convertida em lei a proposta em discussão, isso importará um aumento de despesa para algumas corporações administrativas, dos melhoramentos que, porventura, tenham em vista, mas, Sr. Presidente, nada mais injusto de que lazer recair num só aquilo que é benefício de muitos. Paguem todos. (Apoiados).

Êsse encargo que certamente advirá para essas corporações administrativas que seja coberto por todos os munícipes; mas agora dizer-se que há-de recair apenas no proprietário que se vê na espectativa de ficar sem o seu prédio ainda por um valor muito inferior àquele que êle possui é que não faz sentido, pois do contrário nós teremos então de reconhecer que não se trata de expropriação, mas duma verdadeira expoliação. Se há melhoramentos a realizar que se realizem mas com sacrifício de todos os que vão aproveitar dêsses melhoramentos; agora, dizer-se ao proprietário que fica sem o seu prédio que há-de receber um valor inferior ao que todos lhe atribuem, eu reputo isso uma medida iníqua e injusta. (Apoiados). E não será, portanto, com o meu voto que se manterá o preceito da lei de 26 de Julho de 1912.

Sr. Presidente: comecei por dizer a V. Exa. que na comissão de finanças do iniciar o estudo desta proposta de lei, tinha dado já o meu voto no sentido de ser revogado o preceito da lei de 26 de Julho, isto sem deixar de ter pelos meus ilustres colegas da comissão de finanças o devido respeito pelas suas opiniões; mar porque me parecia que esta proposta de lei era justa e por consequência não podia, embora eu quisesse que as regalias até agora usufruídas paios corpos administrativos e pelo Estado, depois de 1914, em relação ao preceito da lei de 26 de Julho que nesse tempo não tinha inconveniente que tem hoje, eu promovendo a sua revogação, parece-me que estava dentro dos bons princípios, e assim, Sr. Presidente, é certo que quando se discutiram as propostas de finanças nesta Câmara, foi-me sugerida a idea de conciliar interêsses legítimos, procurando actualizar o rendimento dêsses prédios.

Sr. Presidente: com êsse intuito cheguei até a subscrever uma proposta que era intenção da comissão de finanças enviar para a Mesa, mas devo lembrar, Sr. Presidente, que então, ainda os projectos de finanças não estavam aprovados no Senado; e, se eu então tivesse conhecimento que os coeficientes a fixar mais tarde eram um a justa correcção do preceito da lei de 26 de Julho, eu teria subscrito essa proposta enviada para a Mesa. Mas, Sr. Presidente, ainda agora tenho as minhas dúvidas e os meus justos receios de que essa actualização, por virtude dos coeficientes fixados ou a fixar, ainda não correspondem ao verdadeiro valor da propriedade, e, sendo assim, eu, que tenho defendido o princípio de quem expropria tem o dever de reconstituir o verdadeiro valor da propriedade, por essa razão não posso dar o meu voto à proposta enviada pela comissão de finanças para a Mesa.

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Nestes termos, tenho explicado a V. Exa. e ao Senado qual foi a minha intervenção na comissão de finanças, embora não tenha subscrito o seu parecer porque não estava presente. E assim concluo, dizendo a V. Exa. que dou o meu voto à proposta de lei tal como veio da Câmara dos Deputados.

Para finalizar devo dizer a V. Exa. que não há senão que congratular-me pela circunstância de ver que um ilustre membro da comissão de legislação civil, até o seu relator, depois fazendo parte da comissão de administração pública, manifestou já um outro pensamento assinando, sem declarações, o parecer da comissão de administração pública; quere dizer, dando o seu voto à proposta tal como veio da Câmara dos Deputados.

O Sr. Pereira Gil: - Eu assinei com declarações. A imprensa é que se esqueceu do pôr no parecer.

O Orador: - Eu só estava a fazer justiça a S. Exa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Dias de Andrade: - Sr. Presidente: não é propriamente para entrar na discussão da proposta de lei n.° 86 que eu pedi a palavra; deixo isso à alta competência dos ilustres jurisconsultos desta Câmara.

A minha convicção estava firmada e mais se firmou ainda depois de ouvir as razões brilhantemente expostas pelo meu ilustre colega Sr. Dr. Alves de Oliveira.

Eu voto esta proposta tal como veio da Câmara dos Deputados.

O Sr. Alves Monteiro: - É a boa doutrina.

O Orador: - Assim o creio.

A aplicação da proposta, ou melhor, do parecer da comissão de finanças, enviado para a Mesa pelo seu ilustre relator, daria, me parece, resultados muito graves. Pela lei votada, para a contribuição predial urbana e valor colectável de 1914, multiplica-se por 2,5 3,5 e 1,5, conforme o prédio urbano é destinado a habitação, ou ao comércio e à indústria.

Nesta parte poderá aplicar-se a doutrina do parecer.

Com relação à propriedade rústica, se o rendimento colectável é até 20$, multiplica-se pelo coeficiente 4; se vai até 100$, multiplica-se pelo coeficiente 6; se é superior a 100$, multiplica-se pelo coeficiente 7.

De forma que os prédios têm diferentes valores conforme os proprietários a que pertencem.

O Sr. Artur Costa: - Não é isso o que está na lei.

Queira S. Exa. ler.

O Orador: - Não me parece que seja assim, pelo menos até aqui hão era assim.

Como está, o mesmo prédio passa a ter valor diferente conforme o proprietário, o que me parece uma grande injustiça.

O Sr. Ramos da Costa: - Requeiro que volte novamente à comissão o projecto com a minha proposta de substituição.

O Sr. Alves de Oliveira: - Estranho êsse requerimento por isso que a doutrina da proposta de S. Exa. é a mesma da comissão de legislação civil que já foi devidamente apreciada.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Acho aceitável êsse requerimento.

O Sr. Alves de Oliveira referiu-se à comissão de legislação, que resolve êsse ponto por uma forma semelhante mas não perfeitamente igual.

O Sr. Ramos da Costa: - Não se trata duma cousa prevista na proposta da comissão de legislação.

O Sr. Presidente: - Vou submeter à votação o requerimento no sentido de a proposta e projecto voltar à comissão.

Submetido á votação o requerimento, foi rejeitado.

O Sr. Ramos da Costa: - Requeiro que seja impressa essa alteração e distribuída.

