O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 335

REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA

N.º 31 VI LEGISLATURA 1955 28 DE JANEIRO

PARECER N.º 13/VI

Projecto de decreto-lei n.º 504

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de decreto-lei n.º 504, elaborado pelo Governo sobre o registo da propriedade automóvel, emite pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração-geral, Justiça e Obras públicas e comunicações), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Francisco Marques, João Pedro Revés Clara e Manuel António Fernandes, sob a presidência do Digno Procurador, assessor, José Gabriel Pinto Coelho, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

1. O problema do registo da propriedade automóvel vem assumindo, de há anos a esta parte, enorme importância.
O automóvel é hoje predominantemente um instrumento de trabalho; a sua utilização é imposta pela celeridade da vida moderna; certas indústrias só dele vivem; as actividades mercantis que lhe andam ligadas suo consideráveis; houve mie criar legislação própria para regular as responsabilidades derivadas do seu uso; e, porque o respectivo comércio se faz, a maior parte das vezes, com base no crédito, tornou-se mister acautelar as suas operações e assegurar, nos limites do possível, o cumprimento dos obrigações emergentes da sua utilização.
Quando estes problemas se colocam, e dado que, como elemento do património, o automóvel pode ter de garantir obrigações do proprietário, logo surge a necessidade do registo, como meio de dar publicidade à sua situação e de colocar os que hajam de efectivar direitos através dele em condições de saberem com que podem contar.

2. Já o Código da Estrada, aprovado pelo Decreto n.º 18 406, de 31 de Maio de 1930, procurara, por forma rudimentar, atingir tal objectivo, determinando, no seu artigo 75.º, a obrigatoriedade das participações, às comissões técnicas de automobilismo, das transferências de propriedade das viaturas, sem o que o vendedor ficaria «com a responsabilidade, não só das respectivas contribuições, mas também das responsabilidades e penalidades do Código».
Patente a insuficiência do sistema, que só asseguraria a identificação dos proprietários dos automóveis, o Decreto n.º 18 479, de 18 de Junho de 1930, criou, junto, de cada uma das aludidas comissões técnicas, uma Conservatória do Registo da Propriedade Automóvel, cujas atribuições e funcionamento foram fixados em regulamento da mesma data.
Depois, o Decreto n.º 21 087, de 14 de Abril de 1932, reorganizou os serviços desse registo, mas sem lhe imprimir o carácter de obrigatoriedade, que é a base da sua eficiência.
Só o Decreto n.º 37 666, de 19 de Dezembro de 1949 - depois transformado em proposta de lei n.º 17, nos termos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição -, veio, no § 3.º do seu artigo 9.º, declarar obrigatório o registo da aquisição, por qualquer título, da propriedade de veículos automóveis.
Tal inovação mereceu os aplausos desta Câmara, no parecer n.º 8/V, e subsistiu na Lei n.º 2049, reguladora hoje ainda dos serviços de registo e de notariado.
Previa-se, quer no Decreto-Lei n.º 37 666, quer na Lei n.º 2049, a publicação dos regulamentos indispen-

Página 336

336 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.° 31

sáveis à execução dos serviços de registo (§ 6.° dos artigos 9.° do decreto e da lei).
Até hoje ela não se fez; e esses serviços, no respeitante às viaturas automóveis, têm estado a ser executados segundo as determinações da Portaria n.° 13 082, de l de Março de 1950.
Mas agora o Governo julgou chegada a altura de promulgar a anunciada regulamentação.
Quis, porém, fazê-la preceder dum diploma onde se sistematizassem todas as disposições especiais pertinentes, ao registo sobre veículos automóveis.
É esse o louvável objectivo do projecto que estamos estudando.

