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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA

N.°26 VI LEGISLATURA 11 DE JANEIRO 1955

REUNIÃO PLENÁRIA N.° 3, EM 10 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Marcelo Caetano

Secretários: Ex.mos Srs.:
Manuel Alberto Andrade e Sousa
Tomás de Aquino da Silva

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão ia 15 horas e 30 minutos

Antes da ordem do dia. - Foi lida e aprovada, a acta da última reunido plenária.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que o Sr. Presidente do Conselho tinha dirigido à Câmara, os seus cumprimentos.

Ordem do dia. - Foi lida a acta da primeira sessão da Câmara Corporativa.
Usaram da palavra., comemorando o 30.º aniversário da Câmara, além do Sr. Presidente, os Dignos Procuradores Abílio Lagoas, José Pires Cardoso, Samuel Dinis o Afonso Rodrigues Queira.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 17 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Dignos Procuradores:

Abílio Lagoas.
Adolfo Alves Pereira de Andrade.
Adolfo Pinho Ribeiro.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queiró.
Albano Rodrigues de Oliveira.
Alberto Ventura da Silva Pinto.
Alexandre de Almeida.
Álvaro Matos Porfírio.
Álvaro Salvação Barreto.
Amândio Joaquim Tavares.
António Aires Ferreira.
António Alves Martins Júnior.
António Avelino Gonçalves.
António Carlos de Sousa.
António do Carvalho Xerez.
António da Cruz Vieira e Brito.
António Faria Carneiro Pacheco.
António Maria Santos da Cunha.
António Martins Morais.
António Mendes Gonçalves.
António Monteiro de Albuquerque.
António Passos Oliveira Valença.
António Pereira de Torres Fevereiro.
António Rafael Soares.
António da Silva Rego.
António Trigo de Morais.
Artur Elviro de Moura Coutinho de Almeida de Eça.
Augusto de Castro.
Augusto dos Santos Pinto.
Carlos Afonso d'Azevedo Cruz de Chaby.
Carlos Garcia Alves.
Celestino Marques Pereira.
Domingos da Costa e Silva.
Fernando Carlos da- Costa.
Fernando Emygdio da Silva.
Fernando Pais de Almeida e Silva.
Fernando Prata Rebelo de Lima.
Fernando Quintanilha Mendonça Dias.
Francisco de Barras.
Francisco Marques.
Francisco Monteiro Grilo.
Francisco de Paula Leite Pinto.

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Francisco Pereira da Fonseca.
Frederico da Conceição Costa.
Frederico Gorjão Henriques.
Frederico Jorge Oom.
Guilherme Augusto Tomás.
Guilherme Braga da Cruz.
Guilherme Lobo Nunes de Matos.
Henrique José Quirino da Fonseca.
Inácio Peres Fernandes.
Inocêncio Galvão Teles.
João António Simões de Almeida.
João Baptista de Araújo.
João de Figueiredo Cabral de Mascarenhas.
João Pedro Neves Clara.
João Pires Andrade.
João Ubach Chaves.
Joaquim Ferreira Pinto.
Joaquim Moreira da Silva Cunha.
José Albino Machado Vaz.
José António Ferreira Barbosa.
José Augusto Vaz Pinto.
José Caeiro da Mata.
José Casqueiro Belo de Morais.
José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich.
José Gabriel Pinto Coelho.
José Gonçalo Correia de Oliveira.
José Gonçalves Araújo Novo.
José Lopes Ramos.
José Maria Dias Fidalgo.
José Monteiro Júnior.
José do Nascimento Ferreira Dias Júnior.
José Penalva Franco Frazão.
José Pires Cardoso.
José de Queirós Vaz Guedes.
José Rino de Avelar Fróis.
José da Silva Murteira Corado.
José Viana Correia Guedes.
Josino da Costa.
Júlio César da Silva Gonçalves.
Júlio da Cruz Ramos.
Júlio Dantas.
Luís José de Pina Guimarães.
Luís Manuel Fragoso Fernandes.
Luís Quartin Graça.
Luís Supico Pinto.
Manuel Alberto Andrade e Sousa.
Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcelos.
Manuel António Fernandes.
Manuel Augusto José de Melo.
Manuel da Cruz Parracho.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Manuel Fernandes de Carvalho.
Manuel Lopes Peixoto.
Manuel das Neves.
Manuel Pinto de Oliveira.
Marcelo José das Neves Alves Caetano.
D. Maria Joana Mendes Leal.
Mário Gonçalves.
Mário Luís de Sampaio Ribeiro.
Mário da Silva d'Avila.
Olímpio Duarte Alves.
Orlando Ferreira Gonçalves.
Patrício de Sousa Cecílio.
Pedro Vítor Pinto Vicente.
Quirino dos Santos Mealha.
Reinaldo dos Santos.
Samwel Dinis.
Serafim Lourenço.
Tomás de Aquino da Silva.
Vasco Lopes Alves.
Virgílio Preto.
Zacarias do Vale Peixoto.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 115 Dignos Procuradores.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura da acta da última reunião plenária.

Foi lida.

O Sr. Presidente - Está em discussão, bem como as Actas em quo foi impresso o relato desenvolvido.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto ninguém pedir a palavra, considero-as aprovadas.
Vai ler-se o seguinte:

Expediente

Telegramas

Nome Assembleia Nacional meu próprio envio V. Ex.ª sinceras felicitações 20.º aniversário Câmara Corporativa reconhecendo seu patriótico esforço durante esse lapso tempo para integrar este órgão Estado Novo conjunto instituições deverão ser garantia continuidade política Revolução Nacional. - Presidente Assembleia Nacional, Albino dos Reis.

Sentindo muito minha ausência de Lisboa impeça assistir sessão comemorativa associo-me efusivamente- manifestações todos Dignos Procuradores e saúdo Câmara nu pessoa seu ilustre Presidente. Melhores cumprimentos. - Paulo Cunha.

Aproveitando a feliz oportunidade da comemoração do 20.º aniversário da Câmara Corporativa, tenho a honra de apresentar a V. Ex.ª, como seu ilustre Presidente, cuja actuação tem sido reconhecidamente tão notável, e aos Dignos Procuradores os meus melhores cumprimentos e votos por que a ilustre Câmara continue como até agora prestando os mais assinalados serviços u Nação Portuguesa, nu inspiração e desenvolvimento da ideia corporativa. - Ministro das Corporações.

Excelência: Governadores distritos autónomos Açores têm honra apresentar respeitosos cumprimentos V. Ex.ª saudando Ex.ma Câmara Corporativa seu 20.º aniversário valioso trabalho engrandecimento Portugal. - Sousa Mendes - Botelho Paiva - Freitas Pimentel.

Impossibilitado comparecer por doença saúdo em V. Ex.ª Câmara Corporativa prestando homenagem seu trabalho anterior e fazendo votos possa prestar administração País cada vez maior concurso através seus pareceres. - Gonçalves da Cunha.

Ex.mo Presidente da Câmara Corporativa - Lisboa: Surpreendido pela impossibilidade que muito me contraria de estar presente sessão solene que se realiza amanhã venho rogar V. Ex.ª releve rainha falta só cometida, por imperiosos motivos pois nada me seria mais grato e honroso do que comparticipar no acto comemorativo uma data tão alto significado no ressurgimento nacional pela assinalada projecção que nele leve Câmara distintíssima Presidência V. Ex.ª Se não

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estou presente pessoalmente estarei em espírito vivendo mesmos sentimentos que a todos anima nesse momento. Aproveito ensejo apresentar-lhe respeitosos cumprimentos. - António Bettencourt Sardinha.

Por motivo continuação falta saúde lamento impossibilidade comparecer sessão Câmara Corporativa próximo dia 10 rogando favor apresentar minhas respeitosas saudações ilustre Presidente dessa Câmara. Cordeais cumprimentos. - António Calem.

Impossibilitado assistiu sessão Câmara digna presidência V. Ex.ª envio os meus mais sinceros e respeitosos cumprimentos de saudação e homenagem. - Banha da Silva.

Associando-me jubilosamente aniversário Câmara Corporativa justa homenagem seu primeiro Presidente saúdo efusivamente na mui ilustre prestigiosa pessoa V. Ex.ª toda tive operosa sábia Câmara tive imerecida honra servir duas legislaturas. - Corte Real Amaral.

Como antigo Procurador desejo associar-me ás justas cerimónias comemorativas do 520.º aniversário da Câmara Corporativa da ilustre presidência de V. Ex.ª - Engenheiro Mário Borges.

Saudando V. Ex.ª e essa Ex.ma Câmara seu 20.º aniversário gostosamente me associo homenagens prestadas seu saudoso Presidente General Eduardo Marques. Respeitosos cumprimentos. - Rodolfo Ventura Teixeira.

Em nome da Associação Industrial Portuense apresento a V. Ex.ª felicitações pela passagem do 20.º aniversário do organismo da ilustre presidência V. Ex.ª cujos trabalhos do decurso destas décadas muito contribuíram para solução de importantes problemas nacionais. - O Presidente da Direcção, Engenheiro Mário Borges.

Federação Nacional dos Produtores de Trigo que se honra ter assento

A direcção Sindicato Nacional Operários Indústria Conservas Distrito Porto sede Matosinhos felicita V. Ex.º e Ex.mos Srs. Procuradores pelo 20.º aniversário fundação dessa Câmara. - Joaquim Vitorino Júnior, presidente.

A direcção do Sindicato Nacional dos Construtores Civis felicita V. Ex.ª pele 20.° aniversário da fundação da Câmara Corporativa.

Os dirigentes o administradores da Revista Oficial dos Construtores Civis Portugueses sucessores legítimos dos mestres da nobre escola de Avis saúdam V. Ex.ª na exaltação do momento comemorativo do 20.° aniversário da Câmara Corporativa.

Assembleia geral Sindicato Nacional Jornalistas reunida dia vigésimo aniversário Câmara Corporativa resolveu aclamação saudar calorosamente V. Ex.ª que como insigne Presidente tem pugnado mais completa eficiência essa Câmara tão expressivamente prestigiada vossa superior direcção. Peço lhe aceite expressão meus sentimentos pessoais maior homenagem. Luís Teixeira, presidente assembleia geral.

O Sr. Presidente: - S. Ex.ª o Presidente do Conselho dirigiu à Câmara os seus cumprimentos, pedindo que transmita aos Dignos Procuradores os seus agradecimentos pela colaboração prestada.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Algum de VV. Ex.as deseja usar da palavra antes da ordem do dia?

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como ninguém deseja usar da palavra, vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Como VV. Ex.ª sabem, a ordem do dia é a comemoração do 20.º aniversário da Câmara Corporativa.
Vai ser lida a acta da primeira sessão desta Câmara, realizada em 10 de Janeiro de 1035.

Foi lida na Mesa.

O Sr. Presidente: - Darei a palavra aos Dignos Procuradores que desejem pronunciar-se sobre a ordem do dia.

O Sr. Abílio Lagoas: - Peço a palavra!

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Abílio Lagoas: - Sr. Presidente da Câmara Corporativa e Dignos Procuradores: pela primeira vez tenho a honra de falar nesta Câmara; as minhas primeiras palavras são para apresentar a V. Ex.ª as minhas saudações e as mais respeitosas homenagens.
Há muito que V. Ex.ª se impôs ao meu respeito pelas suas qualidades de carácter e de inteligência, conceito que mais se radicou no meu espírito com a minha entrada para esta Câmara, como seu mais modesto componente, e me possibilitou a apreciação directa de quanto são merecidas as elogiosas referências que a V. Ex.ª são feitas por tudo o País e quanto esta Câmara é prestigiada com a elevada orientação de V. Ex.ª nas suas altas funções.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-A VV. Ex.as, Dignos Procuradores, apresento os meus respeitosos cumprimentos.
Sr. Presidente: em boa hora decidiu a Mesa comemorar os primeiros vinte anos de existência desta Câmara, já que, em meu entender, este vinténio de labor fecundo e digno há-de ficar na historiados nossos tempos como sinal iniludível das virtudes do sistema e de honradez dos homens que o servem. E, pois, com todo o meu entusiasmo que eu a felicito pela sua louvável iniciativa, que merece o reconhecimento de todos nós. Nesta sessão evocativa permitir-me-á V. Ex.ª que eu recorde um pouco da história ligada à participação das organizações de patronato comercial na nossa orgânica corporativa. A história ainda é, em meu entender, grande e rica fonte de ensinamentos para o futuro.
Quando, em 10 de Janeiro de 1935, se reuniu esta Câmara pela primeira vez vivia-se então em alto momento de entusiasmo pelo corporativismo.
A Nação, cansada de uma economia desregradamente individualista, recebeu com esperança, em 1933, os diplomas fundamentais da nova organização que lhe prometiam uma economia baseada na iniciativa privada, mas dirigindo-se a si própria, através dos vários graus da organização corporativa.

