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REPÚBLICA
PORTUGUESA
o
G
EM 18 DE MARÇO DE 1925
Presidência do Ex,mo Sr, António Xavier Correia Barreto João Manuel Pessanha Yaz das Neves
Secretários os Ex.mos Srs,
Luís Inocêncio Ramos Pereira,
Sumário.'—A sessão abre às 15 horas e 30 minutos, com 29 Sr. Senadores presentes.
Aprova-se a acta e dá-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informa que vai interromper a sessão, para que a l.a Secção reúna.
A. sessão reabre à* 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem "do dia..—O Sr. Joaquim Crisóstomo refere-se a assuntos respeitantes aos Transportes Marítimos do Estado, replicando-lhe o Sr. Ministro do Coméreio.
O Sr. José Pontes propõe um voto de saudação pelo aniversário do Gimnásio Club Português.
Associam-se os Srs. Procópio de Freitas. Vicente Ramos, Dias de Andrade, Lima Alves, Silva Barreto, D. Tomás de Vilhena e o Sr. Ministro do Comércio.
A proposta é aprovada.
O Sr. Oriol Pena protesta contra as violências que estão a ser praticadas na. confecção dos recenseamentos eleitorais.
O Sr. D. Tomás de Vilhena ocupa-se do mesmo assunto, replicando a ambos os oradores o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Júlio Ribeiro ocupa-se do mesmo assunto no que respeita ao concelho de Fozcoa.
Abertura da sessão às 15 horas e 2õ minutos.
Presentes à chamada 29 Srs. Senadores.
Entraram durante a sessão 11 Srs. Se~ nadores.
Faltaram à sessão 31 Srs. Senadores.
Srs. Senadores pr&s&ntes CL abertura da sessão:
António da Costa Godinho do Amaral.
António Maria da Silva Parreto.
António Xavier Correia Barroto. Aprígio Augusto de Serra e Moura. Artur Octávio do Rego Chagas. Augusto Casirniro Alves Monteiro. César Procópio de Freitas. Duarte Clodomir Patten de Sá Viana. Ernesto Júlio Navarro. . Francisco António de PauJa. Francisco José Pereira. Francisco Vicente Ramos. Herculano Jorge Galhardo. João Carlos da Costa. João Manuel Pessanha Vaz das Neves. Joaquim Crisóstomo da Silveira Júuiorc Joaquim Pereira Gil de Matos. Joaquim Xavier de Figueiredo Oriol Pena.
José António da Costa Júnior. José Augusto do Sequeira. Josó Duarto Dias do Andrade. José Joaquim Fernandes Pontes. José Joaquim Pereira Osório. José Mendes dos Reis. Júlio Augusto Ribeiro da Silva. Júlio Ernesto de "Lima Duque. Luís Augusto Simões de Almeida. Luís Inocêncio Ramos Pereira. Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
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Diário das Sessões do Senado
Coustantino José dos Santos. Domingos Frias de Sampaio e Melo. Francisco de Sales Ramos da Costa. Frodorico António Ferreira do Simas. José Machado Serpa. Rodrigo Guerra Alvares Cabral. Tomás do Almeida Manuel de Viihena. (D:).
Srs. Senadores que não compareceram à sessão:
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Allredo Narciso Marcai Martins Portugal.
Aníbal Augusto Ramos de Miranda.
António Alves de Oliveira Júnior.
Autóuio Gomes de Sousa Varela.
Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.
Augusto de Vera Cruz.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Francisco Xavier Anacleto da Silva.
João Alpoim Borges do Canto.
João Catanho de Meneses.
João Maria da Cunha Barbosa.
João Trigo Moutinho.
Joaquim Manuel dos Santos Garcia.
Joaquim Teixeira da Silva.
Jorgf Frederico Velez Caroço.
José Augusto Ribeiro do Melo.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Nepomuceno Fernandes Brás.
Luis Augusto de Aragão e Brito.
Manuel Gaspar de Lemos.
Nicolau Mesquita.
Querubim da Rocha Vale Guimarães.
Raimundo Enes Meira.
Ricardo Pais Gomes.
Roberto da Cunha Baptista.
Rodolfo Xavier da Silva.
Silvestre Falcão.