3. Na generalidade não há grandes reparos a fazer-lhe.
Puder-se-ia apontar ao projecto o defeito já assinalado pelos Drs. Pedro Veiga e Luís Veiga, ao comentarem o Decreto n.° SI 087, de nele se amalgamarem os assuntos mais díspares - desde o objecto da propriedade automóvel e o registo dos actos jurídicos, ao processo de apreensão das viaturas oneradas e à transposição da fronteira por elas (Notas ao Código da Estrada, p. 74).
O próprio legislador confessa, porém, que não pensou promulgar um decreto estruturado, e só quis substituir os vários textos em vigor por um único.
Há, por isso, que apreciar o diploma não se olvidando a finalidade que lhe é assinalada e o objectivo Já sua publicação.
Respeitando-os, o projecto limita-se, em parte, a reproduzir, aperfeiçoadas pelas lições da experiência, as disposições do Decreto n.° 21 087; noutra parte contém certas inovações.
Em qualquer dos casos, tis observações que suscita melhor se enunciarão ao analisar na especialidade os seus preceitos.
Dum modo geral, quer, porém, a Câmara acentuar que, dada a índole complementar do projecto, que apenas se ocupa do particular, deixando para as íeis gerais o que não seja específico do registo da propriedade automóvel, ou estreitamente ligado a esse registo, há nele disposições que representam inútil enunciação de princípios, sem cabimento num diploma desta natureza. Por isso preconiza a sua supressão.
Por outro lado, repugna à Câmara admitir a aplicação de sanções penais, cominadas para crimes tipificados, a actos em que mão concorrem os elementos característicos desses crimes. É mau princípio que, apenas para facilitar a repressão, se alargue o âmbito das normas sancionadoras, fazendo-as abranger actos que não quadrem tecnicamente ao seu conteúdo. Por esta razão, expurgar-se-á o projecto do que nele traduza orientação contrária à que se deixa afirmada.
Finalmente, a Câmara lastima que a inconveniência do regime estabelecido no Código da Estrada, que faz concentrar na Direcção de Viação de Lisboa a quase totalidade das matrículas de automóveis, tenha a necessária repercussão na definição da competência das conservatórias do registo automóvel, em prejuízo do recomendável equilíbrio do serviço dessas repartições e, o que é pior, em detrimento dos interesses do público. Esse problema merece ser considerado e a Câmara chama para ele a atenção do Governo, sobretudo pelos incómodos que causa a tantos proprietários de automóveis dispersos pelo País, e aos demais interessados no serviço de registo, o terem, de se dirigir à cidade de Lisboa e, em menor medida, à do Porto (pois nestas cidades é que se realiza a importação dos veículos por via marítima) sempre que necessitem de tratar de qualquer assunto relativo ao registo, por a matrícula ter sido feita no local da importação.

II Exame na especialidade

4. O projecto começa por fixar, no seu artigo 1.°, a competência exclusiva das conservatórias do registo de automóveis para o registo de direitos, ónus e encargos sobre veículos automóveis.
Esta competência já era estabelecida no artigo 9.º da Lei n.° 2049; mas, porque a fórmula do artigo 1.º em análise é porventura mais ampla e expressiva que a da lei, não há inconveniente em que subsista.

5. As disposições dos artigos 2.°, 3.° e 4.° não merecem quaisquer reparos, a não ser de forma a dar-se-lhes nova redacção, até com o propósito de fazer coincidir a sua terminologia com a dos outros diplomas que regulam as matérias neles versadas, sem, no entanto, se lhes alterar o conteúdo.

6. O artigo 5.° refere-se à forma dos contratos constitutivos de ónus ou encargos sobre veículos automóveis.
No Decreto n.º 21 087 (artigo 9.°) dispunha-se que esses contratos podiam ser celebrados «por escritura, escrito particular ou declaração dos contraentes reconhecida por notário ».
Agora referem-se apenas duas formeis de celebração de tais contratos: a «escritura» ou o «escrito particular com reconhecimento das respectivas assinaturas feitas perante o notário».
A tendência no comércio de automóveis é no sentido de se facilitar a celebração dos contratos e de se reduzirem as respectivas formalidades.
O projecto de decreto vai, porém, contra essa tendência, e fá-lo por modo pouco justificável.
Se basta o escrito particular, para que alude o projecto à escritura pública?
Só haveria que mencioná-la se ela fosse indispensável; não o sendo, é escusado referi-la, porque a forma mais solene do contrato produz todos os efeitos da forma menos solene. Se o escrito particular prova o contrato, a escritura prova-o, por maioria de razão.
Portanto, deve suprimir-se do texto a referência à. escritura que no projecto se contém.
Quanto aos requisitos do escrito particular, também há que fazer certas observações.
O projecto exige o reconhecimento das assinaturas feitas perante o notário.
O Código do Notariado, no seu artigo 204.° e respectivos parágrafos, refere três espécies de reconhecimento: autêntico, circunstanciado e simples.
Parece que o intuito do projecto é impor o reconhecimento circunstanciado dos contratos; isto é, o reconhecimento feito com. menção de qualquer facto ou circunstância que aos signatários ou aos interessados se refira (§ 2.° do citado artigo 204.°); mas a expressão empregada é vaga em demasia.
Melhor seria enunciar com precisão as menções que o reconhecimento há-de conter, adoptando, por exemplo, a fórmula claríssima dos artigos 35.°, n.° 2.°, e 52.°, II, do Código de Processo Civil: escrito particular com, as assinaturas dos contraentes feitas perante o notário que assim o certifique e reconheça a identidade dos signatários.
Mas a verdade é que impor aos contraentes a comparência perante o notário, para este lhes reconhecer as assinaturas na sua presença, dificultará grandemente as transacções.
Ë necessário não se abstrair das realidades; e toda a gente sabe que o comprador do automóvel não quer sujeitar-se a incómodos e dificilmente acederá a comparecer no cartório notarial para prestar ao vendedor as garantias de que este queira cercar-se.