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O Decreto-Lei n.º 23 049 fixa as bases em que as entidades patronais se hão-de integrar no novo esquema das actividades da Nação, e, se é certo que, pouco depois, o então Subsecretário de Estado das Corporações - e que foi também Digno Procurador nesta Câmara, o Dr. Teotónio Pereira - afirmou não serem os grémios previstos nesse decreto «norma corrente, ou, melhor, não constituírem a fórmula de organização com base facultativa que poderemos considerar no campo patronal a sucessora da associação de classe», também é certo que o Governo se apressou a publicar, logo em 23 de Dezembro de 1934, o Decreto-Lei n.º 24 715, no qual foram fixadas as bases da organização patronal em moldes facultativos.
Foram estes grémios os que, melhor correspondendo à essência do nosso corporativismo de associação, deram a garantia da independência das várias categorias económicas, em face da intervenção forçada do Estado, que, em relação aos grémios obrigatórios, e ainda no dizer do Dr. Teotónio Pereira, foi apenas «remédio heróico para grandes males», mas que, por isso mesmo, não se verificará em estados de economia saudável.
E foi na linha desta orientação que o Decreto-Lei n.º 29 232, de 8 de Dezembro de 1938, regulou a integração das associações de classe patronais então existentes na organização corporativa. À sombra deste diploma se transformaram em grémios e uniões as associações comerciais de todo o País. Dele nasceram as uniões de grémios de lojistas, de uma das quais me honro de ser presidente desde a sua fundação.
O Decreto-Lei n.º 29 931, de 15 de Setembro de 1939, determinou a comparticipação obrigatória de todas as empresas abrangidas pela organização facultativa nas despesas dessa mesma organização.
Finalmente, o Decreto-Lei n.º 31 970, de 13 de Abril de 1942, permitiu a constituição de grémios de comércio misto nos concelhos onde não existissem associações de classe patronais, de modo a completar, por tal forma, a rede nacional da organização.
Esta é a ligeira e resumida história da marcha da legislação relativa à integração das actividades patronais na organização corporativa portuguesa.
Se este é o passado, qual será o valor do presente e quem poderá adivinhar o futuro?
Há, todavia, certos princípios que convém recordar, para deles tirarmos certezas ou, pelo menos, esperanças para os tempos que hão-de vir.
Sr. Presidente: a profissão é um grupo social extenso, nascido já do espírito de organização do homem, e nisso se distingue dos grupos primários, nos quais predomina a espontaneidade da estruturação.
Se o bem comum é o conjunto de condições materiais e espirituais indispensáveis à plena realização do homem em sociedade, a profissão é elemento fundamental desse bem comum, em qualquer sociedade equilibrada.
A nossa organização política, adoptando, na base, um corporativismo integral, assenta na subordinação de todas as actividades económicas, morais e espirituais ao bem comum. E entende que a definição desse bem comum há-de provir de duas fontes: uma diferenciada e técnica - a Câmara Corporativa; outra indiferenciada e política - a Assembleia Nacional.
O grau de intervenção destes dois órgãos na definição do bem comum tem sido objecto de receios, se não de hesitações.
No que respeita à Câmara Corporativa, começou por ser simples órgão de consulta na feitura das leis, para ascender gradualmente à categoria de conselheiro técnico do Governo, até, em condições especiais, lhe serem outorgados poderes de iniciativa legislativa.
Pondo de parte a questão de saber se a Câmara deve ou não ocupar, num futuro mais ou menos próximo, o papel de «organismo corporativo supremo» ou de«super-corporação», encarregada de estabelecer a harmonia entre os interesses das várias corporações, parece estar no pensamento de todos os grandes responsáveis pelo desenvolvimento dos princípios corporativos entre nós que há-de ser-lhe dada plena e livre intervenção na feitura das leis e na sua propositura.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Já o Venerando Chefe do Estado ao abrir solenemente a VI Legislatura afirmou:

O desenvolvimento, se não o complemento da organização na base e a formação de associações intermediárias, vai permitir que, em futuro não distante, se instituam as corporações, sejam quais forem as dificuldades de no respeitante a alguns sectores da produção, compartimentar em grupos diferenciados a complexa trama da vida económica.
Então a Câmara Corporativa tomará a sua feição definitiva e o ultramar entrará logicamente com a sua representação.

E o Sr. Presidente do Conselho afirmou também recentemente que

A Câmara Corporativa aguarda, para completar a sua evolução, que se constituam as corporações.

Em 26 de Novembro último, ao iniciar os trabalhos da sessão, afirmou V. Ex.ª, Sr. Presidente:

O aproveitamento mais assíduo da Câmara Corporativa no trabalho legislativo faz parte das intenções já manifestadas pelo Sr. Presidente do Conselho, e por isso estou certo de que não tardará a verificar-se.

Finalmente, é bem sabido que os serviços do Ministério das Corporações, sob a direcção do seu ilustre titular, estudam com o maior empenho as bases que hão-de levar, em período breve, ao aparecimento das corporações.
Completar-se-á então o ciclo evolutivo desta Câmara.
Não poderá falar-se mais em luta de interesses individuais, nem de interesses de empresas, nem mesmo de corporações, já que o sistema tem meios próprios de os harmonizar no bem comum.
E as actividades comerciais que represento, colocadas precisamente na linha divisória de distribuição e de consumo, ligadas, por um lado, à produção e seus intermediários e, por outro, à multidão dos consumidores, essas actividades verão enfim colocados os seus direitos no lugar que lhes pertence neste conjunto harmónico das formas de vida da Nação.
Posso garantir a V. Ex.ª que todas as actividades comerciais que represento aguardam com ansiedade esse final de evolução e, em nome deles, garanto o mais firme apoio a todas as medidas que nesse sentido venham a ser tomadas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Dignos Procuradores: ao completarem-se vinte anos de trabalho desta Câmara podemos lançar um olhar para o passado e recolher, com orgulho, uma lição de desinteresse, de honradez, de amor da Pátria, deixado por tantas e tão ilustres figuras de bons e leais portugueses que ocuparam os lugares que nos foram entregues.

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O meu pensamento e o meu maior preito de homenagem vão para os primeiros Procuradores, que, sob a presidência esclarecida e ilustre do general Eduardo Augusto Marques, homem de bem, chefe prestigioso e culto, coração bondoso, do mais nobre e fino trato, tiraram da sua inteligência e do seu coração as normas de trabalho e os princípios de vida que se têm transmitido ao longo de duas dezenas de anos.
A tradição de desassombro, de estudo sério e profundo, do amor da Pátria acima de todas as forças e todos os sacrifícios foi-nos legada por esse escol magnífico e impõe-se a nós e a todos os que, depois de nós, vierem tomar em suas mãos esta herança sagrada.
V. Ex.ª, Sr. Presidente, e VV. Ex.ªs, Dignos Procuradores, continuam a manter essa tradição com as virtudes e qualidades que ornamentam as ilustres pessoas de VV. Ex.ªs Que Deus os ajude.
Evoco, respeitoso, todos os que, ausentes de nós para a eternidade, continuam presentes pelo espírito e pelo exemplo.
Quero, finalmente, que as minhas últimas palavras sejam de fé inquebrantável e viva no futuro da organização corporativa e nos destinos gloriosos da Nação a que, por graças de Deus, nos honramos de pertencer e fé inquebrantável na governação do Venerando Chefe do Estado e de Salazar.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos gerais.

O Sr. Pires Cardoso: - Usando pela primeira vez da palavra numa sessão plenária cumpro gostosamente o dever de saudar toda a Câmara, na pessoa do seu prestigioso Presidente, que com tão lúcida inteligência e tão alto aprumo vem presidindo aos seus destinos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para não fugir à regra do processo de trabalho da Câmara, na base de pareceres escritos, poderei dizer que me encontro, nesta sessão comemorativa, como que na posição de relator de um parecer acerca do panorama actual do Corporativismo português e de um dos seus mais momentosos problemas: a instituição de corporações.
Vou submeter, pois, o parecer, que elaborei, à consideração, ao exame e à crítica dos Dignos Procuradores, penitenciando-me desde já por ter sido, com certeza, mais longo do que desejava, o que me força a abusar em demasia da vossa paciência. Será caso para disser, como Vieira, que me faltou o tempo para ser mais breve.
Sr. Presidente: o aniversário da Câmara não pode deixai* de julgar-se ocasião ajustada para algumas reflexões à volta do nosso panorama corporativo e sobre um ou outro dos seus mais instantes problemas.
Adiantarei ainda: este aniversário suscita mesmo a obrigação de o fazer, a tal ponto seria estranho que, havendo tão poucas oportunidades como esta, a deixássemos passar sem uma afirmação de interesse pelo «facto corporativo». É não faltam, aqui, algumas questões de flagrante actualidade, que podem centrar-se na linha das grandes preocupações do momento português.
Está dito tão pouco, e há tanto a dizer, acerca da ideia corporativa e da sua mitigada realização entre nós, que tem de considerar-se benéfico quanto seja aproveitar os sucessos de certo relevo para chamar ao terreiro da discussão todos aqueles que possam trazer-nos qualquer útil contributo, por pequeno que seja.
Urge, na realidade, concitar, por todos os meios possíveis e adequados, o depoimento de tantos que sabemos interessarem-se pela empresa corporativa e tenham algo u dizer em qualquer dos seus múltiplos aspectos. E, se queremos evitar que esses permaneçam calados, há que proporcionar-lhes o ensejo de exteriozarem o seu pensamento, até mesmo criar o conjunto de circunstâncias que anule as possibilidades de abstenção e force benfazejamente ao voto ambicionado.
De outro modo, vamos ficando todos como que à espera uns dos outros, sem nos darmos conta de que o silêncio de cada um é convite e amparo ao retraimento de terceiros. Vamos ficando todos numa estranha espectativa onde pode haver de tudo - falta de tempo, comodidade ou cepticismo -, mas existe, com certeza, um vírus a instalar-se em corpo que não reage e o vai corroendo não se sabe até onde nem até quando.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E nem sequer poderá afirmar-se que os corporativistas recusem ostensivamente a sua quota-parte de esforço e se proponham apenas concorrer com a sua indiferença. Muito ao contrário, não é raro deparar-se com uma ânsia de ideal corporativo, com o fremente desejo de seguir para a frente, com a crítica acerba ao que se não faz, com a desilusão revoltada. E nota-se, até, o germe corporativo a brotar espontaneamente em alguns sectores das actividades nacionais - sinal consolador, a dar-nos bem a medida de que o Corporativismo é ainda uma ideia viva, embora de certo modo represada.
Chega-se às vezes a ter a impressão, ao tomar contacto com certos espíritos, de que eles respiram uma atmosfera carregada de gás explosivo e só aguardam, para deflagrar, que se acenda um rastilho.
E, se assim acontece, por um lado, também não falta, por outro, uma franca ajuda vinda de cima.
Fez há pouco seis anos que o Presidente do Conselho afirmou peremptoriamente: a O regime não tem de destruir-se, tem de completar a sua evolução» («O meu depoimento», 7 de Janeiro de 1949); e vai já para dois anos que, mais desenvolvidamente - no seu notabilíssimo discurso de 10 de Julho de 1953 -, nos deu a sua palavra de ordem em termos que não podiam ser mais firmes nem mais estimulantes:

É, pois, tempo de reacender o antigo fogo e continuar o caminho. Faltaríamos a um grande dever e até a uma boa oportunidade se, lançadas as bases do plano económico, não aproveitássemos os próximos anos para simultaneamente levar por diante a cruzada corporativa.

Houve por aí um certo estremecimento quando se ouviram ou leram declarações tão repassadas de incentivo e categóricas de fé. E era de supor que a esse estremecimento haveria de seguir-se uma saudável agitação corporativa.
Não sucedeu assim, e tudo resvalou novamente para esse autêntico amar de sargaço», de onde não temos querido descortinar a saída, mas que forçoso é encontrá-la.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Eu sei - e sabem-no muitos - que esta situação melindrosa tem origens profundas e diversas. Não é meu desígnio tentar dissecá-las agora, mas não me dispensarei de tocar rapidamente numa daquelas que se me afiguram mais relevantes.
Quero referir-me à característica de movimento que está na íntima essência do fenómeno corporativo: se há ideia inconciliável com a paragem, se há ideal

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que se alimente da acção e viva em anseio permanente de reformas, essa ideia e esse ideal estuo lia substância do próprio Corporativismo.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Reformas da ordem social e moral, reformas da estrutura económica o política, tudo são exigências prementes do Corporativismo. De tal maneira ele vive colado a essas amplas reformas exigidas e postuladas, que, paralisar a sua marcha, ou mesmo afrouxá-la, é tirar-lhe a própria seiva que o vitaliza e cavar-lhe a sepultura a prazo mais ou menos distante.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Por isso, ao querermos investigar o problema crucial do momento, parece ressaltar à evidência que ele reside essencialmente em «vencer a inércia», vencer essa insidiosa força que tem a particularidade singular de actuar fortemente sem que lhe sintamos o peso, essa força traiçoeira que só nos revela o seu poder pelos efeitos de desgaste que produz, e tantas vezes quando é já tarde demais.
Vencer a inércia, pois. Mas como? É esse o corolário imediato.
Aqui as opiniões poderão dividir-se, como é natural. Mas, para o meu singelo discernimento, não vejo que o arranque possa lançar-se sem um grande acontecimento, criador 'de um estado de alma inclinado ao entusiasmo, galvanizador de energias e de vontades, estimulante do pensamento e da acção.
E surge sucessivamente um novo corolário, onde mais uma vez poderão divergir os pareceres: qual esse grande acontecimento?
Pela minha parte - examinado e ponderado o nosso condicionalismo actual, no domínio corporativo - não vejo outro que não seja a instauração de corporações.
Primeiro, porque criar a corporação significa por si só a existência de um corporativismo que, doutrinária mente, vimos proclamando de há muito,. mas que ainda não conseguimos traduzir totalmente nos factos. Depois, porque só então, e ao cabo de um funcionamento prolongado, poderemos aferir conscienciosamente das vantagens práticas do regime corporativo, confirmando e acrescentando os resultados até agora obtidos.
Ensaiar o sistema, na sua natural plenitude, e como que tirar a prova a uma conta que tivéssemos feito, sem a perfeita consciência de estar certa ou errada.
Os cautelosos dirão que o perigo é esse exactamente. - verificar-se que a conta está errada - e prefeririam manter indefinidamente as meias tintas em que vegetamos, este ser e não ser que permite todos as transigências, todas as anomalias, todos os desvios, que autoriza até a contentarem-se com um Corporativismo de Estado aqueles que suo fervorosos defensores de um verdadeira Corporativismo de Associação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
Aplausos Gerais.