Vasco Crispiniano da Silva.
Vasco Gonçalves Marquos.
Arícor Hugo de Azevedo Coutinho.
O Sr. Presidente: — Vai fazer-se a chamada.
fez-se a chamada.
O Sr. Presidente:—Estão presentes 29 Srs Senadores. Está aberta a sessão. Eram 10 horas e 2? minutos.
O Sr. Presidente : — Vai ler-se a acta. Leu-se.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a acta.
Como ninguém pede a palavra conside-ra-ee aprovada.
Vai ler-se o
Requerimentos
De José Borrego da Silva, Inácio Cardoso, Manuel Inácio, Ricardo Rosa y Al-borty, António Vicente Morais e António Antunes Guerra, pedindo que sejam reconhecidos revolucionários civis ao abrigo da lei n.° 1:691.
Para a comissão de petições.
Representação
Do Banco de Portugal, sobro o aspecto jurídico, político-económico e técnico dos princípios fundamentais nas relações entre o Estado e o Banco emissor.
Para a l.a Secção.
Projectos de lei
Restaurando os julgados municipais de Penamacor, Cadaval e Macieira de Cambra.
Para a l.a e 2.a Secção.
Autorizando o Governo a mandar construir casas apropriadas para repartições de finanças e tesourarias da Fazenda Pública.
Para a l.a Secção.
Criando uma assemblea eleitoral em Alhos Vedros.
Para a 2.a Secção.
O Sr. Presidente :—Interrompo a ses-sílo para se reunir a l.a Secção.
O Sr. Joaquim Crisóstomo (para interrogar a Mexa): — O Sr. Presidente: — Há sim, senhor. Doutra forma não interromperia a sessão. Eram 15 horas e 30 minutos. O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessSo.
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Sessão de 18 de Março de 1925
O Sr. Joaquim Crisóstomo: — Sr. Presidente: chocou ao meu conhecimento que o arrematante do vapor Porto havia trocado esse barco por uni outro, sem que o Governo houvesse autorizado essa transacção.
Como está presente o Sr. Ministro do Comércio, espero que S. Ex.a informará a Câmara, para conhecimento do país, do que se passa a esse respeito.
A lei u.° 1:577 permite a troca dos navios adquiridos ao Estado, mediante determinadas condições. Uma delas ó estar integralmente pago x> preço da arrematação, e outra, o navio a trocar não ser de tonelagem inferior a metade da do trocado.
Nestas circunstâncias, o Governo, se autorizou a referida troca, necessariamente teve para isso elementos e. portanto, convém que o Sr. Ministro do Comércio informe quais são as condições de tonelagem e de. navigabilidado; especialmente quanto à idade do navio por que foi trocado o Porto.
Também corre como certo que os arrematantes da maior parte dos navios dos Transportes Marítimos efectuaram apenas o pagamento de 20 por cento, nos termos do n.° 5.° do artigo 2.° da referida lei, e não têm pago as prestações, consoante foi estabelecido no auto da praça.
Ainda ontem o Sr. Presidente do Ministério, na outra Câmara, declarou que a maior parte dos arrematantes se recusava a efectuar esse pagamento, ou melhor, declaravam que não estão habilitados a fazê-lo.
Convém que se saiba quais são os arrematantes que tom cumprido as cláusulas do contrato, quais são os remissos e qual é a atitude que o Governo se propõe adoptar em relação a esses devedores do Estado, porque, como é sabido, quando se trata de pequenas verbas, o Estado ó inexorável para com os seus devedores, os prazos correm com a devida regularidade, cumprem-se as formalidades consignadas na lei, indo-se até à penhora, indo-se à arrematação, indo-se ao extremo de se privar o devedor do que possui, mesmo que seja somente um pequeno quintal. Mas quando se trata de devedores, que dispõem de fortunas colos-
sais, que giram com capitais enormes, como a moagem o tantas outras entidades desta catogoria, as leis nunca os atingem porque recorrem para os tribunais, fazem toda a espécie do chicana e com o seu dinheiro conseguem até subornar um ou outro empregado, fazendo com que os códigos sejam para eles letra morta.
Há duas entidades, que são a Tinoca e a Santa Iria, que têm carregamentos de fosfates em dívida ao Estado, sem que a questão soja levada aos tribunais.
