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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
SESSÃO N.º3
EM 5 DE DEZEMBRO DE 1923
Presidência do Ex.mo Sr. António Xavier Correia Barreto
Secretários os Ex.mos Srs.
Luís Inocêncio Ramos Pereira
António Gomes de Sousa Varela
Sumário. — Chamada e abertura da sessão. leitura e aprovação da acta. Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Procópio de Freitas faz considerações sôbre castigos aplicados a sargentos da Armada e sôbre a necessidade de policiamento marítimo.
Responde o Sr. Ministro da Marinha.
O Sr. Pereira Gil fala sôbre perseguições políticas em Pampilhosa da Serra.
Responde o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Júlio Ribeiro fala sôbre a nomeação do governador civil de Braga.
Responde o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. D. Tomás de Vilhena fala sôbre assuntos de alimentação pública.
Responde o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Catanho de Meneses fala sôbre nomeação de governadores das províncias ultramarinas, terminando por apresentar um projecto de lei relativo ao inquilinato.
Responde o Sr. Presidente do Ministério.
Primeira parte da ordem do dia. — Eleição dos governadores de S. Tomé e Principe e da Guiné.
Segunda parte da ordem do dia. — Entra em discussão na especialidade a proposta de lei n.° 328, sôbre inquilinato.
Usam da palavra os Srs. Catanho de Meneses, Ministro da Justiça, Carlos Costa, D. Thomás de Vilhena e Dias de Andrade.
Antes de se encerrar a sessão. —O Sr. Joaquim Crisóstomo fala sôbre a greve marítima. Responde o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Presidente encerra a sessão.
Abertura da sessão às 15 horas e 5 minutos.
Presentes à chamada 29 Srs. Senadores.
Entraram durante a sessão 18 Srs. Senadores.
Faltaram 23 Srs. Senadores.
Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:
Afonso Henriques do Prado Castro o Lemos.
Álvaro António de Bulhão Pato.
António Alves de Oliveira Júnior.
António da Costa Godinho do Amaral.
António Gomes do Sousa Varela.
António Xavier Correia Barreto.
Artur Octávio do Rêgo Chagas.
César Procópio de Freitas.
Constantino José dos Santos.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Francisco António de Paula.
Francisco José Pereira.
Francisco Vicente Ramos.
Herculano Jorge Galhardo.
João Catanho de Meneses.
João Carlos da Costa.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
Jorge Frederico Veloz Caroço.
José Duarte Dias de Andrade.
José Mendes dos Reis.
José Nepomuceno Fernandes Brás.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Júlio Ernesto de Lima Duque.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Manuel Gaspar de Lemos.
Nicolau Mesquita.
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Ricardo Pais Gomes.
Rodolfo Xavier da Silva.
Silvestre Falcão.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
Alfredo Narciso Marçal Martins Portugal.
Aníbal Augusto Ramos de Miranda.
António Maria da Silva Barreto.
Artur Augusto da Costa.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.
Augusto Vera Cruz.
César Justino do Lima Alves.
Ernesto Júlio Navarro.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Frederico António Ferreira cê Simas.
João Manuel Pessanha Vaz das Neves.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
José António da Costa Júnior.
Raimundo Enes Meira.
Rodrigo Guerra Alvares Cabral.
Tomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.).
Vasco Gonçalves Marques.
Srs. Senadores que não compareceram à sessão:
Abílio de Lobão Soeiro.
António de Medeiros Franco.
Duarte Clodomir Patten de Sá Viana.
Francisco Xavier Anacleto da Silva.
João Alpoim Borges do Canto.
João Maria da Cunha Barbosa.
João Trigo Motinho.
Joaquim Manuel dos Santos Garcia.
Joaquim Teixeira da Silva.
Joaquim Xavier de Figueiredo Oriol Pena.
José Augusto Ribeiro de Melo.
José Augusto de Sequeira.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Joaquim Fernandes Fontes.
José Joaquim Pereira Osório.
José Machado Serpa.
Luís Augusto de Aragão e Brito.
Luís Augusto Simões de Almeida.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Querubim da Rocha Vale Guimarães.
Roberto da Cunha Baptista.
Vasco Crispiniano da Silva.
Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
Pelas 15 horas e 15 minutos o Sr. Presidente manda proceder à chamada.
Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 20 Srs. Senadores. Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Leu-se.
O Sr. Presidente: — Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como ninguém pede a palavra, considera-se aprovada.
Vai ler-se o
Expediente
Proposta de lei
Do Sr. Catanho de Meneses sôbre contratos de arrendamento.
Para a 2.ª Secção.
Requerimento
Requeiro que seja promulgado como lei o projecto de lei n.° 7, de 1922, ao abrigo do artigo 32.° da Constituição. — Artur Otávio do Rêgo Chagas.
Para a Secretaria.
Telegramas
Da Junta Geral do Distrito Santarém, protestando contra projectada extinção escolas primárias.
Para a Secretaria.
De Armando Nascimento Pires Garção, segundo fogueiro estropiado da Armada, pedindo patrocinem pretensões de estropiados.
Para a Secretaria.
Dos pais dos alunos das escolas primárias superiores de Elvas, protestando contra projecto extinção escolas superiores.
Para a Secretaria.
Do professor oficial de Pampilhosa da Serra, queixando-se do administrador do concelho.
Para secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Procópio de Freitas: — Sr. Presidente: antes de entrar no assunto para
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que pedi a palavra, quero primeiro agradecer ao Sr. Ministro da Marinha a prontidão com que S. Ex.ª atendeu o meu pedido para comparecer nesta sessão.
Sr. Presidente: alguns sargentos de marinha resolveram no dia 5 de Outubro festejar o aniversário da implantação da República, dirigindo se à barra de Aveiro, onde está o farol, para, ao içar da bandeira, fazerem a competente continência e darem uma salva de vinte e um tiro de morteiro, reunindo-se também nesse mesmo dia para um jantar.
No farol de Aveiro há a coroa real e êsses sargentos como pretendiam fazer a continência à bandeira, como acabo do dizer, mas não queriam que a coroa real estivesse a descoberto, e, por isso, de acôrdo com um outro sargento, encarregado do farol, cobriram essa coroa com um pano preto. Não sei como deturparam este acto dos sargentos, que, segundo opinião do chefe da repartição dos faróis, apenas poderia merecer uma ligeira admoestação, que eu julgo que nem isso mesmo merecia, o que é certo é que tiveram a habilidade de transformar isto num auto, dando em resultado estes sargentos serem castigados um com quinze dias de detenção e os outros com dez dias detenção.
Estou absolutamente convencido que o castigo aplicado a estes homens não obedeceu a um sentimento de justiça, mas sim única e exclusivamente a uma certa má vontade que há contra êles.
Dois dêstes sargentos tinham sido arbitràriamente mandados para Aveiro no tempo do Ministério transacto e na vigência dêste Ministério já tinham sido dadas ordens para que êles regressassem a Lisboa.
Sr. Presidente: mudam os Ministros, mas a muralha formada em volta dêles é sempre a mesma, é sempre constituída pelo mesmo material, e emquanto êsse material não fôr substituído há-de proceder-se sempre mais ou menos da mesma maneira.
Eu não quero garantir aquilo que não tenho a certeza, mas a minha impressão é que houve alguém que disse:.«vocês bem podem ir para Lisboa, mas o que lhes posso garantir é que não hão-de estar ao serviço da armada muito tempo».
Sr. Presidente: eu não posso admitir que o que se passou em Aveiro seja motivo suficiente para se castigar alguns sargentos, verdadeiros republicanos, alguns dos quais não têm um único castigo na sua caderneta.
Chamo a atenção do Sr. Ministro da Marinha para que, animado sòmente do sentimento de justiça, faça com que desapareçam estes castigos.
Desejo também chamar a atenção do Sr. Ministro da Marinha para um outro facto, para o qual já por várias vezes chamei a atenção dos anteriores Ministros, mas que até hoje nada consegui, que é sôbre a falta de policiamento marítimo dos portos de Leixões e Douro e do Funchal.
Apesar da minha insistência continua tudo na mesma.
Já tive ocasião do nesta Câmara citar alguns factos passados em Leixões, que mostram bem a necessidade de ser feito êsse policiamento. Citei um assalto aos tripulantes de um vapor brasileiro quando se dirigiam para bordo, roubos e outros factos de que agora me não recordo.
Com relação ao pôrto do Funchal, já li nesta Câmara a cópia de uma ordem de serviço da Alfândega, em que se dizia que os vendilhões, na fúria de apanharem um bom lugar para fazerem negócio, entram nos navios invadindo tudo, não se importando mesmo em incorrerem em qualquer multa, visto que os proventos que auferem, tendo arranjado bom lugar, os compensam dessa multa.
Tenho tratado dêste assunto não só na Câmara, mas ainda particularmente perante os Srs. Ministros, mas infelizmente ainda não foram tomadas providências que ponham côbro a estes abusos.
Eu sei que os Ministros, anteriores ao actual Sr. Ministro da Marinha, até receberam telegramas do comércio de Leixões, pedindo insistentemente para que se fizesse o policiamento do pôrto.
É preciso acentuar bem isto: é que eu não ando a pedir cousa nenhuma nem para mim, nem para os meus amigos, nem para servir clientelas; ando apenas a pedir uma cousa que tem por fim dignificar a República e concorrer para o bom nome dos nossos portos.
Por mais de uma vez eu disse ao Srs. Ministros da Marinha que se êsse policiamento não pudesse ser feito por uma corporação organizada, porque talvez não o permita a lei-travão, êle se pode fazer
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com praças de marinhagem, não sendo portanto necessários quaisquer aumentos de despesa, visto que os vencimentos dessas praças seriam os mesmos que elas recebem noutra situação.
Um dos Srs. Ministros chegou a aceitar êste alvitre, mas depois lá vieram os intermediários prejudicar tudo.
Foram feitas preguntas se havia alojamento para essas praças, mas até hoje essas praças não seguiram.
Sôbre o Funchal, tenho a dizer o seguinte:
Há cêrca de dois meses e tal pretendeu-se afastar de Lisboa um funcionário da polícia marítima que desempenha o cargo de sub-chefe da 1.ª secção, e, para se mascarar essa violência, deu-se então o aspecto de ir estudar a organização da polícia marítima do Funchal.
Ora êste funcionário se quisesse, ao chegar lá, cingia-se ùnicamente a fazer um relatório e uma organização, mas êle que é uma criatura cheia de nervos e com vontade de bem servir, entendeu que devia, aproveitando-se de umas três praças que havia na capitania e de acôrdo com o capitão do pôrto, fazer um policiamento, o em tam boa hora o fez que mereceu o elogio unânime de toda a imprensa da Madeira.
