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REPÚBLICA

PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

SIE3SS-Ã.O lsT.° 22

EM 30 DE JANEIRO DE 1924

Presidência do Ex.mo Sr. Manuel Gaspar de Lemos

Luís Inocêncio Ramos Pereira

Secretários os Ex.mos Srs,

Sumário.— Chamada e-abertura da sessão.

Leitura e aprovação da acta.

Dá-se conta do expediente.

É lido um projecto de lei relativo aos funerais de Teófilo Braga.

Sobre o assunto usam da palavra os Srs. Augusto de Vasconcelos, Herculano Galhardo e Vicente Ribeiro, que requer e que a sessão seja exclusivamente dedicada à homenagem ao glorioso morto.

Sobre o modo de votar usa da palavra o Sr. Ribeiro de Melo.

Ê aprovado o requerimento do Sr. Vicente Ramos.

Sobre o projecto de lei usam da palavra os Sre. Herculano Galhardo, Dias de'Andrade, Ribeiro de Melo, Augusto de Vasconcelos, Querubim Guimarães, Ramos da Costa, Procópio de Freitas, José Pontes, Joaquim Crisóstomo, Alfredo Portugal e Ministro do Interior.

O Sr. Presidente encerra a sessão.

Abertura da sessão às lô horas e 20 minutos.

Presentes à chamada 20 Srs. Senadores.

Entraram durante a sessão 10^ Srs. Senadores.

faltaram 30 Srs. Senadores.

Srs. Senadores presentes à abertura da sessão.

Abílio de Lobão Soeiro. Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.

Álvaro António Bulhão Pato. . António Alves de Oliveira Júnior. António Maria da Silva Barreto.

Manuel Pessanha Yaz das Neves

Artur Augusto da Costa.

Artur Octávio do Rego Chagas.

Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.

César Procópio de Freitas.

Constantino José dos Santos.

Ernesto Júlio Navarro.

Francisco José Pereira.

Francisco de Sales Ramos da Costa.

Francisco Vicente Eamos.

Frederico António Ferreira de Simas.

Herculano Jorge Galhardo.

João Manuel Pessanha Vaz das Neves.

João Maria da Cunha Barbosa.

Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.

Joaquim Pereira Gil. de Matos.

Joaquim Xavier de Figueiredo Oriol Pena.

José Augusto Ribeiro de Melo.

José Duarte Dias de Andrade.

José Machado Serpa.

José Mendes dos Reis.

Luís Augusto de Aragão e Brito.

Luís Inocêncio Ramos Pereira.

Manuel Gaspar de Lemos.

Rodrigo Guerra Álvares Cabral.

Silvestre Falcão.

Srs. Senadores que entraram durante a sessão:

Alfredo Narciso Marcai Martins Portugal.

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Diário da» Sessões do Senado

João Carlos da Costa.

Jorge Frederico Velez Caroço.

José António da Costa Júnior.

José Joaquim Fernandes Pontes.

Nicolac Mesquita.

Querubim da Rocha Vale Gfuimarães.

Srs. Senadores que faltaram à sessão:

Aníbal Augusto Ramos de Miranda. António da Costa Godinho do Amaral. António de Medeiros Franco. António Xavier Correia Barreto. Augusto Casimiro Al\cs Monteiro. Augusto de Vera Cruz. Duarte Clodomir Patten de Sá Viana. Francisco António de Paula. Francisco Xavier Anacleto da Silva. João Alpoim Borges do Canto. João Catanho de Meneses. João Trigo Motinho. Joaquim Manuel dos Santos Garcia. Joaquim Teixeira da Silva. José Augusto de Sequeira. José Joaquim Fernandes de Almeida. José Joaquim Pereira Osório. José Xepomuceno Fernandes Brás. Júlio Acgusto Ribeiro da Silva. JóJio Ernesto de Lima Duque. Luís Augusto Simões de Almeida. Pedro Virgolino Ferraz Chaves. Raimundo Enes Meira. Ricardo Pais Gomes. Roberto da Cunha Baptista. Rodolfo Xavier da Silva. Tomás de Almeida Manuel de Vilhe-na (D.).

Vasco Críspiniano da Silva. Vasco G-onçalves Marques. Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.

Pelas lô horas e J5 minutos u Sr. Presidente mandu proceder à chamada, Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: —Estão preseniea 30 Srs. Senadores.

Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta. Leu-se. Pausa.

O Sr. Presidente: — Como nenhum Sr< Senador pede a palavra considera-se aprovada.

Vai ler-s e o

Expediente

Oiieios

Da Câmara dos Deputados, acompanhando ap propostas de lei n.os 631 e 630 «Reforçando algumas verbas descritas no Orçamento do Ministério da Guerra, para o ano económico do 1923-1924, conforme a nota anexa». Transferindo a importância de 300 contos do artigo 18.°, capítulo 1.° do Orçamento do Ministério da^Guer-ra. eni vigor, para outro artigo do mesmo orçamento, como reforço do «Fundo das diversas despesas».

Para a l.a secção.

Da Câmara dos Deputados, acompanhando a proposta de lei n.° 56, que revoga o decreto de 30' de Dezembro de 1910, sobre feriados nacionais que recaiam ao domingo.

Pata a 2.& secção.

Do Ministro da Guerra, pedindo autorização pára que o Sr. Velez Caroço se apresente no comando da.l.a Divisão do Exército. • Autorizado.

Telegramas

Dos alunos da Escola Industrial Infante D. Henrique, enviando condolências pelo falecimento do professor Dr. Teófilo Braga.

Para a Secretaria.

Parecer

Da comissão de faltas, sôbz-e justificação de faltas do Sr. Sousa Varela. Aprovado.

O Sr. Presidente: — Está sobre a Mesa um ofício do Ministério da Guerra, solicitando a comparência do Sr. Velez Caroço naquele Ministério para receber guia para ir para governador de S. Tomé.

