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REPÚBLICA

PORTUGUESA

EM 4 DE FEVEREIRO DE 1925

Presidência do Ex.mo Sr, António Xavier Correia Barreto Secretários os Ex,m0i S

Luís Inocêncio Ramos Pereira .José António da Costa Júnior

Sumário. — As 15 horas e 20 minutos, com 31 Srs Senadores presentes, o Sr. Presidente declara aberta a sessão,

Aprova-se a acta e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. — O Sr. D. Tomás de Villiena ocupa-se da carestia da vida, repticando-lh'e o Kr. Ministro da Agricultura

Ocupam-se ainda do mesmo assunto es Srs. Lima Alves, Afonso de Lemos, Costa Júnior e Oriol Pena, replicando-lhes o Sr. Ministro da Agricultura.

O Sr. José Pontes trata de assuntos referentes as pastas da Guerra e do Trabalho, respon dendo-lhe os respectivos Ministros.

Õ Sr. Joaquim Crisó-itomo dirige uma reclamação ao Sr. Ministro da Guerra, que "promete atendê-la.

Abertura da sessão às 15 horas e 2õ minutos.

Presentes à chamada 31 Srs. Senadores.

Entraram durante a sessão, 19 Srs. Senadores.

Faltaram 21 Srs. Senadores.

Srs. Senadores que respondiam à chamada:.

Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.

António da Costa Godinho do Amaral.

António Maria da Silva Barreto.

António Xavier Correia Barreto.

Aprígio Augusto de Serra e Moura.

Artur Octávio do Rego Chagas.

Augusto César de Almeida Vasconce-los Correia.

Oriol

César Justino de Lima Alves.

César Procópio de Freitas.

Duarte Clodomir Patten de Sá Viana.

Ernesto Júlio Navarro.

Francisco António de Paula.

Francisco José Pereira.

Francisco de Sales Eamos da Costa.

Herculano Jorge Galhardo.

João Carlos da Costa.

João Maria da Cunha Barbosa.

Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.

Joaquim Pereira Gil de Matos.

Joaquim Xavier de Figueired Pena.

José António da Costa Júnior.

José Augusto de Sequeira.

José Duarte Dias de Andrade.

José Joaquim Fernandes Pontes.

José Machado Serpa.

Luís Augusto de Aragão e Brito.

Luís Augusto Simões de Almeida.

Luís Inocêncio Eamos Pereira.

Pedro Virgolino Ferraz Chaves. •

Silvestre Falcão.

Vasco Gonçalves Marques.

Srs. Senadores que entraram durante a sessão:

Alfredo Narciso Marcai Martins Portugal.

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Diário das Sessões do Senado

Consíantino José dos Santos. .

Domingos Frias de Sampaio e Melo.

Francisco Vicente Ramos.

Frederico António Ferreira de Sim as.

João Catanho de Meneses.

Joaquim Manuel dos Santos Garcia.

José Joaquim Pereira Osório.

Nicolau Mesquita.

Querubim da Rocha Vale Guimarães,

Ricardo Pais Gomes,

Roberto da Cunha Baptista,

Rodolfo Xavier da Silva.

Rodrigo Guerra Álvares Cabral.

Tomás de Almeida Manuel de VHhena

§rs. Senadores gwe faltaram à

Álvaro António Bulhão P£ÍO.

António Alves de Oliveira Júnior.

Augusto Casimiro Alves Monteiro.

Augusto de Vera Cruz.

Elísio Pinto de Almeida e Castro.

Francisco Xavier Anacle':o da Silva.

João ALpoim Borges do Canto.

Jo^o Manuel Pessatiha Vás das Neves.

João Trigo Motinho.

Joaquim Teixeira da Silva.

Jorge Frederico Velez Careço.

José Augusto Ribeiro de Melo.

José Joaquim Fernandes de Almeida.

José Mendes dos Reis.

José Nepomuceno Fernandes Brás.

Júlio Auguslo Ribeiro da Silva.

Júlio Ernesto de Lima Duque.

Manuel Gaspar de Lemos,

Raimundo JEnos Meira.

Vasco Crispiniano da Silva.

Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.

O Sr. Presidente (às 15 horas e lõ minutos):— Vai proceder-se à chamada. fez-se a chamada,

O Sr. Presidente (às 15 heras e ?0 minutos):— Estão presentes 31 Srs. Senadores.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Leu-se.

O Sr. Presidente: — Está em discussão. Pausa,

O Sr. Presidente : — Como nenhum Sr. Senador pede a palavra, considera-se aprO' vada.

Vai ler-se o

Expediente

Projectos de lei

Do Sr, Costa Júnior, não aplicando o § ánico do artigo 4.° da lei n.° 1:645 aos arrendamentos a foros feitos depois da guerra.

Para a 2,a Secção.

Do Sr. Santos Garcia, aplicando determinadas taxas aos celibatários, divorciados e viúvos sem filhos.

Pura a 1,& Secção.

Do Sr. Santos Garcia, autorizando o Governo a contrair um empréstimo destinado à adaptação do edifício para a Escola Industrial e Comercial de Évora.

Para a l.a secção,

Do Sr. Costa Jóníor, determinando que a profissão de enfermeiro seja apenas exercida pelos indivíduos diplomados pelas es solas profissionais de enfermagem.

Para a 2,a Secção.

Do 3r. Júlio Ernesto de Lima Duque, substituindo as disposições do artigo 97.° e seus parágrafos do decreto n.° ' 5:640.

Para a l.& Secção.

Do Sr. Costa Júnior, criando uma freguesia com sede era Olho Marinho, concelho de Óbidos.

Para a 2.a Secção.

Requerimentos

Requeiro que, pela Secretaria do Senado me seja fornecida nota do número de sessões plenárias marcadas, número de sessões que não abriram por falta de número, número das que se encerraram por falta de quorum e número de faltas de cada um dos Srs. Senadores, relativa à sessão legislativa iniciada em 2 de Dezembro de 19^3 e terminada ,em 30 de Novembro de 1924.—Artur Costa

Para a Secretaria.

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Sessão àe 4 de Fevereiro de 1926

e Artur Augusto Anjos Costa, pedindo para serem reconhecidos como revolucionários civis, ao abrigo da lei n.° 1:691. Para a comissão de petições,

\.

De Alfredo José da Fonseca, Carlos Jaime Charbel Dumiée GKrardin, Manuel Borrego e João Vieira Rosa, pedindo para serem reconhecidos revolucionários civis, ao abrigo da lei n.° 1:691.

Para a comissão de petições,

De José Rodrigues Lourenço, pedindo a rectificação do nome.

Para a comissão de petições.

Requeiro que, pelo Ministério da Agricultora, me seja fornecida uma nota dos preços dos géneros alimentícios em 31 de Janeiro de 1924 e 31 de Dezembro do mesmo ano.— Joaquim Crisóstomo.

Para a Secretaria.

Requeiro que,' pelo Ministério das Colónias, me seja fornecida uma nota dos funcionários requisitados para prestarem serviço no gabinete do actual Ministro.— Joaquim Crisóstomo,

Para a Secretaria,

Requeiro que, pelo Ministério das F,i-nanças, me seja fornecida uma nota das quantias entregues ao Sr. Alberto Xavier para a sua ida a Londres negociar a venda ou transacção sobre a prata, bem como dos documentos comprovativos (Jas despesas feitas por aquele funcionário no exercício da aludida comissão.—Joaquim Crisóstomo.

Para a Secretaria,

Requeiro que, pelo Ministério da Agricultura, me seja fornecida uma cópia do despacho ott decisão que declarou caduca a concessão feita pelo Ministro Torres Garcia à Câmara da Horta para importar 100 toneladas de farinha.— Joaquim Crisóstomo.

Para a Secretaria.

Antes da ordem do dia

O Sr. D. Tomás de Vilhena:—Sr. Presidente: começo por apresentar os meus

cumprimentos ao Sr, Ministro da Agricultura.

Já disse ontem que lamentava ver o Sr. Ezequiel de Campos nesse lugar, não por1 que não confie na sua competência, não porque não tenha admiração pelas suas qualidades de estudioso, mas porque, como já disse, geralmente os estudiosos, quando a sorte os faz mergulhar em Ministérios com a orientação que este Ministério tem, a sua acção, por melhor que seja a sua boa vontade, há-4e ser contrariada e há-de acarretar-lhe graves desilusões.

E quem lhe diz isto pão lhe quere mal.

Eu desejava que o Sr. Ministro da Agricultura nos dissesse alguma cousa, que nos desse alguma esperança sobre se seria possível modificar as horrorosas condições em que se encontra a vida portuguesa; se há alguma forma de amenizar esta tempestade de carestia que ameaça dar cabo de todos nós.

Não vejo o problema com espírito estreito, nem sectário; não sou pessoa que venha exigir do Sr. Ministro, pelas simples razão de estar nesse lugar que, pró- -duza já uma obra redentora, capaz de transformar este inferno em que vivemos num paraíso celestial.

Desejava que S. Ex.a dissesse alguma cousa em que nós pudéssemos ter a probabilidade de ver num breve período amainada um pouco esta tempestade. \

Eu bem sei que o problema é muito complexo, como todos aqueles que têm por fundamento questões de ordem moral.

É o caso do problema da carestia da vida.

Porque é incontestavelmente esta anciã transbordante de ganância, esta ambição desmedida de riqueza, esta falta de caridade que actua no espírito da gente de hoje, emancipada de crenças religiosas, que complica esta magna questão.

É incontestavelmente isto que tem agravado o problema nacional.

Não há nada mais difícil do que resolver questões quando elas são de ordem moral, e isto é mais nma questão de ordem moral do que propriamente material.

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Diário das Sessões do Senado

uma resposta satisfatória; estimava que S. Ex.a nos dissesse alguma cousa sobre a sua orientação, sobre as suas intenções, ò que eu ouviria com muito gosto, para depois lhe fazer os devidos comentários.

O Sr. Ministro da Agricultura (Ezequiel 'de Campos) :— Sr. Presidente : sendo a primeira vsz que aso da palavra nesta casa do Parlamento, eu desejo enviar a V. Ex.a as minhas saudações.

O mesmo faço a todos os Srs. Senadores, e tenho pena de só hoje o poder fazer, apesar do ter sido Instado para vir a esta Câmara, por mais de uma vez.

Só agora me foi possível comparecer aqui antes da ordem do dia, e não representa isto a mais leve desconsiderarão on falta de respeito por esta casn ou por c&- • da um de V. Ex.as em particular.

Não ter vindo. aqui há mais tempo., é apenas o resultado desta lufa-Lufa de trabalho de todos os dias pela pasta que tem de dar pão a toda a gente deste país.

A construção de um edifício, a construção de um caminho de ferro, podem esperar anos, .lustros, décadas, sem que o barulho seja grande; mas o pão tem de ser dado todos' os dias; e eu não tenho sido Ministro da Agricultura, mas MirJs-tro das Scbsistências, e póss:mo Ministro das Subsistências se pode ser quando a despensa está vazia.

Para combater a carestia da vida, posso indicar a V. Ex.as um processo, cl&ro, preciso e infalível: produzir mais e ter juízo.

Não se pode impor na vida dos povos, principalmente na actualidade, o cerceamento dos consumos/ quando boa parte deles provêm de uma má organização social, de uoa má governação política.

Na governação política do passado não mo cabem nenhumas responsabilidades, na organização social de hoje igualmente não me cabem nenhumas respons£,bilida-des.

Mas todos querem a vid£ barata, sem ninguém querer produzir muito mais, em muito melhor aproveitamento do tempo, e sem ninguém se dispensar do gastos escusáveis que absorvem e amesquinham uma grande percentagem do te.nroo, da aetivi-dado e da riqueza.

Leva muito tempo, .e exige rauito.s;i.ber ' da parti- dos políticos, mais virnida ria

parte do povo, mais economia e mais juízo de toda a gente o embaratecimento da vida.

Porém todos querem isto do milagre, cuidando todos .de provocar o encarecimento da vida,

Estranhou V. Ex.a, Sr. D. Tomás de Viliens., qae eu esteja neste G-ovêrno. E de facto para estranhar. Fui à falta de gente, e com sacrifício enorme para-a minha vida e para a minha fortuna. Deputado às Constituintes.

Quanto isto me custou, seio-o eu, e não preciso dá-lo a saber ao país, para que me agradeça.

