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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 2

VI LEGISLATURA 1954 18 DE JANEIRO

PARECER N.º 2/VI

Proposta de lei n.º 4

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca da proposta de lei n.º 4, emite, pelas suas secções de Comércio, crédito e previdência (subsecção de Crédito e previdência) e Interesses de ordem administrativa (subsecção de Política e economia ultramarinas), às quais foi agregado o Digno Procurador Fernando Quintanilha e Mendonça Dias, sol} a presidência de S. Ex.º o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

Apreciação na generalidade

I) Preambulo

1. A proposta de lei submetida ao estudo da Câmara Corporativa diz respeito à unificação do mercado de seguros nacional, à uniformização da respectiva indústria e à extensão da competência da Inspecção de Seguros e da acção do Grémio dos Seguradores a todo o território nacional.
Como se diz no preâmbulo da proposta, com ela "intenta-se reforçar a solidariedade portuguesa do seguro sem afrontar as actividades similares estrangeiras, tarefa que é facilitada pela própria legislação emanada em 1945 e 1948, que adoptou as linhas gerais da legislação metropolitana". ,

II) Principios constitucionais

Providência legislativas sobre a unificação das administrações metropolitana e ultramarina

2. Pela Presidência do Conselho foi apresentada à Assembleia Nacional no início de 1951 (Diário idas Sessões de 19 de Janeiro) uma proposta de lei, de largo alcance político, económico e social, visando a revisão do Acto Colonial e a sua integração na Constituição Política da Nação.

A orientação que predominava na proposta era a de consagrar o conceito de que os territórios continental, insular e ultramarino constituem um todo orgânico, dominado pelos princípios de unidade política e jurídica.
O estatuto orgânico da Nação, depois de cumpridas as formalidades constitucionais, veio a ser posto em vigor pela Lei n.º 2 048, sem dúvida de transcendente significado e de enormes repercussões na política e administração ultramarinas.
De entre as importantes alterações então introduzidas na lei básica do País importa, agora assinalar apenas as seguintes:

a) Substituição do texto do artigo 25.º do Acto Colonial; t as colónias regem-se por diplomai especiais, nos termos deste título n (título m a Do regime político e administrativo"), pelo do artigo 149.º da actual Constituição: "as províncias ultramarinas reger-se-ão, em regra, .por legislação especial, emanada dos órgãos legislativos com sede na metrópole ou, relativamente a cada uma delas, dos órgãos legislativos provinciais, conforme as normas de competência fixadas na lei";
b) Desdobramento do artigo 29.º do Acto Colonial e inclusão do seguinte preceito, consignado no artigo 153." da actual Constituição: "o Governo superintende e fiscaliza o conjunto da administração das províncias ultramarinas, nos termos da Constituição e da lei ou leis orgânicas a que se refere a alínea a) do n.º 1.º do artigo 150.º, por intermédio dos órgãos que as mesmas leis indicarem".

Pela alteração referida na alínea a), com a inserção da frase restritiva com regras no texto que lhe correspondia no Acto Colonial, atenuou-se o princípio da especialidade das ordens jurídicas ultramarinas.

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Pela alteração citada na alínea b) consignou-se o princípio de que os serviços de superintendência ou de fiscalização das províncias ultramarinas podem ser integrados "m serviços idênticos ou análogos da metrópole, dependentes do Ministério do Ultramar ou de qualquer outro Ministério.
E a este propósito regista-se a autorizada intervenção do Sr. Deputado Mário de Figueiredo na Assembleia Nacional, ao apreciar a aludida 'disposição constitucional: "Isto significa que os serviços de qualquer das províncias ultramarinas podem ir sucessivamente sendo integrados nos serviços de administração metropolitana ".

3. A orientação do Governo nesta matéria foi exposta publicamente, com a maior clareza, pelo Sr. Ministro do Ultramar: "Um dia virá em que não haverá nem Ministério das Colónias, ou do Ultramar, nem governos ultramarinos, nem serviços próprios, porque tudo se passará como agora se passa em Trás-os-Montes ou no Algarve . . . e assim, mercê de uma autonomia inicial, teremos realizado uma fusão numa unidade".
Tal directriz, de resto, já havia sido concretizada anteriormente à revisão do estatuto orgânico da Nação, com a promulgação do Decreto-Lei n.º 37 542, de 6 de Setembro de 1949, pelo qual os serviços militares do ultramar foram colocados sob a dependência do respectivo Ministério da metrópole.
Também neste mesmo sentido, pela publicação da Lei n.º 2 042, de 17 de Junho de 1950, a coordenação, assistência técnica e inspecção dos serviços meteorológicos das províncias ultramarinas ficaram a cargo do Serviço (Meteorológico Nacional, dependente do Ministério das Comunicações.
Levou-se já a efeito, portanto, nestes dois sectores a incorporação na administração metropolitana de serviços do ultramar.
A proposta de lei agora presente à apreciação da Câmara Corporativa integra-se, pois, na nova orientação definida no texto constitucional, cuja execução já se
iniciou.
Parece a esta Camará conveniente chamar a atenção para os perigos de uma assimilação prematura dos territórios ultramarinos à metrópole mediante a aplicação indiscriminada naqueles da legislação metropolitana que disciplina as actividades segura.

III) Regime jurídico da actividade seguradora no território português

a) Legislação vigente na metrópole

4. A prática dos actos de comércio, que se. acentuava de dia para dia, a extrema dispersão e disparidade dás leis para regular esses actos e a imperiosa necessidade de defender as actividades económicas nacionais da concorrência estrangeira determinaram a publicação em 1833 do Código do Comércio Português.
Com esta lei, que incluía normas reguladoras do contrato de seguros, deixaram de vigorar as disposições que até então haviam regulado o exercício da actividade seguradora, nomeadamente a Nova Regulação da Casa dos Seguros da Praça de Lisboa, publicada em 30 de Agosto de 1820, que constituiu uma primeira codificação das leu de seguros.
O Código do Comércio Português foi substituído em 1888 pelo Código Comercial.
Restringindo-se, porém, estes diplomas legislativos a definir legal e juridicamente o âmbito do contrato de seguro, havia que prover u regulamentação do exercício da actividade seguradora.
Foi o que se fez com a publicação do Decreto de 21 de Outubro de 1907 e o Decreto (regulamentar) de 28 de Dezembro do mesmo ano, que constituem ás leis fundamentais reguladoras da indústria de seguros.
Em 5 de Novembro de 1929 foi publicado o Decreto n.º 17 555, cujo objectivo se acha, com a maior clareza, exposto 110 seu preâmbulo, de que se transcreve a parte inicial:

O presente diploma vem dar remédio a uma situação desastrosa, que se prolonga, pode dizer-se, há vinte e um anos.
Publicado em 1907 o decreto que fixava as bases para o exercício e fiscalização da indústria de seguros, deve reconhecer-se que a melhor parte dos seus objectivos se encontra ainda hoje por atingir. 'Sucessivos diplomas inutilizaram nos seus pontos essenciais aquele decreto, merecendo especial referência a Lei de 9 de Setembro de 1908, que revogou e alterou os seus mais salutares preceitos. Além disso, a desvalorização da moeda, a anarquia das sociedades de seguros criadas durante a época tumultuosa da guerra, a perturbação profunda dos espíritos e dos costumes a que aquela deu lugar e a invasão do mercado nacional por uma legião de companhias estrangeiras vieram criar uma situação difícil, em que assumem aspectos sobremaneira graves (muitos dos males que o Decreto de 21 de Outubro de 1907 se propunha resolver.
Urgia remediar estes males e prover às necessidades ultimamente' surgidas, começando, primeiro que tudo por garantir à indústria seguradora um ambiente de prestígio e confiança, indispensável para que ela possa desenvolver-se satisfatoriamente, em concorrência com as companhias estrangeiras, que, num regime de favoritismo, fruto da desordem de muitos anos, se vieram multiplicando
no nosso país. Por esse caminho se enveredou francamente, na certeza de que as medidas decretadas, constituindo o mínimo das providências requeridas, não podem deixar de ser bem acolhidos por quantos se empenham pelo honesto desenvolvimento das sociedades de seguros.
E a própria urgência destas medidas condicionou a forma adoptada para a promulgação delas. Renuncia-se por agora à obra, mais completa, mas bem mais demorada, de uma revisão e codificação gera] da legislação sobre seguros.
Esse trabalho ficará para ser realizado pela Inspecção de Seguros, de cuja acção há que fiar em grande parte o cumprimento e a eficácia da lei.
Quando se houverem recolhido novos elementos da experiência e de uma observação inteligente, o Código de Seguros será decerto uma realidade fecunda e usa obra perdurável, bem diferente das efémeras improvisações legislativas. Este diploma, que aliás foi maduramente pensado e ponderado, e, pois, uma simples ponte de passagem do regime provisório para o definitivo.

