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REPÚBLICA W PORTUGUESA
SESSÃO IsT.0 39
EM 2 DE JUNHO DE 1925
Presidência do Ex,rao Sr, ántónío Xavier Correia Barreto
Secretários os Ex,*108 Srs.
Sumário.— A sessão abre às 15 horas e 25 minutos, com 32 Srs. Senadores.
Aprova-se a acta -e dá-se conta do expediente.
O Sr. Presidente participa o falecimento dos Srs. João Chagas, Manuel Rodrigues da, Silua, Jaão Fiel Stoclder e actor Eduardo Brasão, propondo que na acta se lancem votos de sentimento e se encerre a sessão em liomenayem à memória de João Charjas. Associam-se os Srs. Silva Barreto, Pereira Osório, Afonso de Lemos, que também propõe um voto de sentimento pelo falecimento do filho do Sr. Ministro da Guerra.; Procópio de Freitas, Lima Duque, Júlio Ribeiro, D. Tomás de Vilhena, Herculano Galhardo e-o Sr. Ministro do Comércio.
A proposta do Sr. Presidente é aprovada, encerrando-se a seguir a sessão.
Abertura da sessão às 16 horas e 25 minutos.
Presentes à chamada 32 Srs. Senadores. ,
Entraram durante a sessão 12 Srs. Senadores.
faltaram 27 Srs. Senadores.
Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:
Afonso Heuriques do Prado Castro e Lornos.
Álvaro António de Bulhão Pato. António Gomos do Sousa Varela. António Maria da Silva Barroto. António de Medeiros Franco. António Xavior Correia Barroto. Aprígio Augusto de Serra e Moura. Artur Augusto da Costa»
Luís Inoeêncio Ramos Pereira António Gomes de Sousa Varela
Artur Octávio do Rego Chagas. Cósar Procópio de Freitas. Constantino Josó dos Santos. Domingos Frias do Sampaio o Melo. Duarte Clodoinir Patten do Sá Viana, Ernesto Júlio Navarro. Francisco Josó Pereira. Francisco Vicente Ramos. Herculano Jorge Galhardo. João Carlos da Costa. Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior. Joaquim Pereira Gil de Matos. Josó António da Costa Júnior. José Augusto Ribeiro do Melo. Josó Duarte Dias de Andrade. Josó Joaquim Pereira Osório. - Josó Mendes dos Reis.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva. Júlio Ernesto do Lima Duque. Luís Augusto Simões do Almeida. Luís Inocôncio Ramos Pereira. Manuel Gaspar de Lemos. Ricardo Pais Gomos. Silvostro Falcão.
Srs. Senadores que entraram durante a 'sessão:
Alfredo Narciso Marcai Martins Portuga).
António da Costa Godinho do Amaral.
Cósar Justino do Lima Alves.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Francisco António de Paula.
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Frederico António Ferreira de Simas.
João Manuel Pessanha Vaz das Neves.
Joaquim Xavier de Figueiredo Oriol Pena.
Eodolfo Xavier da Silva.
Tomás de Almeida Manuel de Vilho-na (D.).
Vasco Crispiniano da Silva.
Srs. Senadores que não compareceram à seasão:
Aníbal Augusto Eamos de Miranda. António Alves de Oliveira Júnior. Augusto Casimiro Alves Monteiro. Augusto César de Almeida Vaseonce* los Correia.
Augusto Vera Cruz.
Francisco Xavier Anacleto da SiLva.
João Alpoim Borges do Canto.
João Catanho de Meneses.
João Maria da. Cunha Barbosa.
João Trigo Motinho. ~
Joaquim Manuel dos Santos Garcia,.
Joaquim Teixeira da Silva.
Jorge Frederico Velez Caroço.
José Augusto de Sequeira.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Joaquim Fernandes Pontes.,
José Machado Serpa.
José Nepomuceno Fernandes Brás.
Luís Augusto de Aragão 9 Brito.
Nicolau Mesquita.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Querubim da Kocha Vale Guimarães.
Eaimundo Enes Meira.
Eoberto da Cunha Baptista.
Eodrigo Guerra Alvares Cabral,
Vasco Gonçalves Marques,
Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
O Sr. Presidente:—Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 20 minutos. Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 32 Srs. Senadores. Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta, Leu-se.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a acta. Pausa.
O Sr. Presidente: — Como nenhum Sr. Senador pede a palavra, considera-se aprovada.
Vai ler-se o
Expediente
Ofícios
Do Ministério do Comércio e Comunicações, .enviando cópias dos documentos sobre a Companhia de Amboim, solicitados pelo Sr. Senador Ernesto Júlio Navarro.
Para a Secretaria, para dar conhecimento ao interessado.