Mais que uma vez me referi à questão das 400:000 libras. Quando Presidente do Ministério o Sr. Álvaro de Castro, S. Ex.a respondeu-me som pré com boas palavras, mas nada mais, e li há pouco um trecho da última conferência desse antigo Ministro, na qual se diz que convém que os banqueiros entrem nos cofres do Estado com o que devem. Fofa do Governo vem S. Ex.a pedir providências ao próprio Governo.
O sistema do nosso .processo é muito complexo.
Dá ensejo a que se protelem indefinidamente as questões, com vários expedientes.
(j Se ó certo que os arrematantes se recusam a pagar, o que tenciona fazer o Governo? Dar uma moratória? O Sr. Ministro do Comércio não assume essa responsabilidade, diz.
.Perfeitamente. S. Ex.a tem de cumprir, como membro do Poder Exocutivo, as determinações do Poder Legislativo. Como Ministro é que não pode conceder essa prorrogação.
Desejava que o Sr. Ministro, se estivesse habilitado, me dissesse se os navios arrematados ficaram hipotecados ao Estado, e se ainda fjram exigidas outras garantias, prescritas na alínea ô) do já citado n ° 5.° do artigo 2.°
Em resumo: sobre este assunto o que desejava era que o Sr. Ministro respondesse aos seguintes pontos:
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Diário das Sessões do Senado
^Se os arrematantes não efectuaram, no acto da arrematação, o pagamento integral, foram-lhes exigidas outras garantias alóin da hipoteca legal?
,?No caso de já ter passado a época do pagamento da primeira prestação, o Governo tenciona executar'os devedores, ou pensa em apresentar ao Parlamento uma lei'tendente a prorrogar o prazo?
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Ferreira de Simas):—Quanto ao cast) do vapor Porto, informei-me do quo havia.
Esse vapor foi vendido por uns milhares de libras e foi pedida autorização para o trocar pelo vapor espanhol Sevi-Iha.
Este vapor estava dentro da tonelagem estabelecida, 70 por cento da tonelagem do vapor Porto.
Foram cumpridas todas as «disposições legais.
Quanto ao pagamento dos vapores vendidos, informo o Senado de que ostão pegos sois cornplotainente, na importância de 111.030 libras, e estão a pagar prestações 17, sem irregularidades.
Quanto aos outros, o Governo não está na intenção de dar prorrogações ou conceder novos prazos. ,
A lei não fala em caução; no emtanto, era absolutamente necessário um depósito prévio, para qualquer poder licitar.
A lei não o exige, mas era uma disposição a considerar, para acautelar os interesses do Estado.
Em portaria que assinei hoje, mandei efectuar um depósito prévio de 10 por cento, que me parece conveniente, a todos os que pretendam adquirir navios dos Transportes Marítimos.
São estas as informações que posso dar.
O orador não reviu.
O Sr. José Pontes: — Sr. Presidente: pedi a palavra para propor um voto de saudação ao Gimnásio Club Português, prestimosa agremiação, que completa hoje 00 anos de existência.
Nesse-meio século de vida contra o :in-diferentismo ou má compreensão do que seja a educação física, o Gimnásio Club Português ttíin sabido manter o seu lugar com abnegação e patriotismo.
Poço, por risso, a V. Ex.a que proponha ao Senado este voto de saudação. O orador não reviu.
O Sr. Procópio de Freitas : — $r. Presidente: pedi a palavra para me associar ao voto de saudação proposto pelo ilustre Senador Sr. José Pontes, pelo cinquentenário da fundação do Gimnásio Club Português.
O orador não reviu.
O Sr. Eias de Andrade:—Pedi a palavra para me associar c.o voto do saudação, proposto polo ilustre Senador Sr. José Pontes.
O orador não reviu.
O Sr. Lima Alves:—Pedi a palavra para me associar ao voto de saudação proposto pelo ilustre Senador Sr. José Pontes.
O orador não reviu.
O Sr. D. Tomás de Vilhena: —Pedi a palavra para me associar ao voto do saudação, proposto pelo ilustro Sr. Senador José Pontes,, ao Gimnásio Club Português.
