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REPÚBLICA
PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
SIESSAO 3ST. 72
EM 20 DE JUNHO DE 1924
Presidência do Ex.mo Sr. António Xavier Correia Barreto
Secretários os Ex.mos Srs.
Luís Inocêncio Ramos Pereira Manuel Pessanha Yaz das Neves
Sumário. — Com a presença [de 42 Srs. Senadores, foi aberta a sessão.
Procedeu-se à leitura da aeta e deu-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Júlio Ribeiro, em negócio urgente, alude a palavras despri-morosaa insertas em um jornal referentes ao Senado.
O Sr. Ribeiro de Melo explica o sentido dessas palavras.
O Sr. Procópio de Freitas, também em negócio urgente, refere-se a loca] do jornal aludido, alusiva à influência política em determinada companhia do Sr. Ministro do Interior.
Sobre o assunto falam os Srs. Ribeiro de Melo e Joaquim Crisóstomo.
Responde o Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso}.
• O Sr. Mendes dos Reis apresenta e justifica uma moção de confiança.
Falam sobre a moção os Srs. Silva Barreto, Procópio de Freitas, Afonso de Lemos, Dias de Andrade e Ribeiro de Melo, tendo sido aprovada por unanimidade.
O Sr. Ministro do Interior agradece à Câmara. s
O Sr. Presidente encerra a sessão.
Presentes à chamada 43 Srs. Senadores.
d
Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Alfredo Narciso Marcai Martins Portugal.
Álvaro António Bulhão Pato.
Aníbal Augusto Kamos de-Miranda.
António Maria da Silva Barreto.
António de Medeiros Franco.
António Xavier Correia Barreto.
Aprígio Augusto de Serra e Moura.
Artur Octávio do Eêgo Chagas.
Augusto Vera Cruz.
César Procópio de Freitas.
Constantino Josó dos Santos.
Duarte Clodomir Patten de Sá Viana.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Francisco António de Paula.
Francisco José Pereira.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Francisco Vicente Ramos.
Francisco Xavier Anacleto da Silva.
Frederico António Ferreira de Simas.
Herculano Jorge Galhardo.
João Catanho de Meneses.
João Manuel Pessanha das Neves.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
Joaquim Xavier de Figueiredo Oriol Pena.
José António da Costa Júnior.
Josó Augusto Ribeiro, de Melo.
José Duarte Dias de Andrade.
Josó Joaquim Pereira Osório.
José Machado Serpa.
Josó Mendes dos Reis. . Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
(Luís Augusto de Aragão e Brito.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Manuel Gaspar de Lemos.
Nicolau Mesquita.
Raimundo Enes Meira.
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Diário das Sessões do Senado
Kodolfo Xavier da Silva. , Rdrigo Guerra Álvares Cabral. Silvestre Falcão.
Tpmás de Almeida Manuel de Vilhe-na (D.).
Sr s. Senadores que entraram durante a sessão:
João Carlos da Costa.
Srs. Senadores que faltaram à sessão :
António Alves de Oliveira Júnior,
António da Costa Godinho do Amaral.
António Gomes de Sousa Varela.
Artor Augusto da Costa.
Augusto Casimiro Alves Monteiro. .
Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.
César Justinp de Lima Alveg.
Ernesto Júlio Navarro.
João Alpoim Borges do Canto.
João Maria da Cunha Barbosa.
João Trigo Motinhq.
Joaquim Manuel dos Santos Garcia.
Joaquim Teixeira da Silva. OJ Jorge Frederico Velez Caroço.
José Augusto de Sequeira.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Joaquim Demandes Pontes.
José Nepomuceno Fernandes Brás.
Júlio Ernesto de. Lima Duque.
Luís Augusto Simões de Almeida. t Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Querubim.da Rocha.Vale Guimarães.
Ricardo Pais Gomes.
Vasco Cipriapo da Silva. ., Vasco Gonçalves Marques.
Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
As 15 horas e 10 minutos principia a fazer-se a chamada. Faz-se a chamada.
O Sr. Presidente (às 15 horas e 15 minutos) : — Estão presentes 42 Srs. Senadores.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Leu-se. ,,
O Sr. Presidente: são. „ '
Pausa. .< ",
'Está em discos -
O Sr. Presidente: — Como nenhum Sr. Senador pede. a palavra, considera-se aprovada.
Vai ler-se o
Expediente
Ofício
Da Junta Geral do Distrito de Viseu, secundando e apoiando a representação enviada pela Junta Geral do distrito de Portalegre, que altera a percentagem estabelecida pela lei n.° 1:453.
Para a Secretaria.
Telegrama
Da Junta Geral do distrito de Castelo Branco, pedindo para serem incluídas verbas orçamentais do Ministério da Instrução, para ser mantido o Liceu Central.
Para a Secretaria.
Pareceres
Da comissão de faltas, concedendo sessenta dias de licença, conforme foi solicitado pelo Sr. Pais Gomes.
Da comissão de faltas, concedendo licença ao Sr. Ernesto Navarro, para se ausentar para o estrangeiro.
Da comissão de faltas, justificando as faltas dos Srs. Joaquim Crisóstomo, Júlio Augusto Ribeiro da Silva é José Joaquim Fernandes de Almeida.
Proposta de alteração ao Regimento
Propomos o aditamento do seguinte artigo ao Regimento desta Câmara:
Art. ... Além das duas sessões a que se refere o artigo 13.°, haverá no Senado uma secção especial, composta de um número mínimo de 25 Srs. Senadores, denominada Secção do Orçamento.
§ único. A eleição desta secção far-se há nos termos do artigo 15.°, substituindo-se neste artigo o n.° 35.° por 25.° nos cálculos do cociente eleitoral.— Joayiiim Crisóstomo—Serra e Moura — Catanho de Meneses — Pereira Osório—Ramos de Miranda — Bulhão Pato — Herculano Galhardo— Afonso de Lemos— Tomás de Vilhena—Mendes dos Reis—Aragão ' e Brito—Dias de Andrade—Roberto Bàp-- Xavier, da. Silva.
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Propostas
" Foi mandada imprimir e. distribuir a proposta de lei n.° 670; autorizando o Governo a liquidar os deficits de gerência a determinadas Misericórdias.
' Foi mandada imprimir e distribuir a proposta de lei n.° 555, regulando a fiscalização técnica do serviço farmacêutico Requerimento Eequeiro que, pelo Ministério da Marinha, me seja fornecida urgentemente a nota de assentamentos e de tudo quanto •oficialmente conste da vida militar do ex- - sargento de máquinas Artur Marques Monteiro, que deixou o serviço da Armada em 1913. - Sala das Sessões, 20 de Junho de 1924.—J. C. Costa. Para a Secretaria. Antes da ordem do dia O Sr. Júlio Ribeiro : —Peço a palavra para um negócio urgente. O Sr. Presidente: — O Sr. Júlio Ei-fceiro pediu a palavra para um negócio urgente. ^ • O negócio urgente que S. Ex.a deseja tratar refere-se a , umas palavras despri-morosas para os membros do Senado que. um jornal atribui a um Sr. Senador. Os Sr s. Senadores que entendem que este assunto é urgente tenham a bondade de se levantar. - Está aprovado. O Sr. Júlio Ribeiro: — Sr. Presidente: os jornais de ontem faziam a afirmação categórica de que o nosso ilustre colega, Sr. Kibeiro de Melo^ fizera esta concreta afirmação: «—Ainda havia de vir ao Senado expulsar os vendilhões do templo». Estou convencido de que S. Ex.a não proferiu essas palavras. Sou-seu-conterrâneo e amigo, conheço-o há muito tempo e sei que ó incapaz de uma incorrecção, não só pelos princípios educativos que sempre mantém, como por ser incapaz de uma tam grande injustiça e ainda •porque as normas seguidas na sua-carreira diplomática, conquistando simpatias em todas as terras onde tem estado,'levam-me à convicção de que as não proferiu. Se me engano, S. Ex.a rectificará, por certo, a afirmação, citando nomes, se, realmente, o não disse, como, quási tenho a certeza, vamos ouvir com lealdade c nobreza a sua rectificação. Disse. O Sr. Ribeiro de Melo (para explicações} : —Sr. Presidente: surpreendido com -a atitude do meu ilustre colega desta casa do Parlamento, Sr. Júlio Kibeiro, meu conterrâneo e amigo de há muitos anos, não o estou menos, Sr. Presidente, pelo facto de S. Ex.a se ter considerado atingido pelas palavras que proferi. Já fora do uso da palavra, quási num arremesso de saída nesta casa do Parlamento em que me referi de um modo geral a todos os actos cometidos contra a primasia das instituições republicanas. Sr. Presidente: aludi, é certo,' aos vendilhões do templo, a um templo mais augusto, mais soberano ainda do que esta casa do Parlamento, ao templo augusto da República que está acima da Câmara do Senado ou do Congresso da Eepú-blica. Disse-o depois que tendo atravessado catorze anos de Eepública, falseando-se os princípios consagrados que se proclamaram em 1910 e que a minha grande autoridade na exaltação a esta grande Pátria me levou a jurar pela minha vida e honra um sagrado amor às instituições republicanas e um acentuado amor à Pátria Portuguesa, porque tudo isto tem sido falseado, e porque os que têm estado à testa desta Eepública, não vieram do velho Partido Eepublicano Português, mas vieram com todos os vícios do antigo ré- -gime deposto em 1910.