O Sr. Presidente: - A proposta veio para a Mesa, foi lida e admitida e está em discussão com o projecto.

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Não tem cabimento, pois, o requerimento.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Creio que o requerimento não vai contra o Regimento. Concordo com êle.

O Sr. Pais Gomes: - Não há nada no Regimento que autorize a que seja impressa qualquer proposta que durante a discussão seja mandada para a Mesa.

Doutro modo a imprimir-se, nunca mais se discutia nada.

Posto à votação o requerimento do Sr. Ramos da Costa, é rejeitado.

O Sr. Pereira Osório: - Sr. Presidente: vou limitar a muito pouco o que vou dizer, porque estou numas condições de inferioridade física com um forte ataque de gripe, que, só com grande esfôrço poderei fazer-me ouvir.

Eu já disse que o critério que deve determinar uma expropriação é o de que o expropriante tem de colocar o expropriado nas condições em que estava antes da expropriação; ou seja: dando um prédio pouco mais ou menos nas condições do expropriado ou dar-lhe em dinheiro o suficiente para êle poder adquirir outro.

Tudo o que não fôr isto é uma expoliação, e tanto assim que o Código do Processo Civil e toda a legislação que regula o modo de avaliar dá ampla liberdade e defesa para se poder fixar o verdadeiro valor.

Argumenta-se com a lei de 1912, dizendo que foi uma conquista da República e que não se devia perder essa conquista.

Foi, sim. Mas é preciso não confundir; a conquista foi o princípio da expropriação e êsse desejo em que se mantenha íntegra.

Quere dizer, uma vez reconhecida a necessidade de expropriação por utilidade pública, não há motivo nenhum que possa impedir essa expropriação; êste é que é o princípio que constitui a conquista de 1912; o resto, a forma de avaliar, já é uma cousa secundária que tem de variar conforme as circunstâncias.

Porque é que na lei de 1912 se regula por aquela forma tam simples?

Foi porque ainda há pouco tempo se tinha proclamado a República e os diferentes municípios, com a ânsia de desenvolver os seus concelhos e de fazer obras, não tinham uma lei que lhes garantisse e facilitasse essa obra.

Foi isso que provocou esta lei de 1912 e portanto procuraram-se todos os meios, até na forma da avaliação facilitar essa missão das câmaras.

Mas, nessa ocasião não havia perigo de grande monta, porque a verdade é esta: é que as matrizes não correspondiam aos valores dos prédios, em todo o caso essas diferenças eram mínimas comparadas com o que são agora, e portanto os prejuízos não podiam ser muito grandes.

Mas como a propriedade, por condições de ordem económica, de ordem social e de outras, atingiu um preço enorme, 10, 12 e 15 vezes mais, resulta pela fôrça da lógica que seria absurdo querer aplicar nas circunstâncias actuais, que são diversas das de 1912, a mesma forma de avaliação.

Não pode nem deve ser, e o que é extraordinário, e eu friso bem isto, é que alguns municípios que no princípio em que começou a vigorar a lei de 1912 realmente fizeram melhoramentos, paralisaram depois, e só agora, quando viram a grande diferença que havia entre as matrizes e o valor real da propriedade, é que começaram, vertiginosamente, a dar-se ares de que queriam fazer melhoramentos e a activar as expropriações.

Já quando falei da outra vez frisei o seguinte escândalo:

É que havia propriedades expropriadas pela forma indicada na lei de 1912, cujos materiais eram postos em arrematação com a obrigação de o arrematante remover êsses materiais pelo duplo e pelo triplo do valor que a entidade expropriante tinha dado por todo o prédio.

Eu não quero aqui proferir a verdadeira classificação que se encontra no Código Penal e que corresponde a um facto desta ordem.

Para não cansar mais a Câmara vou terminar chamando a sua atenção para o parecer dado pela comissão de administração pública, que a meu ver é o que tem mais importância.

E porque é que tem mais importância?

Porque a comissão de administração pública reuniu depois de ter sido debati-

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do durante sessões sucessivas o caso, e assim, quando se retiniu e deu o parecer conhecia já bem todos os meandros desta questão de forma a poder manifestar-se mais conscienciosamente do que as comissões anteriores visto que essas comissões possuíam apenas os elementos do ocasião.

Como ainda não tinha havido debate, faltavam-lhes aquelas luzes que resultam sempre da discussão.

É portanto minha opinião que deve ser votado o projecto tal como veio da Câmara dos Deputados, porque isso é que representa a verdadeira justiça. (Apoiados).

Só por essa forma se pode dar valor à propriedade, e quer para a entidade ex-propriante quer para a expropriada a lei fornece-lhes os mesmos meios de defesa.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Querubim Guimarães.

O Sr. Querubim Guimarães: - Se V. Exa. me consente eu cedo a palavra ao Sr. Herculano Galhardo, que também a pediu.

Depois de S. Exa. falar usarei da palavra.

O Sr. Herculano Galhardo: - Sr. Presidente: deixe-me V. Exa. começar por agradecer ao Sr. Querubim Guimarães a sua amabilidade, que eu não sei a que dever senão à grande gentileza de S. Exa.

Não tencionava usar da palavra na sessão de hoje sôbre a discussão dêste projecto de lei. Mas falou o Sr. Pereira Osório e é por particular atenção por S. Exa. que vou falar.

A explicação desta minha atitude especial para com S. Exa. é a resultante dum àparte, que lhe dirigi quando numa sessão passada S. Exa. falou, àparte com que eu tive a infelicidade de magoar S. Exa., ao que me pareceu.

Também folgo de ver S. Exa., o Sr. Machado Serpa, a dirigir nesta ocasião os trabalhos do Senado, porque vou aproveitar o ensejo para dizer duas palavras a propósito de outras que S. Exa. proferiu, procurando, com aquela graça e com aquele talento especial que o caracterizam, deprimir o primeiro parecer da comissão de finanças, e digo o primeiro porque está sôbre a Mesa uma proposta de substituição, que foi apresentada pelo Sr. Ramos da Costa, que é o relator da comissão de finanças, proposta essa que foi aprovada por todos os membros da comissão de finanças, excepto pelos Srs. Alves de Oliveira e Sousa Varela.

S. Exa., procurando como há pouco disse deprimir o parecer da comissão de finanças em que se falava no que ia pela Europa, referiu-se ao Sr. Poincaré, antigo Presidente da República Francesa, e hoje Presidente do Ministério.