Sofri três anos de tortura, e muitas vezes saí da outra Câmara para ir para o Jardim da Estrela, por não poder respirar o ambiente de bizantinismo em quo ali se vivia e para não ver o assalto permanente dos caciques da velha e da nova guarda, pretendendo tomar ao velho caciquismo da monarquia o novo estudo de cousas.

Muitas vezes as olaias e as estatuetas do Jardim da Estrela sentiram a minha indignação por ver o que se passava cá em, baixo.

Responsabilidades não me cabem, porque emquanto se perdia o tempo com bi-santinismos, eu dava ao povo de que faço parte o produto da minha inteligência e do meu estudo na conservação da riqueza nacional, e punha de parte o projecto que tinha feito expatriar-me em 1911 para a América.

Veio a guerra, e eu continuei persistindo, expondo as minhas doutrinas e os meus pontos de vista," quer em conferências, quer em livros, quer em jornais.

Vi, porém, que pregava num deserto e que a minha acção resultava estéril.

Entendi 'portanto -que devia ocupar a posição para que por várias vezes me -tinham convidado, para podeE falar de mais alto a fim de que a Nação me ouvisse.

E 'sendo a -sorte de encontrar um Governo que aceitou os meus pontos de vista na generalidade, eu vim ao Poder Executivo para propor ao Parlamento um conjunto de'medidas para o resurgimento português.

Já não podia esperar mais tempo a pregar no deserto.

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Sessão de 4 de fevereiro de 1925

a geate a 'culpa é minha, de não ter sido suficientemente explícito.

Monárquicos do todos os partidos querem resolver o problema agrário.

O mesmo quere o Partido Republicano porque já no seu programa de 1891 a tal se referiu.

Mas agora, chegado o momento das realizações, todos eles dizem mal do projecto, todos o criticam, mas não apresentam uin contra-projecto que seja melhor, mais exequível, mais prático.

Voltarei, outra vez, 7 anos, como o pastor da Bíblia a pregar a grandeza deste problema; e estarei sempre no meu campo.

Era-me muito mais fácil fazer vingar o meu projecto; fazia-me bolchevista, aliciava trabalhadores e viria, em último recurso, impor a lei pela violência.

«No Alentejo não há republicanos—há ódios. O pobre não pode ver o rico. E uma gente roída de invejas e rancores que passa anos e anos da vida a cubicar um campo», dizia Fialho 'de Almeida. — Era explorar esta situação.

Não o faço, não está dentro dos meus propósitos; o aproveito o ensejo para dizer qne nunca o farei.

Dizem que apresentei uma lei ad odium. São tam injustos como inconscientes ou ignorantes os que tal afirmam.

Há um homem, ou melhor, dois, que marcaram a minha orientação na vida.

Ura foi Basílio Teles, outro Szabo Na-gyatad, que morreirhá dois ou três meses na Hungria.

Basílio Teles, depois do meu professor Rodrigues do Freitas, estando eu em África, com os seus livros A questão agrícola, Estuei os históricos e económicos, Carestia da vida nos ccnnpos, prendia o meu espírito à questão agrária portuguesa. Szabo ficou como exemplo a pautar a minha vida. jira filho de um modesto camponês, e só tinha instrução primária. Viveu porém a vida da gente do campo, e assim aprendeu a solução dos seus problemas. Fazendo escala por modestas funções da vida colectiva, sem nunca deixar o seu labor agrícola, foi eleito Deputado, aos 45 anos, para a Câmara húngara, quási só constituída de grandes proprietários.

Combateu e pugnou pela reforma agrária.

Depois da guerra as suas ideas começar aja a vingar.

Foi nomeado Ministro da Agricultura em 1918; e Ministro da Agricultura morreu, tendo planeado e posto em vigor a reforma agrária húngara. ' •

Quando o bolchevismo entrou na Hungria, Szabo foi para casa; e só quando a revolta passou é que ele voltou ao Ministério húngaro, para continuar a sua reforma.

Não nie será dado a mim a sorte de Szabo, mas o que me é dado é seguir o seu exemplo, tentar fazer a revolução dos espíritos.

Voltarei novamente a escrever livros, a fazer conferências, continuando a ser o que sempre fui, alheio completamente aos partidos políticos, porque não posso ter a sorte de os tornar conscientes.

Nas Constituintes eu era o selvagem de todos os selvagens.

Neste Governo permaneço o que sempre fui.

Sou um trabalhador, filho de modestos trabalhadores de aldeia.

Aos que me chamam teórico, eu oponho o labor prático da minha vida de engenheiro.

Aos que me chamam sonhador da questão agrária, eu direi que não conhecem nem sentem a tragédia da gente portuguesa.

Não conhecem o problema: não imaginam como Portugal se amesquinha com a emigração.

Se a minha solução agrária é má, outra apareça melhor.

Não há ninguém mais condescente do que eu, desde que me convençam.

Todos os anos para o Alentejo vão milhares de pessoas para a faina agrícola. Hoje já não vão só homens feitos, vão também adolescentes e crianças.

Nos recenseamentos militares da Beira, nota-se o degeneramento da Raça.

Não se atende a nada diste.

Com o dinheiro dos expatriados, pagamos as cousas "que não produzimos, e ajudamos a tentear as finanças.

O problema português tem-se resolvido sempre pela sucessão espontânea dos factos políticos.

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Diário dai Seitõc* â& Senado

a mim dói-me a alma, revolta-se o es tirito perante estas facilidades de erradio por todo o mundo da nossa gente, com metade do país por povoar, e todo ele mal aproveitado em tantíssimas cousas que nos faltam.

Foi êsss o motivo por que vim fazer parte dum Governo, sem me importar saber qual era o seu feitio republicano, contanto que me deixasse trazer ao Paramento a proposta de lei da organização rural.

Não me importei trazê-la muito extensa de pormenores e burocràticemente me-todizada; importei-me sobretudo de agitar a opinião. E a prova de que não sou um político do caciquismo, mas simplesmente um português, está na minha proposta de lei.

Agora vou responder à pregunte que V. Ex.a ine fez.

A solução para a carestia da vidii é : trabalho e juízo.

.Mas esta solução depende de vários elementos: capital, coordenação de ideas e iniciativas, coordenação de espíritos.

O trabalho em Portugal, nos dois cap-pos fundamentais, que são os da egr-ícultora e da indústria, está hoje embaraçado por grandes defeitos morais, por uma má organização social, por uma, do há rrahuo tempo, má orientada administração.

Esperar £ solução dos problemas sem reunirmos e condicionarmos energias, é sonhar.

, Portugal tem sonhado até cgora. Depois dos fumos da índia, do ouro do Brasil, da venda dos bens nacionais, dos empréstimos estrangeiros, Portugal sonha, vagamente deseja, e confia da graça de Deus o que não produz.

No trabalho industria), por exemplo, está fora dos progressos do seu tempo, e eu cito um^ frase dum homem que creio que está aqui nesta sala, Herculano: a A Nação que não está ao par dos progretj-sos do seu tempo é uma Nação miserável», e Portugal não merece ser-uma Nação miserável.

Não me digam que eu sou uo derrotista, porque se não tivesse esperança no futuro não estava em Portugal.

Mas, como ia dizendo, no trabalho industrial não estamos ao par doutras nações.

Eu ainda ontem mandei pagar 290 con-

tos de energia hidro-eléctrica que se comprou, só para a Câmara Municipal do Porto, num mês, à Espanha, e em Portugal continua-se a importar carvão às 800:000 toneladas, como o ano passado, quando não se importa mais de l milhão, como aconteceu, em média, na década anterior a 1914.

A forca motriz é hoje um factor domi-.nante no programa industrial, e nós nem temos capital, nem iniciativa, nem saber e persistência para resolver o nosso abastecimento de força, dentro da política tradicional.

Uma central hidro eléctrica para o nordeste, em que a cidade do Porto é dominante, custa l milhão de libras; leva quatro anos a construir e demanda tam grande saber, tam forte iniciativa e perseverança, que só. inconscientes podem esperar tal realização na vida que trazemos. Ela exigiria cerca da décima parte de todo o capital bancário português, capital que se afoita a todos os jogos comerciais e financeiros, mas que é incapaz de se aventurar a uma empresa hidro-eléctrica daquele alcance, por mais prometedora que ela seja, porque é necessário passar quatro ou mais anos de juros intercalares. No que respeita a matérias primas, im-portamos quási todo o algodão, apesar do nosso vastíssimo território iutertropi-cal; importamos linho, que ainda no tempo do Marquês de Pombal constituiu uma valiosa manufactura; importamos todos os metais. E a lista do comércio e navegação no nosso déficit industrial é colossal.

A indústria que temos está, na quási totalidada, muito mal organizada na produção e falha dos aperfeiçoamentos mecânicos.

Se atendermos à agricultura, não colhemos melhores impressões.

Vejam-se as, nossas importações de tri go desde 1898 até ao ano passado. Sempre ria contingência de termos de importar trigo para quatro a sete meses no ano.

A situação actual é aflitiva.. Estamos com os preços mundiais do trigo os mais altos da no.ssa geração.

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de 4 de fevereiro de 1926

Os países europeus que costumam dar trigo tiveram colheitas desastrosas, como a Eússia, a Eoménia, a Bulgária, a Turquia e a Hungria.

A Rússia e a Alemanha acabam de comprar tanto trigo que fizeram uma alta, aos saltos de õ por cento, por vezes, de dia para dia.

Quando entrei para Ministro o trigo comprava-se a menos de 280 xelins a. tonelada, e assim se comprou para Portugal, e ontem o trigo ficou a 330 xelins.

E estamos na entrega da colheita do Canadá, quere dizer: estamos num período do ano em que todas as probabilidades prometiam uma cotação média ou baixa.

Mas Portugal não se importa de produzir o trigo suficiente: viveu à sombra duma lei proteccionista — e essa lei favoreceu o amesquinhamento da produtividade da terra; consagrou a má organização das casas agrícolas; estimulou a transformação das primeiras colheitas de 20, 25 e 30 sementes para as nossas tra-. dicionais e escassas de 6 e 8 sementes; fora a consolidação do nosso déficit de trigo de 3 a 7 meses do ano.

E o aumento de população do conti-v nente entre os dois últimos censos foi pequeníssimo em relação ao que devia ser, havendo na realidade um déficit de cerca de 400:000 habitantes, tendo nos distritos do norte Bragança, Vila Real, Viana do Castelo, Braga, Viseu, Guarda, Coimbra e Castelo Branco, diminuído a população, excepto Porto e Aveiro.

Houve causas que concorreram para essa anomalia, como por exemplo apneu-mónica e a guerra, mas esta última não se conta porque felizmente poucos portugueses lá ficaram: e por aqui se vê que não foi o aumento de população que faz y, faltar o trigo.

Além do trigo, falta-nos o milho, falta--nos a carne, escasseia-nos o azeite, faltam-nos as gorduras e os queijos, as batatas e o feijão.,.

Mas eu ia a dizer que a resolução do problema agrícola ó difícil e que a maioria dos nossos agrónomos diz que este problema neui ainda em equação está posto...

- O Sr. Lima Alves í — Apoiado dum agrónomo.

O Orador: — Muito obrigado a V. Ex.a

Afirma-se até qfie o nosso problema agrícola é insolúvel, em face das imposições do solo e do «lima. Vêem, assim, como será tardia a suficiência da nossa produção da terra, base essencial da diminuição da carestia da vida.

A solução desse problema é muito complicada, não só pelos factores âgro-climá-ticos como pelos factores moral e pessoal que entram 110 problema económico.

O ano passado o trabalhador agrícola ganhou 25$ e mais por dia, e isto porque a nossa lavoura, na sua maior parte, não tem os apetrechamentos mecânicos, os sistemas Agrícolas, a organização cultural e pecuária necessários para uma produção económica e lucrativa que reduza a uma quantidade moderadíssima o trabalho humano do cultivo.

Nós estamos, salvo honrosas excepções que nem sempre são dos agrónomos portugueses, ainda com um sistema agrícola defeituoso; e não é fácil mudar de repente a organização actual da nossa lavoura, porque isso depende de outra organização política e de condições excepcionais de actividade colectiva, que não vejo sequer pôr na discussão lá fora e nestas casas do Parlamento.

Assim, havemos de compreender que o problema do pão não se resolve na política desleixada do costume.

O mesmo sucede com o problema da carne.