Incontestavelmente, tudo quanto seja contribuir para o desenvolvimento da educação física é um grande serviço prestado a favor do rcvigoramcnto da raça.
O orador não reviu.
O Sr. Silva Barreio:—Sr. Presidente: pedi a palavra para mo associar ao voto proposto pelo nosso ilustre colega Sr. José Pontes e declarar, em nome deste lado da Câmara, que o Estado tem o dever de olhar para a educação física, visto que a nossa raça se está depauperando e, só o Estado não for ao encontro desse depau-peramonto, nós, a breve trecho, entraremos rium período de decadência íísica como já entrámos no período da decadência moral.
A França,, se conseguiu sair vencedora da Grando Guerra,, deve-o em grande parte à educação física. -
Foi com a sua mocidade forte que ela erguei o baluarte invencível de Verdun.
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vação moral e intelectual do povo francês. Urge, pois, que imitemos esse povo.. O orador não reviu.
O Sr. Vicente Ramos: — Sr. Presidente: pedi a palavra para me associar ao voto proposto pelo. nosso ilustre colega Sr. José Pontes.
O orador não reviu,
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Ferreira de Simas):—Pedi a palavra para me associar, em nome do Governo, à proposta de saudação do ilustre-Senador Sr. José Pontes.
A educação física é -uma questão nacional da mais alta importância e o Governo não pode .deixar de olhar com todo o cuidado'para ela.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente:—Em vista da manifestação da Câmara considero o voto de saudação aprovado por unanimidade.
O Sr. Oriol Pena: — Sr. Presidente: quero também associar-me ao voto de saudação proposto pelo nosso colega Sr. José Pontes pelo cinquentenário do Ginmásio Club Português.
Con!ieci-o há cinquenta anos, logo depois da sua fundação no velho prédio da Carroirinha do Socorro. Tinha então os meus 16 anos. Era menino o moço; moços eram todos quantos ali se encontravam, do quem me lembro com verdadeira saudade.
Quantos já desaparecidos!
Entre os fiéis e os- mais notáveis: Mendo Orneias, Luís de Aragão, Rafael Manique, Avelar Teles, outros que de momento me não ocorrem, tendo como orientador entusiasta ou figura principal Augusto Ferreira, um pouco mais velho e mais tardo distinto engenheiro reformador do serviço de incêndios e inspector dos incêndios- de Lisboa, que a corporação ainda hoje chora.
Todos nós trabalhámos, mais ou menos na medida das nossas faculdades, nas barras, no trapésio, nas argolas onde eram notáveis Luís de Aragão e Avelar Teles, nas barras onde era distinto o Mendo Orneias, ágil como um gato.
Eu, não servindo para mais nada, ajudei os outros a fazer a primeira rede que
o Gimnásio pôde ter e era a grande ambição do Augusto Ferreira.
Com estas recordações ainda vivas não posso deixar de mo associar com grande aplauso à proposta do nosso querido colega Sr. José Pontes, que está a fazer uma obra nacional e útil, e recordar-me .com muita saudade daqueles com quem vivi, já não tamanino, mas menino e moço como era ainda nesse tempo. Quási todos desapareceram.
. Ficou esta velha carcassa para ter hoje a consolação de poder, a justas palavras de louvor a um acto meritório, juntar estas palavras de saudade.
jCumprido este grato dever, desejo chamar a atenção de V. Ex.a e da Câmara para um caso grave que se está passando nalgumas das freguesias de Lisboa.
São factos, são crimes, Sr. Presidente, que prejudicam grandomente os direitos de cada um reconhecidos na Constituirão, mais uma vez indecentemente violada por autoridades inferiores e incompetentes!
Em que pese ao Sr. Pereira Osório, sempre pronto a irritar-se quando me ouve afirmar estar a Constituição a ser violada, como agora mais uma vez sucede, privando nos funcionários sectários e incompetentes do sagrado direito do voto qutí todos temos indiscutivelmente e é formalmente garantido por aquele diploma !
j A toda a largiíra da primeira página do Correio da Manha, jornal que aqui tenho, vem um grito de alarme, chamando à atenção de toda a gente para casos verdadeiramente escandalosos!