O Orador: - Outros - mais decididos - entram na querela dispostos a arriscar o todo pelo todo, mesmo sob a cominação de atirar o regime para a falência.
Entre as duas, diametralmente opostas, porque atitude deveremos optar?
A minha resposta a semelhante pergunta não será novidade para ninguém, porque desde sempre tenho tomado posição declarada sobre o problema. Mas não basta tê-la; é preciso merecê-la.
Aliás, nem interessa ao caso que seja eu ou qualquer outro a eleger - uma das atitudes ou a contrária. Interessa, sim, aquilatar dos fundamentos mais sólidos ou frágeis em que essa atitude se alicerça e das consequências mais ou menos perigosas que daí resultam.
Encarada a questão mesta base de objectividade, vejamos como as coisas se passam a respeito das duas posições consideradas.
A primeira atitude -mais cautelosa- tem o seu fundamento essencial no receio de um desaire, adiando preferível manter um statu quo incolor e duvidoso a correr o risco de se perder aquele pouco que já existe e tanto custou a alcançar. Não pode negar-se que haja aqui um fundamento atendível, ao menos aparentemente.
E só aparentemente atendível, porque a vida de um regime assim concebido é não só frágil por natureza, mas principalmente isenta dos condições mínimas para se manter duradouramente e perdurar. Isto porque semelhante situação gera fatalmente o desânimo e o desinteresse, dado que existe alguma coisa que não serve totalmente porque não está acabada e que, se, afinal, não se acaba, é porque realmente não deve servir.
Calcula-se facilmente o estado de espírito que uma situação destas desencadeia, se repararmos bem aio que se está passando hoje sob os nossos olhos: o momento português é bem o reflexo da causa .profunda que estamos denunciando.
Um sistema que fica a meio termo na realização e na finalidade está logo exautorado por si mesmo, desacredita-se um declive escorregadio e vai-se submergindo aos poucos. Cai-se, afinal, naquilo que se pretendia evitar.
Tudo se reduz sumariamente ao seguinte esquema: não desejar um risco incerto, com a instauração de corporações, para cair no risco certo de condenar o regime ao insucesso, embora a prazo mais largo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É este o grande erro ou o contra-senso. E por isso não outorgamos a esta atitude um fundamento sério.
A segunda posição, daqueles mais decididos que jogam o todo pelo todo, pode à primeira vista ter o seu quanto de imprudência ou de impulso irreflectido. Mas os princípios que a norteiam, se radicam na coragem e num certo desprezo pela tranquilidade, têm raízes ainda mais assentes na calma reflexão e no senso das realidades.
Antes de tudo, repare-se que esta atitude mental perante o problema da Corporação tem, pelo menos, a virtude da coerência e da clareza: se somos corporativistas, não podemos satisfazer-nos com simples arremedos de organização corporativa, por enquanto de teor quase sindicalista. É que falta exactamente esse traço corporativo autêntico, que consiste na integração e coordenação de todos os organismos exclusivos existentes, em grandes corpos articulados, que fundam, num interesse comum e mais alto, todos os interesses parcelares e estruturalmente egoístas que participam numa grande actividade nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Clareza e coerência ainda, quando, traçado um rumo e fixado um objectivo definido, se avança resolutamente para ele, com firmeza que não exclua os cuidados requeridos, e com aquele sentido do prevenção que descobre ao longe os precipícios, para que se possam, a tempo, suprimir ou ladear.
Note-se também, e agora em raciocínio absolutamente frio, que, não dar o passo decisivo para a corporação,

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o mesmo é que cometer o enorme contra-senso de pugnar por um Corporativismo de Associação -hoje podo dizer-se unanimemente proclamado e defendido - e transigir, afinal, com uma situação definitiva de Corporativismo de Estudo. Pois, como é possível, a um regime onde falta o órgão corporativo por excelência, comandar-se por si próprio, disciplinar as suas respectivas actividades, autodirigir-se, dispensando casa força externa que é o comando, a disciplina, a direcção do Estado? Como é possível, a uma organização incipientemente corporativa, sem o seu órgão hierárquico superior, dispensar a intervenção directa do Estado, por meio de organismos de coordenação económica, como os que possuímos, ou mediante outra qualquer fórmula de tipo estadual?
Para sermos lógicos, haveríamos então de confessar-nos sustentáculos de uma forma híbrida do Corporativismo, duma espoei e de sistema misto, corporativo-so-cialista, que mais rigorosamente deverá denominar-se socialismo corporativo; isto porque é essencialmente socialista o principio de que parte, e só é corporativo o instrumento de que se serve.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Mas, com todo este absurdo de misturar sistemas inconciliáveis, quem se colocasse nessa posição, ao meios teria o mérito de aceitar unia coisa que defendia, e não poderiam acusá-lo de falsear as suas próprias convicções.
Para aquele, pois, que não tenha em mira um Corporativismo de Estado, só pode haver uma atitude legítima e coerente: pugnar pela instauração de corporações.
Mas, antes de continuarmos, parece oportuno abrir um parênteses para sublinhar a impropriedade actual dessa clássica e tão vulgarizada classificação: Corporativismo de Estado e Corporativismo de Associação.
Sabido é que o chamado Corporativismo de Associação repousa em três pilares fundamentais - livre iniciativa para a criação dos organismos corporativos, inscrição facultativa, autodirecção- e que em princípios contrários assenta o Corporativismo de Estado.
Ora, a verdade é que, para o nosso tempo, a fórmula corporativismo de associação, na sua pureza, não tem significação prática, mas apenas valor ideal e interesse histórico. Pois o que inegavelmente importa é saber se a instituição corporativa se rege e comanda por si, independentemente do Estado, sendo secundário que este intervenha para criar, impulsionando a organização, nu até imponha a inscrição obrigatória dos participantes em determinada actividade.
E, se assim sucede quanto aos organismos primários, para as federações, e uniões muito mais difícil seria conceber uma livre criação ou uma inscrição facultativa, c seria quase impossível pensá-lo quanto ao órgão de grau superior - a Corporação.
Deste modo, traço dominante e distintivo é incontestavelmente a autodirecção; e teremos, assim, substituída a velha classificação por estoutra, mais actual e adequada ás realidades: Corporativismo Autónomo e Corporativismo Dependente.
Voltando á linha de pensamento de que nos desviámos por instantes, no intuito de fixar terminologia mais apropriada, encaremos ainda outro aspecto importante,
qual é o das consequências que poderão advir da função de corporações.
Que ficaremos perante a contigência de perigos vários, ninguém o contestará. Mas também não sofrerá fácil contradita esse conceito tão conhecido e comprovado, que a sabedoria do povo emoldurou em frase de conciso recorte: «Homem prevenido vale por dois». E não oferece dúvidas que os futuros dirigentes das
corporações hão-de sentir as pesadas responsabilidades que sobre si impendem, hão-de estar suficientemente prevenidos contra toda a série de percalços a que estará exposto o seu trabalho, hão-de sobretudo ter a consciência perfeita de quanto são melindrosas as suas funções e que, da sua incompreensão ou do desrespeito pelos superiores interesses nacionais, bem pode resultar o descrédito do regime.
Tem de haver aqui uma reserva natural de optimismo; sem ela não pode levar-se por diante o mais banal empreendimento. E custa a acreditar que os homens de alta estatura, a quem virão a ser confiados os destinos das nossas futuras corporações, estejam todos apostados em fazer soçobrar o sistema. Mas quando haja um ou outro em tal situação deliberada ou inconsciente - e nesta medida restrita já temos de o admitir e, até, de o esperar- havemos de ser justos, também, ao supor que os seus pares se- recusarão a segui-los.
Como quer que seja, todavia, o Estado, ao 'menos na fase inicial da corporação, não poderá abster-se de ali se encontrar convenientemente representado, por forma a 'poder desempenhar, com eficiência e prontidão, aquela tarefa fiscalizadora que sempre lho deverá competir, por mais adiantada, completa e eficaz que se encontre a organização institucional corporativa.
Do outro lado, também, não pode esquecer-se que a própria actividade de cada corporação está automaticamente limitada, e controlada, pelo órgão coordenador que vier a ser criado para articular e integrar todas as corporações, porventura esta mesma Câmara, internamente ajustada para o efeito.
E teremos, assim, duas significativas garantias, a um tempo contra a falta de consciência corporativa ou predomínio de interesses exclusivistas, e também contra a luta gigantesca entre duas ou mais corporações, para citarmos apenas os mais salientes e apregoados perigos opostos ao funcionamento do regime corporativo.
Sr. Presidente: postas estas considerações sobre a situação actual do Corporativismo português e sobre u discussão, na generalidade, do mais transcendente problema que nela se enxerta, parece agora oportuno passar a análise do mesmo problema em alguns pontos da sua especialidade.
Para o fazer, transformemos em premissa a conclusão tirada há pouco, e consideremos assente a necessidade de instaurar as corporações.
Sendo assim, convém ir levantando, desde já, algumas questões prévias importantes, de entre tantas que hão-de propor-se ao critério e à reflexão dos reformadores encarregados de estruturar e erguer a corporação portuguesa.
Daí só poderá colher-se benefício, dado que urge tomar posição quanto a determinados pontos de interesse primordial e sobre os quais nem todos os corporativistas terão meditado o bastante.
Encaremos então, sumariamente, duas ou três dessas questões prévias, com o propósito principal de formular perguntas ou suscitai- dúvidas, mas sem excluir a intenção de encontrar soluções.
Eis uma das primeiras perguntas cuja propositura se impõe: vamos erguer em bloco a cúpula da organização, ou vamos .autos, «por escalões sucessivos, construir paulatinamente, seguindo uma ordem de conveniência e de possibilidades?
A criação simultânea o total das corporações é, de longe, o processo mais correcto teoricamente. Eleito o critério paro a constituição aos grandes corpos representativos das várias funções sociais, determinado o seu número e raio de arção, nada mais lógico do que pôr de pé, dum jacto, o plano gizado, previamente amadurecido pelo estudo e- caldeado na discussão.

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Contra esta solução pode objectar-se que haverá necessidade de proceder a correcções e ajustamentos, conforme os dados da experiência e as imposições de certos condícionalismos, nem sempre previsíveis; e que essas correcções e ajustamentos podem operar-se mais facilmente em duas ou três corporações primeiramente constituídas do que na sua totalidade, e quando todas elas já se encontram articuladas entre si.
Este facto parece ser um argumento valioso em favor duma instauração gradual e sucessiva de corporações, ao qual pode acrescentar-se, ainda, que este processo oferece maior viabilidade prática e responde melhor à urgência política de lançar o empreendimento. Isto porque, não se excluindo o imperativo dum plano de conjunto, contudo a sua realização ir-se-ia forjando gradualmente, permitindo o escalonamento dos problemas e da sua resolução.
Quer dizer: para além da fixação dos princípios genéricos concernentes à estrutura, competência e funcionamento da corporação em geral, há depois todo um mundo de problemas específicos de cada corporação em particular, que se torna imprescindível pôr em equação, estudar, resolver. Mas estes últimos, que constituem tarefa necessariamente demorada, não teriam de ser equacionados todos de uma vez, antes se iriam estudando uns, depois de resolvidos outros. E esta circunstância atribui, desde logo, maior viabilidade ao processo que agora está em causa.
Em tudo isto se antolham razões judiciosas; e, por certo, seria rematada imprudência não contar com um período inicial de adaptação, em que a presença concreta das dificuldades e o realismo dos factos hão-de requerer providências conducentes a alterações de pormenor ou, até, a reforma de estrutura. Nesse período, as hesitações não vão ser poucas; e será veleidade supor-se provável uma definição, prévia e precisa, de todas as minúcias da orgânica e do funcionamento da corporação.
Mas tal não significa, só por si, que o processo de instauração total seja incompatível com as circunstâncias apontadas, por não poder satisfazer aos seus requisitos.
Pode, sem dúvida, este processo simultâneo ajustar-se ao condicionalismo próprio de um período experimental, bem como à possibilidade de correcções ou ajustamentos. E a única diferença, em inferioridade, relativamente ao processo da criação gradual e sucessiva de corporações, reduz-se à maior dificuldade de realização, facto que não e despiciendo.
Resta saber, contudo, se q que se perde em mais pesado encargo e dificuldades não tem suficiente compensação em vantagens de outra ordem. E a verdade é que as tem, talvez mesmo de sobejo.
Primeiro que tudo, o método da criação em bloco é inegavelmente mais perfeito e mais harmónico, por abarcar a realização completa do sistema corporativo. Depois, e por esse simples facto, revela-se imediatamente portador de um são critério de igualdade e de justiça, quando submete todas as actividades sociais ao mesmo regime de disciplina e coordenação. Criar só lima ou duas corporações, sujeitando apenas as respectivas funções sociais a determinado conjunto de normas, para deixar outros sectores de actividade regidos por modo diferente, é praticar uma desigualdade que provoca o desequilíbrio e pode ter nefastas consequências.
Este um grave defeito do sistema escalonado e, em contrapartida, uma virtude apreciável da criação em bloco. Mas, muito acima disso e se relembrarmos as considerações feitas atrás, encontramos pela frente uma razão que parece decisiva.
Trata-se, como vimos, de a vencer a inércia» e, para o conseguir, seria preciso um «grande acontecimento», estimulante e galvanizador. Ora, criar hoje uma corporação, outra ao cabo de alguns meses, e assim sucessivamente, não constitui mudança radical de ambiente, nem constitui motor bastante para sacudir o País e fazer vibrar os espíritos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O arranque, como ,se disse já, tem de «ser feito em termos que não consintam hesitações, reticências ou incredulidades. Seria erro político, talvez irremediável, provocar ou permitir a ideia de se estar fazendo apenas uma tentativa, à guisa de ensaio, contra a qual não seria difícil desenvolver-se, insidiosa, mas pertinazmente e com êxito, toda a surda campanha dos interesses feridos, aplaudida e acrescentada pelas hostes políticas descontentes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O que se impõe - parece-me - é colocar a consciência social, iniludìvelmente, perante um facto maciço e gigantesco, que não possa minar-se ou destruir-se, mercê de arremetidas inconfessáveis. O que se impõe, é colocar o País perante aquilo a que chamei em outra altura uma «viragem histórica», porque de autêntica viragem se trata.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Este imperativo do nosso condicionalismo político social, na presente Conjuntura, tem força, tamanha, e tal evidência, que bastam para arredar a hipótese de uma criação gradual e sucessiva de corporações. Mas não deve omitir-se, além disso, um outro perigo sério que dessa hipótese adviria e se refere a probabilidade de novas «paragens» do regime, como aquela em que vivemos há muito e donde só poderemos sair com porfiado esforço. Os obstáculos, as dificuldades e as surpresas bem poderiam arrastar, por alguns anos, aquilo que se havia previsto apenas para alguns meses. E porventura nunca mais se alcançaria o fim almejado de completar o regime, de termos um sistema acabado.
Em resumo, o fulcro das considerações anteriores, quanto a este ponto fundamental, pode condensar-se como segue: se vivêssemos o período inicial da organização, tudo indicava que a fórmula mais aconselhável, pela sua maior viabilidade prática e por não estar sujeita às graves contingências actuais, seria a criação escalonada de corporações; agora, decorridos vinte anos, os riscos dessa atitude seriam tão sérios que, muito embora à custa de maiores energias ou dificuldades, só se antolha admissível a hipótese de uma instauração total de corporações. A conjuntura da vida portuguesa parece ter reduzido praticamente a unia só aquelas duas soluções.
E passemos de seguida a uma outra questão prévia, que com esta intimamente se prende e se reporta ao número e qualidade das futuras corporações.
Quantas corporações se deverão instituir, e quais?
A resposta a semelhante pergunta envolve a escolha de um critério para a determinação das futuras corporações. E, se nos restringirmos ao extenso campo das actividades económicas, onde o problema reveste maior acuidade, é sabido que se têm preconizado fundamentalmente quatro critérios distintos: da função económica ou das grandes actividades económicas, dos grandes ramos da produção, do produto e da categoria.
A ordem por que se enunciaram estes critérios é sensivelmente em sentido crescente quanto ao número de corporações.