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Diário das Sessões do Senado
Sr. Presidente: porque é que o Sr. Ministro do Interior, republicano de sempre, que tem obrigação de executar e fazer cumprir as leis rigorosamente, as leis da República, consente que se faça a apreensão do órgão do povo A Batalha.
Foi depois de a Câmara rejeitar que ea tratasse deste caso, eu referindo-me à política em geral do nosso país. eu disse que ainda havia de falar alto nesta casa do Parlamento, mas depois de serem expulsos os vendilhões do templo, templo como eu disse há pouco, mais augusto, mais soberano ainda do que esta casa do Parlamento ou do Congresso da República, é o templo augusto da República, que está acima de todos.
Mas, Sr. Presidente, se porventura há algum vendilhão aqui dentro, ele que se acuse a si próprio, porque dentro desta casa não serei eu o Judas.
Se, porventura, divirjo por vezes do procedimento político dos meus correligionários é porque entendo que é deste lado da Câmara que se ,deve levantar a voz contra autoridades administrativas que apoucam e deminuem o regime republicano.
E do seio do Partido Republicano Português que devem sair todos os protestos contra essa plutocracia que nos esmaga.
jii esta a razão de ser das minhas palavras e a razão porque invoquei a Bíblia num momento em que falava já desesperado de fazer ouvir a minha voz contra esses beleguins da polícia que mandam apreender o órgão do operariado português, quando é ao operariado que a Re-' pública deve a sua própria existência.
Não sendo a República apoiada pela burguesia, comércio e indústria, e não tendo mesmo a mulher portuguesa sentimentos republicanos, só no campo operário é que a República pode encontrar apoio e defesa.
E esta a razão porque, lembrando-me de uma das passagens da Bíblia proferi as palavras a que há pouco o Sr. Júlio Ribeiro se referiu, isto é, quando um dia ã República íôr entregue às mãos dos verdadeiros republicanos, que sempre se têm sacrificado e que têm lutado em vão para que a República seja aquilo que a Nação quere, nessa hora, se preciso for, eii hei-de ser um dos que hão-de expulsar os vendilhões do templo.
Não os aponto, porque eles serão então os primeiros a apresentarem-se'à exa-cração pública.
O orador não reviu.
O Sr. Júlio Ribeiro (para explicações) : — Folgo de ter levantado este incidente, pois apesar das divagações do meu ilustre colega, Sr. Ribeiro de Melo, fica bem constatado nos anais desta Câmara que S. Ex.a não se referia.aos .Senadores quando proferiu aquela frase a que há pouco fiz referência e que foi publicada num jornal.
S. Ex.a referia-se aos «vendilhões» que ele conhece e que sempre existiram e hão-de existir.
O Sr. Ribeiro de Melo (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente:
O Sr. Presidente: —Vou mandar saber. Se pôs à discussão o assunto urgente foi porque julgava que tivesse vindo nalguma entrevista a frase citada.
Não ouvi nenhum Sr. Senador proferir qualquer palavra desprimorosa para com membros desta Câmara.
O Sr. Ribeiro de Melo: — Não valera pena desmentir os jornais. Eles às vezes até são generosos para connosco.
O Sr. Júlio Ribeiro: — Não apoiado!
A Batalha dizia que eu tinha pedido a alguns Srs. Senadores para não votarem o requerimento de S. Ex.a É absolutamente falso.
Apesar de eu ter enviado uma carta desmentindo tal calúnia, esse jornal reincide na mentira. Nenhum dos meus colegas me ouviu fazer semelhante pedido.
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fera de suspeição, consequência de se terem deixado arrastar por companhias, empresas ou bancos, cujos interesses estão em absoluto litígio com os interesses do povo e com os interesses da Nação.
Eu disse nessa ocasião que muitas dessas empresas e companhias tinham também a sua política, .e essa política era atrair a si homens públicos de valor para na ocasião propícia se servirem da influência política desses homens para obterem favores do Estado.
Eu disse também que; em geral, esses homens públicos não entraram nessas c'ompanhias com o capital moeda, mas sim com o capital político.
Eu garanto à Câmara que estas minhas palavras não têm outro intuito senão o de dignificar a República e fazer com que na verdade a República seja um regime de moralidade e de honestidade que se imponha a todos.
Dito isto eu vou limitar-me a ler o que diz o jornal A Batalha, esperando que o Sr. Ministro do Interior diga em seguida de sua justiça:
«Um dos que prevaricou, um dos que tem contribuído para aumentar a desordem, que depois quere reprimir, perseguindo precisamente as vítimas, dizemo-lo aqui corajosamente, é o Sr. Sá Cardoso.
,; Lembra-se o Sr. Sá Cardoso de ter sido convidado para exercer as funções de administrador da Companhia de Cal e Cimentos da Rasca, em Setúbal? Lembra-se. Tanto se lembra que aceitou o •convite.
Aceitou, sendo nessa altura Presidente da Câmara e militar, com o ordenado de 1.100$ mensais. Aceitou ainda, para que a sua nomeação tivesse foros de legalidade, o empréstimo de dez acções da mesma Companhia, empréstimo que foi feito até —lembra-se?— pelo grande capitalista Manuel Vicente Ribeiro.
Emfim, a vida são dois dias e é preciso aproveitá-los bem. Por isso o Sr. Sá Cardoso entendeu que o seu prestígio ç a sua honestidade não perigavam, ombreando com um dos maiores ladrões" que dentro dessa Companhia é o «quero, posso e mando».. Deu o braço ao Sr. Baltasar Cabral, um dos maiores accionistas da referida Companhia, do Banco Ultrama-
rino, da escandalosa Companhia dos Diamantes, da Companhia do Niassa, etc., etc., etc.
Não quis saber o Sr. Sá Cardoso se
essa Companhia de Cimentos pre/ava os
. seus operários, nem inquiriu dum caso de
falsificação de assinaturas que a mesma
havia feito para intrujar o Estado.
É claro que o Sr. Sá Cardoso também nSo sabia que essa Companhia tivera, em 1922, um lucro de 801.284^10(9) e que denunciou ao Estado apenas 150.896^47(2), burlando o país e furtando-se ao pagamento dos impostos que recairiam sobre tam fabuloso ganho.
£ Também o Sr. Sá Cardoso ignorava o motivo por que lhe fizeram tam estranho convite, que aceitou?
Nós elucidamo-lo. É que o Sr. Baltasar Cabral, a despeito de ter embolsado, só à sua parte, em lucros, a quantia de 213.480)$!, queria, fazendo passar por pobre essa Companhia rica, obter um empréstimo na Caixa Geral de Depósitos. E o nome, o prestígio, a influência do Sr. Sá Cardoso servia para essa repugnante transacção. Baltasar Cabral queria um empréstimo de 300.000$, entretanto, o Sr. Sá Cardoso conseguiu obter 200.000$ que foram entregues em Agosto do ano passado.
E quando o Sr. Sá Cardoso foi negociar esse empréstimo, não sabia que já no ano anterior a mesma Companhia arrancara à Caixa Geral de Depósitos cerca de 200.000?$!, dos quais só pagara metade ...
l São assim os homens que nos governam! ,J. Admira, pois, que'eles, solidários com a moagem, com todos os potentados exploradores, temam que A Batalha circule? «J Terá o Sr. Sá Cardoso ainda um pouco de coragem e uns restos de lealdade para não impedir a expansão dum jornal que diz a seu respeito verdades duras ?
i O Sr. Sá Cardoso não hesitou em fazer parte duma companhia que mandou à guarda republicana sovar os seus operários, quando estes se lançaram numa greve por aumento dos seus salários miseráveis !
