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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
SESSÃO N.° 128
EM 17 DE NOVEMBRO DE 1922
Presidência do Exmo. Sr. José Joaquim Pereira Osório
Secretários os Exmos. Srs.
Luís Inocêncio Ramos Pereira
António Gomes de Sousa Varela
Sumário. - Chamada e abertura da sessão. Leitura e aprovação da acta. Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Godinho do Amaral insta por documentos que pediu.
O Sr. Pereira Gil requere urgência e dispensa do Regimento para a proposta de lei , relativa ao contra-almirante Gago Coutinho. É aprovada. Lê-se a proposta de lei, sendo em seguida aprovada.
O Sr. Augusto de Vasconcelos fala sôbre a ordem pública.
Responde o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva).
Sôbre o assunto usam da palavra os Srs. D. Tomás de Vilhena, Dias de Andrade e Ribeiro de Melo, sendo a discussão interrompida para recomeçar na próxima sessão.
Ordem do dia. - Continua a discussão do projecto de lei sôbre expropriações.
Fala o Sr. Joaquim Crisóstomo, que fica com a palavra reservada.
Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. Ferreira de Simas envia para a Mesa um projecto de lei.
O Sr. Presidente encerra a sessão.
Abertura da sessão às 15 horas e 20 minutos.
Srs. Senadores que responderam à chamada:
Abílio de Lobão Soeiro.
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
António Alves de Oliveira Júnior.
António da Costa Godinho do Amaral.
António Gomes de Sousa Varela.
Artur Augusto da Costa.
Artur Octávio do Rêgo Chagas.
Constantino José dos Santos.
Duarte Clodomir Patten de Sá Viana.
Francisco António de Paula.
Francisco José Pereira.
Francisco Vicente Ramos.
Herculano Jorge Galhardo.
João Carlos da Costa.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Manuel dos Santos Garcia.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
José Augusto Ribeiro de Melo.
José Augusto de Sequeira.
José Duarte Dias de Andrade.
José Joaquim Pereira Osório.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Querubim da Rocha Vale Guimarães.
Ricardo Pais Gomes.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
Alfredo Narciso Marçal Martins Portugal.
Aníbal Augusto Ramos de Miranda.
António Xavier Correia Barreto.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.
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César Justino de Lima Alves.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Francisco Xavier Anacleto da Silva.
Francisco António Ferreira Simas.
José António da Costa Júnior.
José Joaquim Fernandes Pontes.
José Machado Serpa.
José Mendes dos Reis.
Roberto da Cunha Baptista.
Rodolfo Xavier da Silva.
Tomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.).
Srs. Senadores que faltaram à sessão:
Álvaro António Bulhão Pato.
António Maria da Silva Barreto.
António de Medeiros Franco.
Augusto de Vera Cruz.
César Procópio de Freitas.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Ernesto Júlio Navarro.
João Alpoim Borges do Canto.
João Catanho de Meneses.
João Manuel Pessanha Vaz das Neves.
João Maria da Cunha Barbosa.
João Trigo Motinho.
Joaquim Teixeira da Silva.
Joaquim Xavier de Figueiredo Oriol Pena.
Jorge Frederico Velez Caroço.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Nepomuceno Fernandes Brás.
Júlio Ernesto de Lima Duque.
Luís Augusto de Aragão e Brito.
Luís Augusto Simões de Almeida.
Manuel Gaspar de Lemos.
Nicolau Mesquita.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Raimundo Enes Meira.
Rodrigo Guerra Álvares Cabral.
Silvestre Falcão.
Vasco Crispiniano da Silva.
Vasco Gonçalves Marques.
Pelas 15 horas e 15 minutos o Sr. Presidente manda proceder à chamada.
Verificando-se a presença de 25 Srs. Senadores, S. Exa. declara aberta a sessão.
Lida a acta da sessão anterior, é aprovada sem reclamação.
Menciona-se o seguinte
Expediente
Requerimento
Peço que se comunique ao Sr. Ministro do Comércio que se desejava saber os motivos porque ainda senão deu cumprimento às alterações do capítulo 3.° do artigo 19.° do Orçamento do Ministério do Comércio, que é lei para todos os efeitos e cuja interpretação mesmo só pertence ao Parlamento e só uma outra lei poderia revogar. - Júlio Ribeiro.
Para a Secretaria.
Parecer
Parecer da comissão de faltas sôbre o atestado de doença do Sr. Pinto de Almeida.
Aprovado.
Carta
Da família do Sr. Marquês de Soveral, agradecendo o voto de sentimento.
Para a Secretaria.
Projectos de lei
Dos Srs. Sá Viana e Santos Garcia, em que é extensiva aos alunos de todas as casas de beneficência a isenção consignada no § único do artigo 2.° da lei n.° 1:363, do 13 de Setembro de 1922.
Para segunda leitura.
Dos Srs. Sá Viana e Santos Garcia, criando uma assemblea eleitoral na freguesia de S. Mamede, concelho de Évora.
Para segunda leitura.
Do Sr. Nicolau Mesquita, autorizando o Govêrno a ceder o bronze para o busto do Sr. António Granjo.
Para segunda leitura.
Do Sr. Alfredo Portugal, em que é aplicável ao Ultramar o preceituado no artigo 38.° do decreto n.° 4:172, de 30 de Abril de 1918.
Para segunda leitura.
O Sr. Presidente: - O Sr. Juiz de Direito da 2.ª vara da comarca de Lisboa deseja que seja autorizado o Sr. Godinho do Amaral a depor num processo.
Consulto o Senado sôbre se concede esta autorização.
O Senado autorizou.
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Antes da ordem do dia
O Sr. Santos Garcia: - Pedi a palavra para chamar a atenção de V. Exa. para um facto que me parece desprestigiar todos os Srs. Senadores e principalmente a pessoa de V. Exa.
Há mais de seis meses que anseio pela remessa de uns documentos que requeri pelo Ministério da Agricultura e cuja confecção é de uma simplicidade extraordinária.
Não sei, por isso, a que deva atribuir esta falta que parece representar um acinte.
Peço a V. Exa. que mais uma vez insista pela remessa dêsses documentos.
O Sr. Pereira Gil: - Está sôbre a Mesa uma proposta de lei vinda da outra Câmara fazendo determinada concessão ao Sr. contra-almirante Gago Coutinho.
Essa proposta do lei tem já parecer favorável da comissão de marinha.
Como se trata de mais uma homenagem a prestar àquele ilustre aviador, a Câmara dos Sr s. Deputados aprovou esta proposta dê lei com dispensa das formalidades regimentais e por unanimidade.
Requeiro que também o Senado dispense o Regimento para entrar na discussão imediata da referida proposta de lei.
É lida a proposta de lei.
É a seguinte:
Proposta de lei n.° 314
Artigo 1.° São dispensadas, ao contra-almirante Carlos Viegas de Gago Coutinho, todas as provas e exames estabelecidos na legislação em vigor, necessários à obtenção do diploma de observador aeronáutico.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Palácio do Congresso da República 8 de Novembro de 1922. - Domingos Leite Pereira. - Baltasar de Almeida Teixeira. - João de Ornelas da Silva.
O Sr. Lima Alves: - Aprovo o requerimento do Sr. Pereira Gil, mas faço-o por entender que o assunto é urgente e como homenagem que, com muito prazer, presto a Gago Continuo.
Dispensado o Regimento em virtude de declarações nesse sentido feitas pelos vários grupos, entra em discussão a proposta de lei.
Como ninguém peça a palavra, é posta à votação, sendo aprovada.
É dispensada a última redacção a requerimento do Sr. João Carlos Costa.
O Sr. Augusto de Vasconcelos: - Agradeço ao Sr. Presidente, do Ministério a sua gentileza de vir a esta Câmara embora tardiamente, a meu pedido para versar a questão da ordem pública.
Quando ou fiz êste pedido, tinham-se dado em Lisboa acontecimentos de uma certa gravidade: prisões, tropas de prevenção, bombas e foguetões explosivos.
S. Exa. não pôde, nessa ocasião, vir a esta Câmara, mas disse à Câmara dos Deputados o que se tinha passado num discurso repassado de energia e sentimento onde afirmou que os desordeiros ou aventureiros haviam de encontrá-lo no seu caminho.
Passados alguns dias, tivemos informações de que se preparava nova intentona. Ia-se seguir a mesma scena e desta vez parece que o Govêrno tomou providências que obstaram a que os fogos de vista habituais se produzissem. Não houve foguetões nem bombas; mas, em compensação houve uma girândola de prisões de algumas personalidades em evidência, importantes no exército e na armada.
Eu espero que S. Exa. me venha dizer que ainda desta vez "tomou providências e que não contemporiza nem pactua com os desordeiros e que os aventureiros o encontraram no seu caminho, e que ou elos ou S. Exa.".
Mas é a terceira ou a quarta vez que estas suas afirmações se fazem nas duas casas do Parlamento. Eu desejaria saber se não haverá meio de encontrarmos o Sr. Presidente do Ministério a dizer-nos outras palavras que sejam mais definitivamente tranquilizadoras (Apoiados), que aquelas de nos oferecer a ameaça de que os aventureiros o possam vencer ou S. Exa. a êles.
Estou certo de que o Govêrno e até, particularmente, S. Exa., se empenham em acabar com tal estado de cousas.
Tem o Parlamento dito ao Sr. Presidente do Ministério que, se as actuais leis são bastantes para assegurar a ordem pública, empregue-as; e, se não são,
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venha dizer-nos as que precisa, porque para isso tem os necessários meios, e nós estamos prontos a dar-lhe os remédios precisos.
Assim, não há possibilidade de trabalho, de progresso e de se lazer cousa alguma a bem dêste país, emquanto não estiver definitivamente assegurada a ordem pública.
Mas ainda há mais do que isso e pior do que isso.
É que algum tempo depois realizavam-se as eleições municipais no país, e então assistimos a êste espectáculo: é que não foram os aventureiros, os desordeiros quem alterou a ordem pública, mas sim - dizem as más línguas - os agentes do Govêrno.
Ora isso é que é preciso que o Sr. Presidente do Ministério venha dizer se é verdade. Vai dizer-nos que não. Mas depois, que providências tomou contra as autoridades que exorbitaram das suas funções e contra tremendas violações da lei eleitoral que se praticaram por êsse país fora. S. Exa., até pelos telegramas publicados, conhece muito bem os factos que se produziram no distrito de Vila Real; sabe muito bem que houve assembleas em que se não deixaram contar as listas sob o pretexto de que eram transparentes e outras manigâncias muito mais transparentes do que estas.
Ora eu espero que V. Exa. venha dizer-nos que o Govêrno repeliu todas essas tentativas, que o Govêrno tomou aã necessárias providências, e sobretudo que os culpados estão a estas horas sob a sanção das leis da República. (Apoiados).
Depois de ouvir V. Exa. eu responderei agradecendo as suas palavras e provavelmente até aplaudindo-as porque calculo que V. Exa. tenha já tomado definitivas providências.
O Sr. Presidente de Ministério (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: eu tinha pedido para responder às considerações feitas no final de todos os oradores, mas, em virtude das razões aduzidas pelo ilustre Senador derivadas do facto de eu ter estado retido na Câmara dos Senhores Deputados por alguns dias, passo a responder agora.
O Sr. Dr. Augusto de Vasconcelos versou sôbre dois assuntos que se podem resumir num único, a ordem, nos seus múltiplos aspectos.
Mas, Sr. Presidente, eu ainda distingo, e é conveniente fazer essa distinção, entre o que se tem passado no que respeita à manutenção da ordem pública e o problema eleitoral.
Eu desejo do coração que haja ordem no meu país, eu sou daqueles que consideram a ordem como o princípio basilar da política, sem a ordem nada poderemos fazer na sociedade portuguesa, e eu não compreendo como para a expansão dos nossos princípios tenhamos de ter lutas como tantas têm havido adentro da República, lutas que por vezes não têm dignificado a Nação.
Sr. Presidente: eu entendo que o Poder deve ser essencialmente preventivo porque senão teríamos a desordem dentro do próprio Poder. Desde a hora em que eu fui incumbido da direcção do Ministério, com os meus colegas tenho porfiado em ir desfazendo atritos, desgastando saliências, e sobretudo colocando os indesejáveis da sociedade portuguesa num campo restrito, para os afastar no nosso convívio se isso fôsse necessário.
Mas devo dizer a V., Exa. que os inimigos do regime se têm mascarado de republicanos acontecendo que, a propósito do 19 de Outubro, nós vemos pessoas enigmáticas à primeira vista, vemos pelas indicações que deram os jornais e que não foram desmentidas que não havia o plano das pessoas que fizeram êsse movimento, principalmente da maioria delas.
Mas é um facto que se procuram pessoas de certa hierarquia nos partidos da República sem se pensar nas consequências do fim que se quere atingir. Serão talvez coincidências, mas é preciso evitar que elas se repitam. Nós não temos aquilo a que se chama "polícia do Estado".
Há as provas morais, mas não há as provas jurídicas; e, como S. Exa. sabe, os juizes julgam e condenam pelas provas jurídicas. Estão continuamente a prender muita gente e não dá o resultado que se pretende. É certo que a República tem de se defender dos seus inimigos, e assim se procede, como é certo que os assassinos de algumas individualidades obedecem a qualquer direcção. Qual é ela? Êste ponto de interrogação deve fazer pensar os amigos do país e da ordem. Os
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assassinos podem ser animados por certos organismos e meios e aparecem mascarados de outra política. É difícil imputar responsabilidades a quem de direito. O que é preciso é fazer propaganda da ordem, cada um convencendo os seus partidários, exercer uma acção benéfica no espírito dos outros. Sob êste ponto de vista alguma cousa tem feito o actual governo, e tanto assim que o estrangeiro está bem impressionado connosco atenta a forma como tem sido mantida a ordem em Portugal.
Uma certa atmosfera política, que se agita por vezes, atenua-se por outras. Porventura para ser maior o salto?