Os Srs. Senudorcs que autorizam tenham a bondade de se levantar.

Está aprovado.

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Sessão de 30 de Janeiro de 1924

Eefere-se aos funerais do Sr. Teó-íilo Braga.

O Sr. Augusto de Vasconcelos (para interrogar a Mexa.): — Desejo saber se V. ISx/ está informado se o Governo não se faz representar na discussão desta proposta de lei.

Julgo que isso representa nma desconsideração não só para o Senado como para a figura que se pretende, glorificar.

O Sr. Presidente: — Não tenho ainda informações a esse respeito, mas vou mandar imediatamente chamar qualquer. Sr. Ministro.

O Sr. Herculano Galhardo: —Estou informado que o Sr. Presidente do Ministério foi chamado à Presidência da República, mas estão tratando de mandar um membro do Governo imediatamente ao Senado, de forma que daqui a cinco ou dez minutos o Governo se fará representar.

O Sr. Vicente Ramos : — Sr. Presidente : na outra casa do Parlamento resolveu-se não haver s,essão hoje iieni no dia õ em consequência de se encontrarem no Congresso os restos mortais de Teófilo Braga.

Parece-me que esta Câmara deveria tomar a resolução de discutir apenas o projecto que trata dos funerais de Teófilo Braga e em seguida encerrar-se a sessão para só tornar a reunir-se no mesmo dia que a Câmara dos Deputados marcou, para ser igual a homenagem íeita a Teófilo Braga.

Peço a V. Ex.a que consulte a Câmara; sobre este' modo . de ver, ato que não haja o antes da' ordem do dia, e que nesta sessão apenas se trate, como há pouco disse, do. projecto que trata dos fune-iierais:de Teófilo. Braga.

O Sr. Herculano Galhardo:—Eu re-queiro que se demore a discussão dó projecto até que esteja presente .qualquer membro do Governo. .

O Sr. Presidente : — Era essa a minha intenção depois de aprovado o requerimento do Sr. .Vicente Ramos.

O Sr. Ribeiro de Melo: — Eu. tenho dúvida de dar o meti voto ao requerimento do Sr. Vicente Ramos, porque queria saber se essa proposta de lei será discutida na presença de algum Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: — Se V. Ex.as aprovarem o requerimento do. Sr.. Vicente Ramos eu interrompo a sessão aíú que esteja presente algum Sr. Ministro.

Posto à votação o requerimento do Sr. Vicente Ramos, é aprovado, interrompendo o Sr. Presidente a sessão até estar presente qualquer membro do Governo.

Eram l ô horas e 40 minutos.

As 15 horas e 60 minutos, o Sr. Presidente declara reaberta a sessão.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se a proposta.

Em seguida leu-se a proposta. É a seguinte:

Artigo 1.° Os funerais de Joaquim Teófilo Braga, serão feitos a expensas da Nação e considerados nacionais, devendo prestar-se.-lhe todas as honras de Chefe de Estado.

Art. ,2.° O cadáver de Joaquim Teófilo Braga será depositado nos Jerónimos.

Art. 3.° O dia dos funerais fixado pelo Governo, e oportunamente anunciado no Diário do Governo, será feriado e considerado de luto nacional.

Art. 4.° É o Governo autorizado a abrir os créditos necessários para a execução desta lei, que entra imediatamente' em vigor.

Palácio do Congresso da República, em 29 de Janeiro de 1924.— Alberto Ferreira Vidal — Baltasar de Almeida Teixeira— João de Orneias da Silva.

O Sr. Presidente:—Esta proposta de lei tem já a aprovação da secção.

Pausa. .

Está em discussão na generalidade.

Como nenhum Sr. Senador pedisse a palavra, foi a proposta posta à votação, sendo aprovada na generalidade.

Foi também aprovado sem discussão o artigo l?, • -

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Diário das Sessões do Senado

O Sr. Hercuiano Galhardo:—Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer uma pregunta ao Sr. Ministro do Interior, como representante do Governo.

Quando se tratou dos funerais de Guerra Junqueiro, também aqui foi votada uma lei. Guerra Junqueiro foi recebido nos Jeróniinos; foi fazer companhia aos restos de outras glórias da nossa Pátria.

Agora trata-se de Teófilo Braga, Bom será que o Sr. Ministro do Interior, representando o Governo, diga ao Senado, visto que se trata de colocar os restos dum grande português nos Jerónimos, onde é que vai colocar o cadáver de Teófilo Braga.

Era um livre-pensador Teófílo Braga. Esse é um aspecto da questão que eu não quero abordar. Mas tenho outro. E se pedi a palavra, é porque tenho um dever de consciência a cumprir.

Quando foi do funeral de Guerra Junqueiro, ao chegar o corpo aos Jerónimoa ainda se não sabia onde ele seria colocado e à ultima hora resolveu-se que o cadáver fosse posto no monumento doutro grande português — Alexandre Hercnlano.

Sr. Presidente e Sr. Ministro: eu sou filho dum bom português, daqueles que muito admiraram Hercuiano e que pertencem ao número dos portugueses que sabem venerar devidamente a memória dos mortos gloriosos e que sabem tratar essa memória com o devido respeito. Pertenceu meu pai à grande comissão do monumento de Alexandre Hercuiano, comissão que teve sempre no pensamento que tinha um alto e grandioso dever a cumprir; nunca se esqueceu de que era inuito grave o problema que tinha entre mãos..

Agora sucede a mesma cousa e por cuja solução nós vamos prestar a devida homenagem aos mortos do nosso tempo.

Mas como ia dizendo, essa grande comissão composta de portugueses e bons portugueses pensou no monumento que mais convinha erigir à memória de Alexandre Hercuiano e não lhe escapou nenhum ponto de vista, obtendo das Cortes uma lei pela qual foi dada à comissão a capela do Capítulo para fazer parte do monumento a Alexandre Hercuiano. A comissão recebeu a capela do Capítulo, fez à custa da subscrição nacional as obras dessa capela, colocou nela o monumento a Hercuiano e, emfim, procurou re-

solver o problema por forma a que o conjunto estivesse em harmonia com o que tinha sido a vida do glorioso morto.