Há poucas semanas fiquei ao mesmo tempo alegre e torturado ao ver desembarcar o gado da Argentina. Alegre, por verificar a selecção scientífica dos animais todos aperfeiçoados e uniformes de carne e acomodados em termos de suportarem uma viagem de 28 dias, apenas com uma percentagem de l por cento na mortalidade; e triste por ver que nós embora não tenhamos em muitas 'regiões as condições necessárias para realizar uma exportação desta natureza, podíamos no em-tanto produzir o suficiente para nos bastarmos.

Quando eu era pequeno fazíamos ex-pcrtação de gado i> ela barra do Porto para Inglaterra.

Bem sei que nesse tempo fazíamos °a importação dos novilhos .de Espanha.

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Diário das Sessões do Senado

cão e tenacidade e confirma perfeitamente que a.nossa solução do problema da carne também não é fácil.

Havia uma maneira de resolver os problemas agrícola e pecuário que era estabelecer formas e práticas obrigatórias; mas se me atrevesse a apresentar unia proposta nestas condições, era com certeza corrido daqui por uma moção de desconfiança, ou, pelo menos, tal proposta levaria dias e dias a discutir, .. para não estar votada quando deixasse de ser Ministro.

Não vai nisto a mais leve censura para V. Ex.a, mas tendo sido Deputado durante três anos e sendo aprcsentante de vários projectos de lei, só logrei ver aprovado um que se destinava à venda dum passal para com o produto se construir uma escola, que afinal se nào fez, não se sabendo do dinheiro.

Não vai uas minhas palavras a mínima censura para V. Ex.;is Vai apenas a constatação de factos.

Eu sou homem de números e de factos.

O problema do pão, o problema da carne são muito difíceis do resolver, «porque não os queremos resolver».

Todos os problemas da nossa produção exigem primeiro a capacidade do uma elite orientadora, a trabalhar em conjunto, e não apenas em indivíduos aparte com as suas ideas engarrafadas.

Para todas as cousas é necessária a solução suficiente.

Um almoço não pode ser de l grama de carce. Morre-se.

Na governação de um povo é a mesma cousa: as soluções precisam de ser suficientes na complexidade dcs problemas.

Depois seria necessário que os planos fossem adoptados por homens de governação, e em último lugar quo ês&es homens da governação fossem capazes de, continuamente, persistentemente, resolver os problemas nas soluções adequadas, modificando-as à medida que as circunstâncias inerentes às condições, de vida mudassem.

Quero eu dizer que a solução do problema da carestia da vida é fácil desde que o queiram resolver; mas difícil ou insolúvel porque ninguém o quere resolver senão por artifícios.

Há problemas -que eu tenho trabalhado na minha já semi-secular existência, vejo

que eles só são difíceis porque nós não os queremos conhecer, nem solucionar.

Os problemas portugueses na parte industrial e na parte agrícola são fáceis de resolver desde que o queiramos, e são tanto mais fáceis quanto é certo que nós podemos achar a sua solução vagarosamente, tirando à parcela de emigração e do movimento transiiniante da população portuguesa a cota correspondente para a valorização dos nossos recursos naturais, a começar pelo solo.

Quero eu dizer que não estamos num es"ado crítico, mas numa situação dos-leix.ada, inconsciente, que não ternos mudado ; mas que se a quisermos mudar, di ntro de pouco tempo, talvez trôs anos, nós teremos resolvido a parte mais fundamental do nosso problema industrial e do nosso problema agrícola.

A maior parte destes problemas estão postos em equação com a solução ao lado.

Por exemplo: nós que gastamos durante o ano muitas centenas de milhares cie contos, mal gastos numa superabundância militar e burocrática, se destinássemos uma pequena parte a caucionar esses empreendimentos tínhamos realizado depressa o desafogo da nossa situação.

Nós que tivemos o «pão político» durante tanto tempo, ora para a lavoura e a moagem, ora para toda a gente, se ti-déssemos destinado uma parte do dinheiro quo Gle custou ao fundo agrícola, mas não ao fomento agrícola que por aí se apregoa, mas não para manter o aumentar as oligarquias, que nos têm explorado, mas rum fomento agrícola consciente, mctodi-7.ido, nós teríamos já resolvido" o nosso problema das subsiíitôncias.

Mas não. Preferimos esperar do milagre e do expediente a solução de problemas que são no fundo de saber, de iniciativa e do tenacidade, e que encerram uma essencial ques:ão agrária posta na política portuguesa desde antes de D. Fernando. Assim, nunca o problema será resolvido.' Mas dêem-me quatro meses do governo, que eu começarei a encaminhar a solução do problema agrícola, ainda cue desprezem de todo a minha proposta de organização rural.

Preguntam-me se eu vou tabelar os preços das cousas.

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dos salários na província do Minho, feita por D. Afonso III. São quási sete páginas compactas em que se faz almotaçaria de todas as cousas, em latim.

Desde então tem-se recorrido muitas vezes ao tabelamento.

Não é maneira de se resolver o problema; a solução é produzir mais.

Muitos apoiados.

Não querem resolver assim o problema, porque custa fadigas e exige tino; mas hão-de gastar anos, décadas, séculos sem o resolver. Pois não serei eu .quem fará mais uma tabela de preços.

Disse ao Governo, para chamar a atenção de todos que se interessem pela vida de Portugal, que os problemas não podem ser resolvidos pelas formas até agora tentadas.

<_:Quere p='p' trabalhar='trabalhar' parlamento='parlamento' comigo='comigo' o='o'>

Eu não faço questão nenhuma das minhas ideas, nem da minha proposta: só quero que me deixem governar na orientação bem clamada por mim até agora.

Só faço questão de uma cousa: é que tenho muitíssimo que fazer, e não posso perder o meu tempo com discussões estéreis e debaixo de censuras e preguntas constantes.

Posso perfeitamente governar sem a minha proposta de lei;' mas melhor governaria com ela.

Consta de três partes ... Mas, Sr. Presidente, não sei se já terminou o tempo da antes da ordem do dia.

Vozes: — Fale, fale.

O Sr. Presidente:—Hoje não ha ordem do dia, porque, infelizmente, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não pode comparecer, e portanto, por uma disposição regimental, eu posso empregar o tempo nos trabalhos que julgar convenientes.

O Orador:—Muito obrigado. Assim V. Ex.as ouvem-me por uma vez.

Vozes:—^ntão V. Ex.a não quere voltar ao Senado?

O Orador >—A minha proposta de lei, como disse, tende a encaminhar a solução dos problemas agrícolas e agrários.

Abrange três assuntos relacionados: o primeiro a povoação de terras actualmente ermas e mal cultivadas; o segundo a rega dos campos; o terceiro a reforma agrícola.

A povoação das terras ermas, é necessária como modo fácil de fixar no País uma parte da gente que iria à emigração, e ao mesmo tempo como processo de aumentar a nossa produção agrícola e industrial.

Portugal vem a resolver desde a ida a Ceuta, a sua penúria de produção pela exportação de gente.

Não foi capaz de aprender a cultivar o Alentejo e todas as terras de verão árido.

Os processos da guerra com o sarraceno, e os lucros respectivos, mais o comércio do Oriente pelo Atlântico, levaram--nos às descobertas e conquistas, sem antes termos feito o povoamento e a cultora regular do sul.

As riquezas do Oriente, depois o ouro e os diamantes do Brasil, por fim os bens nacionais em alinoeda e os empréstimos do estrangeiro, orientaram-nos para a política do transporte, dispensaram-nos sempre do trabalho industrioso, e mantiveram por séculos Portugal como um viveiro de gente ao norte do Tejo, e terra de grande propriedade no Alentejo, onde perdura o arranjo agrário dos tempos da submissão do norte-africano, em que as ordens militares, os nobres, o clero e os conventos talhavam à larga grandes domínios na vastidão semi-deserta e inculta.— Só no contorno das vilas e cidades ha a propriedade pequena, quando não minúscula.

Independente o Brasil, o terremoto de Mousinho de Silveira não modificou a situação agrária. Nós, sempre mal adaptados ao país ibérico, fomos ampliando a emigração da metade ao norte do Tejo, à medida que devorávamos os bens nacionais e esbanjávamos os empréstimos e os impostos.

A emigração cresceu sobretudo depois da crise de 1892 até 1912, em que a sangria foi tam grande que reduziu notavelmente a população de Trás-os-Montes e de quási todas asv Beiras.

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giriam uma frota de cem vapores, cada um com quinhentas pessoas na proa.

Pelo que respeita ao movimento da população, podemos dividir o país em quatro regiões. A primeira, do Minho até ao Vouga, só exporta gente da qae lhe sobra da vida agrícola e industrial; o.ão conhece o sul do País como campo do expansão.

A segunda, do Vouga até perto do Tejo, envia todos os anos para os trabalhos agrícolas do Alentejo mais de 10:000 pessoasj por vezes mais de 16:000 pessoas ; e a restante que lhe sobra emigra para o Brasil e para os outros mercados de gente, cora o faz á primeira região.

A terra de feitio alentejano constitui a terceira região, .donde quási não há emigração, mas que também não recebe grande contingente de população da Beira e do Algarve, fixa,ndo-a.

Por fim o Algarve constitui a quarta região, caracterizada pelo adensamento da gente no litoral, e pela emigração notável da sobrante.

Só as duas regiões Beiras 3 Alentejo convivem, dando todos os anos aquelas 10:000 a 15:000 pessoas para a vidf. errante por seis meses para a cultura aLem-tejana.

Ora este movimento geral da povoação é exaustivo e prejudicial à Níiçãc; basta imaginar ene metade da emigração habitual, ou ainda menor fracção se fixava no País pare, depreender como aumentaria •a produção da terra,-como haveria trata-lho industrial para muito mais gente, e como ganharia vigor a 'Nação.

Nos meus opúsculos Lázaro! e A Grei fiz as coutas de tal aumento da produção agrícola.

Não podemos ficar por mais tempo indiferentes ao -problema demográfico.

Ora acontece, como claramente se vê das possibilidades económicas do noroeste, que não se pode fixar aqui toda ou sequer uma boa parte do seu crescimento de gente. Melhor: desde o Minhc até ao extremo das Beiras não é possível' arramar o crescimento da população.

Mas o Alemtejo, com a soa densidade fraca de população, pode fixar é arrumar boa parte da gente que terá de emigrar do norte.

Acontece, porém, que o 3stado não tem aqui terras suficientes para fixar se-

quer uma pequeníssima parte do nosso crescimento demogénico do norte. Notemos que deste só o que interessa às Beiras é que poderá espontaneamente fixar--se rio Alentejo, porque lhe.cultiva os campos, e lhe fabrica o azeite.

Teremos de recorrer fatalmente às terras particulares. • Aqui o óbice da questão.

Duas soluções se oferecem: ou os senhores das terras fazem povoação sufi-cients, ou o Estado intervém, expropriando terras para á povoação.

No primeiro caso o Estado faculta a isenção de contribuições e impostos, o crédito e o ensino; o proprietário recorre ao aforamento ou ao arrendamento.

Bem devia eliminar o aforamento, na promessa do programa republicano de 1891: é um anacronismo dispensável.

Ao cabo, aforar é alienar. Mas fique ó aforamento.

Mais tarde há-de voltar um Mousinhó da Silveira para de novo extinguir os foros.

Não acredito, pela lição dos factos, na suficiência do povoamento pela exponta-niedade dos proprietários.

Já Tibério Gracho teve contra si a prepondarância dos grandes proprietários; s se depois da Grande Guerra a Europa central :ez uma reforma agrária vastíssima, foi porque a Rússia vizinha apavorou a oligarquia do 'Solo.

Acresce que o problema agrário português auda mascarado de lia séculos pelo êxodo da gente a mais.

E nem os governos nem os -governados pensam nele, e muito menos o consideram como 'fundamental.

Kecorri à expropriação de terras dos maiores proprietários, e das terras mais ermas e incultas, contanto que sejam aráveis.

Evidentemente que excluímos os montados, as vinhas e os terrenos de fácies essencialmente florestal.

£ Não concorda o Senado com a trama geral da expropriação?

Peço apenas que proponha outra, contanto q\ie sei a viável e suficiente.

£ Acaso há alguém consciente que demonstre que não é necessário resolver a nossa questão agrária?

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das necessidades, em face das disponibilidades de gente.

Esta será recrutada nas regiões onde tradicionalmente sobra, como se sabe pela emigração.

Proponham outro melhor.

Há-de-se clamar sempre como injustiça a expropriação e a paga, embora a terra venha em incultura secular.

Serenamente estou à espera da contraproposta dos críticos.

j Que não há questão agrária em Portugal, unicamente porque ninguém reclama terra para cultivar!