É preciso atentarmos bem no que se possa, A minha inteligência indica-me que existe, em certas manifestações e processos de agitação, um poder oculto que pretende, sistematicamente, estabelecer a desordem em Portugal. E êsse poder procede, diga-se a verdade, com um certo savoir faire, com certo talento. Canalizam-se para o Govêrno, de quando em vez e em dados momentos, exageradas reivindicações apoiadas por elementos que parecem apostados sempre em perturbar a ordem no país. E abusa-se de situações derivadas da guerra e que modificaram a vida privada dos povos e a estrutura moral de muitos.
O ambiente é único para tentar dar o salto, porque há pessoas que aparecem na sociedade portuguesa dispendendo quantias fabulosas sem ninguém saber qual é a sua fonte de riqueza nem quem as move.
E é curioso que os boatos coincidem sempre com qualquer movimento, quer de carácter económico, quer de carácter financeiro. Pretende-se à medida que se vai dando qualquer passo benéfico para o País estrangular aqueles que procuram trabalhar.
Ainda quando os próprios republicanos andavam em luta uns com os outros ainda talvez isso se pudesse justificar, mas desde que os republicanos entenderam, e muito bem, que não se deviam tratar como até então se tratavam, o que se passa não tem justificação possível.
Que se desfizeram essas asperezas prova-o o último acto eleitoral, que um ilustre senador acaba de classificar de uma maneira que não é lá muito justa.
E qual devia ser a atitude de todos os portugueses?
Era intensificar os seus esforços dentro dos seus arraiais políticos porque eu entendo que dentro da República deve haver partidos fortes para que se não possa dizer que a alguns partidos da República só lhes resta o caminho da revolução como antigamente.
Mas como nem todos os portugueses compreenderam a obra que têm a desempenhar nos destinos da sua Pátria, eu dividi-os em duas categorias: os que querem trabalhar e aqueles que querem somente a desordem.
E isto deriva principalmente de os partidos não quererem averiguar as causas do fenómeno e fazerem recair todas as culpas para o Partido que está no poder.
Julgo eu que isto tem também contribuído bastante para que Portugal não esteja naquela situação que todos nós desejamos.
Eu disse e repito: a guarnição de Lisboa, na qual tenho a maior confiança, chega e podia até dizer que sobeja para dominar a desordem.
Parece-me que, Sr. Presidente, se todos os republicanos estudarem as cousas e dentro de si mesmos os meios necessários, fácil será de futuro evitar o recurso das armas.
É preciso que todos, mas todos pensem de que o Govêrno não pode estar constantemente a subjugar actos atentatórios da ordem.
Para o estabelecimento da ordem muito temos nós já feito durante o último período decorrido. Mas falta fazer muito mais. Mas muito mais.
E, depois, de termos conseguido a ordem no país naquelas condições que nos leve a sossegar inteiramente e deixar os casos de rua entregue à policia, devemos porfiar numa obra parlamentar de regeneração económica e tirar o principal elemento de desordem que é incomportável nos tempos que vão correndo. Feito isto, não há desordens possíveis.
Ninguém que tenha responsabilidade do governo pode pedir a um Govêrno que resolva como numa mágica os problemas máximos da sociedade, porque isso corresponderia a pedir-lhe mais do que êle podia dar.
A obra que há a realizar é tam grande
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que chega para todos e todos nela podem colaborar sem vexame.
E veja V. Exa., Sr. Presidente: em 9 meses e meio decorridos o que é que se conseguiu fazer com a acção profícua do Parlamento? Subjugarem-se as 15 tentativas revolucionárias e uma delas foi uma greve revolucionária com uma base que podia ser simpática, que é a do pão. Veja V. Exa. como é consolador termos conseguido provar ao estrangeiro que procuramos realizar a nossa regeneração financeira com a aprovação do orçamento.
E eu tive até a alegria de ver entrar no meu gabinete a felicitar a República por êsse acto de regeneração financeira.
Êste pais tinha-se acostumado a viver sem pensar nos meios de prover ao futuro.
Conseguiu-se pôr bem à vista o caso dos Transportes Marítimos e o caso dos Bairros Sociais.
Estamos em condições de poder chamar à responsabilidade dos seus actos quem prejudique o regime, qualquer que seja a hierarquia que possua na sociedade portuguesa e de obrigarmos a contribuir devidamente para o Estado todas as pessoas que lhe não dão o que devem dar.
Se prosseguirmos na obra de compressão de despesas e reorganização dos serviços públicos, temos todo o direito de não permitir que os inimigos do regime perturbem a sociedade portuguesa.
Vamos agora â questão eleitoral.
Aqueles que mais de perto conhecem essa questão sabem que nas últimas eleições se deram conflitos aqui e acolá.
Eu pregunto á consciência de cada um que responsabilidade tem o Govêrno nesses conflitos.
Êsses conflitos deram-se principalmente no centro das assembleas eleitorais e, pela respectiva lei, a única pessoa que tem direito a intervir nesses conflitos é o presidente da mesa eleitoral.
As pessoas que estão no convencimento de que alguns dos seus amigos políticos praticaram actos censuráveis devem educar êsses seus amigos a não praticar tais actos antes de lançar a luva aos outros.
Êsses actos praticaram-se, como disse, dentro dum recinto que não podia ser invadido pela autoridade e creio que não há outra maneira de proceder. Não sei como o Govêrno pode proceder senão naquelas condições que as leis estabelecem, dando ao poder competente os meios precisos para actuar, mas sem neles intervir, pois o contrário disto seria a intromissão de poderes.
Tudo quanto me era dado fazer no aspecto preventivo da questão fiz o fi-lo honradamente.
Mas, a propósito do acto eleitoral, o ilustre Senador Sr. Augusto de Vasconcelos citou um facto e o Sr. Lelo Portela mandou um telegrama ao Sr. Cunha Leal pedindo-lhe a publicação no jornal dum determinado número de factos que reputava irregulares e que de facto o eram se porventura se tivessem dado como os participava.
Mas, para que não houvesse uma pequena, modificação sequer às palavras do Sr. Lelo Portela, mandei reproduzir na íntegra o seu telegrama e pedir ao Governador Civil de Vila Real que me dissesse se o que S. Exa. apontava era verdadeiro.
O Governador Civil, que é um magistrado que tem o respeito e consideração de todos os partidos, pelas informações que pôde colher deu-me esclarecimentos que eu vou reproduzir à Câmara.
Que em Vila Real houve um conflito derivado de alguns filiados num partido que não era o meu terem destruído uma acta e levando-a para parte incerta, andando a autoridade em indagações para saber onde ela tinha ido parar.
O caso a que passo a referir-me passou-se da seguinte forma: procedia-se à eleição que era disputada por democráticos e liberais. Há listas que uns dizem que são transparentes e portanto fora dos termos da lei eleitoral e outros que afirmam que o não são; uns querem que se contem os votos; outros opõem-se a isso.
Eu mandei um telegrama para que se adoptasse um certo procedimento e podia não ser adoptado porque o governador civil não pode insinuar nem intervir no acto eleitoral. A cada lista que era contada nessas condições levantava protestos e contra-protestos. Uns diziam que deviam ser contados os votos, outros que não.
Havia uma forma de não haver mais conflitos.
É uma questão a dirimir depois. Po-
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diam talvez juntar-se as listas ao processo e seguir depois.
Eu tomei todas as providências que me foi possível.
O Sr. Lelo Portela disse-me que se Sujeitava à escolha do governador civil e então eu fiz saber a S. Exa. que procurasse aquela autoridade, para que ela lhe comunicasse â minha resolução.
Dizem V. Exas. que houve sopapos e arruaças. Mas então é isso suficiente, é isso o bastante, para nós, republicanos, nos dividirmos?
Não! O que eu digo é que todos trabalhem confiadamente e, se assim todos procedermos, se todos procedermos desta maneira, desaparece a causa dos conflitos, deixando aos monárquicos a responsabilidade de quaisquer desacatos que se pratiquem.
O facto de os monárquicos vencerem aqui ou ali, não me afecta, ou afecta-me tanto como a eleição de alguns parlamentares para esta ou para a outra Câmara.
O que afectaria a República, era se os seus homens não procedessem como deviam.
Ninguém pode pedir ao Govêrno que volte inteiramente a forma, das cousas, quando passam doze anos da história da República.
Não tenho espírito de perseguir entendo que se não deve perseguir. Mas não me intimidam as críticas; mesmo os actos dos homens públicos são para virem a público.
Sou contra a perseguição, como digo; não é a perseguição a defesa de um Estado.
Mas só os Estados que não têm a consciência da sua defesa é que se não defendem.
Eu digo aos republicanos: não lutem Como feras, como lutaram, e depois não se importem muito com as ameaças dos inimigos das instituições e dos indesejáveis.
Podemos acabar com os indesejáveis nas classes operárias e podemos transigir algumas vezes quando as leis o exijam.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Augusto de Vasconcelos: - O Sr. Presidente do Ministério deu, à primeira parte das minhas Considerações, uma resposta ainda mais sibilina que aquelas que é de uso dar. E não pouco sibilino S. Exa. costuma ser.
Procurando as causas dos movimentos políticos, S. Exa. teve por vezes pontos de interrogação, pedindo lhe respondessem. Mas a resposta não é fácil.
S. Exa. insinuou que os perturbadores da ordem estavam no campo político, mas não afastou a hipótese de estafem no campo económico. E eu creio que mais fàcilmente encontraremos no campo económico os perturbadores da ordem do que no campo político.
S. Exa. disse que dando tempo ao tempo se conseguirá a ordem, e mostrou-se orgulhoso da criança que tem gerado nos seus nove meses do Govêrno.
S. Exa. julga que se saberá, ao fim de certo tempo, quem são os indesejáveis para então lhe aplicar o preciso tratamento.
Mas na vida do actual Ministério tem havido várias perturbações da ordem pública.
O Govêrno diz que conhece o plano dos revolucionários, que sabe quem êles são, e dá a entender que espera que êles venham para a rua. Mas os indesejáveis continuam, e é uma tal situação que nós não queremos que continue.
Um dos remédios preconizados por S. Exa. para o mal é o da colaboração republicana.
Mas nós todos temos-lhe dado uma sincera colaboração, e o que se tem visto?
S. Exa. não pode dizer que os partidos da República lhe não têm dado toda a possível colaboração.
A votação do Orçamento, as medidas de tributação, etc., tiveram uma leal colaboração.
Pode-se, porventura, acusar as oposições de não terem colaborado com o Govêrno?
Se enveredarmos para a questão eleitoral, eu pregunto: Para que serviu a colaboração republicana? Foi para que os meus correligionários fôssem tratados a tiro e à bomba, como sucedeu nas assembléas do distrito de Vila Real?
Não é só a questão da transferência de listas que mostra a má vontade contra nós.
Não se quis contar as listas, o que é
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diferente; e foi contra isso que o Sr. Lelo Portela protestou.
Mas houve mais, como disse.
Os meus correligionários eram afastados das assembléas a tiro! E um tal procedimento não se pode tolerar em caso algum, aprovado com a cumplicidade dos agentes do Govêrno.
O Govêrno é que não pode consentir que os seus agentes colaboram em actos dêsses.
Apoiados.
Eu entendo que por parte do Partido Republicano Português devia haver o cuidado de evitar a colaboração em processos dessas ordem, e, se o Sr. Presidente do Ministério empregou todos os seus esforços para os evitar, eu desejaria que da parte do Partido Republicano Português se empregassem todos os esforços para que êles se não dessem.
Portanto, se vamos para a união de todos os republicanos, é preciso que essa união se dê em todos os campos; é preciso que nós não sejamos só para os momentos difíceis, (Apoiados) mas sejamos os colaboradores dessa obra que é necessário fazer, e para ela encontrará sempre o Govêrno ao seu lado o Partido Republicano Liberal, mas essa obra deve ser feita com toda a lealdade e hombridade.
Eu não entro na discussão, nem me quero referir aos incidentes que se deram com as eleições em Lisboa.
Para essa discussão há ilustres Senadores inscritos e eu não desejo tirar-lhe a primeur da sua intervenção.
No emtanto e reportando-me às últimas palavras do Sr. Presidente do Ministério, quando disse que o Estado republicano se devia defender e não devia entregar as suas posições primaciais, em todas aquelas, emfim, em que possa dominar a governação do país, aos inimigos da República, eu devo salientar que dessas culpas não pode S. Exa. acusar nem o Partido Republicano Liberal nem os Governos dêste partido.
Não existe no passado do Partido Republicano Liberal nada que o possa atingir nessa acusação, e, quando S. Exa. e os Govêrnos que ocuparem essas cadeiras defenderem o Estado Republicano, dentro das leis, pode S. Exa. e todos aqueles que aí se sentarem estar certos de que o Partido Republicano Liberal estará ao seu lado na mais leal è dedicada colaboração.
O Sr. D. Tomás de Vilhena: - Sr. Presidente: ouvi com muito agrado, e mesmo até com uma certa satisfação a homília que o Sr. Presidente do Ministério dirigiu aos republicanos portugueses, convidando-os à união, convidando-os à paz, e quási me quis parecer de mais pela arquitectura desta Câmara, que é toda romana, o início do esquínio de S. Paulo aos romanos, que começava e acabava sempre pelas palavras Pax Vobis, a Paz seja comvosco.
Essas palavras ficaram muito bem na bôca do Sr. Presidente do Ministério, e eu que há muito tempo me tenho consagrado aos estudos históricos, que mais ou menos têm sido a principal preocupação espiritual da minha humilde pessoa, vejo através dos tempos que as unidades políticas são as mais das vezes elas que se destróem a si próprias.
Incontestavelmente, para se governar é preciso que haja unidade, um partido que governe e outro que esteja, mais ou menos, preparado para o substituir, sem grandes abalos nesta nau tormentosa do Estado; que faça isso solavancos...