Chamo a atenção do V. Ex.a e do Governo para o que aqui se diz: «jNa as-semblea de S. Sebastião da Pedreira foram cortados 608 nomes e na freguesia de Arroios mais de 800»!
Isto é o grosso, fora os trocos a dar nas outras assembleas, sendo atostados estes factos todos com iestemunhos irrefutáveis.
Tomo a liberdade de chamar a atenção de V. Ex.a e da Câmara pedindo ao Governo e ao Sr. Ministro, decerto ainda presente — vejo alf a sua pasta—para chamar a atenção dos Srs. Ministros do Interior e da Justiça para estes casos, pedindo-lhes remédio pronto.
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Diário dag Sessões do Senado
que possa haver independência do Poder Judicial para nos atender.
É sempre desagradável estarmo-nos a •ocudar dêstos assuntos e a fazer reclamações que bem podiam ser decentemente evitadas.
Pode V. Ex.a ficar convencido e toda a Câmara de não ser este protesto, provocado por qualquer interesse pessoal. Não tenho empenho algum em exercer estas funções, muitas vezes fatigantes para mím, •estando bem convencido da inutilidade do meu esforço.
O Sr. D. Tomás de Vilhena: — Não
apoiado.
O Orador: — Não tenho ambição de voltar a este lugar; pelo contrário espero ainda que cfuem de direito tenha o bom senso de não me mandar para aqui. ' O que me faz tomar um certo calor neste assunto ó ver praticar actos com que ninguém lucra, nem mesmo o re-.gime; é ver estar a fazer violências saltando-se por cima do direitos reconhecidos explicitamente no estatuto a que chamam fundamental e é constantemente violado!
Feito assim o meu protesto, quero chamar também a atenção do Sr. Ministro da Justiça para um outro caso interessante e curioso, relatado numa outra local.
Como V.. Ex.a sabe, naturalmente por ser público e todos os jornais se terem ocupado disso, deu-se ultimamente em Lisboa, no consultório de um médico distintíssimo, o Sr. Dr. Roberto de Almeida, especialista de doenças da garganta e passando pela pessoa mais categorizada da sua especialidade actualmente no corpo médico de Lisboa, sem melindre para ninguém, o facto de um audacioso gatuno, quo em tempos fora criado de S. Ex.a, de pistola aperrada lhe exigir a entrega de 10 contos de réis.
O gatuno pôde-se saber quem era.
Era fácil de identificar, visto ter sido serventuário desse médico, e foi preso pela polícia, que lhe prendeu também a mulher e não sei se um cunhado ou cunhada, logo soltos no dia seguinte, tendo depois vindo a público a afirmação de nenhuma culpabilidade se lhes ter encon-irado.
.Acontece porém que, volvidas mais vin-
te e quatro horas, são de novo recapturados a mulher e o cunhado ou cunhada, e é capturado também um homem que livremente tinha ido entregar um pacote quo lhe tinha sido confiado para guardar, dizendo à polícia que em faço das notícias dos jornais vinha dizer que esse pacote lhe tinha sido entregue pelo preso tal, e que o entregava para a polícia ver o que continha.
Verificou-se que o pacote vinha com os 10 contos de réis completos, o vinte e quatro horas depois eram recapturados a mulher e o cunhado o mais Gsto homem que tinha ido entregar o dinheiro.
Fica-se assim intrigadíssimo, no desconhecimento dos pormenores que teriam feito recapturar toda esta gente que na véspera tinha sido posta em liberdade.
Vem hoje uma notícia explicando o caso, que é de extrema gravidado.
Parece quo o chefe do polícia encarregado destas averiguações, e que deve ser uma pessoa muito talentosa, tinha pedido segredo sobro o caso a êssò homem que foi entregar o pacote com os 10 contos de réis, mas este não esteve resolvido a guardar segredo e foi prevenir o ilustre médico de estar o dinheiro entregue à polícia.
Parece que como revindicta, por vingança, reveladora de ser um espírito absolutamente inferior, o agente da autoridade encarregado das investigações mandou prender esto homem como receptador!
Este homem veio dizer à autoridade competente: «aqui está o pacote que me entregaram, vejam os Srs. o quo ele contém», e vendo-se que não-falta vá nada, tendo-o íeito livremente, essa mesma autoridade prende-o de novo e quere fazê-lo remeter para juízo como receptador!