Tenho aqui os jornais que ponho à disposição do Sr. Ministro da Marinha, caso S. Ex.ª os queira ler, e por êles poderá avaliar o que foi êsse serviço, que, como disse, mereceu o elogio de toda a imprensa da Madeira, por ter acabado com casos verdadeiramente vergonhosos que se passavam ali.
Creio até que o Sr. Ministro da Marinha recebeu um telegrama dos representantes de várias agências de navegação, quando mandaram vir êsse funcionário para Lisboa, telegrama bastante elogioso para êle, e creio até que o capitão do pôrto algumas referências elogiosas lhe fez em uma nota enviada à Intendência.
Êsse funcionário regressou a Lisboa e tudo voltou à primeira forma.
Eu peço ao Sr. Ministro da Marinha que veja o que êsse funcionário propôs no sentido de se fazer o policiamento marítimo do Funchal.
A fazer-se êsse policiamento, êle importará num insignificante aumento de despesa, visto que êsse policiamento é feito pelas praças de marinhagem, e acabar-se há de uma vez para sempre com actos vergonhosos como os dos mergulhos, assalto dos vendilhões aos navios, a falta de ordem nos cais, etc. Factos estes que concorrem em extremo para o descrédito do pôrto da mais linda terra de Portugal, que deve ser um centro de atracção de turismo.
Desejava ainda chamar a atenção do Sr. Ministro da Marinha para dois pontos.
Sem dúvida alguma que um dos serviços a cargo do Ministério da Marinha que se tem desenvolvido e tem merecido o aplauso de toda a gente é o serviço de faróis.
Eu sou uma pessoa absolutamente justa nas minhas apreciações e todos os servimos que eu entendo que merecem o meu aplauso, elogio-os em toda a parte.
Para completar a rêde de novos faróis na nossa costa falta ainda um, que é o farol de Leça.
Informam-me porém que na Repartição de Construções Civis do Ministério da Marinha se mandou construir, não um edifício ligeiro e económico como devia ser, mas uma construção pesada, que, pelo que me dizem, parece ter-se transformado numas obras de Santa Engrácia.
Ora, é de uma absoluta necessidade que êsse edifício acabe o mais rápido possível, para êsse farol passar a substituir o farol da Luz que é de todos o mais pequeno.
E, para terminar, vou chamar a atenção do Sr. Ministro da Marinha para um facto que deve merecer particular atenção da parte de S. Ex.ª
Refiro-me àquelas desgraçadas viúvas dos oficiais práticos que tiveram a infelicidade de morrer sem serem sócios do Montepio que, em virtude da forma como está redigido um artigo da lei de melhorias ùltimamente votada, deixaram de receber uma pequena subvenção e estão a receber sòmente a mísera quantia de 6$ mensais.
É preciso, é indispensável que V. Ex.ª socorra essa gente, apresentando ràpidamente ao Parlamento uma proposta de lei aplicando à armada a mesma legislação do exército, para que essas criaturas ao menos não morram de fome, e não maldigam a hora em que os maridos assentaram
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praça na armada em vez de o terem feito no exército.
V. Ex.ª, Sr. Ministro, como chefe da corporação da armada tem por dever zelar pelos interêsses dessa corporação.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Marinha (Júdice Bicker): — Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que tenho a honra de usar da palavra nesta Câmara eu apresento as minhas saudações a V. Ex.ª e a todos os Srs. Senadores.
Começou o ilustre Senador Sr. Procópio de Freitas por me agradecer a presteza com que vim ao Senado para ouvir S. Ex.ª Não fiz nada mais do que cumprir com o meu dever.
Referiu-se S. Ex.ª a castigos aplicados a sargentos da armada que estavam em Aveiro, a propósito de manifestações que se fizeram no dia 5 de Outubro.
Desconheço o assunto, mas tomei nota para me informar da maneira como os factos se passaram.
Devo no emtanto dizer a S. Ex.ª que tenho confiança em todos os oficiais e que alguma razão assistirá na aplicação dêsse castigo.
Resposta mais cabal só a poderei dar quando vir o processo.
Relativamente ao policiamento dos portos de Leixões e da Madeira concordo em que há necessidade de se estabelecer essa polícia.
Na Madeira o caso é vergonhoso porque quando ali fundeiam os navios estrangeiros são assaltados por inúmeras embarcações do que resulta uma má impressão a nosso respeito.
Creio que foi um funcionário à Madeira incumbido de proceder ao estudo e ver a forma de estabelecer esta polícia.
Ainda não tive ocasião de apreciar êsse trabalho.
Breve o tenciono fazer e depois virei aqui comunicar ao Sr. Procópio de Freitas o que penso sôbre o assunto e ver se posso estabelecer a polícia sem aumento de despesa.
V. Ex.ª sabe a situação em que se encontra o Tesouro.
O orçamento da Marinha está completamente esgotado e eu vejo-me nesta situação em que tenho aspirantes que necessitam de fazer tirocínio para serem promovidos a guardas marinhas e ainda não pude dar ordem para armar o Vasco da Gama por falta de verba.
Tenho o Carvalho Araújo que tem necessidade de sair e não pode por falta de verba. Referiu-se também S. Ex.ª ao farol de Leça.
Desconheço completamente o assunto; em todo o caso tomei nota para saber e depois virei aqui informar S. Ex.ª
Tenho dito.
O Sr. Procópio de Freitas: — Sr. Presidente: ouvi com a maior atenção as explicações dadas pelo Sr. Ministro da Marinha, que agradeço e espero que S. Ex.ª empregará todos os meios para fazer verdadeira justiça a êsses sargentos, não se limitando única e simplesmente a empregar os processos vulgares que se usam para atender qualquer reclamação, pois, estou certo de que se S. Ex.ª ver o processo há-de ficar absolutamente de acôrdo comigo.
Creia S. Ex.ª que, apesar dessa confiança que diz ter em todos os oficiais, eu continuo a dizer que há pessoas que ditam os seus actos, não por um sentimento de justiça, mas por um sentimento de hostilidade quer pessoal, quer contra o regime.
Uma das maneiras de atacar a República, destruindo-lhe pouco a pouco os seus alicerces, é ir inutilizando todos aqueles que são capazes dos maiores sacrifícios para a defender.
Sôbre as dificuldades financeiras que S. Ex.ª diz haver para ocorrer às necessidades de certos serviços, estou de acôrdo; mas, Sr. Ministro, há despesas que são chamadas reprodutivas e que portanto se torna necessário realizar.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Marinha (Júdice Bicker): — Quando respondi há pouco ao ilustre Senador Sr. Procópio de Freitas esqueci-me de fazer referência ao caso das viúvas que S. Ex.ª tratou.
Estou de acôrdo com as considerações feitas por S. Ex.ª a êste respeito, porque essas pobres criaturas estão numa situação desgraçada.
Eu vou por consequência apresentar à Câmara uma proposta de lei para que sejam atendidas, tanto mais que são em número muito limitado.
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O Sr. Pereira Gil:--Pedi a palavra quando vi entrar nesta Câmara o Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior para expor a S. Ex.ª o que se está passando na. Pampilhosa da Serra.
Já ontem na Câmara dos Deputados o ilustre Deputado Sr. Sá Pereira fez uma exposição do que lá se passava e S. Ex.ª prometeu tomar providências.
Hoje recebi um telegrama da mesma vila, dizendo que continuam as perseguições aos republicanos e que o administrador envia êsses republicanos presos por escolta para a sede da comarca, que rica a 30 quilómetros de distância.
O administrador tem feito tais prepotências, que até chegou a disparar uma pistola contra o povo por estar a cantar o hino nacional.
Eu não conheço êsse administrador; conheço o Sr. governador civil de Coimbra, que é uma pessoa honestíssima, um carácter íntegro, e estou certo que êle dará providências quando souber dêste excesso que uma autoridade sua subordinada praticou naquele concelho.
No emtanto, eu chamo a atenção do Sr. Presidente do Ministério e Ministro do interior, pedindo-lhe que não descanse emquanto não fizer entrar na ordem aquela autoridade.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Ginestal Machado):-Sr. Presidente: o que acaba de dizer o Sr. Pereira Gil não é novidade para mim. S. Ex.ª mesmo acaba de declarar que já ontem na outra Câmara o Sr. Sá Pereira tinha chamado a minha atenção para êsse caso.
Já antes mesmo do Sr. Sá Pereira ter chamado a minha atenção, já os meus correligionários me tinham informado de que casos anormais se tinham passado no concelho de Pampilhosa da Serra.
Estando em Lisboa o Sr. governador civil de Coimbra, eu pedi a S. Ex.ª que recolhesse ao seu distrito para certificar o que se passava e fazer justiça, cumprir a lei, e garantir os legítimos direitos de todos os cidadãos.
Compreende V. Ex.ª que não é possível admitir que uma autoridade continue a proceder de tal modo, de maneira a que, por exemplo, o hino nacional seja um motivo quási de um crime, e eu faço a justiça de supor que V. Ex.ª não acreditará que tolere tal facto nem mais um minuto.
É possível, no emtanto, que as informações não sejam exactas, mas o Sr. governador civil de Coimbra, que V. Ex.ª memo declarou lhe merece toda a confiança e que desempenha exemplarmente as suas funções, apurará toda a verdade, de modo a corrigir excessos, se os houve.
Julgo que, por agora, terei dado ao ilustre Senador as explicações necessárias.
O Sr. Júlio Ribeiro: — Nada fere mais a minha sensibilidade moral de legalista, que sempre fui, de que a transgressão de um preceito legal.
Como estou convencido que o Sr. governador civil de Braga foi nomeado ilegalmente e contra o estabelecido na Constituição, é de supor que haja alguma lei longínqua que eu desconheço, e, por isso, peço ao Sr. Presidente do Ministério a fineza de me dizer em que lei se fundou para fazer esta nomeação, tanto mais que é caso novo e único nos anais da República Portuguesa.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Ginestal Machado): — Eu vou responder ao ilustre Senador Sr. Júlio Ribeiro.
O Sr. governador civil de Braga foi nomeado, mas sendo Deputado, S. Ex.ª fez a declaração de que dispensava os seus honorários.
Ora há vários casos de parlamentares terem sido nomeados, desde que dispensam os seus honorários, e sem perderem o seu mandato de Deputado.
Mas há mais, porém.