Nós temos um exemplo próximo.
Na Inglaterra, na Espanha e entre nós. A vida política na Inglaterra começou a desmantelar-se desde que, em vez de dois grandes partidos, começaram a surgir variadas fracções todas elas disputando o poder, e sem haver um elemento que por si só pudesse ditar, tendo por consequência muitas vezes, para se aguentarem, que sair fora dos seus programas. A Espanha, indubitavelmente que a sua época de verdadeira prosperidade foi aquela em que dois dos seus homens públicos foram os detentores da governação pública. E em Portugal, eu estou convencido de que se se tivessem mantido os dois grandes partidos que, durante muito tempo, governaram o país, não se tinha proclamado a República, porque o advento da República foi preparado pelo fraccionamento dos partidos. Se êsses partidos tivessem mantido a sua unidade e os seus programas, onde cabiam todas as aspirações, com certeza que a esta hora o Sr. António Maria da Silva não estaria naquele lugar como Ministro da República, onde
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eu estou convencido de que faria muito bons serviços, mas não dentro do regime republicano.
Eu trago isto para dizer que eu gostei muito de homília do Sr. Presidente do Ministério, e digo mais, continuo S. Exa. a pregar assim aos seus correligionários. E eu que sou um homem justo, quando vejo um dos meus adversários praticar um acto justo, começo por o aplaudir.
Agora na segunda parte do discurso do Sr. Presidente do Ministério é que o meu aplauso já não é tão entusiástico. É que eu não fiquei satisfeito com o que S. Exa. disse a respeito da manutenção da ordem pública. E se há pouco eu o comparei a S. Paulo, agora comparo-o a Simão Magro que era um grande bruxo, que fazia as suas revelações duma maneira tam misteriosa que ninguém o entendia. Ora, sôbre ordem pública, o que é preciso saber é se o Govêrno, de vez em quando, não vai esbarrar com elementos em que lhe não pode tocar.
S. Exa. quando mete o seu furão ou o seu perdigueiro, com vontade de encontrar uma perdiz, encontra ás vezes uma lebre, porque, se fôssemos nós, já S. Exa. tinha acabado com tudo há muito tempo.
O Sr. Ribeiro de Melo: - Aí é que S. Exa. se engana!
O Orador: - É V. Exa. o chefe de policia do Sr. António Maria da Silva? Eu digo o que é lógico. Se S. Exa. encontrasse no caminho qualquer de nós, naturalmente liquidava logo a questão porque S. Exa. não faria cumprimentos connosco. Por consequência, é porque não nos encontrou a nós pela frente. Mas eu não disse quem é que S. Exa. encontra, porque não sou chefe da sua polícia, mas o Sr. Ribeiro de Melo que parece saber, é porque tem confidências com o Sr. Presidente do Ministério, ou porque sabe mais do que S. Exa.
Sinto muito que sôbre esta questão S. Exa. não tivesse tranquilizado mais.
Diz que tem a guarnição na mão, ainda bem que é assim.
Não sou daqueles que tenham andado pelos quartéis a desenquietar os soldados, e preparar conspirações como outros que disso até se vangloriam.
As mudanças de regime não se fazem com as armas na mão, mas pelo convencimento do povo inteiro afirmado pelos meios legais.
Regimes modificados por revoluções têm a vida das rosas de Malherbe.
Mas vamos tratar da questão eleitoral em poucas palavras.
Eu detesto tratar dêste assunto em que a maior parte das vezes as provas julgáveis não aparecem.
Todos sabem de subornos e outros aptos repreensíveis, mas que vale estar com afirmativas o negativas.
Mas o que se passou foi de certo modo importante.
Não posso decerto acusar o Govêrno dos distúrbios dos amigos ou adversários nas eleições, mas é para lamentar que em Lisboa se não tivesse providenciado a tempo do evitar alguns actos não se terem cometido.
Não sei que vantagem há para o regime nestes actos, e que não são louváveis numa democracia.
Mas casos espantosos foram os que se deram em Guimarães.
Aí até autoridades pediram a demissão.
Foi encarregado da administração de Guimarães um cavalheiro que é tido por uma notabilidade no grupo "Vitória", do Pôrto, o qual, vendo que não lhe chegavam as suas habilidades naquela cidade, foi acompanhado de 60 beneméritos do Porto. Pois tudo quanto êles fizeram em Guimarães é espantoso. Começaram por prender o Conde de Camaride e o pobre padre João Ribeiro, a quem não foi consentido que fôsse à igreja deixar a sobrepeliz e a estola.
Êsses cavalheiros dirigiram-se depois para Braga, onde o comércio, em sinal de protesto, fechou as suas portas, assim como as fábricas, e até o próprio governador civil, como bom republicano, quis dar-se à prisão.
Êsses cavalheiros passaram o dia em Braga, e as pessoas honradas que tinham direito a exercer o seu voto estiveram presas todo o tempo em que se realizaram as eleições.
Diga-me S. Exa. o Sr. Presidente do Ministério se já mandou averiguar dos actos praticados por essa autoridade, e se depois de averiguar lhe aplicaria as sanções que é necessário fazer recair sôbre elas.
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Mas se isto, é reles, é trágico e desagradável, há casos com graça. Um dêles foi o que só passou numa humilde assemblea eleitoral, mas que, por ser humilde, nem por isso deixa de ter os mesmos direitos que tem outra qualquer assemblea da cidade. Foi o que sucedeu na pobre freguesia de Constança, de Marco de Canavezes.
Aí, quando os monárquicos entravam, o representante do administrador do concelho, acompanhado de agentes da polícia, proibiu-lhes a entrada e declarou que ali se ia proceder a uma eleição republicana e que na urna não entraria uma única lista monárquica.
O Sr. Ribeiro de Melo: - Oxalá que todos assim pensassem!
O Orador: - Então estamos voltados ao século XVI. Cada vez mais atrasados! Nós vamos atrasadíssimos, seja-me permitido êste neologismo. Voltamos às doutrinas da unidade de fé do tempo de Filipe III.
Mas, prosseguindo: em Castelo Branco também, se deram casos bem lastimáveis, o que não é para admirar desde que o Govêrno pôs à testa daquele distrito um cavalheiro que é uma excelente pessoa, mas que é conhecido pelo "14".
Deus me livre de estar a fatigar a atenção da Câmara contando estas peripécias eleitorais, que são inúmeras e que aconteceram por todo o país. O meu fim é apenas chamar a atenção do Govêrno para que êle se disponha a aplicar as sanções àquelas das suas autoridades que não quiseram cumprir com aquilo que o Sr. Presidente do Ministério disse lhes tinha mandado observar, isto é, prudência e obediência aos princípios da lei. É isso que eu desejo do Govêrno.
De resto, quanto à legalidade das eleições, disso se encarregarão os tribunais. Êles é que hão-de decidir; e depois os votos irão dar uma solução definitiva a êste estado de cousas, se porventura não vierem a suceder novos desacatos que levem novos recursos aos tribunais.
Não quero terminar sem me referir às palavras do Sr. Presidente do Ministério; quando disse que o não assustava nada terem os monárquicos ganho às eleições aqui, ali ou acolá.
Deus me livre de ser papão. Eu nunca fui homem de basófias, porque não há nada mais perigoso, e principalmente em política, do que á basófia, mas o que o Govêrno devia ter em atenção é que, a desfeito de todos os altos meios de que êle dispõe a despeito da encarniçada fôrça que fizeram os seus partidários, o país mostrou nesta hora, que está no desejo do caminhar, para a direita. Isto é que é preciso que o Govêrno tenha em atenção! O país estava fatigado da esquerda; o país não quere mais felicidades da esquerda. Pondere o Govêrno nisto, não repila esta manifestação, do país. Agora se o país vai para a direita é se se pensa ainda em ir mais para a esquerda, depois é lá com V. Exa.
Tenho dito.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Sr. Presidente: eu jamais fugi a qualquer discussão parlamentar mas lembro ao Senado que na outra Câmara se está travando um debate político a que eu não posso deixar de assistir. No emtanto, eu estou inteiramente ao dispor do Senado, e acato á sua resolução, caso ele resolva continuar com o debate.
O Sr. Presidente: - O debate não está generalizado.
O Sr. Ribeira de Melo: - Requeiro a generalização do debate.
Consultada a Câmara, foi aprovado o requerimento.
O Sr. Dias de Andrade: - Sr. Presidente: eu não cansarei a Câmara com longas considerações. Pedi hoje e ontem a palavra e igualmente a comparência do Sr. Presidente do Ministério para significar a S. Exa. o meu profundo desgôsto e apresentar o meu veemente protesto contra as violências cometidas no acto eleitoral no concelho de Ancião.
Por informações que tenho em meu poder e que reputo fidedignas, os factos passaram-se ali da forma seguinte:
Está o concelho de Ancião dividido em três assembleas eleitorais: Ancião; Chão de Couce e Alvorge, e para as últimas eleições apresentaram-se duas listas, uma governamental e outra de oposição ao
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Govêrno, e que eu suponho, constituída de liberais e de amigas meus.
Em Chão de Couce teve a lista de oposição trezentos e tantos votos de maioria; em Ancião teve a lista de oposição 65 votos de maioria e os elementos do Govêrno cometeram as maiores violências nas assembleas de Alvorge.
Fizeram a eleição à porta fechada, tendo as oposições de constituir uma mesa fora, onde se fez a eleição.
Sei que o Sr. Presidente do Ministério repudia estas violências, mas nem por isso deixaram do se praticar, com infracção grave da lei.
Eu peço, em nome da lei, que S. Exa. mande fazer um inquérito rigoroso ao que se passou na assemblea de Alvorge, concelho de Ancião, e que êsse inquérito seja feito por um juiz competente e imparcial.
Averiguado tudo, que se apliquem depois as sanções penais às autoridades que delinqúiram, ofendendo a lei e os direitos dos cidadãos.
Disse.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Encontro-me numa situação difícil.
Na outra Câmara há um debate político a que tenho que assistir, e aqui há esta discussão em que tenho que estar presente.
Se possível fôsse, ficaria grato à Câmara se ela adiasse esta discussão para a sessão de segunda-feira, para antes da ordem do dia.
Falou o Sr. D. Tomás de Vilhena na epístola aos romanos.
Essas palavras tenho-as produzido noutras ocasiões.
Evidentemente, também tenho praticado erros, mas não há ninguém no mundo que não esteja sujeito a errar.
O facto de eu dizer que tenho na mão a guarnição não significa basófia da minha parte; representa apenas que os militares que compõem a guarnição de Lisboa combatem a desordem e merecem um justo elogio de todas as pessoas que querem cultivar a ordem em Portugal.
Dizem que eu fui enigmático.
Eu tenho dito várias vezes que o Govêrno conhece os planos e até as pessoas que querem perturbar a ordem e, se ainda sôbre êles não recaiu e acção da justiça, é porque os desordeiros, ao verem as barbas do vizinho a arder, põem as suas de môlho.
E para ter conhecimento dêsses planos não é preciso muita inteligência, porque alguns falam de tal maneira, que não é difícil saber o que é que pretendem.
Ando há muito tempo à caça da lebre e ela deve estar bem gôrda. Eu não sei onde é que ela se encontra, mas pode ser até que ela esteja no arraial de V. Exa.
O Sr. D. Tomás de Vilhena: - No meu campo político posso assegurar a V. Exa. que não a encontra. Respondo por todos os que dirigem dentro do meu Partido, como respondo por mim próprio.
O Orador: - É melhor V. Exa. não fazer afirmações dessas, porque às vezes, os amigos, os do Partido...
O Sr. D. Tomás de Vilhena: - Eu respondo, como já disse, pelos que dirigem e não por todos.
Se eu fôsse a fazer a chamada de todos os seus amigos, V. Exa. ficaria com outra cara.
O Orador: - Há uma diferença capital entre os revolucionários e os desordeiros.
A revolução é um facto evolutivo, porque até na vida particular se faz essa evolução, e uma cousa é ser desordeiro e outra é ser revolucionário.
Há uma enorme diferença.
É claro que, se todos fizessem a declaração que V. Exa. faz e todos nos merecessem a consideração que V. Exa. nos merece, não tínhamos que ter preocupações. Esta é a questão. Mas dizer-se porque é que o senhor conhece planos e sabe quem são as pessoas envolvidas nos movimentos e não procede?
Por uma razão: porque não fornece dados visíveis por onde se possa proceder; além disso, porque me parece que a República não está em tanto perigo que levasse o Govêrno a vir pedir ao Parlamento uma lei especial.
Além disso, eu entendo que melhor será sempre prevenir - e eu creio que a forma como o Govêrno procedeu chegou para evitar a desordem - do que estar a
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pedir leis que podem semear a desordem.
Eu não me queixei nem me queixo da forma como os partidos republicanos se portaram no Parlamento. O que eu disse foi que, faltando completar uma grande obra, lhes pedia que a completassem em ligação com o Poder Executivo. E, se realizarmos essa obra, nós teremos aquele ambiente fácil para resolver a questão económica.
Toda a gente se queixa das dificuldades da vida. As dificuldades da vida são umas de origem absolutamente nossa e outras derivadas da guerra, e que todos os povos, presentemente, sofrem.
Ao ilustre Senador Sr. Dias de Andrade devo dizer que, a propósito do acto eleitoral, o Govêrno tomará medidas, aquelas que devia tomar nessas circunstâncias.
O Sr Presidente: - O Sr. Ministro do Interior pedia para que a continuação dêste debate ficasse para a próxima sessão, visto que tem de ir à outra Câmara onde está pôsto um debate.
O Sr. Ribeiro de Melo: - Desejo preguntar ao Sr. Presidente do Ministério se o debate político que está sendo tratado na outra Câmara também se torna extensivo ao Senado.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Há um caso a esclarecer.