Do Ministério da Agricultura, enviando nota dos funcionários que recebem abonos polo Fundo do Fomento Agrícola, pedida pelo Sr. Senador Joaquim Manuel dos Santos Garcia.
Para a Secretaria, para dar conhecimento ao interessado
Do Ministério do Comércio e Comunicações, respondendo ao ofício n.° 827, que lhe dirigira o Sr. Senador secretário do Senado.
Para a Secretaria) para dar conhecimento ao interessado.
Da Câmara Municipal de Melgaço, pedindo que não seja convertida em lei a proposta n.° 892, já aprovada na outra Câmara.
Para a Secretaria.
Do Ministério das Finanças, acompanhando uma nota da Administração Geral da Casa da Moeda e Valores Selados, pedida pelo Sr. Senador José António da Costa Júnior.
Para a Secretaria, para dar conhecimento ao interessado.
Telegramas
Das Câmaras Municipais de Caminha, Paredes de Coura e de Sinfães, pedindo que não seja convertida em lei a proposta n.° 892, sobre adicional de 15 por cento para as reparações do porto de Viana do Castelo.
Para a Secretaria.,
Do Núcleo Escolar de Mondim de Basto, protestando contra a extinção das juntas escolares.
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Requerimentos
Dos cidadãos Armando de Almeida de Sousa Araújo, Horácio Machado Ribeiro, João Homem de Brito e Luís Barreto da Cruz, pedindo para serem reconhecidos revolucionários civis, ao abrigo da lei n.° 1:691.
Para a comissão de petições.
Do cidadão Carlos do Amaral Bandeira, de Faro, pedindo uma condecoração. Arquive-se.
Do chefe e da secretaria da Câmara de Boticas, pedindo a aprovação do projecto de lei sobre equiparação de vencimentos, da autoria, do Sr. Senador Costa Júnior.
Para a 2.a secção.'
Do Sr. Senador José António da Costa Júnior, requerendo que, pelo Ministério da Guerra, lhe soja cedido o Almanaque do Exército (última publicação).
Eequeiro que, pela comissão administrativa do Congresso da República, me1 seja enviada com urgência uma relação dos funcionários do mesmo Congresso, relativa ao mês de Abril do corrente ano, indicando todos os vencimentos; gratificações, ou quaisquer abonos ordinários ou extraordinários que no mesmo mês lhes foram feitos, e bem assim os descontos que tiveram.— José Mendes dos Reis.
Para a 'Secretaria.
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja fornecida uma cópia das propostas apresentadas ao concurso aberto por esse Ministério para fornecimento de caixas de fósforos, e os despachos proferidos sobre esse assunto.— Joaquim Crisóstomo.
Para a Secretaria.
Do cidadão Eugênio Pereira, pedindo para ser reconhecido revolucionário civil, ao abrigo da lei n.° 1691.
Para a comissão de petições.
Nota de interpelação
Desejo interpelar o Sr. Ministro da Guerra sobre a manifesta inferioridade dos vencimentos do funcionalismo militar, em confronto com os vencimentos de
algumas classes,do funcionalismo civil.— José Mendes dos Reis. Para a Secretaria.
O Sr. Presidente:—Durante o interregno parlamentar, faleceram vários cidadãos, que à Pátria e à República prestaram grandes serviços.
Entre eles figura, como de primeira grandeza, o vulto de João Chagas.
Era para o jornalismo que mais ttendiam- as inclinações do seu espírito.
Nunca, nos seus trabalhos literários, se notou sequer a mais pequena mancha de ódio ou de incorrecção de frase; bem pelo contrário, sabia fustigar os vícios e defeitos dos homens do seu tempo, sempre de luva calçada.
Foi um dos homens que mais trabalhou e mais se sacrificou pela República.
Esteve degredado em Angola por ocasião da revolução de 31 de Janeiro.
Proponho que se lance na acta um voto de profundo sentimento pelo seu falecimento e seja comunicada essa resolução a sua família, encerrando-se a sessão em seguida à votação desta proposta.
Também faleceram um antigo membro da Assernblea Constituinte, o Sr. Manuel Rodrigues da Silva, e o Sr. João Fiel Stockler, que foi um dos revolucionários do 5 de Outubro.
A morte ceifou também o grande actor Eduardo Brasão.
Há uma particularidade na vida deste grande artista, que não tem sido citada e que dá a medida do seu carácter.
É a seguinte: Eduardo Brasão teve de se expatriar para o Rio de Janeiro para ocorrer às dificuldades monetárias de seu pai, sendo,, depois da morte dele, o amparo de suas irmãs.