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Assim, enquanto pelo primeiro critério - «das grandes actividades económicas» - as corporações ficariam reduzidas a cinco, se nos cingirmos à classificação tradicionalmente aceita - agricultura, indústria, comércio, transportes e crédito - já por qualquer dos dois últimos critérios - do produto, por exemplo - o seu número, variável por excelência, poderia ascender a bastantes dezenas, conforme a quantidade de produtos a que fosse reconhecida importância bastante.
Estamos aqui na presença de critérios limite, digamos critérios extremos, apresentando incontestáveis vantagens para alguns casos, mas revelando-se inoperantes em relação a outros. E não surpreenderá, pois, que a maioria dos autores vá aproveitar, do critério da função económica, as duas corporações -transportes e crédito-, rejeitando, para o «feito, os restantes termos da classificação das grandes actividades. E não surpreenderia, outrossim, que em Portugal, Espanha, França ou Itália ninguém contestasse a vantagem de ir buscar ao critério do produto uma corporação do vinho, mas já repugnasse instituir corporações distintas para o milho ou para o arroz.
Pode isto significar que todos os critérios apontados são válidos em certa medida e nunca em toda a sua rigidez e extensão. Mas, embora num exame superficial seja lícito ajuizar por tal modo das particularidades mencionadas, uma análise mais aprofundada pode revelar-nos que os aludidos critérios não podem considerar-se válidos, tão simplesmente porque só o seriam, na sua estrita, qualidade de critérios, se os princípios sobre que assentam operassem em toda a gama das actividades económicas e não apenas em casos restritos.
E realmente parece esta a conclusão verdadeira, dado que, ao elegerem-se para base de corporações os exemplo citados -transportes, crédito e vinho-, não foi mercê dos critérios da função económica ou do produto que o fizemos, mas antes escolhemo-los em atenção a um outro índice mais genérico que os abrange a todos simultaneamente - o seu carácter de «grandes ramos de produção».
Efectivamente, só por serem grandes ramos de produção - e «produção» tomada aqui num significado económico extensivo - é que, tanto os transportes como o crédito ou o vinho, têm qualidade para constituírem corporações; e o mesmo acontece, nomeadamente, com a pesca, a indústria metalúrgica, a indústria têxtil e os cereais, além de outras actividades.
Há-de notar-se que não foi por uma razão meramente teórica que valeu a pena, nesta altura, fazer a análise dos critérios mais comummente propostos. A vantagem que daí pode colher-se é principalmente a de demonstrar que tem de existir um critério único, pelo menos um critério-base, como linha de orientação para determinar o número e qualidade das corporações.
Ora, para servir a tal objectivo -para servir como critério-base - de entre os quatro índices preconizados, só o dos grandes ramos da produção parece oferecer a garantia de enquadrar num sistema de forças equilibrado todo o complexo das actividades económicas.
Dir-se-ia que não seria impossível adoptar pura e simplesmente qualquer dos outros critérios de integração -, o das grandes actividades económicas ou o critério do produto. Possível, sim, mas com certeza inconveniente; e isto porque, ou o número de corporações havia de ser tão reduzido que se limitava apenas a cinco, ou esse número tomava proporções consideráveis.
Não basta afirmar, no entanto, que qualquer das duas situações extremas se mostra inconveniente; é preciso demonstrá-lo.
Compreende-se que, reduzir a cinco compartimentos a enorme multiplicidade e variedade dos interesses económicos, equivale a integrar em cada um deles actividades diversas, que são «afins» entre si, mas cujo grau de afinidade nem sempre poderá ser suficientemente estreito e directo. Para exemplificar, atente-se no caso frisante de uma corporação da indústria, onde se reuniriam, lado a lado, actividades ligadas por vínculos mais de ordem teórica do que prática, como as conservas, a metalurgia, os têxteis ou a construção civil, dando lugar a um verdadeiro amálgama, cuja utilidade seria manifestamente precária.
E o mais grave ainda é que, para respeitar esse traço de união meramente formal - o exercício da função-indústria -, haveria que desprezar toda uma rede de afinidades reais e profundas, como, por exemplo, as que existem entre certas actividades industriais, agrícolas e mercantis. Ou seja, não se entraria em linha de conta com as íntimas relações de instrumentalidade e de complementaridade que ligam as empresas umas às outras, numa dependência e solidariedade que salta à vista de qualquer observador, desprevenido que seja.
Acresce, ainda - agora em plano diferente - que, sendo tão poucas as corporações, a multiplicidade e variedade dos interesses que em cada uma se concentra prejudica necessariamente a disciplina dos mesmos interesses, não proporciona a sua perfeita coordenação, e dificulta notoriamente a representação da respectiva categoria económica. Além de que a corporação tem de ser um organismo tecnicamente especializado, e não se vislumbra a possibilidade de satisfação a este imperioso requisito, quando se instituam corporações hipertrofiadas.
Mas, se a escassez do número se figura desvantajosa, a sua superabundância não o será em menor escola.
Percebe-se bem que, dividir o campo económico em secções tão apertadas que separem o milho do trigo, o ferro do cobre, ou a lã do algodão, é cair em defeito porventura mais grave que o anterior. Verificar-se-ia, agora, uma nefasta dispersão de actividades congéneres e fortemente solidárias entre si, com todos os prejuízos para o efeito da sua necessária harmonia e duma benéfica regulamentação de conjunto, que são pedras de toque num regime corporativo. E não deve ignorar-se, também, que uma exagerada cifra de corporações, só pelo facto do número, diminui logo a categoria de cada corporação como organismo nacional, pois que a sua banalidade e pulverização na órbita do Estado retira-lhe o prestígio próprio duma grande instituição de carácter público.
Como em outra ocasião já disse: «As corporações nem devem ser tantas que se diluam na comunidade nacional, nem tão poucas que possam comprometer o equilíbrio de forças no seio do Estado».
Mais uma vez, é no meio que está a virtude, porque a integração corporativa, segundo o critério dos grandes ramos da produção, situa-se inegavelmente entre os dois extremos analisados e permite, como já se asseverou, enquadrar num sistema de forças equilibrado todo o complexo das actividades económicas.
Por certo que o processo não é inteiramente isento de defeitos. Basta dizer que para certo número de casos, não haverá possibilidade de respeitar simultaneamente todas as relações de instrumentalidade e de complementaridade que ligam as diversas empresas participantes num grande ramo da produção. O segredo, aí, residirá na sábia mensuração do valor das afinidades que se chocam, para só depois nos decidirmos por umas em detrimento de outras.
Mas o critério integrador dos grandes ramos da produção é também suficientemente elástico e maleável para facilitar os ajustamentos indispensáveis, circunstância que atenua os inconvenientes mencionados. E nisto se mostra em inteiro acordo com o sistema corporativo, essencialmente respeitador dessa patente

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realidade que é o pluralismo da vida social, não impondo normas genéricas e rigidamente uniformes para regular necessidades específicas ou diferentes.
Sendo assim, não causará estranheza concluir-se naturalmente que, além de uma estrutura jurídica geral do órgão corporação, haverá em complemento dela uma armadura orgânica especial pura cada uma das corporações em particular.
E entremos na última questão prévia que me propus examinar. Por forma forçosamente mais sumária agora, porque está excedido com certeza o tempo de que poderia dispor.
E outra interrogação que deve fazer-se em natural correspondência com as já formuladas para trás:
Vamos assinar à corporação, inicialmente, todos os amplos poderes que de direito lhe virão a competir num sistema corporativo acabado, ou deveremos atribuir-lhes em sucessão crescente e u medida que o condicionalismo de cada uma das corporações o permita?
Confessemos que, ao contrário das questões prévias anteriores, o âmbito desta pergunta não consente margem para larga controvérsia. Todos, afinal e em uníssono, viriam responder comigo, e sem reticências, que a sucessão gradual de competência será o único modo defensável para a conjuntura presente,
Na realidade, tudo quanto se disse untes em relação u elementar prudência de um período experimental, e à previsível necessidade de correcções ou ajustamentos, tem completa aplicação neste caso particular.
A instituição de corporações não implica, pois, que se lhes consigne uma plenitude funcional logo a partir da sua criação. Os ensinamentos da experiência e o condicionalismo próprio das actividades integradas serão os mais valiosos determinantes para a elevação progressiva das suas funções.
Com efeito, hão-de estar em causa e ser devidamente apreciados diversos factores, tais como a maior ou menor perfeição no enquadramento dos diversos organismos integrados, o seu relacionamento, articulação e coordenação; e, de igual modo, o comportamento dos altos dirigentes da corporação, já no aspecto da sua competência técnica, já nas manifestações do seu espírito corporativo.
E, assim, bem poderá acontecer que uma corporação, devidamente organizada e funcionando eficientemente, tenha funções mais latas e maior autonomia nas decisões do que quaisquer outras em evolução ainda retardada e com funcionamento menos regular ou eficaz. A carta de alforria, para as corporações, será conquistada por elas próprias: tê-la-á mais cedo a que mais depressa a merecer.
Portanto, escalonamento gradual de funções. Mas, se esta conclusão não merece contradita, já o mesmo não sucede ao pormos o problema de qual o mínimo de competência a fixar como ponto de partida.
O pormenor tem já a sua contemplação na lei, pois o estatuto regulador das corporações prescreve que Mies compete «propor ao Governo normas obrigatórias para a regulamentação colectiva das relações económicas e disciplina unitária das actividades que coordenam n (Decreto-Lei n.° 29 110, de 12 de Novembro de 1938, artigo 4.°, alínea d).
Como se vê, na sua fase inicial e reportando-nos àqueles fundamentais aspectos de disciplina coordenadora e poder regulamentário, a corporação possuirá competência para «propor», mas não a terá para a decidir». Ë esta uma restrição importantíssima, que não só confirma inteiramente aquele critério de prudência, já referido, mas até o leva ao extremo limite.
Na verdade, resolveu-se o problema genérico das funções pelo meio mais simples e radical de cortar cerce o poder de decisão. Se o processo é prático, porque for-
nece um critério certo, já não será racional nem justo, pelo menos nos termos em que a disposição está redigida, não admitindo, sequer, a possibilidade de vir a outorgar-se, alguma dessa competência interdita, à corporação que demonstrasse capacidade técnica indiscutível, organização modelar e consciência corporativa apurada. Tal como se encontra estabelecido o regime, só por revogação legal ele poderá modificar-se; e é de aplaudir que o seja, não apenas quanto ao pormenor focado, mas também noutros pontos em que o diploma regulador das futuras corporações está carecido de revisão cuidada.
O objectivo que o Estado visa com esta forte restrição parece que é o de não perder o comando directo das actividades económicas que tem mantido até agora; mus há-de reconhecer-se que o meio mais adequado será antes um comando indirecto, através de uma eficaz fiscalização, esta exercida, sim, o mais directamente possível. E, se tal fiscalização se instituir e organizar em termos eficientes, junto de cada corporação, deveremos com vantagem observar a pureza dos princípios e dar às corporações aquilo que lhes pertence por direito nato.
Estas últimas considerações, como deve ter ficado patente, dirigem-se ao futuro e não à primeira fase funcional da corporação, mas, mesmo assim, talvez não seja completamente descabido ir firmando certos princípios desde já.
Ideia central a sublinhar é, pois, a de que só por meio de um sistema de prevenção, montado com todo o rigor, se torna lícito e possível ir concedendo sucessivamente maior latitude de acção às corporações, à medida que a sua capacidade o justifique plenamente.
Este processo gradual de emancipação traz vantagens concludentes. Note-se que até aguça o estímulo entre as várias corporações e as atira pura unia salutar competição. E depois, principalmente, desempenha uma função de verdadeira tutela, porque vai suprindo a falta de consciência corporativa dos dirigentes na medida em que ela se verifica, afrouxando a acção tutelar na mesma proporção em que se afinar o sentido corporativo desses dirigentes.
Aliás, as corporações - se o quiserem - podem vir a constituir, para o Corporativismo, utilíssimas escolas de quadros e grandes centros propulsores do ideal corporativo, com os seus potentes focos de irradiação e disseminação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, porque assim o entendo, tenho defendido a tese de que é preciso instituir as corporações para fomentar, a consciência corporativa, em vez de se aguardar, para tanto, que essa consciência se forme espontaneamente e se consolide.
Parte-se, assim, de um postulado optimista. Mas eu não vejo que possam construir-se obras gigantescas ou lançar empresas de merecimento histórico, partindo de pressuposto contrário e sem fazer apelo a essa reserva de optimismo que o Homem tem dentro de si, porque Deus lha concedeu para o seu bem particular e para o bem comum da Humanidade.

Sr. Presidente: vencida a inércia . . . Portugal pode vir a ser, se nós quisermos, um autêntico Estado Corporativo.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

Aplausos gerais.

O Sr. Samwel Dinis: - Sr. Presidente: quando na sessão plenária de 25 de Novembro de 1950 tive a subida honra de saudar, pela sua entrada nesta Câmara, o actual embaixador em Inglaterra, Doutor Pe-

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dro Teotónio Pereira - esse inconfundível pioneiro da organização corporativa e um dos mais fiéis depositários do alto pensamento de Salazar. . .