Se se provar quo esse homem pode ser considerado receptador está bem, mas vejo num jornal, o Correio da Manhã, palavras que reputo gravíssimas.
^Pode lá estar a circular uma cousa destas em relação à polícia encarregada de investigações, e que perturba imediatamente o equilíbrio moral de quem for dar informações?
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tSessão de 18 de Março de 1920
.se S. Ex.a não pode ter influência directa— mandar fazer investigações severas sobre esse caso, de modo a tirá-lo absolutamente a limpo.
Nada me espanta, ver isto passar-se €om o chefe Murtinheira. ' Vou contar à Câmara factos passados há cinco ou sois anos, cm minha casa e •comigo, com este mesmo chefe.
Suponho-o muito bom republicano, mas evidentemente para mim de mentalidade inferior. E mais uma- vez ocasião de afirmar, por minha fé, ao Sr. Pereira Osório ter sido também, neste caso já antigo, violada a Constituição, apesar de V. Ex.-a proclamar a cada passo ter sido a Constituição sempre intangível e iuviolada!
Este homem entrou cm minha .casa acompanhado dum polícia duma forma verdadeiramente arbitrária, às 7 horas da manhã, alarmando por completo a minha pacata íamília.1
Felizmente um pequeno criadito meu, um rapaz dos seus 17 ou 18 anos, pôs-se na porta do meu quarto de dormir e não consentiu que ninguém ali entrasse sem passar por. cima dele.
Não podiam entrar; ele mesmo não tinha autorização para entrar no meu quarto; era necessário chamar a criada particular para me dizer qualquer cousa, afirmou-lhes com decisão.
O homem não insistiu; fui informado do que se estava passando; vesti-me com-pletamente para sair, vim Mar ao polícia 6 comecei por preguntar-lhe pelo indispensável mandado. Não tinha mandado. {Esse era substituído por um bilhete de identidade, por sinal bastante sebento!
^Pregunto ao Sr. Pereira Osório se ^om este procedimento não foi violada a Constituição ?
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•> Felizmente, posso dizer que vivo dentro -dum cofre, e por isso deixei entrar os iomeus, e ainda mo lembra da cara dele quando entrava quási nos bicos dos pés no meu escritório, dizendo: «E preciso fa-.zer aqui uma busca e vejo tanta cousa para examinar que hei-de precisar de mui-ios dias é alguns ajudantes para isso.»
Kespondi: «Certamente, se quiser fazer
uma busca, tem de mexer nos dois ou três mil volumes que estão nesta sala e só para ela há-de precisar de bastante tempo e alguns ajudantes. Pode fazer as buscas que quiser, contanto que não tire da sua desordem aparente os papéis e cartas que estão sobre a secretária e os reponha nós mesmos lugares.»
Mostrei-lhe os subversivos retratos da família real que tinha em casa; mostrei--Ihe também a capela dizendo-lhe: «E bom também visitar a -capela porque pode ter quem lhe queira mal e pode sor interrogado e preguntareni-lhe se existe ou não capela, de que cor é, o não deve responder azul ou verde, quando de facto é encarnada.»
0 homem viu ser eu.pouco para sustos, não se opôs a que almoçasse e depois seguido fui'debaixo de prisão para o Governo Civil, onde esperei que o juiz da investigação criminal se dignasse comparecer a fim de ali depor.
Isto devia ter sido engendrado por denúncia tola de qualquer bom republicano, alguma das escoras do regime, mas sem dúvida estúpido dos de maior marca, como se concluiu da imbecilidade da acusação.
Foi preguntado o tive de dar couta do que tinha ido fazer a minha casa um amigo meu, à hora do almoço, cerca do meio dia, para onde tinha ido num automóvel aberto acompanhado dum padre, também meu amigo, tendo atravessado a cidade de Leiria à vista de toda a gente.
1 E para isso alvoroçou-se a minha família, perturbou-se a saúde de minha filha é arriscou-se também a vida de uma neta de mês e meio que a mãe aleitava!