Vê-se, pois, que Eduardo Brasão, além de um grande artista, era um grande cidadão.
Pelo falecimento destes três, últimos cidadãos proponho também que se iancem na acta votos de sentimento.
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ticulíir ou pessoal, mas, sim, sentimentos políticos porque, nos anos escolares de 1886-1887 e 1887-1888, estive no Porto e foi nessa cidade que conheci João Chagas e o vi revelar-se um primoroso escritor, que muito apreciei.
-Ás célebres crónicas do Primeiro de Janeiro, do sua autoria, eram então muito comentadas, quer literária quer politicamente."
Sr. Presidente: três nomes andam Intimamente ligados à história da República o da democracia em Portugal, todos "sobressaindo pelas suas personalidades inconfundíveis : João Chagas, pela delicadeza dos seus sentimentos o pela altivez do sou carácter, e os seus dois companheiros dilectos: Alexandre Braga e He-liodoro Salgado, dois grandes caracteres, cada um deles com a sua faceta especial; um o literato e político, com as ideas do 48, com o idealismo dos homens que fizeram a segunda república em França; o segundo combatente autêntico, usava da palavra com uma pujança de argumentos o com uma tal firmeza quo impunha as suas ideas ao respeito do todos.
João Chagas foi, rio tempo da monarquia, um dos mais acérrimos defensores da República, e com aquela elegância de linguagem c, sobretudo, com os seus argumentos saturados de grítudo filosofia, fez um ataque cerrado ao dogma, cue elo nunca acoitou como princípio do qualquer doutrina.
Sr. Presidente: a minha linguagem ó pobre, nunca pensei em sor orador nem qualidades tenho para porventura poder focar todas as facetas do espírito de João Chagas.
Há uma, principalmente, a que me vou referir, por ser a quo caracteriza todos Os seus escritos, desde as crónicas do Janeiro, quando elo mal tinha 20 anos. até às Cartas Políticas, para m:m um código de princípios democráticos, quo todos os republicanos, que porventura tenham em consideração os altos princípios da democracia, devem ter como uni apostolado tanto para aqueles que sempre comungaram no ideal republicano, como principalmente para os que amanhã tenham do dirigir os destinos da República. Essa faceta especial do espírito do João Chagas é a quo fez dôle o maior jornalista republicano do seu tompo.
As Cartas Políticas são para mim como que um manancial de onde brotam ideas, as mais elevadas, e on-de a linguagem ó do tal maneira primorosa e correcta, que não obstante atacar o velho regime com a energia de um velho lutador, não só encontram em nenhuma das suas passagens palavras que firam a sensibilidade do quem quer que seja. Quando atacava os seus adversários, ora sempre correcto e leal.
Disse eu quo João Chaga era um dos idaalistas da República de 1848, o assim é. Leiam-se as suas crónicas, leiam:so os seus diversos escritos corno Os Trabalhos Forçados, crónica dos tempos passados em África, leiam-se, sobretudo, as suas Cartas Políticas. João Chagas consubstanciou o 'seu pensamento político nestas palavras o disse bem: «não temos outros homens que nos governem, temos quo governar na República com os homens quo a monarquia nos legou. O que temos a fazer é modificar a sua estrutura mental, o quo não ó fácil». E, de harmonia com ôsto critério, volta-se para o futuro, cuidando pouco do presente o nada do passado.
Só nas Cartas Políticas escritas depois de 1910, ele viu que eram poucos os homens que tinham feito a República; os dirigentes eram maus, o dos dirigidos, vindos do velho regime, grande parto conseguiu em pouco tempo ascender aos altos cargos da República, sem respeitar os princípios por quo ele tanto se batera, levando-nos à situação em que- nos encontramos,
Era esta a maior magoa da sua vida, que ele, nas suas Cartas Políticas publicadas depois da República, põe em destaque, fazendo justiça aos homens do velho regime que tem servido a República com todo o desinteresse e dedicação.
Foi João Chagas, Sr. Presidente, quem teve a dita de criar unia frase lapidar, o reflexo da sua consciência.
E quo elo esperava muito dos homens da República, quando educados por ela, e muito pouco dos homens que a fundaram, porque tinha a consciência do que não podiam ser bons organizadores os demolidores do velho regime.
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fico eu. No resto do país, eu implanto-a pelo telégrafo.
E assim foi, Sr. Presidente. Ele sabia bem o que era a província.
Se me fosse lícito, leria um dos períodos de uma sua Carta Política, mas não o faço porque não ó este o momento próprio para isso, e porque não quero agravar aqueles que, porventura ainda hoje, nesta casa e lá fora, sustentam os princípios do velho regime.