O Sr. Deputado Brandão declarou que escreveria uma carta à Mesa da Câmara dos Deputados para que a comissão de infracções e faltas dissesse se êle mesmo dispensando os seus honorários teria de deixar o seu mandato.
Não sei se a comissão já recebeu comunicação e se ela já decidiu alguma cousa.
Foi nestes termos que eu não tive dúvida em nomear o Sr. Deputado Brandão para o cargo de governador civil de Braga.
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O Sr. Júlio Ribeiro (para explicações)-Sr. Presidente: não me satisfizeram as declarações do ilustre Presidente do Ministério, porque elas não são procedentes. Os lugares são ou não retribuídos, segundo disposições especiais e segundo a lei orçamental, não sendo o Sr. Presidente do Ministério ou os seus delegados que resolvem sôbre isso. As leis e o Orçamento é que atribuem retribuições e não o Poder Executivo.
Por consequência, eu insisto na minha opinião. O Sr. governador civil de Braga nem mesmo dispensando os seus honorários podia ser nomeado. O seu lugar é remunerado. E mesmo que êle seja suficientemente rico para dispensar a remuneração, está ilegalíssimamente naquele lugar, perdendo automàticamente o de Deputado.
E nesta ordem de ideas, certamente, o Sr. Presidente Ministério não quererá considerar o Sr. governador civil com o dom da ubiquidade.
O Sr. Xavier da Silva (interrompendo): — Já há muito que V. Ex.ª devia ter apresentado essas considerações; falou tarde, porque há alguns correligionários seus Deputados, que foram nomeados para outros lugares recebendo os respectivos vencimentos.
O Orador: — ¡Pois fale V.ª! E não serei eu que deixarei de o acompanhar nesse caminho e de protestar contra êsses factos como protesto contra o que apontei.
Por isso insisto com o Sr. Presidente do Ministério para que reflita e dê providências sôbre esta ilegalíssima nomeação.
Tenho dito.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Ginestal Machado): — Sr. Presidente: pedi a palavra para repetir que o caso do Sr. governador civil em questão está afecto à comissão de infracções da outra casa do Parlamento.
Quando ela se pronunciar, eu, fiel cumpridor das leis, seguirei o caminho que o Parlamento me indicar.
Tenho dito.
O Sr. Tomás de Vilhena: — Sr. Presidente: desejava ver presente o Sr. Ministro da Agricultura, mas como S. Ex.ª não tem vindo a esta casa do Parlamento e eu ignoro quando poderá vir, vou dirigir me ao Sr. Presidente do Ministério para S. Ex.ª lhe transmitir as considerações que vou fazer:
Trata-se dum caso importante para a população de Lisboa.
Esta cidade está sofrendo, por assim dizer, de fome de carne de vaca, que desapareceu. É uma raridade encontrá-la e, quando aparece, não se garante a sua imunidade em algumas casas.
A carne de carneiro e a de porco estão por um preço extraordinário, subindo os preços sensivelmente.
E necessário, pois, acudir a uma tal situação, porque a falta de carne faz também subir os outros géneros assustadoramente.
Daqui a pouco, a maior parte da gente que tem meios regulares de viver, não tem com que se sustentar.
É preciso evitar a fuga dos géneros pela raia. Eu sei que esta é muito grande e sei o que me vai responder o Sr. Presidente do Ministério.
O que é certo, porém, é que na guerra há pontos estratégicos conhecidos de toda a gente.
Não há ninguém que ignore, nas nossas povoações arraianas, quem são os açambarcadores que vêm buscar os géneros; ninguém ignora os caminhos por onde com um desfaçatez extraordinária êles saem todos os dias. Quere isto dizer que por parte das autoridades não há a vigilância que era necessária.
É para isso que eu chamo a atenção do Govêrno.
Mas há um facto verdadeiramente extraordinário: é que ao mesmo tempo que se fecham os olhos sôbre o que vai para Espanha, ovos, bois, carneiros, etc. quando alguém manda vir gado de lá de fora, põem-se-lhe dificuldades, como há pouco sucedeu a uma pessoa com doze bois, por cuja entrada teve do pagar uma quantia exorbitante.
Estar, por assim dizer, a arranjar direitos proibitivos para aqueles géneros de que cá precisamos, é uma situação que se não pode tolerar.
Peço, pois, ao Sr. Presidente do Ministério que transmita estas minhas considerações ao Sr. Ministro da Agricultura.
Pausa.
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Para o Sr. Ministro do Comércio as minhas considerações são sôbre outro assunto. É sôbre o deplorável serviço dos correios que se faz na província.
O serviço dos correios e telégrafos está perfeitamente intolerável, mesmo em Lisboa, em que todos os dias estou a receber cartas com outros nomes. Mas na província então, quem recebe as cartas são os taberneiros, sendo a sua distribuição feita com os mesmos modos de irregularidade. Há povoações onde leva mais tempo a chegar uma carta do que de Lisboa a Paris. Sei bem que a remuneração do respectivo pessoal não é grande, mas a verdade é que se trata dum serviço de primeira necessidade e duma importância capital a que é necessário atender.
Tenho dito.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Ginestal Machado): — Sr. Presidente: o ilustre Senador e meu querido amigo Sr. D. Tomás de Vilhena pediu para eu transmitir a dois colegas meus, ao Sr. Ministro da Agricultura e ao Sr. Ministro do Comércio, dois assuntos que podemos considerar, principalmente um, de capital importância.
Sôbre um posso eu dizer alguma cousa; é com relação ao problema da alimentação pública e da carestia da vida.
O Govêrno não se desinteressa de tal problema: preocupa-o até sobremaneira.
Como o Sr. Dr. Tomás do Vilhena sabe, num país vizinho do nosso, de moeda forte, e havendo outro de moeda fraquíssima, por mais fiscalização que haja, dá-se sempre a saída dos géneros do país de moeda fraca para o outro.
Transformam-se os géneros em ouro, e êsse ouro é colocado depois fora do país.
Entretanto, o Govêrno procurou já dar aqueles remédios possíveis a essa questão, e eu não venho anunciar milagres porque os não posso fazer, e tenho o respeito grande por mim de não fazer promessas que não posso cumprir.
Eu chamei já os meus delegados que estão espalhados pelo país fora, os governadores civis para cumprirem o programa que eu prometi cumprir, chamando-lhes a atenção para o problema da emigração de certos géneros, para que
êles indiquem uma forma qualquer para evitar essa emigração, que redunda em prejuízo para o país.
V. Ex.ª sabe, porém, que, por maior que seja o cuidado, encontra-se sempre um ponto fraco seja êle na raia seja nos homens, o que por êsse ponto se passem os géneros e os animais para o estrangeiro, apesar de nós precisarmos imenso dêles em Portugal.
Trabalharei no emtanto, e nesse sentido dei as minhas ordens aos governadores civis, para que dentro do possível se obste a essas saídas desastrosas.
Acredite V. Ex.ª na boa vontade que eu tenho de resolver êsse assunto, e que escolhi homens para desempenhar êsses cargos, que pela sua dedicação e inteligência correspondam à minha boa vontade.
Devo ainda dizer ao Sr. D. Tomás de Vilhena, quanto à alimentação de Lisboa, que a Câmara Municipal se está interessando por êsse assunto e que já me procurou para por intermédio do Sr. Ministro das Finanças serem dispensados uns certos direitos porque a Câmara propõe-se fazer a importação de gado de Marrocos para o consumo de Lisboa.
O Sr. Ministro da Agricultura quando vier a esta Câmara dirá a V. Ex.ª as providências de ordem técnica que já tomou e que V. Ex.ª apreciará devidamente.
Quanto ao Sr. Ministro do Comércio vou comunicar a S. Ex.ª as considerações de V. Ex.ª, mas sei que a dificuldade é aquela a que V. Ex.ª aludiu, o vencimento pago ser ainda aquele que era antes da moeda se desvalorizar, e além disso a dificuldade que há em encontrar criaturas com as habilitações que se exigem.
Tenho dito.
O Sr. D. Tomás de Vilhena: — Sr. Presidente: é para agradecer ao meu prezado amigo o Sr. Presidente do Ministério as suas explicações, que me deixaram absolutamente convencido da boa vontade de S. Ex.ª
O Sr. Catanho de Meneses: — Sr. Presidente: agradeço ao Sr. Presidente do Ministério a gentileza que me acaba de fazer vindo a esta Câmara antes da or-
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dem do dia, a meu pedido. S. Ex.ª mais uma vez, como sempre, foi gentil.
Sr. Presidente: ontem, a respeito das propostas de nomeação dos governadores para a província da Guiné e para a província de S. Tomé levantaram-se algumas objecções a essa proposta por parte da maioria desta Casa do Parlamento.
Essas objecções, que fizeram até com que o debate se generalizasse, provocaram da parte do ilustre leader nacionalista o comentário de que isto era uma forma—são as palavras de S. Ex.ª — uma forma política de atingir o Ministério.
O Sr. Augusto de Vasconcelos: — V. Ex.ª dá-me licença? Eu preguntei se era.
O Orador: — Era o mesmo para o caso. Esteve, pois, em questão, se o que aqui se passou, as objecções que se tinham levantado, significavam efectivamente essa fórmula de atingir o Ministério, e se êle se julgava atingido.
Por parte da maioria desta Câmara, Sr. Presidente, devo fazer a declaração peremptória, formal, bem clara, para que se ouça aqui e para que se saiba lá fora que nós não fazemos disso uma questão política, não queremos de maneira nenhuma atingir o Ministério quando, aliás usando da faculdade concedida na Constituição, podemos aceitar ou rejeitar as propostas que para aqui forem trazidas a respeito da nomeação dos governadores das províncias ultramarinas.
No emtanto não queremos de maneira alguma dar a impressão de que daqui partiu qualquer atitude no sentido de atingir o Ministério e a sua vida, principalmente, deixe-me V. Ex.ª dizer, Sr. Presidente, quando esta questão anda à roda da nomeação de lugares.
Foi por isso, Sr. Presidente, que eu pedi ao Sr. Presidente do Ministério que tivesse a bondade de dizer a esta Câmara, ou a êste lado da Câmara, digo melhor, se efectivamente o Govêrno considera ou poderá considerar o facto da rejeição da proposta apresentada pelo Sr. Ministro das Colónias um facto político que atingisse a sua vida ministerial.
Porque no caso que isso signifique um facto político que vai de algum modo atingir a vida ministerial, será porventura outra a atitude dêste lado da Câmara.