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... permiti-me, nesse momento, chamar a atenção dos Dignos Procuradores para o acto da maior transcendência política que representava a investidura do Professor Marcelo Caetano no alto cargo de Presidente desta assembleia, pelos méritos incontestados do seu muito saber do direito público e da sua acção da instauração do sistema corporativo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E lembro-me também de ter afirmado nessa ocasião que não acalentava somente uma esperança, mas que ficava com a certeza de caminharmos no rumo da pureza dos princípios da nossa organização corporativa - e de que o seu espírito - mais talvez do que a sua letra - se faria sentir através da actividade do seu órgão mais representativo: esta Câmara.
Pois bem! Comemorando-se boje o vigésimo ano da sua fundação, consinta, Sr. Presidente, quo coloque na mesma altura os prestigiosos nomes de VV. Ex.ªs, porque esses nomes representam os dois momentos mais expressivos da vida da organização corporativa: um passado, felizmente ainda não muito distante, que viu realizadas algumas das mais legítimas e entusiásticas aspirações, e o presente, que tem a garanti-lo o constante propósito de ver ampliada a missão desta Câmara pela reconhecida necessidade da sua cooperação permanente - e de forma eficaz - com a administração pública.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E com os olhos postos nessa imensa plêiade de clientes e de idelistas que formavam então a maravilhosa Ala dos Namorados do ideal corporativo - infelizmente já mortos uns e dispersos outras por motivos vários -, sinto, Sr. Presidente, que esse passado em nós se prolonga em demanda do futuro e temos que nos fortalecer aia certeza de que assim alcançaremos a plenitude da consciência da Nação.
Mas, Sr. Presidente e Dignos Procuradores, porque os infiéis da Pátria, os negadores e insultodores da História, não partilhando da nossa comunidade moral, espreitam as nossas fraquezas, os nossos erros ou os desvios de doutrina para deles se servirem como a melhor arma para vibrar um golpe decisivo na solidariedade das ideias «dos sentimentos, tentos que ter bem presente - e porá honra de nós próprios- que o magnífico património do sistema corporativo foi confiado carinhosamente pelo Chefe do Governo h guarda da Nação! E porque julgo a data de hoje, pelo seu especial significado, a mais azada para afirmações concretas, vou terminar, Sr. Presidente e Dignos Procuradores, dirigindo-me aos homens da minha terra a quem esta entregue o destino das nossas coisas para lhes dizer, cora toda a minha emoção e à laia de mestre Gil Vicente:

Senhores homens de bem.
Escutem vossas senhorios ...

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos gerais.

O Sr. Afonso Rodrigues Queiró: - Sr. Presidente, Dignos Procuradores: consenti-me que, ao completar-se um vinténio de vida e de actividade da nossa Câmara, traga à vossa consideração e à do País algumas reflexões, talvez de actualidade, justamente sobre a sua génese e o seu futuro. Nesta altura da vida da Câmara convém realmente que suspendamos por um dia o trabalho e façamos o ponto, a fim de verificai-mos onde nos encontramos e que rumo devemos seguir.
A ideia de instituir uma representação económica, uma representação profissional ou, mais amplamente, uma representação corporativa ao lado ou em vez de uma representação restritamente política não é dos nossos dias, mesmo quando consideremos, apenas o período em que na Europa se difundiu e radicou o sistema político da representação democrático-individualista. Ainda se não tinha desfeito em França o palco em que se haviam representado as grandiosas cenas revolucionárias, vivos eram ainda muitos dos actores e dos figurantes que nesse palco haviam interpretado o drama da Grande Revolução, cujo epílogo foi o triunfo do sistema da representação individualista sobre o da representação das ordens, dos estudos gerais ou de classes - e já Henri de Saint-Simon se rebelava contra este imponente movimento de ideias, designadamente contra o tipo de instituições em que ele estava em vias de se traduzir a pouco e pouco por toda a Europa. A Saint-Simon impressionava-o, sobretudo, aquele aspecto da filosofia da democracia representativa individualista, pelo qual esta se nos revela em oposição, por um lado, com o racionalismo cartesiano e euciclopedista e, por outro, com o novo poder surgido justamente na época contemporânea - o puder científico, a Ciência. A democracia individualista é, na verdade, em parte, o triunfo da subjectividade, do particular, sobre a objectividade nacional, sobre a universalidade, o triunfo do indivíduo, como ente subjectivo, sobre a rastão objectiva e transpessoal; e em parte também a supremacia da improvisação, do empirismo, ria oportunidade, sobre a ciência e a técnica que a revolução industrial pusera, entre os valores culturais, no plano mais alto.
Os únicos meios que Saint-Simon reconheceu como idóneos para instaurar, no domínio das instituições políticas, a razão e a ciência foram a abolição do sufrágio universal e sua substituição por um sufrágio técnico-profissional, a consequente supressão das câmaras de deputados, com a implantação, no seu lugar, de câmaras representativas das competências profissionais, três ao todo - la Chambre d'Invention, la Chambre d'Examen, e la Chambre des Communes ou d'Exécution. Todo o poder aos produtores, que é como quem diz, aos técnicos - aos sábios, aos artistas e aos artífices, em suma: aos produtores de ciência, de arte e de bens materiais. A primeira câmara seria aquela de que sairiam especialmente os grandes projectos de obras públicas nacionais, os grandes planos económicos ou de fomento, como diríamos hoje. A segunda teria uma competência essencialmente consultiva, examinaria estes projectos, mas poderia, por sua vez, elaborar projectos de educação pública. A última, em que predominariam os produtores económicos sobre os sábios e os artistas, teria atribuições financeiras e deliberaria sobre os projectos apresentados pelas duas anteriores.
Posta em execução, a organização saint-simoniana do poder traduzir-se-ia, como se vê, uma pura tecnocracia, a substituir a democracia, numa ditadura dos técnicos, dos competentes, a substituir o poder dos políticos. A política não se reconduz, segundo Saint-Simon, a uma simples sensibilidade do interesse público, a uma actividade que possa ser confiada àqueles que pretendem ter uma espécie de mística intuição das exigências do bem geral - a política é, para Saint-Simon, uma ciência, espécie de física, na sua própria expressão, a física social. Não deve confiar-se o seu exercício a ócio-

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aos e parasitas, dominados por forças místico-irracionais, por impulsos e «moções, sem espírito racionalista e científico, afectos ao transitório, mas a produtores, a técnicos, a homens de alta cultura. O contrário, quase diríamos, seria como se, para curar da sua saúde, os doentes tivessem à sua cabeceira, não médicos, mas curandeiros, não clínicos, mas simples entendidos.
Para além dos exageros da tese saint-simoniana e da maior ou menor dose de incoerência que informa o delineamento das instituições por meio das quais entendia dar-lhe realização, ficou apontado o sentido de uma crítica à democracia representativa individualista, que seria depois retomada, ao longo do século XIX e do nosso próprio século, quer para a condenar em bloco, quer para a corrigir e aperfeiçoar.
Sr. Presidente: as críticas e objecções à democracia representativa individualista e territorial não surgiram, porém, apenas do lado da concepção tecnocrática saint-simoniana. Não consistiram, pois, tão-sòmente em pôr em evidência a pretendida antinomia entre democracia e razão objectiva, entre democracia e ciência. De outro quadrante do pensamento e da cultura argumentou-se contra a democracia liberal com o arsenal de ideias e de conclusões das novas e florescentes ciências sociais, designadamente a sociologia, a ciência e história do direito e a economia política.
A sociologia, a ciência jurídica e a história do direito, por um lado, punham em relevo a existência, dentro do agregado nacional, dentro da nação, de um sem número de sociedades menores, de grupos sociais, em que os indivíduos integram a sua personalidade e realizam os seus interesses. São estes grupos personalizados que, naturalmente associados, compõem a nação, não os indivíduos directamente. Os indivíduos, fora dele, não são mais do que uma abstracção, uma criação do pensamento. O indivíduo é essencialmente social, vive integrado em grupos - e são estes que constituem a nação. A nação é uma associação necessária de grupos, uma corporação de corporações, uma federação natural de sociedades, uma communitas communitatum.
Sobre estes dados, uma corrente do pensamento político conclui assim: se cada grupo tem os seus interesses, a sua vontade e a sua opinião, distintos dos interesses, da vontade e da opinião dos indivíduos quo nele se integram, deve ser através da representação destes grupos aio plano legislativo que há-de chegar ao Estado a vontade real da nação, a qual, portanto, não é a vontade média dos indivíduos, mas a vontade média dos grupos sociais em que todos os aspectos da actividade individual se entrelaçam.
Por seu turno, do lado da economia política veio a verificação de que a uma economia de indivíduos sucedera, com o andar do século XIX, uma economia de grupos, uma economia de sindicatos. O sindicalismo difundiu-se, universalizou-se, abrangendo sucessivamente a mão-de-obra, o patronato e a produção industrial. Os sindicatos operários, os sindicatos patronais e os sindicatos de empresas são justamente grupos ou centros de interesses homogéneos.
Ora bem: todos os grupos daqueles que oferecem trabalho e que dão trabalho, bem como todos os que detêm meios de produção idênticos, diz-se, têm um interesse comum mais vivo, mais intenso do que o interesse que aproxima as pessoas que residem em certa circunscrição eleitoral. Este interesse comum de cada um dos grandes grupos profissionais pretende-se que seja, para todos os participantes desses grupos, um interesse mais relevante do que o interesse a que consegue dar-se, representação em regime de democracia política. A comunidade territorial perdeu muito da sua unidade em confronto com a comunidade profissional.
A integração dos produtores (trabalhadores, patrões e empresas) na vida política «Ó se consegue pela sua representação nessa sua qualidade de produtores. O sindicalismo tem de ter uma dimensão política ou não realizará a sua missão. O sindicato terá atribuições legislativas. Em vez, irais, de uma democracia política, uma democracia económica; em vez de uma representação formalista, uma representação real. O poder económico precede o poder político.
Nesta orientação sobressaiu, na esteira de Proudhon, a escola sindicalista francesa (com Paul Boncour, Georges Sorel, Hubert Lagardelle e Maxime Leroy, além de um jurista como Duguit, dando todos especial importância à representação profissional operária) e o guild socialism inglês, cujos nomes mais salientes são talvez Russel e Cole.
Ambas as correntes, mas especialmente o sindicalismo revolucionário francês, manifestaram a maior desconfiança pela autenticidade da representação política em sentido estrito. Quanto ao guild socialism, não acreditava, nem no plano da teoria, nem no plano da prática, na possibilidade de uma representação geral e omnicompreensiva dos cidadãos, como é a representação individualista por circunscrições territoriais. Só uma representação funcional, específica de certos interesses e de certos indivíduos, é viável - só é, pois, verdadeira representação uma representação dos interesses comuns os elementos de cada grupo profissional pelo próprio grupo. Estes grupos ou guilds autónomos coordenarão a sua acção e formarão, pelo debate entre si, a vontade comum dos produtores da nação.
Não diverge desta orientação doutrinal, no que toca à sua desconfiança na democracia territorial, uma outra corrente - justamente o corporativismo económico, stricto sensu. Simplesmente, as corporações económicas, ao contrário dos sindicatos e das guildas, embora também organismos só de produtores, não seriam unilaterais como eles - seriam organismos mistos de patrões patrões e trabalhadores, associados e guiados pelo interesse comum da produção. Estas corporações encontrar-se-iam umas com as outras numa câmara legislativa e aí tomariam as decisões políticas mais importantes à vida do País.
Entre os partidários de uma representação das corporações económicas numa ou mais câmaras legislativas, representação tendo por base o sufrágio profissional ou concebida por qualquer forma menos democrática (pode, efectivamente, falar-se de um corporativismo democrático e de um corporativismo autoritário) - entre os partidários dessa representação, dizia-mos, podem, com mais ou menos rigor, apontar-se, na Itália, de um modo geral, os teóricos do corporativismo fascista, os quais denunciam bem, com tal, a filiação sindicalista do fascismo. «O sufrágio universal, escrevia um deles, é a consequência imediata da concepção liberal, atomística. individualista, da vida e, tomo tal, não pode corresponder às novas exigências sociais». Em sua vez, institui-se o chamado sufrágio corporativo, que leva as corporações ao parlamento. Dentro deste se harmonização as eventuais divergências das várias corporações. As leis serão a expressão da vontade concorde de todas elas.
Em dado momento, imediatamente após o seu triunfo na Rússia, o marxismo expressou-se também, no campo das realizações constitucionais, entre outras fórmulas, pela representação exclusivamente profissional, desaparecendo a representação individual ou territorial. O Congresso Panrusso dos Sovietes, autoridade legislativa suprema da federação russa, assentou, efectivamente, com a primeira Constituição bolchevista, numa base profissional. Esse parlamento sindical, chamemos-lhe assim, ora composto pelos representantes dos so-