Não se esquoceu a grande comissão, Sr. Presidente, de que Alexandre Hercuiano fora toda a sua vida um crente, toda a sua vida cristão, e por isso a capela é uma capela cristã.

Sr. Presidente: eu estou bem poi\falar assim, a mim que toda a gente me aponta, ou por outra, todos não, mas que a imprensa conservadora me aponta, querendo-me atirar às feras como extremista jacobino, serei extremista jacobino. Serei extremista jacobino mas tenho pelas crenças dos outros um enorme respeito.

Sr. Presidente: na capela que ó monumento de Alexandre Hercuiano está a imagem de Cristo, por tal sinal uma obra de arte; a capela que foi feita só para depositar o corpo de Alexandre Hercuiano contudo contra o facto expresso entre a comissão e o Governo, está-se fazendo da capela depósito, casa de arrumação, para vergonha nossa, e assim colocámos numa situação imerecida de inferioridade grandes glórias como fora Guerra Junqueiro.

Um estrangeiro que entre na sala onde está o monumento de Alexandre Hercuiano verá um grande monumento no centro e preguntará em seguida quem está ali; dir-lhe hão: é Guerra Junqueiro.

Isto não pode tolerar-se.

Não se sentem mal., se porventura estão-em. condições de sentir, nem Guerra Junqueiro nem Hercuiano; mas não é disso que se trata; trata-se de nós, da nossa honra.

Sr. Presidente : vai agora outro grande português para os Jerónimos;

Eu permito-me ler à Câmara e ao Sr. Ministro do Interior a seguinte portaria:

Leu.

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Sessão de 30 de Janeiro de 1924

Não está; e não está com vergonha .para os poderes públicos portugueses, que não sabem respeitar os pactos, com vergonha para nós, que deixamos um grande português, como Guerra Jun-queÂro, numa situação imerecida.

E conveniente, portanto, qne o Govêr-ao, no momento em que o Senado vai prestar homenagens devidas a outro grande português, esclareça a situação, que diga claramente' o que propõe para ..evitar essa vergonha imensa.

O orador não reviu.

O Sr. Dias de Andrade:—Em nome da minoria católica prestei ontem a homenagem do nosso respeito ao grande português que foi Teóíilo Braga.

Disse o ilustre Senador Sr. Serculano Galhardo, que pedia a palavra por ter um dever de consciência a cumprir; também eu tenho um dever de consciência imperioso a cumprir. Protestou o ilustre Senador contra a ida de Teófilo Braga para a capela onde repousam os restos mortais de Alexandre Herculano. Eu protesto «contra a ida para o templo católico l

Á. verdade ó que o Dr. Teófilo Braga foi toda a sua vida um livre-pensador. Por este artigo 2.° do projecto diz-se que os seus restos mortais irão para o templo dos Jerónimos. Ora todos sabem que o mosteiro dos Jerónimos é um templo católico onde se exercem funções de-culto.

Apoiados da direita.

Não pode ser.

Votar esta disposição do artigo 2.° ó afrontar a consciência de milhões de católicos portugueses e até, de certo modo, a memória do morto que se pretende glorificar com esta homenagem.

Ele mesmor se pudesse manifestar-se, mão votaria esta disposição.

Eu espero que a Câmara não sancionará este vexame, esta afronta!

"Vozes da esquerda: — Não se ofende nada, não vexa nada!

.•^

Vozes da direita : —Vexa ! Vexa! Apoiado! Apoiado!

O Orador: — Vexa-se a consciência dos católicos levando para os Jerónimo& um livre-pensador.

Apoiados da direita.

E, Sr. Presidente, isto por não se ter cumprido uma lei que ant;gamente foi votada.

Lavro o meu protesto.

Não podia deixar de aprovar a proposta em discussão, mas não posso também deixar de, aqui lavrar o meu protesto contra o que se vai fazer.

Tenho dito.

O Sr. Ribeiro de Melo: — Sr. Presidente : começo por notar a pouca consideração que merece esta Câmara .ao Poder Executivo.

Quando se trata de colocar o antigo Ohefe de Estado, o antigo chefe do Governo Provisório, um. dos políticos mais eminentes que a República teve e ao lado desse grandioso político o carácter mais proeminente da literatura portuguesa — o Governo, não sendo obrigado a ir à Câmara dos Deputados e não tendo no- dia de hoje circustâncias que o fizessem estar nas Secretarias de Estado, faz-se apenas representar no Senado pelo Sr. Ministro do Interior.

Não quero com isto dizer que o Governo não esteja por esse facto bem representado, pois o Sr. Ministro do Interior é das pessoas com que o Senado mais simpatisa- (Apoiados) e por quem este lado da Câmara tem muita e muita consideração, não podendo-esquecer a solidariedade política que durante muito tempo existiu entre S. Ex.a e o Partido Democrático. Além disso o Sr. Sá Cardoteo tem desempenhado um importante papel na política portuguesa.

Mas, Sr. Presidente, S. Ex.a não pode de maneira nenhuma suprir a falta dos outros membros do Governo no momento em que se- discute uma proposta de lei da natureza da que se está discutindo.

O Poder Executivo tem chegado a abusar da clemência do Senado e não sé lembra, nas horas precisas ou nos momentos em que não poda haver discórdias, de cumprir o sen dever.

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Diário, da» Seêsõeê do Senado

última morada do grande homem de letras; ter-se iam evitado se o Poder Executivo tivesse em mais consideração a Câmara do Senado e escolhido alguns dos seus representantes para fazer parte dessa comissão nomeada pelo Governo para tratar dos íunerais do Sr. Teófilo Braga; mas sistematicamente o Governo esqueceu-se de que existia a alta Câmara e fez a desconsideração imerecida ao Senado de não escolher nenhum membro dp Senado.