Isto, Sr. Presidente, para que fique bem claro, duma vez para sempre, que o Partido Republicano Português o que pretende é derrubar o Govêrno.
Assim, segundo a resposta que o Sr. Presidente do Ministério der, nós orientaremos o nosso caminho.
Mas, Sr. Presidente, como antes da ordem do dia eu não posso pedir a palavra para tratar do assunto novamente, permita-me V. Ex.ª Sr. Presidente, e desculpe-me o Sr. Presidente do Ministério que eu intercale outro assunto.
A questão do inquilinato está sendo largamente debatida na imprensa; os jornais estão a dar cotidianamente notícias do que se está fazendo à sombra do tal artigo 34.° da lei do inquilinato e que determina que desde que o prédio seja alienado e o arrendamento não conste de título autêntico ou autenticado, o arrendamento caduca, o que quer dizer que o proprietário tem direito em despejar os inquilinos; e eu asseguro a V. Ex.ª que certamente 90 por cento da população de Lisboa ou outras cidades está sujeita a ser despejada das suas habitações. E por isso que eu mando nesse sentido um projecto de lei no intuito de evitar êsse inconveniente, que julgo grave, dizendo que a contar do dia 6 de Dezembro corrente a transmissão dos prédios não faz caducar os contratos.
Peço urgência para êste projecto de lei.
Tenho dito.
Foi aprovada a urgência.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Ginestal Machado): — Sr. Presidente: começou o ilustre Senador, que bem posso dizer sinceramente meu respeitável amigo, Sr. Catanho de Meneses, por me agradecer o ter vindo ao Senado para o ouvir.
S. Ex.ª não tem nada que me agradecer, porque eu apenas cumpri o dever do meu cargo.
O ilustre Senador Sr. Catanho de Meneses quis ouvir-me para saber se o Govêrno considera como uma questão política, daquelas questões políticas que no uso comum das nossas praxes parlamentares importam para a vida do Govêrno
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alguma cousa que pudesse determinar a sua conservação ou não conservação.
Parece-me que é neste sentido que S. Ex.ª fez a pregunta.
Devo dizer a S. Ex.ª que a questão nos surpreende um pouco e eu quási que vou respondendo a ela — e peço licença até fazendo uma pregunta a mim próprio, que ao mesmo tempo formulo a S. Ex.ª:
¿Poderei eu, como Chefe do Governo, fazer uma questão política da nomeação ou da escolha, por parte do Senado, de dois governadores?
E no meu espírito surge a dúvida sôbre se eu legìtimamente, constitucionalmente, poderei fazer questão política da resolução desta Câmara, a quem a Constituição confere, segundo o artigo 25.°, o seguinte:
Leu.
Esta disposição da Constituição consigna uma das atribuições privativas do Senado. Várias atribuições privativas tem a Câmara dos Deputados e poucas tem o Senado, e eu acredito que não se pôs aqui esta disposição só pare dar uma atribuição privativa ao Senado.
Teve certamente, um objectivo mais alto e S. Ex.ª, que me quis interromper, melhor do que eu sabe ou presume saber o objectivo desta disposição. No meu entender parece-me que o alto objectivo desta disposição não é apenas dar uma atribuição ao Senado.
¿Qual seria o objectivo desta disposição?
No meu entender esta disposição carece-me que se fez para que fôsse feita a escolha dos governadores civis por esta assemblea, assemblea de ponderação, assemblea acêrca da qual se discute ainda, como V. Ex.ªs sabem muito bem, se ela tem aquelas atribuições políticas iguais as que cumprem à Câmara dos Deputados.
Parece-me que se teve em vista, quando se confiou aos Srs. Senadores esta votação, a estabilização dos governadores do ultramar, para que êles não estivessem sujeitos às mesmas contingências dos governadores civis.
¿Ora se são V. Ex.ªs que têm de ponderar para a escolha dos governadores, como é que eu posso considerar isso uma questão política?
Como V. Ex.ªs têm uma votação secreta que diz respeito à política geral das
colónias, têm V. Ex.ªs que conhecer as presumíveis qualidades dos candidatos; é uma apreciação de carácter puramente subjectivo.
¿E como é que, sendo assim, o Govêrno pode legalmente, constitucionalmente, fazer uma questão política acêrca da maneira de V. Ex.ªs apreciarem as qualidades de funcionários futuros?
É uma cousa de fôro íntimo, em que que entra a consciência de cada um.
Neste caso, para o Govêrno fazer questão política ou era preciso que eu, como chefe do Govêrno, tivesse uma tal inconsciência para estar neste lugar, que o não devia ocupar, ou então tivesse uma tal ambição, que quisesse fazer do Senado uma chancela para os meus actos.
Eu terei algumas insuficiências para o lugar que ocupo, mas não serão tantas que não avalie das responsabilidades dêste lugar o não tenho uma ambição tal que queira caminhar por cima do Senado. Não, o que eu quero é ir junto ao Senado a fim de poder levar a têrmo esta obra a que me propus, que é bem intencionada e que tem em vista só os altos interêsses da República e do país.
¿E de mais a mais eu não quero fazer prevalecer senão o império da lei, portanto, como é que eu quero impor ao Senado uma cousa que êle não quere?
Como é que eu poderia fazer uma questão política, e então na hipótese de que se trata, tendo V. Ex.ª feito a declaração de que não era uma questão política; era uma imposição que de forma alguma eu queria fazer.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem. Muito bem,
O Sr. Catanho de Meneses: — Sr. Presidente: não era de esperar do Sr. Presidente do Ministério outra cousa diferente daquilo que S. Ex.ª disse.
E, agradeço sinceramente as explicações que deu ao Senado, porque essas explicações eram necessárias para que de uma maneira bem frisante, bem categórica, se tornasse público por todo o país, se desmentissem os boatos, realmente inacreditáveis para uns, acreditáveis para outros que estejam fora destas cousas políticas, porque se disse na Imprensa que se o Senado não votasse as propostas do Go-
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vêrno sôbre os governadores da Guiné e S. Tomé, o Govêrno exoneraria os outros governadores nomeados pelo partido dêste lado da Câmara.
Assim, V. Ex.ª teve a virtude de dar um desmentido categórico e terminante aos boatos de que a imprensa se tornava eco, dizendo o que acaba de dizer.
Assim, V. Ex.ª deu um testemunho de que respeita a Constituição e as regalias dos parlamentares, e outra cousa não era de esperar de V. Ex.ª
O Sr. Presidente do Ministério (Ginestal Machado): — Sr. Presidente: é só para em duas palavras dizer que me agradou muito que o Sr. Catanho de Meneses ficasse satisfeito com as minhas explicações, e para confiar em que na votação o Senado ponderará quando a fizer com aquele espírito de patriotismo que lhe é peculiar.
ORDEM DO DIA
Foi lida na Mesa a proposta do Govêrno para a nomeação do governador da província de S. Tomé.
É a seguinte:
Nos termos do artigo 25.° da Constituição Política da República Portuguesa tenho a honra de propor para governador da província de S. Tomé e Príncipe, o primeiro tenente da armada, Eugénio de Barros Soares Branco. — O Ministro das Colónias, Vicente Ferreira.
Feita a chamada para a votação, servindo de escrutinadores os Srs. Alfredo Portugal e Ramos de Miranda, confirmou-se a entrada de 44 esferas, sendo 28 brancas e 16 pretas.
Foi aprovada a proposta do Govêrno.
Foi lida na Mesa a proposta do Govêrno para a nomeação do governador da província da Guiné.
É a seguinte:
Nos termos do artigo 25.° da Constituição Política da República Portuguesa tenho a honra de propor para governador da província da Guiné, o cidadão Carlos Eugénio de Vasconcelos. — O Ministro das Colónias, Vicente Ferreira.
Escrutinadores os Srs. Dias de Andrade e Vicente Ramos.
Esferas entradas 41. Brancas 19. Pretas 22.
Foi rejeitada a proposta do Govêrno.
Entrou em discussão, na especialidade, a proposta de lei n.° 328.
Foi lido e pôsto à discussão o artigo 1.°
O Sr. Catanho de Meneses: — Sr. presidente: envio para a Mesa uma proposta de substituição a êste artigo determinando que os arrendamentos de prédios urbanos, seja qual fôr o seu valor, sejam sempre passados a escrito.
É a seguinte:
Proponho que o artigo 1.° e seus parágrafos sejam substituídos pelo seguinte:
Artigo 1.° O contrato de arrendamento de prédios urbanos será sempre reduzido a escrito, seja qual fôr a quantidade da renda, observando se o disposto nos artigos 44.° a 49.° do decreto n.° 5:411, de 17 de Abril de 1919. — João Catanho de Meneses.
Foi lida e admitida.
Foi lido o artigo 2.°
O Sr. Catanho de Meneses: — Sr. Presidente: é para mandar para a Mesa duas propostas. Uma de alteração ao artigo 2.° e outra para colocar depois do artigo 2.° ou no lugar que a Secção entender melhor, os artigos que tenho a honra de mandar para a Mesa.
Foram lidos, admitidos e mandados para a Secção.
São os seguintes:
Proponho que no n.° 2.° do artigo 2.° se substituam as palavras «posteriores à sua publicação» por estas: «posteriores ao seu vencimento».
Artigo... São também fundamento para a acção de despejo de prédios urbanos antes de findar o prazo de arrendamento ou da sua prorrogação:
1.° As determinações resultantes de factos propositados ou de evidente incúria, se o inquilino notificado para proceder às respectivas reparações não as fizer no prazo que, conforme as circunstâncias, o poderia fazer;
2.° A má vizinhança proveniente de factos habitualmente praticados e tam ilícitos e desonestos que afrontem e ve
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os demais inquilinos ou de tal maneira incorrectos que perturbem frequentemente a tranquilidade dêstes. — João Catanho de Meneses.
Artigo... Passada em julgado a sentença que decretou o despejo, entender-se há que o senhorio renunciou ao direito de executá-la, se, decorridos seis meses, não veio intentar a respectiva execução, ou se esta, por culpa sua, esteve para pôr mais de trinta dias.
§ único. A disposição dêste artigo é também aplicável às sentenças proferidas antes da publicação desta lei, se houver decorrido um ano depois do seu trânsito em julgado. — João Catanho de Meneses.
Artigo... Os prédios urbanos cuja construção ou reconstrução tenha sido começada ou acabada depois da publicação desta lei e arrendados até 31 do Dezembro de 1923, gozarão, por espaço de quatro anos, a contar da efectiva ocupação dos arrendatários, da isenção de quaisquer impostos sôbre bens mobiliários e o quantitativo de renda será a que fôr convencionado entre senhorio e inquilino.