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vietos urbanos e rurais, isto é, dos conselhos de delegados dos trabalhadores das fábricas, do exército e dos campos, cujo poder se delegava, de grau em grau, aos sovietes dos distritos, das regiões, das repúblicas, até ao Congresso Panrusso dos Sovietes. Desta forma se realizaria, não uma democracia política, mas uma «democracia proletária».
A última Constituição russa alterou esta orientação, a partir da ideia de que a burguesia russa está já desalojada das suas posições de privilégio, correspondendo, grosso modo, o cidadão ao produtor, ao trabalhador. Desta sorte, pôde dispor-se que o Soviete Supremo da U. R. S. S. é eleito pelos cidadãos da U. R. S. S.
Sr. Presidente: as duas posições extremas que mantêm a ambição de substituir integralmente a representação política territorial por uma destas formas de representação - representação técnica e representação funcional -, quando foram mais do que meros jogos de espírito, projectos de ideólogos situados muito à direita ou muito a esquerda, exprimiram organizações políticas totalitárias, como a da Rússia comunista ou a da Itália fascista. Fundamentalmente, tratou-se, num e noutro país, ao dizer-se que se (instituía uma «democracia económica, não tanto de substituir uma por outra forma de representação, mas de negar a própria ideia de representação. Nem sempre, de resto, os mentores doutrinários desses regimes o ocultaram. Transcrevo do um teórico do fascismo: «No Estado corporativo, que é Estado «totalitário», não existe a figura do povo extra ou pré-estadual: o povo está sempre e todo organizado; organizado, entende-se, em forma e com eficácia estaduais, Estado e povo são, na concepção corporativa, uma perfeita identidade, uma realidade única e indissolúvel». Outro teórico logicamente confessava: ao mecanismo eleitoral não tem mais razão de ser».
Quanto à tecnocracia legislativa pura, que se traduziria em entregar a feitura das leis a uma espécie de brain trust, sem curar, ou curando pouco, da sua ligação representativa com a colectividade, fixada através de uma eleição, por toda u parte se está de acordo em rejeitá-la, considerando-a inadequada, pelo menos, para formular e definir autorizadamente os valores por que se deve pautar em cada momento a acção política e, portanto, para fazer uma opção entre os fins gerais a que se deve subordinar a legislação; numa palavra, para fazer, em nome da comunidade, a escolha entre as várias direcções ideológicas a que a actividade eleitoral há-de subordinar-se. Os técnicos, como tais, não podem dirigir politicamente o Estado.
Para além desta incapacidade fundamental, uma assembleia legislativa composta exclusivamente de técnicos pecaria pelo seu natural divórcio da vida real. O técnico tem sempre uma formação unilateral e exclusivista e é, muitas vezes, destituído de sensibilidade para os aspectos que, em qualquer providência a adoptar, transcendem o domínio da sua especialização. Transcrevo palavras da responsabilidade do nosso ilustre Presidente: « O técnico sente-se orgulhoso da sua ciência, é dogmático na sua certeza, imperioso nos seus desejos, quase sempre indiferente aos aspectos financeiros, económicos e espirituais dos problemas».
Deve, porém, acentuar-se, para fazer justiça a esta corrente do pensamento político, que, normalmente, ela se nos apresenta, na melhor tradição saint-simoniana, em estreita associação com a concepção da representação profissionalista, em qualquer das suas várias modalidades. Não pode negar-se, efectivamente, que os elementos mais cultos e tecnicamente mais qualificados de cada uma das profissões e actividades sociais podem contribuir, na discussão das medidas legislativas em que, de algum modo, essas profissões e actividades estejam implicadas, para uma produção legislativa de qualidade superior.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- «Sr. Presidente: o sindicalismo pôs sobretudo em evidência a existência de grandes grupos económicos (sindicatos operários) e a ciência económica completou esta visão macroscópica do mercado com as figuras dos grandes monopólios dos produtos. Daqui partiu o fascismo para um corporativismo meramente económico. Ora a concepção corporativa não se liga necessariamente apenas às actividades económicas - transcende-as, reconhecendo que o mesmo princípio do solidariedade e de hierarquia de interesses inspira os grupos sociais de ordem moral e cultural, nos quais os indivíduos «e integram quantas vezes mais natural e inelutàvelmente do que nas corporações económicas.
O corporativismo não tem, pois, apenas uma face económica - é integral ou, quase poderíamos afirmar, não é corporativismo.
Ora bem. Tomando o corporativismo com este alcance e divorciando-o de toda e qualquer ligação totalitária, considerando-o, portanto, como uma doutrina que advoga uma nova forma de representação política - a representação corporativa -, uma nova forma de democracia - a democracia orgânica -, pergunta-se: que julgamento merece, que esperanças oferece de substituir validamente a clássica representação territorial-individualista?
Uma concepção puramente corporativa do Estado implica que se atribua a uma câmara das corporações, com exclusão de qualquer outra, competência política deliberativa. Mas a política é definição do geral, é a definição do bem comum, quer impondo sacrifícios proporcionais aos recursos de cada indivíduo singular ou de cada grupo, quer distribuindo por todos os indivíduos e grupos as utilidades comuns de acordo com o mérito e a situação particular de cada um. Como atribuir a estas forças sociais particularistas a faculdade de decidir sobre os seus deveres e direitos, que é como quem diz sobre o bem comum? Como conceber que se desprendam dos seus egoísmos naturais (egoísmos individuais ampliados) para se elevarem, ao plano de uma vontade comum desinteressada, se, para mais, em uma tal assembleia não está presente nenhuma representação dos consumidores em geral, na qualidade de tais, nenhuma, diríamos, corporação dos consumidores? É preciso não esquecer a dose de verdade da máxima proudhoniana, segundo a qual toute association est une coalition contre l'intérêt public e, portanto, que a legislação económica, financeira e social, e também a legislação em geral com reflexos económicos, sociais o financeiros, seria uma legislação que não teria em grande conta os interesses do público consumidor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Se este argumento puder ainda, porventura, ser vencido (o que será difícil), voltarei a uma razão que expus nos seguintes termos em 1949, na II Conferência da União Nacional, ao falar ali sobre « A Evolução da Câmara Corporativa»: «É ... impossível encontrar nos interesses representados um comum denominador político, reduzindo a sua pluralidade e diversidade à unidade, à conciliação. Os interesses representados são diferentes uns dos outros». Igualar na câmara das corporações os direitos de todas as profissões e de todos os grupos equivale, numa fórmula impressiva, à ajouter les mètres aux kilogrammes, o que é completamente arbitrário como processo de obter uma vontade comum das corporações.

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Isto parece-me o essencial a opor à ideia de uma câmara corporativa com funções deliberativas, sem embargo de considerar também mais ou menos pertinentes outros argumentos voltados mais para o lado técnico da organização de um sufrágio corporativo capaz de dar adequada expressão a cada um dos interesses sociais.
Como, na verdade, distribuir com justiça entre os grupos sociais os representantes à câmara? Noutras palavras: qual o critério suficientemente preciso, não arbitrário, que permitiria repartir entre os grupos sociais os lugares da câmara? O critério do número dos seus elementos? Mas este número não é permanente, não é estável e, por outro lado, o valor social de uma função não depende sempre « necessariamente do número dos que a exercem.
Por outro lado e finalmente (nem devo abusar indefinidamente da vossa paciência com a preocupação de nada esquecer que possa servir ao esclarecimento do assunto), consideráveis dificuldades surgem à actuação da representação corporativa pelo lado da delimitação reciproca dos interesses a representar. A vida social e a vida económica não nos fornecem o quadro de interesses entre si suficientemente delimitados, o quadro de «unidades de interesse» devidamente circunscritas. Quais são os elementos que têm interesses sociais inteiramente diversos de outros elementos sociais? É difícil responder; é, portanto, verdadeiramente difícil criar o pôr cm funcionamento as corporações, ao menos para lhes dar assento numa câmara política, com poderes deliberativos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Sr. Presidente: nada, porém, do que acabo de dizer significa nem pretende significar que não sejam válidas algumas das críticas que já desde o século XIX se fizeram, quer à doutrina da representação política de base meramente individualista e territorial, nos seus fundamentos teoréticos, quer às instituições parlamentares, às assembleias em que essa doutrina obteve melhor ou pior tradução prática.
É sobretudo pertinente, creio eu, a crítica que põe em evidência o que há de esquemático, de caricatural e do largamente fictício nu pretensão de que as assembleias saídas do sufrágio representem realmente a nação na multiplicidade dos interesses e dos valores sociais e que é justo reconhecer o direito de intervir no exercício da função legislativa, não se dá, neste sistema, nenhuma relevância política especial aos valores espirituais (intelectuais e morais), antes se igualam no significado meramente matemático-quantitativo que é atribuído aos que os encarnam e simbolizam. «O sufrágio universal - escreveu Sismondi- que considera os homens como unidades iguais, que os conta em vez de os pesar, despoja a nação do que ela tem de mais precioso, a influência dos homens eminentes». Nem, por outro lado, se reconhece a necessidade de dar audiência, no domínio das decisões político-legislativas, aos representantes dos variados interesses congregados nas diferentes sociedades naturais e artificiais, interesses que, por não serem comuns aos cidadãos em geral, não podem ser representados através do sufrágio territorial.
Impossível é desenvolver aqui este ponto, como conviria se me não dirigisse a um auditório que perfeitamente domina a problemática da representação política.
Tirando lição da crítica ao sufrágio universal e à democracia representativa individualista, considerando as suas insuficiências, resultou que, sem negar os seus aspectos positivos, ou seja, o seu activo, se advogaram desde cedo, ainda no século XIX, mas sobretudo no século XX, várias fórmulas de correcção de base tecnocrática ou profissionalista.
Ahrens, von Mohl, Bluntschli, Sismondi, Schaeftle, Prins, Duthoit, Deslandrés, Martin Saint Léon, Salisbury, Disraeli, Hugh Cairns, Renet Hubert, Hector Denis, De Greef, Hauriou, Lavergne, Perroux e tantos outros sustentaram a necessidade de dar maior capacidade representativa ao parlamento com a participação nele, na mesma câmara ou em câmara separada, em pé de igualdade com os deputados eleitos pelo sufrágio clássico, de representantes das grandes actividades nacionais e dos valores sociais mais eminentes; ou, pelo menos, a necessidade de instituir, ao lado do parlamento propriamente dito, escolhido pelo sufrágio universal, assembleias auxiliares do parlamento (ou do pá ri ti mento e do governo como órgão legislativo, quando este, nas últimas décadas, em vários países, foi forcado a exercer competência legislativa sob a forma de decretos-leis ou correspondente), assembleias auxiliares em que justamente passaram a ter assento os representantes das actividades e dos interesses c técnicos qualificados.
Para só falar das traduções práticas destas três orientações, deixando, portanto, de lado os projectos teóricos, evoco, quanto à primeira, alguns casos mais recentes como o do Senado belga, em que, ao lado dos senadores eleitos pelo sufrágio universal, temos os senadores eleitos pelos conselhos provinciais e os eleitos pêlos grupos definidos em lei especial; e o caso do Senado grego, previsto na Constituição de 1927, mas hoje suprimido, que era composto de senadores eleitos pelo sufrágio universal e pelas associações profissionais.
A segunda orientação tem tido também certo número de concretizações. Recordarei, sem pretender ser completo na enumeração, uma das suas expressões mais características, a da Constituição irlandesa, que prevê uma segunda câmara, de que fazem parte, além de 11 membros nomeados, 6 eleitos pelas universidades e 43 segundo o sistema da representação proporcional, sobre listas de candidatos contendo nomes de pessoas que possuam conhecimentos e experiência prática do» seguintes interesses e serviços: língua e cultura nacionais, literatura, arte, educação e interesses profissionais definidos em lei ordinária, agricultura e interesses conexos, pesca, trabalho organizado ou não, indústria e comércio, banca, finança, contabilidade e as profissões do engenheiro e de arquitecto, administração pública e serviços sociais, compreendendo-se nestes as actividades sociais voluntárias.
Outro exemplo muito interessante é o da Áustria, cuja Constituição prevê uma segunda câmara, o Länder-und Ständerat ou Conselho dos Estados e das Profissões, que agrupa os representantes dos estados federados e os representantes das profissões. O Conselho das Profissões reúne os representantes dos agrupamentos profissionais da população da federação austríaca, de acordo com uma lei constitucional especial.
Outro caso deste tipo é o da Constituição do Estado Livre da Baviera, de 1946, que prevê a existência de um senado, definido, no seu artigo 34.º, como «a representação dos corpos sociais, económicos, culturais e comunais». E constituído por 60 membros, assim distribuídos: 11 representantes da agricultura e da silvicultura, 5 representantes da indústria e do comércio, 5 representantes de artesanato, 11 representantes dos sindicatos operários, 4 representantes das profissões liberais, 5 representantes das cooperativas, 5 representantes das comunidades religiosas, 5 representantes das organizações de caridade, 3 representantes do ensino superior o das universidades e 6 representantes das autarquias locais e suas federações.
Por último, a recente Constituição jugoslava, de 1903, prevê também uma segunda câmara, a Câmara dos Produtores, que exprime, não uma representação