Eu não posso trazer para aqui um debate que é privativo da Câmara dos Deputados, isso seria o mesmo que qualquer Sr. Deputado se levantasse discutindo um determinado assunto e a Câmara o generalizasse, ficaria por êsse motivo o Govêrno obrigado a trazê-lo a esta Câmara?
Certamente que não. A Câmara dos Srs. Deputados é que generalizou um debate político de absoluta iniciativa dela.
Veja V. Exa. quanto era extravagante que eu trouxesse isso para o Senado, pois as Câmaras são absolutamente independentes uma da outra.
Mas se V. Exa. quiser na devida oportunidade esclarecer as suas prenuncias pode-o fazer e pode pedir que se generalize o debate.
O Sr. Ribeiro de Melo: - O Sr. Presidente do Ministério confundiu as minhas palavras, eu vou dizer a V. Exa. qual a razão que tenho.
S. Exa. está envolvido na Câmara dos Deputados num debate político em virtude das autorizações que pediu para exercer o seu mandato durante o interregno parlamentar e quando foi reaberto o parlamento devia dar satisfação dessas autorizações.
S. Exa. foi à Câmara dos Deputados e deu todos os esclarecimentos precisos a êsse respeito.
Ora eu pregunto a S. Exa. se uma vez no interregno parlamentar exerceu determinadas funções que não cabiam ao Poder Executivo, se S. Exa. também acabado o debate político na Câmara dos Deputados vem a esta Câmara dar conta dêsses actos.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): - Fui à Câmara dos Deputados, em cumprimento dum dever constitucional, expor os factos que se passaram, a Câmara dos Deputados estabeleceu um debate político, discutindo um problema que alguns consideram de crise do Govêrno, pôs a Câmara dos Deputados o problema por essa forma e está claro que podia haver qualquer sanção da Câmara dos Deputados, isto sem menos consideração para o Senado.
O Senado é que pode transformar isto numa questão política se assim o entender.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Senadores que aprovam que êste debate fique para a próxima sessão tenham a bondade de se levantar.
Foi aprovado.
Vai entrar-se na ordem do dia.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do projecto sôbre expropriações
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Joaquim Crisóstomo.
O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Sr. Presidente: a larguíssima discussão que tem incidido sôbre o presente projecto de lei,
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faz-me convencer que altos interêsses nacionais giram em tôrno dêle.
Ainda não vi esta Câmara tam interessada na discussão de qualquer matéria aqui versada, como neste caso.
De facto o assunto é da mais alta importância, sendo bastante para estranhar que não tenha sido estudado, como merecia, pela Câmara dos Deputados, e pela comissão de legislação desta Câmara.
Sob qualquer ponto de vista que o encaremos, somos forçados a reconhecer que a determinação do preço nas expropriações por utilidade pública não pode ser feita nos termos gerais de direito.
Que teve em vista o autor do projecto, Sr. Álvaro de Castro? Combater uma flagrante iniquidade e uma manifesta injustiça, provenientes de as referidas expropriações representarem, em virtude da desvalorização da moeda, um grande prejuízo para os donos dos prédios expropriados?
Qual a forma por que se encontra legislado o assunto pela legislação de 1912?
O artigo 16.° do respectivo diploma diz que as avaliações terão por base o rendimento colectável do prédio. Mas, êsse rendimento não é uma base segura, segundo se afirma.
Então, como havemos nós de aceitar dois critérios: um pelo qual o indivíduo paga as suas contribuições prediais ao Estado, e outro, porque se pretende que o Estado o indemnize, quando para fins de utilidade pública se veja forçado a expropriar-lhe qualquer trato de terreno ou propriedade.
Não compreendo semelhante dualidade.
Em Portugal há o sistema de recusar ao Estado os recursos indispensáveis para exercer a sua função económica administrativa. Cada um procura por todas as formas e meios ao seu alcance deixar de contribuir, com aquilo que é obrigado, para as despesas públicas. É dêsse mal que se ressentem principalmente as circunstâncias financeiras do País. Se todos primassem em pagar aquilo que devem ao Estado, como sucede especialmente na Inglaterra, onde há estabelecimentos hospitalares e outros dó natureza idêntica, custeados, única e exclusivamente, pelas verbas que lhes são entregues, pelos contribuintes mal tributados ou pelos que escapam à tributação, seriam muito diversas as condições do nosso Tesouro.
Mas, em boa verdade, ninguém quere pagar ao Estado o que lhe compete.
Se os prédios figuram nas matrizes com um determinado rendimento colectável, os proprietários empregam todos os seus esforços, mesmo sem justiça, para que êsse rendimento baixe, no intuito de prejudicarem o Estado.
Desde que se promulgue uma lei que obrigue o proprietário a fazer inscrever na matriz o prédio, pelo seu rendimento efectivo, o Estado deixará de ser manifestamente defraudado, e desaparecerá a principal causa que levou o Sr. Álvaro de Castro a apresentar o projecto que se discute.
O Sr. Pais Gomes: - Sr. Presidente: nesta discussão já alguns Srs. Senadores têm usado da palavra por mais de duas vezes, e eu chamo a atenção de V. Exa. para o artigo 69.° do Regimento em vigor, no intuito de êle ser observado, para se não estar a protelar por mais tempo êste debate.
O Orador: - O Sr. Pais Gomes invocou o artigo do Regimento que não consente que cada Senador fale mais de duas vezes sôbre cada assunto, restringindo-lhe o uso da palavra a um quarto de hora, quando Me pela segunda vez. Ninguém melhor do que V. Exa., Sr. Presidente, pode elucidar o Sr. Pais Gomes, se quiser dar-se ao trabalho de examinar as actas das sessões desta casa do Parlamento.
Efectivamente, sôbre êste projecto usaram da palavra por várias vezes alguns Srs. Senadores, o que é anti-regimental. Entretanto, deixe-me V. Exa. dizer que isso, em regra, se tem feito, em muitos outros projectos, sem o menor protesto de qualquer Sr. Senador.
Por que motivo só agora é que o Sr. Pais Gomes acorda? Em que data foi investido nas funções de fiscal do estrito exercício do Regimento?
Não me parece que agora seja a ocasião mais oportuna para entrarmos no regime de intolerância, limitando o amplo direito de discussão.
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Demais, posso garantir à Câmara que nunca falei sôbre o assunto em discussão, sendo esta a primeira vez que examino e critico o projecto referente às expropriações.
O Sr. Presidente: - Pode V. Exa. continuar no uso da palavra.
O Orador: - Como ia dizendo, a legislação de 1912 obedeceu ao propósito de evitar grandes delongas na determinação do valor dos prédios expropriados, sujeitando os seus proprietários às consequências de faltarem ao cumprimento dos seus deveres para com o Estado.
É justo que quem sabe que o seu prédio está inscrito na matriz com um rendimento colectável inferior ao real fique impedido de reclamar contra êsse facto no dia em que êle fôr expropriado por utilidade pública.
A lei de 1912 é uma das que honram e prestigiam o Parlamento da República, pelo cuidado com que foi elaborada, discutida e votada. Nenhuma outra conheço tam democrática, e que vise um fim tam útil e prático...
O nosso país necessita progredir moral e materialmente. De norte a sul há melhoramentos importantes a empreender, como sejam construções do caminhos, estradas, portos, avenidas, casas económicas, hospitais, escolas, lactários, maternidades, balneários, jardins, etc., que só, se podem realizar se houver uma lei que facilite as expropriações.
Modificar a estrutura da lei de 1912, na parte em que ela trata da determinação do valor dos prédios expropriados, é inutilizar uma das melhores obras, das actuais instituições, fornecendo aos proprietários uma poderosa arma para dificultarem a iniciativa renovadora do Estado e dos corpos e corporações administrativas.
O artigo 2.° desta lei, que tem merecido honrosas referências aos tratadistas de direito civil e administrativo, tanto nacionais como estrangeiros, indica taxativamente os casos em que a mesma pode ser aplicada e que, pela sua alta importância, justificam as restrições nela impostas ao direito de propriedade.
Só os ultraconservadores e os reaccionários enclausurados no sem egoísmo estúpido e retrógrado, fera o arrojo de a combater. Os economistas de ideas modernas defendem-na e aplaudem-na em termos calorosos. Noto que toda a direita desta Câmara, composta de monárquicos, liberais, nacionalistas, católicos e independentes, estão dispostos a votar o projecto em discussão. Esqueceram-se de certo que as sociedades modernas não perdem o terreno conquistado à custa de muitos sacrifícios e que o povo, cônscio dos seus direitos, se mantém firme no seu pôsto de honra, fiscalizando a acção parlamentar.
Já várias corporações administrativas do país têm formulado as suas reclamações, por vezes enérgicas, e não se fará esperar um movimento de protesto, em Lisboa e Pôrto, contra qualquer medida legislativa, que altero as bases fundamentais da referida lei.
A opinião pública, aparentemente desinteressada, não dorme, quando vê em perigo a obra humanitária e moralizadora da República, que os reaccionários tanto se empenham em destruir e aniquilar.
A função do Parlamento consiste principalmente no estudo das questões que demandam a sua imediata intervenção.
Em matéria do expropriações pode haver um ou. outro descontente, ferido nos seus interêsses individuais, mas a grande maioria da Nação, representada pelos que trabalham, ainda não se manifestou.
Aguarda a oportunidade para dizer de sua justiça, de uma forma decisiva, se se convencer de que o Parlamento envereda por um caminho errado.
Sr. Presidente: com que fundamento se combate a lei de 1912 e se pretende reformá-la?
Afirma-se que os proprietários são lesados desde que as avaliações sejam feitas tendo por base o rendimento colectável dos prédios.
Como se vê, não se trata de conflitos de interêsses entre dois particulares, em que um se locupleta à custa do outro. É princípio assente em todas as legislações dos países cultos, que o interêsse particular cede, perante o interêsse colectivo. Para que haja progresso e civilização é indispensável que a colectividade se engrandeça à custa dos seus elementos corporativos.
No regime actual das expropriações em Portugal, nenhum proprietário é pri-
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rado do seu prédio, sem que a entidade expropriante faça o completo pagamento ou depósito, fixado amigável ou judicialmente.
Mas, sustentam os tradicionalistas, ou melhor os egoístas, que as indemnizações estipuladas, e recebidas, não correspondem ao valor real dos prédios, e que ninguém deve ser obrigado a privar-se do que lhe pertence nessas circunstâncias. Semelhante doutrina, que teve foros de clássica, no século passado, não corresponde à moderna concepção do direito de propriedade.
O sacrifício imposto, na hipótese discutida ao proprietário, não reverte a favor única e exclusivamente dum seu concidadão, e de sua família, mas sim de toda a colectividade e portanto do próprio lesado. Isto, é claro, no caso de o prédio expropriado poder ser vendido em concorrência livre, por preço superior ao determinado pelo poder judicial. A idea de prejuízo ou de lucro para o efeito da venda é sempre contingente e relativa. Atentas as oscilações do câmbio, o que hoje obtém o preço do 10, pode alcançar amanhã o de 11 ou 12, ou atingir apenas o de 8 ou 9.
Sr. Presidente: é preciso que não esqueçamos que todas as leis que tendem a aumentar a tranquilidade e o bem-estar da maioria, ou quási totalidade, dos cidadãos do país, desagradam aos detentores das riquezas acumuladas.
Não se muda do regime da propriedade particular para o da socialização ou industrialização dos instrumentos de produção, sem que se trave uma luta feroz entre oprimidos e opressores, assim como não se inicia um período de transição, como é aquele que atravessamos, sem que os partidários do individualismo puro gastem o último cartucho na defesa das prerrogativas de que gozam.
Nunca fui, nem sou, partidário do medidas violentas que lancem a perturbação na sociedade.
A lei da evolução, aceita por todos os homens de sciência, deve ser respeitada e acatada nas suas características manifestações.
Para as grandes reformas de carácter económico e social é necessário seguir um processo lento e suave, de forma que se vá adaptando insensivelmente o espírito público à nova organização do agregado social.
Sr. Presidente: em toda a parte do mundo está reconhecida a necessidade de se conferir ao Estado e aos corpos administrativos uma esfera de acção mais ampla em matéria económica, financeira e social do que actualmente possuem e de se lhe dar os recursos indispensáveis para que possam desempenhar-se da sua missão altruísta, humanitária e civilizadora.
Na modificação da lei das expropriações, que consta do projecto que se discute, pretende-se estupidamente atar os pulsos a essas entidades e proibi-las de exercer a sua função propulsora do progresso.
Com que direito podemos exigir obras e melhoramentos ao Estado e às câmaras municipais se os privamos do principal meio de os efectuar, dificultando a adquirição de terrenos para tal fim?
Reflitamos um pouco nas consequências que daí advirão para o bom nome da nossa sociedade.
Não é certo que a todas as esquinas das ruas se proclama alto e bom som que Portugal é um país dos mais atrasados da Europa?
Não é verdade que todos os dias a imprensa se refere aos bairros excêntricos das cidades de Lisboa e Pôrto, à insuficiência dos cemitérios, à deficiência da canalização de águas, de serviços de esgoto, de redes ferroviárias, de estradas, de hospitais, de cadeias, de manicómios, de lactários, de casas populares, etc.?
Como se realiza isso tudo sem uma lei tornando rápidas as expropriações?
Devo salientar à Câmara que anteriormente a 1912 era quási impossível às autoridades oficiais recorrer à justiça para decretar qualquer expropriação por utilidade pública, por duas razões: a primeira, porque os processos com as chicanas dos advogados se eternizam nos tribunais; a segunda, porque, sendo o valor dos prédios determinado por três louvados, um nomeado pela parte intimada, outro pelo Ministério Público e outro pelo juiz, o resultado era sempre o mais desfavorável para a entidade expropriadora.
Prédios havia a que os louvados fixavam um preço quatro e cinco vezes superior ao seu valor.
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Infelizmente em Portugal desconhece-se o que noutros países se cultiva, com esmêro desde a infância, sob a denominação de "deveres cívicos".