Página 337

28 DE JANEIRO DE 1955 337

A exigência do projecto só virá dificultar as transacções ou fazer que os vendedores prescindam das garantias, para não perderem o negócio.
Conduzirá a resultado contrário ao que se pretende alcançar.
Por isso a Câmara entende que deve manter-se a solução do Decreto n.° 21 087, podendo os contratos a que se refere o artigo 5.° do projecto ser celebrados por escrito particular, com reconhecimento notarial simples.

7. O artigo 6.° do projecto permite a constituição sobre veículos automóveis de hipotecas voluntárias e legais.
Certas autores, como o jurisconsulto brasileiro José da Silva Costa, no seu Direito Comercial Marítimo, Fluvial e Aéreo, vol. n, p. 435, combatem vivamente a admissibilidade da constituição de hipotecas sobre móveis, que consideram derrogação inadmissível da natureza desta garantia real.
Todavia, no direito romano podiam hipotecar-se todas as coisas alienáveis; eram objecto de hipoteca as coisas móveis e as imóveis (Diy., livro XX, título 1.°, De pignoribus et hypothecis, 9, 1). E sempre foi essa a doutrina admitida no antigo direito português.
Só nos tempos modernos, com a criação do registo, surgiu a ideia de limitar a hipoteca aos bens imóveis, por apenas estes serem susceptíveis de ser registados. Mas, desta regra, foram exceptuados os navios, por não se poder invocar, a seu respeito, a mesma dificuldade. Houve hesitações na consagração deste sistema, mas as legislações modernas acabaram por abraçá-lo abertamente, e por toda a parte a hipoteca marítima é hoje admitida.
E compreende-se que o seja.
Como diz Danjon, Manuel de Droit Maritwne, 2.ª edição, p. 606, os navios prestam-se infinitamente melhor que os móveis ordinários à constituição de hipotecas; não estando submetidos à regra «a posse dos móveis serve de título», podem ser objecto do direito de sequela, sem o qual a hipoteca representaria uma garantia precária; e, sendo públicas as mutações da respectiva propriedade, a sua afectação hipotecária não pode ocultar-se, o que seria deplorável.
A estas razões acrescenta Wahl, Pràcix Théorique et Pratique de Droit Maritime, p. 414, uma outra não menos importante: os navios têm um porto de matrícula, que é o equivalente duma situação jurídica fixa.
Ora o que sucede com os navios sucede com os automóveis, desde que em relação a eles se consignou a obrigatoriedade do registo; e esta analogia de situações já foi posta em evidência pêlos teóricos do direito, automóvel.
Foi o que fizeram Annet-Badel & Perraud-Charlantier, Code Pratique de l'Automobile, n, p. 218, ao escreverem: «nada se opõe a que sobre os automóveis se possam constituir hipotecas». Com efeito acrescentam eles possuem uma identidade própria, os seus papéis oficiais, a placa do construtor, o livrete de circulação, o registo na Conservatória da Propriedade Automóvel. As mesmas razões que levaram a admitir a hipoteca sobre os navios, e, mais tarde, sobre os aviões, procedem para os veículos automóveis.
Aliás, entre nós, a este respeito já pode invocar-se uma certa tradição legislativa: o artigo 10.° do Decreto n.° 21 087 permitia a constituição de hipotecas sobre viaturas automóveis, por convenção das partes ou por disposição da lei.
Ocorre, todavia, perguntar: porque se refere o legislador apenas a estas duas espécies de hipotecas?
Sabe-se que hoje, a par delas, é admitida no nosso direito (embora contra o voto de alguns autores, como Guilherme Moreira, Instituições, II, 427) a hipoteca judicial.
O artigo 676.º do Código de Processo Civil determina expressamente que a sen tença, que condenar o réu no pagamento de uma prestação determinada, em dinheiro ou em géneros, mesmo antes de transitar em julgado, é título constitutivo de hipoteca, devendo esta ser registada para produzir efeitos em relação a terceiros.
Ora se o devedor condenado for proprietário de um automóvel, que razão haverá para impedir que, com base na sentença, se registe hipoteca judicial sobre a viatura?
Manifestamente, não há nenhuma razão para isso; e daí entender esta Câmara que sobre os veículos automóveis podem constituir-se não só hipotecas voluntárias e legais, como o projecto determina, mas também hipotecas judiciais.