A legislação posteriormente publicada não altera fundamentalmente' aqueles diplomas, limitando-se a esclarecer pontos de pormenor e a regular vários assuntos na sua conexão com o seguro.
Da regulamentação da actividade seguradora no ultramar se dá seguidamente notícia.

b) Legislação especial para o ultramar

5. O exercício da indústria de seguros no ultramar só veio a ser objecto da atenção do legislador em 1945, ano em que foi publicado o Decreto n.º 34 562, de l de Maio.
Este diploma veio solucionar problemas instantes de uma actividade económica que, por carência de um regime

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jurídico adequado, se estava desenvolvendo por forma atrabiliária e prejudicial aos interesses da economia nacional.
A necessidade da regulamentação da indústria seguradora nas províncias do ultramar tinha sido, por várias vezes, exposta ao Governo da Nação pelos seguradores portugueses, que sempre demonstraram' o interesse da indústria nacional pelo mercado ultramarino.
As duas representações dirigidas em princípios de 1934 ao Ministro das 'Colónias pelo Centro dos Seguradores Portugueses -associação privada de seguradores que antecedeu o Grémio dos Seguradores - pouco antes a realização da [Exposição Colonial do Porto, a tese do segurador João Duarte, antigo Procurador a esta Câmara, única apresentada na 1.ª Conferência Económica do Império Colonial, reunida em 1,936, e as exposições que o Grémio dos Seguradores dirigiu às entidades oficiais desde a sua criação, em Junho de 1934, constituíram uma contribuição positiva de alto interesse para a solução do problema.
As condições em que se exercia a actividade da indústria seguradora no ultramar foram duramente sintetizada" no relatório da subcomissão de seguros da 1.º Conferência do Império Colonial, da qual se transcreve o seguinte passo:
Em resumo, pode dizer-se que as companhias estrangeiras não se acham registadas nem nas colónias nem no continente e o exercício da sua indústria se faz sem qualquer fiscalização ou autorização; que não pagam ao Estado contribuição nem imposto, ao passo que as suas congéneres nacionais pagam o imposto sobre o" prémios de seguros efectuados nas colónias; que não fazem os depósitos de garantia e de reserva u que AS sociedades nacionais são obrigadas; que, em virtude de as apólices no geral serem emitidas nas suas sedes, não pagam os selos; que não estuo sujeitas às leis portuguesas de procedimento judicial, quando necessário, oferecendo, por este lado, poucas garantias aos segurados, e, finalmente, que na maior parte das colónias não pagam qualquer espécie de imposição aos seus agentes ou mandatários, mercê da interpretação errada das leis tributários privativos.
Desta situação privilegiada resulta que o Estudo é desfalcado, por falta de pagamento de contribuições e impostos, e isto tanto na metrópole como nas colónias; quê a balouça económica é desfalcada, pela drenagem do ouro para fora do Império; que as garantias do cumprimento das obrigações por parte das companhias estrangeiras, quando discutidas contenciosamente, são precárias.

A posição singularmente privilegiada que usufruíam as sociedades estrangeiros, em detrimento das nacionais, é revelada inequivocamente pelos seguintes dados numéricos relativos À província de Moçambique:

E de notar, porém, que, em relação u província de Moçambique, a posição de nítido domínio das sociedades estrangeiras começou a ressentir-se a partir de 1943, ano em que foi constituída naquela província uma sociedade portuguesa, que, beneficiando do regime legal e tributário aplicável às sociedades estrangeiras, reunia os condições necessários para enfrentar a sua concorrência.

Deste facto, e apesar de as sociedades com sede no continente continuarem em situação de inferioridade, visto ao seu movimento do ultramar se aplicar, na metrópole, o regime legal e tributário a que está sujeito o movimento idas sedes, adveio um aumento de carteara pára o conjunto das sociedades nacionais, sem dúvida resultante da posição desde logo alcançada pela sociedade de seguros local.

Impunha-se, por consequência, a adopção de medidas legislativas que, assegurando a justa igualdade das condições de exploração de todas as sociedades em actividade no ultramar, simultaneamente acautelasse os interesses do Estado e desse as necessárias garantias aos segurados.
Com efeito, tanto o Decreto de 21 de Outubro de 1907 que regulamenta a indústria de seguros na metrópole 6 que, ainda hoje, constitua o diploma fundamental do exercício da actividade seguradora, como os decretos posteriormente promulgados tendentes a aperfeiçoar os métodos de trabalho das sociedades, a garantir mais completamente os direitos dos segurados e a fortalecer o crédito da indústria, não .foram tornados extensivos ao ultramar ou, nos raros casos em que o foram, careceram de aplicação.
E bem elucidativo a este respeito o que se expõe no relatório da subcomissão de seguros atrás citado, que seguidamente se resume:
Em S. Tomé e Príncipe e Angola, por portarias publicadas nos respectivos Boletins Oficiais, foi considerada aplicável a legislação metropolitana.
Em Cabo Verde, Guiné, Moçambique e Macau nenhuma providência legislativa nesse sentido foi publicada, não obstante em algumas dessas províncias se ' terem iniciado estudos paxá esse efeito, pelo que tem de considerar-se que, nesta matéria, teriam apenas aplica' cão os preceitos do Código Comercial relativos a sociedades anónimas e de seguros.
No Estado da índia chegaram a ser publicados no Boletim Oficial os Decretos de 21 de Outubro e 28 de Dezembro de 1907; todavia, porque a publicação foi determinada por simples circular, entendeu-se que as referidas disposições não eram de aplicar.
Quanto a Timor, não se obtiveram elementos que permitam ajuizar das disposições em vigor respeitantes a seguros.
Deve, contudo, acentuar-se que mesmo em S. Tomé e Príncipe e Angola, .se de direito os disposições legais metropolitanas relativas a seguros estavam em vigor, de facto nunca foram aplicadas.

6. O problema da regulamentação da indústria no ultramar, dada a sua importância e acuidade, mereceu, como atrás se menciona, o estudo da Conferência Económica do Império de 1936, que, depois de ter apreciado os pareceres emitidos sobre o assunto pelo Grémio dos Seguradores, pela Inspecção de Seguros e pelos governadores das diferentes províncias ultramarinas, aprovou as bases de um diploma a promulgar sobre a matéria.
Só, porém, em 1945, com a publicação do Decreto n.º 34 562, se deu concretização às aspirações e pretensões

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formuladas pelos organismos representativos da indústria e por diversas entidades particulares e oficiais.
Por este diploma, com efeito, foram estabelecidas medidas de protecção à indústria nacional e adoptadas normas para a moralização do exercício da indústria, tendo em atenção o desenvolvimento do seguro nas províncias ultramarinas e o interesse que essa expansão importaria para o ultramar, quer no " arreigamento do espírito de previdência", quer na "fixação de capitais nos territórios de além-mar".
E é justo assinalar neste parecer que os altos interesses nacionais e as legítimas aspirações de uma indústria que ocupa posição de relevo no quadro económico português encontraram no Ministro das Colónias de então o legislador qualificado para o efeito, já que à sua incontestada autoridade em problemas de- ordem jurídica e económica aliava também um profundo conhecimento dos assuntos de natureza seguradora.

II

Exame na especialidade

1) Unificação do mercado nacional de seguros e uniformização da Indústria

7. Com a promulgação do Decreto-Lei n.º 34 562, de l de Maio de 1945, no qual se perfilhou o parecer do Conselho do' Império Colonial de que o regime jurídico a adoptar no ultramar deveria ser simples e quanto possível liberal, foram aplicadas às províncias ultramarinas, convenientemente simplificadas e adaptadas, as disposições em vigor na legislação metropolitana.
Estabeleceram-se assim as normas para a constituição, funcionamento e fiscalização das sociedades de seguros com sede nas províncias ultramarinas; fixaram-se as formalidades a cumprir pelas agências gerais de sociedades metropolitanas e estrangeiras para poderem ali exercer a sua actividade; estipularam-se os quantitativos dos depósitos de garantia e as regras para o cálculo e caucionamento das reservas técnicas, em ordem a acautelar os interesses dos segurados; impuseram-se as penalidades e sanções, a fim de se assegurar a moralidade do exercício da indústria; determinaram-se as normas para a escrituração, registo e apresentação de diversos livros e documentos; adoptou-se o princípio da colocação em sociedades nacionais, com sede no ultramar ou na metrópole, dos seguros dos bens do Estado, aos corpos administrativos e dos organismos de coordenação económica, e corporativos; definiu-se a competência dos tribunais portugueses puni o julgamento as acções emergentes idos contratos de seguros celebrados no ultramar; regulou-se, enfim, o que parecia ser fundamental para o bom e normal funcionamento da actividade seguradora nus províncias ultramarinas.
No que respeita, porém, à exploração do ramo Vida adoptou-se uma solução transitória, que consistia em que a celebração dos contratos dos seguros sobre a vida humana só poderia ser feita por sociedades nacionais com sede nas províncias ultramarinas desde que actuassem como agentes gerais de sociedades metropolitanas.
As razões que levaram o legislador a adoptar tal solução constam do próprio preâmbulo do citado decreto e revestem-se de particular interesse para apreciação da proposta de lei apresentada pelo Governo. Diz assim o legislador:
À solidez da empresa, e à segurança dos valores capitalizados com os prémios pagos pelos segurados é indispensável uma rigorosa técnica actuarial, a maior prudência financeira e uma contabilidade exemplar, tudo garantido por fiscalização competente. Na metrópole a indústria de seguros oferece hoje todas as condições de crédito, graças à acção da Inspecção de Seguros na execução das leis que u regem. Mas não é possível criar um serviço semelhante em cada colónia, nem sequer no Ministério das Colónias.