Sr. Presidente: fiava João Chagas tudo da educação nacional, e por mais de uma vez ele escreveu que nós, em matéria de educação, tínhamos 14 anos perdidos.
"'E, de facto, assim é, Sr. Presidente, porque a República tem cuidado do mestre escola, do funcionário etc., mas, como João Chagas disse, não tem olhado com tanta atenção como devia o problema da educação nacional.
Foi João Chagas um admirador da constituição política de 1848, da segunda República, como o foi também, e com justa razão, do grande Carnot, que foi quem conseguiu lançar as bases da admirável reforma francesa que mereceu a um estadista inglês esta frase: «a reforma francesa é um monumento, dela há-de sair a verdadeira liberdade».
Foi o grande Carnot o continuador do grande espírito que teve o nome de Guisot.
João Chagas, com o seu espírito clarividente, bem viu que o problema educativo era a base de qualquer sistema político, e quando no Ministério do Interior, no momento em que a instrução lhe andava agregada, João Chagas numa conferência que teve com homens do métier, a que tive a honra de assistir, pensou em lançar as bases da educação nacional. Não teve tempo, porém, para sobre elas ouvir os técnicos, que dispersos andam pelo País.
A melhor homenagem a prestar a esse homem é reunir os homens de bons sentimentos e republicanos de todos os matizes, independentes de facções, para, sob o ponto de vista de educação nacional, elaborarem e legarem ao País um estatuto com as bases da nossa regeneração.
Lembro-me que João Chagas mais de uma vez afirmou que não compreendia
como uma República, implantada em 1910, 'deixasse nos seus lugares figuras •que tinham tido influência no regim.3 an-' terior, e que tinham combatido a República.
Um regime novo deve ser servido por homens novos, assim o dizia ele, transcrevendo numa Carta um período em que Emídio Navarro afirmava que o regime republicano, depois de implantado, tinha de ser servido por homens novos com ideas novas.
Assim, concordo com o voto proposto por V. Ex.a com relação a João Chá-" gás, e mais me associo, em nome deste lado da Câmara, aos votos propostos em memória dos outros cidadãos falecidos, e sobretudo ao que respeita à grande figura de actor que foi o actor Brasão.
O orador não reviu.
O Sr. Pereira Osório:—Sr. Presidente: tem o Porto nesta Câmara dois representantes: um é V. Ex.a, e outro sou eu.
A V. Exa, pelo seu. prestígio, pelos serviços prestados à República, competia falar em nome da cidade que nos elegeu.
Mas a 'situação em que S; Ex.a está, de presidir a esta Câmara, inibe-o de o fazer, eporisso eu, embora me sinta muito pequeno para homenagear tamanho ho-rnem, tenho de cumprir esse dever e de falar a respeito de João Chagas em nome do Porto, visto que essa cidade considera João Chagas como um dos seus melhores filhos.
Foi aí que ele exerceu a maior parte da sua actividade política, foi aí que ele fez a sua maior propaganda, e foi também aí que ele teve a maior parte dos seus sofrimentos resultantes de perseguições que lhe fizerem.
Eu poucas palavras vou proferir, visto que a grande figura de João Chagas tem sido já largamente apreciada debaixo de todos os seus aspectos, quer na imprensa, quer nos discursos feitos à beira do co-val, quer na Câmara dos Deputados, ontem.
Eu apenas apreciarei João Chagas em conjunto na sua vida cheia de beleza que se manifestava nos seus mais pequenos gestos, nas suas mais pequentfs atitudes, nas suas mais modestas palavras.
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volucionários tive ocasião de o apreciar, sendo a última vez no 14 de Maio. e vi que era exactamente a beleza que êls imprimia a todas as suas cousas, mais do quo a convicção dos seus argumentos, que chamava a si os homens, e os que assim atraía jamais deixavam de ter por ele aquela confiança, aquela fé que João Chagas sabia imprimir a tudo que fazia.
João Chagas conseguia fazer sínteses perfeitas, belas, das suas doutrinas, mas, se não fora realmente o encanto da sua voz, o entusiasmo com quo falava, a beleza que imprimia a tudo o que dêlD dimanava, não conseguiria a enorme hoste de amigos que om sua volta pregavam as mesmas ideas e o ajudavam a tornar em factos aquilo que ôlo idealizava.
Mas o que eu mais aprecio em João Chagas é o seu aprumo moral, que considero como a cúpula da beleza a que me tenho referido.
Esse aprumo moral manifesta-se em todos os actos da sua vida e revela-se sempre quanto maior ó o perigo, quanto maior ó o embate a suportar.