Peço a V. Ex.a, Sr. Ministro do Interior, o favor de transmitir ao Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças, que é o autor dessa comissão, os reparos que eu faço na qualidade de Senador, que protesto veementemente por essa falta de consideração e respeito a que nós, embora estejamos dispostos a habilitar o Governo a dar-lhe a autorização precisa; no emtíinto estamos dispostos a não tolerar.

A desconsideração qoe o Governo faz é preciso que tenha um ponto final e que esse ponto final seja o mais breve possível.

Para qae o Poder Executivo possa continuar a ter a confiança desta Câmara, é necessário que saiba corresponder às atenções que tern merecido da alta Câmara da República,.

Mas, Sr. Presidente, já o Sr. Augusto de Vasconcelos fez sentir ontem a questão de que a comissão que dirigia o funeral não teve para o Senado a atenção devida, não levando ao conhecimento do Sr. Presidente do Senado, que é por assim dizer o chefe da casa, transportando o corpo do eminente homem sem a menor pait'cipação.

,No Diário de Lisboa veio publicado em letras redondas que a maior ofensa que se podia fazer ao eminente sábio era o fazerem transportar para o edifício do Congresso da República o seu corpo.

Isto foi escrito em letras redondas naquele jornal, o que merece o maior protesto nosso, porque ó exactamente no edifício do Congresso da República onde pode receber homenagem o cadáver do eminente homem de letras, que foi membro das Constituintes, do Governo Provisório,, onde por bastas vezes usou da palavra, qaer ,cc*no Deputado às Constituintes, ,e ainda na qualidade de Presidente do Governo Brõvisório. Mal vai ao Governo

e mal iria também ao Parlamento se não protestasse contra as palavras escritas no* Diário de Lisboa. Pela minha parte o-meu protesto é veemente e a desconsideração em que se pretende envolver os. parlamentares e o Parlamento, é, da minha parte, creia V. Ex.a, inteiramente devolvida.

Sr. Presidente: pouco me preocupa a. ditadura, assim como me preocupa a defesa que a ditadura possa ter por parte: desse jornal.

A nós republicanos e portugueses, no-dia de hoje, apenas nos preocupa uma cousa: é prestar as homenagens bem sinceras e que signifiquem o respeito da, Facão pelo eminente sá,bio Dr. Teófilo. Braga.

Não ternos que nos preocupar 'com cousas mínimas. A nossa preocupação' neste momento era a de que o Governa se fizesse representar nesta Casa do Parlamento em todo o número, acompanhando a discussão deste projecto de lei de modo a que se não praticassem os inconvenientes apresentados pelos ilustres-Senadores Srs. Herculano Galhardo e-Dias de Andrade, porque, efectivamente, não me parece que seja um templo cristão o mais apropriado para servir de última morada ao grande morto.

Tenho dito.

O Sr. Augusto de Vasconcelos: — Sr. Presidente: o Sr. Ministro do Interior, a cuja primorosa educação prestamos todos a devida homenagem, é com certeza o primeiro a sentir-se mal, vendo-se só naquele lugar, neste momento desacompanhado do chefe do Governo, que tinha obrigação de aqui estar. A desatenção que isso representa para com o Senado e para com a figura que glorificamos é uma das cousas que não podem passar sem reparo; o eu faço o meu protesto como ele é merecido. Além disso as questões-que aqui se levantaram são de tal melindre que não eru demais que S. Ex.a aqui estivesse para responder por elas.

As questões de consciência levantadas pelo Srs. Herculano Galhardo e Dias de Andrade precisam duma decisão que seja de harmonia com os pontos de vista por S. Ex.a expostos.

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Sessão de 30 de Janeiro de 1924

por ocasião do funeral do grande poeta Guerra Junqueiro,. em que toda a assistência foi obrigada a esperar largo tempo que se decidisse onde é que haviam de ser colocados os gloriosos restos mortais.

Isto é que não pode repetir-se amanhã.

Sr. Presidente: para obviar a esse inr conveniente tinha apresentado um projecto de lei que estava pendente da Secção e que se hoje fosse votado daria excelente remédio a todas as objecções apresentadas, porque sem sair do templo dos Jerónimos temos meio de dar jazida condigna aos restos mortais de Teófilo Braga. Kefiro-me ao claustro do convento. Ficando ali ficam muito bem, porque ó um monumento arquitectónico dos mais belos que há no mundo e as objecções muito justificadas que foram apresentadas pelos Srs. Herculano Galhardo e Dias de Andrade desaparecem, o mesmo se podia fazer a Guerra Junqueiro.

Se algum dos grandes homens que ali sejam enterrados tiver sentimentos católicos nada se opõe que se lhe juntem as insígnias, os emblemas que representam essa crença que todos nós devemos respeitar.

Portanto, parece-me que esta solução prevê, dá remédio aos inconvenientes apresentados, mas o que é preciso é que uma decisão firme esteja tomada, para que amanhã'se saiba para .onde vão os restos mortais de Teófilo Braga.

O Sr. Querubim Guimarães:—Sr. Presidente: tenho também de intervir no assunto em nome deste lado da Câmara e fáço-o com muita prudência, com muito cuidado, visto o melindre da minha situação.

Trata-s e de um homem que foi alguém nesta terra, de um homem que se notabilizou numa determinada, época do país.

Trabalhador infatigável e espírito invulgar, Teófilo Braga legou à Nação uma obra notável. .. • :

Isso me faz curvar respeitosamente perante o seu cadáver.' .