Ao Sr. Poincaré não pode bem chamar-se um extremista. Pelo contrário, êle representa um grande agrupamento da França que é tudo quanto há de menos extremista, e eu que tenho por hábito, e isso principalmente me diverte e distrai, observar o que fazem e dizem os grandes homens de Estado do mundo, tive ocasião de ler a passagem dum dos últimos discursos políticos do Sr. Poincaré, que vem muito a propósito e no qual êle afirmou com muito critério que há "les gens agés qui ont la tendance instinctive de s'enfermer dans leurs positons intellectuelles et de ne pas prêter une attention suffisante à ce qui se passe au dehors..." e que "il nait autour d'eux une France nouvelle, une Europe nouvelle, une humanité nouvelle" e ainda que "ils ont souvent la tentation de s'endormir sur le mol oreiller d'idées toutes faites et de pré jugés confortables".

Achei muito interessantes estas passagens dêsse discurso, pois o Sr. Poincaré não é banal nas suas afirmações e o que acabo de citar é particularmente aplicável ao projecto em discussão, porque a verdade, Sr. Presidente, é que êste projecto tem merecido um especial cuidado e muito interêsse ao Senado, e tanto que aquelas poucas pessoas que não simpatizam com o projecto têm, pela sua atitude firme e serena, sido apontadas como inimigas da propriedade e quási como perturbadoras da ordem pública.

Até já se disse aqui que essas pessoas pretendem pôr o problema da propriedade privada neste momento! Como se isso fôsse alguma cousa de espantar!

Essas poucas pessoas que combatem o projecto já foram apontadas como extremistas.

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Mereceu sempre êste projecto particular cuidado ao Senado. Porquê?

Trata-se, Sr. Presidente, duma questão de interêsse geral? Os que defendem pensam que sim; os que atacam pensam que não.

Trata-se duma questão de interêsses particulares?

Também não, e assim penso.

Mas trata-se de interêsses particulares?

Sim, porque considero particulares os interesses dos indivíduos em presença dos interêsses gerais.

Ora, compreendo que os homens públicos olhem para os indivíduos quando se trata de lhes aumentar o seu valor social; mas não posso estar de acôrdo quando os interêsses particulares tentam sobrelevar-se aos interêsses gerais.

Pouco me interessa já o resultado da votação, que vai ter êsse projecto.

Estou dela completamente desinteressado, mas da sua discussão não o estou, neste momento grave para a República, e para a Pátria.

A sua discussão revela à persistência duma mentalidade especial, que vem dificultando há muito tempo a resolução dos graves problemas que pendera sôbre o pais e há-de continuar a dificultá-los se a não combatermos.

O Sr. Pereira Osório: - Muito obrigado.

O Orador: - Perdoe S. Exa. mas o sem àparte não vem a propósito.

Estou constatando a existência dessa mentalidade directriz; mas nada disse que pudesse magoar quem quer que seja.

A persistência dela vem infelicitando todos nós, visto que ela, sustentando os preceitos gerais de direito que está defendendo, nos desgraça a todos, êsses tais preceitos que no dizer do Ministro da Justiça, Sr. Catanho de Meneses lhe não deram meios de vencer a ganância e o egoísmo daqueles quê exploram os que sofrem.

Parece que o Sr. Pereira Osório se ofendeu quando observei que S. Exa. parecia um orador do século passado.

Ora em nada podia ofendê-lo ou sequer molestá-lo, tal observação, porque no século, passado houve oradores tam grandes que perante êles os modernos se sentem deminuídos.

O Sr. Pereira Osório: - Não fiquei magoado; fiquei apenas admirado porque me julguei mais avançado que S. Exa.

O Orador: - Avançado eu!? Quási chego a considerar-me reaccionário comparando-me com V. Exas.

Com que autoridade hão-de aqueles, que defendem o projecto, e que querem valorizar os prédios, protestar amanhã contra a carestia da vida, e dizer ao Govêrno que não permita os aumentos constantes das batatas, das cebolas, etc.?

Porque é que os vendedores dos prédios os hão-de alienar nos termos gerais de direito, e os vendedores das batatas, ou das cebolas as não podem vender também nos termos gerais de direito?

Tam proprietário é o dono dos prédios, como o é o proprietário de cousas que tem para vender.

O ilustre Senador que relatou o projecto por parte da comissão de finanças, disse que, se efectivamente a nossa moeda estava desvalorizada para o proprietário, estava desvalorizada para tudo, e quando se referiu aos títulos da dívida pública, que nós estamos pagando com moeda fraca, devendo nos termos gerais do direito, ser pagos em moeda fraca, o Sr. Pereira Osório, perfeitamente coerente, disse: apresente S. Exa. um projecto nessa conformidade que eu dou-lhe o meu voto.

Se se aplicasse aos títulos de dívida publica o mesmo critério, que se pretende aplicar aos prédios, veria S. Exa. para onde se atirariam as finanças da nossa Pátria!

Aqui está por que eu digo que não era razão para ninguém se admirar se, neste momento, fôsse posta a questão da propriedade privada, e digo-o abertamente sem receio de que me chamem extremista.

É que eu ponho acima dos interêsses individuais os interêsses dá colectividade, e à colectividade subordino todos os meus actos, quer particulares, quer públicos.

Votará a Câmara como quiser. Eu continuo a dizer que a oportunidade é a pior para se votar êste projecto, e que não há razão para procedermos assim para a propriedade privada representada por prédios, e deixarmos no esquecimento o capi-

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tal privado representado por títulos de dívida pública.

Com que direito continuamos a pagar juros em moeda fraca se estamos a dizer que vamos pagar moeda forte os prédios?

O Sr. Poincaré tem razão quando diz que há pessoas que não querem ver que à sua volta se está levantando uma humanidade nova!

Não estou a falar para as galerias, estou a dizer o que sinto, e quero tomar a responsabilidade do que afirmo, embora amanhã seja acusado nas folhas, de extremista. É-me isso absolutamente indiferente.

O meu voto está ligado à proposta que mandei para a Mesa.

É o mais que posso fazer.

Desde que o Estado vai pedir ao proprietário uma determinada contribuição predial é justo que, na expropriação, lhe pague na proporção em que lhe pede o tributo.