Artigo... Nos arrendamentos de prédios construídos ou reconstruídos antes da publicação desta lei e que há nove anos ou mais antes desta publicação não tenham sido dados de arrendamento, é também lícito aos senhorios o inquilinos estipularem livremente o quantitativo, da renda. — J. Catanho de Meneses.
Proponho que a seguir ao artigo 2.° se acrescente ao projecto os artigos seguintes com a numeração que na secção se determinar:
Artigo... Quando forem deixados ao Estado, corporações administrativas ou a quaisquer instituições de instrução, caridade ou beneficência, que gozem de individualidade jurídica quaisquer prédios ou parte do prédios urbanos, poderão aqueles a favor de quem se efectuou a transmissão intentar acção de despejo contra os inquilinos, notificando-os para isso cento e oitenta dias, pelo menos, antes da citação para a acção.
§ único. Havendo inquilinos do estabelecimentos comerciais ou industriais, observar-se há o preceituado do artigo 52.º e § único, artigo 53.°, §§ 1.° e 2.° e artigo 77.º, n.° 5.°, do decreto n.º 5:411. — J. Catanho de Meneses.
O Sr. Ministro da Justiça e Cultos (Lopes Cardoso): — Sr. Presidente: em primeiro lugar, eu desejava ouvir melhor a leitura da proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Catanho do Meneses.
O Sr. Presidente: — Essa proposta não se discute hoje, vai ser enviada para a Secção.
O Orador: — ¿Então o artigo 1.° já não se discute hoje?
O Sr. Presidente; — Não, senhor.
O Orador: — Antes de mais nada desejo manifestar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o à Câmara, o meu desejo ardente de que em breve seja discutida a proposta de lei apresentada.
Desde a primeira vez que ocupei as cadeiras do Poder, sempre me tenho interessado pela questão do inquilinato. E é assim que, na sessão de 10 de Janeiro de 1921, apresentei uma proposta de lei de codificação de toda a legislação sôbre o inquilinato.
Essa proposta de lei não mereceu à comissão da Câmara onde foi apresentada, ou por falta de tempo ou por qualquer outro motivo, um parecer favorável ou desfavorável, mas julgo que se o respectivo parecer tivesse sido elaborado não deveria ser desfavorável porque a minha proposta, se outro merecimentos não tinha, revelava pelo menos uma intenção sincera e honesta de resolver o problema, e tanto que os meus ilustres sucessores nesta pasta se dignaram renovar a minha iniciativa.
Reconheço que muitas das principais reclamações sôbre o inquilinato estão resolvidas na proposta apresentada pela comissão de legislação do Senado, e como o trabalho a que se propunha a minha proposta de lei de 10 de Janeiro de 1921 é bastante longo e reconheço difícil fazer-se imediatamente a codificação completa que nela empreendi, aceitando a questão no pé em que a colocou a comissão de legislação desta Câmara, venho apresentar algumas emendas que se me afigura acla-
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ram muitas das disposições apresentadas por essa comissão.
Há muitos casos do inquilinato que é urgente resolver neste momento: Um dêles é a revogação de uma lei que não permite que o senhorio despeje o Estado seu inquilino.
Apoiados.
Embora eu tivesse concordado com as disposições dessa lei, entendo que chegou a hora de a modificar e que, sem prejudicar os interêsses do inquilino-Estado, o assunto deve ser resolvido por uma medida equitativa e séria.
Além dêste caso, outros há que convém resolver, como sejam, se devemos manter o traspasse no inquilinato comercial e industrial, e se se deve admitir a sublocação no inquilinato de habitação.
Na proposta de lei que apresentei ao Parlamento em 10 de Janeiro de 1921, pretendi resolver estas duas questões da seguinte maneira: acabar com a sublocação no inquilinato de habitação, porque até agora e à sombra de uma lei que a proíbe mas que a consente, porque não tem uma sanção que a possa evitar...
O Sr. D. Tomás de Vilhena: — Nem pode ter nunca.
O Orador: — Lei, digo, que só serve para contentar o inquilino ganancioso.
Apoiados.
Mas se formos admitir a sublocação com consentimento do senhorio, já não teremos só um ganancioso mas dois, o inquilino e o senhorio. Não percebo que seja necessário decretar-se a sublocação no inquilinato de habitação, com licença do senhorio, pois que, se o senhorio quere alugar a habitação a outra pessoa só tem que fazer um novo contrato com o inquilino que a pretende alugar.
Apoiados.
Mas, entendendo eu que a questão deve ser resolvida de pronto porque é uma daquelas que a opinião pública mais reclama, resolvi apresentar uma proposta que contém doutrina idêntica à da proposta de lei que trouxe ao Parlamento em 10 de Janeiro de 1921.
Já tive ocasião de dizer, na ocasião em que apresentei aquela proposta de lei e quando alguns jornais me mandaram entrevistar sôbre o assunto, quer a questão do inquilinato é uma questão aberta, e que, como tal, deve ser discutida com ampla liberdade.
Apoiados.
Nem eu posso fazer a mais leve questão sôbre a parte doutrinária ou de redacção de qualquer das minhas propostas, e entendo que nenhum parlamentar, por maior que seja a sua competência como magistrado ou jurisconsulto, deve fazer questão fechada de qualquer proposta que apresentar.
Esta questão tem sido debatida em todos os jornais e em várias conferências públicas, e portanto todos devemos estar, mais ou menos, habilitados para elaborar um diploma legal, tanto quanto possível perfeito e que, tanto quanto possível também, evite a chicana nos tribunais.
Apoiados.
É preciso que se diga que não são, em regra, os advogados mais distintos e mais dignos do nosso fôro os mais procurados para tomarem conta destas questões. Apoiados.
Estes assuntos evitam em regra a intervenção dos bons e conscienciosos hermeneutas nem chegam sequer à procuradoria oficial e agravam-se e complicam-se nas mãos de procuradores de ocasião leigos e sem escrúpulos.
No inquilinato comercial já eu entendo, por motivos que é desnecessário repetir, que deve admitir-se o traspasse. Todavia, se o inquilino comercial deve ter certa garantia, também é verdade que o traspasse só deve consentir-se sem licença do senhorio quando a loja se destine ao mesmo ramo de negócio.
Apoiados.
O que se não compreende é que o inquilino por si só delibere sôbre o traspasse, quando o estabelecimento não é para o mesmo ramo de negócio.
Mas, emfim, estas são as minhas opiniões e a Câmara resolverá como entender.
Sustenta-se que é necessário o traspasse. Êle está nos nossos costumes.
O que é necessário é regulamentá-lo de forma a que, sabendo nós que o traspasse representa sempre uma melhoria, esta seja repartida numa justa proporcionalidade entre o senhorio, inquilino e também o Estado.
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Sôbre as percentagens a estabelecer na divisão entre as três entidades, é precise atender a circunstâncias que a Câmara apreciará.
Diz-se, e muito bem, no projecto da comissão de legislação, que os contratos de arrendamentos de prédios urbanos serão sempre reduzidos a escrito.
É realmente conveniente que êsses arrendamentos se façam por escrito.
Concordo em que tal princípio se conserve, com a excepção que eu apresentava no meu projecto de 10 de Janeiro de 1921, e que se referia a certos arrendamentos que nem sempre há possibilidade de se fazerem por escrito, tais como os realizados nas praias, nas termas e nas estações de turismo durante os meses de Julho a Outubro.
É preciso dar efectiva execução ao que está estabelecido sôbre o imposto de turismo, criado pela inteligente iniciativa do ilustre parlamentar e estadista Dr. António da Fonseca, em diploma legal, de que fui também signatário.
Não há hoje forma de fiscalização dêsse imposto, a não ser colocando na lei do inquilinato as disposições que proponho.
O arrendamento em tais casos é feito verbalmente, mas o senhorio terá a obrigação de mandar um duplicado do recibo da renda de cada mês ao secretário de finanças, habilitando-o com uma informação segura para efeitos fiscais.
Há um outro ponto que é necessário estabelecer, e é o da aplicação dos coeficientes de aumentos de rendas às casas em que o Estado é inquilino, pois o que se está passando não dignifica queru tem a obrigação de dar exemplo de absoluta seriedade.
Urge saber se o Estado é inquilino de habitação ou industrial, pois nem a um nem a outro regime tem querido sujeitar-se.
Sôbre isto tenho um projecto de artigo.
Um outro ponto é de regular a situação do Estado senhorio, sendo minha opinião que o Estado deve ouvir os seus inquilinos e resolver os pleitos respectivos pela via administrativa.
No decorrer da discussão, é natural que outras propostas surjam.
Há um outro problema que não chegou a resolver-se, porque, quando apresentei
a minha proposta de 10 de Janeiro, e tendo-a sujeito a grande discussão, êle foi atacado em todos os jornais duma forma violenta, sendo aliás aceita em todos os outros pontos.
¿Deve ou não admitir se o despejo quando o senhorio precise da casa para habitação própria?
¿A Câmara entende que assiste êsse direito ao senhorio?
Se o Parlamento se manifestar pela afirmativa, eu apresentarei as disposições regulamentares, na hora própria, tendentes a cortar o abuso de um tal direito.
Quanto ao inquilinato comercial, eu apresentarei as seguintes disposições:
Artigo novo. É permitida a sublocação sem autorização do senhorio, com as restrições constantes do artigo 00.° e seus parágrafos, dos arrendamentos dos estabelecimentos industriais e comerciais em caso do traspasse dêsses estabelecimentos, mas o sublocatário não poderá instalar nêsse estabelecimento ramo diverso de comércio ou indústria sem licença do senhorio, sob pena dêste requerer o despejo e o mesmo ser decretado, não tendo neste caso o sublocatário direito a qualquer indemnização.
Artigo novo. Quando o inquilino queira traspassar o estabelecimento, fará notificar o senhorio para êste declarar, no prazo de trinta dias, se pretende tomá-lo ao preço, e só findo êste prazo, sem resposta afirmativa do senhorio, poderá fazer o traspasse por preço igual ao notificado.
§ 1.° A notificação correrá pelo escrivão de serviço, o qual por despacho do juiz dará imediatamente conhecimento dela ao secretário de finanças do respectivo concelho ou bairro.
§ 2.° O contrato de traspasse realizar-se há sempre por escrito, com as formalidades exigidas por esta lei, e dentro de trinta dias, a contar do fim do prazo da notificação, quer a favor do senhorio, quer a favor de outrem.
