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REPÚBLICA
PORTUGUESA
DIÁRIO DO'SENADO
SIESSJLO HST.° 46
(NOCTURNA)
EM 8 DE ABRIL OE 1924
Presidência do £x.BO Sr. António Xavier Correia Barreto
(Yirgoiino Ferraz Chaves
Secretários os Ex.mos Srs.
Sumário. — A sessão abre á» 21 horas e 50 minutos com 28 Srs. Senadores presentes. Lê-se e aprova-se a acta da sessão anterior.
Ordem da noite.—Prossegue a discussão da proposta de lei sobre o inquilinato.
Falam os Srs. Machado Serpa, Medeiros Franco, Ferras Chaves, Procôpio de Freitas, Pereira Osório e Oriol Pena.
Abertura da sessão às 21 horas e 40 minutos. Presentes à chamada £8 Srs. Senado-
res.
Entraram durante a sessão 14 Srs. Senadores. faltaram 29 Srs. Senadores.
Senadores presente* à aòertura da *eê»ão:
Afonso Henrique» do Prado Castro e Lemos. Alfredo Narciso Marcai Martins Portu-
gal.
António da Costa Godinho do Ama* ral.
António Maria da Silva Barreto. António Xavier Correia Barreto. Artur Augusto da Costa. Artur Octávio do Rogo Chagas. Cósar Procópio de Freitas. Constantino José dos Santos. Duarte Clodomir Patten de Sá Viana. Elisio Pinto de Almeida e Castro. Ernesto Júlio Navarro. Francisco António de Paula,
Oriol
João Pessanba Vaz das Neves
Francisco José Pereira. Francisco Vicente Ramos. Frederico António Ferreira de Simas. João Manuel Pessanha Vaz das Neves. Joaquim Pereira Gil de Matos. Joaquim Xavier de Figueired( Pena.
José António da Costa Júnior.
José Augusto de Sequeira.
José Duarte Dias de Andrade.
José Joaquim Pereira Osório.
José Machado Serpa.
José Mendes dos Reis.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Querubim da Rocha Vale Guimarãei.
Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão;
Aníbal Augusto Ramos de Miranda. António Gomes do Sonsa Varela.
António de Medeiros Franco.
Augusto César dó Almeida Vasconcelos Correia.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
João Carlos da Costa.
João Catanho de Meneses.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
José Augusto Ribeiro de Melo.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Nepomuceno Fernandes Brás.
Luís Inocôncio Ramos Pereira.
Silvestre Falcão.
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Diário dat Sessões do Senado
Srs. Senadores que não compareceram à sessão:
Abílio de Lobao Soeiro. Álvaro António de Bulhão Pato.' António Alves de Oliveira Júnior, Aprígio Augusto de Serra e "Moura. Augusto Casimiro Alves Monteiro. Augusto Vera Cruz. •César Justino de Lima Alves. (Francisco Xavier Anacleto da Silva. Herculano Jorge Galhardo. João Alpcim Borges do Canto. João Maria da Cunha Barbosa. João Trigo Motinho. .Joaquim Manuel dos Santos Garcúi. Joaquim Teixeira da Silva. Jorgo Frederico Veloz Caroço. José Joaquim Fernandes Pontes. Júlio Augjsto Ribeiro da Silva. Júlio Ernesto de Lima Duque. Luís Augusto de Aragão e Brito. Luís Augusto Simões de Almeida. Manuel Gaspar de Lemos. Nicoluu Mesquita. .Raimundo Enes Meira. Ricardo,Pais Gomes. Roberto da Cunha Baptista. Rodolfo Xavier da Silva. Rodrigo Guerra Alvares Cabral. Vasco Crispiniano da Silva. Vasco Gonçalves Marques.
•O Sr. Presidente (às 21 horas e 00 minutos) : — Vai proceder-se à chamada.
O Sr. Presidente (às 21 horas e õõ minutos):— Estão presentes 28 Srs. Senadores.
Está aberta a sessão.
Foi Ufa. e seguidamente aprovada, smi discussão, a acta da sessão anterior.
O Sr. Presidente : — Continua em -lis. ícussiio, na generalidade, o parecer n.° 542, ,e tem a palavra o Sr. Machado Serpa.
vt)!&r. Machado Serpa: — Sr. Presidente: este projecto. — pode dizer-se, salvo •o- devido respeito— que tem àuas edições :- uma da autoria do Sr. Catanho de Meneses, '6 outra, mais correia e aumentada, da lavra do Sr. Ministro da Justiça. Este projecto, Sr. Presidente, têm por áim resolver o problema do inquilinato;
porém, creio que nem o autor da primeira edição, nem o autor da segunda acreditam em tal, pois, o problema do inquilinato é muito complexo, não só entro nós, mas em todos os .países estrangeiros. Haja eui vista o que se está passando na Inglaterra, em que a propósito do inqui-Iina1'o uma simples emenda feita e patrocinada pelos parlamentares conservadores, tornou periclitante a situação do Governo trabalhista. E o que se dá na Inglaterra tem-se ds.do em França e em todos os países que têm promulgado leis sobre este assunto.
Este projecto, a meu ver, e creio que será ôste- o parecer de toda a gente, não passa ds uma medida ocasional; de uma lei -lê ccasião. e tanto assim, Sr. Presidente, cue o Sr. Ministro da Justiça já declarou que ele apenas se destina a servir até i, promulgação de uma nova lei.
Foi por isso que eu na 2.a Secção do Senr.do, a que tenho a honra de.pertencer, a Mi rei que o Parlamento não se diminuiria, nem se desprestigiaria, se votasse uma autorização ao Governo, 'como inui-ías cutríis que lhe tem votado, no sentido de ele te mar providências tendentes a regular a situação dos senhorios e incfuili-nos; porém, com grande, espanto meu. ouvi ao Sr. Ministro dizer que não pedia tal autorização ao Parlamento, mas que se ele a votasse, se comprometeria a. dentro d-3 um mês, apresentar um pro-iect;-, tanto quanto poissível completo, sobre o inquilinato, pois que muitos homens de negócios e gananciosos se tinham coligado para .a. aquisição de prédios & cujos des-pejos procediam, auferindo dos respectivos traspasses aquilo que muito bem entendiam" .dever íeceber,
O Sr. Ministro da Justiça pretende pôr cobro a este abuso de verdadeiros bandoleiros. Acho bem, muito embora esteja convencido de que essas sociedades .de malfeitores não são ainda em tam grande número, como se supõe. Em todo o caso basta existir unia só pa,ra se justificar a enérgica intervenção dos poderes públicos.