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de lucro, um empréstimo de 200.000$ na Caixa Geral de Depósitos! ,
j O Sr. Sá Cardoso ligou-se, dentro, duma Companhia desonesta, a indivíduos que falsificaram uma assinatura!
j O Sr. Sá Cardoso entrou sem pejo 'para uma Companhia que bmlou o Estado furtando-se a pagar os impostos que. devia!
O Sr. Sá Cardoso, coroneí, ex-Presi-dente da Câmara, Ministro, fez parte duma Companhia que burlou o Estado, falsificou assinaturas, mandou sovar operários e intrujou a Caixa Geral de Depósitos. • '
j E é este o homem que, guindado pelos acasos da política às alturas de Ministro do Interior, se permite encarcerar operários, perseguir um jornal honesto como A Batalha e aparecer sorridente no Parlamento, como se não tivesse a pesar-lhe na consciência o crime tremendo de ter ajudado a fomentar a miséria do povo o a ruína do Estado de que se diz defensor !»
Eu estimaria imenso que S. Ex.a rebatesse tcdo isto, e que a impressão causada à Câmara pelas suas palavras seja a melhor possível.
O Sr. Ribeiro de Melo:—Desejaria, Sr. Presidente, antes de o Sr. Ministro do Interior asar da palavra em resposta a algumas considerações que aqui foram feitas, dizer umas breves 'palavras sobre o assunto alusivo à Companhia de Cal e Cimento. . ••
Creio que isso seria até útil a S. Ex.a, porquanto assim responderia de uma só vez a todos os oradores, em vez de estar a responder a cada um por sua vez.
O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardo-,so): — Por minha parte não vejo inconveniente no pedido do Sr. Ribeiro de Melo.
O Sr. Ribeiro de Melo:—Requeiro que se consulte a. Câmara sobre se permite que eu use novamente da palavra. • Foi permitido.
' O Sr. Ribeiro de Melo: — Os meus agradecimentos à Câmara.
•A pessoa que trouxe' à Câmara a questão de cal e cimento, como uma empresa
qu'e sistematicamente burla o Estado nãtf:. pagando as contribuições que deve, foi eu. .
Os documentos a que me referi estão em meu poder.
Hão os tenho aqui porque esperava uma» • ocasião para no assunto falar.
Mas-.como A Batalha circunstanciadamente se referiu ao Sr. Ministro do Interior, eu não queria de modo nenhum que-, o Sr. Ministro ou- a Câmara pensassem, que tinha sido eu o inspirador desse jornal.
O que sei a respeito dessa companhia, tenho guardado pára mim.
Não tenho feito comícios sobre o as'-' sunto, nem ninguém até hoje se chegou: junto de mim a pedir que tratasse ou não-deste assunto. ,
Também não encontrei nenhuma nota-de culpa contra o Sr. Ministro do Interior, quanto à sua actividade como republicano e como homem, público; antes, S. Ex.a aceitou o lugar que hoje ocupa demitindo-se imediatamente das funções-que exercia naquela sociedade particular-
A-influência que porventura, particularmente, o Sr. Sá Cardoso tem manifestado na gerência daquela companhia deve-se atribuir à alta capacidade de S. Ex.a e à sua inteligência.
Convém dizer isto com toda a leal-
Assim procedeu o Sr. Ministro e não sei de mais ninguém que tenha assim procedido.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardo-* só): — Como para aqni há mais Srs. Senadores que queiram falar sobre o assunto, o melhor, para não ter de repetir as minhas considerações, é falar só no fim.
O Sr. Presidente : — Consulto a Câmara sobre se permite a generalização do debate.
A Câmara resolveu afirmativamente.
O Sr. Joaquim Crisóstomo : —O Sr. Pro-cópio de Freitas, pedindo a palavra para tratar deste assunto, antecipou-se, visto que eu pretendia referir-me a ele.
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'Batalha pelas acusações graves que-fazia ao Sr. Ministro, atribuindorlhe factos concretos que, a prescreverem-se, importava para S. Ex.a uma situação difícil e melindrosa.
-' Diz-se no jornal que essa companhia tem uma escritura falsificada para se eximir ao pagamento devido da contribuição industrial, e que incluiu no número dos seus directores o Sr. Sá Cardoso, para o fim de alcançar um empréstimo. ;
Qualquer consideração que S. Ex.a faça é insuficiente, e deve-se ir mais longe, proceder-se a um rigoroso inquérito, por modo a castigar os acusados se os houve-, ou os acusadores que nada provarem. •
Acusações se têm feito ao Sr. Américo Olavo, dizendo que S. Ex.a, como sócio da Companhia Vulcano, manifestou a sua má, vontade contra os aviadores porque estes organizaram um serviço de coaser: tos e reparações dentro dos seus serviços, que fazem concorrência àquela companhia.
E S. Ex.a ainda'não teve a coragem de de se exonerar' e de pedir um inquéritoí
E necessário, que se entre no caminho das averiguações.
Se a imprensa acusa sem fundamento é necessário que sofra as consequências.
É preciso acabar com este estado que permite que todos os dias se façam acusações gravíssimas contra os homens públicos e se viva neste meio tam cheio de suspeições.
' Quando foi da campanha da imprensa republicana contra o Crédito Predial, o Sr. Dr. Montenegro, apesar de pertencer ao conselho fiscal, .entendeu afastar-se das cadeiras de Ministro.
Hoje tudo mudou.
O jornal Diário de Lisboa fez acusações gravíssimas ao Sr. Lúcio de Azevedo. Foi nomeado sindicante o juiz de uma comarca próxima de Lisboa, que proce-4 -deu a várias diligências, mas encontrou tal resistência que oficiou ao Sr. Ministro das Finanças dizendo que, por questões de altos melindres se julgava dispensado de continuar nos seus trabalhos. :
Pediu a exoneração que lhe foi concedida. Foi uomeado outro 'que. ainda não iniciou os seus trabalhos. Sem embargo,-aquele Sr. Deputado continua a sentar-se na respectiva cadeira e a ser legislador deste País.
' Há dias também um jornal,' órgão- dó segundo Partido da República,- dirigiu acusações da mais alta gravida.de ao 'Sr. Presidente do - Ministério em corís<_3 quando-='quando-' que='que' de='de' estavam='estavam' toneladas='toneladas' uma='uma' ex.a='ex.a' instituições='instituições' devia-ser='devia-ser' do='do' armazenadas='armazenadas' fosse='fosse' porto='porto' lei='lei' porção='porção' das='das' s.='s.' ter='ter' a='a' alfândegas='alfândegas' nas='nas' apreendido-='apreendido-' e='e' termos='termos' levantada='levantada' beneficência.='beneficência.' reverter='reverter' grande='grande' esse='esse' p='p' açúcar='açúcar' _-nos='_-nos' favor='favor' da='da' autorizadoque='autorizadoque' qúência='qúência'>
S. Ex.a podia ter vindo aqui dizer da sua justiça; mas não o fez. E todavia, Sr. Presidente, quando se fazem acusações de, tal natureza, os homens não podem fingir que não ouvem, nem dizer que não .têm jornais, como dizia o Sr. Afonso Costa, porque o nosso povo tem . uma natural tendência para acreditar è reproduzir tudo quanto ouve e lhe consta em desabono de qualquer cidadão/ principalmente quando se trata de algum homem público.
Para terminar quero salientar o facto de se dizer que o processo das' libras sé encontra fechado na gaveta de Sr. Ministro da Justiça. S. Ex.a diz que não, na Procuradoria da República também não' está.
Onde está então?
<íSerá estado='estado' dos='dos' banqueiros='banqueiros' devem='devem' o='o' p='p' para='para' isto='isto' pagarem='pagarem' que.='que.' um='um' truc='truc' não='não' ao-='ao-' _='_'>
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso^1:— Sr. Presidente, Srs. Senadores: quando entrei no Parlamento, tinha tenção de me dirigir ao Senado, por.isso que tinha sido nesta Câmara, que, em primeira mão, se tinha levantado esta questão. u .
Soube depois que o Senado estava em sessão prorrogada, e soube, mais tarde, também que se tinha encerrado a sessão pára começar em seguida outra.
Imediatamente me apresentei aqui, esperando que se levantasse novamente a questão, e se nenhum Senador a levantasse levantar-me-ia eu.
Agradeço portanto aos Srs. Senadores, que versaram este assunto, o terem-me facilitado tratar, dele.