§ 3.° Da importância do traspasse pertencerá 60 por cento ao inquilino, 25 por cento ao senhorio e 15 por cento ao Estado.
§ 4.° A percentagem do Estado deverá ser paga por meio de guia na tesouraria de finanças respectiva antes da assinatura
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do contrato, no qual se indicará o número da verba do pagamento; e a percentagem do senhorio será paga no acto da assinatura do referido contrato.
Artigo novo. Consideram-se nulos e de nenhum efeito todos os contratos de traspasse de estabelecimentos comerciais ou industriais que se efectuem contràriamente às disposições do artigo antecedente e seus parágrafos, podendo o Estado e o senhorio requerer as respectivas indemnizações pelos prejuízos sofridos e ainda êste o despejo contra quem de facto ocupar o prédio.
Todas as sanções se estabelecem em volta do próprio contrato, pois está averiguado na prática que as sanções penais em tal matéria nada previnem.
Para evitar as sublocações no inquilinato de habitação proponho:
Art. 00.° São considerados caducos todos os arrendamentos que se achem feitos a favor de quaisquer pessoas que actualmente não ocupem os prédios urbanos a que tais arrendamentos se referem, quando os mesmos prédios se acharem de facto ocupados por outros inquilinos.
Art. 00.° Dentro de sessenta dias, contados depois da publicação desta lei, deverão os senhorios realizar, com os inquilinos que à data da publicação desta lei ocupem de facto os prédios a que se refere o artigo anterior novos contratos de arrendamento, não podendo as rendas ser superiores às que actualmente paguem, acrescidas das percentagens por esta lei permitidas.
§ 1.º Passado aquele prazo, o senhorio que se tiver recusado a assinar o novo contrato de arrendamento não poderá intentar acção de despejo contra o inquilino e ser-lhe há vedado receber as rendas, as quais deverão ser pelo inquilino depositadas na Caixa Geral de Depósitos, só podendo o senhorio levantá-las e retomar a plenitude dos seus direitos quando haja assinado aquele contrato.
§ 2.° Se por seu lado o inquilino se negar a assinar o novo contrato, o senhorio o mandará notificar para no prazo de cinco dias o assinar e, não o fazendo, poderá o senhorio requerer o despejo com tal fundamento e o inquilino será tido desde a data da notificação como detentor de má fé para os efeitos dos artigos 496.° e 497.° do Código Civil Português.
Não Sou atreito a vaidades; por isso é-me indiferente esta ou aquela redacção. Se S. Ex.ªs tiverem melhor, apresentem, que os ouvirei com prazer.
Ao Parlamento compete dizer a última palavra sôbre êste assunto.
Não se dá a hipótese de se tornarem caducos os arrendamentos de prédios arrendados a pessoas que estiverem ausentes; o que caduca é o arrendamento dum prédio que já não é ocupado pelo inquilino que o arrendou.
Como V. Ex.ªs vêem, o senhorio é obrigado, dentro de sessenta dias, a fazer um novo arrendamento com o inquilino que de facto ocupe o prédio.
Busca-se acabar com sublocações futuras e regularizar a situação dos que, nesta hora e sem contrato, ocupam de facto os prédios, livrando-os da conhecida especulação dos intermediários.
O Sr. Herculano Galhardo: — Todavia, isso não é mau para o senhorio...
O Orador: — O senhorio é obrigado a fazer o contrato com o inquilino pelo preço anterior.
Não posso dizer que seja perfeita esta redacção; outra melhor não encontrei, e por consequência trago esta, que poderá ser modificada como entenderem.
Temos uma outra proposta regulando a situação Estado-senhorio:
Artigo novo. Os arrendamentos em que o Estado ou qualquer estabelecimento público intervenham como senhorios ou arrendatários serão regulados pelas cláusulas do respectivo contrato, e designadamente pela parte aplicável, e ainda não revogada, das instruções para arrendamentos de bens nacionais, de 2 de Maio de 1843, artigo 26.° e § único da lei de 20 de Março de 1907, decreto de 5 de Dezembro de 1910, artigo 164.° e seguintes do regimento do Conselho Superior de Finanças, de 17 de Agosto de 1915, decretos n.ºs 2:873, de 30 de Novembro de 1916, 3:834, de 12 de Fevereiro, e 4:490, de 12 de Junho de 1918.
Artigo novo. Estes contratos de arrendamento serão feitos perante os funcionários ou entidades oficiais a quem, por
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lei, incumbe a administração dos bens ou perante delegado que aqueles designarem e quando o Estado fôr senhorio, quaisquer notificações ou diligências referentes aos arrendamentos, incluindo os despejos dos prédios, competem privativamente aos mesmos funcionários ou entidades ou por sua delegação às autoridades fiscais administrativas ou policiais concelho ou bairro em que os bens estejam situados.
§ 1.° Aqueles funcionários e entidades oficiais serão feitos directamente pelos interessados quaisquer avisos ou comunicações, observando-se as disposições aplicáveis da legislação indicada(...)sim os regulamentos peculia(...) Ministério, estabelecimento público ou serviço especial e autónomo (...) estejam afectos.
§ 2.° As notificações aqui previstas serão feitas com antecedência não inferior a dez dias, sempre que as leis administrativas, regulamentos em vigor, cláusulas de contratos ou instruções superiormente expedidas não prescrevam prazo diverso.
§ 3.° O pagamento das rendas nos casos em que o Estado seja senhorio efectuar-se há no local designado no respectivo título de arrendamento.
§ 4.º Quaisquer reclamações respeitantes à inobservância das cláusulas contratuais, ou preterição de formalidades ou direito dos interessados, quando o Estado fôr senhorio, deverão ser feitas administrativamente perante as entidades oficias que intervierem no contrato ou perante as direcções que superintendam nos serviços e por elas resolvidas, com os recursos estabelecidos pelas leis em vigor.
Trata-se, portanto, da solução pela via administrativa, de todos os contratos do Estado-senhorio. Parece me a mais rápida, melhor e mais conveniente.
Urge também revogar a lei que suspendem as acções do despejo contra o Estado-inquilino, substituindo-a por disposições novas que, não prejudicando o interêsse e serviço público, garantam o exercício dos direitos do senhorio.
O Sr. Carlos Costa (interrompendo): — Devo dizer a V. Ex.ª que, depois de vetar a Secção, a proposta é discutida na sessão plena, mas já não admite emendas.
O Orador: —Então vou ler a proposta. As disposições são as seguintes:
«Artigo novo. Quando o Estado fôr inquilino, deverá o senhorio deduzir quaisquer reclamações respeitantes à inobservância das cláusulas contratuais ou pretenção de formalidades ou direitos dos interessados perante as entidades oficiais que intervieram no contrato, ou perante as direcções que superintendam nos serviços respectivos e só quando tais entidades ou direcções se pronunciem contráriamente à reclamação ou a não resolveram durante os noventa dias seguintes ao da reclamação poderão usar das acções permitidas por lei.
§ 1.° Em qualquer altura do processo despejo, que tenha por fundamento a falta de pagamento do renda por parte do Estado, poderá êste evitar o despejo, pagando as rendas em dívida.
§ 2.° Excepto no caso do parágrafo anterior, em que o pagamento será feito por têrmo nos autos, os senhorios de prédios tomados de arrendamento pelo Estado receberão nos cofres dêste as rendas a que tiverem direito nas datas ou prazos fixados nos respectivos contratos».
Novas emendas apresentarei ao artigo 2.°
Outras disposições tenho sôbre o desenvolvimento a dar à construção de prédios, mas, como é assunto que se relaciona com as finanças, reservar-me hei para as apresentar devidamente depois de ouvido o titular daquela pasta.
Lidas, são admitidas.
O Sr. Carlos Costa: — Vou mandar umas propostas de aditamento ao artigo 2.º, como outras propostas para dois artigos novos, que seguem a orientação do Sr. Ministro da Justiça, bem como um outro que se refere a traspasses de estabelecimentos industriais e comerciais.
Também não estabeleço sanções para a questão dos traspasses.
Porém, há gente pouco séria que não quere dar ao proprietário parte do traspssse, e eu estabeleço um parágrafo que da ao proprietário o direito de preferência sôbre o traspasse.
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Também tenho um artigo que dá ao proprietário o direito de habitar a casa que lhe pertence quando dela precise.
Há muitos proprietários que não têm recursos para pagar o aluguer de casas e que não podem ir habitar as suas casas.
Proposta para o novo artigo:
Artigo....° O proprietário tem direito a despedir o inquilino duma casa de habitação para a ocupar por si ou pelos seus ascendentes ou descendentes em linha directa, avisando o inquilino com três meses de antecedència.
§ 1.° Se depois de vaga a casa de habitação o proprietário resolver não a ocupar, não poderá alugá-la durante um ano.
§ 2.° O proprietário, em cada ano, não poderá aproveitar as disposições dêste artigo, senão para uma casa de habitação. — J. C. da Costa.
Proposta de aditamento ao artigo 2.° (nova alínea):
...) Às quantias assim obtidas se adicionará a cota parte da importância para despesas de conservação, de que trata a lei n.º 1:368, de 21 de Setembro de 1922. — J. C. da Costa.
Proposta de novo artigo:
São permitidos os traspasses de estabelecimentos industriais ou comerciais para o mesmo ramo de negócio, recebendo o proprietário 50 por cento da importância do traspasse e o Estado a respectiva contribuição de registo.
§ único. O proprietário tem o direito de opção no traspasse industrial ou comercial. — J. C. da Costa.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Lopes Cardoso) (àparte): — Tinha no meu projecto uma forma de resolver isso, e pregunto agora:, ¿sendo aprovado por esta Câmara que o senhorio vá habitar a sua casa, eu posso nessa altura apresentar emendas de forma a acautelar legítimos interêsses?
A tal respeito nada apresento, mas desde que a Câmara tenha aprovado o princípio de que o senhorio deve ir ocupar a sua casa, em face de um facto consumado, não terei então dúvidas em apresentar quaisquer emendas no intuito de acautelar os legítimos interêsses dos inquilinos, tanto quanto possível.
O Sr. Carlos Costa: —V. Ex.ª pode apresentar as emendas que entender e a Câmara apreciá-las há.
Lidas na Mesa as propostas do Sr. Carlos Costa, foram admitidas.