Ora este cavalheiro, esto competentís-simo agente da polícia de Lisboa, este bom republicano—se V. Ex.as quiserem estou pronto a atestá-lo — foi até ao ponto de, tendo gasto mais de hora e meia nas .suas pesquisas e percorrido uma grande parte das divisões da casa, preguntar-me, na ocasião de se ir embora, se a casa tinha outra saída!
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Diário das Sessões ao Senado-
,j j E a tam hábeis agentes estão confiados, os interesses da sociedade, a segurança do Estado e a inviolabilidade do domicílio! ?
Passou-se isto bâ meia dúzia de anos; estive preso meia bora no Governo Civil, sendo interrogado pelo ajudante do juiz de investigação criminal, pessoa correcta. Fui depois para casa e ninguém mais me maçou.
Mas veja-se como a autoridade do juízo de investigação criminal, lamentavelmente às ordens de qualquer ódio sectário dum autêntico asno, as mandava executar por um agente como aquele a que mo referi.
Tive de llie fazer ver as outras saídas da casa, todas, de facto, contíguas em portas sucessivas, b'em à vista, na mesma rua.
Não me interesso nada por gatunos, mas interesso-me pelo caso de se dar a coincidência de poder avaliar a incompetência de quem tem a seu cargo a segurança e a tranquilidade de cada um.
j A segurança das nossas próprias famílias e da sociedade entregues a pessoas desta alta competência! São simplesmente bons republicanos. Nada mais.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos
(Adolfo Coutinho}:—Sr..Presidente: o !á:r. Oriol Pena fez duas reclamações, sobre as quais S. Ex.a entende que deve haver intervenção do Poder Executivo. Uma delas refere-se ao recenseamento eleitoral. ..
O Sr. Oriol Pena (interrompendo*):—As violações que me parece estào sendo ftd-tas no recenseamento eleitoral. . .
O Orador: — Devo dizer a V. Ex.a que as operações de recenseamento eleitoral decorrem pelos secretários das Câmaras Municipais, à excepção do Lisboa .e Porto, que é pelo secretário da administração do bairro respectivo, e no desempenho de tais funções, nem aqueles nem estes obedecem a indicações do Governo; têm atribuições próprias.
De modo que o que há a fazer é as pessoas interessadas instaurarem processo contra esses funcionários ou recorrerem das suas deliberações.
S. Ex.a referiu-se aos casos passados em S. Sebastião da Pedreira e Arroios.
Eu chamarei a atenção do Sr. Ministro do Interior, para que ele por sua vez chão e a atenção dos administradores do bairro e eles tomem as providências que forem devidas.
Quanto à forma como está a decorrer a investigação relativa ao atentado contra o Sr. Roberto de Almeida, V. Ex.a baseia se nas informações dum jornal e podem essas informações não ser bem exac-tas.
O Sr. Oriol Pena: — Estou convencido-de que o jornal que cita não se faria eco-de tais afirmações se não fossem verdadeiras.
O Orador:—Eu conheço um pouco a forma como se faz a reportagem no governo civil e sei bem que muitas vezes os re,oorters, não colhendo informações" das pessoas que lhas podiam dar, estendem um pouco aquilo que sabem por outros meios.
83 porventura é verdadeira a informação, é de lamentar.
Em todo o caso, posso informar V. Ex.a de que o chrfe Murtinheira, a quem V* Ex.!l se referiu, é um funcionário inteligente e conhecedor.
O Sr» Oriol Pena:—Pelo menos quando-fale: com Cie não tive essa impressão.-
O Orador:—V. Ex.a esteve em contacto com ele meia hora e eu estive-o durante dois anos o verifiquei que era um funcionário inteligente, disciplinado e cumpridor.
Se, porventura, ele prevaricou é claro que o director da polícia de investigação terá obrigação de. o chamar à ordem.
Transmitirei as considerações de V. Ex.a ao Sr. Ministro do Interior para se inquirir do que há e se houver prevaricação para se aplicar a sanção devida.
O Sr. D. Tomás de Vilhena : —É a primeira vez que me dirijo ao Sr. Ministro da Justiça, depois que S. Ex.a assumiu esse cargo, e por isso faço-lhe os meus cumprimentos, desejando-lhe que seja muito feliz na sua gerência.