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Sessão de 8.de Abril de 1924
Sr. Presidente: passando agora sobre algumas disposições da proposta das quais discordo em absoluto, tais como a da retroactividade estabelecida por vários dos seus preceitos, vou referir-me a uma delas que, mais do que qualquer outra, fere a minha atenção e sugere os meus reparos.
O Sr. Ministro da Justiça, que com a sua presença honrou essa reunião da Secção, consigna na sua proposta o princí-cípio de que ficam suspensas não só as acções de despejo intentadas nos tribunais, mas igualmente as execuções de sentenças já proferidas.
Isto é uma novidade.
Talvez não fosse despropositado pre-guntar se esta disposição é ou não constitucional, porque haverá muita gente que a considere inconstitucionalíssirna. Demais, a Câmara sabe melhor do que eu que a Constituição,' bem ou mal, e a meu ver mal, considerou um dos poderes do Estado o Poder Judicial.
Esse Poder não devia constituir um Poder independente, mas pela Constituição, pela Carta Constitucional e por certas constituições estrangeiras, esse Poder é independente, mas não o é, desde que por uma penada o Poder Executivo pode transferir um juiz.
O Parlamento não pode, sem infringir as leis, suspender uma sentença dos tribunais, porque a Constituição marca os casos em que a sentença pode ser suspensa. O caso do indulto, por exemplo.
Dirá o Sr. Ministro que uma cousa são as sentenças e os crimes, que afectam ou ferem a sociedade e outra são as sentenças por processos cíveis. Mas desde que o lesado não esteja convencido de que o Poder Judicial pode fazer executar as suas sentenças, francamente não.valerá a pena recorrer a juízo.
Este ponto podia dar lugar a muitas divagações, por ser de singular importância e ainda porque a Constituição num artigo, que não estava na Carta Constitucional nem está em nenhuma constituição da Europa e só na americana, diz que a requerimento da
Sr. Presidente: eu pregunto se, passando este artigo tal como está redigido, se pode evitar a execução de uma sentença com trânsito em julgado.
V. Ík.as estão a ver os embaraços que-semelhante disposição vai causar ao Pò^ der Judicial.
Sr. Presidente: ao pedir a palavra,, fi--lo com o propósito firme de provocar da. parte do Sr. Ministro da Justiça um esclarecimento sobre este ponto, devendo acrescentar que não terei dúvida em votar este artigo se as luzes do espírito esclarecido de S. Ex.A iluminarem o meiu
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Medeiros Franco : — Sr. Presidente: poucas palavras vou pronunciar acerca da proposta em discussão, já por-•que não desejo demorá-la, já porque oe-ilustres oradores que me antecederam no uso da palavra a ela se referiram por uma forma tam alevantada que, demorá--la com palavras minhas, que pouco valem, seria prejudicar a questão.
Sr. Presidente: desde que esta proposta entrou em discussão, tenho ouvido», constantemente nesta Câmara a afirmação' — que já se me afigura banal— de que c-problema do inquilinato é o mais grave' que actualmente preocupa a vida portu-
Que é o que mais tem apaixonado a vida portuguesa não há dúvida, porque todos nós somos senhorios ou inquilinos, porque todos nós somos parentes de uns ou doutros, ou porque somos as duas cousas.
Más, Sr. Presidente, eu não pretendo demorar a discussão desta proposta, que deve ser orientada no sentido de se proporcionar um justo equilíbrio entre os interesses antagónicos que nela se debatem..
Assim, em minha opinião, ela tem um. tríplice objectivo, o primeiro dos quais,. da autoria do ilustre relator, visa a manter a toda a gente o direito ao lar, para o que se estabelece que a transmissão d& propriedade, quando esteja dada de arrendamento, embora este não conste de título autêntico ou autenticado, não determina a rescisão do contrato.
Na especialidade tratarei deste caso-
O objectivo deste projecto é garantir & todos habitação, e aos senhorios garantir-lhes uma renda equitativa, pelo uso e fruição da propriedade arrendada.
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Na minha opinião, não, Sr. Presidente. Eu não quero demorar a questão, mas não me levexn a mal que eu também j homem de foro, embora modesto, mas com a minha experiência dos tribunais, diga alguma cousa, de conhecimento próprio. O que vou dizer ó interessante para o Senado, e pode ser que das minhas palavras resulte qualquer cousa de útil, não porque o espírito esclarecido do Sr. relator disso precise, mas porque a sua boa vontade e a colaboração do Sr. Ministro da Justiça poderão fazer alguma cousa de viável.
Sr. Presidente: há um caso que eu julgo que é preciso atender.
Por morte do arrendatário que só tenha herdeiros no Brasil ou em S. Miguel, a minha terra, passa o arrendamento para esses, e assim é o senhorio especulado; não me parece que seja este o espírito do legislador.
Isto não é razoável. E preciso —não sei se o Senado compreende bem a minha dúvida— é preciso que não vamos cair num gâckis, indo garantir aos herdeiros que não são parentes o poderem valer-se desta disposição da lei, apoderando-se de uma habitação de que não necessitam.
Quando se tratar da especialidade, apresentarei uma proposta destinada a obviar a esto gravíssimo inconveniente.
Este projecto, como já tive ocasião de dizer, tem tríplice objectivo; e para o demonstrar tenho necessidade de me referir aos seus artigos. O que se pretende? Suspender as acções de despejo e execuções.
Concordo com a suspensão cãs acções de despejo e com as execuções, mas n£U> concordo com a suspensão daquelas acções cujos direitos já estão determinados.
Apoiados.
Vamos, porém, por étapes: não queiramos tudo de uma vez.
Pretende-se manter a toda a gente as habitações e dar aos proprietários uma justa compensação. Não subvertamos os princípios.
£ Então o Poder Judicial vai ficar amarfanhado nas mãos do Poder Legislativo?
Não é independente?
Só podemos manter esta disposição com respeito às acções que não estejam declaradas.
Quando as sentenças estão em curso, não estão declaradas.
l Qiiando o Poder Judicial declara que mais nada há u fazer, porque os direitos do autor estão definidos, como é que havemos de consentir, de ânimo leve, que fiquem suspensas as acções?
iiiste critério não me agrada.