Devo também por coerência associar-me aos protestos que aqui já foram apresentados pelos vários lados da Câmara, e dt-go por coerência, por que fui eu quem primeiramente levantou a voz nesta casa do Parlamento e ergueu o seu protesto contra o facto de se depositarem os res-

tos mortais de Guerra Junqueira — gran de glória nacional, não só da raça portuguesa, como até da raça latina— na Casa do Capítulo, junto do túmulo de Herculano, quando . por disposição da lei, cm face de um pacto contratual, firmado entre o Governo e a comissão encarregada de erigir esse monumento, só os despojos materiais do grande historiador ali podem repousar.

Infringiu-se a lei e nem por isso se deu a Guerra Junqueiro aquele condigno lugar, para repouso dos seus restos mortais, que ele merece, atendendo ao seu extraordinário espírito.

Não pode,ser. .

Sr. Presidente: além disso tenho também o dever como católico, dever de consciência, respeitável portanto, de protestar contra esse facto> visto não ser um templo o melhor lugar para última morada de um livre.pensador e ateu.

Esse meu dever alia-se àquele que me impõe o respeitar as convicções alheias ou a falta de crença dos outros.

Eespeitamos melhor a memória de Teófilo Braga não :o levando .para os Jerónimos.

• Disse há pouco o Sr..Dias de Andrade, e muito bem, que se porventura fosse interrogado em vida Teófilo Braga, sobre a .circunstância de um dia poderem ir os •seus restos mortais para o templo dos Jerónimos, certamente as duas qualidades preponderantes no espírito de Teófilo Braga se ergueriam protestando . veementemente: a sua consciência de livre pensador (porque isso ó sem dúvida nenhuma uma ofensa às suas convicções), e a sua •modéstia, a grandíssima modéstia que ele revelou sempre. em toda a sua vida (mas essa tínhamos que a pôr de parte porque os homens quando atingem certas culmi-•nâncias não pertencem a si próprios) pertencem à Nação.- .

Nós todos temos obrigação de respeitar a sua consciência e não o devemos levar para um templo católico, não tendo sido ele nunca um católico, e, pelo contrário, .tendo feito apontar sempre as suas críticas, por vezes muito severas e injustas e sempre muito lamentáveis, contra a igreja.

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Diário das Sessões do Senado

Estamos a continuar assim, transformando o templo dos Jerónimos num panteão nacional, e isso não foi ainda imposto por lei.

Há uma lei que determina que o panteão nacional seja noutra parte.

Se ate hoje não se conseguiu realizar •essa obra, a culpa é de todos aqueles que deviam contribuir com um pouco -do seu esforço e interesse para acabar esse monumento, trasladando-se então para lá os restos mortais desses portugueses ilustres.

Guerra Junqueiro está nos Jerónirnos ilegalmente, mas não indevidamente.

Foi um tremendo fnndibulário contra a igreja, também, mas morreu arrependendo-se do mal que fizera.

Levando o seu corpo para o formoso templo do Belém não sentiu repugnância alguma o meu espírito de católico, porque Guerra Jnnqueiro, antes de para lá ir e antes de vir para o Congresso da República, esteve num templo de Lisboa.

Com Teófilo Braga não sucedeu outro tanto.

Manteve-se sempre até ao fim inalterà-velmente o mesmo, sem crenças religiosas e, pelo conirário, afirmando-me sempre contrário a elas.

Nestas condiçSes, Sr. Presidente, Teófilo Braga não está bem no templo dos Jerónimos.

Isso é uma falta de respeito pela sua memória, e uma ofensa à consciência católica do país.

Sr. Presidente: £ porque é que ainda até hoje não se edificou esse Panteão Nacional.

Diz-se a cada passo que as obras de Santa Engrácia são intermináveis, e até a propósito de qualquer cousa que não tenha fim já se costuma dizer: é como as obras de Santa Engrácia.

Pois, Sr. Presidente, permita-me V. Ex.a esta divagação: é lamentável que não se consiga realizar essa obra, e que onde deve erguer-se o panteão nacional esteja uma oficina de sapateiro, prejudicando e amesquinhando um lugar que drvia ser respeitado, justamente por haver sido escolhido para receber de futuro as glórias nacionais.

Eu não sei que circunstâncias de favor permitam um tal estado de cousas f não levem o Governo a retirar dali essa oficina

e contribuir com um pequeno esforço para encetar essas obras do panteão.

; Tanto dinheiro que se tem mal gasto neste país, tanto desperdício, e até hoje, em 13 anos de República, não se conseguiram colocar os primeiros alicerces desse edifício!

Se tal se tivesse feito, não havia estes protestos, e não estava o país inteiro assistindo ao espectáculo doloroso de estarmos neste momento discutindo tal assento com o corpo de Teófilo Braga, em câmara ardente, nesta casa.

Sr. Presidente: curvo-me respeitosamente perante a memória de Teófilo Braga, curvo-me respeitosamente perante o seu espírito, 6 desejaria que fosse escolhido um lugar condigno do seu alto valor e da sua mentalidade, que não o templo dos Jerónimos, para onde o levaram, arrumando-o a um canto, como já se fez a Junqueiro, profanando-se assim aquele lugar e profanando-se também a memória respeitável do homenageado.

Como disse o Sr. Herculano Galhardo, colocam-se a um canto da Casa do Capítulo esses homens para que os estrangeiros, ao visitarem a formosa capela e ao verem aí aqueles caixões, preguntem quem são e lhe respondam: «esses homens são os grandes portugueses Guerra Junqueiro e Teófilo Braga».

Francamente, Sr. Presidente, isto ó desolador e vergonhoso para nós.

Associo-me, pois, a todos estes protestos e 'faço votos porque haja por parte do Governo uma feliz inspiração que o leve a resolver o problema e a evitar da melhor maneira situações críticas.

A proposta que -apresentou o Sr. Augusto de Vasconcelos é aceitável, que em-quanto se não erigir um panteão nacional., os restos mortais dos nossos grandes homens fiquem nos claustros dos Jerónimos.

É um lugar condigno e não se ofenderá ninguém com isso.