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.Sessão de 18 de Março de 1925
"Pena, com respeito às violências extraordinárias que se estão praticando, não só • em Lisboa, como em todo o País.
A maneira verdadeiramente escandalosa ^por que se está procedendo com os recenseamentos em todos os distritos 'do país, porque de toda a parte me chegam reclamações firmadas por pessoas que me merecem o mais alto respeito, V. Ex.a -que é um espírito esclarecido verificará que não pode ser abonatória para o re-.gime.
Incontestavelmente, um regime se está bem se.uh.or de si, empregará todos os seus bons desejos, todos os seus esforços, para que as eleições sojam tanto quanto humanamente possível verdadeiras.
Isto de se estar cortando nomes de pessoas que se imagina monárquicos au ^conservadoras é uma declaração de fraqueza e não dignifica o regime. E absolutamente contrário ao espírito democrático, que dizem existir.
Só da parte do poder central honves--sem sido transmitidas, pelos seus delegados, aquelas instruções firmes o claras para se proceder em obediência à lei e ao •espirito democrático, não se davam monstruosidades como esta de se riscarem $00 pessoas só numa freguesia.
Não há empregado nenhum que tomasse a responsabilidade de semelhante atentado contra esses cidadãos, se não estivesse bem -guardado, confiado na protecção dos poderes mais altos.
A responsabilidade grave é de quem governa.
Peço, pois, a V. Ex.a, para seu bem, para bom da República, que sejam dadas instruções precisas, claras, terminantes, para que esses factos se não repitam.
Sr. Presidente: também estimaria muito que o Sr. Ministro me dissesse se já há alguma cousa apurada sobre os factos ocorridos em Torres Vedras. que deixaram de.sagradàvelmente impressionados todos aqueles que têm na alma, como eu tenho, o culto da verdadeira liberdade.
Apesar de ser monárquico, sompre tive um grande respeito pelas crenças dos outros, sempre tive um grande respeito por aqueles direitos que a Constituição de um País, monárquico ou republicano, concede aos cidadãos.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos
(Adolfo Goutinho): — Como acabei de dizer em resposta às considerações do Sr. Oriol Pena, não tenho senão que repetir que transmitirei as considerações de V. Ex.a ao Sr. Ministro do Interior.
No emtanto direi que o Poder Executivo não tem intervenção alguma na forma como corre o recenseamento eleitoral; todos os cidadãos têm o direito do reclamar. =
O Sr. D. Tomás de Vilhena:—Realmente assim é, mus há um certo número de casos que têm um aspecto por tal maneira extraordinário que é preciso que o Poder central olhe para eles.
Lá que se corte um ou outro nome, está bem, agora 800 é uma grande responsabilidade que se toma.
O Sr. Costa Júnior: — Isso dá-so porque se está a fazer a revisão dos recenseamentos, onde se encontram verdadeiros'abusos.
O Orador: —O Governo não precisa de dar instruções aos seus funcionários, porque parte do princípio que eles cumprem o seu dever.
Se por ventura assim o não fazem, têm o direito os interessados de recorrer ao Pode.r Judicial.
Quanto ao assunto de Torres Vedras, eu tive ocasião de transmitir ao Sr. Ministro do Interior as reclamações dos Srs. Senadores o S. Ex.A prometeu proceder a um inquérito rigoroso sobre esses acontecimentos.
O Sr. Júlio Ribeiro: — Peço a mesma acção que o Sr. D. Tomás de Vilhena pediu para o secretário da Câmara Municipal de Fozcoa, que está praticando também verdadeiros abusos.
Já o Sr. Artur Costa citou este facfo e eu venho reavivá-lo, pedindo que ordens severas lhe sejam dadas, para que a lei seja cumprida.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Não há ordem do dia. Vou encerrar a sessão. A próxima é na sexta-feira à hora regimental, com a seguinte ordem do dia:
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Diário das Sessões do Senado
condições de matrícula nas escolas elementares de indústria e comércio, conservatório de música e Belas Artes.
Projecto de lei n.° 747, regulando o preenchimento de vagas de médicos vete-
rinários do quadro da Direcção Geral dos-Serviços Pecuários do Ministério da Agri'-cultura.
Está encerrada a sessão.
Eram 16 horas e 35 minutos.