8. O artigo 7.° do projecto estabelece que aos créditos por venda a prazo de veículos automóveis gozam de hipoteca legal sobro a viatura»; o artigo 11.° enumera os créditos que gozam de privilégio mobiliário sobre os veículos automóveis; e, no seu § único, manda que estes créditos sejam graduados depois dos créditos por venda a prazo.
Compreende-se o intuito do legislador. Sabe-se que o comércio de automóveis assenta essencialmente na base do crédito. São muito frequentes os casos de pagamento de viaturas a prazo - e é mister assegurar aos vendedores o recebimento do respectivo preço.
Todavia, entre procurar-se a consecução deste objectivo e cair-se numa subversão de princípios há um abismo.
O privilégio creditório e a hipoteca são garantias de obrigações; mas naquele entre a coisa que serve de garantia e a obrigação garantida há um certo nexo.
Esta ideia é expressa com muita precisão por escritores nacionais e estrangeiros, como Guilherme Moreira e Henri de Page, quando acentuam que o privilégio se liga à qualidade do crédito e é um atributo legal dele (Instituições, vol. n, p. 348, e Traité Élementaire de Droit Civil Belge, tomo VII, vol. I, pp. 18 e 23).
Já com a hipoteca nem sempre assim sucede. A hipoteca pode garantir qualquer obrigação, mesmo que a coisa hipotecada não tenha com ela relação nenhuma.
Ora, no caso contemplado no artigo 7.° do projecto, a viatura serve de garantia ao seu próprio preço: há entre o crédito e a coisa que o garante a mais directa das ligações.
Logo isto mostra que no aspecto exterior a garantia se apresenta mais com a configuração de um privilégio que com a de uma hipoteca; e, a confirmar, esta ideia, vem o § 1.° do artigo 11.° do projecto estabelecer, como já acentuámos, que o crédito por venda a prazo (a que o legislador quer conceder garantia hipotecária) seja graduado antes dos privilégios mobiliários que o corpo do artigo 11.° enumera.
Isto não pode ser.
O privilégio creditório é a garantia máxima concedida aos credores e precede a hipoteca (veja-se, por todos os autores, Cunha Gonçalves, Tratado, V, pp. 286 e 287); daí ser inadmissível que, com desrespeito desta regra, se mandem graduar créditos privilegiados depois dos hipotecários.
Melhor seria, por isso, a solução dada ao caso pelo artigo 18.° do Decreto n.° 21 087, onde se dispunha que o «crédito por venda a prazo de viatura automóvel (goza de privilégio mobiliário especial, desde que seja registado».
É certo que o registo dos privilégios também representa desvirtuação da sua natureza.

Página 338

338 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31

Na noção do artigo 878.º do Código Civil, privilégio creditório é a faculdade que a lei concede a certos credores de serem pagos com preferência a outros, independentemente do registo dos seus créditos.
Mas há privilégios que só são aplicáveis quando estejam registados certos ónus: é o que sucede com os créditos por dívida de foros, censos, quinhões e rendas, que gozam de privilégio mobiliário especial, desde que a enfiteuse, o censo, o quinhão ou o arrendamento se achem registados (Código Civil, artigo 880.º, n.º 1 2.º e 3.º, e § 1.º).
E, por outro lado, há garantias que, em regra, também não estão sujeitas a registo, como o penhor (Código Civil, artigo 949.º, e Código Comercial, artigo 49.º); e, no entanto, no direito italiano, semelhante ao nosso, até que uma lei de 5 de Julho de 1928 admitiu a hipoteca sobre os navios e proibiu o respectivo penhor, este ura permitido, mas só produzia efeitos para com terceiros depois de transcrito «nei registri dell'ufficio marittimo presso il quale é inscritta la nave» (artigos 480.º e 486.º do Código Comercial Italiano).
Quer dizer: na lei italiana e no Decreto n.º 21 087 impunha-se o registo de garantias das obrigações que geralmente dele não carecem, por razões de ordem prática e de eficiência dessas garantias, que não repugna admitir.
Tal solução sempre seria menos aberrante que a de inverter-se a ordem de graduação, como faz o projecto, pretendendo que se paguem créditos hipotecários antes os privilegiados.
O caso pode, todavia, solucionar-se com inteiro rigor jurídico: o crédito por venda a prazo de veículos automóveis gozará de privilégio especial pelo prazo do pagamento desse preço, desde que do registo de transmissão da propriedade constem o prazo e a forma do pagamento. E ao credor ficará sempre salvo o direito de registar o crédito como hipotecário, nos termos do artigo 907.º do Código Civil.