Tenho dito.

O orador não reviu,

O Sr. Ramos da Cosia:—À proposta que o Governo apresenta dou o meu voto, porque na situação actual não lho posso negar.

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Sessão de 30 de Janeiro de 1924

a pouca consideração que o Poder Executivo mostra por esta Câmara.

Em 20 de Abril de 1916, foi publicada no Diário do Governo uma lei, aprovada pelo Parlamento, mandando entregar imediatamente ao Ministério do Comércio o incompleto templo de Santa Engrácia para ali ser instalado o Panteão Nacional.

São passados perto de oito anos e, apesar de instâncias minhas, nesta e na outra casa do Parlamento, para que se cumpra essa lei, isso não se tem feito.

Não se pode compreender que o Poder Executivo se recuse a cumprir uma lei votada pelo Parlamento!

A razão principal que tem obstado a que se aplique aquele templo a Panteão Nacional é cómica e é até vergonha di-zê-lo.

É porque se instalou ali uma sapataria.

Isto é ridículo.

Isto não tem classificação. Eu peço ao Sr. Ministro do Interior que tome nota destas minhas considerações para as transmitir ao seu colega da Guerra. Ainda há pouco tempo que eu aqui me referi à lei de 20 de Abril de 1916, sem que ninguém tivesse atendido ao que eu disse.

O cadáver de Teófilo Braga vai ficar numa casa imprópria no edifício dos Je-rónimos, devendo repousar no Panteão que a lei criou.

Porque não vai?

Porque ainda não sofreu as obras de adaptação de .que carece o edifício de Santa Engrácia. . • : -. -

Devem evitar-se estes factos.

Todos têm o direito de pensar como quiserem,, e forçar um indivíduo não católico a permanecer num templo católico não ofende só os católicos como os livres pensadores. ;

É preciso que de futuro se evite isto.

Assim o Sr. Ministro da Guerra que empregue os seus esforços.para levar ao cumprimento a lei de 20 de Abril de 1916 que manda entregar ao Ministério do Comércio o templo de Santa Engrácia para* ali ser instalado o Panteão Nacional.

O Sr. Procópio de Freitas:—Não estava presente à sessão em que se prestou homenagem a Teófilo Braga, de contrário ter-me-ia associado sinceramente a essa homenagem. • "

Kelativamente à proposta em discussão, é também bastante contrariado que dou o meu voto ao artigo 2.°, porque estou bem convencido que a sua aprovação vem ofender as ideas de Teófilo Braga que manteve até ao fim da vida.

Como não há panteão nacional, vejo-me forçado a dar o meu voto à proposta nas condições expostas.

Não ficava bem com a minha consciência se não fizesse esta declaração.

O Sr. José Pontes: —Não quero deixar de me associar às palavras de protesto aqui ouvidas. Elas vão contra a maneira por que o Poder Executivo trata este caso.

Sr. Presidente: eu ainda não andava na política, já ouvia dizer que o Senado era uma assemblea legislativa de alta importância, muito criteriosa, uma Câmara onde se trabalhava e onde todas as pessoas se respeitavam.

Ouvi dizer que, na República, era o melhor que havia.

Vim até esta casa do Parlamento, acostumei-me a trabalhar com os meus colegas, acostumei-mô ao trabalho produtivo desta Câmara, e se mais se não faz é porque se não pode,

O que nesta Câmara não há é a agitação, a vida e o calor que tem a Câmara dos Deputados.

Sucede até que alguns Srs. Senadores abandonam a sua Câmara para irem para a Câmara dos Deputados assistir às sessões. Deixam-nos completamente em liberdade muitas vezes em que se está procedendo à revisão de leis importantíssimas, e que necessitavam ser passadas pela fieira, com todo o critério. E o Poder Executivo sistematicamente abandona--nos.

Apoiados.

E nesta sessão de hoje foi preciso que o telefone trabalhasse para que um representante do Governo aqui viesse.

Apoiadas.

Isto não pode continuar e eu estou convencido' de que esta Câmara nunca mais consentirá em tal.

Apoiados. •' -

Não pode ser!

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Diário dat. Seê»Õet do Senado

siderações têm sido ouvidas por uma criatura altamente republicana, o Sr. Sá Cardoso, ilustre Ministro do Interior, nós havemos de acabar em saata paz, e quando daqui a meia hora .nós ouvirmos o Sr. Ministro do Interior, ficaremos convencidos de q*ie não há razão para as nossas queixas.

Os problemas versados pelos Srs. Her-culano Galhardo e Dias de Andrade são dois problemas importantíssimos, são duas cousas máximas diante da consciência nacional, e, no entanto, nós em cinco minutos, sem termos a colaboração daquelas que aqui de viam .estar, vamos talvez resolvê-los.

Não se pode admitir que se queira obrigar esta Câmara a fazer em quatro horas aquilo que os outros levaram quatro meses a realizar.

Apoiados.

E já que, há pouco, falei na imprensa, permita-se-me que diga que a imprensa é um reflexo da vida de todos nós. A imprensa vive um pouco çle traballi^T para todos, e infelizmente a imprensa não pode vir trabalham para o Senado porque são os. próprio s que para aqui vêm, que a não prestigiam.

No jornal Diário de Lisboa* vai0 publicada uma frase desprimerosa para esta a.lta assemblea legislativa, frase a que, estou convencido, foi absolutamente estranho o diíecior desse jornal, de quem eu fui companheiro bastante tempo.

Foi noiaeada uma comissão para tratar do funeral do Dr» Teófilo Braga, comissão de que fazem parter como sempre os grandes jarrôes. da Kepúbdica mas o que é verdade é que naxla disso foi feito em concordância das dvuts cas^s do Parlamento.