Na verdade, não estabelecendo desde logo o citado decreto a criação dos serviços de fiscalização técnica da indústria, embora tivesse previsto a sua instituição quando o desenvolvimento social e segurador de cada província o justificasse, a solução adoptada foi, sem dúvida, u mais consentânea com o acautelamento das garantias dos segurados.
Pelo regime fixado satisfaziam-se plenamente os interesses daqueles, quer quanto às suas conveniências, quer quanto às suas garantias, uma vez que os agentes gerais tinham plenos poderes para aceitar os seguros e emitir as apólices e as sociedades metropolitanas respondiam perante a Inspecção de Seguros pela correcção as bases técnicas, do cálculo das reservas e do seu caucionamento.
Às sociedades estrangeirais, segundo os n.(tm) 1." e 5." do artigo 28." do aludido decreto, ficavam todavia autorizadas a explorar o ramo Vida desde que efectuassem o conveniente depósito de garantia e apresentassem ao Governo da colónia, até seis meses depois de findo cada exercício, um documento, passado pelo organismo oficial competente do seu país, em que se declarasse ser boa a situação financeira e técnica da sociedade.
Alegam as sociedades estrangeiras, nomeadamente as que operam na índia Portuguesa, que a exigência do tal documento lhes suscita dificuldades, porque, em muitos casos, os serviços oficiais que nos respectivos países superintendem sobre as sociedades de seguros não podem, passar, anualmente, os certificados nos precisos termos exigidos pela lei. Tal dificuldade é fácil de obviar, e nem mesmo talvez para isso se tornasse necessária a modificação do texto legal: bastaria, dentro do espírito da lei, adoptar uma solução que satisfizesse os objectivos em vista, como afinal se veio a verificar no caso das sociedades estrangeiras do Estado da índia.
A verdade, contudo, é que, apesar desta dificuldade, aliás já resolvida, as sociedades estrangeiras que operam no ultramar beneficiavam duma excepcional liberdade de acção, visto estarem isentas de fiscalização.
A restrição imposta quanto à exploração do ramo Vida foi levantada pelo Decreto n.º 37066, de 29 de Setembro de 194S, que criou os serviços de fiscalização técnica em Angola e Moçambique e permitiu a exploração daquele ramo às sociedades portuguesas com sede naquelas províncias.

8. As repercussões dos aludidos decretos sobre a actividade seguradora no ultramar foram, como era de prever, bastante favoráveis ao incremento da indústria nacional, segundo revelam os seguintes dados estatísticos respeitantes à província de Moçambique:

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Assim, as sociedades nacionais, que possuíam em 1942 apenas 7,1 por cento da receita de prémios, conseguiram obter .em 1951 uma posição correspondente a 67 por cento da receita global, devido principalmente à actuação até 1948, nas condições atrás expostas, de duas companhias nacionais com sede em Moçambique.
Do mesmo modo o número de sociedades nacionais ascendeu de seis, em 1944, para onze, em 1951, ao passo que o das sociedades estrangeiras desceu de vinte e
três para sete.

9. O actual quadro das medidas legislativas respeitantes u indústria apresenta, no entanto, anomalias e discrepâncias que prejudicam a integração da organização económica do ultramar na organização económica geral da Nação, preceituada no artigo 158.º da Constituição Política.
Serão focadas apenas três - as mais características:
1.ª Segundo a legislação metropolitana (artigo 3.º do Decreto n.º 17555), uma sociedade de seguros só. pode obter autorização e constituir-se definitivamente desde que efectue um depósito de garantia de 300.000$, caso pretenda explorar os seguros contra acidentes de trabalho.
A legislação ultramarina, porem (artigo 4.º do Decreto n.º 34 563), exige, para o mesmo efeito, o depósito de 400.0001, tendo mantido, no entanto, para a autorização dos restantes ramos os quantitativos fixados 'na legislação da metrópole.
Poder-se-ia entender que os depósitos de garantia estipulados 110 Decreto n.º 17 555 carecessem de actualização', mas, se assim se reconhecesse e em tal se conviesse, essa actualização deveria ser geral, e não restrita a um caso singular.
2.º De harmonia com o disposto no artigo 26." do Decreto n.º 34 562, no capítulo respeitante as agências das sociedades nacionais, "as reservas matemáticas, de garantia e de seguros vencidos respeitantes às operações efectuadas nas colónias serão constituídas e aplicadas pela sede da sociedade".
Ora, em conformidade com o estatuído no artigo 22.º de Decreto de 21 de Outubro de 1907, as companhias autorizadas na metrópole estão impedidas de caucionarem as suas reservas técnicas em bens situados no ultramar, restrição que, acrescento-se, se pode explicar pelo facto de na altura em que foi promulgado aquele diploma o desenvolvimento económico dos territórios ultramarinos se encontrar em estado incipiente, o que não permitia as aplicações das reservas cora as garantias exigidas pela técnica.
Da referida disposição resulta que os. valores das . reservas não podem ser aplicados em bens situados nas províncias ultramarinas, até mesmo os respeitantes aos seguros ali efectuados.
É de notar que o legislador do Decreto n.º 34 563, ao referir a circunstância de ficar competindo à Inspecção de Seguros metropolitana o fiscalização das bases técnicas, do cálculo dos reservas e da sua aplicação, no que se refere às agências gerais das sociedades metropolitanas, expressou no (preâmbulo do citado diploma a necessidade da resolução do problema nos seguintes termos:

... prevendo-se desde já que a legislação da metrópole autorize o emprego dos valores das reservas em bens situados nos colónias, o que permitirá conservar em cada uma o que corresponder aos . negócios aí efectuados.

São passados, porém, oito anos sobre a regulamentação da actividade seguradora no ultramar e e problema ainda se encontra pendente de solução.
A atenuação das restrições impostas pela legislação metropolitana quanto ao emprego das reservas no ultramar seria do maior interesse para a economia das províncias ultramarinas na medida "m que, constituindo um meio de fixação de capitais ou de expansão do crédito, contribuiria para o fomento e progresso económico do ultramar.
Também a autorização para caucionar as reservas das sociedades metropolitanas em bens situados no ultramar poderia representar para as empresas uma orientação prudente e equilibrada, quer pela segurança no caso de qualquer conflito bélico, quer pela economia e comodidade resultante do menor recurso à transferência de fundos.
Uma política de investimentos nu ultramar poderia, aliás, ser estimulada pela criação de condições vantajosas quanto a solidez, rentabilidade e liquidez, ponto de vista já perfilhado nesta Câmara no seu parecer sobre o Plano de Fomento, e ainda pelo estabelecimento de facilidades pura a transferência de fundos relativos ao movimento de seguros.
A questão, de resto, põe-se em termos mais latos: ser concedida autorização às sociedades de, seguros, quer tenham sede ou agência geral na metrópole ou no ultramar, paru poderem aplicar as suas reservas em qualquer região do território nacional.
Esta é a solução, que não foi em princípio rejeitada pelo Conselho Ultramarino em sua sessão plena de 19 de Outubro de 1903, quanto à aplicação das reservas das sociedades metropolitanas em bens situados no ultramar. Devem, porém, ser tidas devidamente em consideração as observações formuladas no parecer n.º 420, de 15 de Abril de 1953, da 3.º secção do mesmo Conselho, quanto à articulação dos interesses metropolitanos a ultramarinos.
3.º Segundo o disposto no Decreto n.º 34 562, uma sociedade nacional com .sede na metrópole só pode exercei- a sua actividade numa província ultramarina desde que lhe seja deferido o fedido de registo nessa província .
Porá o efeito, deverá a sociedade apresentar um simples requerimento, acompanhado de uma declaração, passada pela Inspecção de Seguros do Ministério das Finanças, atestando que cumpriu as suas obrigações legais e tem capacidade financeira- para estender a sua actividade industrial ao ultramar, e. de uma procuração estabelecendo na província uma gerência com plenos poderes para o exercício da industria.
No caso inverso, a lei não prevê o estabelecimento na metrópole de agências de sociedades seguradoras com sede no ultramar.
O Centro de Seguradores Portugueses, na exposição já referida, que, em seguimento de outra apresentada em Fevereiro de 1934, enviou ao Sr. Ministro das Colónias, encarou o problema propondo as seguintes bases para a sua resolução: .