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rações; mas não responderia ao jornal que me atacou..
, O Sr. Joaquim Crisóstomo (em aparte):— Mas pode responder pelos tribunais.
O Orador:—Pelos tribunais! Para me condenarem.
Em casos onde se mete a imprensa ela é sempre favorecida pelo juiz.
Interrupções.
O Orador:—Peço a V. Ex.a8 que não
me interrompam.
Quando V. Ex.as usaram da palavra, eu não os interrompi.
Muitos apoiados.
Deixem-me apresentar claramente o meu raciocínio.
Dadas estas breves explicações, vou entrar propriamente no assunto.
Foi o Sr. Eibeiro de Melo quem levantou a questão da Companhia de Cal e Cimento, nesta casa do Parlamento, mas levantou-a duma forma um pouco nebulosa, dando origem a que alguns jornais, no mesmo dia, ou no imediato, se referiram veladamente à minha pessoa.
'Isso levou-me a no dia seguinte dirigir uma carta ao Sr. Presidente do Ministério, pedindo a minha exoneração do lugar de Ministro.
O Sr. Presidente do Ministério disse--me que o caso não era para isso, e que mal iria aos Ministros se procedessem dessa forma.
Não fiquei absolutamente convencido com o caso, e, então, o Sr. Presidente do Ministério disse-me que falaria com o Sr. Ribeiro de Melo, e que depois eu poderia pautar o meu procedimento como melhor entendesse.
Passado pouco tempo, recebi uma carta do Sr. Presidente do Ministério, e j unto uma outra escrita pelo Sr. Eibeiro de Melo, que era mais ou menos o que S. Ex.a disse da sua cadeira há pouco.
Agradeci depois ao Sr. Ribeiro de Melo às suas palavras, porque sempre agradeci as palavras de elogio mesmo quando elas são justas.
Não posso portanto deixar de agradecer agora também novamente ao Sr. Ribeiro de Melo as suas palavras, tanto mais que elas são as precisas, para me colocarem absolutamente fora da questão.
É S. Ex.a quem diz que não há um documento que possua uma única palavra a me a respeito.
O Sr. Joaquim Crisóstomo disse que era preciso que eu me justificasse.
Não me justifico; darei explicações' à Câmara.
A justificação implica a idea da culpa, e eu garanto que não sou culpado.
Mas a melhor maneira de o provar é cornar a V. Ex.a o que se passou.
Fui realmente convidado para fazer parte da Companhia de Cal e Cimento. Tive então o cuidado de indagar se essa companhia tinha contratos com o Estado e foi-me asseverado que não, como realmente tive ocasião de verificar.
E desde que assim era, eu julguei-me e julgo-me no meu libérrimo direito de empregar a minha- actividade onde eu quiser, tanto mais -que nunca aceitei favores da República.
Nunca à República pedi um favor para mim e nunca da República aceitei nada, senão distinções honoríficas, imerecidamente dadas, é certo.
Vozes:—Não apoiado! Não apoiado!
O Orador:—Mas favores pecuniários nunca os recebi. Precisamente por isso, tenho de trabalhar fora da República p ara me poder apresentar como homem que tem uma posição política no país.
É, pois, absolutamente verdade que fui convidado a fazer parte daquela companhia e que, depois de ter verificado se ela não tinha contratos com o Estado, acei-' tei.
Das palavras do Sr. Ribeiro de Melo conclui-se que quando eu aceitei o cargo de administrador da. Companhia de .Cal e Cimento já se tinham dado os factos por que eu sou acusado num jornal. Mas se esses factos passados em 1922 fossem condenáveis, e não sei se o são, eu, que entrei em 1923, que responsabilidade posso ter neles?
O Sr. Joaquim Crisóstomo: — Conforme. Se V. Ex.a tivesse conhecimento de que havia um-roubo, não devia querer fa-' zer parte duma companhia de ladrões.
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houve irregularidades na companhia. Depois disso, desempenhei o meu cargo até o dia em que fui nomeado Ministro. Desde esse dia, nunca mais lá voltei, e só há pouco tempo, em virtude do que se tinha dito num jornal, para estar ao corrente do que se passava e poder assim responder a qualquer observação que me fosse feita, procurei saber o que havia.
Mas, continuando a explicar, direi que entrei para a Companhia de Cal e Cimento e, é claro, vim acompanhando todos os actos da companhia de então para cá, devendo dizer que nunca nas reuniões que houve da direcção se tratou de casos de tal natureza, só tendo eu conhecimento daquele que o Sr. Eibeiro de Melo se ocupou, pelas palavras de S. Ex.a
A Companhia de Cal e Cimento negoceia em cal e cimento. Entendeu essa companhia em 1922 que em virtude de determinados accionistas terem contribuído para a colocação de muita cal e cimento devia dar um bónus, e deu-o como recompensa daquele serviço. E uma orientação que se defende.
Diz o Sr. Ribeiro de Melo que tem documentos.
Eu só sei que documentos foram roubados por um empregado infiel, filho dum homem que foi muito meu amigo.
Este empregado é filho de um ex-ca-marada meu que, por ter entrado na trau-litânia do Porto, teve de sair do exército.
Lutando com dificuldades, pediu ao coronel Sr. Baptista Coelho, meu colega na administração da companhia, que o admitisse como empregado. Foi admitido e lá esteve apesar de os seus serviços não serem muito necessários.
•Metendo-se dentro da companhia e cogitando as coasas que julgou serem boas, roubando documentos para depois cá fora, quando lhe parecesse oportuno, os exibir. Denunciado o facto aqui, pelo Sr. Ribeiro de Melo, o Sr. Ministro das Finanças mandou, como era natural, fazer uma inspecção à Companhia de Cal e Cimento. Â inspecção de finanças formulou o seu relatório que ainda não está publicado, mas. consta à direcção da companhia que nesse relatório se não dá como boa a apli- cação de dinheiro que a companhia fez, que entendia que aqueles bónus deviam ser considerados como lucros e como tal pagar o imposto conveniente. A companhia não se mostrando de acordo com este modo de ver entregou o caso ao seu advogado para ele dirimir a questão pelos meios legais. E aqui tem o Sr. Joaquim Crisóstomo a razão por que eu disse há pouco que não sabia se os factos apontados eram condenáveis. É um caso ainda a dirimir. Eu, Sr. Presidente, apresento o facto tal como o conheço e me foi'apresentado. Quanto à minha administração a dentro da companhia devo dizer o seguinte: na companhia havia três directores delegados que eram eu, o Sr. Baptista Coelho e o Sr. Baltasar Cabral. Quando se tratou do empréstimo a fazer pela Caixa Geral de Depósitos estive eu em Lisboa, .mas creio que não fui eu quem iniciou as negociações, tratando delas, contudo, até que, antes delas ultimadas, tive de ir para Caldelas abandonando assim as negociações que se estavam fazendo para o empréstimo, as quais foram ultimadas pela direcção com que sou solidário. A influência do coronel Sá Cardoso não era, contudo, tam grande que levasse a Caixa Greral de Depósitos a fazer o empréstimo de 300 contos tal como tinjia sido pedido, concedendo apenas 200 contos. De resto, eu não usei da minha influência, se é que a tenho, nem a Caixa Geral de Depósitos a aceitaria. A Caixa Geral de Depósitos é uma instituição modelar que não empresta dinheiro sem se assegurar das condições em que o faz. Quanto à falsificação de escrituras não sei de que se trata, pois não conheço nenhum caso desta natureza. Resumem-se nisto as acusações que me são feitas e que julgo ter desfeito. Não me consta que houvesse greve senão em 1921. Cousa sem importância em que a guarda nacional republicana interveio como é costume em todas as greves.
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Diârió\-dás Sessões 'do'Se'nado\
afora as vezes que os tinha aumentado anteriormente.
Durante o tempo que lá estive não houve questão alguma j e que me conste também até hoje não-houve.
É uma especulação o que se está fazendo.
Não me consta que tenha havido cual-qner zanga entre, os'operários da companhia e a direcção. . ;
Não sei, como já disse, se este facto é verdadeiro ou não, mas sei que factos desta natureza se passam em diferentes companhias e que são discutíveis só se podendo formar juízo seguro quando os tribunais se pronunciem.
Diz-se ainda mais o seguinte:
Leu.
Esta parte ,ó verdadeira; foi o que me trouxe aqui.
Os homens têm realmente de ser honestos, e não basta que o sejam, têm tan-bém de o parecer, de o provar a tcda a hora com os actos que praticam, para se poderem apresentar perante os seus concidadãos de cabeça levantada.