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política, mas uma representação económica, dando participação na função legislativa a deputados eleitos pelos produtores proporcionalmente à participação dos sectores económicos na produção nacional total, à razão de um deputado por 70 000 produtores. A eleição faz-se por grupos de produção: indústria, agricultura, cooperativas e artesanato.
Vejamos, em seguida, se a paciência ainda vos permite acompanhar-me, como se traduziu no direito constitucional de vários países a última das orientações que deixei enunciadas: a que organizou a representação técnico-profissional numa assembleia ou conselho auxiliar do parlamento eleito por sufrágio universal ou do governo, enquanto competente para legislar.
O primeiro país que deu expressão prática a esta ideia foi a Alemanha, em 1880, criando um conselho económico -o Volkswirtschaftsrat-, constituído por setenta e cinco membros, em parte nomeados pelo rei, em parte propostos pelo comércio, pela agricultura e pelas organizações do trabalho.
Com a mudança de regime na Alemanha, no final da primeira grande guerra, e a adopção da Constituição de Weimar, esta ideia não foi abandonada, antes sobreviveu com a criação do Reichswirtschaftsrat - o Conselho Económico Nacional -, posto a funcionar em 1920. Aí tinham representantes a agricultura, a pesca, a indústria, o comércio, a banca e os seguros, os transportes e as empresas públicas, o artesanato, as organizações de consumidores, os funcionários e as profissões liberais, a que acrescia um certo número de técnicos nomeados pelo governo. Funcionaria normalmente por secções e competia-lhe dar parecer ao governo sobre os seus projectos de lei em matéria social e económica, antes de este os apresentar ao Reichstag. O próprio Conselho tinha o direito de iniciativa nestas matérias e poderia enviar ao Reichstag um dos seus membros defender as suas próprias propostas.
Em França, em 1925, um ministério Herriot criou, por sugestão sindicalista, como assembleia consultiva, um conselho nacional económico, em que tinham assento os representantes das várias profissões económicas dentro do capital e do trabalho, além das associações de consumidores e das profissões liberais. O conselho elaboraria pareceres solicitados pelo governo sobre os problemas respeitantes à vida económica do país e recomendaria, ex officio, soluções aos poderes públicos sobre essas mesmas matérias.
A Polónia criou, em 1925, uma conselho económico semelhante aos anteriormente mencionados, com poderes consultivos, obrigatoriamente ouvido pelo governo aquando da elaboração dos projectos de lei de ordem económica e da conclusão de tratados de comércio.
A Jugoslávia seguiu, na sua primeira constituição, os exemplos antecedentes, formando um conselho económico destinado a colaborar com os poderes públicos na elaboração da legislação económica e social do país.
A Checoslováquia, em 1919, instituiu, por seu turno, uma comissão económica com competência consultiva, fornecendo pareceres ao governo e ao parlamento. Compunham-na chefes de empresa, trabalhadores designa-os pelas suas organizações, economistas e técnicos sociais. Membros qualificados do parlamento e da comissão podiam participar nas discussões, respectivamente, da comissão o do parlamento, quando para tal fossem designados.
Em 1924 o Japão seguiu estes mesmos exemplos. Aluda-se, por último, no Conselho Nacional das Corporações na Itália fascista, cujas funções, em matéria económica, foram até certo momento predominantemente consultivas, funcionando o conselho como órgão auxiliar da câmara dos deputados e do governo, no campo económico.
A instituição tem tal vigor e corresponde tanto a necessidades do tempo presente que nos apareço de novo consagrada na Constituição francesa de 1946, na Constituição italiana de 1947 e na legislação belga de 1948.
A primeira prevê a constituição, de um conselho económico, cuja composição actual é a seguinte: 40 representantes designados pelas organizações mais importantes dos trabalhadores, empregados, funcionários, técnicos e engenheiros, 20 representantes das empresas industriais, 10 representantes das empresas comerciais, incluindo o pequeno comércio, 10 representantes do artesanato, 35 representantes designados pelas organizações agrícolas mais importantes, 9 representantes das cooperativas, 15 representantes dos territórios coloniais (agricultura, indústria, minas, transportes, comércio, bancos, além da representação por territórios), 8 representantes das associações familiares, 8 representantes qualificados do «pensamento francês no domínio económico e científico, dois delegados das federações de associações de sinistrados e 7 representantes de actividades diversas (aforro, proprietários urbanos, turismo, actividades exportadoras, classes médias, inquilinos) - ao todo 109 membros.
O conselho pode ouvir, sobre questões determinadas, respeitantes a dado sector profissional, representantes desse sector, além de membros dos grandes corpos e conselhos do Estado, bem como Ministros, Secretários de Estado ou representantes seus. Os presidentes e relatores das comissões parlamentares podem assistir às sessões das comissões do conselho.
O conselho económico é, essencialmente, um órgão de estudo e consulta, associado à obra da legislação, examinando os projectos e propostas de lei de carácter económico o social, antes de a assembleia nacional deliberar sobre eles, devendo limitar sempre a sua análise a estes aspectos. O próprio governo o pode consultar sobre os planos económicos nacionais, sobre a evolução da conjuntura económica e sobre as avaliações oficiais do rendimento nacional. Ultima nota de interesse: o conselho pode, apresentar sugestões em matérias económicas, sociais e financeiras, fazer inquéritos e requerer informações para as basear, bem como aos pareceres.
O conselho trabalha por comissões permanentes, que actualmente são nove, por comissões especiais, cujos membros são escolhidos em razão da sua competência, e sucessivamente em sessões plenárias sobre os pedidos de parecer da assembleia nacional e do governo.
Quanto à Constituição italiana, prevê a instalação de um conselho nacional da economia e do trabalho, composto de técnicos e de representantes das categorias produtivas, conforme a sua importância numérica e qualitativa. Trata-se também de um órgão consultivo dos câmaras e do governo para as matérias e segundo os funções que por lei lhe forem atribuídas.
Em 1948, a Bélgica, por último, embora por simples lei ordinária, instituiu um conselho central da economia, com competência para dar pareceres e fazer propostas concernentes à economia nacional. Este conselho tem cinquenta membros, nomeados por decreto real sobre listas duplas apresentadas pelas organizações interessadas mais representativas, tanto patronais como operárias, tanto agrícolas como comerciais e industriais, tanto artesanais como das profissões liberais.
Sr. Presidente e Dignos Procuradores: quando o problema da renovação das instituições políticas se pôs cm Portugal, no interregno ditatorial de 1926-1933, a ideia de uma assembleia do tipo profissionalista obteve adesão, quer do sector mais a esquerda, quer do sector mais à direita, da opinião política nacional.

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Recordo que o Grupo de Estudos Democráticos, dirigido pelos Drs. Dias Pereira e Sá Nogueira, julgava «necessária a criação (são as suas próprias palavras) de um conselho económico eleito pêlos produtores e trabalhadores, que organizaria todos os planos a adoptar, os quais seriam submetidos a deliberação do poder legislativo». O Integralismo Lusitano procurava, como é sabido, pôr uma câmara corporativa como auxiliar do monarca. Quanto ao Prof. Oliveira Salazar, no seu discurso de 30 de Julho de 1930, aludia à necessidade de dar representação no Estado à nação organizada, que é como quem diz, aos grupos naturais necessários à vida individual e de que se constitui realmente a sociedade política - a família, as corporações morais e económicas e as autarquias locais. Estas sociedades colocadas entre o indivíduo e o Estado designariam os membros das câmaras legislativas. Não é seguro, porém, a partir das suas palavras, se esta representação da Nação, que considerava a mais fiel do que qualquer outras, seria uma representação exclusiva, ou se se combinaria, por qualquer modo, com a representação individualista-territorial.
A avaliar pela sua responsabilidade na elaboração do texto constitucional que em 1933 foi submetido a plebiscito nacional, o seu pensamento não seria tão ousado como se depreendia da letra do discurso de 30, pois se consagrou aí um sistema unicamaral, em que o órgão legislativo era simplesmente assistido da consulta de uma câmara corporativa, que funcionaria junto dele. Essa câmara era composta de representantes das autarquias locais o dos interesses sociais considerados nos seus ramos fundamentais de ordem administrativa, moral, cultural e económica, de acordo com as sugestões do Prof. Salazar em 1930.
Na ausência de corporações em sentido técnico, os interesses são representados na Câmara Corporativa por várias formas, que vão da designação pelo Conselho Corporativo à eleição. Quanto as autarquias locais e aos interesses de ordem administrativa, a fórmula actual deve ser a definitiva.
Do 1933 para cá não houve alterações fundamentais na orgânica da Câmara e a sua índole permanece a mesma: de órgão consultivo. Simplesmente, em 1930, passou a ser também órgão consultivo do próprio Governo, enquanto órgão legislativo e instância regulamentar. Em consequência disso o funciona mento da Câmara deixou de sincronizar-se rigorosamente pelo da Assembleia.
Em 1951, à Câmara foi expressamente atribuída competência para fazer recomendações ao Governo.
Sr. Presidente: como se vê, a missa Câmara, sem ser um parlamento corporativo, também não é um simples conselho económico, como os que existem hoje em França, na Itália e na Bélgica. A nossa concepção deste órgão auxiliar do legislador à mais ampla do que a consagrada nestes países, na medida em que se pretende dar representação não só aos interesses económicos, mas também aos outros interesses sociais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Simplesmente, e ao contrário do Conselho Económico da França, a representação dos consumidores não existe aqui. Bem como não existe uma representação dos interesses ultramarinos em termos adequados.
De um modo geral, no futuro, a grande tarefa do legislador, no que respeita a esta Câmara, é a de alargar a representação nela a interesses e valores sociais tão variados quanto possível, sem mesquinhas preocupações financeiras. O quadro dos seus técnicos deverá também, por seu turno, ser ampliado.
Por outro lado - dico aperte - creio que seria necessário obrigar mais estritamente o Governo a enviar os seus projectos de decretos-leis a esta Câmara, já que nem sempre se socorre do seu parecer quando se impõe. Inclusivamente, chega a não o fazer quando se permite revogar por decreto-lei leis da Assembleia Nacional. Desta forma se daria uma cooperação ao Governo de que ele muitas vezes bem precisa. Lembro-me, a propósito, do recente Código da Estrada, um dos diplomas tecnicamente mais mal feitos dos últimos tempos, que, parti mais, consagra soluções jurídicas aberrantes. Quando esta Câmara não é ouvida e sobre a legislação preparada pelo Governo ou, como é corrente, por funcionários, em seu nome, corre-se o grave risco de não se terem era couta interesses que conviria satisfazer, contrariar ou, de qualquer mudo, considerar diferentemente.
E julgo ainda que, na primeira oportunidade, será útil reparar nas leis orgânicas das assembleias estrangeiras idênticas para se melhorar a da nossa.
Sr. Presidente: no seu discurso do 20 de Outubro do 1949, o Prof. Oliveira Salazar, posto, uma vez mais, perante o problema do alcance da representação corporativa, reconheceu que «não parece certo que o interesse nacional seja apenas constituído pela combinação dos diversos interesses materiais ou morais ou que, pelo menos, não haja, além destes interesses específicos e particulares de grupos, um interesse político geral, relativo à Nação como ser e unidade moral. Há conceitos - acrescentou - que informam e orientam a vida da Nação em conjunto». Qual o intérprete autorizado das aspirações e tendências que o corpo social revela? Uma assembleia de representação individualista? Uma câmara corporativa?
Vinte anos volvidos dobre a sua entrada em funções, a Câmara Corporativa consolidou progressivamente o seu prestígio, quer perante a opinião pública indiferenciada, quer perante todas as camadas cultas do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, para isso, não teve necessidade de mais do que manter-se substancialmente como câmara de exame das invenções (para retomar a linguagem de Saint-Simon), isto é, das propostas e projectos de lei do Governo e da Assembleia, trabalhando discreta e silenciosamente, reunindo, nos seus pareceres, a voz dos interesses nela representados, o saber dos seus procuradores dos interesses c dos seus técnicos e elevando-se, na média dos seus votos, ao nível do bem comum. Postos frente a frente, na Câmara, os procuradores década ramo de interesses ou dos interesses especializados confrontam pontos de vista, preocupações, aspirações, pesam necessidades, discutem problemas livremente c som constrangimentos. Este contacto como que obriga a objectividade e a compreensão, à conciliação, à síntese, à compensação dos interesses e das opiniões.
Todavia, continuo convencido de que não deve considerar-se, no futuro, esta Câmara, qualquer que venha a ser a evolução da organização corporativa, como o órgão a que, em definitivo, compete ser intérprete final e autorizado do bem comum, palas razões já atrás resumidas, válidas de um modo geral para todas as assembleias de representação técnica, profissional, económica ou corporativa que aspirem à categoria parlamentar ou deliberativa. Além da razão fundamental, que perfeitamente traduzem as palavras, que há pouco reproduzi, do Prof. Salazar, há a considerar, em especial, o que há de arbitrário, quer na definição dos interesses especializados, quer no número dos representantes que se lhe atribuam. Considere-se ainda que na Câmara não

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há de todo representação dos consumidores como tais ou, de qualquer modo, não é fácil que possa deles haver aqui representação adequada. A vossa corporação dos consumidores só aos órgãos da soberania - Chefe do Estado, Assembleia Nacional e Governo - encontra conveniente representação.
Seja como for, creio que, cristãos como somos, não pordemos negar ao homem, na simples qualidade de homem, participação no poder, ainda que de forma indirecta. Está em si o valor imanente supremo. Reconheçamos-lhe o direito de ser ele próprio a decidir do interesse geral. Com isto não se pretende dizer que a verdadeiro decisão política deva caber, em seu nome, a organizações que, para fins particularistas, designadamente para alicerçar as ambições de mundo, a vontade do poder, de alguns, semeiem discórdia, explorem emoções irracionais, criem mitos e, a título de respeitar o indivíduo, o socializem e despersonalizem - os partidos políticos. Esse é, porém, um ponto diferente da filosofia do Regime, que não desejo versar hoje aqui.
Reparando agora no tempo que vos ocupei cora as minhas considerações, Sr. Presidente e Dignos Procuradores, verifico que me alonguei muito para além do razoável. Se concluirdes que tratei o meu tema sem merecer louvor - sanza lodo -, espero que, no menos, possais reconhecer que o versei sanza infamia.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Não está mais nenhum Digno Procurador inscrito para usar da palavra na ordem do dia.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Duas palavras antes de encerrar a sessão.
Os oradores que acabam de falar puseram em destaque a obra realizada pela Gamara nos. últimos vinte n nos, obra que é dos Procuradores actuais e de muitos que serviram em legislaturas anteriores.
Creio que interpreto os sentimentos gerais recordando com veneração e saudade a memória dos antigos Procuradores falecidos, alguns dos quais tantos e tão valiosos serviços prestaram nos incertos começos da Câmara, criando-lhe as tradições que ela hoje se orgulha em ter e em seguir.
Para os antigos Procuradores ainda felizmente vivos, e que à Câmara trouxeram o prestígio dos seus nomes e o relevo dos seus serviços, vão as saudações mais calorosas de nós todos . . .

Vozes: - Muito bem!

Aplausos gerais,

O Sr. Presidente: - ... com a certeza de que não ficaram esquecidos, antes a sua recordação só conserva bem presente na memória o na gratidão dos que os continuaram.
Permito-me ainda cumprimentar os «veteranos» da Câmara, aqueles Dignos Procuradores que desde há vinte anos lhe têm prestado ininterruptamente o concurso da sua inteligência, da sua experiência e do seu saber, constituindo, numa assembleia tão movediça, a cada passo renovada, os elementos de continuidade e de estabilização. Não são muitos, e creio poder dizer-lhes os nomes sem omissão: o ilustre presidente que foi desta Câmara José Gabriel Pinto Coelho (palmas), o nosso eminente declino Ezequiel do Campos, que se encontra em missão oficial cm África (palmas), e os Dignos Procuradores Afonso de Melo (palmas), Alexandre de Almeida (palmou) e Júlio Dantas (palmas).
Que SS. Ex.ªs aceitem as mais vivas homenagens dos seus colegas, com os votos de que por muitos anos ainda os possamos contar entre os mais ilustres membros desta Câmara.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Sr. Presidente: - Passaram vinte anos na existência da Câmara Corporativa. Nas conturbadas circunstâncias em que decorreram são tempo bastante para pôr à prova a solidez e a utilidade de uma instituição. Mas são um breve momento apenas na existência nacional.
As instituições não vivem para o dia que passa: a sua obra representa uma capitalização de experiência e de autoridade, que sucessiva» gerações vão fazendo, num espírito desinteressado de continuidade e de solidariedade, com os olhos postos no futuro.
Nus horas difíceis, quando nas certezas se insere a dúvida e os edifícios parecem abalar-se pelos alicerces, é nas instituições que os homens devem encontrar amparo e guia. Consolidar e prestigiar as instituições é, por isso, o dever dos estadistas que queiram fazer perdurar um pensamento é assegurar a fecundidade de um espírito para além da fragilidade da vida humana.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - A Câmara Corporativa constituiu-se nesta sala há vinte anos como ensaio de novas formas de representação política impostas por concepções de perene vigência sobre as realidades do homem, na sociedade e do Estado. Todos os que nesse dia aqui entrámos trazíamos connosco uma grande ansiedade c também uma grande esperança. A ansiedade vinha da novidade; a esperança estava nos princípios.
Vinte anos decorridos permitiram-nos dissipar a ansiedade, mas não mataram a esperança. Sabemos hoje o que é e o que deve ser uma Câmara Corporativa. Tirámos da experiência a lição que permito aproveitar muito do bom e aperfeiçoar aquilo que não é perfeito. Podemos com segurança definir melhor o papel a desempenhar e fazer-lhe corresponder mais exactamente o órgão adequado.
E continuamos a esperar que a Câmara Corporativa, organizada sobre a base dos corporações, seja chamada a exercer o largo e importantíssimo papel que lhe compete num Estado Corporativo . . .