JL preciso não estarmos tam desassocia-dos uns dos outros, que 1180 se resolva definitivamente qualquer assunto, sem as duas .Câi»asa& serem ouvidas»

Todos esses trabalhos devem ser feitos pelas duas casas, e é assim, trabalhando no interesse da, Pátfia e agarrados à Constituição, qa& nos podemos fazer um trabalho profícuo, evitando essa campanha contra o Parlamento, que algumas vezes tem razão do ser por-que encontram base para,isso*

Entretanto, como há pouco se disse, fazem' essa.; guerra ao Parlamento e falam

contra ele pessoas que ainda são parlamentares, o que quere dizer que o Parlamento não é tam mau como dizem.

O Sr. Joaquim Crisóstomo : — Eu não quero também deixar de manifestar o meu modo de pensar sobro a questão suscitada pelo Sr. Herculano Galhardo.

Apenas duas palavras, porque a dis: cus são vai longa.

Entendo que Teófilo Braga, não tendo frequentado igrejas ou capelas, e indo os seus restos mortais para Santa Maria de Belém, importa numa ofensa para a sua memória,

Apresentou o Sr. Augusto de Vasconcelos uma fórmula tendente a conciliar este caso. Ora, creio bem que ele harmonizará todos os interesses e resolverá o assunto.

O Sr. Alfredo Portugal: — Falo em meu nome pessoal. Serei breve no que tenho a dizer;

Concordo em absoluto com a maneira de ver acerca do assunto em discussão apresentada pelo leader da minoria nacionalista, Sr. Augusto de Vasconcelos, por me parecer essa a maneira talvez melhor de não ofender a consciêacia dos católicos.

Depois disto, permita-me V. Ex.a que que eu também seja daqueles que venham juntar os meus protestos aos demais protestos formulados, e, assim, que me in-surja contra as desconsiderações -que, propositadamente ou não, têm sido feitas a esta Câmara.

Ao ssr nomeada a comissão que deverá dirigir o* funerais de Teófilo Braga, nem ao menos se lembraram de que esta Câmara também nela devia ser representada, e que existiam aqui também representantes dos Açores, terra desse grande escritor.

Que o meu protesto vá também contra a forma como a comissão nomeada, ou quem quer que seja, procedeu para com o digno Presidente do Senado, pois, segundo já ouvi dizer, nem foi pedida licença a S. Ex.a, que é o Presidente do Congresso, para que o cadáver desse morto ilustre pudesse vir para este edifício.

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Sessão de 80 de Janeiro de 1924

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mesmos aqueles dos meus colegas que anteriormente se manifestaram. Tenho dito.

O Sr. João Carlos Costa: — Si*. Presidente : já há tempo reclamei contra o facto de a Biblioteca do Congresso da República pôr entraves ao fornecimento de quaisquer publicações para estudo dos1 Srs. parlamentares. Só tenho, portanto, de confirmar as considerações que então fiz.

Existe uma portaria, decreto, ou o quer que seja, que determina que o mosteiro dos Jerónimos possa servir de panteão, e fixando até as condições em que para ali devem entrar os corpos.

Ora, se a Biblioteca não tivesse posto dificuldades ao fornecimento da respectiva legislação, é possível que eu agora pudesse citar a portaria ou diploma que regula Cste caso.

Há realmente qualquer disposição publicada a este respeito, que não posso precisar, por culpa, repito, da Biblioteca do Congresso»

Eenovo o meu pedido à comissão administrativa do Congresso da Republica para que dê as suas ordens a fim de que, quando algum parlamentar requisitar da Biblioteca qualquer publicação ou documento para estudo/esta lho forneça imediatamente.

O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso):— Sr. Presidente : é naturalmente delicada a minha situação no momento presente, e, em boa verdade, eu poderia perfilhar todas as palavras proferidas pelos oradores que me antecederam no siso da palavra, a não ser uma frase pronunciada por quási todos, e que eu seria obrigado a repudiar em absoluto. Refi.ro--me à parte em que o Senado se julga ofendido pelo facto da falta de presença -dos membros do Governo às suas sessões, e, em especial, por hoje não ter comparecido nenhum membro do Governo. " :

Ora o Senado sabe bem que o Sr. Presidente do Ministério tem tido um trabalho constante janto do Senado, principalmente nas Secções. Desse trabalho tem colhido a mais agradável impressão, que 1em transmitido aos seus colegas de Gabinete. E quando um homem desta esta-

tura transmite espontaneamente aos seus colegas o agrado e a satisfação da forma como o Senado trabalha e procede para com o Governo não pode haver da sua parte a menor intenção de agravo.

Quási todos V. Ex.as, porque já foram Ministros ou secretários de Ministros, sabem bem que os Ministros, quando o Parlamento está aberto, não têm quási um minuto de seu de que possam dispor.

Eu por.-mim falo. Ainda há pouco, quando me chamaram para assistir à discussão desta Câmara, eu estava assoberbado com trabalho, mas imediatamente pus de parte esse trabalho para correr, pressuroso, junto do Senado, a fim de o acompanhar na sua discussão e gostosamente satisfazer os seus desejos.

Eu julgo-me numa situação especial para falar dcsassombradamente ao Senado, porque, tendo eu já tido uma vez a honra de ser Presidente do Ministério, timbrei sempre em ter para com esta Câmara aquele respeito e aquela amizade que os seus membros merecem como pessoas e como membros do Corpo Legislativo. Creio mesmo que pratiquei para com o Senado um acto que talvez ninguém mais tenha praticado, qual foi o de vir aqui dar uma explicação, estando já^demissiouário. Portanto, quando se procede desta forma, não há o menor direito de ser acusado de menos respeito pelo Senado.

O Sr. Ribeiro de Melo: — Os reparos são para os colegas de V. Ex.a

O Orador: — Afirmo que todos os meus colegas no Governo têm pelo Senado a mesma consideração que eu sinto por V. Ex.as ••

O Sr. Alfredo Portugal: — Há colegas de V. Ex.a que ainda aqui não entraram.