Voto com muito prazer a parte referente à suspensão das acções.
Nem isso é caso virgem; nem mesmo pode dizer-se que ofenda profundamente os direitos de cada um; porque quando as acções se suspendem, quando julgadas ou a julgar, ainda se não sabe quem tem o melhor direito, visto que quem dá o melhor direito é o Poder Judicial, de que não há recurso.
O Sr. Machado Serpa:—Ofende a bolsa!
O Orador (continuando): — Tanto na nossa legislação como na de outros países, não ó caso virgem a suspensão das acções; e demais ainda estou convencido de que a proposta de lei que discutimos é unia proposta de circunstância.
Efectivamente, esta proposta nã"o é nem pode se:r uma medida de carácter permanente, de carácter definitivo, porque se assim fosse seria de uma gravidade estupenda para todos nós.
Estou convencido de que o ilustre Ministro da Justiça pensa, como nós, que esta medida é apenas de momento e que teria grande prazer ein que o Senado lhe votasse bases dentro das quais S. Ex.a pudesse elaborar num prazo curto de 90 ou mesmo 120 dias, ouvindo as entidades competentes, uma proposta ou um código do inquilinato, que conciliasse os interesses de inquilinos e senhorios.
Eu tenho um grande nmor às instituições parlamentares, e efectivamente entendo que depois que fui eleito devo cumprir fiel e apaixonadamente os deveres do meu cargo.
Tenho estado aqui constantemente trabalhando, fazendo todos os esforços para prestigiar a instituição, porque, assim, a mim próprio me prestigio.
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o País só poderá ter um código do inquilinato quando nós votarmos ao Poder Executivo uma autorização para o elaborar, dando-lhe as bases para isso.
Para o Parlamento, e nisto não vai ofensa para ninguém, tal tarefa seria impossível; e, se acaso a conseguíssemos, ela seria — perdoe-se-me o plebeísmo—-como uma manta de retalhos a deixar ver por todos os buracos os interesses em jogo de uns e de ontros.
Nós, como homens, estamos subordinados a paixões a que não podemos ré-* sistir; recebemos representações todos os dias, temos amigos que nos -expõem os seus objectivos e os seus pontos de vista; e por isso necessitaríamos de ser de bronze ou de granito para nos não -deixarmos mais ou menos influenciar pela opinião dos outros.
Sr. Presidente: a hora vai. adiantada e eu não quero alongar-me em vastas considerações ; todavia existe nesta proposta um parágrafo ao qual não posso deixar de fazer uma especial referência.
O Sr. relator melhor do que eu explicará à Câmara o que quis dizer com este parágrafo; quanto a inim, como advogado, se tivesse de intentar uma acção eu não me julgava atingido por'ele.
Como V. Ex.a reconhece,'por este parágrafo não se evita o que o -Sih:>Felator queria evitar.
Trocam-se apartes^
O Orador: — Praticamente o Sr? relator verificará que esse aumento de renda de nada valerá.
Sinto-me fatigado e em breve vou terminar, mas antes disso quero referir-me a um outro ponto.
£ Quais os efeitos resultantes do-.paga*, mento da renda? • • , • -
A proposta em discussão nada nos diz: a tal respeito.- Pelo Código Civil nós -sabemos quais são esses efeitos; o inquilino paga a renda e a acção fica suspensa:-
Mas há mais. Se a acção foi intentada com o fundamento de falta do pagamento da renda, depois de o autor estar pago <_ que='que' a='a' morreu='morreu' ou='ou' vida='vida' uma='uma' de-='de-' dito='dito' jurídico='jurídico' o='o' p='p' cousa='cousa' por='por' dando='dando' fantasia='fantasia' dar='dar' absurdo='absurdo' não='não' cometer-se='cometer-se' vai='vai'>
Sr. Presidente: creio ter surpreendido o objectivo da proposta. E. porque disso -estou convencido vou procurar derivá-lo
num sentido que se me afigura mais justo e razoável, apresentando na devida altura, algumas propostas de emenda, que hão de merecer, estou certo, a aprovação do Senado.
Por agora limito-me a chamar a atenção da Câmara para a proposta que se discute, proposta cujo principal objectivo não pode deixar de ser simpático a esta casa do Parlamento, visto quê nela se consigna e1 acautela o*direito ao lar.
O Sr. Ministro da Justiça, que trouxe até nós a proposta em questão, pode contar com o meu apoio decidido à sua. desassombrada iniciativa. Todavia bom é que se acentue que-se trata tam somente de uma medida de circunstância, aconselhada pelas condições anormais do momento presente, que deve durar apenas até à promulgação de um código do inquilinato, cuja elaboração se impõe insistentemente.
Uma voz:—Isso só daqui a dez anos. Apartes.
O Orador:'—Eu não sou tam pessimista e entendo que podíamos dar uma autorização ao Sr. Ministro da Justiça para elaborar um código do inquilinato.
De resto, estamos já a catorze anos da República e, ainda não temos um Código Administrativo da República.
Apartes.
Sr. Presidente: não quis deixar de me referir a' este ponto, e devo dizer que dou o meu voto à proposta com as modificações que entenda necessário fazer-lhe, mas também entendo que é necessário armar o Poder Executivo com as devidas faculdades para no menor espaço de tempo apresentar ao País um código do inquilinato.
Apartes. ,=• • •
O Sr. Alfredo Portugal (interrompendo}:— É veígonhoso que isso se faça, pois parecerá que não temos capacidade para fazer uma lei do inquilinato. Além disso; .quando se dá uma autorização a um Governo, ele quási sempre abusa dessa autorização;; •;' -,>-.. , • Apartes, --l •' •••-'*•••--• .;•-•'•,-. •• •• •'
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Diário das Sessões do Senad&>
nessa autorização para esse código podemos marcar certas bases para não haver abusos.
Eu sei quo o Parlamento é extremamente cioso dos seus direitos o que dia a dia, hora a hora, produz o trabalho a que o País tem direito, mas como o Parlamento, pelo modo como funciona, é demorado, acho que não andamos mal dando ao Poder Executivo essa autorização.