E porque assim penso, porque para viver honestamente, como disse há pouco, tenho de continuar a trabalhar, porque não posso viver só com aquilo que ganho como militar, o que sucede a todos os funcionários, continuarei a trabalhar como até aqui, quando abandone o alto cargo que hoje ocupo.
. Mas para que não se possa ter suspeita alguma sobre o homem que se senta nesta cadeira, estou de acordo com o que disse o Sr. Joaquim Crisóstomo.
Deixe-me, porém, S. Ex.a dizer que pela forma como fala aqui não pode depreender-se que eu pretendo alijar res~ ponsabilidades ou que eu tenha tido até hoje qualquer motivo para me afastar da direcção da Companhia de Cal e Cimento, além de ser nomeado Ministro ou para. deixar de ter por ela menos consideração do que aquela que tinha quando para lá entrei. Os homens da direcção da Companhia de Cal e Cimento continuam a merecer a minha estima e consideração.
Creio que nestas cadeiras não se senta ninguém que não tenha cumprido com os seus deveres e com os que hão-de vir há--de suceder o mesmo.
Interrupção do Sr, Ribeiro de Melo, que não se ouviu.
O Orador: — O. defeito não é dos ho-' mens que .se sentam nestas cadeiras,, o>. defeito, vem da perda do sentimento e'do-, respeito daqueles que em determinado», momentos não hesitam em levantar acusa-, coes e insinuações sem inquirir da sua. veracidade, lançam-nas sobre os homens para . os atingir (Apoiados), lançam-nas>; sobre os que 'aqui estão e hão-de lançá--las sobre S. Ex.? se amanhã aqui estiver. * >
O Sr. Joaquim Crisóstomo apresentou; ama hipótese que ao ineu espírito não só», não repugna, como agrada.
Os homens que se sentam nas cadeiras-; do Governo têm de ter uma vida límpida e clara como um espelho para que todos a vejam.
Nestas condições, eu aceito de bom grado o inquérito que o Sr. Joaquim Cri- > sóstomo pediu aos meus actos. Só com uma condição: é que o inquérito não se-; limite a esses actos, mas que abranja todos os actos da minha'vida. Eu não te- • nho escrituração, porque não tenho fortuna, pcis apenas possuo meia dúzia de-. contos de réis. Tudo quanto a calúnia tem espalhado a meu respeito, que sou direc- , tor duma companhia de pesca, que recebi acções da moagem e agora, há pouco,. 100 contos pela questão do Eesmoninhal, tudo isso me dava para poder viver à grande em- qualquer parte e não estar aqui, se fosse verdade.
Mas não é, felizmente, e por isso, ré- , pito, aceito absolutamente o inquérito-que o Sr. Joaquim Crisóstomo pediu. Er -para que ele possa oferecer todas as garantias de imparcialidade, eu desde já -declaro que deixo de ser Ministro do In- > terior. :
Vozes: — Não apoiado, não apoiado- > Não pode ser! Não pode ser!
O Sr. Ribeiro de Melo : — Sr. Presidente : as últimas palavras proferidas pelo- . Sr. Sá Cardoso, velho republicano e hon- ; rado cidadão, calaram profundamente no meu espírito.
CO Sr, Ministro do Interior pretende sair da sala, o que lhe é impedido por dl- '. guns Srs. Senadores que o rodeiam).
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não havia nada que pudesse atingir a sua honorabilidade de Ministro do Interior, e muito menos a honra e a dignidade dum republicano como S. Ex.a E daí vem a carta qne eu escrevi ao Sr. Sá Cardoso, devido à comunicação que o Sr. Presidente do Ministério me dirigiu, dizendo que o Sr. Ministro do Interior estava demissionário em virtude dumas insinuações que tinham aparecido num jornal, e que diziam respeito à Companhia de Cal e Cimento.
E como eu desejava fazer justiça ao Sr. Sá- Cardoso, insisti junto do Sr. Presidente do Senado e dos meus colegas desta Câmara para que me fosse concedida a palavra, a fim de dizer ao velho republicano Sr. Sá Cardoso que da minha parte não havia intenção contra S. Ex.a, e que eu não era o autor das notícias ultimamente publicadas nos jornais, ou ainda o portador dessas notícias.
Mas a Cêmara tem de reflectir — e ato o próprio Sr. Sá Cardoso tem de pensar— ó que se aposta em intrometer nos crimes e nos abusos fiscais das grandes empresas comerciais e industriais do país o nome honrado dalguns republicanos.
Apoiados.
S. Ex.a o Sr. Ministro do Interior — que é um Ministro do Interior — aspira pelo inquérito sugerido aqui por um excesso de nervos do nosso colega Sr. Joaquim Crisóstomo, a fim de ficar bein colocado com a sua alta situação de Ministro. Pode S. Ex.a aceitar esse inquérito, na certeza de que o veredictum de toda a Câmara será o de louvar S. Ex.a, tanto mais que possuo provas de que o Sr. Sá Cardoso é incontestavelmente um homem honrado. Chego por vezes a preguntar por que razfto as grandes emprêsa'8 comerciais e industriais vão buscar ao grupo dos altos republicanos aqueles que mais orgulho nos dão a nós republicanos. E imediatamente a resposta me aflora aos lábios : é que se porventura o Estado republicano lançasse os seus olhos com dignidade e se passasse, com verdadeiro civismo, a acudir à situação dos seus funcionários e das suas altas figuras representativas, certamente que os políticos do estofo do Sr. Sá Cordoso jamais se podiam afastar da actividade política para irem gastar essa mesma actividade em sociedades anónimas, como a da Companhia de Cal e Cimento. Mas a verdade é que o nome do Sr. Sá Cardoso, como republicano, não pode de maneira nenhuma figurar entre os de Baptista Coelho, Rui Ulrich e Baltasar Cabral, criaturas que têm levado o Estado republicano à ruína. Gostaria que o Sr. Sá Cardoso não fizesse parte dessa Companhia. Encontrando-me num café chegou-me às mãos um maço de papéis, alguns dos quais diziam respeito à Companhia de Cal e Cimentos, que eu não sabia que existia. Lendo esses documentos encontrei neles nomes da alta finança, e verifiquei que .existia Uma fraude contra o Estado. Soube também que mais tarde o Sr. Ministro das Finanças tinha ordenado um inquérito fiscal, porquanto denúncia houve que chegou à Repartição das Contribuições directas. Vê-se, pois, que a Companhia de Cal e Cimentos pretendia defraudar o Estado negando-se ao pagamento daquelas contribuições que devia, por virtude dos grandes lucros que tinha realizado. Se alguém houve quê tivesse influído em tal situação, de modo algum foi o Sr. Sá Cardoso. Não deixo de me referir ao Sr. Baptista Coelho. E pessoa que entra em todos os Ministérios, e de tudo dispõe. E dessa Companhia com o Sr. Baltasar Cabral, pessoa que é de grande influência financeira e que não fazem falta à fiscalização.
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E porque não se aplicam as leis que a todos obrigam à sua execução e cumprimento.
O Sr. Presidente do Ministério, o Sr. Ministro das Finanças e os outros Ministros que constituem o Poder Executivo da Eepública Portuguesa sabem que essas leis existem e que, -portanto, devein ser executadas, e que se, porventura, se aplicasse a lei das sociedades anónimas e tivesse havido uma verdadeira fiscalização, o Estado não teria sido defraudado em tam larga cifra. Mas, infelizmente, -nós vemos que a propósito da Companhia Caí e Cirnentos se faz o mesmo que em matéria de contabilidade se faz em todas as companhias.
O Sr. Silva Barreto: — ^V. Ex.a dá-me licença, que eu o interrompa para fazer um requerimento?
O Orador: — Sim, senhor.
O Sr. Silva Barreto: — Sr. Presidente: o Sr. Ribeiro de Melo permitiu-me que eu o interrompesse para formular um requerimento, que é o de que seja prorrogada a sessão até se liquidar esta questão.
Vozes:—F.stá liquidada, está liquidada. Foi aprovado.
O Orador: —Vê a Câmara que a culpa é dos Srs. Ministros das Finanças, não do Sr. Álvaro de Castro, mas dos seus antecessores, muito particularmente do meu Partido que é aquele que mais Ministros das' Finanças tem dado,, por não terem mandado cumprir as leis da Kepú-blica.