Não é exacto.

A questão agrária portuguesa tem um aspecto próprio, encoberta como anda de há muitos séculos pela saída espontânea da nossa gente superabundante.

Fechem por dois on três anos as barras e a fronteira terrestre ao êxodo da gente, e verão a revolta que surge no País.

A nossa questão agrária tornar-se-ia tam violenta como a da Europa central, mais que a da Roménia, onde a reforma agrária partilhou 2.608:688 hectares em propriedade pequena dos 7 milhões da área total do País, reduzindo de 48 por cento a 8 por cento os grandes domínios.

Não se invoque a inexiqúibilidade da lei, nem a sua injustiça—já disse que aceito todas as correcções que a melhorem.

Registemos, porém, que são os interesses feridos, mas interesses mesquinhos e mal defensáveis, que levam- a reclamar contra a minha proposta, ou outra qualquer de reforma agrária.

Os pobres nunca fizeram leis.

Dizem que as providências propostas não bastam; que a ingratidão do solo e do clima anulará o povoamento pela pequena e média propriedade de sequeiro.

Como se todo o sul do País não tivesse sido ocupado junto do aro das vilas e

cidades pela pequena propriedade, desde o tempo das lutas sarracenas, e de antes.

Quem conhece algumas regiões do Alentejo há 2õ anos como eu — os pliocenos de Pinhal Novo a Vendas Novas, por exemplo — e volta agora por essas terras verá que muita gente lá está fixada sem nenhum auxílio do Estado, pagando foros e rendas.

As cousas são sempre inexequíveis para quem as não quiser realizar.

A segunda parte da minha proposta de lei diz respeito à rega, que ó em Portugal um problema de grande alcance e posto desde o começo da vida nacional sem solução.

De facto toda a nossa vastidão de verão árido, que é mais de metade do País, não pode ter culturas arvenses no estio por falta de chuva suficiente; e, se fosse regada, seria riquíssima de produção, como todas as terras regadas da Espanha.

Manteve este país vizinho tradições de rega desde os tempos proto-históricos, e soube realizar nas duas últimas décadas algumas obras de rega e hidro-eléctricas de grande valor.

Nós estamos ainda no desconhecimento da riqueza dos empreendimentos hidráulicos.

A minha proposta de lei tende, na segunda parte, a estimular a realização das obras de rega e das hidro-eléctricas correlacionadas, estabelecendo um plano de actividade e normas de intervenção do Governo.

Sem contrariar a lei das águas, de 10 de Maio de 1919, tento estabelecer o processo de a executar.

Já dei instruções, de acordo com a orientação da minha proposta para o estudo da obra inicial de rega no Ribatejo ao Sr. engenheiro Mac-Donald, que está contratado pelo Grovêrno; e instarei pela conclusão do primeiro projecto para o executar de acordo com a minha proposta, embora ela não seja aprovada como lei. É necessário fazer a primeira obra de rega, como lição a esta gente tagarela e de política bizantina.

Depois viria a lei...

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Estão estas dispersas como aspirações quási todas em documentos legislativos. Urge intensificar e metodizar a intervenção do ensino, do fomento e do crédito, para que a nossa lavoura saia da rotina secular que a obriga a gastar demasiado trabalho humano, e faculta pequeno rendimento de produtos por hectare, assim como produtos minguados e caros.

Por fim a proposta fecha com a organização administrativa o mais simples possível para a realização dos vários trabalhos governativos, aproveitando a organização actual do Ministério da Agricultura.

Vê-se claramente, fora do espírito sectário ou do melindre do interesse pessoal, que a minha proposta de lei tende a promover a «organização rural», chamando à comunhão de interesses a gente dos campos, embora de regiões diversas, começando-se pelas que de sempre vêm cooperando no cultivo; obedece à instalação de numerosas famílias de cultivadores na terra inculta de feitio alentejano, sem prejuízo afinal para o rendimento liquido das terras dos grandes proprietários, que colherão do maior povoamento facilidades de melhor cultura; promove a rega dos campos e o melhoramento da organização e dos processos agrícolas. Mais abundância, maior bem-estar e felicidade para a gente lusa.

Ninguém quere travar, por tima política previdente, a fatalidade dos factos, que é esta: a França vedar dentro de alguns anos a colocação dos nossos emigrantes, como vem fazendo a América do !Xn:^n: o Brasil oferecer cada vez menos êxito a nossa emigração, porque ela contrasta na falta de capacidade mental com a dos outros povos europeus, mais coitos.

Por seu turno, nós não somos capazes de tornar a África um grande território de absorção da nossa gente superabun« dante na metrópole.

E assim encontraremos o mundo alheio-cada vez mais ingrato, as nossas colónias incolonizáveis, e a nossa terra inabitáve], porque a gente não pode fixar-se no ar nem no mar, e a terra erina e bravia tem dono que não a vende, nem afora, nem arrenda.

A questão agrária há-de pôr-se, então, em termos de violência, depois de enormes prejuízos nacionais.

«j Não é melhor irmos já de encontro a estes ?

Alguém que muito estimo, relembrando, há dias, uma viagem de cintura ao país, que fizemos no outono passado, dizia-me: agora, é que eu compreendo conio é lindo Portugal; ; que pena os homens não se entenderem! Eu vos repito também: que pena não nos entendermos! . . .

O Sr. Afonso de Lemos:— Pediram a palavra para responder ao Sr. Ministro da Agricultura alguns Srs. Senadores.

Eu não me quero antecipar a S. Ex.as e por isso falarei depois de terem usado da palavra os Srs. Senadores inscritos.

Mas quero, por agora, levantar uma afirmação do Sr. Ministro da Agricultura.

Disse S. Ex.a que não há trigo em Portugal. Ora eu provarei daqui a pouco que há muitos milhões de quilogramas de trigo no meu distrito, em Beja, e quais as razões por que esse trigo não pode ser utilizado para o consumo.

O Sr. D. Tomás de Vilhena (para explicações}:— Quarenta anos de vida política ainda não me calcinaram a alma de maneira a eu não a ter bem aberta para receber, como um nenúfar recebe a brisa, a esplêndida conferência quo acaba de fazer nesta sala o Sr.. Ministro da Agricultura.

Vozes;—Muito bem.

O Orador: — Felicito-me por a ter provocado.

Verdade é que S. Ex.a, àquela interrogação precisa que eu lhe dirigi, não deu a resposta concreta que seria para desejar.

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quem com toda a clareza e sinceridade os expõe,-como S. Ex.a o fez.

Entrando 'na parte política, e V. Ex.a sabe que a parte política está integrada neste caso e dele não só pode separar, eu devo dizer qual a razão por que há pouco lamentava o Sr. Ezequiel de Campos, por o ver fazer parte de um Governo tam retintamente político.

O Sr. Ministro da Guerra está a olhar para mini...

Uma das figuras deste Governo que me rnerec.em muita consideração é o Sr. Ministro da Guerra, porque eu considero muito as pessoas que foram sempre da mesma cor.

O Sr. Ministro da Guerra já no banco das escolas era republicano, e hoje é um republicano de valor.

Costumo" fazer sempre justiça a quem a merece; e por isso nenhum dúvida tenho em afirmar que S. Ex.a tem prestado altos serviços. Conheço-os, e se alguma vez tiver de apoiar o Sr. Ministro da Guerra, apoio-o.

Portanto, ponho-o fora destas considerações, que estou fazendo.

Mas voltando ao assunto. . .

Se eu lamento que V. Ex.^faça parte de um Governo tam retintamente político e com preocupações de fazer política muito estreita, é exactamente porque V. Ex.a, estava muito bem num Ministério que tivesse um carácter mais nacional, onde V. Ex.a seria muito melhor com-' preendido, e não lhe aconteceria o que lhe acontece agora, em que toda a gente" grita contra o seu projecto.

E porquê? Porque a falta de tato que caracteriza o Sr. Presidente do Ministério comprometeu tudo!

S. Ex.a pegou num tinteiro de tinta encarnada e deitou-o em cima da sua proposta. (jQuere isto dizer que eu esteja aqui de lança em riste contra o seu projecto ?

Não. Se há alguns pontos com que eu não estou de acordo, com outros concordo plenamente. V. Ex.a nalguns tem uma visão clara, exacta e muito ilustrada da questão. O que principalmente provocou más vontades contra a proposta de V. Ex.a foi a acção do seu chefe do Governo.

Ora aqui está porque eu lamento que V. Ex.a entrasse nesse Governo.

E que o seu Presidente do Ministério, monárquico retinto e ainda por cima conspirador, tem procurado dar uma feição bolchevista ao Governo, e V. Ex.a não o é. V. Ex.a é um estudioso!

É por isso, repito, que eu lamento que um homem como V. Ex.a, duma alta inteligência e sobretudo, o que eu muito admiro, duma grande sinceridade, que poucas vezes tenho visto excedida, esteja sob a presidência do Sr. Josó Domingues dos Santos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Augusto de Vasconcelos:—Em boa hora insisti para que o Sr. Ministro da Agricultura viesse a esta Câmara. A esplêndida conferência, como lhe chamou o Sr. D. Tomás de Vilhena, uma pessoa, também, muito sincera, bem o demonstrou.

Eu tinha pedido a presença de S. Ex.a para unia cousa mínima, e S. Ex.a elevou-nos para os grandes problemas portugueses.

O meu dever impõe-me, -no emtanto, a obrigação de tratar esse assunto que, aliás, S. Ex.a tratou de passagem no seu discurso.

Queria referir-me a notícias que vieram nos jornais que S. Ex.a estava preparando um tabelamento de géneros para a resolução da crise da carestia da vida.

Como conheço muito bem S. Ex.a, porque já tive a honra de trabalhar com S. Ex.a numa emergência grave da vida portuguesa, que teve uma alta repercussão na vida internacional da Kepública, quando li essa notícia nos jornais fiquei certo que ela era falsa, porque não faria à alta inteligência de S. Ex.a a injúria de acreditar que iria resolver a carestia da vida pelo tabelamento dos géneros, „ sabendo-se que o tabelamento dos géneros dá lugar a desaparecimento deles no mercado e consequente aumento de preço.

Apenas n m país conseguiu tabelar os géneros : foi a Inglaterra.

Mas a Inglaterra conseguiu-o por um único processo, que foi tornar-se o Estado o único comprador e o único distribuidor dos géneros tabelados.

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balho intensivo a que o obrigou a saa obra.

Mas fazsr o tabelamento como nós G temos feito é uma cousa de tal crdem grotesca e inútil que a não pode fazer c Sr. Ministre da Agricultura.

A^em d sp c is uma no vá. notícia em quo se dizir. que S. Ex.a tinha nomeado uma comissíLo tendo apelado para T Árias eom-petêncks. er.íre as quais para a do Si. Tavares í.3 Carvalho.

Eu nãc quero senão fornecer a S. Ex.a ensejo para dizer ao País se e-ssa notícia é exacta.

Qucuto acs dois grandes problemas -versatlcs por S. Ex.a no seu discurso, o de prcf^-í-.c de energia e o de produçLo das su1.; si s t anciã s essenciais paro, a nossa vida, sãc de facto os dois máximos problemas do economia nacional.

Perleitr.EientQ, mas não estou complo-tamenío cê acordo com a técnicc. com nuo S. Ex.c procura resolver algias desses problemas.

Terioã de resolver os assai tos reais depressa, e para isso temos de encontrar meios çue L primeira vista só afigurem difíceis d L* realizar, mas que" eu desejaria muito cae S. Sx.a preferisse.

Já es estudou naturalmente.

Disss S, I£x.a que para algumas das obras rc-farí-ctes à produção ("o ?norgia seriam pr; c!sos dois milhões de libras, e para f. reforma agrária disse também qre eram precisas somas consideráreis.

(jPois seria possível obter capitais pp.rs, essas obras? Eu digo que sim.

Se S. Ex.a dentro ein pouco tivesse ocasião de melhorar de algum modo r.s condições económicas de vida portuguesa e aproveitasse a melhoria inevitável dos mercados monetários estrangeiros, aproveitando-se iábilmeníe a ocasiílo, eu não creio que fosse muito difícil obter no estrangeiro empréstimos para estes fins redentores.

O que era necessário era que isso fosse feito por pessoas que tenham estudado o assunto e estejam dispostos^a resolvô-lo.

Aludiu S. Ex.a à necessidade de se criar uma elite para a resolução destes assun+os.

Perfeitamente.