Vejam V. Ex.as corno em todas as situações anormais em que aparecia alguém a querer limitar as liberdades públicas, a querer calcar a Constituição, João Chagas, quo ocupava um lugar de destaque na diplomacia portuguesa, imediatamente lançava o seu protesto mais enérgico.
Mas não limitava a isso a sua atitude, pois imediatamente abandonava o sei; lugar e vinha trabalhar, vinha fazer uma campanha e uma propaganda para acabar com essa situação anormal, deixando os cómodos da sua vida de diplomata, para arrostar com os perigos e sofrimentos do combate.
E, cousa notável! Ele que era naturalmente um gentleman, um homem qie se impunha pela sua distinção, não desdenhava ir junto das classes humildes pregar o seu evangelho, sentindo-se^ali tani à vontade como no meio da sociedade mais culta de diplomatas.
Com o sou estilo que ora modelar, com o timbre da sua voz quo encantava, e com a sua figura, que dominava, com a sua fé, que impunha confiança, ele conquistava novos adeptos que em breve haviam do contribuir para íazer regressar a República adentro da sua Constituição.
Eram ta m belas e tam nobres as suas
atitudes nos morrentos difíceis, quo eu estou convencido de que se muitos quê ocupavam situações similares fizessem iguais protestos e iguais gestos, o País não teria sido portanto tempo sacrificado, como foi, por duas ditaduras desprezíveis.
Xás infelizmente, o nos tempos que vão correndo, ó o comodismo quo impera e leva até à cobardia.
Se João Chagas tivesse junto de si essas pessoas que ocupavam iguais cargos, mas que se deixavam ficar quietas e silenciosas no seu comodismo, com certeza que neni a ditadura de Pimenta de Castro nem a do Sidónio Pais teriam ido tam longe como foram.
E a um homem, desta estatura moral que pode ser igualado, mas que é impossível exceder-se, é a esta grande figura de cidadão que eu em nome do Porto presto a minha maior homenagem, e em nome do Porto me associo de toda a alma e sinceridade aos votos que V. Ex.a propôs a esta Câmara.
Tenho dito.
O Sr. Afonso de Lemos: — Sr. Presidente : quando cm 1890 Portugal recebeu a grande afronta do ultimatum inglês este país vibrava espontaneamente num grito de protesto, grito que foi dado pela academia de todo o país, academia essa a que tive a honra de pertencer.
Esse grito era apenas nesse momento o viva à Pátria; mas, passado pouco tempo, a esse grito espontâneo e patriótico juntava-se um outro igualmente patriótico e reflectido: ora o grito de viva a República; e a academia do país, que a princípio só dava o grito de viva a Pátria reconheceu, reflectidamente, que era indispensável juntar a esse viva, outro não menos patriótico, qual era o de viva à República, porque entendia que era preciso que a Pátria se salvasse pela República.
Sentiu-se nesse momento um abalo na sociedade portuguesa, e, em presença destes gritos, destas vibrações populares, nós vimos trôs vultos eminentes da monarquia, já então bem conhecidos, desertar dessas fileiras e virem para nós. Esses vultos eram Eduardo do Abreu,- Guerra Junqueiro e João Chagas.
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Guerra Junqueiro veio ligar-se a nós todos como republicano, e João Chagas, que já era conhecido no campo literário e no Porto fundara o jornal A República Portuguesa, tomou igualmente uma atitude definidamente republicana, e, a partir de .então, era Guerra Junqueiro e Eduardo de Abreu que assistiam em Lisboa a reuniões-republicanas dcvcarácter revolucionário, onde ou assisti também o tive ocasião de os Ver entusiasmados a tratar do trabalhos revolucionários, trabalhos 6sses que precederam o 31 de Janeiro.
Ao mesmo tempo, João Chagas fazia todos "os trabalhos'-revolucionários para que se pudesse condicionar e facilitar o movimento revolucionário de 31 do Janeiro.
• Esse movimento se não deu resultado, não foi porque em Lisboa não estivesse também a revolução preparada para o secundar, mas porque na véspera dessa revolução eu tive ocasião de ir em nome de elementos revolucionários do Lisboa pre-guntar ao directório, que então reunia em casa de Azevedo o Silva e de que faziam parto Manuel de Arriga e Homem Cristo, o que se devia fazer em Lisboa e a resposta foi esta :
«Nada; a revolução do Porto está condenada a não triunfar».
Também muita gente não sabia destes casos, assim como não sabiam que eu também já fui revolucionário.
Sr. Presidente : propôs V. Ex.aumvoto de sentimento pelo falecimento de João Chagas, capitão de fragata Fiel Stockler que foi meu correligionário, e por mais dois parlamentares.
Em meu nome pessoal o no do meu partido associo-me a esse voto de sentimento.