Mas como-é que S. Ex.a quere que nós outros, que nos arvoramos em fiscaliza-dores da administração republicana, possamos levar a sério o cumprimento das leis, se agora eu sei que, devido ao estado de ânimo do ST. Ministro das Finanças na compressão de todas as despesas supérfluas e inúteis, S. Ex.a determinou que, pela sua x pasta, fosse concedida a remuneração à comissão de indemnização instituída em 1920 e que tem por fim obter de todos aqueles que entraram na revolução monárquica o desembolso correspondente aos prejuízos que ocasionaram.
Pois S. Ex.a, certamente, porque agora viu os cofres a abarrotar de dinheiro, mandou pagar a essa comissão da qual fazem fazem parte os Srs. Oliveira e Silva, o director geral da Fazenda Pública, o general Abel Hipólito o outros funcionáL rios.
O Sr. Alberto Xavier, director geral da Fazenda Pública, foi há pouco nomeado director da Casa da Moeda, no impedimento do director efectivo, Sr. Aníbal'. Lúcio de Azevedo.
Mas o Sr. Ministro das Finanças, se tivesse pensado um.momento na responsa-^ bilidade do seu lugar e se o seu republicanismo o tivesse levado a bem servir as ins^ tituiíções republicanas, certamente que não-teria ido buscar esse funcionário do seu Ministério para ir ocupar esse lugar, tanto mais que esse funcionarão é responsável perante os tribunais, desde que sejam aplicadas as leis de responsabilidade ministerial e da contabilidade pública.
Esta é que é a verdade.
Não houve mesmo entre aqueles que-S. Ex.a o Sr. Álvaro de Castro levou para Santarém para combater a ditadura, do Sidónio, não houve, digo, entre esse-grupo um civil capaz de bem servir o Estado republicano no lugar de director da Casa da Moeda, em substituição do-Sr. Lúcio de Azevedo, sobre o qual pesa uma sindicância, cuja conclusão bom seria que 'se realizasse, a fim-de se reconhecer a justiça se, porventura, ele merecesse voltar para o seu lugar, ou então castigá-lo.
Mas*não se fez isso, e o Sr. Ministra das Finanças, que comprime todas as despesas desnecessárias da sua casa, já não faz o mesmo quanto às despesas do Estado, porque mandou pagar a essa comissão, a qual percebe mensalmente, em mér dia, 400$, visto reunir três vezes por semana.
j O assunto a que se refere a lei de-1920 é tam importante que a comissão-reúne três vezes por semana!
E se a vindicta popular fosse o manda-.tário, havíamos de ver as ilegalidades cometidas por essa comissão, porque os-seus membros nem sequer assinam as-' actas e todavia recebem uma gratificação de três a quatro meses.
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dadé das pessoas que fazem parte dessa comissão, antes de sair para os seus afá-r zeres particulares, deu um bodo aos pobres do seu Ministério.
E, assim, (icomo podemos nós ter confiança na administração republicana, quando os Ministros das Finanças cometem actos destes?
A Companhia de Cal e Cimento não faz mais do que outras Companhias, como a dos Tabacos, a dos Eléctricos, que pon-. tificam, tendo os irmãos Ulrieh à frente.
São estes dois homens.que fizeram a plutocracia que entre nós manda.
Foi o Sr. Álvaro de Castro que esteve na revolução de Santarém e que pretendeu impor na administração pública o regime da moralidade.'
Assim, é preciso que S. Ex.a, então,; obrigasse ao cumprimento exacto das leis e não quisesse saber das imposições par tidárias.
S. Ex.a seria um , bom Presidente "de, Ministério, extra-partidário, mas partidário tem que modificar a sua opinião.
Agora mesmo dá-se o facto da nomeação do Sr. Oliveira e Silva para director da Casa da' Moeda. Ele que nunca foi um republicano, que antes foi' um monárquico, e que hoje dentro da República, não pode merecer a confiança, porque os seus actos a não inspiram.
Pois da alta burocracia financeira foi cair na Casa da Moeda.
Foi assim o Sr. Presidente do Ministério : dentro deste regime, que está exposto a mil e um perigos dos seus inimigos, buscar mais um destes que tem feito a resistência passiva, para ocupar um lugar de tanta importância.
Mas isto há-de acabar um dia.
Não sei quando virá a segunda República, mas nessa altura o Sr. Álvaro de Castro há-de ver a seu lado muitfo poucas dessas pessoas que S. Ex.a tem engrandecido, dessas pessoas muitas das quais nunca deveriam ser aceitas pelos Partidos organizados da República.
Sinto as minhas ilusões a desfazerem-se.
Desculpe-me a Câmara que eu tenha divagado um pouco, mas estas considerações vêm a propósito é eu quis aproveitar a ocasião.
Devem os Bancos ao Estado, deve a Companhia dos Tabacos, é favorecida a
Companhia da Moagem, que do Estado-republicano tem recebido altos favores. •*
Toda esta plutocracia é absolutamente patrocinada pelo Estado republicano e sem resultado para ele.
Impõem-se estas individualidades a todos os Grovernos, que são arrastados pelos cantos de rouxinol.
V. Ex.a compreende, que .eu não posso chamar ao regime ignominioso-; a situação actual é que eu acuso, ao regime não.
E V. Ex.a sabe muito bem porquê. •
Porque ou quero mais ao regime ré-" publicano do que a V. Éx.a . E ó por eu ser republicano, e é por.eu. querer uma república digna, administrada por homens republicanos, e como não consigo ver uma cousa dessas, ,e com. já perdi as esperanças de o Sr. Álvaro de Castro achar a incógnita deste graye'pro-blema. eu não posso deixar de dizer ia. V. Ex.a . . .
O Sr. Presidente: — V. Ex.a pediu a palavra para explicações, e eu tenho-O' deixado falar sobre todos os assuntos, mas estão mais oradores inscritos, e por isso pedia a V. Ex.a que resumisse as suas considerações.
O Orador: — Eu termino já, Sr. Presidente.
Somente quero dizer ao Sr. Ministro do Interior que nãcr há nos documentos que eu possuo, e que amanhã porei à disposição da Câmara,' um. único acto ou um único facto escrito que possa comprovar a desonestidade do Sr. Ministro de Instrução, ou ainda a cumplicidade do coronel Sr. Sá Cardoso, na falta de pagamento da contribuição que essa Companhia deve.
S. Ex.a disse qpie a falta de pagamento a que se referem as noticias dos jornais são anteriores à entrada do coronel Sr. Sá Cardoso para essa empresa.
S. Ex.a disse, e eu tenho o prazer de o-confirmar.
Não há portanto razão para o Sr. Ministro do Interior nos desacompanhar, e-de deixar o Governo, que está quási em terra, e até já por aí se diz que o homem vem de Paris para formar gabinete.
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vai esforçar para aplicar todas as leis existentes, porque não é preciso fazer mais leis, as que existem são suficientes para meter na cadeia todos aqueles que prevaricam, que roubam, e dar-lhes a sanção que merecem todos os crimes que têm cometido, como são por exemplo o da Companhia dos Tabacos e outros.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Procópio de Freitas: — Quando levantei esta questão urgente, torno a repetir, o meu intuito foi única e simplesmente dignificar a República e mais nada.
O Sr. Ministro do Interior deu uma explicação dizendo que a fraude atribuída a essa Companhia foi praticada antes da sua entrada para essa mesma Companhia, e que a questão está entregue ao Tribu-bunal.
Disse S- Ex.a que questões idênticas se dão em outras empresas e companhias.
O que eu digo a V. Ex.a é que naturalmente, no fim de tudo, quem há-de ter razão são essas Companhias, porque o Estado é sempre quem fica roubado.
Eu não tenho a mais pequena dúvida sobre a- honestidade do Sr. Sá Cardoso.
E, Sr. Presidente, também não é desonesto o facto de se pertencer a uma dessas Companhias, desses potentados que há no nosso país.
Não é desonesto, mas a meu ver o que há, é incompatibilidade com a situação de Ministro, porque dá motivo pelo menos a suspeições.
Como já tive ocasião de dizer nesta Câmara, acredito que muitos dos Srs. Ministros não se tenham aproveitado da sua situação para se favorecerem a si ou às companhias a que pertencem, mas também acredito que alguns o tenham feito.
Se os homens públicos estivessem afastados dessas e doutras companhias, já não haveria tantas suspeitas.
Uma grande parte dos homens públicos não se contenta com pouco, e recebe vencimentos de várias empresas. Se fizessem como eu, que vivo com os meus vencimentos de oficial de marinha, já ninguém os acusava de favorecerem as companhias, empresas e bancos a que pertencem.