O cidadão português só conhece o Estado para o explorar e lhe fazer exigências. Paga as suas contribuições porque é a isso forçado, com medo que lhe penhorem os bens.
Se vão ao tribunal exercer as funções de testemunha, de jurado ou de vogal do conselho de família, é para fugir à, alçada da justiça criminal. Frequentam com mais prazer um teatro ou um café do que colaboram-na punição dos criminosos, na morigeração dos costumes e no engrandecimento da sua pátria.
Honrasse-se em Portugal o culto do civismo, e estivesse o nosso povo educado nos sãos princípios do altruísmo e da solidaridade humana, que poucas vezes o Estado e os corpos administrativos teriam de recorrer aos tribunais para decretar qualquer expropriação.
Exagera-se bastante quando por ignorância ou má fé se afirma- que a lei de 1912 obedeceu ao critério de privar os proprietários dos seus prédios sem lhes dar as devidas compensações.
É possível que as matrizes não se encontrem solidamente organizadas, e que, tomando-se por base o rendimento colectável para a determinação do valor dos prédios, nem sempre se chegue a um resultado satisfatório e justo. Sou o primeiro a reconhecer que é urgente, para efeitos fiscais, administrativos, cíveis e jurídicos, elaborar o cadastro completo da propriedade, tornando obrigatório o registo de todas as transmissões.
O sistema presentemente seguido de fazer os cálculos destinados a fixar as indemnizações quando não haja acôrdo entre as partes tem, sem dúvida, defeitos que é preciso remediar. Não posso deixar de concordar que merecem ser atendidas as reclamações dos proprietários, dentro de certos limites, porquanto a sua situação em nada se compara com a dos que sofrem prejuízos irreparáveis por motivos de ordem internacional.
Quem indemniza os povos alemão e austríaco dos terríveis efeitos da guerra?
Onde irá a nação germânica arranjar dinheiro para compensar os seus súbditos das pessoas de família que lhes morreram, e das casas, quintas, pomares, fábricas e estabelecimentos que perderam?
A questão não deve ser encarada no campo restrito dos preconceitos tradicionalistas a que a Revolução Francesa deu foros de legalidade, reconhecendo o direito de propriedade como absoluto, sem se preocupar com a sua origem e fundamentos de natureza económica e filosófica.
O que é o cidadão em relação à colectividade? Não é cousa nenhuma. É menos que uma molécula ou protoplasma, comparativamente com o organismo humano. Ora, como o indivíduo não pode viver isoladamente e necessita de se aproximar do seu semelhante para alcançar condições próprias de vida moral e material, justo é que se sacrifique pelo agregado social de que é um elemento componente. Acima do interêsse particular deve prevalecer o interêsse geral, e o cidadão atingido por uma medida aparentemente lesiva dos seus direitos, e que à primeira vista parece violenta, deve adaptar-se e reconhecer à sociedade o direito de, exercer a sua função coodernadora. É pelo elo da solidariedade que os homens se unem, transigindo mutuamente, a bem da realização das suas aspirações comuns.
Sr. Presidente: diz-se que a actual lei reguladora das expropriações abre um conflito de interêsses entre os proprietários e as entidades expropriadoras. Porque?
Evidentemente porque aqueles não recebem de indemnização pelos prédios expropriados tanto quanto desejam.
Toda a gente imagina que o Estado dispõe de uma mina inesgotável de dinheiro.
O que um indivíduo vende a um particular por 10, exige 20 ou 30 se essa venda fôr feita ao Estado.
É êsse o critério uniformemente seguido em todas as transacções com os administradores dos dinheiros públicos.
Se é para o Estado, custa o dôbro ou o triplo de que custaria se fôsse para um grande industrial ou opulento capitalista.
O Estado, quer no campo do direito constitucional ou político, quer no domínio da moral burgueza, é uma entidade abstraía.
Personaliza-se no Govêrno e nos funcionários públicos, que, em geral, traem a sua missão, locupletando-se à custa
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dêste, em vez de lhe defenderem os seus interêsses.
Em tais circunstâncias, como é que os particulares se hão-de integrar de alma e coração no engrandecimento nacional, conformando-se com leis que restringem os seus direitos?
Mas será isso motivo para a sociedade estacionar ou retrogradar?
Decerto que não.
A lógica dos factos e a corrente das ideas avançadas mandam eliminar os elementos perniciosos à sociedade e aproveitar os outros.
O que há a fazer não é revogar as leis que representam conquistas de carácter administrativo e económico, e muito menos entravar a marcha gloriosa do progresso nas suas mais gemais manifestações e tam somente depurar o organismo social da parasitagem que corrói e o intoxica, impedindo-o de exercer a sua acção civilizadora.
O Estado em Portugal é permanentemente o grande alvo de todos os ataques dos revoltados, e ainda daqueles que nada prestam às condições do meio em que vivem, como sejam as classes comerciais, industriais e agrícolas.
Acusam-no de não tomar providências para o barateamento da vida, de não ter escolas para educar o povo, de hão activar o fomento agrícola, de não construir e reparar estradas, pontes e linhas férreas, de não possuir um esmerado serviço higiénico, hospitalar e de assistência, de não ter uma marinha e um exército de harmonia com as suas necessidades militares, de estar privado de material de guerra, e de uma boa organização policial, de consentir o jôgo de azar nas suas principais cidades e vilas, de não combater o alcoolismo, a prostituição e o crime, de se desinteressar do todos os grandes melhoramentos de interêsse público, como a abertura de avenidas, abastecimento de água e luz, construção de encanamentos e renovação do parte antiga das capitais do norte e sul do país.
Com que direito se acusa o Estado e as câmaras municipais de serem negligentes e desleixadas, e se afinal as leis elaboradas pelo Parlamento lhes impõe despesas improdutivas, com empregados iguais ou superiores às suas receitas?
Com que consciência, amanhã, os que hoje defendem o projecto em discussão hão-de vir ao Senado combater o Govêrno, e criticar as câmaras municipais, com o fundamento de estarem escolas fechadas por falta de edifícios adequados, de os cemitérios públicos serem insuficientes para dar sepultura aos mortos, de se desenvolverem epidemias nos bairros populares de Alfama e da Mouraria, de as classes menos abastadas não terem possibilidade de alcançar habitações salubres, de os mercados de fruta e de peixe serem verdadeiros pardieiros, de os loucos andarem dando espectáculo pelas ruas públicas por falta de manicómios para os internar, de as crianças em perigo moral, e de os aleijados e chagados exibirem nos lugares mais concorridos a sua miséria, finalmente de sermos um povo atrasadíssimo, vivendo das glórias do nosso passado, sem esperanças de acompanharmos a civilização mundial?
Sem as leis especiais da natureza da que se pretende revogar não é possível melhoramentos públicos de manifesto alcance social.
A obra da República deve ser prática, honesta e profundamente humanitária, para que não se confunda com a dos últimos anos da monarquia.
A inércia em matéria administrativa pode ser prática, mas tem o grave defeito de constituir o expoente máximo da decadência de um povo.
Parar é retrogradar.
E quem hoje retrograda caminha para a desordem, pela reacção que provoca nos espíritos progressivos.
Sr. Presidente: a discussão nesta Câmara tem convergido sôbre os inconvenientes que há de tomar para base das avaliações o rendimento colectável dos prédios sujeitos a expropriação.
Vejamos o que dispõe o Código do Processo Civil no artigo 312.°:
"Tratando-se de bens inscritos na matriz predial, o valor será determinado pelo contador do juízo, multiplicando por 20 o rendimento colectável e observando o mais que fica disposto nos n.ºs 3.°, 6.° e 7.° do artigo 253.º".
Êsses números preceituam:
O valor do domínio do senhorio directo na enfiteuse, ou o do enfiteuta na sub-
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-enfiteuse será reputado igual a 20 pensões anuais, acrescendo um laudémio ou prestação eventual, quando o houver; e o laudémio será calculado sôbre o valor do prédio, depois de deduzido o capital da pensão.
O valor do usufruto e o do uso e habitação será reputado igual ao rendimento de 10 anos.
O valor do domínio útil dos prazos será estimado nos termos do n.° 1.°, abatido o valor do domínio do senhorio directo ou do enfiteuta, nos termos do n.° 3.°, e o valor dos outros bens onerados com usufruto ou qualquer prestação perpétua ou temporária será determinado deduzindo-se o valor do encargo.
O Código do Processo Civil é um diploma que foi elaborado pelo distintíssimo jurisconsulto Alexandre de Seabra, revisto por uma comissão do homens de sciência o aprovado pelo Parlamento. Constitui um trabalho valiosíssimo de vitalização do normas jurídicas destinadas a tornar efectivos perante os nossos tribunais os direitos consignados na lei.
A história dêsse código resume-se no seguinte:
Reconhecida a necessidade dum diploma, que uniformizasse a legislação formularia, e satisfizesse às exigências do Código Civil, foi encarregado em 1863 o juiz da Relação de Lisboa, António M. Branco, de fazer um projecto do código do processo, mas como aquele, dois anos depois, se houvesse escusado, nomeou-se para tal fim uma comissão composta dos Srs. José Luciano de Castro, Alves de Sá e Coutinho.
Como até 1869 nenhum trabalho tivesse produzido a segunda comissão, o Sr. Alexandre de Seabra apresentou oficiosamente um projecto do código do processo e uma explicação dos fundamentos das suas disposições.
A seguir foi nomeada uma comissão para rever o projecto, de que fazia parte o seu autor, e que iniciou prontamente os seus trabalhos, solicitando o parecer de várias colectividades scientíficas. Em 1872 essa comissão publicou os resultados a que chegou sob o título "Código do Processo Civil, projecto de Alexandre de Seabra, examinado pela comissão revisora".
Adoptava o plano do Sr. Seabra e um grande número das suas disposições, mas introduziu no projecto importantes alterações.
No mesmo ano a comissão publicou ainda a segunda revisão do projecto e em 1875 o projecto definitivo, que foi submetido à apreciação do Parlamento, e depois de larga discussão votado em 1 de Abril de 1876.
Sr. Presidente: a determinação do valor da acção, regulado pelo citado artigo 312.°, é um acto importantíssimo do processo, visto servir de base para a fixação das alçadas.
Não é indiferente, a quem litiga, a limitação do poder de julgar, nos tribunais de 1.ª Instância ou das Relações.
Quantas sentenças e despachos dos tribunais singulares não são revogadas pelos tribunais superiores?
Pois, para que o processo possa subir da 10E instancia à Relação e dêste ao Supremo Tribunal de Justiça, é necessário que a causa tenha, nos termos do artigo 4.° do Código do Processo, valor superior a 400$.
Apenas não há alçada nas seguintes questões:
1.° Sôbre competência e jurisdição de autoridades;
2.° Sôbre estado de pessoas;
3.° Sôbre habilitações, quer estas sejam deduzidas como incidente da causa, quer em processo separado.
4.° Sôbre multas quando impostas por sentença aos litigantes de má fé.
Referindo-se a êsse assunto o Sr. Dr. José Alberto dos Reis, no seu livro Processo Ordinário Civil e Comercial, diz: "A verificação do valor da causa tem uma grande importância para a determinação de competência (artigo 34.°, n.ºs 1.°, 2.° e 3.°) para as alçadas, contagem dos emolumentos e salários judiciais, e fixação da multa (artigo 124.°)".
Examinando-se a tabela de 21 de Outubro do corrente ano, que no artigo 17.° estipula os emolumentos dos juizes no civil, verifica-se que os seus proventos, bem como o doutros funcionários, aumentam com o valor da causa. Assim, o referido artigo nos seus n.ºs 3.° e 32.° estabelece:
Pela sentença final em acção com processo ordinário: De mais 50$ até 100$, 3$;
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De mais de 100$ até 400$, 5$;
De mais de 400$ até 1.000$, 10$;
De mais de 1.000$ até 5.000$, 15$;
De mais de 5.000$ até 50.000$ acresce 2$ por cada 1.000$, etc.;
Pela presidência à inquirição de testemunhas, por dia, em processo de valor até 100$, 3$;
De mais de 100$ até 1.000$, 5$;
De mais de 1.000$ até 5.000$, 10$;
De mais de 5.000$ até 10.000$, 15$;
De mais de 10.000$ até 50.000$, 25$;
Quanto ao escrivão, o artigo 46.° do mesmo diploma preceitua que, por qualquer acto não especificado, a que presidir o juiz, terá, além da rasa, metade do emolumento que vai marcado pela presidência.
Em matéria de multa dos litigantes de má fé, dispõe o artigo 124.° do Código do Processo Civil:
"Nas acções, a multa de 10 por cento será regulada pelo valor da causa".
De harmonia com o artigo 31.°, que citei, e li, quando não houver acôrdo entre as partes, expresso e tácito, o valor da causa determina-se tomando por base unicamente o rendimento colectável.
Ora, se nos nossos tribunais se tem aceito sem protestos essa doutrina, porque é que há-de ser combatida e rejeitada, na hipótese de se tratar da determinação do preço dos prédios expropriados?
Francamente, não percebo.
Sr. Presidente: o Código das Execuções Fiscais, para o efeito das contribuições relaxadas por falta de pagamento, manda, depois de efectuada a citação, na pessoa do devedor, ou de alguém seu familiar, ou criado, pôr os prédios em praça, pelo valor do rendimento colectável.
Semelhante disposição também deve merecer a reprovação formal dos Srs. Senadores que combatem a lei de 1912.
Que grandes abusos se podem praticar à sombra de tam iníquo preceito!
É fácil proceder-se a uma citação, em tais causas, com inteiro desconhecimento do interessado.
E quais as consequências?
Vai o prédio à praça por uma quantia insignificante, sendo fácil estabelecer-se uma combinação entre os empregados de finanças e terceira pessoa, com o fim de se locupletarem à custa do executado.