Quero apenas salientar que Fiel Stockler sendo um verdadeiro republicano, nunca foi nada senão oficial do marinha dosem-penhando as suas funções quer em África quer no oriente, quer na metrópole; era um homem modesto, mas daqueles que sabem ser republicanos-a valer.
Para ele vai também a minha sã U dado o agradeço em nome do meu partido os votos que o Senado já manifestou a propósito desse nome, pois, era nosso correligionário. •
Sr. Presidente: também V. Ex.a propôs voto de sentimento pela morte do grande actor Eduardo Brasão, que todos nós conhecemos' e de que nos lembramos com saudade.
Era um artista dos que realmente trabalham o têm o respeito e o culto pela arte.
Portanto, associo-mo igualmente a esse voto e, para terminar, visto que há poucos dias desparocerain da scena republicana dois vultos, um de 31 de Janeiro e outro do 5 de Outubro, quero dizer:
Alerta republicanos!
Tenhamos cuidado! Vão desaparecendo da scena republicana as figuras dos melhores apóstolos o eu não sei só na camada que actualmente governa a Eepú-blica, se naquela que amanhã terá de ser chamada a governar, encontraremos maior segurança para as instituições vigentes.
Todas as vezos que morre qualquer grande vulto republicano eu ouço gritar:
Unamo-nos, republicanos!
Mas não basta dizer isto, é preciso condicionar essa união.
O que faz a desunião dos republicanos não são os princípios, mas a falta de isenção, o furor de permanência no Poder do mesmo partido.
Desculpem-me a sinceridade, mas é assim mesmo.
Apoiados.
Esta persistência em se conservarem no Poder é a verdadeira causa da desunião dos republicanos e será talvez a causa da morte da República.
Apoiados.
Há pouco, em conversa particular com um colega desta Câmara, apresentei esta forma figurada de apreciar a situação da República —desculpem-me este pequeno parêntese — ó vulgar acontecer isto:
Um indivíduo morre; deixa três filhos; íim maior e dois menores.
O filho maior à face da lei é nomeado tutor. - Muito bem.
Esse maior, com os rendimentos da casa, estabelece uma certa vida de fausto, de certo brilho.
Os menores vão crescendo e atingem a sua maioridade.
(f O que indicavam o bom senso e a lei?
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ÍHérío das Setsões do Senado
Mas o *que acontece dentro da República, a essa família?
O maior habituado a esse fausto, a essa, maneira de viver muito cómoda, não quere reconhecer os direitos aos seus irmãos mais novos.
Disso deriva a revolta naturclíssimíi.
O. Sr. Artur Costa (interrompendo): — O conselho de família roesse caso são os eleitores.
O Orador: — Mas o conselho de família precisa ser escolhido como conselho idóneo.
Esses eleitores não são idóneos pcrqne o próprio irmão mais velho de propósito lhes não dá idoneidade.
Portanto, Sr. Presidente, eu fecho o parêntesis, esperando como irmão menor que o irmão mais velho um cia veja as cousas como devem ser vistas.
Sr. Presidente: V. Ex.a certamente por lapso ou por não ter sido informado a tempo, não apresentou ao Senado também ' um voto de sentimento pela morte de uai filho do Sr. Ministro da Guerra.
Creio que V. Ex.a não se referiu, a esse facto.
Eu peço licença para propor esse VOTO de sentimento pelo falecimento do filho do Sr. Ministro da Guerra, voto que eu proponho em meu nome pessoal e em nome do meu partido.
O Sr. Procópio de Freitas: — Assccio--me ao voto de sentimento, proposto por V. Ex.a, pelo falecimento do eminente republicano João Chagas, alma verdadeiramente republicana e que tanto r.e sacrificou pela implantação em Portugal do actual regime.
Como não possuo qualidades oratórias para poder fazer aqui o devido elogio desse cidadão, produzindo uma oiLQlo que estivesse em harmonia com as qualidades literárias de João Chagas, limiío--me a dizer a V. Ex.a, Sr. Presidente, e à Câmara que foi com grande pesar que eu vi desaparecer para sempre ôsse vulto eminente da .República, esse grande jornalista quo se evidenciou ainda riais como panfletário e que tanto contribuiu, como disse, para a implantação da Sepública mas que, estou, certo, a República que ele queria ver implantada em Portugal não é
bem esta República em que nós -estamos vivendo.
Sr. Presidente: propôs, também, V. Ex.a votos de sentimento pelo falecimento do Sr. Rodrigues da Silva, antigo membro deste Congresso, pelo falecimento do meu camarada Stockler, antigo republicano, oficial distinto, e que também bastante contribuiu para a implantação do actual regime.