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: -... não apenas exprimindo autenticamente junto dos outros órgãos do Poder político os interesses reais da Nação, mas também fomentando, acalentando e fazendo irradiar o espírito de entendimento e colaboração entre classes e entre categorias económicas c profissionais, tão necessário como condição daquela ordem orgânica que resulta da cooperação funcionalmente estabelecida pela inteligência e acatada de livre vontade.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Ao iniciar um novo ano de existência creio que esta esperança é o sentimento dominante da Câmara; e que todos desejaríamos dar à Nação a certeza de que pode contar com o esforço colectivo dos Procuradores aqui reunidos, para que a instituição corresponda, cada vez melhor, não só as suas actuais funções constitucionais, mas a própria ideia de que nasceu

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e que tanto queríamos ver desenvolver-se e perfazer-se segundo os imperativos da sua lógica interna.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Interpretando ainda os sentimentos da Câmara, transmitirei a S. Ex.ª o Presidente da República as nossas homenagens juntamente com os protestos da nossa dedicação ao interesse nacional . . .

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O St. Presidente: - ... e ao Sr. Presidente do Conselho as saudações dos que não esquecem o pensador e o estadista a quem a Nação deve as leis constitucionais, com a anunciação do Estado Corporativo, e de quem espera ainda que por dilatados anos realize a obra que complete aquela com que já tão profundamente se tornou, para sempre, credor da gratidão do País!

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Sr. Presidente: - Finalmente, desejo testemunhar à Assembleia Nacional a alta consideração desta Câmara.
A Assembleia Nacional encontra-se aqui representada pelo seu vice-presidente, Sr. Eng. Augusto Cancella de Abreu, na impossibilidade da comparência do seu Presidente, que, entretanto, enviou um telegrama prestando homenagem a esta Câmara e felicitando-a pelo seu 20.º aniversário.
Há vinte anos que colaboramos no trabalho legislativo; creio, porém, que não estão esgotados todos os meios de tornar mais íntima e proveitosa essa colaboração. A Câmara Corporativa verá com prazer tudo quanto concorra para aperfeiçoar os métodos de acção em conjunto. Uma única preocupação é seu timbre e por ela pauta inflexivelmente a conduta que segue: a de servir o mais fiel e completamente que seja possível o interesse superior da Nação!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Convido os Dignos Procuradores a dirigirem-se agora para a sala das sessões das secções, a fim de se proceder à inauguração do retrato do primeiro Presidente desta Câmara, general Eduardo Augusto Marques.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 45 minutos.

Digno Procurador que entrou durante a sessão:

Francisco José Vieira Machado.

Dignos Procuradores que faltaram à sessão:

Adelino da Palma Carlos
Adriano Gonçalves da Cunha.
António Bettencourt Sardinha.
António Ferreira da Silva o Sá.
António de Oliveira.
Armando António Martins de Figueiredo.
Ayres Francisco de Sousa.
Ezequiel de Campos.
Francisco de Melo e Castro.
Isidoro Augusto Farinas de 'Almeida.
João Mendes Ribeiro.
João Osório da Rocha e Melo.
Joaquim Camilo Fernandes Álvares.
Júlio Carlos Alves Dias Botelho Moniz.
Mário de Oliveira.
Pedro Soares Pinto Mascarenhas Castelo Branco.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ramiro da Costa Cabral Nunes de Sobral.

O REDACTOR - Luís Pereira Coutinho.

Discurso do Digno Procurador Afonso de Melo na cerimónia do descerramento do retrato do primeiro Presidente da Câmara, general Eduardo Augusto Marques:

Sr. Presidente: creio que sou um homem disciplinado. Disciplinado por educação familiar, por formação profissional, mesmo por temperamento. Houve por bem V. Ex.ª designar-me para usar agora aqui da palavra, em nome da Câmara, invocando a circunstância de sermos, eu e o Sr. Dr. Júlio Dantas, os mais velhos, dos Dignos Procuradores aqui presentes e de eu me contar entre os poucos que aqui permanecem desde essa quadra, heróica - heróica, porque a época era ainda de incertezas e de batalhas e o regime corporativo como que um mistério para a maioria da população - em que foi constituída a Câmara Corporativa e eleito o seu primeiro presidente. Melhor fora que se ouvisse aqui a palavra, sempre admirável, de Júlio Dantas. Ele acrescentaria com a sua glória a glória do homenageado. Mas foi-lhe reservada a suprema honra de descerrar o retrato, obra de arte do pintor Medina, que fica a adornar esta sala. Obedeci, pois, como me cumpria.
Sr. Presidente: foi, na verdade, uma nobre, uma gloriosa figura de militar e de cidadão o primeiro Presidente da Câmara Corporativa.
A primeira vez que o vi, general de reserva, os cabelos brancos de neve, a tez pálida, as carnes mirradas pelas febres dos trópicos, o dorso curvado, as falas brandas e concisas, os gestos moderados, o traje despretensioso e o rosto onde fuzilavam uns olhos expressivos, apenas franzido num sorriso de humana simpatia, todo ele tão modesto que até parecia pedir desculpa de ser quem era, mal podia acreditar estar em frente do herói quase lendário, cujo nome me era familiar.
Com efeito, meu irmão, o tenente-coronel Albano de Melo Veloso (ele também herói das campanhas de ocupação ultramarina - Cruz de Guerra e Torre e Espada -, companheiro de João de Almeida e de Alves Roçadas, e por um governador e pacificador da Lunda, em Angola, e, na metrópole, comandante da Escola Central de Sargentos, e inválido, preso a uma cadeira de rodas até à morte), muitas vezes me falava de Eduardo (Marques, exaltando-o como um dos positivos valores do nosso Exército. Chefe do estado-maior das colunas de operações contra o Molondo, em 1905, e contra o Cuamato, em 1907, sabedor, metódico e previdente, bom camarada, inspirava toda a confiança tanto aos comandantes como às tropas em marcha.
Foram estas qualidades que o recomendaram, a ele, que não era político, nem de alardes pessoais, para governador do distrito de Lourenço Marques e sucessivamente de Timor, de Macau e de Manica e Sofala, onde deu tais provas que veio a ser colocado como director-geral de Administração Política e Civil do Ministério das Colónias e depois nomeado vogal do Conselho Colonial, do Conselho Superior das Colónias e do Conselho do Império, como portador dos mau vastos e melhor documentados conhecimentos sobre os problemas do nosso ultramar.
Esta brilhante carreira de técnico da administração ultramarina não diminuiu as suas qualidades militares, pois que, tenda atingido o posto de general e sendo-lhe confiado o cargo de comandante da Escola Central de Oficiais, os seus méritos, a sua actualização nos vários ramos da arte da guerra e a sua lealdade o indigitaram

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para o alto cargo de chefe do Estardo-Maior do Exército, que exerceu até atingir o limite de idade, em 21 de Junho de 1932.
Entretanto, as suas comprovadas aptidões e a reputação de integridade do seu carácter não podiam deixar de interessar os organizadores políticos da marcha da evolução Nacional, no período evolutivo que se desenrolou entre 1926 e 1930, pelo que foi chamado a desempenhar as funções de Ministro das Colónias, de Junho de 1929 a Janeiro de 1930 e de Junho deste ano a Janeiro de 1931 - o que fez com prudência e autoridade.
Sr. Presidente: com tal folha de serviços, o seu nome surgiu logo como vim dos primeiros a, ser designado para fazer parte da Câmara Corporativa, como representante dos interesses ultramarinos, logo na sua primeira legislatura, de 1935 a 1938; e a Câmara elegeu-o Presidente, o seu primeiro Presidente, alto cargo em que se manteve através de três legislaturas, até que a morte o surpreendeu em 10 de Junho de 1944, quando ia perfazer 77 anos.
Posso falar com alguma autoridade da sua acção directiva.. Tomei parte na sua eleição, aliás por unanimidade. Estive em frequente contacto com ele, na qualidade de membro e presidente da secção de Justiça e depois também como participante na Comissão de Verificação de Poderes c no Conselho da Presidência. Assisti a todas as sessões plenárias a que presidiu. Várias vezes me honrou com a sua confiança particular, consultando-me sobre a maneira de encaminhar a resolução de alguns casos difíceis. Creio que foi sempre afável com todos os Dignos Procuradores, mas comigo foi um pouco mais, porque foi afectuoso.
Todavia, a minha gratidão não supera o meu espírito de justiça.
Ele não tinha o dom da palavra. Não gostava das cerimónias espectaculares nem das galas oratórias que não chegassem brevemente a uma solução concreta; e, como não podia ter a preparação jurídica necessária para apreciar todas as insuficiências da incipiente organização corporativa, reduzia as sessões plenárias à expressão mais simples, com um certo desconsolo de Dignos Procuradores que desejavam maior brilho nas suas raras sessões públicas.
No entanto, o Presidente possuiu uma inteligência penetrante que facilmente se traduzia em ideias claras quando os assuntos lhe eram explicados tranquilamente. E era um grande trabalhador, com uma alta consciência dos seus deveres e uma surpreendente intuição das resoluções mais convenientes, certamente desenvolvida e afinada pela multiplicidade nas questões ultramarinas, de toda a espécie, sobre que teve de deliberar.
De inconcussa probidade pessoal e política, o seu prestígio e a sua isenção não pouco concorreram para que naqueles primeiros anos da edificação corporativa, de inseguros alicerces e paredes inacabadas, não surgissem ou se esbatessem atritos de vária espécie, de aspecto político ou pessoal, que ainda hoje podem ser perturbantes.
A sua actividade, como simples Procurador adstrito à secção de Política e economia colonial e não liberto pelo nosso antigo Regimento, de ser encarregado de relatar pareceres, deixou-nos interessantes documentos, não só da sua capacidade de trabalho, uras também da sua elevada competência. Acode-me citar os pareceres por ele elaborados sobre a proposta de lei que criou e organizou o Conselho do Império; sobre outra proposta de lei destinada a valorizar todas as fontes de receita de Angola, e ainda sobre a acção colonizadora do Estado no ultramar, em que largamente se debate este complexo problema, apresentado à nossa Câmara em 1940, parecer este que fica, como obra de consulta, tanto mais que tem anexas as extensas declarações de voto dos Dignos e cultos Procuradores, também já falecidos, Srs. Vicente Ferreira e Velhinho Correia.
O general Eduardo Marques foi, portanto, sob todos os aspectos, um insigno expoente das qualidades e virtudes da Câmara Corporativa. Dirigiu-a e representou-a com inexcedível prudência e a maior dignidade na época difícil em que ela ensaiou os seus primeiros passos e depois honrou-a pela maneira como SB desempenhou da missão extraordinária, que lhe confiou o Governo da Nação, de a representar como plenipotenciário no Vaticano, para a assinatura da Concordata e do Acordo Missionário com a Santa Sé.
No fim da sua vida exemplar, o seu peito já não chegava para as condecorações com que o tinham agraciado: grã-cruzes das Ordens Portuguesas de Cristo, de Avis e do Império Ultramarino; da Pontifícia Ordem Piana e da Brasileira Ordem do Cruzeiro do Sul; comendas da Ordem da Torre e Espada e da Legião de Honra e medalha de ouro de serviços relevantes no ultramar.
Naquele pequeno corpo habitava uma grande alma, quo se manifestava por uma vontade forte, um cérebro potente e um coração generoso.
Ser o nosso primeiro Presidente e ter qualidades para permanecer oito anos ininterruptos nesse alto cargo político já era título suficiente para quo o perpetuássemos como símbolo da fundação desta Câmara; mas ele foi um excelente Presidente e um excelente português.
Só nos resta louvar o nosso actual Presidente, o eminente Professor e homem de Estado Doutor Marcelo Caetano, pela iniciativa que tomou desta oportuna celebração e homenagem e pelos desvelos que pôs na sua condigna realização. Outros e mais fecundos serviços lhe deve já a Câmara, atinentes ao fulgor do seu prestígio o à eficiência da sua acção legislativa. Por isso o temos na admiração e respeito das nossas inteligências e na sincera estima dos nossos corações.

Rectificação

No parecer n.º 11/VI, publicado no n.º 25 das Actas da Câmara Corporativa de 8 de Janeiro de 1955, o terceiro período do n.º 8 deve ler-se como segue:

Acentue-se que, tendo já a Assembleia Nacional, em sessão de 23 de Março de 1953 (após o parecer desta Câmara n.º 42/V, publicado no Diário das Sessões n.º 218, de 18 de Março de 1953), aprovado para ratificação o Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte sobre garantias dadas pelos Estados partes no Tratado aos Estados membros da Comunidade Europeia de Defesa, quando se pensava, que seria a incorporação nesta comunidade a forma preferível de integrar a República Federal Alemã no sistema de defesa do Ocidente, o processo de acessão directa da Alemanha à O. T. A. N. que, frustrada essa primeira fórmula, agora é adoptado para conseguir o mesmo objectivo não altera, evidentemente, a posição portuguesa. Mesmo a decisão tomada na última reunião ministerial do Conselho em Paris, que coloca sob a autoridade do Comando Supremo Aliado na Europa todas as forças estacionadas na área daquele Comando, não modifica aquela posição. Por intervenção da delegação portuguesa, aceite pelo Conselho, ficou esclarecido que Portugal não está compreendido na zona daquele Comando.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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