O Orador: — Quando V. Ex.as pedirem a minha comparência, tenham a certeza de que eu aqui virei imediatamente. O que os Ministros não podem ser é tam assíduos quanto V. Ex.as desejariam, mas, isso é devido aos muitos afazeres que nos assoberbam.

Mas, entremos agora propriamente na questão que se debate neste momento e que é realmente importante.

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Diário das Sessões do Senado

Mas eu dt>vo dizer que o Governo foi colhido de snrpreza com a morte do grande português que foi Teófilo Braga, e não só o Governo, como toda a Nação, e nessa conformidade encontrou-se na Câmara dos Deputados na necessidade urgente de resolver imediatamente o caso. cuja resolução se ressentiu naturalmente da precipitação. Foi preciso redigir ima lei e desse alan, dessa precipitação, resultou a nomeação de uma comissão composta também ad hoc. • Mas eu posso garantir, e até invocar a minha palavra de honra, que não houve a menor desconsideração por não ter sido nomeado nenhum membro do Senado para. fazer parte dessa comissão. Tirem V. Ex.ai da sua idea a possibilidade de haver a menor sombra de desconsideração. Garanto em meu nome e no de todo o Governo.

Incontestavelmente não faz sentido que o Dr. Teófilo Braga, tendo sido livre pensador, vá para a igreja do Jerónimos, mas a verdade é que, sem ser por culpa do Governo, não há panteão.

Eu tenho uma vaga idea de que havia qualquer disposição legal mandando considerar o mosteiro dos Jerónimos como panteão nacional; não me atrevo a afirmá-lo, mas desde que o Sr. Carlos Costa me avivou a memória, vejo que realmente não estava em erro.

O que é facto, porém, é que isso não remediava o caso, porquanto, pelo facto do mosteiro dos Jerónimos ser panteão nacional, não deixa de ser um templo, não podendo para lá ir pessoas que nunca foram religiosas.

Uma voz:—E-que repudiavam essas ideas.

O Orador : — As considerações do Sr. Herculano Galhardo foram incontestavelmente muito hem cabidas, em chamar a atenção do Governo para o lugar onde foi colocado o cadáver de Guerra Jun-quçiro, mas a verdade é que eu fui dos que pretestaram por se ter colocado o codáver de Guerra Junqueiro a um canto da casa do capítulo, que é monumento de Alexandre Herculano.

Neste momento, creio que evitaremos um caso desta natureza, e que a proposta do Sr. Augusto de Vasconcelos, alvitran-

do que Teófilo Braga seja provisoriamente depositado nos claustros do mosteiro é absolutamente de receber e a todos satisfará até que-tenhamos ocasião de construir um panteão nacional.

Até aijui não se tem conseguido isto.

E uma vergonha; e se ela se não evitou até aqui, einquanto eram permitidos alguns desperdícios, hoje, quando a senha é comprimir despesas, muito mais custará evitá-la.

O edifício de Santa Engrácia não está eln condições de receber os restos mortais de nenhum desses homens ilustres, e se se pusesse lá algum tinham de se fechar as portas, para que se não assistisse ao espectáculo deprimente, algum estrangeiro que conseguisse lá entrar, de ver como tratávamos um dos primeiros portugueses da nossa época.

Eu creio, Sr. Presidente, que, tenda tomada em atenção os protestos apresentados pó:: V. Ex.as e dizendo que os vou recomendar insistentemente ao Sr. Presidente do Ministério, respondi às considerações que V. Ex.as fizeram.

Há porém uma a que eu, sem ter a honra de ser Senador, tenho contudo de me associar: é aos protestos feitos contra um jornal de Lisboa que se permitiu atacar esta alta Câmara, e que representa uma injustiça mais flagrante porque partiu de um jornal republicano.

,:Pois então o único homem que em Portugal teve a honra de ser duas vezes Chefe do Estado poderia ter sítio mais condigno que o Parlamento para estar antes fde descer à última jazida?

É extraordinário de audácia o artigo publicado dizendo que não é ôste o lugar onde estava bem.

En associo-me aos protestos apresentados no Senado em nome do Governor que, não fazendo parte do Legislativo, é todavia um dos Poderes do Estado.

Vozes:—Muito bem, muito bem.

O Sr. Augusto de Vasconcelos (para explicações): — Agradeço ao Sr.Ministro-do Interior as suas explicações.

Disse eu que a primorosa educação de-S. Ex.a se sentiria mal com a situação-que lhe foi criada.

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Sesaâo de 30 de Janeiro de 1924

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Aceitou S. Ex.a o alvitre que eu propus. E registo essa opinião do Governo.

Suponho que assim se irá fazer, e que se evitará por esta forma uma anomalia que feriria profundamente o sentimento católico, e que feriria a memória da alta personalidade que estamos glorificando.

Disso mais S. Ex.a que o Sr. Presidente do Ministério estava dirigindo os funerais.

Eu quero crer que não foi S. Ex.a certamente que ordenou, sem conhecimento do Presidente do Congresso, que o cadáver de Teófilo Braga viesse para este edifício. S. Ex.a certamente desejaria ter sido Cie quem desse essa autorização, mas estranhou que semelhante decisão fosse tomada sem se ter a menor atenção

para com a alta figura dentro da República que S. Ex.a realmente é.

Foram lidos e aprovados sem discussão os artigos 2.°, 3.° e 4.°

O Sr. Vicente fiamos pediu a dispensa da leitura da última redacção, o que foi aprovado.

O Sr. Presidente: —Os funerais do Sr. Teófilo Braga são amanhã às 12 horas '.

Nomeio para representar o Senado nesses funerais os Srs.: Silva Barreto, Herculano Galhardo, Augusto de Vasconcelos, Mendes dos Reis, Vicente Ramos e D. Tomás de Vilhena.

A próxima sessão é no dia 6.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas « 45 minutos.

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