O argumento apresentado pelo Sr. Senador Alves de Oliveira, não resolve o problema. É apenas uma forma talentosa de pretender iludir, o problema, mas o problema está de facto pôsto em toda a sua clareza.

Se o proprietário vai ter o direito de nos vender os prédios nos termos gerais de direito, também todos aqueles que possuírem objectos para vender, aquelas cousas de que nós diariamente carecemos, terão o direito, e hão-de reconhecê-lo aqueles que votarem o projecto, de venderem essas cousas pelo seu valor venal.

A proposta que está na Mesa foi aprovada por todos os membros da comissão de finanças, excepto pelos Srs. Alves de Oliveira e Sousa Varela.

Assinaram-na os Senadores do Partido Republicano Português, e assinou-a o Sr. Vicente Ramos Senador independente.

Fique isto bem gravado: os Senadores que na comissão de finanças representam o Partido Republicano Português, e o Sr. Vicente Ramos, Senador independente, são contrários à doutrina que veio da Câmara dos Deputados.

Nós votamos contra essa doutrina, ousadamente o afirmo.

O orador não reviu.

O Sr. Querubim Guimarães: - Folgo muito em ter cedido há pouco a palavra ao Sr. Herculano Galhardo.

Não o fiz só pela muita consideração que tenho por S. Exa. pela sua inteligência e pelo seu valor. Muitas vezes o tenho aqui afirmado. Mas também porque entendi que alguma cousa de interessante viria dêsse lado, que representa a extrema esquerda desta casa do Parlamento. Assim só depois de S. Exa. falar poderia encher-me de coragem para responder se porventura a sua argumentação não chegasse a convencer-me, ou resolveria remeter-me ao silêncio se, ao contrário, as suas razões me levassem a mudar de orientação.

Afinal as suas palavras não lograram convencer-me. Pareceu-me que S. Exa. invocava um argumento de autoridade, deduzido das palavras que diz terem sido proferidas pelo notável homem de Estado francês Mr. Poincaré. Verifico, porém, que as palavras e conceitos dó ilustre Presidente do Ministério de França, longe de servirem de apoio à doutrina acentuadamente radical do Sr. Galhardo, coadunam-se perfeitamente com o meu ponto de vista, cabendo bem dentro do meu espírito de conservador, e, se S. Exa. quiser, dentro mesmo do meu espírito de reaccionário.

O Sr. Herculano Galhardo (interrompendo): - Eu não mo permiti classificar V. Exa. de reaccionário.

Eu é que me classifiquei a mim próprio.

O Orador: - Não se aflija V. Exa. ainda mesmo que me tenha querido classificar de tal.

Tenho muito prazer e mesmo uma grande honra em me classificar de reaccionário na boa acepção da palavra.

Se porventura ser reaccionário é reagir contra a onda de mentira, de dissolução e pavorosa anarquia moral em que se debate, infelizmente, a nossa sociedade de hoje, eu sou um reaccionário. Se ser reaccionário é desejar o restabelecimento do equilíbrio perdido, a restauração da disciplina, da ordem, do respeito pelas tradições do passado e pela hierarquia social, opondo um dique ao desvairamento duma liberdade sem freio, que ameaça subverter tudo na grosseira materialidade dum igualitarismo estúpido e egoísta, eu sou reaccionário.

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Mas, se ser reaccionário é ser intolerante, agressivo, truculento e atrabiliário, negando aos outros o que de direito e em consciência lhes pertence, querendo para si apenas os direitos, as regalias, os benefícios e aos outros exclusivamente impondo encargos, deveres e submissão, e a não sou reaccionário.

Pela inteligência e pelo sentimento sou tolerante, e não se encontrará ninguém mais respeitador do que eu sou das crenças, dos princípios, das convicções e das idéas dos outros, ainda que se trate dos meus mais intransigentes adversários.

Eduquei-me nessa escola, que é a escola cristã, a que nos ensina a não querer para os outros o que não queremos para nós próprios.

Por isso, nos campos diametralmente opostos em que nos encontramos, eu e o Sr. Galhardo, podemos entendermo-nos muito bem, sem agravos nem violências, uma vez que mutuamente nos respeitemos e haja sinceridade nas afirmações de cada um.

Assim como S. Exa., nesse esboço de programa ministerial que tivemos a honra de ouvir, se revela um extremista da esquerda em matéria de propriedade, radical nos princípios e radical nos processos, e diz que é preciso ter a coragem de o afirmar, assim também me não falta a coragem de me afirmar, ao contrário do Sr. Galhardo, um extremista da direita, em tal assunto, conservador pelos princípios e conservador pelos processos, por me convencer cada vez mais que o direito de propriedade é fundamental numa sociedade bem organizada.

Sr. Presidente: disse o Sr. Herculano Galhardo que estamos numa hora difícil em que é preciso enfrentar com decisão e coragem o problema da propriedade privada. Também eu digo o mesmo. É preciso, com efeito, enfrentar êsse problema e procurar resolvê-lo decididamente, sem preconceitos, ou preocupações de sacrificar no altar de novas e perigosas doutrinas.

Uma diferença fundamental afasta, porém, os nossos pontos de vista aparentemente uniformes e concordes.

Emquanto eu quero o fortalecimento do direito do propriedade, o Sr. Herculano Galhardo quere, pura e simplesmente, a sua subversão. Há um abismo entre aos dois afinal.

Falou o Sr. Herculano Galhardo, com visível desdém, do século passado, e ao ver o seu correligionário Sr. Pereira Osório defender a única doutrina aceitável, embora velha, admirado certamente com a atitude dêsse seu amigo, que costuma encontrar sempre a seu lado, nos postos avançados das grandes reivindicações sociais, não se conteve que não exclamasse, com transparente ironia: "O Sr. Pereira Osório é um orador do século passado!"

Como quem diz: "Infiel! Contra os bons princípios, os modernos, que o nosso partido representa, está prestando culto a velharias que há muito fizeram a sua época".

Esquece porém o Sr. Galhardo que o século passado, o chamado século das luzes, foi o mais directamente influenciado pelas doutrinas da grande revolução francesa, em cujo evangelho S. Exa., e o seu partido foram beber a inspiração do seu programa político, a educação e a cultura do seu espírito.

É o século do romantismo na literatura e na política. É o século da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, com maiúsculas sugestivas a que S. Exa. tudo deve sacrificar.