Como mo parece-que não é necessário dizer mais nada sobre a generalidade do projecto, termino as minhas considerações.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ferraz Chaves : — Sr. Presidente: o artigo 107.° do Regimento diz que a aprovação de um projecto na generalidade não obriga a votá-lo na especialidade., e assim uso da palavra porque entendo que há justamente conveniência em legislar sobre o assunto, para, em face de interesses opostos, se definir legalmente qual a situação que cabe a cada um dos grupos que representam esses interesses antagónicos.
Sou absolutamente contrário às tendências deste projecto. Mais de uma vez tenho tido a pouca sorte de me encontrar em oposição ao seu ilustre relator; e lembro--me agora, Sr. Presidente, que há bem pouco tempo, discutindo-se nesta Câmara um projecto de lei que eu defendia sobre a forma de avaliar os foros para efeitos de remissão, S. Ex.a foi o paladino, o porta.-estandarte daqueles que desejavam que esse projecto não viesse estabelecer a retroactividade., que não era de admitir em leis civis, sustentando ou então que não havia retroactividade nenhuma, porque se tratava de formas de processo.
Veja V. Ex.a, portanto, Sr. Presidente, a sjarprêsa que eu posso hoje ter ao ver que S. Ex.a apresenta agora um projecto em que a retroactividade ó fundamentalmente estabelecida; ó, por assim dizer a base essencial deste projecto, retroactividade que se estabelece não só para os princípios juridicamente estabelecidos, mas que vai até ao ponto, que' nunca vi sustentar em projecto nenhum, de alterar as determinações do Poder Judicial, depois de^transitados em julgado. . --ísto é que é inteira novidade, e eu sei
bem, porque conheço suficientemente o ilustre relator do projecto, que ao coa-isignar aqui esta disposição a sua mão de .advogado distinto e jurisconsulto hábil tremeu positivamente, mas deixou-se dominar pela necessidade de acudir a um problema grave, mas não tam grave que exija medidas tam anti-jurídicas como as que apresenta.
Ora vejamos, Sr. Presidente.
O nosso ilustre colega, Sr. Medeiros
Franco, parecendo atingir o objectivo
•essencial do projecto, disse que o que se
tornava necessário era garantir a toda a
gente o direito ao lar. Muito bem.
Pregunto eu, Sr. Presidente, se o indivíduo que, tendo trabalhado uma vida inteira, com o produto do seu trabalho comprou um. prédio, tem ou não também o direito ao lar e se não deve ter mais direito ao seu prédio que o seu inquilino.
Pregunto ainda, se se quere garantir' a toda a gente o direito ao lar, se há qualquer disposição no projecto contra aqueles inquilinos que usufruem"mais que uma casa; pregunto porque se não obriga esses a ficar só com um lar, para dispensarem habitação àqueles que a não possuem.
Pregunto: ,;que disposições estão nesta lei para impedir que indivíduos que apenas precisam duma casa pequena ocupem palácios inteiros, emquanto famílias e famílias não tem o direito ao lar garantido?
De nada disso há rio projecto, vamos então estabelecer quais as necessidades para cada família, vamos socializar toda a propriedade e vamos fazer a determinação daquilo que pertence a cada um.
Apoiados da extrema direita.
Agradeço os apoiados, mas antes disso revoguemos a Constituição da República e revoguemos todo o direito político da República.
Sr. Presidente: é interessante ver a tortura moral que o espírito jurídico do ilustre relator do projecto sofreu. Podemos segui-la claramente nas diferentes disposições no parecer que nos foi dia-tribuído.
Até certa altura ainda se ressalvaram as deliberações do Poder Judicial, havia ainda um certo respeito polo que já estava sentenciado.
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de estabelecer a retroactividade, quando .nem as deliberações do Poder Judicial já eram respeitadas.
O Sr. .Medeiros Franco encontra uma nova modalidade, um meio termo que julgava razoável: era a suspensão das acções, nunca, porém, a suspensão de deliberações do Poder Judicial, porque ainda não estão,.nessa altura, bem garantidos os direitos das partes litigantes. Por isso mesmo, entendo que as acções não devem ser suspensas, por isso mesmo devemos deixar o Poder Judicial pronunciar-se livremente e sem a preocupação de que as suas deliberações não sejam acatadas.
Suspender essas acções não .é de alguma maneira irmos iniiscuir-nos numa decisão ou numa apreciação que não nos compete? Então não está isso entregue a quem de direito?
Eu sou de opinião que, se as execuções devem prosseguir igualmente, igualmente devem prosseguir as acções que estejam propostas à data da publicação desta lei.
Apreciando a sua contestura, vejo que esta lei é ad odium contra os senhorios e eu declaro alto e bom som que á minha votação há-de ser no sentido de evitar todas as chicanas, todas as patifarias — permita-se-me o termo — que são. feitas pelos senhorios e evitar também todas as chicanas e patifarias cometidas pelos inquilinos.
Votarei contra as vilanias que muitos inquilinos fazem com as casas, sublocan-do-as por preços 10 ou 11 vezes maiores do que o preço por que as arrendam ao senhorio.
Todos os inquilinos pregam contra o senhorio, mas no dia em que podem su-blocar uma qualquer dependência da casa, pela qual pagam uma miséria, tornam-se piores do que os senhorios contra quem pregam, tornam-se verdadeiros bandidos, fazendo aos seus inquilinos aquilo que o senhorio nunca lhes fez a eles; chegam a habilidades e trucs que não são de homens de bem e que rigorosamente deviam entrar nos domínios do Código Penal.
A solução do assunto está no meio termo. A dificuldade está em o achar.
Sr. Presidente: este projecto de lei vem afinal adoçar um pouco a boca aos
senhorios, .permitindo uma elevação de rendas.
Na especialidade discutirei o quantitativo dessas rendas.
Mas para se ver a tendência da proposta de lei e avaliar o critério do legislador neste assunto, basta constatar que o que se propõe é. a elevação ao duplo para as rendas das casas de habitação e ao quádruplo para estabelecimentos comerciais e industriais. Podia triplicar, que ficava mais certo, O Parlamento entendeu que era um sacrifício demasiado e votou que se multiplicasse a taxa pelo coeficiente 5. Qual é, .portanto, o critério assente pelo Parlamento e pelo Governo? & que, pelo menos, a moeda está 5 vezes desvalorizada. Pregunto: «jporqúe é que havemos de adoptar um critério para a actualização de impostos e outro para o efeito das rendas? Temos então este critério: o Estado , cobra ad valorem,, actualiza para si os seus' rendimentos, mas não consente que os seus devedores actualizem os rendimentos. O Sr. Pereira Osório (interrompendo):— Não é bem assim.'Veja V. Ex.a o artigo 3.° O Orador: — O critério deve ser multiplicar as rendas actuais por 5. Eu, com as minhas considerações, quis-apenas demonstrar que a tendência da lei ó a de beneficiar o inquilino, ad odium. para o proprietário.