Mas continue S. Ex.a pregando; ec na,o> digo que pregue desse lugar já porque o Ministério está bastante combalido já por-

cue ali, só continuasso, S. Ex.% que no tempo das Constituintes, Parlamento que foi dos melhores, ia passear ao longo das olaias as suas indignações, o que não fará S. j£x.a se estiver sempre nesse Ministério è com a companhia que tem, não porque não tenha como companheiros pessoas mirto inteligentes e distintas, mas porque as suas doutrinas são antagónicas.

Disse S. Ex.a que o seu projecto agrar rio làcihncnte produziria resultados pregando o bolehevismo pelo Alentejo fora.

Duvido que S. Ex.a o conseguisse, se o quisesse fazer, como dis?o que não qusre.

Xá Eússia prègaram-se essas doutrinas, 8 c resultado não foi a prosperidade do País.

Antes, para melhorar a situação, tem sido preciso voltar a velhas doutrinas, abolindo es sistemas atrabiliários, que tinham falido.

O Sr. Lima Alves: — Sr. Presidente: passei uma semana inteira na cama, doente, e conservo-me ainda combalido; mas, porque estava inscrito desde há bastantes dias para quando estivesse presente o Sr. I',íinistro da Agricultura, não quis faltar aqui ontem, pela primeira vez que saí da carne.— e hoje.

Estou, por consequência, na pior das condições, sobretudo se porventura alguém quiser comparar as palavras que vou dizer, baças, sem elegância, com as palavras brilhantes e entusiásticas proferidas "há pouco nesta casa do Parlamento pelo Sr. Ministro da Agricultura.

Kunca tive relações com S. Ex.a

Suponho que nunca trocámos unia palavra-. No emtanto, sou homem que tenho obrigação de ter alguma cultura e quem quer que seja culto úão pode alegar ignorância dos elevados méritos do Sr. Ministro da Agricultura.

Conheço-os bem. Uris e outros são suficientes para eu, com a maior sinceridade, dirigir daqui a S. Es.a a afirmação da rninha muita consideração e do meu grande respeito.

Quando pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro da Agricultura tinha dois fins: fazer um pedido a S. Ex.a Q fazer-lhe uma pregunta.

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rern paciência, farei também algumas considerações a propósito da brilhante conferência quo o Sr. Ministro da Agricultura acaba ds fazer nesta casa do Parlamento.

O podido que queria dirigir ao Sr. Ministro da Agricultura o que ainda faço ó este: já há bastante tempo que rcqueri pelo Ministério da Agricultura me fosse enviada cópia do processo de uma sindicância, ordenada pelo Ministro a um funcionário desse Ministério após uma interpelação quo aqui realizei.

Tive notícia de que essa sindicância se tinha compleíado e de que esse funcionário tinha sido por completo ilibado das acusações que lhe fiz.

Não tenho, Sr. Presidente, senão o maior dos prazeres em que tal fosse o resultado da sindicância. Mas, justamente porque essa sindicância foi feita, não a meu pedido, mas por virtude tle acusações feitas por mim, não poderia deixar, por consideração para com o Senado, de querer ter o íntimo conhecimento da forma como decorreu essa sindicância.

Conheço apenas o seguinte: é quo, pouco tempo depois de nomeado o sindicante, recebi um ofício dizendo para eu precisar bem as minhas acusações; e eu, querendo ser leal, limitei-me a enviar a S. Ex.a o Diário das Sessões desta Câmara, em que vêm as minhas palavras sem que eu as tivesse revisto, por consequência, com toda aquela incorrecção própria dum discurso de momento; mas não quis que ninguém pudesse dizer qne eu ao rever quaisquer provas tivesse alterado as minhas ideas -ou as minhas afirmações.

Na carta que acompanhava esse número do Diário das Sessões terminava eu dizendo ao Sr. sindicante que me limitava" a fazer essa remessa do meu discurso, mas que esperava dar as explicações ou esclarecimentos de que S. Ex.a entendesse precisar quando fôss.e para isso chamado. Nunca para tal fui chamado.

Ora, Sr. Presidente, sabendo o Senado que houve completa ilibação da pessoa que havia sido acusada, naturalmente tem sobre mim a suspeita de que fui um im-

prudente, ou talvez mesmo mais, que fui um mau. Imprudente, suponho que não o fui. Mau, com certeza o não íui.

Apoiados,

Ou, pelo menos, não o quis ser.

Mas vejo-me em todo o caso nesta situação moral : fiz acusações sobre as quais se passou uma esponja.

Ora eu tenho força moral 'suficiente para logo qne conheça o relatório do sindicante e o estude, para vir aqui dizer em plena sala do Parlamento, onidc falei, quo errei, que fui imprudente.

Quero ter "essa hombridade, quero tomar essa situação.

Por isso vô Y. Ex.a, Sr. Presidenío, que tenho o maior interesse em que me seja remetida cópia desse processo. Compreende V. • Ex.a que há nesto meu pedido uma base moral.

Y. Ex.a é uma individualidade moral e vai com certeza ordenar que com a maior brevidade me seja enviado esse documento.

Outro assunto que desejava tratar em presença do Sr. Ministro da Agricultura já foi tocado por S. Ex.a no seu discurso o pelo Sr. Augusto de Yasconcelos.

Sr. Presidente: tive também verdadeiros arrepios quando vi a notícia de que se ia nomear uma comissão destinada & regular os preços de certos géneros alimentícios. Achava que isso seria um horror, que não estava à altura da envergadura dum Ministro como é S. Ex.a

S. Ex.a poderá talvez dizer que eu tinha obrigação de não acreditar.

Confesso que não acreditei, ou, pelo menos, não acreditava que tal só fizesse com a vontade de S. Ex.1"

Poderia fazê-lo, mas apenas por causas ou circunstâncias de força maior.

Folgo, por consequência, não com a declaração, mas pelo que deu a entender o Sr. Ministro da Agricultura, de que tal se não fora, isto é, que se não tabelarão os géneros alimentícios.

Se tal suceder, S. Ex.a merece os elogios duma pessoa tam modesta que se julga em condições de não poder elogiar ninguém e muito menos o Sr. Ministro da Agricultura.

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da4 Agricultura se pensava em estudar esta situação horrível da carestia da vida. E o Sr. Ministro da Agricultura tendo feito, como disso, uma brilhante conferência, sobre este assunto pouco acentuou; no emtanto, houve uma frase de S. Ex.a, que eu conservei na memória e foi que— a carestia da vida só se resolve com trabalho e juízo.

As minhas faculdades de trabalho não são grandes, mas são'elas a única cousa de qne tenho vivido até hoje. Tenho sido um homem de trabalho. Por minguadas que sejam essas faculdades de trabalho, ainda as ofereço ao País. Juízo ó que não posso oferecer porque não tenho tido o bastante para mim.

Tenho sido tam desastrado em toda a minha vida que, tendo já estado no lugar que V. Ex.a, Sr. Ministro da Agricultura, ocupa e em condições ainda muito mais honrosas, saí de lá em circunstâncias muito diferentes daquelas a que S. Ex.a há pouco se referiu: «sair duma pasta para entrar numa posta».

Deixei essa pasta, mas não trouxe atrás nenhuma posta.

Saí da pasta da Agricultura e não entrei em empresa alguma.

Apoiados.

Sai dessa pasta e continuo na situação anterior.

O meu juízo tem sido tam pouco que nem foi o suficiente para conquistar autoridade e méritos como'o Sr. Ministro da Agricultura justamente conquistou, para poder dirigir altas empresas e para poder tirá-las da ruina e elevá-las a um estado florescente.

O Sr. Ministro da Agricultura (Ezeqniel de Campos):—Empresa municipal!

O Orador: — Quero seja municipal, quero seja particular, para mim é uma situação que V. Ex.a tinha conquistado pelos seus méritos, antes de ser Ministro.

Por consequência, não vá o Sr. Ministro da Agricultura supor que nas minhas palavras podia haver qualquer segundo sentido.

Quero apenas afirmar a S. Ex.a cjue não sou daquele'5 a que S. Ex.a aludiu.

Estou absolutamente convencido de cue

seria talvez uma frase pouco feliz e com quo certamente S. Ex.a não quereria atingir qualquer dos seus antecessores.

Tenho lido nos últimos dias várias locais nos jornais anunciando entrevistas do Sr. Ministro da Agricultura com diversos industriais de padaria, não sei se independentes se dependentes, e não sei também se com industriais da moagem, mas todas elas, ao que parece, com o objectivo de elevar o preço dó pão.

Suponho que não é este o momento apropriado para tal se fazer, por mo parecer que o pão tem já um preço elevado de mais.

Li uma entrevista com o Sr. Ministro da Agricultura em que S. Ex.a dizia — e já o afirmou hoje aqui — que, quando entrou para o seu Ministério, o preço do trigo era de 280 xelins por tonelada e que actualmente estão pedindo 333 xelins ou cousa semelhante.

Já há muito tempo que não tenho dedicado a minha atenção a este assunto, e se assim tenho procedido é por ser também um desiludido.

Em tempo e repetidas vezes tratei deste assunto no Senado perante todos os Ministros da Agricultura.

Todos tiveram a amabilidade de me dizer que eu fizera considerações que mereciam ser atendidas, mas o facto é que dessas minhas considerações nunca resultou qualquer benefício para o Estado.

Todavia, o assunto começa a ter novamente uma fase aguda.

Entendi, por isso, que cometeria uma deslealdade para com a nação que represento se não voltasse a estudá-lo, o do estudo que fiz cheguei à convicção de que as condições actuais são piores do que aquelas que eu em tempo descrevi.

Conheço uma portaria assinada pelo Sr. Ministro da Agricultura quo estabelece o preço co pão, das farinhas, etc., na qual se determina que certa comissão reveja os preços dos trigos, trimestralmente, se não estou em erro, e onde se põom em equação diversas quantias para o preço cfo trigo na origem e uma taxa normal de moagem.

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Também nos diplomas referendados pelo Sr. Ministro da Agricultura existe essa falta.

Não sei a que atribuir tal falta, se a um descuido que se vai transmitindo de diploma a diploma, se a uma intenção ou, emfim, se a um propósito.

A um propósito não me parece porque o assunto não se me afigura de tal forma insolúvel que se não possa determinar quais as taxas em questão.

É apenas um X quo facilmente se resolve na equação.

Mas tendo eu estudado o assunto, verifiquei que para a hipótese do trigo a 280 xelins a tonelada o preço de cada quilograma de trigo seria de 1$40, mais ou menos. <_>

Se é esse o preço sobre que foram calculados os preços da farinha, do pão, etc....

• O Sr. Ministro da Agricultura (Ezequiel de Campos)-—Não é esse o preço. Foi estalecido o preço de 1$40, mas com as •despesas e o diferencial o preço de base de cálculo foi de 1$60 para o quilograma de trigo exótico.

O Orador: —Por consequência mais $20 em quilograma.

Sendo assim, acredito que já devem ter entrado nos cofres do tesouro muitos milhares de contos.

Quando o Sr. Ministro da Agricultura tomou conta da sua pasta, a moagem devia ao Estado cerca de 8:000 a 10:000 contos.

Não sei se esses 8:000 a 10:000 contos já teriam entrado nas burras do Estado.

Sendo, segundo os meus cálculos, de $20 o lucro do Estado em cada quilograma de trigo exótico, para uma importação, que está autorizada de 60:000 toneladas, esses lucros devem elevar-se a 12:000 contos.

Quere dizer: são 12:000 contos que num período de 5 meses nós temos a esperança de que hão-de ser pagos pela moagem.

Estou convencido de que não há-de ser muito inferior a 12:000 contos, o que a moagem deve, além dos 8:000 contos, desde que o diferencial seja esse.

Segundo os meus cálculos, para um preço de 1$40, encontrava -uma taxa de

panificação de 44$20, ou seja de $42 por quilograma.

Mas se eu corrigir os meus cálculos subtraindo os $20, ficará uma taxa de moagem de $22 por quilograma.

Entendo que é uma taxa exagerada, no emtanto já não tem'aquele aspecto que eu lhe atribuía há pouco.

Simplesmente devo manifestar ao Sr. Ministro da Agricultura os inconvenientes que acho em se estar a sobrecarregar o consumidor com o preço do pão, para se receber uma sobretaxa que difícil, se não impossivelmente, entrará nos cofres públicos.

Começo agora a compreender: o tal diferencial, os tais 12:000 contos, devem agora naturalmente reverter em benefício do público, e só pode assim acontecer, desde que V. Ex.a não permita o aumento do preço do pão.