É bom frisar que as companhias procuram atrair esses homens públicos, não
pelo seu valor pessoal, mas pela influência política que eles têm.
Não compreendo, Sr. Presidente, que quem vive na abastança com quatro ou cinco empregos, se sinta com força moral para exigir aos funcionários públicos, tanto civis como militares, que vivam com os seus míseros vencimentos.
Emquanto os homens do Governo estiverem ligados a interesses que estão em antagonismo com os do povo, não podem merecer deste a devida confiança.
Para se ter força moral, para exigir sacrifícios ao povo, é preciso que se compartilhe também desses sacrifícios.
Emquanto os Ministros não tiverem força moral bastante para se imporem à opinião pública, não há maneira de se fazer neste país o que é necessário fazer-se.
Tenho dito.
O Sr. Mendes dos Reis: — Sr. Presidente: breves palavras apenas, porque entendo que incidentes desta ordem devem ser liquidados com rapidez para prestígio do Parlamento e das instituições.
Adopta-se agora muito o sistema da ca-, lúnia e da suspeição contra os homens públicos. Há, por assim dizer, um prazer doentio em emporcalhar e atirar a lama mais fétida à cara dos homens da República.
Faço votos e desejo ardentemente que o Parlamento, embora animado das melhores intenções, não faça o jogo daqueles a quem convém o seu desprestígio e o do regime.
O Sr. Procópio de Freitas (interrompendo]:—Há, pelo contrário, vantagem em se trazerem para aqui estas questões para se esclarecerem.
O Orador:—Eu não me refiro ao facto de V. Ex.a ter levantado a questão.
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E S. Ex.a, acentuando bem que não se estava justificando, mas apenas dando as explicações que o Senado merece, não deixo a no espírito de nenhum membro desta Câmara a mais pequena dúvida sobre a honestidade do seu procedimento.
Não são os actos do Sr. Ministro do Interior que estão em discussão. Se estivessem, alguma interpelação lhe teria sido feita e então seria ocasião de apresentar uma moção.
Mas o Sr. Sá Cardoso, depois de plenamente se explicar e de mostrar a sua repulsa pela forma como se fazem insinuações, terminou por umas palavras que a Câmara não pode aceitar.
Apoiados.
S. Ex.a disse que, em virtude dessas insinuações, não podia continuar a ser Ministro do Interior.
Esse gesto do Sr. Sá Cardoso não pode ficar como precedente '(Apoiados), porque seria a maneira fácil e cómoda de fazer 'sair qualquer Ministro.
Eepito, não ó a personalidade do Sr. Ministro. do Interior que está em jogo, mas sim o coronel Sá Cardoso.
O Senado precisa der responder ao gesto do Sr. Sá Cardoso. É por isso que eu, embora não tivesse havido uma interpelação, mando para a Mesa uma moção concebida nos seguintes termos:
«O Senado, manifestando'a sua'alta consideração pelo coronel Sr. Sá .Cardoso, passa à ordem do dia.—Mendes dos Reis-».
Vozes : —Muito bem, muito bem.
O Sr. Silva Barreto: — Foi para mim bem doloroso o momento em que ouvi insinuar ou fazer afirmações que parece quererem atingir ou denegrir o carácter de um homem que à República tantos serviços tem prestado e ao qual nós respeitamos e consideramos justamente por esses mesmos serviços.
Não ó em nome deste lado da Câmara qae falo, é em meu nome pessoal.
Vozes: — Mas pode falar em nome de todos. „
O Orador: — É em meu nome que falo, porque infelizmente não se encontra neste
lado da maioria quem de direito devia falar.
A Sá Cardoso ligam-me laços de íntima amizade desde há muitos anos, mas não são as minhas relações de amizade com S. Ex.a que mo obrigam a considerá-lo um dos homens, sem a menor dúvida, mais honestos da República.
Sr. Presidente: conterrâneos meus, seus amigos e também meus, várias e muitas vezes me têm afirmado, por conhecimento próprio, a necessidade que Sá Cardoso tem de aplicar a sua actividade com o obter os indispensáveis meios para ocorrer às mais urgentes necessidades da sua vida.
Muitos apoiados.
Tenho a certeza que este lado da Câmara não pode deixar de dizer ao Sr. Sá Cardoso que não deve, de forma alguma, abandonar aquele lugar porque isso seria um precedente desgraçadíssimo, e então toda a gente, ou pelo menos todos aqueles que usassem de menos escrúpulos, poderiam, de um momento para outro, não só levar à demissão qualquer Minis tro como o próprio Ministério.
Tenho uma grande consideração pelos homens que neste momento se sentam nas cadeiras do Poder, por todos eles, porque os actos do Poder Executivo têm sido de modo a prestigiar o regime e moralizar a administração pública. s
Ora, justamente, porque tenho uma grande admiração pelas pessoas que se sentam naquelas cadeiras, tenho por Sá Cardoso igual admiração, senão superior a todos os outros, justameiitepelas considerações que acabo de fazer.
Sr. Presidente: é uma onda de lama que parece querer envolver todos os homens da República. Extravaza por todos os lados, é uma campanha certeira aquela que se tenta fazer contra os homens da República, intentando derrubá-los sob o ponto de vista da moralidade. Ai de nós,, republicanos, senos deixássemos envolver nessa onda negra da lama pestilenta.
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'de vigência; não são velhas as monarquias da Europa que conseguiram resistir ao -tufão da guerra como por exemplo a Sué-
' -cia, a Noruega e a grande Inglaterra,
Todavia essas naçõos3 que são mais velhas que as instituições monárquicas em •Portugal, não foram arrancadas pelo tufão
. da guerra que transformou o aspecto político da Europa num outro.
Sr. Presidente: a Suécia, a Noruega e 'Inglaterra são, por assim dizer, o protótipo dos princípios da moralidade na administração; se assim não fosse, elas -também teriam sentid.o o tufão da guerra.
• Sr. Presidente : eu nunca me arreceei da existência da República nos primeiros anos, mas tive receios, e muitos, que o regime também fosse contaminado por aqueles males que derruíram a monarquia em 1910. Não há dúvida que os regimes resistem a tudo menos a actos de imoralidade.
Ora, a República tem uma administração moral para mim desde 1910 até ' 1917. Depois em 1918 "é o que V. Ex.a e a Câmara sabem. Em 1919 é o que. V. Ex.a e a Cí-marà também sabem. E de « então para-cá.é com mágoa que tenho de fazer esta afirmação1: naquelas cadeiras, onde se têm sentado homens honestos, não se tem empregado a palavra «não».
E justamente por isso que a Eepública se têm visto enrodilhada e enlameada pelos seus inimigos, acusada da prática âe actos que o Poder executivo não tem feito.
• Os homens que têm governado a República, na sua grande maioria, têm sido, na minha opinião, essencialmente honestos, mas nenhuma dúvida tenho que alguns deles têm sido acusados da prática de actos que se não coadunam com a moral idade do regime.
• É justamente por isto mesmo que nós temos necessidade de olhar com olhos de ver para a República a fim de que não sejam enlameados homens, como aquele •que deu origem a este incidente, ou seja •o Sr. Sá Cardoso.
Apoiados.
• E agora para terminar direi: desejaria ' -que a República, para de uma vez pôr os
sens homens públicos a salvo desta onda •enlameadora, cumprisse a parte da Constituição fazendo publicar uma lei de responsabilidade do Poder Executivo e do Parlamento, pois só assim acabaria esta
'exploração de que o Poder Executivo se locupleta à custa da moralidade do regime da Nação.
O orador não reviu.
- O Sr. Afonso de Lemos: — Sr. Presidente : eu não quero censurar o Senado, nem está isso nos meus hábitos. Todavia, • julgo-me no direito de lamentar que esta 'Câmara, trazendo para aqui questões, umas com carácter pessoal, com as quais -o Senado nada tem que ver (Apoiados), outras com o carácter também pessoal e referentes a indivíduos que exercem funções em companhias, hancos, etc., com que o Senado • igualmente nada tem quo ver, por isso que lá estão os Ministros e •as autoridades para os condenar, se for de justiça, tenho que lamentar, digo, que o Senado se ocupe constantemente de assuntos desta ordem, convertendo esta as-semblea mais num centro político do que 'propriamente numa assemblea legislativa.
- Quem estiver assistindo a esta sessão preguntará o que é que o Senado está a fazer, pois está discutindo uma questão puramente pessoal, quere dizer, faltando . à sua missão.