1.º Nas colónias portuguesas em África só é permitindo o exercício da indústria de seguros:

a) As sociedades anónimas de responsabilidade limitada que legalmente a exerçam no continente da República e consoante os ramos u cuja exploração estejam autorizadas ;
b) As sociedades anónimas de responsabilidade limitada que para esse fim legalmente ali se constituam ou as sociedades estrangeiras que sejam previamente autorizadas pelo Ministro das Colónias, nos , termos deste diploma.

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2.ª Às sociedades a quê se refere a alínea b) da base 1.ª são aplicáveis as disposições legais que vigorarem no continente da República quanto u necessária autorização para a sua- constituição e exercício da indústria e quanto às condições e preceitos sobre a sua organização, funcionamento, fiscalização, revogação de autorização, liquidação, fusão, transferência de operações sociais e sanções, ficando em tudo sujeitas à superintendência e jurisdição da Inspecção de Seguros no continente, nos termos da respectiva legislação, excepto quanto ao que pelo presente diploma for expressamente exceptuado ou regulado, e obrigadas às despesas de transportes e ajudas de custo a que a respectiva fiscalização e inspecções derem lugar.
O Ministro das Colónias concederá ou recusará, no prazo de cento e vinte dias, a autorização pedida por parte das sociedades a que se refere a alínea b) da base i, conforme o bem público o exigir, podendo no primeiro caso incluir na portaria as cláusulas e restrições que julgue convenientes.
Poderá ainda o Ministro das Colónias, nas mesmas circunstâncias, retirar ou suspender, no todo ou em parte, a qualquer sociedade a autorização já concedida.

A inspecção de Seguros, por sua vez, num parecer posteriormente apreciado pela subcomissão de seguros a I Conferência Económica do Império, preconizou o seguinte regime:

a) As sociedades portuguesas com. sede no continente e ilhas têm inteira liberdade de trabalhar nas províncias ultramarinas, obedecendo apenas ao regime tributário decretado para aquelas;
b) As sociedades estrangeiras autorizadas a trabalhar em Portugal e que provem já exercer a indústria no ultramar gozariam de regime idêntico às sociedades nacionais, tendo, porém, de centralizar na sua Agência-Geral do continente o movimento respeitante às operações efectuadas lá;
c) As restantes sociedades estrangeiras que trabalham ou desejem trabalhar nos províncias ultramarinas e as sociedades portuguesas que se fundem nessas províncias deveriam requerer autorização para trabalhar em cada província ao respectivo governador, efectuando preliminarmente depósitos de garantia no organismo do Estado, ou a 'ele ligado por contrato, mais adequado para esse fim.

Este parecer foi submetido à apreciação do Sr. Presidente do Conselho, então também Ministro das Finanças, que exarou sobre ele o seguinte despacho:

Concordo com a orientação geral das bases juntas; mas a licença a que se refere a alínea c) da base i não deverá ser dada na colónia, mas no Ministério das Colónias, ouvida mesmo a Inspecção de Seguro". Deve "m todo o caso consultar-se primeiro o Ministro das Colónias sobre a exequibilidade do que se propõe.

As bases sugeridas pela Inspecção de Seguros corresponderam, na verdade, à solução então mais aconselhável, dada a conjuntura da indústria seguradora portuguesa, sendo de notar a doutrina consignada no despacho transcrito de que os pedidos de autorização para o estabelecimento de sociedades no ultramar só deveriam ter seguimento depois de ouvida a Inspecção de Seguros.
Hoje, no entanto, a conjuntura económica apresenta características diferentes.
A necessidade do ordenamento da vida económica e social, um dos princípios basilares da economia corporativa, impôs a adopção de normas de condicionamento para a criação, reabertura, transferência ou alargamento de estabelecimentos industriais.
O regime de condicionamento estabelecido em 193.1; e posteriormente remodelado em ordem ao seu aperfeiçoamento, tem-se revelado como uma política vantajosa para o desenvolvimento industrial e progresso económico da Nação.
Pelo que respeita à actividade seguradora, o número de sociedades nacionais e estrangeiras que operam na metrópole e no ultramar e a relação entre a sua capacidade seguradora e a matéria segurável exige também a sujeição a regras de condicionamento, que vêm sendo seguidas desde 1907, muito anteriormente, portanto, ao das restantes indústrias.
Por isso, e sem prejuízo do princípio de que uma sociedade com sede ou agência geral na metrópole ou em qualquer província ultramarina possa exercer a sua actividade em qualquer parte do 'território nacional, a orientação que se afigura mais consentânea com a evolução da conjuntura seria a de, inicialmente, se conceder autorização só para a metrópole ou para cada uma das províncias ultramarinas, conforme as circunstâncias o permitissem.
A concessão da autorização para a constituição de novas sociedades nacionais ou estabelecimento de novas sociedades estrangeiras, bem como para o alargamento da sua actividade, seria, na metrópole, da competência do Ministro das finanças e, nas províncias ultramarinas, conjuntamente dos Ministros das Finanças e do Ultramar, sob .parecer dos respectivos governadores, da Inspecção de Seguros e do Grémio dos Seguradores ou de um órgão superior coordenador da política seguradora que venha a constituir-se.
Na apreciação quer dos pedidos de autorização quer do alargamento da actividade dever-se-á ter em consideração as condições económicas locais, negando-se a autorização quando as referidas condições o aconselharem. Isto até para evitar que uma iniciativa considerada inoportuna na metrópole consiga a autorização em qualquer ponto do ultramar mas apenas como pretexto para exercer legalmente a indústria no território metropolitano.

10. A actividade seguradora tem por finalidade satisfazer necessidades materiais futuras resultantes de eventos aleatórios ou de acontecimentos insertos no tempo.
O instituto de seguro garante aos indivíduos a indemnização dos prejuízos que venham a sofrer, distribuindo previamente as responsabilidades futuras por todos os indivíduos sujeitos aos mesmos riscos.
Por conseguinte, o desenvolvimento da actividade seguradora dependerá da frequência com que os indivíduos acorram às seguradoras para se precaverem de possíveis danos ou prejuízos futuros e da oferta, por parte das seguradoras, de modalidades de garantia ajustadas às necessidades de segurança económica dos indivíduos. Em suína, a expansão do seguro é função do espírito de .previdência e da exacta noção da comunidade de interesses dos indivíduos.
E evidente que quanto maior for o agregado de indivíduos abrangidos pela instituição do seguro tanto melhor esta poderá cumprir a sua missão, já pela avaliação da frequência e volume dos riscos, já pela fixação da quota-parte com que cada um contribuirá para a garantia comum.
Pelo exposto se deduz que da elevada repartição das responsabilidades pelos segurados e da extrema distribuição geográfica dos riscos advirá uma maior economia

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do seguro (prémios mais baixos) e um melhor acautelamento das garantias concedidas.
Esta ideia é expressa por outras palavras na seguinte passagem no preâmbulo do Decreto n.º 34 562:

De resto, em matéria de seguros, não há nunca lugar para plena autonomia das empresas. O princípio da divisão dos riscos impõe a prática do co-seguro e do resseguro em larga escala, a solidariedade íntima entre seguradores e resseguradores, de tal forma que nenhum país pode orgulhar-se de gozar nesta matéria de completa autarcia.

Assim se explica a necessidade de estabelecimento de laços de solidariedade entre os seguradores de todo o Mundo nos riscos assumidos, o que confere à indústria seguradora carácter essencialmente internacional.
Esta circunstância implica que nos diferentes países o seguro se efectue sob preceitos técnicos idênticos, dado que também os problemas equacionados são semelhantes, o que atribui a esta actividade a característica da identidade da técnica seguradora.
Se o exercício da indústria de seguros é condicionado no plano mundial a regras semelhantes e a1 uma técnica uniforme, melhor se explica e mais se impõe a perfeita estruturação e unificação das regras e da técnica de* todo o mercado nacional.
Seria de desejar o estabelecimento de um mercado português de seguros verdadeiramente unificado, subordinado aos mesmos princípios técnicos e orientado sob os mesmos interesses nacionais.
Este objectivo, porém, só lentamente se poderá atingir, à medida que se vão transformando e identificando com as da metrópole as condições vigentes nas províncias ultramarinas, e exige uma cuidadosa, revisão da legislação vigente.