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Diário das SassÔei do Senado
Não. Eu faço a S. Ex.a .a justiça de crer que o fez contrariado e porque viu •o problema por um prisma de acuidade que nós não podemos negar, mas porventura um pouco exagerado.
Permita-me S. Ex.a que eu faça esta observação* quem redigiu este projecto Qão foi o advogado distinto, o jurisconsulto ilustre que é o Sr. Catanho de Meneses, quem redigiu esse projecto foi o político hábil que já foi ilustre membro do directório do seu partido,
Não apoiados.
Eu, discutindo e votando contra este projecto, não voto contra o ilustre mestre de direito que é S. Ex.a; voto. sim, -contra uma lei que em minha opinião não Tepresenta os melhores princípios nem os •anais convenientes à tranquilidade do Faís.
O orador não reviu.
O Sr. Procópio de Freitas: — O projecto em discussão creio que tem o fim principal de atender à situação em que se encontram muitos inquilinos, devido a habilidades jurídicas e que correm o risco de ficar sem lar.
Eu nestas condições dou-lhe o meu voto, porque entendo que para grandes males •grandes remédios.
Desejava porém que o Sr. Ministro da Justiça me informasse bem no que res-ptíita a despejos.
Parece-me que deviam cessar também -os despejos dos inquilinos" que tenham sublocado as casas sem autorização do senhorio, contanto que volte tudo à pri-"meira forma até õ depois da publicação desta lei, à semelhança do que se faz no caso das acções e execuções de despejo terem sido motivadas pela falta do pagamento da renda.
Tenho dito.
O Sr. Pereira Osório : — Sr. Presidente: não fazia tenção de usar da palavra sobre a generalidade, porque tratando-se na generalidade de averiguar da utilidade e conveniência dos projectos em discussão, eu entendo que é axiomática essa conveniência e essa oportunidade no que a este projecto se refere.
Mas se uso da palavra é por causa duma afirmação feita daquele lado da Câmara pelo Sr. Querubim Guimarães.j
Desde que se iniciou esta discussão so-
bre o inquilinato que venho defendendo mesn:.o em reuniões públicas a conveniência de se criarem, comissões concelhias, por intermédio das quais deveriam ser feitos os arrendamentos, sendo os proprietários obrigados a indicar a essas comissões os prédios que fazem, para que se acabe esta situação de em Lisboa, havendo uma crise enorme de habitação, haver centenas de andares devolutos à espera quo apareça dono., ou algum desgraçado que não tenha para onde ir viver, tais são as exageradas rendas que por eles pedem.
K com o máximo prazer, e para isso pedi a palavra, que constato aqui a grande satisfação que me deram as considerações do Sr. Querubim Guimarães defendendo essas comissões.
Estou convencido de que o Parlamento há-de ter a coragem de entregar ao Sr. Ministro, ou ao Governo, uma autorização para que se possa fazer uma lei do inquilinato. Será bom que nessa ocasião o Sr. Ministro da Justiça, ao lavrar o seu decreto com força de lei, lance mão dessas comissões, que são eni grande parte o único meio de se poder remediar esta crise de habitação, distribuindo as casas convenientemente, arrendando-as por aquilo que for justo e de forma a.que não possa dar--se aquilo a que já me referi, de haver inúmeras casas vazias quando existe uma enorme crise de habitação.
O orador não reviu.
O Sr. Oriol Pena: — Sr. Presidente: já na sessão do ano passado tivemos ocasião de nos ocupar, os que estamos deste lado da Câmara, dum projecto de inquilinato, pai ou avô deste, agora surgindo também com o nome de lei ou projecto do inquilinato.
Fazem notável diferença. O outro tinha o aspecto de conter a intenção de ser uma obra mais ou menos completa. Foi aqui crivada de emendas, baixa às Secções, as Secções rejeitaram-nas em absoluto, enjeitando as nossas intenções de melhorar o projecto, e saiu de lá este primor agora distribuído com. redacção definitiva.
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na matéria que esta Câmara contém no número dos seus membros.
E, caso notável, quási todos exprimindo uma idea de revolta, senão de rejei-gão completa por o que nos vêm propor.
Sr. Presidente: nos tempos já distantes, em que era mais novo, tinha mais expediente, mais actividade, tive de reduzir ao indispensável as minhas despesas por ter diante do mim o grave problema de refazer as minhas finanças inteiramente avariadas por uma praga que todos nós conhecemos e assolou o país de norte a sul, começando pelo norte, onde arrazou por completo a região duriense.
Para preparar esse ressurgimento dos meus haveres tive de desenvolver uma actividade grande, tive de me dar a leituras extensas de livros especiais, a estudo demorado dos assuntos que me interessavam, procurando saber o que se fazia na Itália e em França, lendo o que dizia respeito às regiões vinícolas da França, o país mestre da vinicultura de toda a Europa. ;
Entre essas descrições interessantíssimas, dos vinhedos da Gironda, a propósito das notáveis propriedades chamadas superiores, as primeiras em qualidade daquele país, Margaux e Laffite, reconhecidas e apregoadas como tais em todo o mundo civilizado, vem-me à memória uma frase pitoresca usada pelos courtiers, os provadores de vinhos mais reputados de todo o mundo com que entendem pôr de acordo- a rivalidade de procedência entre os dois notáveis ckateauxovi quintas, como nós diríamos.
Dizem eles, quando os consultam a esse respeito: um é o macho, o outro a fêmea, sem se poder distinguir qual o macho ou a fêmea, mas não consta que algum tenha filhos.
Dificuldade semelhante é a de agora, sendo muito difícil distinguir a paternidade desta disposição que estamos a analisar.
Sabe-se ter, originariamente, dois pais, e não me atrevendo a dizer qual deles seja fêmea, não sei como foi gerado.
Pais da criança são dois distintos advogados que o trouxeram aqui: um o Sr. Catanho de Meneses, da velha guarda, 40 .anos de carreira, senão mais —não o quero fazer mais velho— citado em todo o foro de Lisboa como ilustre causídico e
um notável jurisperito (Apoiados); o ou-r tro, o Sr. José Domingues dos Santos^. Ministro da Justiça, muito mais novo, tendo no Porto conhecida e merecida cota-r cão.