Evidentemente que V. Ex.a foi, é e será assediado para que se aumente o preço do pão e das farinhas; entendo porém que V. Ex.a não deve resolver o assunto, sem o máximo cuidado e estudo.

Estou absolutamente convencido de que é assim que o Sr. Ministro procederá.

Sr. Presidente: no seu brilhante discurso, o Sr. Ministro da Agricultura disse que era difícil a resolução do problema do trigo, do gado, etc., acrescentando que o problema do trigo nem sequer tem sido posto pelos agrónomos, conforme opinião dalguns.

S. Ex.a disse G[ue tal não se dava, e eu disse «apoiado».

Efectivamente, não se pode fazer uma acusação dessas à agronomia nacional.

O problema do trigo tem sido posto, tratado com carinho e com competência pela agronomia nacional; o problema do trigo e todos os problemas económicos e agrícolas.

Não se vá esquecer que à agronomia, oficial e particular se deve ter-se saído daquela horrível crise proveniente das nossas vinhas devastadas pela filoxera.

Foram os diplomados pelas duas escolas agrícolas que, trabalhando com os lavradores, lutaram com esse terrível flagelo, de tal forma, que depois disso temos uma plectora de produção.

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"nomia oficial e particular na sua propaganda para a aplicação dos adubos.

E essa agronomia ainda está hoje convencida de que um dos principais pontos que se devem atacar é o de se fornecerem em boas condições, ao agricultor, os adubos.

Eu nuo poderei porventura dizer que em toda a parte e em todas as circunstâncias se tenha trabalhado eomo se devia; eu sei que, infelizmente, há mesmo funcionários do Estado que passando nma vida inteira nesta ou naquela região, neste ou naquele estabelecimento, nunca se deram ao trabalho de fazer um experiência sobre a melhor natureza de adubos a aplicar em determinadas regiões, para determinadas culturas.

Mas isso são excepções, felizmente, visto que pela propaganda e pela acç£o agronómica temos ocasião de trazer ao espirito público nacional a necessidade e oportunidade dos adubos.

Faça agora o Poder Executivo, faça o Ministro da Agricultura todo o possível para que os adubos sejam fornecidos nas melhores e mais económicas condições.

Desde que fassim seja, desde que ao mesmo tempo se faça aquilo aqueV.Ex.a também muito bem se referiu, que se dê o desenvolvimento suficiente, possível e racional, ao emprego das máquinas agrícolas, nós teremos dois factores que juntos a um terceiro, ao cuidado no melhoramento das sementes, serão o suficiente para elevar de muito a nossa capacidade específica produtora em trigo, porque como V. Ex.a há pouco disse, continuamos com a produção miserável, média, de seis sementes.

E visto que isso se consiga para a crise do trigo desaparecer por completo, para voltarmos aos dois anos em que quási se equilibrou o nosso consumo e a nossa produção, eu veria então com muito maior simpatia caalquer medida saída da imuiâ-tiva de S.~Ex.a

E a sou um daqueles que também já se referiram a esse diploma com o seu nome por baixo. S. Ex.a sabe por consequência qual o meu modo de ver que é resumidamente este: elaborada no melhor dos intuitos, manejando a melhor das competên-cias, consequência duma inteligência brilhante, não pode deixar de na sua amplidão e nos seus intuitos ser considerado

como um diploma de natureza a que podemos bem chamar patriótica.

Simplesmente para mim deu-me a absoluta convicção de que não poderá vir contribuir com aquela pressa que urge para a melhoria da crise que atravessamos.

V. Ex.a mesmo encarregou-se de o demonstrar nas palavras que aqui proferiu.

Uma das partes ern que a proposta de V. Ex.£ está dividida é a da irrigação.

V. Ex.a não conseguirá ver colonizado o Alentejo sem a irrigação, e V. ~Ex.a declarou que esse problema é de difícil resolução.

Ora desde que a irrigação ó difícil, eu não posso supor que essa obra tenha uma realização muito imediata.

Temos ouvido, desde Afonso Henriques até hoje, todos os economistas dizer que é preciso colonizar o Alentejo.

Somos um país de tal maneira distraído que deixamos passar séculos e séculos demonstrando a nossa imbecilidade a ponto de, em vez de irmos ali ao Alentejo colonizar, preferimos transpor o Oceano e, com o nosso espírito aventureiro e esperançoso, ir sofrer as intempéries, inclemências e agruras de clima a que não estamos habituados.

Julgo que não teremos de esperar outros tantos séculos; mas estou convencido de que nlo será na minha vida nem talvez na vida de nenhum dos presentes que veremos o nosso Alentejo colonizado por aquela forma poética que indica o Sr. Ministro da Agricultura e que continuaremos a ver essas enormes caravelas carregadas de emigrantes, esses enormes regimentos de quilómetros e'quilómetros, a cinco de frente, transpor o espaço e irem procurar melhor fortuna noutros países.

O Sr..Ministro dfl Agricultura, como bom minhoto que é, juntou essa qualidade a todas as outras para dizer que precisamos também de tratar com cuidado do nosso problema de gados.

E uma grande verdade.

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como é o da espécie barrosã, que é da região onde suponho que o Sr. Ministro da Agricultura tem os seus haveres e a sua casa.

Eu conheço a província do Minho. O Minho e particularmente a região onde o Sr. Ministro da Agricultura tem a sua casa e onde explora a agricultura, é a região mais encantadora do país e onde incide] °o maior número de condições agro-- económicas para a exploração do gado. Mas bom era que essas condições fossem .melhor aproveitadas.

Teria a maior astisfação se visse amanhã o Sr. Ministro da Agricultura apresentar ao Parlamento qualquer proposta de lei nesse sentido.

Tenho uma vida quási de cigano, porquanto, por virtude do ofício e até por amor, frequento muito as feiras, quer sejam as do sul, quer sejam as do norte, e as do norte muito especialmente. Conheço mesmo com uma certa intimidade as de Vila do Conde e de Vila Nova de Fama-licão.

Pois, Sr. Presidente, venho dessas fei^ rãs com o coração a sangrar, porque verifico que nelas se faz uma selecção negativa do gado.-Tudo quanto são boas crias é arrebanhado pelos marchantes, para os talhos; tudo quanto são crias miseráveis fica para o criador.

Ora isto deve acabar.

Este facto dá-se nas feiras do Minho e verifica-se também em todas as regiões de criação de gado.

S. Ex.a o Sr. Ministro da Agricultura deve conhecer os resultados obtidos na Escola Agrícola de Santo Tírso para onde, por conselho meu, foi um touro cha-rolês que jazia nainacção, e que tem dado magníficos resultados na reprodução, a ponto de um vitslo, à desmama, ter um valor duplo em carne.

De resto, já S. Ex.a tem a demonstração de que, tanto naquela região como em outras do país, se pode melhorar a espécie cavalar, porquanto os diversos reprodutores que para lá têm ido já conseguiram melhorar, a produção equídea da região.

Por consequência também não me parece que seja um'1 assunto difícil.

E assim já temos uma das formas de o resolver. Falta a .outra. A outra é dar a essa massa de gado a alimentação própria.

Para isso tem de ser transformada completamonte a agricultura do Minho, - -

A agricultura do Minho é hoje, porventura, aquela que era já no tempo de D. Sebastião. São o milho, a erva lameira e quando muito a batata para adubar o caldo verde, que se cultivam.

As leguminosas têm de exercer uma acção muito importante nessa região.

Dê o Sr. Ministro da Agricultura mui-, tas leguminosas à região do norte e terá assim contribuído para que não haja necessidade de comprar carne argentina, pelo preço por que fica a carne nacional.

Verifico, Sr. Presidente, que estou abusando, mas confesso que a propósito do discurso do Sr. Ministro da Agricultura podia dizer ainda muito mais, mas não quero ser maçador.

Já verifiquei que S. Ex.a está sendo chamado para outros assuntos; por consequência não prolongarei as minhas considerações, o que é para felicitar o Senado e para felicitar V. Ex.a

Mas não quero acabar estas minhas palavras, que foram sugeridas pela brilhante exposição de S. Ex.a, sem lhe pedir que não seja um desiludido. Pode S. Ex.a não ter tido o resultado que esperava, mas não desanime, estude mais para que a sua proposta possa ter uma realização mais prática, veja onde estão os seus fracos e os princípios que S. Ex.a tem como basilares e como essenciais e que possam ter.uma execução imediata. .

S. Ex.a não pertencendo como afirmou a nenhum partido político, está por consequência na melhor das condições para ser Ministro da Agricultura neste Governo e nos seguintes.

S. Ex.a é uma capacidade, o País tem obrigação de utilizar a competência dessa capacidade.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Costa* Júnior : — Desejava conversar com V. Ex.a relativamente à falta de pão.

Tem faltado pão em Lisboa e os industriais independentes têm vindo para público com afirmações, que eu desejava que o Sr. Ministro me explicasse, a serem verdadeiras.

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rinhas, não podem vender o pão pelo preço da tabela.

Além disso há outra atoarda que tenho a certeza que S. Ex.a vai desmentir, porque conheço os sentimentos de S. Ex.a através dos seus estudos e trabalhos, e sei que S. Ex.a seria incapaz de dizer o que eles afirmam, e que vem a ser «que o Ministro lhes tinha aconselhado que vendessem o pão sem o peso legal».

Este problema da panificação teia sido encarado por quási todos os Srs. Ministros, mas há íactores que a meu ver não têm entrado em equação. Eu acho que a taxa de moagem é excessiva em virtude do estado do câmbio.

Desde que se faça a sua correcção e se entre em linha de conta com outros factores, que eu vejo sempre afastados, chegamos a melhores resultados.

Entra sempre nos cálculos a idea de que 100 quilogramas de trigo dão 100 quilogramas de pão, e, todavia, 100 quilogramas de trigo podem muito bem dar 116 quilogramas de pão.

A moagem tem um excesso de quilos de farinha, e tanto assim que há um tempo para cá não vimos pedir para serem aumentadas as taxas.

Eu devo dizer a S. Ex.a que o pão está péssimo, chega a ser indigesto, parecendo muitas vezes uma bola de borracha.

Chamo a atenção do Sr. Ministro para este facto. Como S. Ex.a está encarando, a meu ver bem, o problema da agricultura em Portugal, ouso lembrar a S. Ex.a este assunto: que ó preciso rever as taxas de moagem e panificação.

Eu não quero que a moagem não tenha a justa remuneração do seu trabalho; é preciso dar a César o que é de César e a Deus o que ó de Deus, é preciso dar--Ihe um lucro relativo ao capital, mas não vamos ao excesso.

ComQ a hora vai adiantada, termino por agora as minhas considerações, tencionando mais tarde enviar para a Mesa uma neta de interpelação sobre este assunto.

O orador não reviu.

O Sr. Afonso de Lemos : — Sr. Presidente : vou ser breve como ó meu costume.

Há pouco, quando pedi a palavra para

explicações, fi-lo perante a afirmação categórica do Sr. Ministro da Agricultura de que não havendo trigo no País tinha necessidade de o mandar vir do estrangeiro.

Ora, já há pouco fiz a afirmação de que o Sr. Ministro estaria enganado pelo menos sobre o assunto, por isso que fazia a afirmação, e estou convencido que não serei desmentido, de que na minha região de Beja, principalmente aquela que eu mais conheço, que é Serpa e Moura, há, muitos milhões de quilogramas de trigo, que S. Ex.a pode adquirir pelo mesmo preço que vai dar ao estrangeiro, isto é, por 1$60 o quilograma.

Ainda a propósito disto, desejo fazer esta pregunta : ^ o trigo que vem do estrangeiro é tam bom como o nosso ?

Talvez não seja, pois eu afirmo a S. Ex.a que este ano .o peso médio que regulou naquela região foi de 78 a 80, trigo mole e rijo, muitíssimo bom.

Porque é isto?

Temos que conversar um bocado sobre o assunto «tabelas».

Primeiro, quero fazer um'protesto em nome dos lavradores daquela região contra o facto de, não havendo tabelas para nenhum outro género, nem para nenhum dos objectos de que o lavrador precisa, desde o vestuário às alfaias agrícolas, adubos, etc., apenas as haja para o trigo.

£ Porque há de ser o trigo a única cousa tabelada?

Mas vejamos o que têm sido as tabelas, porque no estudo dessas tabelas encontraremos a razão por que estão retidos naquela região tantos milhões de quilogramas de trigo.