Outrossim propôs V. Ex.a um voto de sentimento pela morte do grande actor Brasão que tanto honrou a arte dramática portuguesa, e finalmente propôs o ~Sr. Afonso de Lemos um voto de sentimento pela. rnorte de um dos filhos do Sr. Ministro da Guerra.
A todos estes votos me associo muito sinceramente.
O Sr. Júlio Ribeiro:: — Sr. Presidente: como jornalista não podia deixar de proferir estas palavras, porque João Chagas deu à República toda a sua mocidade, todo o sangue da sua juventude, e todo o ainor da sua alma.
O Sr. Dias de Andrade: — Sr. Presidente: associo-me aos votos de sentimento propostos pelo Sr. Presidente e destaco para a minha especial homenagem a grande figura de Eduardo Brasão.
Ele foi, na verdade, um dos maiores. senão o maior representante da scena portuguesa.
Foi una glória nacional.
A sua morte deixou de luto o teatro português.
O Sr. D. Tomás de Vilhena: —- Sr. Presidente : João Chagas foi uma das figuras mais brilhantes da República, e, sem dúvida, um daqueles que, com o seu esforço pessoal, mais contribuíram para a implantação deste regime. V. Ex.a compreende que eu, no campo político, não llie posso dedicar uma memória grata; mas, diante de quem morre, cnrvo-me sempre respeitoso, e encontro desta vez alguma cousa que dizer em seu abono.
Incontestavelmente, João Chagas tem para mirn um grande valor : foi um homem que teve um ideal e que sempre pugnou por ele.
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quere incomodar, nem expor, um homem que passou a maior parte da sua mocidade sujeitando-se às contingências que derivam das suas lutas, que sofreu nas prisões, esse homem tem para mim simpatia, muito embora se batesse contra o meu ideal político.
Eu, Sr. Presidente, acima de tudo ponho estes princípios de elevação moral, que devem servir de exemplo para todos aqueles que desejam cumprir o seu dever.
João Chagas foi um grande jornalista. Eu, que o conheci desde. rapaz, quando mourejava na imprensa e nas letras, tive ocasião de o aplaudir e tive também.de me bater com ele. Mas da batalha que travámos nunca resultou cousa alguma que fosse menos agradável para qualquer de nós.
Também me associo ao voto de sentimento proposto pelo falecimento dos Srs. João Stockler e Rodrigues da Silva, e mais me associo ao voto de sentimento proposto paio meu amigo Sr. Afonso de Lemos pela morte do filho do Sr. Ministro da Guerra.
O Sr. Afonso de Lemos também lembrou que naquela época do ultimatum vieram três homens da monarquia para a República, onde incontestavelmente exerceram uma acção violenta para a implantação do novo regime: Guerra Junqueiro, Eduardo de Abreu e João Chagas. E, Sr. Presidente, apesar de militar num campo diametralmente oposto, fui amigo de Guerra Junqueiro e de Eduardo de Abreu.
Não trato, Sr. Presidente, de aproveitar este motivo necrológico para fazer política, mas se porventura a quisesse fazer limitar-me-ia a referir aqui, por assim dizer, a solemnia verba, as últimas palavras que, a respeito da sua tam querida República, essas três figuras pronunciaram à beira da morte.
Também me quero referir a uma figura, incontestavelmente das mais interessantes do nosso tempo, e, sem dúvida, uma glória nacional: o actor Eduardo Brasão.
Podemos dizer com orgulho que o teatro português, neste final do século xix e princípio do século xx, teve figuras que poderiam brilhar, sem o menor favor, em qualquer palco do mundo.
Ainda me lembro da primeira vez que vi representar Eduardo Brasão.
Foi na Morgadinha de Val-Flor, em que ele fazia o célebre papel de Luís fer~ nandes; a Morgadinha era Carolina Fal-co, e o papel do Tio Leonardo era feito por Pinto de Campos.
Eduardo Brasão tinha uma escola, a que notabiliza os artistas, que é a do talento. Nunca teve preocupações de ser naturalista ou romântico.
Eduardo Brasão, com uma grande facilidade de adaptação, sabia ser naturalista nas peças em que os seus autores queriam pintar a natureza,, como sabia ser romântico nas peças em que o autor criava essas figuras de arte.
E por isso quo nós víamos a simplicidade com que ele trabalhava numa comédia, como, por exemplo, A guerra em tempo de paz, e como sabia encarnar de uma forma verdadeiramente notável uma figura tam complexa como é a do Hamlet.
E eu, que tive ocasião de a ver representar por alguns trágicos da Europa, tive o prazer de reconhecer que o nosso compatriota era o que melhor sabia dar vida a esse extraordinário personagem, que o grande escritor inglês soube criar.