Que me conste, ainda ninguém se revoltou contra o princípio consignado no mencionado código de dispensa as avaliações e das arrematações se efectuarem, tomando por base o rendimento colectável. Sôbre o assunto parece-me não haver duas opiniões.
A determinação arbitrariamente feita pelos louvados, do valor dos prédios, representa um sistema absurdo, que só pode ser adoptado pela mesma legislação, atentos os abusos a que dá lugar.
É ao legislador que compete formular as regras e fixar os elementos que os peritos devem observar sempre que forem chamados a juízo para determinar o valor do prédio.
E qual é o principal, senão o único elemento, reputado oficialmente seguro?
Evidentemente o rendimento colectável.
Não compreendo que o Estado, consubstanciando a nação, na sua estrutura jurídica, proceda com menos correcção e lealdade para com os cidadãos que o compõem.
Uma vez que cobra as suas receitas tomando por base o rendimento colectável dos prédios inscritos na matriz, não pode logicamente adoptar critério diverso, quando necessitar adquirir êsses prédios para fins de utilidade pública.
Da mesma forma os particulares, que aceitam como bom e regular o rendimento dos seus prédios que constam da matriz, para o efeito de pagarem os seus tributos, não devem reclamar novas avaliações, se porventura sôbre êles recair qualquer expropriação.
Se a função do Estado não é lesar os particulares, muito menos se tolera que êstes, aproveitando-se da incúria, desleixo e incompetência dos funcionários de finanças, prejudiquem a colectividade, exigindo a troco de entrega dos seus prédios, por motivo de interêsse colectivo, uma quantia muito superior ao que êles valem.
O processo adoptado para a determinação do valor das indemnizações, na lei de 26 de Julho de 1912, foi igualmente seguido nas leis de 4 de Março de 1915 e 20 de Abril de 1917, que tratam da concessão e exploração de minas de hulha e de águas minerais. Nessas leis determina-se que os concessionários de jazigos
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minerais ou de águas medicinais devem pagar as indemnizações dos terrenos que expropriarem segundo o valor dos mesmos, constante do rendimento inscrito na matriz predial. Mantém-se nas aludidas leis a doutrina que alguns Srs. Senadores, influenciados por sugestões alheias, reputam ofensiva do sacratíssimo direito de propriedade.
As expropriações de terrenos para fins de lavra não se podem considerar verdadeiras adquirições de interêsse público.
Representam a conjunção de interêsses distintos, sem supremacia ou predomínio duns sôbre outros.
Nelas figuram os interêsses do dono do sub-solo, do concessionário e do Estado.
Todos lucram, se a exploração da mina der os resultados desejados.
Cada um, segundo a sua situação, aufere os correspondentes proventos.
Ora se está estabelecido como meio prático, sem reclamação ou protestos dos interessados, que, para o efeito das expropriações de terrenos destinados a lavra, se tome por base o seu rendimento colectável, por que é que havemos de alterar a lei dificultarão as aludidas expropriações?
A atitude dos Srs. Senadores monárquicos ,e católicos perante o projecto percebo-se, desde que se pondere, que êles defendem os seus interêsses. Estão no seu papel, aproveitando todos os ensejos para indisporem a República, com o que êles chamam as classes conservadoras.
Como lhes demonstrei, a obra da República não é restaurar as leis obsoletas da monarquia. Como muitos proprietários, inclusivamente os velhos fidalgos, que vivem no estrangeiro à custa das fortunas que possuem em Portugal, se conservem fiéis ao Sr. D. Manuel, entendem S. Exa. que prestam um serviço a êsses correligionários, combatendo a citada lei de 26 de Julho de 1912.
E caso estranho: nesse ponto identificam-se liberais reconstituintes, monárquicos e católicos. Toda a direita da Câmara, o que é raro, num assunto económico está unificada. Sei que o projecto em discussão aproveita imensamente a uma pessoa a quem muito quero e estimo e que há pouco me expôs a sua desgraçada situação, ajoelhando-se-me aos pés e dizendo; salve-me, meu querido colega, para mim a aprovação do projecto, permitindo a avaliação livre, é uma questão de morte ou de vida.
É sob êsse doloroso importo que uso da palavra, dizendo sinceramente o penso, porque nunca recuo um passo, na defesa das minhas ideias.
Prefiro sujeitar-me a todos os sacrifícios morais e materiais a deixar de cumprir o meu dever, pugnando pela causa da democracia e da solidariedade humana.
Sr. Presidente: como já disse, afigura-se-me que a propriedade privada tende a ser limitada e, sendo assim, como é que nós podemos ir de encontro a tam justa, manifesta e acentuada tendência?
Não sou partidário de violências nem de medidas extremas e radicais.
Revoltam-me todas as iniquidades legislativas que ofendem a consciência nacional.
Se pudesse modificar o actual regime da propriedade, modificá-lo-ia em bases que reputo mais scientíficas e humanitárias.
Não privaria proprietário algum dos meios necessários para manter uma vida honesta, cómoda e confortável.
Entretanto, limitar-lhe-ia a faculdade de dispor de uma parte dos seus rendimentos. O que sobejasse das suas despesas habituais, como vestuário, alimentação, casa de residência, divertimentos e cultura do espírito seria destinado a uma grande obra de assistência aos deserdados da fortuna.
Distribuiria o que lhes superabunda em receitas pelos que lutam com a desgraça e a miséria, não tendo um pão para matar a fome, nem um lar para recolher os filhos nus.
Que há de mais simpático, emocionante, humanitário, do que estabelecer a igualdade, não perante a lei, mas segundo os ditames da sã consciência, garantindo a todo o nosso semelhante habitação, vestuário, alimento e educação?
Que espectáculo mais degradante pode haver do que desperdiçarem os ricos com festins, jóias, sedas, automóveis de luxo, ostentação e grandeza, o que podiam aplicar em obras de protecção a doentes, inválidos o crianças?
Quando Deus criou o mundo, segundo ensina a história sagrada, foi para todos. Negar ao indivíduo recursos para se ali-
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mentar, equivale a não lhe reconhecer o direito à existência.
A obrigação da Sociedade é velar pelo desenvolvimento e bem-estar dó todos os seres que a compõem. No meio onde prospera a desigualdade das fortunas; em que uns são senhores do capital e da propriedade, é outros escravos, em que uns gozam, esbanjam é se divertem e outros sofrem as torturas da nudez, da velhice e da indigência, atrofiam-se as faculdades de trabalho, e gera-se o espirito de revolta, com todo o seu cortejo de horrores.
Como é possível raiar uma nova aurora de felicidade para o país se cada cidadão em Portugal só trata de si e dos seus interêsses?
Será combatendo a lei de 26 de Julho de 1912, inspirada em princípios democráticos, que se melhora a situação do Estado e dos municípios?
Que lucra a sociedade portuguesa, tam falha de iniciativas e de empreendimentos de interêsse público, com a sua revogação?
Querem que regressemos à iluminação a petróleo e aos transportes por meio de liteiras e cadeirinhas?
Querem obstruir as avenidas novas e restaurar as velhas pocilgas da Alfama?
Raciocinemos com serenidade e averiguemos se é preferível algumas dezenas de proprietários sofrerem um pequeno prejuízo; a permanecer indefinidamente o país no estado de atrofia em se encontra; sem edifícios para escolas sem água potável encanada, sem esgotos, sem viação acelerada, quere dizer, oferecendo um espectáculo vergonhoso a nacionais e estrangeiros.
O Sr. Lima Alves: - Então indemnize-se, más não se espolie.
O Orador: - Pois justamente não desejo que se espolie ninguém.
Os proprietários hão-de receber, em troca dos seus prédios, as competentes indemnizações, fixadas pelo poder judicial, tomando por base o rendimento colectável inscrito nas matrizes. Se elas estão erradas, por culpa dos contribuintes, o que há a fazer é corrigidas.
Nunca desprezá-las, como elemento para a determinação do valor dos prédios.
O Sr. Presidente (agitando a campainha): - Tenho a prevenir V. Exa. que falta um quarto de hora para se encerrar a sessão.
Como está um Sr. Senador inscrito para antes de se encerrar a sessão, V. Exa. dirá se deseja ficar com a palavra reservada para a próxima sessão.
O Orador: - Perfeitamente, Sr. Presidente. Fico então com a palavra reservada.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Ferreira de Simas: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa um projecto de lei, que já tem o parecer favorável das comissões respectivas.
E ao mesmo tempo, pedia que fôsse dispensada a impressão, à fim de que êle pudesse ser discutido na próxima sessão, visto tratar-se dum assunto urgente.
O Sr. Presidente: - Êsse assunto ficará para a próxima sessão.
Pausa.
A próxima sessão é na terça-feira, à hora regimental, sendo a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje e mais a eleição dum vogal efectivo e outro substituto para o conselho fiscal do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Social.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.
O REDACTOR - Alberto Bramão.
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Discursos proferidos na sessão n.° 121, de 25 de Outubro de 1922, e agora integralmente publicados
O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Como o Sr. Costa Júnior, vou. também referir-me ao facto de me não terem sido fornecidos os documentos que pedi, por várias vezes, referentes a diversos Ministérios. Se eu tivesse tempo, leria à Câmara a lista completa dos documentos que tenho solicitado e que ainda me não foram enviados.
O protesto que eu hoje vou fazer diz respeito ao Ministério da Justiça.
De muitos pontos do país recebo reclamações, contra a ausência dos magistrados das suas respectivas comarcas.
Uma delas é a de Arraiolos. Queixam-se-me que há bastante tempo estão nessas comarcas numerosos réus, já pronunciados, com pouca prova, aguardando o seu julgamento. Entre êles, existe um, cujo processo conheço e que não pode deixar de ser absolvido. A justiça de Arraiolos deve ser igual à das demais terras de Portugal. Quando exerci na aludida comarca as funções de juiz, o subdelegado Simões pretendeu que eu pronunciasse pelo crime de homícidio um dos réus a que me acabo de referir.
Nada conseguiu, devido à minha intransigência,, atenta a completa deficiência dos elementos de prova.
Após a minha retirada êsse subdelegado insistiu nos seus propósitos, junto do novo juiz e a pronúncia não se fez esperar. Consumou-se a meu ver uma injustiça, para a qual não há reparação possível. E ainda para agravar essa dolorosa situação decorrem meses e anos sem que o réu seja julgado por falta de magistrado judicial que presida à audiência.
O cúmulo da imoralidade! Peço pois providências ao Sr. Ministro da Justiça em nome da Inocência, da Verdade e da suprema lei da solidariedade humana.
O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Sr. Presidente: o Tribunal de Defesa Social que se pretende extinguir, pelo projecto de lei em discussão, nasceu mal, funcionou péssimamente e está destinado a morrer na mais completa e absoluta ignomínia. Posso afirmá-lo; sem perigo de ser desmentido, pelo conhecimento que tenho das circunstâncias em que foi proposta a sua criação, como procederam no exercício das suas funções alguns dos vogais que o compõem e sobretudo pelas regalias que se pretendem conceder aos bacharéis Barbosa Viana, Ferreira do Sousa e Félix Horta. A proposta de lei do Sr. Ramos Preto, criando o referido tribunal, teve na Câmara dos Deputados uma oposição formal, pelo seu espírito profundamente reaccionário e inquisitorial. Não houve um único parlamentar, que falando sôbre a generalidade, não a combatesse com energia. Todos a condenaram pelo seu carácter anti-liberal. O protesto foi uniforme, vendo-se o Sr. Ramos Preto obrigado a declarar que aceitava todas as emendas que lhe introduzissem, apenas fazia questão, quanto à promulgação duma lei, com disposições substantivas e adjuntivas, destinadas a punir com rapidez os atentados dinamitistas. Parece que S. Exa. tinha um único fim, amedrontrar as classes operárias, com uma lei, boa ou má, que permitissem aos tribunais dar uma satisfação à opinião pública alarmada com os últimos crimes sociais.
Mas pregunta-se: como foi possível uma proposta que tinha a má vontade geral da Assemblea Legislativa, conseguir triunfar e ser aprovada?
Únicamente pelo grande prestígio que então gozava o coronel António Maria Baptista.
A Câmara entendeu que naquele momento gravíssimo da nossa política nada podia recusar ao Govêrno.
Para demonstrar a minha asserção, vou ler as principais passagens dos mais importantes discursos proferidos nas sessões em que se discutiu a criação do tribunal que agora se deseja extinguir.
O próprio Ministro da Justiça, que se dizia interpretada opinião pública naquele momento, não teve a coragem de apresentar a aludida proposta com desassombro, fê-lo declarando-se coacto perante as imposições das classes conservadoras. O Sr. Ramos Preto sentia-se mal quando propunha a pena de degredo para os fabricantes e detentores de bombas explo-
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sivas, e o seu julgamento por um tribunal de excepção. A sua consciência de republicano sentia-se abalada ao ter de sustentar e defender doutrinas anti-democráticas.
Textualmente, disse aquele ilustre parlamentar:
"Devo expor a V. Exa. e à Câmara, que é absolutamente contrariado, que o Govêrno apresenta esta proposta, mas tem de aceitá-la, porque as circunstâncias a impõem e a segurança pública a exige.
Quando aqui falei pela primeira vez, disse que não subscreveria leis de excepção. Mal supunha que os factos ainda haviam de contrariar a minha vontade. Contrario-a para cumprir o meu dever, como membro do Govêrno que tem por obrigação manter a segurança e a tranquilidade públicas. Cumpre-me declarar que o Govêrno não faz desta proposta uma questão fechada.
Infelizmente, não existe nas leis vigentes nenhum diploma que sirva no momento actual em que os crimes por meio de bombas tomam uma nova feição".