As tabelas têm sido sempre uma cousa desgraçada.

S. Ex.as sabem muito bem que a maior parte dos lavradores não sabe ler, não lendo, portanto, jornais e estando afastada dos pequenos centros onde podia mais ou menos ouvir aos outros aquilo que ele não pode ler.

Ele vive na sua lavoura, ignorando em absoluto que se publicaram tabelas e ignorando também em absoluto o que elas sejam.

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i O que estabelecem essas tabelas ? Que o lavrador tem obrigação de manifestar o trigo dentro de um prazo marcado.

Más, por experiência adquirida nos anos anteriores, o lavrador sabe que o primeiro que lhe aparece a comprar trigo por preço superior à tabela tem sido .o próprio Governo. De maneira que o lavrador diz : «<_ que='que' de='de' governo='governo' amanhã='amanhã' ir='ir' é='é' trigo='trigo' mais='mais' comprometer='comprometer' próprio='próprio' ao='ao' posso='posso' o='o' p='p' eu='eu' se='se' caro='caro' hei-de='hei-de' até='até' me='me' fazendo='fazendo' manifesto='manifesto' porque='porque' vendêlo='vendêlo'>

Quando eu digo Governo, digo outras entidades mais ou menos oficiais.

Outra razão por que o lavrador se escusa a manifestar o trigo é devida a uma exigência do manifesto:

V.1 Ex.a vai por exemplo à minha região onde está um dos maiores celeiros, será o maior celeiro do País, que é Sarpa, que produz 30:000 mo;os de trigo e vê que ao passo que os lavradores tem a poucos quilómetros a fronteira espanhola, nem com o .auxílio de uni telescópio podem descobrir o caminho de ferro.

Por- isso o lavrador que vê os prejuízos resultantes de mandar os seus carros e as suas parelhas a distância de muitos quilómetros para encontrar a estação, re-trái—se e fica na situação de ser explorado pelos miseráveis que levam na algibeira a sua balança falsificada.

Mas ainda há mais.

O Governo, segundo á tabela oficial, é obrigado a fazer o rateio pelas fábricas de moagem. E eu sei que esse rateio foi feito ; & mas o que tem acontecido'?

Os lavradores, para não estarem com receio de serem incomodados, deram ao manifesto uma parte mínima do trigo que têm nos seus celeiros,

Ainda hoje lá têm o seu trigo; ainda não o foram lá buscar.

V. Ex.a pode-se informar disto em Moura e Serpa; lavradores que eu conheço mo têm afirmado.

Outra cousa. Um lavrador conheço eu a quem foi distribuído o trigo para uma fábrica do Norte.

<_0 p='p' que='que' a='a' fábrica='fábrica' fez='fez' ultimamente='ultimamente'>

Primeiro, mandou preguntar se o trigo era rijo ou mole. Como lhe mandassem dizer que trigo era rijo, responderam que só compravam trigo mole, e esse,

mesmo, com um prazo de três meses de demora.

Ora, Sr. Ministro da Agricultura, perante tabelas organizadas assim, perante a falta de seriedade na execução dessas tabelas,

De modo que se chega à conclusão de V. Ex.a vir aqri afirmar que não há trigo nacional.

^Ora quere V. Ex.VSr. Ministro da Agricultura, que no prazo de três a quatro dias haja trigo em Lisboa por aquele preço ?

Estou convencido de que o poderá obter; o que é preciso ó saber como.

V. Ex.a sabe que em todas essas regiões há os sindicatos agrícolas.

Se V. Ex.a determinasse quo cada sindicato tem a obrigação de ter uma balança rigorosa, aferida de modo a que os lavradores saibam que essa balança ó a verdade; se V. Ex.a par intermédio desses sindicatos se informar da quantidade de trigo que pode adquirir, V. Ex.a pode ter a certeza de que o lavrador tem a confiança precisa para chegar ao sindi-ato e oferecer o seu trigo.

O sindicato terá. uma percentagem mínima por esse trabalho, e o Governo fica garantido com trigo nacional, escusando de se deitar para o estrangeiro quantidades enormes de ouro.

Portanto, Sr. Presidente, e Sr. Ministro da Agricultura, eu tinha de fazer esta afirmação a V. Ex.as e espero que o Sr. Ministro da Agricultura não torno a afirmar, como hoje, que não há trigo nacional, porque isso não é verdade.

Também não tem direito de queixar-se que o lavrador não lhe fornece trigo à face dessa tabela, porque ele não tem confiança nem nessa tabela nem no Governo.

£ Quere V. Ex.a prestar um serviço à lavoura nacional, ao País, à população de Lisboa ?

Trate do assunto por intermédio dos sindicatos que merecem a confiança dos lavradores, e no dia seguinte muitos milhares de quilogramas de trigo irão bater à sua porta.

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Diário aos &6*tôêê ao Senado

A hora está adiantada, o Sr, Ministra da Agricultara quererá ainda dizer alguma cousa e por poucos minutos tomarei a atenção de S. Ex.a e da Câmara.

Não ficaria bem com a minha consciên-,cia e com o meu coração, se não fizesse daqui ao Sr. Ministro os meus cumprimentos, não lhos tendo feito há pouco pessoalmente quando outros colegas o foram cumprimentar por não ter tido ainda a honra de lhe falar e não o conhecer antes de o ver aqui.

Vê V. Ex.a por esta entrada em matéria que só palavras de elogio e de louvor terei para dizer a S. Ex.a

Ouvi com demorada atenção e forçada pelas minhas más qualidades cê audição desci imediatamente para junto de S. Ex.a quando começou a falar por não o poder ouvir distintamente do meu lugar e sustentei essa atenção durante todo o tempo da sua orilhante prelecção, por S. Ex.a, modestamente justificada da «pregação», no meu entender, uma brilhantíssima conferência como já teve ocasião de jusdfi-cadainente, dizer um dos meus colegas deste lado ca Câmara.

At S. Ex.a uma pessoa cultíssima, já sabíamos; um alto valor intelectual, também sabíamos; um homem, também sabíamos ; S. Ex.a mostrou agora claramente ser um homem de grande independência de espírito, de notável boa fé, do enorme sinceridade.

Muitos apoiados.

Não é, favor algum dizê-lo daqui a S. Ex.a É o respeito pela verdade a ordenar a este lado da Câmara, a extrema direita, que faça justiça às qualidades e intenções do homem só culpado de ter tida a imprudência de se deixar meter num Governo de acentuada tintura bol-chevista, e lhe diga sentir grande pena de o ver num Gabinete, ao que parece, se os indicadores são certos, tam perta da morte.

Seria de desejar para nós todos, para o país, se no país houvesse juízo e bom senso, obter do Sr. Ministro, depois de o ouvir brilhantemente revelar conhecimento profundo do assunto, manifestar alta inteligência e larga preparação, afirmar sentidamente boa vontade e evidenciar boa fé, e de ter levado o seu sacrifício a encaixar-se neste Gabinete, pedindo-lhe, exigindo-lhe até, em nome do progresso

e destinos da Pátria, a sua conservação nos Gabinetes futuros, a suceder a -este, em nada melhor para o progresso do país que os dois, três, quatro ou cinco que o precederam.

Apoiados repetidos de toda a Câmara.

Sem intuitos políticos, mas com toda a sinceridade, sempre assim procuro falar, e por o coração mo pedir e mo pedir o espírito, apesar de saber ser suspeita para alguns dos meus colegas essa sinceridade, não quis deixar de afirmar deste lugar estas verdades como as sinto, felicitando o Sr. Ezequiel de Campos pela sia oração e pelos seus intuitos, com toda a franqueza, com toda a lealdade, com o coração nas inãos.

Vozes: — Muito bem, muito béni.

O Sr. Ministro da Agricultura (Ezequiel de Campos):—Sr., Presidente: a hora vai tem adiantada que eu me sinto embaraçado para responder a todos os oradores.

Ao Sr. Senador monárquico, D. Tomás de Vilhena, tenho a dizer que de facto não lhe podia dar uma resposta precisa com relação à carestia da vida, porque isso depende dum conjunto de medidas que se devem tomar, umas de carácter económico, outras de valor moral, como a restrição de importações dispensáveis e a moderação nas despesas inúteis do clube, da luxo, da taberna, do café.

Não diz bem que um povo que lança .todos os anos ao ostracismo o melhor da população, faça estendal do seu vício e da sua insensatez.

Saibam V. Ex.as que isto partiu dum homem qae dá o exemplo, que não frequenta os cafés nem a batota. Vinha chamando a atenção dos que governam para este ponta.

Não há motivos de visita do estrangeiro ou de turismo, ou qualquer outro, que justifiquem a loucura que temos tido no jogo. •

A correcção moral precisava de ser completada com a economia nas despesas públicas: gastar apenas o absolutamente indispensável.

Apoiados.

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A correcção moral e social é a condição prévia da nossa melhoria e do barateamento da vida.

£ Está o país resolvido a aceitá-la? Emquanto não estiver o Governo mal pode decretá-la.

Não é só com o trabalho dos homens que aqui se sentam e que vão para os casarões do Terreiro do Paço, que se pode fazer aquilo que é indispensável para a nação.

De resto, sei muito bem, pelo que tenho lido, ouvido e visto, quanto a correcção do problema económico, sob os seus vários aspectos, exige de saber, de trabalho e de capital.

Este já não pode vir do estrangeiro, como para o fontismo. Teremosf de nos governar com a prata da casa.

Sistematicamente venho há catorze anos a pregar um plano político de conjunto, que nilo tenho tempo de vos explicar. E vou tentando encaminhar desse plano o fundamentai pela pasta da Agricultura; assim3 a partilha de baldios, o aproveitamento de terrenos incultos e de chame-, cãs e alguns planos de rega, começando pelo Ribatejo.

Mas não é isto bastante para a solução dos problemas portugueses que geram a carestia da vida.' E necessário uma actividade conjunta do Governo, ao menos , nas pedras angulares a que me referi na • Política.

Respondendo ao Sr. Lima Alves, agradeço, como a todos os Srs. Senadort s, as palavras amáveis e •'merecidas que me dirigiram.

Não apoiados.

Tenho muita consideração pelos agrónomos portugueses que trabalham e educam, desde Silvestre Bernardo Lima até aos novos que vão marcando a sua actividade no estudo das nossas questões agronómicas.

Respondendo ao Sr. Augusto de Vasconcelos, direi que a primeira tabela de que tenho conhecimento é de t). Afonso m; a última não será feita por mim.

Não é assim, ditando preços, que se resolve o problema da carestia da vida; mas sim produzindo mais e gastando prudentemente.

De facto o Governo, vendo a complexidade dos serviços de abastecimentos que a venda mensal de mais de 2:000

contos, pensou, em vez de ter um comissário, nomear uma comissão administrativa de cinco membros.

Nada mais posso dizer sobre este ponto.

Os géneros são comprados e vendidos com um certo lucro que dá a amortização do capital, os juros desse mesmo capital, e faz face às. despesas inerentes à vida comercial.

V. Ex.a referiu-se a um nome para a comissão dos abastecimentos.

iSiós estamos num País que, embora seja enorme pela sua resistência, ó um País pequeno porque todos nos conhecemos.

Não será estranho que o Governo nomeie as pessoas insistentemente importunas com a carestia da vida, com a sua competência- e bons serviços, para a penosa tarefa da gerência dos Abastecimentos.

E a ocasião de mostrar ao País o seu valor e o seu deseja de bem trabalhar.

Desde as Constituintes que eu vivo fora do meio de Lisboa, e portanto devo aceitar as indicações do Governo de que faço parte para a escolha dessas pessoas.

O Sr. Herculano Galhardo (interrompendo}:— V. Ex.a declarou há pouco que não podia resolver um problema que a Nação não queria ver resolvido.

Y. Ex.~ que é uma das pessoas mais competentes (Apoiados) disse esta grande verdade: que o Governo não pode resolver um problema que a Nação não quere resolver, mas depois disso V. Ex.a vai. nomear essas pessoas que dizem ao Governo que resolva o problema da carestia da vida.

Ora isto é que não está certo.

- O Orador:—V. Ex.a sabe muito bem que nós estamos a resolver o problema da vida portuguesa um pouco por absurdos e um pouco por aproximações sucessivas, dando em resultado ser por vezes desaproximações sucessivas.

Neste caso dos abastecimentos eu, Ministro da Agricultura, preciso de afastar--me dos abastecimentos, porque com os elixires preconizados por toda a gente sei que não o resolvo e também porque tenho ali um verdadeiro quebra-cabeças.