Ao mesmo tempo vimos nos nossos dramas portugueses Eduardo Brasão encarnar o sentimento da escola, dizendo versos com aquela toada sem a qual não pode haver comoção.
Dm actor moderno, que queira dar uma feição moderna a um personagem romântico como Afonso VI, provoca um desastre certo.
Brazão teve a faculdade de representar os personagens tais quais eram.
Daí o seu triunfo. °
Não sei se é aqui um pouco descabido entrar nestas divagações artísticas, mas parece-me que nos devemos ocupar um pouco destas "histórias de arte, porque um povo que não tenha um culto pelo ideal não é um povo civilizado.
O orador não reviu.
O Sr. Herculano Galhardo:—Em primeiro lugar associo-me aos votos de sentimento propostos por V. Ex.a e pelo Sr. Afonso de Lemos.
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Diário das Sessões do Senado
parecer com saudado a figa rã de Brasão.
Associo-me, pois, aos votos propostos, e particularmente ao proposto pelo falecimento de um filho do Sr. Ministro da Guerra, porque ora amigo pessoal do falecido e seu padrinho.
E permita-me V. Ex.a que eu, agora, me dirija ao Senado, com respeito e gratidão pelo seu voto de sentimento ca sessão de 24 de Abril passado pelo falecimento de meu filho.
Mais o faço ainda pela distinção que teve para comigo esta casa, fazendo-se representar no funeral pela Mesa.
Também agradeço aos Sr s. Senadores que, em seu nome pessoal ou em nónio dos agrupamentos a que pertencem, tiveram para mini palavras amigas e confortantes.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Ferreira de Sirnas): — Associo-me, em nome do Governo, às homenagens prestadas por todos os lados da Câmara ao grande português e republicano que foi João Chagas.
Conheci João Chagas em França, em 1915, quando presidia a uma comissão do oficiais que ali foi tratar de conseguir o fornecimento de munições para a artilharia portuguesa, que, podia dizer-se nesse momento, estava praticamente desarmada.
Podvem V. Ex.as calcular £s dificuldades que naturalmente surgiram para se obterem munições cm França, quando esse país lutava nesse momento com um terrível adversário; e, sobretudo, para uma Nação que ainda não tinha cometido qualquer acto de hostilidade para com os alemães, que tivesse" provocado por parto deles a declaração de guerra. Pois S. Ex.a, possuindo uma grande influência L dentro do Ministério dos Estrangeiros, conseguiu rapidamente que o Governo Francês autorizasse o fabrico de munições para Portugal.
Ainda S. Ex.a, nesta questão, demonstrou as suas notáveis qualidades, aconselhando a comissão no sentido de que, nos detalhes do contrato, o Estado ficasse garantido acerca do fornecimento de material.
João Chagas pode apresentar-se como
um exemplo a seguir pelas gerações vindouras.
Era um homem de convicções fortes, um homem de carácter, que tudo sacrificou, a sua liberdade e ato a sua própria vida, à realização do seu ideal.
Associo-mo tambfjui, em nome do Governo, às homenagens prestadas ao Senador das Constituintes Sr. Kodrigues- da Silva, ao combatente do 5 de Outubro, comandante Fiel Stockler, e ao grande actor Eduardo Brasão, que muito honrou a arte dramática portuguesa.
Associo-me igualmente ao voto proposto pele Sr. Afonso de Lemos pela morte do filho do Sr. Ministro da Guerra, a quem comunicarei esta homenagem do Senado.
O Sr. Procópio de Freitas (para explicações) : — Sr. Presidente: como até hoje ainda o Sr. Presidente do Ministério não veio apresentar a esta Câmara o Sr. Ministro da Guerra, pedia a V. Ex.a o obséquio de me informar se S. Ex.a tenciona vir cumprir esse dever.
O Sr. Presidente:: — Naturalmente há-- de aqui vir apresentar o novo Ministro numa das próximas sessões, logo que isso lhe seja possível.
Em vista da manifestação da Câmara, considero aprovados por unanimidade os votos de sentimento propostos.
A próxima sessão ó amanhã à hora regimental.
O Sr. Joaquim Crisóstomo (interrompendo)'.— Eu tinha pedido a palavra para antes de se encerrar a sessão...
O Sr. Presidente:—Desde que a Câmara votou que só encerrasse a sessão imediatamente à votação das propostas pendentes, não posso conceder a palavra a V. Ex.a
O Sr. Joaquim Crisóstomo: — Era só para pediria comparência do Sr. Ministro do Interior à próxima sessão.
O Sr. Presidente:—Está encerrada a sessão.
Eram 16 horas e 45 minutos.