- O Sr. Procópio de Freitas apresentou urna questão urgente, não de carácter pessoal, mas> de carácter político, por isso que se refere às relações entre o Ministério do Interior e o coronel Sá Cardoso; .emfim veio tratar de um assunto que se prende com estas duas entidades.
Se o Sr. Procópio de Freitas tivesse declarado que tratava de uma questão pessoal eu diria logo, em nome do meu' partido, que nós não tínhamos nada que ver com Isso. Mas não:,.inicióu-se o incidente com um carácter pólítico-social para terminar com uma moção de carácter puramente pessoal, e o protesto que eu teria feito logo no princípio da sessão tenho de o fazer agora por ver que se cenverteu o incidente numa questão meramente pessoal, o
O Sr. Ministro do Interior entendeu dever sair do seu lugar e eu tenho de respeitar a atitude.de S. Ex.a porque isso é 'uma questão de foro íntimo.
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Lembra-me um caso 'sucedido comigo, quando era criança. Um criado da minha •casa apanhou um pardal e deu-mo. Eu tomei tanta amizade à ave e de tal modo a apertei que daí a pouco ela já estava •com a língua de,fora e .morta,
A meu ver, a República é como um doente, que precisa estar sossegado no seu quarto, tratado por pessoas competentes e proibido de falar com muita gente; todavia, faz-se exactamente o contrário, anda-se com ela aos trambulhões, fazem-na estar constantemente a receber comissões e a falar com toda a gente.
Oxalá que não lhe aconteça o mesmo que ao pardal que eu matei por muito exageradamente p estimar.
O Sr. Roberto Baptista:-7 Não vou fazer um discurso político, vou, apenas, referir-me ao assunto em discussão.. . Admirador das nobres qualidades do «oronel Sá Cardoso o ,honrandp-me de há muito com a sua amizade, não podia, neste momento, deixar de proferirfalgumas palavras rendendo-lhe a homenagem da minha mais elevada consideração.
Dou o meu voto à moção apresentada pelo Sr. Mendes dos Reis. „ Se S. Ex.a não a tivesse apresentado tê-lo-ia eu feito. ,
Eu dou o meu voto a essa moção, independentemente das afirmações aqui feitas pelo ilustre Senador Sr. Ribeiro de Melo, porque o Sr. Sá Cardoso não precisa que ninguém faça declarações para comprovar & sua honestidade. (Apoiados). Não tem necessidade de que lhe passem certidões de bom comportamento. . Apoiados.
• Voto esta moção, independentemente também das palavras proferidas pelo Sr. Sá Cardoso, porque S. Ex.a tem tido vida honesta que' todos conhecem (Apoiados) e não tem necessidade de explicar os sens actos.
Fê-lo no cumprimento do seu dever. Não era, porém, isso necessário para que sobre o seu carácter formássemos a nossa opinião.. Já está de há muito formada.
Não só como republicano, mas como cidadão, o Sr. Sá Cardoso merece o respeito e a consideração de todos os homens de bem.
Apoiados.
Como seu amigo e admirador das suas
qualidades de carácter posso afoitamente afirmar que a minha honra rosponde pela sua.
Tenho dito.
. O Sr. Procópio de Freitas: — Como a moção apresentada pelo Sr. Mendes dos Reis diz respeito ao Sr. Sá Cardoso e não ao Ministro do Interior, podia abster-me de usar da palavra, visto que há pouco declarei que não tinha a menor dúvida na honestidade do Sr. Sá Cardoso.
Mas tratando-se duma moção,. e sendo praxe os representantes das várias correntes de .opinião manifestarem-se, não quero deixar de o fazer, dizendo novamente que considero S. Ex.a uma pessoa, honesta..
. Devo dizer que, quando tratei do negócio urgente, não vi diante de mim a pessoa do Sr. Sá Cardoso, mas sim o Minis--tro, que ficava numa situação delicada perante o que se dizia nesse jornal, e era preciso que o assunto se esclarecesse.
Se o Sr. -Sá Cardoso fica ou não no Ministério, é cousa que me é indiferente, e daqui não lhe peço nem uma cousa nem outra.
. O.Sr. Tomás de Vilhena: — Sr. Presidente : se se tratasse duma moção de confiança política, nem eu, nem nenhum dos meus colegas desta minoria, a. votaria. |. Mas trata-se duma questão pessoal, e S. Ex.a goza da maior estima, e da sua honorabilidade estou convencido, pelo que voto a moção. ' '
.. O orador não reviu.
O Sr. Dias de Andrade: — Tenho a maior estima e consideração pessoal pelo Sr. Sá Cardoso, declaro que' voto a moção que foi,enviada para a Mesa.
O Sr. Vicente Ramos: — Sr. Presidente : pedi a palavra para, em meu nome e em nome dos Senadores independentes agrupados, dizer que aprovamos a moção do Sr. Mendes dos Reis, com o maior entusiasmo e prazer.
O orador não reviu.
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Diário das Sessões do Senado
me sendo permitido, portanto, falar doutro lugar, que não seja destas bancadas, apesar de ter feito a declaração formal que abandonava o Ministério, vejo-me na necessidade de voltar até 'elas para responder à gentileza com que os Srs. Senadores de todos os lados da Câmara me honraram insistindo para que o coronel Sá Cardoso voltasse ao seu lugar do Ministro.
Mas, Sr. Presidente, eu tenho uma opinião diversa daquela que a maior parte dos Srs. Senadores apresentou.
Não se trata, como S. Ex.as pensam, duma questão pessoal, e se assim fosse não teria dado as explicações que dei.
Mas neste momento do que se trata — e foi assim que eu coloquei a questão— é duma questão política e moral.
^Imaginou, porventura, V. Ex.a, Sr. Presidente, imaginou o Senado, que eu deixaria este lugar, que o Sr. Presidente da Republica me confiou e com que me honrou, por um jornal, qualquer, se lembrar de me insultar, como se eu aceitasse como bom o ter de descer até ele para lhe ouvia e rebater as suas censuras?
Não abandonaria, nem estabelecia o precedente, para que amanhã qualquer Ministro tivesse de abandonar este lugar, só por um jornal se ter referido a ele, menos correctamente.
Eu abandono este lugar, disse-o, repito-o e conservo-me na mesma atitude, porque aqui, nesta Camará, alguém houve que pediu, sobre os meus actos, um inquérito.
Tem todo o direito de o fazer, agraáe-ço-o até, mas desde que alguém, querendo qne se fizesse um inquérito aos raeus actos, levantou uma suspeita, não há poderes que me obriguem a voltar a ocupar o lugar de Ministro.
Isto não quere dizer que, a todos os Srs. Senadores que me honraram com a sua confiança e com a sua gentileza, pedindo-me para me não afastar deste lu-
gar, eu não agradeça a amabilidade que me dispensaram; e até ao Sr. Joaquim Crisóstomo, que me trouxe 'a ocasião de pôr às escâncaras de Portugal a minha vida de homem, de cidadão e de Ministro, até a ele, eu agradeço o favor que me prestou.
E agora permita-me V. Ex.a, Sr. Presidente, que, sendo esta a última vez que uso da palavra, como Ministro, eu dirija ao Sr. Presidente do Ministério os mais sinceros agradecimentos, pela pressão que sobre mim. exerceu para não deixar o meu lugar de Ministro hoje de manhã.
Sr. Presidente: a razão da minha saída está na suspeita que envolve o pedido de inquérito feito pelo Sr. Joaquim Crisóstomo.
Tenho dito.
O Sr. Joaquim Crisóstomo : — Sr. Presidente: depois da .manifestação unânime da Câmara supunha que o Sr. Ministro do Interior declarasse que se conservava no seu lugar.
S. Ex.a persiste no propósito de abandonar a sua pasta, atribuindo-mo a responsabilidade do seu acto.
Não é justo o seu procedimento, porque, nas minhas considerações,. só estabeleci doutrina; não quis atingir absolutamente ninguém.
O que disse, a doutrina que estabeleci, sustento-a ainda, e o Sr. Ministro, depois da manifestação unânime da Câmara, não tem direito a abandonar o seu lugar, e se o abandona é tam só por um acto de teimosia.
O orador não reviu.
Foi lida na Mesa e aprovada por unanimidade a moção do Sr. Mendes dos Reis.
O Sr. Presidente:-^-A próxima sessão ó na têrça-feira à hora regimental. Está encerrada a sessão. Eram 19 horas e Õõ minutos.