O Sr. D. Tomás de Vilhena: — Eu vou mandar para a Mesa uma proposta simplíssima: É para que seja suprimido o artigo 2.°
Não me parece conveniente nem de boa moral que o Parlamento venha sancionar faltas de formalidades num contrato, isto é, que o Parlamento venha sancionar o não cumprimento de uma lei que êle fez.
Se estabelecermos êsse princípio, daqui em de diante, ninguém obedece às leis, porque as leis ficam sendo coisa morta.
¿Essas formalidades que foram impostas correspondem ou não correspondem a uma necessidade ou foi apenas um mero capricho?
Se não foi um capricho mas antes uma necessidade, ir-se rasgar isso de uma vez para sempre, parece-me uma imoralidade.
Por consequência, êste artigo acho-o imoral e um incentivo à desobediência às leis; é por isso que eu proponho a sua eliminação pura e simples.
Estarmos a fazer leis para se não cumprirem, então é melhor não as fazer.
Se a lei é má, corrige-se, mas o que não pode ser é agora ir-se votar uma cousa com efeitos retroactivos a favor de aqueles que não a cumpriram.
Envio portanto para a Mesa a seguinte proposta:
Proponho que seja suprimido o artigo 2.°— Tomás de Vilhena.
Foi lida e admitida.
O Sr. Dias de Andrade: — Pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de dois artigos novos, reconhecendo ao proprietário o direito de despejar o prédio desde que seja para sua habitação própria, para os seus ascendentes ou descendentes, mas só no fim do prazo do arrendamento.
É a seguinte:
Artigo novo. No fim do prazo estipulado do arrendamento, terá o senhorio
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direito a despejar o prédio, desde que seja para uso e habitação própria, de seus ascendentes ou descendentes.
§ 1.° Na falta de título de arrendamento, o senhorio terá direito a despejar imediatamente o prédio.
§ 2.° Quando, efectuado o despejo, o senhorio ou seus ascendentes ou descendentes não passarem a habitar o prédio, o inquilino terá direito a reocupá-lo, nas condições do anterior arrendamento,— Dias de Andrade.
Artigo novo. As disposições desta Lei são aplicáveis apenas até 31 de Dezembro de 1925. — Dias de Andrade.
Foi lida e admitida.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Lopes Cardoso): — Sr. Presidente: mando para a Mesa uma emenda ao artigo 3.°
O Sr. Catanho de Meneses: — Sr. Presidente: mando para a Mesa um artigo para ser incluído logo a seguir ao artigo 3.°, e que diz o seguinte:
Leu.
Devo dizer ao Sr. Ministro da Justiça que concordo absolutamente com a sua doutrina, mas que esta concordância não é de agora é do tempo da proposta que eu tive a honra de apresentar à Câmara dos Deputados em 25 de Maio de 1922, e que está a dormir no seio da Câmara, não acordou ainda como sucedeu à proposta de V. Ex.ª
V. Ex.ª conhece muito bem decerto o decreto de 12 de Novembro de 1910, e que foi o primeiro decreto que no regime republicano se promulgou relativamente ao inquilinato de habitação.
Ora nesse decreto, artigo 33.°, se a memória me não falha, estabelecia-se que o dono do estabelecimento comercial ou industrial tinha direito a um valor de traspasse.
¿Mas como era êsse valor determinado?
Era determinado pelo aumento do valor lucrativo que se conhecia que era produto do trabalho do inquilino.
Isto assim é que está certo. Desde o momento que se mostre que há aumento de valor lucrativo resultante do trabalho do inquilino, compreende-se que êsse valor lucrativo, como qualquer outra bem-feitoria, tenha de ser pago pelo senhorio.
Êste artigo foi redigido em 1907 por uma Câmara a que eu pertenci também, e determina-se que o traspasse não se pode fazer senão por escritura, e esta não se pode fazer sem estar salvaguardada a parte do inquilino e do senhorio.
Trocam-se explicações entre o orador e o Sr. Ministro da Justiça.
Foi lida e admitida a proposta do Sr. Catanho de Meneses, que é a seguinte:
Proponho que, em seguida ao artigo 3.°, se acrescentem os seguintes, que terão a numeração indicada ou a que a respectiva secção achar mais conveniente:
Artigo 4.° O traspasse de estabelecimentos comerciais ou industriais só poderá ser feito por escritura pública e nela se compreenderá sempre a sublocação, sem necessidade de autorização do senhorio, se fôr para o mesmo ramo de comércio e indústria.
§ 1.° O senhorio terá sempre o direito de preferência, excepto se o traspasse fôr para descendentes.
§ 2.° A fim de usar da preferência a que se refere o parágrafo anterior, será o senhorio notificado para no dia, hora e local designado, e perante notário da comarca da residência do mesmo senhorio, declamar se quere usar dêsse direito, devendo entre a notificação e esta declaração medear um prazo nunca inferior a trinta dias.
§ 3.° Se o senhorio declarar que quere preferir, será logo lavrada a escritura de traspasse, mostrando-se préviamente depositada a favor do Estado a percentagem de 15 por cento do valor do traspasse, que em todo o caso e para êste efeito nunca poderá ser inferior a vinte vezes a renda anual.
§ 4.° Se o senhorio não usar do direito de preferência, ou não comparecer, por si ou por seu bastante procurador, para fazer a declaração a que se refere o parágrafo anterior, não poderá ser feita a escritura de traspasse, sem que se mostre também paga ou depositada a favor do senhorio a percentagem de 10 por cento sôbre o preço do traspasse, que nunca poderá ser calculado sôbre valor inferior a vinte vezes a renda anual.
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§ 5.° Será nula e de nenhum efeito a escritura de traspasse, se antes da sua celebração se não mostrar paga ou depositada a favor do Estado e do senhorio a percentagem que lhe competir.
§ 6.° O depósito a que se referem os parágrafos anteriores será sempre feito na Caixa Geral de Depósitos nos termos do artigo 759.° do Código Civil. — João Catanho de Meneses.
O Sr. D. Tomás de Vilhena: — Sr. Presidente: êste artigo 3.° é, sem dúvida, um dos mais monumentais que figuram neste projecto. Lê-se, torna-se a ler, medita-se, torna-se a meditar e fica-se em pasmo.
Êste artigo é, nem mais nem menos, que a abolição da propriedade urbana em Portugal.
O proprietário urbano é executado neste artigo e nunca mais é senhor da sua propriedade.
Juntamente com isso faz-se uma cousa que não deixa de ter a sua graça: ¡num regime democrático ir-se fazer, nem mais nem menos, do que o rejuvenescimento da antiga instituição vincular!
Mas o rejuvenescimento dessa antiga instituição, sem que o Estado, coitado, daí prove alguma cousa, ùnicamente em vantagem de pessoas que não têm casa e que querem ter casa à custa de outros, sem se lembrar que essas pessoas a adquiriram à custa de muita luta pela vida, juntando as suas economias para um dia poder descansar nela ou para deixar um padrão da sua memória aos seus filhos.
Diz o artigo 3.°:
Leu.
Quere dizer, nunca mais um proprietário é capaz de ter mão no seu prédio.
Amanhã morre o inquilino mas lembra-se de deixar o direito de habitação ao seu vizinho, que vai para lá. O vizinho, por um capricho, deixa à engomadeira o direito de habitação e assim se vão fazendo as transmissões, absolutamente gratuitas, sendo esta a única transmissão que eu sei em direito, em que o Estado não percebe cousa alguma.
Mas ao mesmo tempo o proprietário tem um filho, e o filho, para herdar, tem de pagar aquilo que a lei preceitua e que é uma quantia que se vai avolumando dia a dia até se tornar uma cousa imponente.
É preciso notar uma cousa: em todos os países onde se tratou de regular o inquilinato por ocasião da guerra, não se teve em mira estar a satisfazer os caprichos desta ou daquela classe, ao que se atendeu foi em proteger aqueles que estavam expondo a sua vida e a dar o seu sangue pela pátria e às respectivas famílias.
O que se não compreende aqui é que, a propósito da guerra, se estejam aí a proteger muitos industriais e muitos comerciantes que da guerra se têm servido só para enriquecer e o desgraçado do senhorio esteja a pagar tudo.
Estou daqui a ver o olhar terrível do Sr. Dr. Catanho de Meneses, por quem, aliás, tenho muita simpatia. Eu sei mesmo que S. Ex.ª está já com a mão na algibeira para me desfechar um tiro. (Risos).
S. Ex.ª vai dizer-me que se trata da cópia ipsis verbis do artigo 1619.° do Código Civil.
Mas se S. Ex.ª imagina que com êsse tiro eu cairei no chão, engana-se.
Aquele artigo era eminentemente justo e equitativo, mas neste projecto é uma barbaridade.
No Código Civil era justo, porque pelo Código Civil o arrendamento ou sublocação era «temporário».
Era justo que se estabelecesse que no caso de morte, por exemplo, de uma pessoa de família, o contrato fôsse até final. Não havendo prazo é uma renovação da instituição vincular.
Por consequência, eu proponho a eliminação dêste artigo.
Tenho dito.
O Sr. Catanho de Meneses: — Sr. Presidente: é sempre com o máximo prazer que eu ouço o Sr. Tomás de Vilhena, porque S. Ex.ª apresenta-se sempre como uma pessoa sensata, erudita, e é destas pessoas que não falam num assunto sem terem inteiro e perfeito conhecimento dêle. A sua idade, a sua ilustração, a sua prática do Parlamento e que, de resto, tem uma nobre figura de fidalgo, vindo de uma família que une o seu sangue ao seu procedimento, tudo isto me tem feito respeitar S. Ex.ª E com sinceridade lhe digo que fui todo ouvidos desta vez; fui todo olhos também, porque me pareceu que não era o Sr. Tomás de Vilhena que estava a falar.
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¨E ‚ o Sr. Tom s de Vilhena que diz que esta doutrina ‚ espantosa?
Perd”e-me S. Ex.¦ Mas, emprazo-o a que me diga se na legisla‡„o italiana e belga n„o est exactamente o mesmo princ¡pio.
A sua palavra tem pˆso e por isso mesmo eu, como relator, acho-me na obriga‡„o de repelir as afirma‡”es de S. Ex.¦
¨0 que se fez na legisla‡„o citada?
N„o se admitem as ac‡”es de despejo, sejam quais forem os t¡tulos de propriedade.
N„o h discrepƒncia alguma, com o que est consignado neste artigo.
S. Ex.¦ quis significar, se bem o entendi, que a legisla‡„o francesa tinha sido uma consequˆncia da guerra. N„o ‚ assim, porque na It lia, Fran‡a, B‚lgica e na Sui‡a ainda se conserva o princ¡pio de que o senhorio n„o pode despedir o arrendat rio, embora haja transmiss„o de pr‚dio.