É o século dos Direitos do Somem, consignados nos códigos fundamentais, e entre êles lá figura o direito de propriedade reconhecido como sagrado e inviolável.

Leia S. Exa. o artigo 17.° da declaração dêsses direitos, de 1789, e lá encontrará essa definição, acrescentando-se que ninguém pode ser privado da propriedade, a não ser que a necessidade pública legalmente verificada o exija evidentemente, e ainda sob a condição duma justa e prévia indemnização.

Nem a revolução francesa, Sr. Presidente, teve a coragem de investir com a tradição romana do direito de propriedade. Admitiu a expropriação, mas imposta por irrefragáveis razões de interêsse público, e sujeita ainda a uma prévia e justa indemnização. E só nesse caso permitiu a privação da propriedade. É o princípio que se encontra afinal consignado em todas as Constituições e respeitado por todas as legislações civis.

Quem é que nega o direito ao Estado e corporações, ou associações de interêsse público de limitar e restringir, naquelas

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condições, o direito de propriedade? Ninguém, Sr. Presidente.

Mas uma cousa é a expropriação legítima e outra a espoliação. Ninguém defende o direito absoluto de propriedade.

Só os velhos jurisconsultos romanos, segundo uns, ou o regime feudal, segundo outros, é que ergueram como necessidade imperiosa e defenderam como indispensável o direito absoluto da propriedade.

Na antiga Roma afirmava-se que o proprietário tinha o usus, o fructus e o abusus, ou seja o jus utendi et abutendi da própria cousa, mas o abusus era de facto condicionado de maneira que excluía o absoluto de tal direito.

Sr. Presidente: o que eu desejo, o que eu pretendo, é dar toda a elasticidade e segurança ao direito de propriedade; que êste tenha na lei plenas e insofismáveis garantias, que não seja uma ficção, mas uma realidade, e que o interêsse público que se invoca para o restringir e limitar não sirva apenas para encobrir verdadeiros interêsses inconfessáveis, ou dê pretexto de qualquer modo a perseguições violentas, a vexames insuportáveis, a prejuízos sem reparação possível.

É por isso que a suprema razão da utilidade pública nem sempre é fácil de defender.

Atender exclusivamente ao interêsse privado do proprietário é condenar a função social do Estado coordenadora e moderadora de todos os interêsses e direitos particulares, absolutamente imprescindível.

Não podemos abstrair dos altos interêsses da sociedade, da qual todos os indivíduos são órgãos activos.

Por isso, Sr. Presidente, um grande tratadista de direito civil, Romagnosi, dizia que era "a razão social limitadora que impunha as limitações da propriedade".

Um outro, Bluntschli, tratadista de direito público, dizia que "era um alto direito limitativo do Estado que tinha de admitir-se co-existindo com a propriedade privada".

Cimbalé, referindo-se, ao abordar o problema, à luta secular entre o indivíduo e o Estado, negando-se um ao outro, acentuava a existência duma nova fase de entendimento e mútuo auxílio entre êsses dois elementos.

Assim se exprimem os defensores da doutrina do princípio da utilidade pública, considerando que obedecia a essa limitação o direito de propriedade. Tal doutrina não tem hoje contestação.

Existe nos códigos e nas Constituições de todos os povos cultos.

Não podemos porém levar êsse princípio, o da utilidade pública e do interêsse social, até o extremo oposto ao conceito individualista da propriedade, ou seja o da sua colectivização. Essa doutrina, de tam trágicos resultados na Rússia de hoje, é a própria negação da sociedade.

Sr. Presidente, V. Exa. sabe e toda a Câmara que quando se dá uma expropriação por utilidade pública o proprietário recebe em troca certa indemnização, correspondente ao valor do prédio expropriado. Está isso em todas as leis.

Tal princípio serve para mostrar bem a distinção que existe entre a expropriação por utilidade pública e a fórmula socialista da nacionalização dos instrumentos de trabalho e da propriedade.

Os dois conceitos - o do interêsse privado e o do interêsse público - não se repelem um ao outro. Pelo contrário, devem co-existir harmònicamente e no justo equilíbrio dos dois é que reside a boa ordem necessária ao progresso dos povos.

O direito de propriedade é indispensável numa sociedade bem organizada.

A propriedade e a família são os dois organismos basilares na vida das nacionalidades.

É claro que dar ao direito de propriedade inteira e absoluta liberdade seria inaceitável, impossível mesmo, pois equivaleria de facto à sua própria supressão.

As suas restrições e limitações não são só impostas pelo Estado como representante do supremo interêsse da colectividade; são também impostas pelos próprios particulares em seu benefício e interêsse. As servidões e outros ónus prediais que as leis impõem outra cousa não são senão limitações e restrições dessa natureza.

Já vê V. Exa. que através da evolução jurídica e social se tem seguido sempre esta norma: "o direito de propriedade deve ser revestido daquelas garantias indispensáveis à sua efectivação, de modo a o homem poder desenvolver a sua actividade pelo trabalho e dar ao produto dêste o destino que lho aprouver, respei-

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tando-se-lhe a posse integral aos seus bens, mas sem que de qualquer modo vá ao excesso de prejudicar a sociedade, ou o próprio direito de propriedade dos outros.

Tudo tem os seus limites na lei, e não há direitos que pão sejam condicionados pelos dos outros, ou pelos da colectividade. O que não é fácil é fixar êsses limites; é estabelecer a meta que separa o interêsse particular do interêsse público, ou melhor, é definir a conciliação dêstes dois interesses. A isso chamava Vico, numa frase elegante, a - giustizia architettonica.

O que é certo é que em obediência a êsse principio vemos admitido por todos os povos cultos o respeito pela propriedade, dando-se, no caso da expropriação, uma equitativa indemnização ao proprietário.

Sr. Presidente, eu não quero de modo nenhum alongar a discussão dêste assunto, o que eu quis foi responder às afirmações do Sr. Herculano Galhardo quando disse que via nos propósitos da Câmara, porventura da própria maioria, um perigo, pelas doutrinas que parece querer aceitar, quando a verdade é que o perigo está exactamente nas doutrinas de S. Exa.