Sr. Presidente: esta forma de apresentar uma proposta está em desarmonia com as normas parlamentares, e equivale àquele antigo sistema, seguido por muitos agentes do Ministério Público nos tribunais, que em vez de fazerem a análise dos factos e a apreciação do crime, nos termos da lei, diziam que era com o coração consternado que iam acusar o réu. Os Ministros têm de proceder consoante às circunstâncias, e o seu dever é apresentarem as suas propostas, dispensando-se de produzir considerações de ordem sentimental, porque pode parecer querem fugir, com tais atitudes duvidosas, à sua responsabilidade de homens, de cidadãos e de Ministros. As referidas expressões do Sr. Ramos Preto deram ensejo a que os leaders dos diversos partidos manifestassem a sua discordância, em princípio, com as doutrinas consignadas no citado diploma. O primeiro orador a fazer uso da palavra foi o Sr. Álvaro de Castro, que é hoje leader e chefe do Partido Reconstituinte, que dispõe de uma larga representação na outra casa do Parlamento.
Disse S. Exa.:
"Não deixo de registar as palavras do Sr. Ministro da Justiça de que foi com repugnância que trouxe esta proposta à Câmara, porventura direi já que S. Exa. o não disse, porque ela representa principalmente, nas suas disposições detalhadas, a subversão dos mais assentes princípios de direito penal. Mesmo na generalidade, porém, não deixarei de me referir às disposições desta proposta, que me parecem de difícil aplicação, e porventura trazendo talvez, para os tribunais, mesmo para êstes tribunais, instituídas duma maneira excepcional, que ultrapassam as excepcionalidades da lei de 13 de Fevereiro de 1896.
Evidentemente, a rainha estranheza vai tanto para o facto dum mesmo crime ser julgado em dois tribunais diferentes, como para o facto de ser julgado por duas vezes, podendo suceder que num tribunal seja condenado um réu e noutro absolvido.
Dar-lhe hemos a nossa aprovação com a mesma repugnância com que S. Exa. o Ministro da Justiça trouxe semelhante proposta a esta Câmara, talvez até, com uma repugnância maior, porque é bem contrária essa proposta, aos princípios que desejaríamos ver implantados em todo o país, de maneira que fôsse possível vivermos todos como irmãos, e não como inimigos uns dos outros".
Assim falou, com a sua autoridade de antigo chefe de Govêrno, o Sr. Álvaro de Castro, um dos mais categorizados políticos do actual regime.
Arguiu aquele ilustre parlamentar a referida proposta de subversiva dos mais rudimentares princípios de direito penal! Estas palavras não foram proferidas por um político, ou Deputado vulgar, foram-no, por uma figura prestigiosa que à qualidade de político e Deputado alia a de professor de direito colonial, de bacharel formado e de estadista.
Às considerações do Sr. Álvaro de Castro respondeu o Sr. Ramos Preto, nos seguintes termos:
"Quando disse que tinha repugnância em submeter à consideração da Câmara a proposta que está em discussão, quis patentear que continuo a ter toda a re-
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pulsa pelas leis de excepção. Advogado antigo, sempre gostei que se adoptassem as normas regulares dos processos. Estranhou o Sr. Álvaro de Castro que fôsse eu que tivesse apresentado esta proposta. Devo responder que o Govêrno é solidário na sua apresentação, e eu como Ministro da Justiça, não podia deixar de solidarizar-me.
Tem defeitos? Tem, e muitos, pois não pode existir ama lei de excepção que os não tenha".
Sr. Presidente: depois desta confissão sincera e formal do Sr. Ramos Preto, só restava à Câmara rejeitar a proposta na generalidade.
Convém ter bem presente que o Sr. Álvaro de Castro, sem propósitos de levantar dificuldades ao Govêrno da presidência do Sr. coronel António Maria Baptista, havia sustentado que, a ser aprovado tal projecto, teríamos restabelecido de novo em Portugal a odiosa lei de 13 de Fevereiro de 1896. Nunca imaginei que pudesse merecer a aceitação da Assemblea Legislativa composta de bons republicanos uma medida de excepção, destinada a restabelecer entre nós os antigos processos draconianos de que se servia a monarquia para perseguir os seus inimigos.
Referia-se acertadamente o Sr. Álvaro de Castro à inconstitucionalidade da proposta, e pena foi que a Câmara emancipando-se da tutela governamental, não se colocasse ao abrigo das suas doutrinas democráticas.
A inconstitucionalidade da mencionada proposta, que submete o mesmo crime a dois julgamentos, é evidente e manifesta, e pode constituir em desprestígio para os nossos tribunais.
Sob o ponto de vista processual, é matéria assente que ninguém deve ser submetido a duas jurisdições diversas, pelo crime que haja praticado.
Não se admite no campo dos princípios que se lancem em conflicto e se desprestigiem, mutuamente instituições que constituem a defesa dos interêsses morais e materiais da sociedade. A diversidade de julgamentos de casos semelhantes e mesmo idênticos provém, não da lei, mas sim do critério dos julgadores que varia de magistrado para magistrado.
As considerações do Sr. Álvaro de Castro revelam bem o seu alto espírito de crítica e de observação.
Um tribunal, embora formado por juizes ilustrem nunca se pode sentir à vontade, tendo a certeza que a sua decisão vai ser discutida e apreciada por outro tribunal de primeira instância e de igual categoria. O indivíduo arguido de ter lançado uma bomba que causou prejuízos materiais, responde duas vezes - uma pelo facto do emprêgo da bomba, perante o tribunal de excepção - outra perante o tribunal comum pelo crime de dano.
Que situação tam desgraçada para o Poder Judicial se o primeiro tribunal condemna e o segundo absolve ou vice-versa! Qual dos dois tribunais procedeu nessa hipótese de harmonia com as provas e com a lei? E o tribunal de excepção ou o tribunal comum? Que juízo fica a fazer em tal caso da justiça portuguesa a opinião pública? Não havia disciplina partidária, nem considerações de ordem política que me levassem a votar uma doutrina tam nefasta e prejudicial ao bom nome e prestígio dos nossos tribunais.
Entre negar-se ao Govêrno a aprovação da mencionada proposta, o que equivaleria à sua estrondosa queda, tornando difícil nesse momento a organização dum novo Ministério, ou a sua aprovação, com todas as suas perniciosas consequências, o Parlamento optou pela segunda solução.
Sr. Presidente: é bom nunca esquecer, para se reconstituir a história da criação do Tribunal de Defesa Social, que o Sr. Ramos Preto declarou à Câmara que se tinha visto obrigado a apresentar uma proposta de lei nas condições em que o fez, porque só tinha dois caminhos a seguir, ou pedir a sua exoneração ou submeter-se às imposições das correntes de opinião, que reclamavam medidas enérgicas tendentes a reprimir os atentados dinamitistas.
O segundo parlamentar a fazer uso da palavra foi o Sr. Orlando Marçal, espírito muito culto, duma inteligência fulgurante e sobretudo, especializado em assentos de direito penal.
Recentemente, publicou êsse distinto ornamento da advocacia portuguesa um interessante livro, versando vários pontos
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de sociologia criminal. A sua palavra sempre brilhante, de tribuno consagrado fez-se ouvir na Câmara dos Deputados, pois ninguém com mais veemência e competência do que êle combateu a proposta a que me venho referindo.
Pronunciou-se em manifesta oposição às doutrinas sustentadas pelo Sr. Ramos Preto, dizendo:
"Devo asseverar com afoiteza, Sr. Presidente, que muito repugna à consciência alarmada, como aliás à dos meus camaradas, e à do próprio Ministro da Justiça, a aprovação dum diploma desta natureza, que é uma verdadeira lei de excepção, dentro dum país e dum regime que tem por tema essencialmente a garantia e a protecção à liberdade de pensamento. Na verdade, do confronto de algumas das suas disposições, nitidamente se observa a sua imperfeição no que respeita à técnica jurídica pois por exemplo, à sombra do que ali se encontra estatuído, os agentes do crime podem ser condenados duas vezes pelo mesmo feito o que vai ferir as susceptibilidades de quem quiser julgar nobre e rigidamente, e se afasta das regulares e fundamentais princípios de direito puro".
O Sr. Orlando Marçal atacou rudemente a proposta, afirmando que, pelas nossas tradições históricas e compromissos tomados no tempo da propaganda republicana, não podia ser criado um tribunal de excepção idêntico ao de 13 de Fevereiro de 1896. Que pelo contrário, as nossas leis deviam ser feitas no sentido de conceder maiores garantias aos cidadãos.
Para se habilitar a pronunciar-se com inteiro conhecimento de causa, emitindo um voto consciencioso, o Sr. Orlando Marçal, terminou o seu notável discurso dizendo:
"As minhas palavras têm por agora o fim essencial de ser esclarecido pelo Sr. Ministro da Justiça se o Govêrno tem necessidade e urgência de que o Parlamento lhe vote essa medida apresentada, à sombra da qual a sociedade portuguesa, possa serenamente caminhar, sem desmandos e entraves, sob a bandeira aureolada com estes dois gritos de alma: ordem e trabalho".
Não se fez esperar a resposta do Sr. Ramos Preto, concebida nas seguintes expressões:
"Tenho a declarar que reclamando a opinião pública uma lei que a ponha ao abrigo dos atentados, que estão envergonhando a sociedade portuguesa, o Govêrno deseja uma lei que, por esta ou por aquela forma, reprima êsses crimes.
O Sr. Orlando Marçal (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença? Desejo saber, em nome do grupo que represento, se o Govêrno reputa imprescindível esta lei.
O Orador: - Reputa imprescindível.
Sr. Presidente: em seguida o Sr. Ladislau Batalha, versando a questão no campo verdadeiramente social, fez largas considerações, tendentes a demonstrar que não era necessário uma medida tam violenta para combater os atentados dinamitistas.
Êsse ilustre membro do Partido Socialista, que gosa da maior consideração em todo o pais, pelo elevado critério, com que nos meios operários, falando ou escrevendo, estuda a questão social, e faz a propaganda das doutrinas colectivistas, manifestou a sua opinião acêrca da proposta do Sr. Ramos Preto, ponderando:
"Infelizmente não se têm preocupado as sociedades modernas, nestes últimos tempos, com os seus processos de agir. Representa-se ainda no seu espírito a influência da velha escola jesuítica, em que todos os processos eram bons desde que visassem a atingir um determinado objectivo. O modo de empregar a bomba é tudo.
Porque é então que ela se emprega mal? Porque é que uma arma que foi tam útil na Grande Guerra se transforma numa arma verdadeiramente criminosa?
Na resposta vai uma verdadeira cutilada à burguesia. É apenas porque a ignorância continua a ser profunda na sociedade portuguesa, incapaz de assimilar as novas teorias de liberdade e reorganização social.
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Estou convencido, porém, que qualquer lei de excepção só aumentará o número e a intensidade dêsses acidentes. Porque sou socialista, em nome do socialismo protesto energicamente contra esta e quaisquer outras leis de excepção que se pretendam promulgar".
O empolgante discurso do leader socialista, Sr. Ladislau Batalha, produziu em toda a Calmara uma profunda emoção. Nenhum membro do Govêrno, nem o próprio autor do projecto, teve a coragem e a energia de lhe responder.
Emmudeceu a maioria que apoiava o Ministério, assim como os apologistas do cutelo e da forca para os crimes de carácter social. Depois inscreveu-se o Sr. Lopes Cardoso, individualidade de destaque no Partido Reconstituinte, que exerceu com larga proficiência, e durante mais de um ano, o cargo de Ministro da Justiça. Além de político graduado, o Sr. Lopes Cardoso é em jurisconsulto ilustre e um magistrado inteligente e honestíssimo. Pois S. Exa., segundo consta do Diário das Sessões, relativamente à matéria em discussão, disse:
"Neste ponto há um abismo entro a proposta apresentada pelo Sr. Ministro da Justiça e o meu projecto, pois que emquanto êste se aproximava do que está estabelecido nas leis em vigor sôbre o processo penal, o de S. Exa. aproxima-se duma lei especial, condenada pela República, e que caracterizou uma época de despotismo e violência: refiro-me à lei de 13 de Fevereiro de 1896.
É um tribunal colectivo, e preguntou-me o Sr. Ladislau Batalha se o julgo justo. Não é a mim que S. Exa. devia preguntar isso, mas ao Sr. Ministro da Justiça, que é o autor do projecto; contudo não oculto a S. Exa. que, em casos especiais, sou partidário dos tribunais colectivos, mas com autênticos juizes.
Pela lei de 13 de Fevereiro sabíamos que se tratava de crimes de anarquismo, mas agora não se sabe de que crimes se trata. E se houve abusos na aplicação da lei de 13 de Fevereiro, aplicando-a a crimes que não eram do anarquismo, ou derivados da sua propaganda, mais fàcilmente ocorrerão as injustiças e violências quando se aprove a proposta de lei nos termos em que está redigida.
O confronto dalgumas das suas disposições, feito com sinceridade, dá o seguinte: um indivíduo arremessou uma bomba e matou alguém; porque arremessou a bomba fica sujeito ao tribunal colectivo, porque matou responde perante os tribunais ordinários. Pode resultar desacerto nos julgamentos, visto que um tribunal pode julgar duma forma, e outro de forma diversa. O caso incompreensível de o crime do artigo 253.° do Código Penal ser desdobrado em dois delitos para o efeito de o seu autor responder simultaneamente em dois foros diversos, com dois processos diversos".
Não se pode ser mais claro, preciso e lógico na argumentação. O Sr. Lopes Cardoso, fazendo o confronto entre a nefanda lei de 13 de Fevereiro e o projecto em discussão, considerou êste uma nova edição oficial, correcta e aumentada, dessa lei. Concordou plenamente com as doutrinas já expostas pelo Sr. Álvaro de Castro, indo mais longe na sustentação das suas opiniões.
Quem o ouviu com atenção ficou convencido de que, em 1920, ressurgiria a Parreirinha, e que a breve trecho seria investido nas funções de inquisidor-mor qualquer Hoche arte nova.