11. A uniformização do regime tributário considera-se uma necessidade.
Na verdade, as circunstâncias em que actualmente são aplicados os impostos não só contrariam a orientação geral que informa os princípios constitucionais, como conduzem a absurdos, tais como os de duas sociedades com iguais carteiras estarem sujeitas ao pagamento de diferentes impostos, consoante a região geográfica em que se situam as suas sedes ou se localizam as suas agências gerais, com grave prejuízo para uma uniformidade de exploração do seguro.
Aliás, já um primeiro passo sé deu no sentido desta uniformização' quando na província de Angola foi criado o imposto industrial, que só difere do metropolitano na base de incidência, pois que, enquanto na metrópole o imposto é lançado sobre os capitais, com pequenas correcções, em Angola a tributação recai sobre os rendimentos líquidos presumíveis das sociedades.
Alguma coisa poderia dizer-se neste particular quanto às medidas a preconizar para uma coordenação da política fiscal relativa a seguros, más não se julga oportuno fazê-lo sem previamente se conhecerem os princípios orientadores que norteiam a Comissão de Estudo e Aperfeiçoamento do Direito-Fiscal, nomeada por. portaria de 28 de Setembro de 1951 do Sr.º Ministro das Finanças, nos termos do Decreto n.º 38 438, de 25 de Setembro de 1951.
Sejam quais forem, porém, estes princípios, entende-se que ao estabelecerem-se as normas reguladoras da indústria de seguros deve atender-se ao importante aspecto da coordenação dos regimes tributários, embora a este respeito se devam ter em atenção as observações anteriormente feitas a respeito da uniformização do regime legal da indústria de seguros, na metrópole e no ultramar, quanto à necessidade de evitar, soluções que assentem mima prematura assimilação dos províncias ultramarinas à metrópole.

12. Com a experiência de que já se dispõe e com os elementos de estudo coligidos será possível preparar as medidas conducentes à unidade das condições técnicas de exploração do mercado de seguros nacional, à uniformização das leis reguladoras do exercício da actividade seguradora, à unificação do regime tributário aplicável às sociedades de seguros em todo o território português e codificação de toda a legislação sobre seguros.
Mas esta tarefa é muito complexa e exigirá, como se disse, algum tempo para se realizar integralmente, dadas as dificuldades que advêm da desigual expansão atingida pelo seguro nas diversas províncias ultramarinas, da diversidade de meios e condições económicas, da diferente situação geográfica das parcelas do território português e até da incompreensão que medidas imediatas e radicais podem suscitar.
Para permitir, tanto quanto possível, alcançar desde já os objectivos em vista poder-se-ia renunciar, por agora, a uma obra mais completa mas mais demorada, paru se adoptar um regi-me provisório de transição, como se adoptou com a promulgação do Decreto n.º 17555, que, como se lê no seu preâmbulo, constituiu a uma simples ponte de passagem do regime provisório para o definitivo
Para já, poder-se-iam adoptar medidas legislativas ' uniformes para a metrópole e ultramar conducentes n eliminação de situações anómalas, supressão de posições de desfavor, normalização de soluções díspares, estabelecendo, enfim, bases e princípios tendentes & coordenação da actividade seguradora, tão importante para a protecção e desenvolvimento calmo e tranquilo das actividades económicas nacionais.

II) Legislação reguladora da fiscalização da Indústria de seguros no território português. Conveniência da extensão da competência do órgão fiscalizador metropolitano às províncias ultramarinas.

13. A fiscalização da indústria de seguros na metrópole foi estabelecida pelo Decreto de 21 de Outubro e 1907, que criou o Conselho de Seguros.
A este Conselho competia entre outras atribuições:

Dar parecer sobre a concessão de autorizações para as sociedades de seguros se constituírem e propor ao Ministro da Fazenda que a autorização se suspenda ou retire quando seja caso disso;

Examinar ou fazer examinar- os documentos apresentados pelas sociedades de seguros e inspeccionar as escriturações respectivas e documentos concernentes às operações sociais;
Participar ao Ministro da Fazenda quaisquer infracções ;
Propor ao Ministro da Fazenda a alteração das bases de cálculo adoptadas por qualquer sociedade de seguros de vidas;
Propor ao Ministro da Fazenda as notificações das sociedades de seguros para a regularização, reintegração ou reforço dos seus depósitos e reservas;
Dar parecer sobre o levantamento das reservas e depósitos;
Apresentar ao Ministro da Fazenda relatórios especiais 'sobre os exames e inspecções.

Em 1929, lançadas pelo Decreto n.º 17555, de 5 de Novembro desse ano, as bases de uma nova orientação a seguir na regulamentação da indústria seguradora, foi, simultaneamente, pelo Decreto n.º 17556, da mesma data, criada a Inspecção de Seguros, com a finalidade de, segundo se lê no relatório que o antecede,

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"introduzir na legislação que regula a indústria aquelas medidas urgentes que a sua situação, de há muito vem reclamando".
São, entre outras, atribuições da Inspecção de Seguros:

Exercer em nome do Ministro das Finanças todos os actos de uma activa e rigorosa fiscalização das sociedades de seguros e respectivas operações;
Aplicar as multas fixadas para punir transgressões e contravenções &, legislação de seguros;
Organizar o registo e cadastro das sociedades de seguros nacionais e estrangeiras, operando em Portugal, e arquivo anexo;
Em geral exercer todas as atribuições de consulta e fiscalização que pertenciam ao Conselho de Seguros e quaisquer outras funções relativas ao exercício da indústria que lhe sejam incumbidas pelo Ministro das Finanças.

O Decreto n.º 21 977, de 13 de Dezembro de 1932, regulamenta a Inspecção de Seguros e define pormenorizadamente as suas funções.
A Inspecção de Seguros foi atribuída uma vasta competência para exercer uma activa e rigorosa fiscalização das sociedades de seguros e suas respectivas operações, velar pelo perfeito cumprimento das leis e assegurar a estrita observância dos preceitos técnicos por parte das empresas.
A enumeração dos diplomas legais respeitantes à fiscalização da actividade seguradora na metrópole completa-se com a referência ao Decreto n.º 27 649, de 12 e Abril de 1937, que concede à Inspecção de Seguros competência para superintender no serviço de indemnizações e pensões por desastres no trabalho nos casos em que a responsabilidade patronal não tenha sido transferida para uma sociedade de seguros, e ao Decreto n.º 37 470, de 6 de Julho de 1949, que integrou os serviços da Inspecção de Seguros, sem alterar a sua estrutura, na Inspecção do Comércio Bancário, que, como havia sido previsto no Decreto n.º 36 542, de 15 de Outubro de 1947, passou a denominar-se Inspecção-Geral de Crédito e Seguros.
No Decreto n.º 37 470 prevê-se a reorganização dos serviços da Inspecção-Geral de Crédito e .Seguros, mas até à data ainda não foi promulgada qualquer medida nesse sentido.
Esta é a história legal do órgão fiscalizador da indústria de seguros metropolitana.

14. No que respeita ao ultramar, o desenvolvimento da indústria de seguros em Angola e Moçambique, que se vinha: acentuando notavelmente de ano para ano, o crescente movimento financeiro e segurador das empresas que nelas exerciam actividade e até mesmo as insistentes representações das companhias ali domiciliadas determinaram o Governo a publicar o Decreto n.º 37 076, de 29 de .Setembro de 1948, instituindo os Serviços de Fiscalização Técnica da Indústria Seguradora em Angola e Moçambique, que veio permitir a efectivação directa de seguros de vida pelas sociedades que nas referidas províncias têm sua sede.
O quadro legislativo da fiscalização da indústria em Angola e .Moçambique atingiu a sua posição actual com a publicação da Portaria n.º 7 643, inserta no Boletim Oficial da província de Moçambique de 31 d" Dezembro de 1948, e da Portaria n.º 7 895, constante do Boletim, Oficial da província de Angola de 30 de Julho de 1952.
Notam-se divergências, quer do fundo, quer de forma, entre os dois regulamentos, mas parece evidente que com eles se procurou coordenar serviços idênticos a metrópole e do ultramar.
É bem esclarecedor a este propósito o seguinte passo do preâmbulo da Portaria n.º 7 643 do governador-geral de Moçambique:

Impõe-se, para tanto, o estabelecimento de preceitos de fiscalização simples e eficientes e a adopção das normas- complementares reguladoras da explorarão da indústria, seguindo tanto quanto possível a legislação, a experiência e a doutrina metropolitanas, conjugadas com as condições especiais desta indústria na colónia.