. A paternidade —pater is est quem nu-ptiae demonstrant— atribui-se a S. Ex.as' os dois.
Risos.
A maternidade não sei, mas deve ser pessoa de pouco boas intençOes.
Isto é um aleijão que não pode ter concerto.
Dito isto para nos dispormos bem, quero procurar nas suas origens a crise de onde tudo vem.
É certo que na larguíssima discussão-que teve a proposta de lei aqui apresentada debaixo do patronato do Sr.c€fota'~ nho de Meneses na sessão do ano passa.-do, e brilhantemente atacada e tratada pelo-meu prezado amigo- e distinto, colega Sr?. Querubim Guimarães, se chegou mais ou menos a um concerto que poderia levai> -nos a assentar numas bases de onde poderia sair qualquer cousa mais aceitável, em alguns casos e mais viável.
Nesse acordo mais ou menos guisado e assente, em que tinha sido plenipotenciáf rio do nosso lado o Sr. Querubim Guimarães, sendo representantes dos outros lados da Câmara'os Srs. Alfredo Portugal e-Catanho de Meneses, assentaram-se certos pontos de vista e de acordo com eles-mandarâm-se algumas emendas à Secção»
Com espanto nosso vimos depois ter tudo sido rejeitado.
Apareceu-nos então de golpe e de surpresa um projecto de um só artigo; não-tenho aqui a cópia da autoria do Sr. Catanho de Meneses para substituir ou antepor-se ao projecto anterior.
Infelizmente para S. Ex.a e para nós o-Sr. Catanho de Meneses adoeceu com um» ataque demorado de gripe, que se repetiu com insistência, impossibilitandò-o durante semanas de comparecer às sessões.
Só depois tive conhecimento desta linda cousa que tenho diante de mim.
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inquilinato de habitação, por incúria dos Grovertios, uma gravidade quáí-i irredutível, tendo nós transigido em nome da propriedade, a cantentar-nos com o aumento de cinco ou seis vezes das rendas. e estranhei nisso depois S. Ex*3, de surpresa, enxertar um artigo, com prejuízo de tudo aquilo que estava ausente e começado a discutir.
Talvez soja casa grande habilidade jurídica G política ou cousa que S. Ex.a considera muito perfeita e gentil, mas .ião há meio de me convencer de que assiri seja.
Se ao viri.r a primeira esquina recebesse uma pancada violenta aqui no vazio, sem ter tampo de me defender, devia ter tido uma impressão semelhante à que tivèj*^ tive-a a, ponto de ter um dia, acordado aflito e alarmado minha mulher, porque tinha sonaado que havia levado umu facada quando ia para casa.
Veja Y. Es.a o que pode fazer esta folha de papel.
Podem, cercear os meus direitos e ot. de meus filhos, mas pela forma como no-lo exige o Sr. Catanho de Meneses não.
Há nos tribunais portugueses pessoas competentes e estudiosas e que cevem ^er independentes.
Entreguem a solução do assunto a esses homens e eu confiarei cegamente no que assentarem, mas de outra forma não procurarei estar sempre no meu posto para defender o que é meu, de meus filhos e netos e também é do país.
O Sr. Cataaho de Meneses : — Há interrupções quii são necessárias.-,
É certo Q ue, como Yi Ex.a deu a entender bem claramente, «u tive eonversa-çOes com o Sr. -Carvalho da Silva e' o Sr.. Querubim Guimarães a respeito dos- coe--ficientes, - - •- -
V. Ex.a insinuou isso de modo que não sei se eu ficava- como um ladrão- do estrada que se encobre no escuro para -assaltar inesperadamente -a viandante»
O Orador: ~Não.< insinuei, afirmei um facto : Q Y..Ex.a acaba de o confirmar; sobre isso; não tenho, que dizer mais
:: Agradeço • a V. Ex.a a sua interrupção, jne deu lugar a poder descançar i alguns minatosr.. ,...•,— ..,,..
O Sr. Querubim Guimarães:— Parece que estamos em tribunal e eu tenho de fazer o meu depoimento.
Houve entendimentos entre o Sr. Gata-nho de Meneses, a minha pessoa e o Sr. Carvalho da Silva como representante da Associação dos Proprietários, para se ver se chegáramos a um acordo.
Não me lembro de todos os pontos versados nessa conferência, mas lembra-me que S. Ex.a concordava até certo ponta, embora 2om relutância, com o aumento das rendas, assim como também, em certas condições, com a faculdade de o senhorio poder ir habitar o seu prédio.
Recordo-me até que S. Ex.a dizia gue seria, conveniente .regular esse ponto de maneira a dar a garantia ao inquilino, alvitrando a possibilidade de o inquilino poder ir habitar a casa que fosse deixada pelo senhorio.
Recordo-me bem deste ponto ter sido tratado por S. Ex.a e de se ter aventado a possibilidade de satisfazer o desejo dos proprietários desde que se arranjasse unia fórmula que o satisfizesse e uma delas era que o senhorio que fosse habitar ô seu prédio cedesse a casa que habitava ao inquilino que se desalojava.
O Orador:—V. Ex.a não concordou nessa altura. O depoimento que o Sr. Querubim G-iirnarães acaba de fazer prova à evidência que só em casos restritos e condicionais poderia aceder aos desejos dos senhorios. ' • •
Lembra-se também S. Ex.a que eu disse nessa ocasião que esse assunto não podia ser resolvido por mim, mas sim pela comissão.
Igualmente se lembra que eu só no caso dos senhorios que fossem habitar o seu prédio cederem a casa que habitavam, aos inquilinos, é que era possível chegar a acordo.
O Sr. Querubim Guimarães: — Foram
estes os pcntos de vista 3tn que o Sr. Catanho de Meneses concordava, que me lembram agora.
Não podia calcular que surgisse agora -este incidente.
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Houve outras questões, falou-se em formas de processos e ca forma de procurar que os direitos das duas partes ficassem -devidamente assegurados.
Recordo-me que o Sr. Catanho de Meneses [nessa ocasião, tinha receio conceder o aumento das rendas aos senhorios, porque podia muito bem ser que lhe co-inessein a carne e ele ficasse com o osso.