Agora a diferen‡a ‚ que se determina um prazo em que ˆste direito excepcional tem um limite.
¨Qual foi o crit‚rio do legislador portuguˆs? Ele foi que n„o se podendo determinar quando acabam as circunstƒncias que justificam essa excep‡„o, deixa-se ao Govˆrno a faculdade de revogar quando essas circunstƒncias terminarem.
¨Qual o crit‚rio da legisla‡„o estrangeira? O determinar um prazo o sucessivas prorroga‡”es.
Na Espanha acaba em 31 de Dezembro e j se fala em prorroga-lo, na It lia h o decreto de 9 de Julho de 1923 onde se prorroga at‚ 1925. Na B‚lgica l existe tamb‚m essa prorroga‡„o. E uma diversidade de crit‚rios, nada mais. N„o ‚ uma quest„o para o alarme que o Sr. Tom s de Vilhena fez.
No fundo a doutrina ‚ a mesma.
V. Ex.¦ n„o se lembra que s„o princ¡pios a favor da colectividade que eram necess rios nesta ocasi„o.
V. Ex.¦ deve saber que na prov¡ncia e em algumas cidades, como por exemplo em Braga, citou o ilustre Senador Sr. Cunha Barbosa, n„o existem contrato de arrendamento e que n„o existem porque os senhorios negaram-se a pass -los e como se precisa da casa como ‚ necess rio o p„o de cada dia necess…riamente que os inquilinos h„o-de receber os arrendamentos como os senhorios os querem.
O contrato de arrendamento existe, o que n„o existem s„o as formalidades. ¨Mas de quem foi a culpa dessas formalidades n„o existirem?
A culpa ‚ dos senhorios.
V. Ex.¦ acha justo que se fa‡a uma lei a favor dos senhorios em que como n„o existe arrendamento o senhorio possa despedir o inquilino quando est provado que existe um contrato, o qual est demonstrado, at‚ pelo recibo, que ˆle existe.
Aqui tem V. Ex.¦ a minha opini„o s“bre ˆste caso em que se sabe perfeitamente que existe o contrato, mas quando lhe apetece para qualquer neg¢cio o arrendamento n„o aparece.
Isto ‚ que V. Ex.¦ acha de moral.
¨V. Ex.¦ seria capaz como senhorio, embora n„o existisse o contrato de arrendamento, de chegar ao p‚ do inquilino e dizer-lhe: em vista de vocˆ n„o ter arrendamento queira sair da casa porque eu preciso dela?
Tenho a certeza de que V. Ex.¦ era incapaz de fazer semelhante cousa.
V. Ex.¦, que ‚ um perfeito homem de bem, que sustenta sempre bons princ¡pios, estou inteiramente convencido se reflectisse um pouco havia de dizer: afinal de contas aquele Catanho de Meneses que quis agredir-me ‚ que tinha raz„o e por isso espero que V. Ex.¦ fa‡a justi‡a no ¡ntimo da sua consciˆncia.
O Sr. Tom s de Vilhena: - Sr. Presidente: eu tamb‚m gosto de ouvir e discutir com S. Ex.¦ o Sr. Catanho de Meneses porque S. Ex.¦ p”e sempre as quest”es com uma grande clareza, com uma grande inteligˆncia e tem um largo repert¢rio de sciˆncia jur¡dica; por consequˆncia ‚ um dˆstes advers rios com quem gosto de conversar.
Eu tenho pena de estar qu si sempre em divergˆncia um e outro, mas emfim n¢s discutimos sempre com todas as boas regras de cortesia e por isso ‚ um prazer discutir assim.
Eu continuo no meu ponto de vista e assim o expliquei a V. Ex.¦
Eu disse a V. Ex.¦ que aquele artigo dentro do C¢digo Civil era justo e equitativo.
Aparte do Sr. Catanho de Meneses.
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O Orador: — O que lá não está é exactamente esta interinidade a que se destina em Portugal.
Mussolini fixa um prazo.
É contra esta interinidade que me revolto. Trata-se de renovar o sistema de vinculação a favor de entidades que nada produzem.
A Itália e a França estão tratando de reduzir todas as cláusulas em matéria de arrendamento. Aqui pensa-se em alargar cada voz mais por sugestões várias.
Também não precisamos estar a estabelecer como princípio assente a falta de cumprimento das leis.
É um caso grave em todos os tempos.
O senhorio opõe-se? O inquilino reclama então.
Não podemos estar a dizer que prescindimos do cumprimento das leis.
Amanhã vem uma ou outra junta de paróquia ou outra sociedade notável dizer que é preciso dispensar o cumprimento da lei.
O Sr. Carlos Costa: — Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa uma proposta de aditamento ao artigo 3.°
É a seguinte:
Proposta de aditamento ao artigo 3.°:
§ 7.° São expressamente proibidas as sublocações no inquilinato industrial, comercial ou de habitação. – J. C. Da Costa
Foi lida e admitida.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Joaquim Crisóstomo: — Sr. Presidente: ontem tinha pedido a V. Ex.ª a fineza de convidar o Sr. Ministro da Marinha para estar presente antes da ordem do dia na sessão de hoje.
É certo que não podia fazer uso da palavra quando S. Ex.ª aqui se encontrava e como não quero protelar por mais tempo as considerações que tencionava fazer, vou falar na sua ausência aproveitando estar presente o Sr. Ministro da Justiça que, estou convencido, as comunicará ao seu colega.
Arrasta-se há cêrca de três meses a greve marítima de longo curso, pelo que se encontram interrompidas as viagens entre o continente e os Açôres.
Todos os dias surgem reclamações dos povos daquelas ilhas, umas aos seus representantes do Parlamento; outras directamente ao Govêrno, e não obstante não há forma de solucionar esta questão.
Os armadores não entram em acôrdo com os tripulantes, cada qual se mantém firme e inabalável no seu ponto de vista, especialmente os armadores, pelo que em especial as ilhas adjacentes estão privadas de comunicar com o continente.
Sr. Presidente: isto só se dá em Portugal, só se vê entre nós, e com profundo desgôsto eu registo.
Quando era Ministro da Marinha o Sr. Fontoura da Costa, eu tratei aqui do assunto. S. Ex.ª prometeu tomar providências, mas eu já sabia de antemão que êle nenhuma providência tomaria.
Caíu o Govêrno presidido pelo Sr. António Maria da Silva; veio o do Sr. Ginestal Machado, tendo como Ministro da Marinha o Sr. Júdice Bicker e S. Ex.ª enveredou no mesmo caminho do seu antecessor.
E, ou por falta de iniciativa, ou por falta de coragem ou competência, deixa a questão abandonada.
Há dias, não querendo tomar tempo à Câmara, eu dirigi-me particularmente ao Sr. Júdice Bicker e falei-lhe da questão. ¿Sabem V. Ex.ªs o que êle me disse? Que já tinha oficiado às agências de transportes marítimos dizendo que se elas quisessem pôr os navios a navegar êle lhes forneceria pessoal.
Ora eu pregunto: ¿Será isto o suficiente para resolver o problema? ¿Corresponderá isto às justas reclamações dos povos açoreanos?
Evidentemente que não.
O dever de um Ministro da Marinha é tomar uma iniciativa rápida e eficaz de forma a que imediatamente sejam postos navios a navegar para os Açôres.
Trata se evidentemente de um «dize tu, direi eu», quere dizer, de um declinar de responsabilidades, e a questão continua no mesmo estado.
Como bom português que me prezo de ser, entendo que é ao Govêrno do meu país que me devo dirigir, embora já alguns dos meus eleitores me tenham mandado dizer que se viam forçados a recorrer ao auxílio de nações estrangeiras, muito especialmente à América, para que
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ela pusesse ao seu serviço alguns navios como os pôs durante a guerra.
Ora eu devo dizer com toda a franqueza que não concordo com êste modo de ver dos açoreanos que, num momento de irreflexão e por se verem abandonados pela sua pátria, pedem o auxílio de nações estrangeiras.
Quando em Lisboa se dá uma greve de caminhos de ferro ou de eléctricos, os Governos tomam logo providências pondo os eléctricos e os combóios a trabalhar. Como? Mandando para lá pessoal militar.
Eu, em regra, sou contra o emprego de militares, mas em casos especiais, come o da actual greve marítima, nós temos primeiro que tudo de olhar aos princípios humanitários e ver que um povo que habita as ilhas e em contacto apenas com o mar, se encontra isolado, esgota os alimentos, estando na contingência de morrer à fome.
Eu espero que o Sr. Ministro da Justiça faça a fineza de chamar a atenção do seu colega da Marinha, a fim de que S. Ex.ª adopte providências imediatas e eficazes, de modo a que os povos açoreanos não continuem absolutamente isolados da metrópole.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Lopes Cardoso): — Eu tomo na maior consideração as palavras do ilustre Senador e meu colega e transmiti-las hei ao Sr. Ministro da Marinha.
Em todo o caso alguma cousa tenho a observar quanto à forma como S. Ex.ª pôs a questão.
O Sr. Ministro da Marinha é um militar brioso, digno, e uma das pessoas mais
competentes que ocupam as cadeiras do Poder.
S. Ex.ª está estudando a resolução da greve marítima com todo o cuidado e toda a atenção, e estou convencido que, dentro de dias, conseguirá resolvê-la.
Como o Sr. Senador Joaquim Crisóstomo pôs em dúvida a sua competência, eu direi que a S. Ex.ª não falta competência, nem coragem, nem dedicação pela República.
Estou convencido que o Sr. Joaquim Crisóstomo proferiu essas palavras não com o intuito de ser desagradável ao ilustre Ministro da Marinha, mas apenas levado pelo seu grande desejo de defender os interêsses açoreanos.
As greves são sempre de difícil solução, mas as greves marítimas são de uma dificuldade extrema, mas estou certo de que dentro de dias o ilustre Ministro da Marinha será aplaudido por nós, que já conhecemos as suas intenções e por V. Ex.ªs quando reconhecerem que, da sua acção, alguma cousa saíu de proveitoso.
O Sr. Silva Barreto (em nome da comissão do Regimento): — Sr. Presidente: pedi a palavra para comunicar a V. Ex.ª e à Câmara, que ficou ontem instalada a comissão do Regimento, tendo escolhido o Sr. José Pontes para secretário e a mim, participante, para presidente.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é na sexta-feira, dia 7, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
O REDACTOR — Alberto Bramão.