15. Os diplomas regulamentares da fiscalização em Angola e Moçambique (Portarias n.º 7 895 e 7 643, respectivamente) apresentam entre si e também em relação aos da fiscalização metropolitana (Decretos n.º 17 556 e 21 977) diversidades de critérios, competências díspares e até diferente dependência hierárquica:
a) O n.º 11.º do artigo 8.º da Portaria n.º 7 643 atribui aos Serviços de Fiscalização Técnica de Moçambique competência para o orientar a actividade da indústria seguradora na colónia".
Esta disposição não consta nem do Decreto n.º 17556
- Regulamento da Fiscalização da Indústria de Seguros da Metrópole- nem da Portaria n.º 7895 -Regulamento da Fiscalização Técnica da Província de Angola -, nos quais se observou a boa doutrina, pois que a coordenação da actividade seguradora incumbe ao. organismo corporativo da indústria.
A inclusão do citado preceito no regulamento de Moçambique contraria também o princípio de que a fiscalização oficial tem por fim, exclusivamente, salvaguardar os interesses,, direitos e garantias dos segurados, sem de fornia alguma tutelar os interesses, intervir na acção administrativa ou coarctar a iniciativa das sociedades.
Por estas razões, reforçadas pelo disposto no artigo 41.º do Decreto n.º 34.562, que regulamenta o exercício da indústria de seguros no ultramar, onde se. estipula que "em tudo o que não estiver especialmente previsto no presente decreto (n.º 34562) observar-se-á a legislação aplicável em vigor na metrópole", deve considerar-se que a doutrina expressa na referida Portaria n.º 7 643 se desvia do espírito, que informa não só a legislação metropolitana, como a ultramarina.
Foi na referida disposição que o inspector de Moçambique, numa interpretação particularista, se baseou para fixar com carácter obrigatório tarifas de prémios mínimos de diversos ramos.
Ora a política tarifária, embora sujeita à aprovação do Ministro das Finanças, é, na metrópole, da competência exclusiva do Grémio dos Seguradores.
No ultramar, riu falta de organismo corporativo da indústria, a fixação das tarifas tem de sei- da livre iniciativa das sociedades, 'o que evidencia a necessidade da extensão ao ultramar da competência do Grémio, a fim de se poder alcançar a conveniente coordenação.
b) O § 1.º do artigo 11.º do Regulamento dos Serviços de Fiscalização Técnica de Moçambique e o § 2.º do artigo 8.º do respectivo regulamento de Angola exigem as sociedades de seguros que pretendam explorar o ramo "Vida ", a indicação do pleno máximo de retenção.
Estas disposições correspondem, na essência, ao § 2.º do artigo 5.º do Decreto de 21 dê Outubro de 1907, que, no entanto, não formula tal exigência.
De resto, os processos de cálculo para a fixação dó limite máximo dos plenos de retenção são concretamente indicados no artigo 29.º do Decreto de 21 de Outubro de 1907, no artigo 14.ª da Portaria n.º 7 643 de Moçambique e no artigo 15." da Portaria n.º 7895 de Angola.

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Assim, não parece razoável a exigência daquela formalidade, além de que o pleno é naturalmente variável consoante o desenvolvimento das carteiras e o aumento do património das sociedades e é tomado como matéria reservada à livre iniciativa das seguradoras.
c) O artigo 16.º da Portaria n.º 7 895 de Angola e o artigo 15.º da Portaria n.º 7643 de Moçambique estabelecem que as sociedades portuguesas de seguros com sede naquelas províncias devem ressegurar, noutros sociedades portuguesas, pelo menos 60 por cento dos seus excedentes, calculados sempre relativamente a retenções respeitantes a planos aprovados pelos Serviços de Fiscalização Técnica.
Esta obrigatoriedade não se encontra .prevista na legislação metropolitana e, além de constituir um desvio dos preceitos técnicos geralmente observados, representa outro excesso regulamentar, visto que transcende o disposto na lei basilar do exercício da actividade seguradora no ultramar.
d) O artigo 19.º da Portaria n.º 7 -643 de Moçambique obriga as sociedades portuguesas com sede na província e as agências das sociedades estrangeiras a fornecerem anualmente, para efeito da fiscalização indirecta, certos documentos aos Serviços de Fiscalização Técnica. . "
No entanto, em Angola, segundo o disposto no artigo 20.º da Portaria n.º 7 895, essa obrigação incide também sobre os agências das sociedades nacionais.
Não se concebe que seja adoptado tratamento diferente nas duas províncias em relação às agências das sociedades metropolitanas e menos se compreende que, em Angola, se tenham equiparado aquelas agências às das sociedades estrangeiras.
Parece, na verdade, ter-se olvidado que a Inspecção de Seguros, como se prevê no Decreto n.º 34 562, exercerá uma fiscalização sobre os elementos da actividade ultramarina das companhias que têm sede na metrópole. A exigência formulada pelo regulamento angolano constitui, por consequência, uma duplicação de fiscalização, que, não interessando ao Estado, não deixa de sobrecarregar as empresas e os serviços de fiscalização.
e) O artigo 12.º da Portaria n.º 7 643 (Moçambique) determina que as sociedades com sede na metrópole autorizadas a explorar o ramo "Vida" apresentem, para efeitos do respectivo registo, documentação idêntica à exigida às sociedades locais estrangeiras paru o mesmo fim.
Tal obrigatoriedade não. é imposta pelo regulamento de Angola, que seguiu a boa doutrina.
Na verdade, indicando expressamente o artigo 25.º do Decreto n.º 34572 os documentos a apresentar pelas sociedades metropolitanas para efeito de registo no ultramar, não se percebe que, dentro dos princípios consignados naquele diploma tendentes a facilitar n exercício da actividade das sociedades nacionais nos territórios ultramarinos, se venha a determinar a apresentação de outra documentação suplementar.
Tal exigência ultrapassa os requisitos formulados pelo legislador de 1945 e, acentua-se, não se antevêem claramente os seus objectivos.
E compreensível que os Serviços de Fiscalização Técnica pretendam, para sua orientação, informações respeitantes às sociedades metropolitanas. Seria, no entanto, mais desejável que o processo de registo se simplificasse, já que todos os elementos de que aqueles serviços possam carecer se encontram de posse da inspecção metropolitana.
f) O artigo 10.º do regulamento moçambicano e o artigo 3.º do Decreto n.º 17555 (metrópole) impõem que as sociedades efectuem um depósito de garantia de
l 050 contos quando tenham por fim explorar simultaneamente todos os ramos de seguros. Em Angola) porém, de harmonia com o § 3.º do artigo 5.º do respectivo regulamento, aquele depósito de garantia é de 1150 contos.
g) Os Serviços de Fiscalização Técnica da Indústria Seguradora da Província de Moçambique foram adstritos ao Conselho de Câmbios, sob a chefia de um indivíduo com curso superior que tenha desempenhado as funções de actuário, designado por a inspector de seguros". Os serviços similares da província de Angola foram integrados na Direcção dos Serviços de Fazenda e Contabilidade, não sendo exigível especial formação profissional ao funcionário, também designado por "inspector de seguros", a cargo do qual estão os serviços.
Na metrópole, para o provimento do lugar de. inspector-chefe é. exigível curso superior e para os restantes lugares do quadro técnico a licenciatura em Direito ou em Ciências Económicas e Financeiras.
Isto é, para idênticos serviços adoptou-se um enquadramento orgânico, uma dependência hierárquica e um processo de recrutamento do pessoal técnico diversos. Acrescenta-se ainda que foi precisamente em Angola, onde não se regulou convenientemente a admissão do pessoal técnico com a necessária preparação científica e a conveniente experiência, que os Serviços de Fiscalização Técnica, logo no início da sua existência, tiveram de enfrentar uni problema muito complexo, que foi o da cessação da actividade de uma sociedade estrangeira de seguros de vida que possuía em Angola uma carteira de muitas centenas, senão de uns milhares, de apólices.

16. Apontaram-se algumas anomalias e discrepâncias dos regulamentos dos Serviços de Fiscalização Técnica. Com tal enumeração não se pretendeu fazer um exame comparativo e exaustivo dos aludidos diplomas, mas tão-sòmente fazer ressaltar o comportamento diverso que, perante o mesmo problema, as mesmas sociedades têm de adoptar, consoante se encontrem numa ou noutra das parcelas do território nacional.
Convém salientar que, pelo Decreto n.º 34562, compete à Inspecção de Seguros do Ministério das Finanças:
Emitir e fornecer pareceres ao Ministro do Ultramar quando uma sociedade com sede numa província pretenda exercer a actividade em todo o Império (§ único do artigo 7.º);
Fornecer uma declaração, no caso em que uma sociedade metropolitana pretenda exercer a actividade no ultramar, da qual deverá constar se a sociedade está em dia com as suas obrigações legais e se tem capacidade financeira para a extensão da actividade, industrial às províncias ultramarinas (n.º 1.º do artigo 24.º); Pronunciar-se sobre as tábuas de mortalidade, taxas de juro e respectivas cargas adoptadas no cálculo das reservas matemáticas de acidentes de trabalho correspondentes ao valor actual das pensões vincendas (artigo 13.º).