Sr. Presidente, na Inglaterra, na Itália, na França, na Prússia na Áustria, era todas as nações civilizadas, emfim tanto no seu sistema constitucional, como na sua legislação civil, o princípio da utilidade publica impondo-se aos interêsses particulares se acha consignado, mas em todass essas constituições e leis se manda dar ao proprietário uma justa indemnização; é, sabem V. Exa. muito bem, o que se quere significar com essas palavras - justa indemnização.

Em nenhum dêsses países a indemnização é baseada no critério fiscal, acontece entre nós, mas sim na avaliação feita por peritos, ou por processo idêntico. V. Exa. vê isso mesmo na democrática França, na lei de 3 de Maio de 1841, onde um júri especial, composto de dezasseis membros, é convocado para fixar definitivamente o montante da indemnização, perante o qual as duas entidades - expropriante e expropriado - apresentam as suas reclamações, e que resolve, sob a garantia para as partes, do recurso de revista por ofensa da lei, entre o mínimo oferecido por uns e o máximo exigido por outros, depois de ouvir todas as pessoas que entende poderem esclarecê-lo e de examinar o prédio a expropriar, para o que poderá transportar-se colectivamente ao respectivo local ou delegar essas funções num, ou mais dos seus membros.

Veja V. Exa., Sr. Presidente, a diferença de critérios, tam notável que existe entre a lei portuguesa e a francesa. E não se diga que esta última é uma lei velha, por ser de 1841, e que o espírito moderno não comporta já a sua doutrina. Se V. Exa. examinar o novo projecto de 29 de Abril de 1915, creio que já transformado em lei, que institui a expropriação por zonas, lá encontrará mantido o princípio do júri.

Só no Brasil, e transitòriamente, numa época extraordinária e por motivos de ordem muito especial, entre os quais avultava a necessidade urgente de sanear a cidade do Rio de Janeiro e outras, assoladas por epidemias várias, só ai, por tal motivo e temporàriamente, se admitiu êsse critério fiscal como base da avaliação mas rodeado de todas as garantias e cautelas.

Tenho aqui a legislação do Brasil a tal respeito, e nela se nota que, embora se tratasse de medidas de excepção e de urgência, nem por isso os direitos dos proprietários deixaram do ser tomados na devida conta.

Mas veja-se por exemplo o que acontece na Itália com a sua lei de 25 de Junho de 1865, muito justamente considerada pelos tratadistas a mais perfeita e a mais completa das leis europeias sôbre o assunto. Nela vemos a fixação da indemnização depender da avaliação feita por peritos que devem proceder de harmonia com o único critério aceitável, o único lógico, o único justo e equitativo, fazer consistir a indemnização no preço que atingiria o imóvel em um livre contrato de compra e venda.

Veja V. Exa., Sr. Presidente, quão distanciados estamos da boa doutrina. A expropriação é uma venda forçada, mas nem por isso, e até por isso mesmo, o proprietário que fica privado da sua propriedade deve deixar de receber a importância do seu verdadeiro valor. E qual é êle, segundo a lei italiana? Aquele que

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numa venda voluntária o imóvel atingiria. Não há nada mais justo.

Nada mais pode exigir o proprietário. Assim compreende se o princípio da expropriação. Só assim esta se não transforma numa verdadeira espoliação.

Vivemos em sociedade e por tal motivo em seu benefício temos de sacrificar uma parte da nossa liberdade, dos nossos direitos e dos nossos interêsses. Se a nossa própria liberdade é restringida e limitada pela lei, não admira que o seja também a nossa propriedade. Todas essas restrições e, limitações, porém, têm de ser impostas por leis conscienciosas e justas. Não pode dizer-se que a nossa lei sôbre o assunto esteja em tais condições. Ela não sofre o confronto com as suas congéneres estrangeiras, e nem com a de 23 de Julho de 1850, que a antecedeu na legislação portuguesa.

Na Inglaterra, Sr. Presidente, é por meio da arbitragem que se fecha o valor da propriedade e portanto a importância da indemnização. Se não atinge mais de 50 libras o valor do prédio a indemnização é fixada por dois juizes de paz.

Se êsse valor é superior a 50 libras, então as partes - expropriado e expropriante - confiam os seus direitos à decisão do sheriff recorrem a um juízo arbitral.

Mas voltemos à França, tanto do agrado dos caudilhos da democracia, que tam frequentemente lhes serve de figurino para apenas trazer para cá o que lá existe de mau, esquecendo o que ela tem de bom, essa França que eu sou o primeiro a admirar no que ela tem de belo e de grande e que se impõe à admiração de todos, não pelo espírito sectário, dalguns dos seus homens e dalgumas das suas leis, mas pelas suas grandes virtudes patrióticas, e pelo alto espírito de latinidade que encarna e que a levou à vitória.

Vejamos o que se pensa nesse país e como ali se entende a lei para a determinação do interêsse público.

Tenho aqui por acaso um precioso volume sôbre a matéria, de Raymond Robin, doutor em direito, editado em 1917, onde, ao fazer-se a distinção entre um interêsse público puramente moral e um interêsse simplesmente pecuniário ainda que da colectividade, só faz referência a uma carta do Ministro do Interior ao prefeito do Somme, de Fevereiro de 1856, que contém a seguinte doutrina:

"Não pode recorrer-se à expropriação com o fim único de comprar para revender. É vedado, portanto, a uma comuna obter a declaração de utilidade pública pura a expropriação dum imóvel, cuja aquisição seria um bom negócio para aquela, ainda que não correspondesse a qualquer interêsse de ordem geral. O Conselho de Estado, comenta Robin, tem com efeito distinguido sempre, com muito cuidado, entre o interêsse público e o interêsse financeiro da colectividade, autorizando a expropriação no primeiro case e recusando-a dum modo absoluto no segundo".

É a condenação absoluta do princípio de que têm usado e abusado tanto, modernamente, alguns dos nossos municípios com prejuízo manifesto do proprietário que assim, se vê privado da que é seu sob á invocação dum falso interêsse público, pois doutra cousa se não trata senão do interêsse pecuniário das corporações administrativas, que dêsse modo vêm reforçados os cofres já exaustos.

Contra tal abuso me revolto e contra êle certamente se revoltam também todos os espíritos justos.

O interêsse pecuniário das corporações administrativas outra cousa não é afinal senão o seu próprio interêsse particular.

Em todos os países se verifica a luta entre o interêsse particular e o interêsse público.

Só pela coacção da Estado aquele se subordina a êste.