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senta a opinião pública, ficará esta a saber as utopias dos seus desejos.

Eu digo a V. Ex.a que, sendo há dois meses Ministro da Agricultura, só ontem pude visitar o segundo estabelecimento dependente do meu Ministério.

Não tenho tido tempo de ver nadat porque desde manhã até à noite tenho de atender padeiros, moageiros, questões do batatas, de leite, etc.

Preciso pois desquitar-me destas questões para me dedicar a assuntos do Ministério da Agricultura— da produção, e não apenas do consumo.

Estabelece-se diálogo entre o orador e o Sr. Augusto de Vasconcelos.

O Orador:—A comissão ainda nào está nomeada, estão apenas indicadas as pessoas. É até provável que não nomeio comissão nenhuma. V. Ex.as farão as sugestões que entenderem e eu declaro desde já que tentarei acatá-las.

O que cão posso é continuar a ser quási exclusivamente Ministro dos Abastecimentos.

Agora, a questão do pão.

Eu voii dizer a V. Ex.a como a encontrei e como tenho estado na questão do pão.

Quando tomei conta do Ministério estava entre mãos o manifesto de trigo, por um adiamento que terminou dois dias depois da minha entrada no Governo, e estava prevista a possibilidade da compra de dois carregamentos de trigo.

Vi as disponibilidades e entendi que devia comprar esses carregamentos. A disponibilidade era de 40:000 toneladas em declaração, 3:000 em Lisboa, 3:000 no Porto, e o resto espalhado pelo Pais.

Ora nós consumimos por dia, cerca de 800 toneladas; portanto era fácil calcular que tínhamos trigo até fins de Fevereiro, ou meados de Março.

Portanto, repito, vendo a disponibilidade tentei, primeiro, comprar o trigo no estrangeiro, que rne assegurasse, pola cotação do momento, 270 e 280 xelins, o trigo a 1$40 e tal; faria o diagrama na base 1$60, e assim tinha receita para o Estado e embaratecia o pão.

(íPara que é que eu ia prejudicar a lavoura ? ~~

Tive uma solução, que me pareceu boa.

Havendo em Lisboa apenas 3:000 toneladas de trigo, destinava o de preço mais barato para Lisboa, como tom sido praxe velha, e embaratecia logo o preço do pão. Assim fiz. No entretanto ir-se-ia esgotando o trigo do preço legal 1$80, não tendo o Governo culpa que se tivesse vendido trigo nacional a 2$ e ínais.

íso emtanto abri concurso para a compra de 60:000 toneladas de trigo. -

Mas aconteceu que o preço do trigo começou a subir extraordinariamente, de forma que no dia do fecho do concurso as cotações eram altíssimas, como há vinte e seis anos não sucedia.

Por isso abstive-me de comprar as 60:000 toneladas, preferindo abrir novo concurso só para dois carregamentos.

Isto trouxe grandes embaraços ao Governo, e há-de trazer com certeza o encarecimento do pão, pois não se podem manter os preços do pão na base 1&60 do quilograma de trigo quando este passar, a 1(580 e mais.

A situação é esta: encarecimento anormal do trigo. Temos de aceitar as cousas como são; não podemos decretar que em New-York, Buenos Aires e Londres baixem os preços dos trigos.

E certo que recebi um telegrama do sindicato de Beja pedindo que não comprasse o trigo estrangeiro.

Perfeitamente bem. se tivéssemos trigo nacional paia alguns meses.

Entendi-me com físse sindicato, mas vim a saber que o trigo era pouco para as necessidades do consumo.

O trigo que ali está é para treze ou catorze dias; e já está nas mãos dos intermediários.

Conseguiu o Governo muito rapidamente, sem prejudicar a lavoura, o pão em Lisboa mais barato, na base de l £60, dando ainda um diferencial importante para o Estado.

O vapor do segundo carregamento encalhou. No entretanto ia. para o esgotamento o trigo do primeiro. Por isso mandei buscar farinha à província; e, apesar de muitas dificuldades, não faltou o pão a Lisboa.

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A farinha era de trigo adquirido a 1$80 por quilograma, segundo o manifesto.

Houve dificuldade da parte da padaria em laborá-la. Dentro da tolerância legal, conseguiu-se resolver este problema difícil de não subir o preço ao pão.

Em vista disto estamos a viver numa situação delicadíssima.

Oxalá apareça depressa o vapor, e baixe muito o preço do trigo no estrangeiro, para bem de todos.

E desenganemo-nos, que pão barato em Portugal só poderá haver quando produzirmos muito trigo, em' superabundância, e o produzirmos com grande rendimento

^ hectare e com pequeno dispêndio.

Este pão caro que comemos é o tributo da nossa ignorância agrícola.

Tenho dito.

O Sr. José Pontes: — Sr.-Presidente: como o Sr. Ministro da Guerra se encontra aqui desde o princípio da sessão para me ouvir, parece-me que escuso de me sacrificar a vir na segunda-feira, aproveitando a ocasião para me referir a nm assunto que corre pela sua pasta.

Em cima das nossas bancadas apareceu um jornal há dias, intitulado O Mutilado de Guerra, no qual alguns indivíduos que foram meus companheiros na" guerra e são criaturas de valor no jornalismo, como por exemplo Kaúl brandão, José Sarmento e Forjaz de Sampaio, fazem acusações ao Parlamento afirmando que inválidos da guerra andam há muito tempo pelos corredores do Congresso fazendo reclamações sem qne sejam atendidos.

Ora como o referido jornal dá a entender que o Parlamento tem sido ingrato para com esses servidores da Pátria, eu, que tenho sido um incansável defensor desses homens, não podia dpixar de dizer também que o Parlamento tem sido de há uns 3 anos para cá dum carinho iuexcedível para com essa gente- •

Com o fim de evitar explorações políticas à sombra deste caso, eu peço ao Sr. Ministro da Guerra que mande rever todos os processos referentes aos mutilados e atender aqueles que de direito devam ser atendidos.

Como se encontre também presente o Sr. Ministro do Trabalho e S. Ex.a fez, passar pela Secção uma proposta de lei relativa ao Instituto dos Mutilados de

Guerra, desejava saber se S. Ex.a nessa proposta acautela suficientemente o futuro dessa casa, porque não quero que se perca a melhor obra da Eepública que é ;o Instituto Fisioterápico de Lisboa.

Quere dizer: passando o Instituto para a administração dos Hospitais Civis, é preciso que eles continuem a manter o Instituto para a única função a que estava destinado: tratar de acidentes.

Ao mesmo tempo quero dizer ao Sr. Ministro do Trabalho que S. Ex.a publicou um decreto nomeando uma comissão para tratar de assuntos mutualistas.

S. Ex.a é incapaz de melindrar seja quem for, e eu vou chamar a atenção de S. Ex.a para o seguinte facto.

S. Ex.a tem nessa comissão um representante da Associação dos Empregados do Comércio e Indústria, associação essa que tem 52 anos, mas há uma associação ainda mais velha, tem 70 anos, a Associação do Comércio e Indústria, que se sente um pouco melindrada por não ter representante nessa comissão.

Aqui está o que eu tinha a dizer.

O orador não reviu.

O Sr Ministro da Guerra (Helder Ri> beiro):—Ao ler as variadíssimas considerações que se têm feito e dito sobre os inválidos da guerra e mutilados, eu, senão tivesse tido a honra de4er feito parte do Corpo Expedicianário Português, teria a impressão de que esse corpo, era todo composto de mutilados e inválidos da guerra, tinha a impressão de que a situação era essa, e eu posso afirmar a V. Ex.as que a situação que aqui se pinta mi'> corresponde em nada à verdade dos factos.

Houve na realidade, no Corpo Expedicionário Português um grande número de tuberculosos, mas foram sobretudo aqueles que partiram para lá sem serem sujeitos à inspecção, porque senão tinham sido todos tuberculosos antes de ernbàrcar.

Esses constituíram os primeiros contingentes de repatriados.

Depois houve, é certo, tuberculosos que são os que mais devem pesar sob ré o nosso espírito porque adquiriram essa doenç nos campos de batalha.

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Diário das Sessões do Senado

os que de lá vieram a todas as contingências da vida difícil, averiguar da origem dessas doenças porque há bronquites agravadas, sífilis hereditária e padecimentos crónicos que existiam antes da própria ida para a campanha e que &e pretende agora terem sido lá adquiridos.

Tenho processos examinados por naim em que há indivíduos que se queixam de injustiças porque foram gaseacos em campanha e onde os comandantes dizem desconhecer por completo que na sca unidade tivesse havido qualquer ge.seado.

Eu devo dizer a V. Ex.a que da parte dos mutilados de guerra, daqueles que estiveram no campo de batalha e qno combateram ao lado dos aliados, desses não existe reclamação alguma quanto à aplicação das leis a eles referentes: um deles, que é uni grande mutilado e que lutou até à última, o coronel br. Xavier da Costa, ainda há pouco me procurou para fazer esta afirmação.

Em Portugal existe uma liga de combatentes da qual fazem parte figuras que cumpriram com os seus deveres; os inválidos apoiaram a liga dos combatentes e íorarn os seus companheiros que reconheceram que havia exagero.

Abandonaram a liga dos combatentes para irem buscar criaturas que nos campos de batalha de .nada serviram, criaturas que nSo tinham a robustez necessária para ser soldados.

Eu devo dizer que há muita gente queixosa por motivo de não ter sido amparada no seu descalabro físico quando regressou a Portugal, sobretudo aqueles que ficaram inutilizados pelos gases e os que ficaram empaludados até à última pelas terras de África.

Esses que voltaram a Portugal nessas condições não devem ignorar que há kàs que os protegem; mas reconhecer como mutilados aqueles que já foram para a guerra clieios de mazelas tuberculosas e sem as condições necessárias e quo apenas vêm para os efeitos de reforma pedir melhoria de vencimento, isso é que não pode ser.

O Estado tem apenas o dever de olhar por aqueles que se sacrificaram pelfi Pátria. • O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Trabalho (João de Deus Eamos): — Sr. Presidente: em atenção ao adiantado da hora, vou responder era duas nalavras ao ilustre Senador Sr. José Pontes.

Com relação ao primeiro ponto a que S. Ex.a se referiu, vou recomendar aos hospitais civis que mantenham o Instituto dos Mutilados de Guerra, como instituto de fisioterapia.

Quanto à portaria., devo dizer que não tive a intenção de dar representante a nenhuma associação de socorros mútuos, apenas me limitei a escolher pessoas habilitadas para fazer esse estudo.

O orador não reviu.

O Sr. Joaquim Crisóstomo : — Sr. Presidente: para chamar a atenção do Sr. Ministro da Guerra para um caso ocorrido nos Ac.3rés.

Trata-se de um conflito entre a guarda fiscal e o exército, em. consequência de ter sido ordenado o despejo de uma casa da Alfândega, estando o director desse esta-celecimento no propósito de não entregar a c,a-sa nem pela força das armas.

Esta atitude é desprestigiante para a justiça, porque as suas ordens têm de se cumprir.

Eu pedia a V. Ex.a para evitar telegrá-ficamente que se derrame sangue, e que, ao mesmo tempo, comunique ao Sr. Ministro .da Justiça este facto.

O orador não reviu,

O Sr. Ministro da Guerra (Helder Ki-beiro): — Sr. Presidente: embora o assunto não corra pela minha pasta, como se trata de um conflito em que por um lado eslá a guarda fiscal numa casa, armada para a sua defesa e por outro lado forças do exército para a atacar, todas as providências foram tomadas para evitar uma efusão de sangue. E vou comunicar o que se passa ao Sr. Ministro da Justiça.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — A próxima sessão é na sexta-feira à hora regimental com a seguinte ordem do dia:

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Sessão de 4 de Fevereiro de 1920

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Projecto de lei n.° 795 — Sobre a interpretação do artigo 2.° e seu § 1.° da lei n.* 1:648.

Projecto dó lei n.° 802 — Autorizando algumas câmaras municipais a venderem determinados terrenos.

Projecto de lei n.°'706—Concedendo vantagens a oficiais em serviço no Ultramar.

Projecto de lei n.° 798—Alterando várias disposições da lei do inquilinato.

Projecto de lei n.° 695 — Concedendo pensões às viúvas e órfãos de oficiais.

Projecto de lei n.° 575—Kegulando a aposentação dos funcionários do Ministério dos Estrangeiros.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horam e l õ minutos.

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