Devo dizer agora a S. Ex.a que se inverteram os termos, porque estamos aqui •há imenso tempo a ver se conseguimos aprovar uma lei do inquilinato e ainda não a aprovámos.
O Sr. Oriol Pena: — O meu velho amigo, que se lembrou de me interromper, esquece-se de que a crise do inquilinato teve .a sua origem logo na implantação deste «gracioso» regime que tam desgraçadamente nos inquieta, nos rege e nos esfola, (Não apoiados) isto é, na lei de 1911.
Foi gizada pelos super-homens da República ...
O Sr. Ribeiro de Melo (interrompendo}:— Era melhor quo V. Ex.a dissesse que foi gizada por quem tinha competência para o fazer.
O Orador: — Mas naturalmente foi girada pelos super-homens da República e para ser fixada como uma lei de câmbio.
O Sr. Ribeiro de Melo:—Sobretudo para ser mal apreciada pelos super-homens da jnonarquia! .. .
O Orador (continuando):—Mas não foi nada disso. Esta lei, que vinha com essa intenção, visava unicamente a um fim: avolumar o eleitorado para votar e dizer amen a tudo o que fizesse o novo regime. \ O lindo pãozinho que saiu do forno é aquele que estamos a loer!
Levou tanto tempo a fazer para se tomar no que está!...
O Sr. Ribeiro de Melo: — E que o fermento era da coroa!
O Orador: — Serviu para .a propaganda eleitoral, serviu para dar a ilusão de que o regime se consolidava, e o regime, que .tinha começado a querer mostrar juízo,
em curto espaço descambou e levou-nos à situaçdo brilhante em que nos encontramos:' isto é, com dinheiros que são apenas farrapos de papel e que dão em resultado os proprietários estarem a receber readas mobilizadas no princípio de 1911, quando a libra valia 4$50, tjuando esta quantia era representativa de ouro, quando, emfim, o dinheiro valia e nós estávamos habituados ao preço das cousas e não tínhamos a estranheza que temos hoje quando nos pedem 150$ por um par de botas.
Sei que há pessoas para quem as botas e os seus preços actuais são a mesma cousa que outrora, mas isso não acontece aos proprietários antigos que com uma vida cheia de trabalho tinham aumentado qualquer cousa para viver.
V. Ex.as sabem muito bem que um comerciante levava 30 ou 40 anos a fazer uma fortuna modesta, mas que lhe garantia uma velhice tranquila e a educação dos seus filhos, em contraposição com alguns de hoje que fazem grandes fortunas rapidamente.
E em quanto estes vivem à-larga, aquele está a morrer de fome, anda esfarrapado, porque o carinho dos republicanos vai só para os inquilinos e despreza os proprietários.
Ora quando os proprietários pela nossa voz chegam à abnegarão de se contentar com Ye do que legitimamente lhes deveria ser garantido parece excessivo que se lhes queira ainda tirar mais.
O Sr. Virgolino Chaves falou nas casas pequeninas. Trouxe-me isso á idea uma quadra lida num livro muito interessante.
Diz assim:
Quem casa não acha casa Nem grande nem pequenina Só encontra casa certa Quem casar com a Marcelina.
Não sei se sabem quem é a Marcelina.
O Sr. Ribeiro de Melo: —Naturalmente era a «outra senhora»!
O Orador: — Não, senhor. Vejo que V. Ex.a não leu o espirituoso livro a que me refiro.
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Mas, deixando-me de divagações, devo dizer que tendo vindo a mobilização de rendas, agrr.vada por vários factores que são do conhecimento de todos e que afastaram d^stu capitalização todas as pessoas que tinham algum dinheiro, a pouco e pouco foi formando-se no espírito do povo, — não digo o povo na acepção genérica da palavra, refiro-me só a uni certo povo,— foi-se mando uma mentalidade nova, a qual foi explorada pela República, que a achou muito cómoda, porque em vez de tra-ar de actualizar as suas r^m-tas, fazer os seus pagamentos actualizados e mel-iorar as condições de vida aas seus funcionários, achou muito "iielhor não fazer isso dentro do orçamento, mas à custa da propriedade, dando caãi de gra^a a toda a gente.
Isso sucedeu, até que uma lei de meios veio autorizar um pequeno aumento: mc.s no meio dam tal trocadilho de palavras* que os proprietários ficaram novamente prejudicados. Assim, tendo o Parlamente votado um aumento de 4,5 e 3 L.!s} respectivamente, para o inquilinato comercial c de hrbitação, pelas interpretações sucessivas cue deram à lei esse aumente ficou muito reduzido.
Ora a propriedade, que então já tinas desvalorizac íssimas as suas rendas, aceitava, pela minha voz, e pela do Sr. Carvalho da Silva, na Câmara dês Depurados, qualquer interpretação, contanto que se precisasse o se tornasse efectiva; mas quási tudo se perdeu no camjuhar louco da moeda para o abismo, e o,capital continua, e cada vez mais, a ver o seu rendimento a desaparecer, todos os dias e a sua aplicagt.o arriscada.
Ainda ultimamente se deram desmoronamentos— e'esta cousa dos desmoronamentos, juntamente com a lei em projecto, concedendo certas faculdades à Câmara Municipal, com o que concordo., mas depoi? de bem estudada, para não dar maus resultados, estão de tal forma misturados que não se pode falar numa sem a outra — mas esses desmoronamentos, dizia, são aproveitados pelo Sr. Ministro das Finanças, como ocasião oportuna para agravar ainda, mais a crise de moradias, proibindo, por decreto recente, a fixação das rendas em outra moeda que não seja o desacreditado escudo.
A desvalorização do escudo rai acen-
tuando-se cada vez inais, e a condição que se impõe de não poderem ser cobradas as-rendas dos prédios senão em escudes equivale a dizer-se que ninguém deverá arriscar os seus capitais em construções.
E agora o caso ó agravado com a circunstância de a Câmíira Municipal estar ordenando demolições sem ouvir as partes interessadas, sob o pretexto de as •propriedades ameaçarem ruína.
Não me merecem nenhum carinho os gaioleirosr mas ao menos respeite-se o direito de propriedade consignado na Constituição.
Estabelece-se diálogo entre o orador e o >';-. Ribeiro de Melo.
O Orador: — De modo que desta forma poucos serão aqueles que empreguem os seus capitais em construções, e daí a inevitável deslocação dos mesmos para o estrangeiro, o que aliás não é para admirar cora leis desta natureza.