Pensar, por exemplo, que é só em Portugal que o contribuinte, procura pagar ao Estado o menos possível é um êrro.

Em todos os países isso acontece. Todavia em nenhum dêles se toma como base para a indemnização a pagar pelas expropriações o rendimento colectável da matriz.

O legislador estrangeiro nunca viu que tinha em tal disposição o meio indirecto de coagir o contribuinte a dar ao Estado o que lhe é devido. Cabe essa honra a Portugal.

Pelo contrário o que o legislador estrangeiro viu e reconheceu foi que o valor do prédio segundo a inscrição da ma-

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triz é sempre insuficiente e que há ama outra ordem de factores a que é necessário atender para a fixação da indemnização.

Assim é que na França, para êsse efeito, o júri não atende só aos prejuízos materiais mas também aos morais que o expropriado sofre.

Não é afirmação gratuita a que eu faço. Estão aqui expressamente referidas, neste mesmo volume de Raymond Robin que há pouco citei, as regras a que o juri deve submeter-se para determinar o preço duma indemnização dêsse género.

"Tomará em conta, diz-se aqui a p. 103, o uso que o proprietário fazia do seu prédio e mesmo, até certo ponto, o valor da conveniência ou da afeição que êle lhe tinha; porque, expropriando-se o que êle desejava conservar, impôs-se-lhe um sacrifício; deve-se-lhe pois a importância que êste prédio representa para êle, pelo que diz respeito às suas conveniências particulares.

Veja o Sr. Herculano Galhardo, vejam, V. Exa. e a Câmara, o que isto significa. Não é o valor venal apenas que se tem em conta, é também o próprio valor estimativo, o valor da afeição, do amor que o proprietário tem às suas cousas que é respeitado e ponderado. E muito bem porque nós criamos um afecto especial aos nossos prédios, aos próprios objectos que nos rodeiam, aos bens que conseguimos adquirir pelo esfôrço da nossa inteligência, pela nossa actividade, pelo nosso trabalho constante e persistente.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Nessa hipótese não podia haver expropriação por utilidade pública.

O Orador: - Podia e pode, sim senhor.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Não foi isso que V. Exa. disse há pouco.

O Orador: - Peço perdão a V. Exa. O que eu, disse foi que o direito de propriedade não pode ser absoluto, precisa ser limitado pelo critério da utilidade pública, mas baseado em condições de garantia para o proprietário, a quem não pode ser regateada uma compensação justa pela privação que sofre dum prédio a que se afeiçoara. Essa compensação está na indemnização, mas numa indemnização racional que abranja todos os prejuízos - os materiais e os morais.

Já vê o Sr. Joaquim Crisóstomo que não foi oportuno o seu àparte.

Voltando ao assunto.

Qual deve ser a base para essa indemnização? O valor do prédio segundo o rendimento colectável? Não pode ser. Êsse rendimento é falível e varia de concelho para concelho e até mesmo dentro do próprio concelho, segundo o critério ou a conveniência de quem faz ou ordena as respectivas inscrições na matriz.

A única base aceitável, por retinir todas as condições de justiça para ambas as entidades interessadas é a avaliação nos termos gerais de direito.

Não vale a pena demorar-me mais com estas considerações. Estou um pouco nas condições do nosso colega e ilustre Presidente desta Câmara, o Sr. Pereira Osório, que ontem ao chegar a Lisboa foi atacado pela gripe. Bastante já tenho abusado da atenção e benevolência desta Câmara.

Não fazia tenção de falar hoje sôbre o projecto em discussão, e não falaria se o Sr. Herculano Galhardo me não tivesse convidado indirectamente a esta resposta.

É preciso, Sr. Presidente, que fique bem expresso na lei - e todos os países cultos consignam essa disposição, como vimos, que a avaliação é feita por peritos. E isto que eu quero que fique bem consignado; é isto que se faz em toda a parte onde se respeita o direito de propriedade. Só não se observa assim, é claro, na Rússia sovietista.

Se porventura o Sr. Galhardo, ou algum outro dos meus ilustres colegas acha aceitável o princípio comunista e encara com simpatia o movimento russo, então tenha ao menos a franqueza de o declarar. Mas pelo amor de Deus, guarde essas doutrinas para uso próprio e deixe os outros em paz.

Se tal fôr a orientação do Sr. Galhardo quando um dia ocupar as bancadas do Poder, não deixaremos, se ainda estivermos neste lugar, de dirigir a S. Exa., daqui, os nossos cumprimentos cordiais...

Tenho dito.

O Sr. Herculano Galhardo: - Devo agradecer mais uma vez ao ilustre Senador

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Sr. Querubim Guimarães, a honra que me deu respondendo às minhas considerações, e o prazer que todos nós tivemos de o ouvir fazer uma oração como aquela que acaba de produzir.

S. Exa. tem também que agradecer-me alguma cousa a mim, qual é o ter-lhe dado o pretexto - e digo pretexto, porque, havendo S. Exa. pedido antes de mim a palavra, não foi certamente para me responder que o fez.

Mas, Sr. Presidente, pedi agora a palavra para destruir o equívoco em que S. Exa. está a meu respeito, quando diz que o meu evangelho era o da revolução francesa de 1793.

Não é êsse o meu evangelho, nem as considerações que fiz podem levar-se a uma tal conclusão sôbre a filosofia política e social que me orienta. Quando usei da palavra quis referir-me unicamente ao projecto em si e nada mais.

Mas devo verificar uma cousa: S. Exa. está de acôrdo comigo em que se pode limitar o direito de propriedade. Isso é que é importante e é sob êsse, ponto de vista, que eu disse que todos nós tínhamos o direito - e ninguém pode estranhar - de discutir sôbre o problema de propriedade privada.

Um caso flagrante vai dar-me inteiramente razão. São proprietários em Portugal todos aqueles que, neste momento, estão exportando: são proprietários das suas terras, são proprietários dos seus estabelecimentos industriais, são emfim proprietários dos seus produtos. São, por isso, também proprietários do produto da venda daquilo que fabricaram. Temos de reconhecê-lo nos termos gerais de direito. E então, o que sucede é que êstes proprietários, de harmonia com o direito que acabamos de lhe reconhecer, terem também o direito de deixar nos bancos estrangeiros o ouro que é resultado daquilo que Portugal produziu.