Com a sua incontestável autoridade de antigo Ministro e de magistrado modelar, do alto da sua cadeira de parlamentar o Sr. Lopes Cardoso proclamou ao país inteiro que voltaria a vigorar em Portugal, se fôsse aprovada, a proposta do Sr. Ramos Preto, a negregada e infame lei de 13 de Fevereiro. Nessa ocasião em que todos os homens de bem se retiniam, em tôrno do Govêrno, para lhe facilitar a sua missão, as palavras do Sr. Lopes Cardoso, ditadas por um espírito de paz e harmonia, posavam como chumbo sôbre a consciência dos defensores da República que tomavam assento na Câmara dos Deputados. Fatal dilema! Ou rejeitar a proposta, assinando mandado de despejo ao Govêrno, ou aprová-la, ferindo em pleno coração a República.
Ao terminar o seu magistral discurso referiu o aludido parlamentar:
"Este projecto aparece a fazer a distinção entre o arremesso da bomba explosiva e as consequências dêsse facto; e, portanto, manda punir num tribunal
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o delito pròpriamente dito, e noutro tribunal as suas naturais e directas consequências".
Um dos pontos que mereceram especiais reparos do Sr. Lopes Cardoso diz respeito à constituição do tribunal que havia de julgar os bombistas. Estranhou, e bem, S. Exa. que êsse tribunal fôsse composto de juizes leigos, quere dizer, de simples bacharéis formados em direito, desconhecendo as normas do processo e falhos de competência técnica, que só se adquire pela longa prática da magistratura e, sobretudo, qualidades de independência, ponderação e austeridade.
De facto assim é.
Para mim os principais requisitos a que deve satisfazer um magistrado judicial consistem:
1.° Na independência;
2.° Na imparcialidade e rectidão;
3.° Na competência scientífica;
4.° No desejo de acertar, não se afastando dos salutares princípios da solidariedade humana.
Chego mesmo a duvidar da boa fé, para não dizer da inteligência e bom senso, do Sr. Ramos Preto, quando se abalançou a apresentar ao Parlamento uma proposta para a criação do novo tribunal formado de três funcionários policiais que, podendo ser excelentes criaturas, honestas e bondosas, também corriam o risco, o que era mais provável, de ser três Torquemadas.
Êsse tribunal, segando a opinião autorizada do Sr. Lopes Cardoso, só deveria ser composto por três juizes de carreira, para lhe poderem dar foros de independência, de rectidão e autoridade.
O prestígio, em matéria judicial, é tudo.
Os Govêrnos mantêm-se pela fôrça das baionetas e dos canhões, emquanto que as instituições judiciais apoiam-se na consciência colectiva dos povos, que as exigem e defendem. Um homem de prestígio impõe-se mais às multidões do que qualquer general pirata, rodeado de soldados, equipados e municiados.
Basta observar o que sucede na Bélgica, em que um categorizado funcionário administrativo e policial, denominado burgo-mestre, consegue manter a ordem, sem fazer uso de metralhadoras ou de carabinas.
Perante uma manifestação de grevistas exaltados, que ameaça atentados pessoais e ataques à propriedade, a sua voz, pedindo silêncio, respeito e tranquilidade, é escutada e acatada. E porquê? Evidentemente porque goza de prestígio pelo seu procedimento cordato, conciliador, digno e clemente.
E como se conquista êsse prestígio e autoridade?
É com um curso superior e um diploma de bacharel formado em direito? Não.
Nas Universidades pode aprender-se direito civil, comercial, administrativo e romano, sciência económica, financeira e colonial; o que, porém, não se estuda é a arte de administrar justiça e conduzir os povos à realização dos seus ideais de prosperidade. Fazer justiça, em muitos casos, não é aplicar a lei no seu rigor, mas adaptá-la em são critério às hipóteses ocorrentes.
O grande defeito do tribunal em questão vem desde a sua origem, atenta a forma por que foi constituído.
A Humanidade quere ser julgada, mas primeiro deseja saber por quem. Desde que se lançou no Parlamento, por ocasião de ser discutida a referida proposta, a suspeição sôbre os futuros julgadores, decerto que ninguém mais teve por alguns dêles verdadeiro respeito e consideração.
Os arguidos, ou sejam inocentes ou criminosos, só acatam em sua consciência as decisões de juizes togados, repelindo e reagindo contra os julgamentos proferidos por mercenários, investidos na função, de julgar por mero acaso das contingências políticas e sociais. A larga discussão da proposta na Câmara dos Deputados, os rudes ataques que lhe foram feitos e a publicidade que lhe deu a imprensa contribuíram poderosamente para que a opinião pública recebesse com hostilidade o novo tribunal destinado a julgar os autores de atentados dinamitistas.
A atmosfera criada na mencionada Câmara fez surgir e acentuar no espírito das classes operárias manifesta má vontade contra os vogais daquele tribunal.
De começo alguns elementos da opinião pública receberam com desconfiança os indivíduos que se prestaram, por necessidade de ganhar a vida, a ser julgadores de crimes que visavam mais à luta
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entre operários e patrões do que propriamente ao roubo, ao assassinato e ao dano. Pelo que disseram vários Deputados, os operários convenceram-se de que 6sse tribunal era criado contra êles, visto se ter afirmado e até provado na Câmara, que a nova lei, se não era pior, pelo menos era igual à de 13 de Fevereiro de 1896, da autoria do Sr. João Franco, de triste memória.
As doutrinas perfilhadas pelos Srs. Álvaro de Castro e Lopes Cardoso, que são dois conservadores dentro da República, e, portanto, insuspeitos de fazer propaganda dissolvente, criaram ao novo tribunal uma situação absolutamente insustentável.
Estava, desde a sua instalação pouco auspiciosa, no pardieiro da Boa-Hora, condenado a morrer tragicamente a curto prazo. Só o salvaria um juiz, com qualidades de julgador, que se impusesse à consideração de todos, conservadores e avançados, burgueses endinheirados e proletários. Êsse juiz era eu, mas, se pude resistir aos ímpetos mal contidos dos exaltados que condenei e dos seus camaradas, não consegui vencer a má vontade dos meus adjuntos Barbosa Viana e Ferreira do Sousa e a decrepitude do Sr. Catanho de Meneses, que apavorado com as insolências dalguns jornais a sôldo da cáfila da Rua dos Capelistas, houve por bom exonerar-me das referidas funções.
Se o tribunal tivesse sido constituído, de princípio, com magistrados de carreira que inspirassem, pelo seu prestígio, confiança às classes operárias, não teriamos a lamentar os atentados de que foram vítimas Pedro de Matos e Félix Horta. O êxito duma viagem, embora a embarcação seja má, depende da perícia náutica do piloto que a dirige.
Sr. Presidente: continuando a discutir-se na sessão da Câmara dos Deputados, de 15 de Abril de 1920, a proposta criando o tribunal que o Sr. Ministro da Justiça pretende extinguir, usou também da palavra o Sr. António Granjo, figura de alto relêvo da República, combatendo-a com vigor e energia.
Sua Exa. expôs:
A lei que se discute não é mais do que uma autorização concedida ao Govêrno para deportar para qualquer parte do território colonial não apenas aqueles que transportarem explosivos, os detiverem ou fabricarem, mas também aqueles que estiverem incursos no artigo 483.° do Código Penal.
Assim, a proposta do Govêrno pune os mesmos crimes e pela mesma forma que a lei de 13 de Fevereiro.
Entendo que o Govêrno não precisa ressuscitar a lei de 13 de Fevereiro. Mas deixemo-nos de palavras, que não servem para iludir o povo e representam simples drogas.
O Sr. Álvaro de Castro salientou o facto de se constituir um tribunal, composto de três membros, para o julgamento dêstes delitos, quando a Constituição manda que sejam julgados pelo júri. Êstes tribunais são tribunais colectivos.
O Sr. Lopes Cardoso: - Tribunais que foram condenados por um decreto de 1910, que os extinguiu.
O Orador: - Sim, efectivamente estão extintos por um diploma publicado logo a seguir à proclamação da República.
Foi, pois, esta disposição extinta, não sendo permitidos êsses julgamentos sem ser pelo júri.
A Constituição foi falseada, visto estos delitos não poderem ser julgados senão pelo júri.
Muitos apoiados.
O Sr. Ramos Preto deve, no emtanto, permitir-mo que eu lembre que é um princípio de direito, estabelecido em todas as legislações do mundo, que nenhum réu pode ser julgado duas vezes pelo mesmo crime, e que nenhum crime pode ser sujeito a sanções diferentes. Só nos países que vivem inteiramente ao sabor das exigências, duma opinião movediça e inconsciente, traduzida apenas por gritos ou por ideas que não representam mais do que apetites de acaso ou ódios ruins, só nessas sociedades se poderia admitir que o autor dum determinado crime fôsse punido duas vezes por êsse mesmo crime. Êsse princípio está também estabelecido QO nosso direito, e não vejo razão para o modificar. Não posso concordar nem com a organização do tribunal, que vem no artigo 1.°, nem com outros de igual natureza, e muito menos com o julgamento de tais crimes pelos tribunais militares.
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O facto de se conceder o julgamento dêstes delitos aos tribunais militares pode servir apenas para acirrar as desinteligências entre os que querem subverter as sociedades e os militares que têm o dever de as defender. A obra internacional do operariado tem dado lugar a que os operários se desnacionalizem. Não há hoje no mundo, sob o ponto de vista político, escravos maiores do que aqueles que se prestam como cadáveres a obedecer a uma lei que vem de organismos superiores, que às vezes nem sequer conhecem. O Sr. Ladislau Batalha disse, e bem, que grande parte dos atentados perpetrados pertencia a nós todos, quer àqueles que fizeram a sua vida pública nos tempos da monarquia, quer àqueles que a fizeram no regime republicano, porque não cuidamos como devemos da educação das massas populares".
O discurso do Sr. António Granjo, tam cheio de verdade e de sinceridade, pela clareza e nobreza de alma que o ditou, dispensa quaisquer apreciações ou comentários pormenorizados.
Frisou a inconstitucionalidade da proposta na parte em que estabelece um tribunal colectivo para o julgamento de crimes que só podem ser submetidos à apreciação do júri e, além disso, demonstrou, com sólidas razões jurídicas, que nenhum réu deve ser julgado duas vezes pelo mesmo crime, e que nenhum delito, segundo os princípios fundamentais de direito penal, deve ser submetido a sanções diferentes.
Ainda se manifestou, na mesma sessão de 15 de Abril de 1920, contra a proposta o Sr. Lino Pinto, que no uso da palavra referiu:
"Disse o Sr. António Granjo, e bem, que esta proposta aditava uma dualidade de julgamento que briga com o direito substantivo da legislação de todo o mundo civilizado. Mas, além de brigar com êste princípio básico, veiamos ainda as consequências que na prática podem daí resultar. Suponha V. Exa., Sr. Presidente, o seguinte caso: um indivíduo arremessou uma bomba, ê ela foi ferir ou matar alguém. Êsse criminoso é pôsto à disposição do Govêrno, que o manda para as nossas colónias.
Segundo a proposta, êsse indivíduo fica sujeito a julgamento pelos tribunais ordinários.
E o que sucede? Sucede que o réu é julgado aqui à revelia, visto que nessa altura se encontrará em África.
O Sr. Ramos Preto: - É julgado no lugar onde se encontrar.
O Orador: - Aí teremos outro perigo ainda maior.
Como quere V. Exa. que um réu que está em África ou em qualquer outro ponto, por ter praticado um crime aqui em Portugal, se possa fornecer de elementos de prova para demonstrar a sua inocência?
Como quererá mandar para o ponto em que o réu se encontra, em defesa da sociedade, as provas precisas a habilitar o juiz a condenar?
Pior a emenda que o soneto.
Em princípio sou contrário a tribunais especiais, pois que tenho visto na prática que êles têm servido quási sempre de arma política, e hão para produzirem os resultados que com êles se tinha em vista.
Oxalá que não se repitam aqueles factos que se deram ao abrigo da lei de 13 de Fevereiro de 1896".
Não podia ser mais esmagadora a argumentação dêsse distinto parlamentar contra o aborto trazido à Câmara pelo Sr. Ramos Preto. Os ataques rudes à sua genial inspiração contavam-se pelo número de Deputados que faziam uso da palavra.
O Sr. Presidente: - V. Exa. dá-me licença?
Está sôbre a Mesa uma proposta de lei urgente, votada hoje na outra casa do Parlamento, e que precisa de ser ainda hoje apreciada pelo Senado.
Refere-se à chegada dos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Fica V. Exa. com a palavra reservada para depois.
Lê-se a proposta de lei e entra em discussão.
O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Gostosamente em nome dos Senadores indepen-
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dentes, também dou o meu voto à proposta em discussão.
Em princípio sou contrário a tudo quanto seja decretar feriados nacionais, porque a República é um regime de trabalho e ordem e não uma instituição de indolência, de anarquia e de dissolução.
Tratando-se, porém, dum caso excepcional, como seja o de festejar o feito notável dos nossos ilustres aviadores, admirado por todo o mundo civilizado, e venerado pela consciência nacional, acho justo que se destine um dia exclusivamente à sua apoteose e consagração.
Se nós não fôssemos conhecidos no estrangeiro pelas nossas tradições históricas, pelas glórias dos nossos arrojados navegadores, e pela nossa admirável obra colonizadora, bastava a travessia aérea do Atlântico para ocuparmos um lugar de destaque no concerto geral das nações.
Pena é que, a acompanhar essas afirmações de valor e heroicidade da nossa raça, não procuremos administrarmos com economia e moralidade.
Contrasta com a atitude de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, o procedimento do Govêrno do Sr. António Maria da Silva, que pela sua acção esbanjadora nos impele para o descrédito e para a bancarota. Servirá porventura de incentivo, a mudarmos de rumo no campo económico e financeiro, o cometimento daqueles ilustres patriotas?
Não creio! A nossa sentença está lavrada, e só por um milagre do Destino nos podemos salvar das garras aduncas da miséria que nos estrangula e asfixia.
Tenho dito.