Está, portanto, admitido legalmente o precedente da intervenção da Inspecção de Seguros do Ministério das Finanças na actividade seguradora relativa ao ultramar. Mas a intervenção simultânea de órgãos fiscalizadores distintos e sem qualquer elo a coordenar a sua acção pode conduzir a critérios díspares.
Ora, os preceitos técnicos que regem a exploração da indústria de seguros são os mesmos, qualquer que seja o meio nacional e económico em que a empresa

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exerce a actividade, e não admitem diferenciações regionais, de tal forma que nenhum país pode gozar nesta matéria de completa autarcia.
Pelas razões expostas, estaria naturalmente indicado o estabelecimento de directrizes uniformes para a fiscalização da indústria de seguros em todo o território português, para o que se torna necessário alargar a competência da Inspecção de Seguros às províncias ultramarinas e adaptar a sua orgânica às novas funções.
Convém, contudo, adoptar de início um critério prudente e regimes intencionalmente simplificados que se coadunem com a expansão que tenha atingido o seguro nas diferentes províncias ultramarinas.
É, portanto, aconselhável para já adoptarem-se dois regimes orgânicos de fiscalização-um aplicável às províncias de Angola e de Moçambique, onde o seguro já atingiu um relativo desenvolvimento, outro às restantes províncias ultramarinas.
Assim, nas primeiras manter seriam os serviços próprios de fiscalização sob a orientação técnica da Inspecção de Seguros metropolitana, através do Ministério do Ultramar, ao passo que nas outras a fiscalização directa, limitada a aspectos meramente administrativos e tributários, segundo as directrizes do órgão fiscalizador metropolitano, conviria que fosse exercida pelo mesmo serviço, parecendo indicado para o efeito a Repartição de Fazenda, .sendo a fiscalização técnica efectuada indirectamente através de elementos a remeter à Inspecção de Seguros da metrópole.
Gradualmente, à medida que u desenvolvimento do seguro o justifique, poder-se-iam adaptar- a estas últimas províncias ultramarinas as normas estabelecidas para Angola e Moçambique.
Para assegurar o bom funcionamento dos serviços e garantir uma unidade de critérios, parece de sugerir que se adopte uma orgânica idêntica à estabelecida na Lei n.º 2042 sobre a organização do Serviço Meteorológico Nacional, que a experiência já demonstrou ser eficiente e não causar perturbações.
Nesta conformidade devia atribuir-se ao funcionário que superintende na metrópole nos serviços de seguros a mesma categoria nos Ministérios das Finanças e do Ultramar.
A expansão que o seguro alcançou desde 1929, data da criação da Inspecção de Seguros, a evolução da técnica seguradora, õ projectado alargamento do âmbito dos serviços de fiscalização da indústria e a experiência colhida durante os vinte e quatro anos do seu funcionamento evidenciam a conveniência da reforma dos serviços de fiscalização, adaptando-os às circunstâncias do presente.
Estas razões favorecem a ideia de que a fiscalização fique a cargo de um serviço distinto e, consequentemente, desintegrado da Inspecção-Geral de Crédito e Seguros, porque não se verifica, nem pelas funções que exercem nem pelos interesses que acautelam, qualquer conexão entre a fiscalização seguradora e a bancária.
Seria de encarar também, para assegurar a necessária coordenação da política seguradora, a criação de um Conselho Superior de Seguros, com a incumbência de informar o Governo, a título consultivo, sobre o condicionamento, a política tarifária e outros problemas gerais da indústria de seguros.
Este Conselho Superior de Seguros deveria ser composto por representantes do Estado, da indústria e por pessoas de reconhecida competência no domínio técnico e jurídico do seguro, nomeadamente por representantes dos Ministérios das Finanças, do Ultramar, dos Serviços de Fiscalização Técnica da Indústria e do Grémio dos Seguradores.

III) Legislação reguladora da orientação corporativa da indústria seguradora. Conveniência da extensão da competência do Grémio dos Seguradores os províncias ultramarinas.

17. A necessidade da uma associação onde se pudessem debater e estudar as soluções de problemas do seu interesse foi desde longa data desejo das sociedades de seguros.
No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 24 041, de 20 de Junho de 1934, que criou o Grémio dos Seguradores, criteriosamente se afirma:

À própria natureza da indústria de seguros exige a assoei n cão dos seguradores, o que, aliás, estes têm reconhecido.

E logo se acrescentava lucidamente:

Salvo raras excepções, estes (últimos organismos têm tido duração curta e eficácia quase nula, devido às bases insuficientes em que assentam.
Falta-lhes a estrutura jurídica, que só a legislação corporativa dá, e daqui resulta a impossibilidade da efectivação de sanções e de fiscalização,, eficazmente. Além disso a inscrição é voluntária e raras vezes se consegue a entrada no consórcio de i todas* as sociedade em actividade. Estas deficiências explicam o malogro das tentativas esboçadas lá fora e em Portugal.

No nosso país já em 1858, e não obstante a existência de uma associação mercantil para defesa dos interesses do comércio em geral, os seguradores marítimos da praça de Lisboa sentiram u necessidade de criarem unia associação própria com o fim de estudarem em comum assuntos inerentes à exploração do ramo. A esta associação aderiram em 1859 os seguradores, marítimos da praça- do Porto.
No primeiro quartel deste século outras tentativas de cooperação entre seguradores se verificaram, sobre a forma de acordos, .consórcios ou associações. Mas todas as agremiações instituídas pura esse efeito tiveram duração efémera.
Entre essas associações destaca-se, pelo relevo que alcançou, o Centro de Seguradores Portugueses, criado em 1919, que, todavia, nunca conseguiu realizar a necessária conjugação de esforços no sentido da resolução dos problemas com que a indústria se debatia.
Foram os seus dirigentes que, reconhecendo a impossibilidade de se alcançarem os objectivos almejados, se dirigiram em 29 de Novembro de 1933 ao Ministro das Finanças, solicitando-lhe a criação do Grémio da Indústria de Seguros, nos termos do Decreto n.º 23 049, de 23 de Setembro desse, mesmo ano. . Poucos meses depois o citado Decreto-Lei n.º 24 041 criava o Grémio dos Seguradores, para exercer a sua acção exclusivamente no plano nacional e no respeito absoluto dos interesses da fiação. São atribuições e fins do Grémio (artigo 4." do referido diploma legal), independentemente das atribuições gerais que o regimento das corporações lhe vier a conferir -, os seguintes:

a)Orientar e fiscalizar a indústria de seguros;
b)Fixar tarifas mínimas para os vários ramos;
c)Prestar informações aos associados;
d)Centralizar informações sobre segurados, agentes, angariadores e resseguradores;
e) Elaborar as estatísticas necessárias para que' a cálculo dos prémios assente, o mais possível, em bases positivas;
f) Promover por si ou com colaboração e auxílio de outros organismos corporativos a propaganda do seguro;

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g) Promover a melhoria de condições do pessoal das sociedade agremiadas, ajustando com os respectivos sindicatos nacionais contratos colectivos e trabalho, e cooperar na fundação progressiva de, instituições sindicais de previdência destinadas a se proteger o respectivo pessoal na doença, na invalidez e no desemprego involuntário e também garantir-lhe pensões de reforma.
§ único. As tarifas mínimas a que se refere a alínea ò) serão sujeitas à homologação do Ministro, das Finanças, depois de a .Inspecção de Seguros ter emitido o seu parecer.