Sr. Presidente: carecem Portugal e todos os portugueses de pão. Mas os proprietários portugueses têm o direito de plantar chicória e vinha nas terras que tinham de produzir pão. Carece a população portuguesa de pão, de carvão e de matérias primas que do estrangeiro importa, e que tem de pagar com aquilo que produz. Mas como o que produz está nas mãos dos proprietários a nação inteira pode morrer, porque os seus proprietários, nos termos gerais de direito, têm o direito de deixar o ouro no estrangeiro!

O evangelho do Sr. Querubim Guimarães é êste: o dos princípios liberais da grande revolução.

Não é o meu. Eu sou mais simples na minha concepção social; contento-me em pensar como português e pensar que á preciso pão, e que é preciso carvão. E assim, não terá o Estado o direito preguntar àqueles que nas suas propriedades cultivam chicória e vinha: onde está o pão de que o país carece? O Sr. Querubim Guimarães não o disse...

O Sr. Querubim Guimarães (interrompendo): - Êsse ponto de vista não vem agora para o caso das expropriações.

O Orador: - É êste comtudo o evangelho da revolução... Conheço-o muito bem, e é o evangelho de todos aqueles que imaginaram que a Terra era povoada de anjos. Infelizmente, os anjos são o que nós vemos.

De modo que o velho liberalismo, o velho individualismo, que constituía a base da civilização brilhante sôbre a qual o ilustre Senador assentou a sua brilhantíssima oração, - está prestes a passar à história, se é que não passou já.

Entre a beleza das doutrinas liberais e individualistas, e a desgraça que delas resulta para a colectividade temos que destinguir. O ilustre Senador o reconhece no seu acôrdo comigo quanto ao direito que o Estado tem de limitar a propriedade. E grandes mestres de direito o reconhecem hoje também.

Na sua brilhante oração S. Exa. não respondeu a uma parte importante das minhas considerações.

Porque é que temos tanto respeito pelo capital representado pela propriedade, e deixamos em completo esquecimento o capital privado representado por títulos de dívida pública?

Não há nenhuma razão para o fazer.

Tenho sempre presente as palavras do Sr. Poincaré de que existem pessoas, não direi que pela idade, visto que todos aqui orçam pela mesma, e somos quási que rapazes, mas existem pessoas que levadas pela sua intelectualidade não vêem o que lhes vai em volta.

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26 Diário das Sessões do Senado

Não sou eu levado por essa mentalidade, o que não quer dizer que não respeite essas pessoas que por ela se orientam.

Nas minhas palavras não houve a mínima expressão de intolerância, mas apenas um certo vigor, de que peço desculpa.

S. Exa. referiu-se à possibilidade de qualquer de nós ocupar uma daquelas cadeiras.

Evidentemente que quem fôr pare ali saberá cumprir o seu dever.

Mas, deixe-me S. Exa. dizer-lhe que tenho, a respeito do Poder Executivo, uma idea diferente da que tem muita gente. Êsse Poder tem, segundo a aninha opinião, na vida pública, um papel secundário, porque o primário cabe ao Parlamento.

Apoiados.

É ao Parlamento que compete resolver êsses problemas.

Apoiados.

O Executivo, se não tiver fôrça, se não estiver na sua maneira de pensar aquilo que o Parlamento vota, vai-se embora.

Pelo Poder Executivo tenho simplesmente a consideração que se deve a um Poder Público.

Milita S. Exa. num campo, não digo adversário, mas num campo meia antagonista.

Nós, portugueses, não podemos ser adversários, somos apenas antagonistas.

Apoiados.

S. Exa. pensa duma maneira, eu penso de outra, mas ambos amamos a nossa Pátria como ela deve ser amada.

Apoiados.

Combato êste projecto porque êle revela uma tendência que reputo má, uma, tendência que obedece àquela mentalidade a que já me referi, e que reputo também má.

Parece que não se quere reconhecer que estamos numa situação anormal, quando se vem argumentar com textos de direito, pensados e escritos em momentos de absoluta normalidade.

Não sei o que pensariam os mestres de direito a que S. Exa. tem feito referência se tivessem de legislar na época em que vivemos.

As minhas leituras predilectas são as dos homens de há 50 ou 60 anos, alguns dêles esquecidos já hoje.

Para aprender, não vou buscar os homens que pensam como eu, mas aqueles que pensam de maneira contrária.

Quando me referi ao Sr. Pereira Osório, e quando disse que S. Exa. falava como homem do século passado, isso não deminuía em nada o respeito que devo a S. Exa.

Falou-se aqui no valor estimativo.

Devo dizer a S. Exa. que é para mim mais respeitável o valor da propriedade que resulta do esfôrço próprio.

O valor da propriedade que não deve ao proprietário a mais pequena soma de esfôrço, porque é que deve respeitar-se?

O capital privado representa evidentemente o resultado do esfôrço do trabalho.

Quando representa integralmente o esfôrço do trabalho é sem contestação possivelmente respeitável. Mas, sendo o esfôrço do trabalho uma cousa limitada, sendo portanto a origem do capital privado uma cousa limitada, como é que nós lhe devemos dar um valor ilimitado pelos tempos fora?

Aqui está a verdadeira iniquidade.

O capital privado tem por origem uma cousa infinita, e mesmo nos tais termos gerais de direito a propriedade actual é imensamente discutível em muitos casos.

Desde que moralmente me sinto autorizado a fazer esta afirmação, sem receio de que ma contestem, tenho o direito de pôr serenamente o problema da propriedade, e tenho o direito de fazê-lo, porque sem pôr êsse problema reputo impossível a solução de determinados problemas públicos cuja solução é inadiável.

Vozes: - Muito bem.

O orador não reviu.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Na lei reguladora da exploração e venda dos navios dos Transportes Marítimos do Estado acha-se consignado um artigo que permite a qualquer emprêsas adquirir um dos navios independentemente de se constituir em sociedade.

Consta-me que o vapor Lima se pre-

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Sessão de 16 de Novembro de 1922 27

tende adjudicar independentemente do concurso.

Peço a V. Exa., Sr. Presidente, a fineza de transmitir êste facto ao Sr. Ministro do Comércio, para que mais tarde não haja surpresas.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã à hora regimental com a seguinte ordem do dia:

Projectos n.ºs 281, 44, 86, 121 e 167.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 50 minutos.

O REDACTOR - Albano da Cunha.

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