O Sr. Pereira Osório (interrompendo):— Xão posso estar de acordo com V. Ex.% pois a \erdade é que os novos senhorios pedem as rendas que querem.
Assim, qualquer indivíduo que queira aplicar o seu dinheiro .em construções pode fazê-lo, visto que não está, nesse ponto, sujeito às disposições da lei, podendo arrendar a casa pelo preço que entender.
O Sr. D. Tomás de Vilhena (interrom-rompendo):— Desculpe V. Ex.a que lhe diga, mas não é assim.
Se é facto que o novo senhorio tem a faculdade de arrendar as casas pelo preço que quere, não deixa por isso de ficar imediatamente dentro da lei do inquilinato, visto que os encargos são muito maiores; no eintanto, o que se torna necessário são casas baratas para a classe média, pois a verdade é qne as que actualmente existem são só para gente abastada, gente rica.
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que desde 1922 para cá as cousas se têm modificado bastante, pois se dantes se emprestava dinheiro a 8 ou 10 por cento, hoje está-se emprestando a 30 e a 35 por •cento, quando se encontra, assim como •então o câmbio estava a 4, o que representava a libra a 60$, e actualmente está a l 3/8j o qne representa, se não estou em erro, a libra u 140)5.
Já por aqui S. Ex.a está vendo a di-ierença que há de então para cá.
Depois, creio que foi o Sr. Bernardino Machado que prolongou o prazo para pagamento das rendas até o dia 8, e a boa justiça manda que se diga que são justamente os das .classes altas aqueles que mais descaradamente abusam desta faculdade. O povo trabalhador, esse cumpre, porque ainda ó constituído por portugueses fundamentalmente- honestos.
Sr. Presidente: incidentalmente, .quero referir-me a uma notícia que tem-vindo publicada nos jornais, convidando o inquilinato a vir aqui protestar contra a demora na aprovação na lei.
Devo dizer que notícias desta natureza não me influenciam em nada, porque nada me impede de dizer sempre a verdade e .aquilo que sinto.
Entendo que nós devemos sacrificar ;um pouco dos nossos interesses, mas esse •sacrifício vai já além do que é razoável, •o que nos dá o direito e a autoridade moral para dizer que estamos a ser roubados e que este papel quere continuar a roubar-nos. Este é o termo, é português, •e não sei outro.
Sr. Presidente: reatando as minhas considerações, devo dizer que muitas das medidas promulgadas têm feito com que vérios indivíduos levem as suas fortunas para o estrangeiro e para lá vão aplicar a sua actividade.
Posso afirmar que o pouco que tenho, tenho-o dentro do pais.
O Sr. Ribeiro de Melo : — É V. Ex.a ó patriota.
porque
O Orador:—Passo, não sei por que razão, por uma pessoa rica, mas devo dizer a V. Ex.a que todos os dias tenho medo de não me chegar o pouco que tenho. Todavia, repito, não tenho um vintém no estrangeiro.
Talvez isto seja ser patriota; talvez
outros me chamem tolo; no emtanto, não me preocupo com a classificação.
Os interesses dos proprietários são por 0 completo esquecidos e poucos são aqueles que os defendem. - Todos que fazem negócios aumentam à vontade as géneros, s6 ó senhorio é que não tem regalias de espécie alguma.
Tudo explora, e até as casas de batota se têm deixado viver livremente, e os clubes, alguns centros de devassidão, sem que ninguém com isso" se importe.
Apoiados.
Felizmente, agora, parece que a autoridade está cumprindo o seu dever. Parece que o actual comandante da polícia é estimado e tem dedicação e sabe o que faz. Os nossos soldados quando tem um comandante bom vão até para o inferno.
O Sr..Ribeiro de Melo:—V. Ex.a naturalmente "quere dizer que se o Sr. Ministro da Agricultura se tivesse rodeado de bons fiscais, não iria tanto dinheiro para a moagem.
O Orador: — Isso agora não tem nada com o que eu estou a referir. Eu falo de uma maneira geral.
E tudo isto são assuntos que se relacionam intimamente com a questão que estamos tratando, com a questão do inquilinato, que precisa remediada prontamente; mas com remédio sensato e justo.
Toda essa abundância parece realmente provir de fortunas; essas casas comerciais, Bancos e banquetas que há por esse País fora não traduzem, na intranquilidade em que vivemos há anos, pela estabilização do ouro ou dólares, senão ruína.
A riqueza, dum país não é mais que o resultante da riqueza individual de todos os seus habitantes.
É por isso que julgo ser sempre mau fazer leis restringindo a aplicação livre do dinheiro e o livre exercício das indústrias, promovendo indirectamente a emigração do capital assustado, que o procurará fazer por quaisquer processos, nada fáceis de evitar.
Não é fácil evitar essa fuga.
Vou propriamente passar a discutir o projecto.
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projecto, é a impressão de confusão de todos os seus articulados.
Não o vou discutir juridicamente, não tenho competência para isso, mas afirmo ser absolutamente impreciso, estabelecendo no inquilinato ainda mais e mais extraordinária confusão.
Por este diploma faz-se transferência integral da propriedade de quem laboriosamente a consolidou e construiu, ou a herdou e acarinhou/ para a posse do inquilino que há 14 anos a goza de graça e nem sequer a mantém em boa conservação.
O facto é que, se uma pessoa se instala numa habitação, dificilmente se consegue que saia de lá.
Se V. Es.1 fosse uma pessoa desonesta e lhe pedisse para habitar a minha casa emquanto eu estivesse fora, eu depois não teria para onde ir morar, pois V. Ex.a podia lá ficar. *?*3f
Vários apartes.
Há muitos casos assim.
Apartes.
Não quero dizer que sejam todos assim, mas nós temos aqui a isca.
Com a mesma imprecisão se refere este-projecto à lei 1:368, e essa tem como todas, pelo menos, três interpretações. Foi para a esclarecer e aclarar que dois Srs~ Deputados apresentaram, um projecto de lei.
O Sr. Presidente (interrompendo): — A hora vai adiantada. ,;V. Ex.a deseja ficar com a palavra reservada?
O Orador: — Sim senhor.
O Sr. Presidente: — Está encerrada a sessão.
A próxima sessão é hoje à hora regimental.
Eram O horas e 40 minutos do dia &.