As deliberações eram tomadas pela assembleia geral plenária ou pelas assembleias gerais de cada um dos ramos de seguro, sempre que o assunto respeitasse a qualquer, deles.
A direcção, assistida por um representante da Inspecção de Seguros, era o órgão a que competia dar cumprimento às resoluções tomadas. 1 A breve trecho esta organização, que impunha o recurso quase permanente a reuniões da assembleia geral, revelou-se, pela sua inevitável morosidade, inadequada para resolver com a urgência necessária os diferentes problemas de ordem técnica e de interpretação jurídico-seguradora que a utilização de tarifas mínimas e a adopção de apólices uniformes haviam feito surgir. Por isso, menos de dois anos decorridos sobre a promulgação do Decreto-Lei n.º 24 041 publicava-se o Decreto-Lei n.º 26 484, de 31 de Março de 1936, que, mantendo com pequenas alterações o primitivo âmbito de .acção do Grémio, criava novos órgãos de carácter deliberativo. ou consultivo, que a experiência aconselhava, destinados a aperfeiçoar a sua orgânica, e em ordem a uma mais perfeita consecução dos seus fins.
Assim, parte das funções deliberativas das assembleias gerais passavam a novos órgãos estatutários -o conselho geral e as comissões permanentes dos ramos -, aos quais competiam igualmente funções consultivas.
A direcção passava a ter, pela nova lei orgânica, a possibilidade de instalar* comissões técnicas ad hoc, sempre que a natureza especial do estudo de um assunto assim o aconselhasse.
As funções atribuídas pela primeira lei orgânica do Grémio ao representante da Inspecção de Seguros foram pelo decreto reformador, para vincar que as funções deste organismo corporativo são independentes das da Inspecção, confiadas a um delegado do Governo, dependente directamente dos Ministros das Finanças e do das Corporações e Previdência Social.
Os estatutos do Grémio encontram-se desactualizados, impondo-se uma reforma, que terá de ultrapassar a revisão já sugerida em 1945, num projecto apresentado à consideração do Ministro das Finanças.
A experiência colhida no decurso de dezanove anos da existência do Grémio evidenciou, na verdade, certas deficiências da sua lei orgânica, tornando-se necessário corrigi-las, definindo o âmbito da sua competência e proporcionando-lhe meios de acção mais eficientes para que possa realizar plenamente os seus fins.

18. Do interesse que ao Grémio dos Seguradores sempre mereceram os seguros no ultramar dá-se notícia em outros passos deste parecer; no entanto não pode deixar de referir-se aqui a instalação, em .Dezembro de 1949, de unia comissão denominada de (Assuntos Ultramarinos", de carácter meramente consultivo, cuja competência e funcionamento foram definidos pelas bases que a seguir se transcrevem:

A Comissão de Assuntos Ultramarinos do Grémio dos Seguradores é estabelecida de acordo com o n.º 4.º do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 26 484, de 31 de Março de 1936. Tem carácter transitório e pode ser remodelada ou extinta quando a experiência ou as circunstâncias o aconselhem.
A Comissão de Assuntos Ultramarinos compete pronunciar-se sobre os assuntos que pela direcção do Grémio lhe forem submetidos, dentro do âmbito definido pela sua designação, mas sem prejuízo de, por sua própria iniciativa, apresentar estudos e propostas à mesmo direcção, sempre que os interesses em causa o justifiquem.

Nada mais se podia fazer neste capítulo, consideradas as limitações legais & extensão da acção ' gremial aos territórios ultramarinos.
Apesar disso a Comissão de Assuntos Ultramarinos estudou os assuntos que lhe foram submetidos pela direcção do Grémio, resultantes de consultas de natureza técnica formuladas por muitas sociedades que exercem a actividade no ultramar e até, por sua própria iniciativa, pelo inspector de seguros de Moçambique.
A falta de competência territorial do Grémio, a que atrás se alude, impediu, porém, que algumas das soluções preconizadas fossem postas em prática.
A extensão da acção do Grémio às províncias ultramarinas, de que resultará surgirem múltiplos- e complexos problemas, implicará a alteração dos estatutos do Grémio, independentemente da já sugerida antes do conhecimento desta proposta de lei.
Fácil será ajustar, depois dos estudos necessários, as tarifas de prémios mínimos de alguns ramos às exigências das coberturas de novos riscos que ofereçam características especiais resultantes das regiões em que se encontrem. O mesmo se dirá quanto às condições contratuais.
A necessidade de um organismo orientador e coordenador da actividade seguradora no ultramar é posta em relevo no* relatório da Inspecção de Seguros de Moçambique relativo ao ano de 1951, de que se transcreve o seguinte passo:

Não há nesta província um grémio dos seguradores; certas funções indispensáveis que lhe seriam atribuídas têm de ser, por isso, desempenhadas por estes serviços. Entre essas funções, é da maior importância o estudo das tarifas a aplicar na província.

Este trecho suscita os seguintes comentários:
0 inspector de seguros de Moçambique reconhece as dificuldades que resultam de não existir naquela província um organismo corporativo, coordenador e orientador da actividade seguradora;
Parece admitir que essa falta poderia ser suprida por um grémio dos seguradores de acção restrita à província; e
Considerou que os serviços de fiscalização poderiam substituir-se ao organismo corporativo, inexistente, para o fim de estudar e aplicar tarifas.
Ora, a criação d" um grémio local, portanto' de competência territorial limitada, só viria agravar os inconvenientes hoje verificados quanto à falta de coordenação entre as actividades seguradoras metropolitana e ultramarina.
Por outro lado, a competência para elaborar apólices e fixar tarifas pertence exclusivamente ao organismo corporativo da indústria, e, por isso, os Serviços de Fiscalização Técnica de Moçambique, ao assumirem tais funções foram além das suas atribuições.
A falta de extensão territorial ao ultramar da acção do Grémio dos Seguradores levou o legislador, nos Portarias n.º 7 895 (Angola) e 7 643 (Moçambique), a estabelecer o princípio de que as tarifas a fixar naquelas províncias não podem ser inferiores às elaboradas pelo

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ACTAS DA CAMARÁ CORPORATIVA N.º 2 112

Grémio dos Seguradores, cuja autoridade técnica certamente foi considerada ao determinar-se essa obrigatoriedade.
Mas mesmo esta solução de emergência pode, na sua realização prática, sofrer perigoso desvio, porque .se conferem a uma entidade oficial, com todos os gravíssimos inconvenientes que nem vale a pena referir, poderes discricionários para, nos casos omissos especiais, fixar ou alterar prémios, matéria esta de natureza técnico--seguradora e também de natureza comercial.
Todos esses inconvenientes se anularão com a atribuição ao Grémio dos Seguradores das funções que lhe são próprias, quando for possível alargar' a sua acção a todo o território nacional.
O constante progresso da rapidez das comunicações entre a metrópole e os territórios ultramarinos veio atenuar e em muitos casos reduzir consideravelmente os inconvenientes que resultariam de demoras no envio de instruções ou troca de pareceres que num regime de coordenação perfeita serão frequentes e normais.
No entanto, a extensão da acção do Grémio ao ultramar deve ser feita progressivamente e só à medida que as circunstâncias locais o permitam e deve encarar-se a necessidade de se dotarem na organização futura as duas maiores províncias ultramarinas - Angola e Moçambique - com organismos de seguradores capazes de atenderem consultas de carácter interpretativo e resolverem, embora a título transitório, os casos omissos que poderão surgir.
Estas razões, aliadas à importância económica dos riscos existentes nestas duas províncias e ao crescente desenvolvimento da actividade seguradora local, aconselham, na verdade, o estabelecimento de secções ultramarinas do Grémio dos Seguradores em Luanda e Lourenço Marques.
A nova lei orgânica do Grémio terá de discriminar a competência e funções destas extensões a Angola e Moçambique e, bem assim, qual o sistema adequado à acção gremial nas outras províncias e no Estado da índia, que é de supor não justifiquem a necessidade, pelo menos de momento, da instalação de tais secções.

19. São estas as observações que à Câmara Corporativa se oferece formular sobre a proposta de lei do Governo.
A Câmara entende acrescentar que quando se tratar da execução da lei, no caso de esta vir a ser aprovada
pela Assembleia Nacional, as medidas legislativas que haja de publicar deverão, quanto ao ultramar, ter em conta o princípio da especialidade das ordens jurídicas ultramarinas, que, apesar de já atenuado, ainda se mantém. em vigor, convindo ainda observar-se o princípio de que é ao Ministro do Ultramar que compete tornar extensiva às .províncias ultramarinas a legislação publicado paru a metrópole.

III

Conclusões

A Câmara Corporativa entende ser de aprovar a proposta de lei em apreciação, sugerindo para. as suas bases a seguinte redacção, consequente das considerações produzidas no decorrer deste parecer.

BASE I

Através dos Ministérios das Finanças e do Ultramar estabelecer-se-ão as medidas adequadas à coordenação do mercado de seguros da metrópole e das províncias ultramarinas respeitando as características especiais de cada uma delas.

BASE II

Os serviços de fiscalização técnica da actividade seguradora do Ministério das Finanças estenderão a sua competência ao ultramar através do respectivo Ministério.

BASE III

Os estatutos do Grémio dos Seguradores serão reformados, e a sua acção
estender-se-á a todo o território nacional.

Palácio de s. Bento, em 11 de Janeiro de 1954.

João Baptista de Araújo.
Júlio César da. Silva Gonçalves.
António Rafael Soares.
Albano Rodrigues de Oliveira.
Francisco Monteiro Grilo.
Joaquim Moreira da Silva Cunha.
Vasco Lopes Alves.
Fernando Quintanilha e Mendonça Dias.
Henrique José Quirino da Fonseca, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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