9. É claro que, destinando-se o seguro exigido polo artigo 8.º do projecto a assegurar também o pagamento do preço, no caso de a venda ser feita a prazo, ele há-de preceder não só o registo das hipotecas, mas também o próprio registo da transmissão, quando feita em tais condições.
E, quanto às hipotecas, terá de ser feito antes do de todas elas - designadamente do das judiciais.
Aqui surgirá a dificuldade - aliás também de recear quanto a certas hipotecas legais, como, por exemplo, as referidas no artigo 906.º, n.ºs 2.º, 5.º e 7.º, do Código Civil- de o devedor não se prestar a fazer o seguro. Nestes casos deverá permitir-se ao credor que o faça, acrescendo os respectivos encargos ao montante do crédito, para serem pagos juntamente com este.

10. Também é preciso dar-se eficiência à determinação do § 2.º do artigo 8.º do projecto.
Para isso deverá impor-se às companhias seguradoras - a quem já se atribuem obrigações no artigo 9.º - a comunicação aos credores, com direito ao seguro, de falta de pagamento dos prémios ou de quaisquer outros factos que impliquem a resolução dos contratos, de modo que aqueles possam adoptar as medidas necessárias à defesa dos seus direitos. A fim de possibilitar às companhias o cumprimento desta obrigação, terão por sua vez as conservatórias de participar-lhes a constituição dos ónus ou encargos que incidam sobre as viaturas seguradas.

11. O artigo 9.º não merece reparos.

12. O artigo 10.º é de manifesta utilidade.

Vem já do Decreto n.º 21 087 (artigo 23.º) e evita as discussões que têm surgido, entre nós e no estrangeiro, a propósito da possibilidade de constituição do penhor sobre os navios, que alguns autores negam e outros admitem (pro: Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, III, p. 84; contra: Ripert, Droit Maritime, 4.ª edição, II, p. 9; Lyon-Caeu et Renault, Traité, va, pp. 706 e segs.), e que poderiam renovar-se acerca do penhor dos automóveis, que o primeiro Código da Estrada expressamente reconhecia (artigo 27.º, n.º 9.º, do Decreto n.º 14 988, de 6 de Fevereiro de 1928).

13. O artigo 11.º também não justifica discussão.
Reproduz o artigo 19.º do Decreto n.º 21 087, cuja aplicação não deu lugar a dúvidas nem a controvérsias.
A restrição que se contém na parte inicial do preceito é útil, para evitar que só invoquem outros privilégios, como poderia pretender-se ao abrigo das disposições do Código Civil (artigo 882.º, n.º 3.º, e artigo 883.º, n.ºs 1.º e 2.º). Mas, atenta a solução dada ao caso previsto no artigo 7.º do projecto, tem de incluir-se entre os privilégios aquele de que goza o crédito por venda a prazo de viaturas automóveis; e é mister acrescentar-se ainda à enumeração feita no artigo o privilégio estabelecido no artigo 56.º, n.º 9.º, do Código da Estrada, que razões de interesse público plenamente justificam.
Além disso, convém transpor para este artigo as determinações do artigo 12.º do projecto.

14. Nada há também a observar quanto ao artigo 13.º
Ele terá apenas de referir, entre os actos sujeitos a registo, os contratos de venda, a prazo de viaturas automóveis, a fim de se assegurar o privilégio estabelecido pelo artigo 7.º
Além disso, terá de estabelecer-se sanção para o não cumprimento da obrigação imposta no § único.
Dizer-se obrigatório o registo da propriedade e das suas transmissões é pouco. Para tornar eficaz a determinação é necessário impor cominações severas para a falta de cumprimento do comando legal.
Da propriedade do veículo podem resultar para o proprietário graves responsabilidades de natureza civil.
Basta lembrar que ele responde, solidariamente com os causadores de acidentes, pelos danos causados (artigo 56.º, n.º 4.º, do Código da Estrada), para logo se ver como é importante o registo da propriedade dos veículos e como se torna mister acautelar a possibilidade de fraudes e a omissão das inscrições a que vimos a referir-nos.
Por isso a Câmara adopta a solução de mandar apreender os documentos dos veículos adquiridos ou transmitidos, logo que haja conhecimento da aquisição ou transmissão da propriedade, sem se ter efectuado o respectivo registo.

15. O artigo 14.º parece ser totalmente inútil.
É da essência do registo, dado o sistema da lei portuguesa, que os actos a ele sujeitos só produzem efeito para com terceiros a contar da inscrição.
Para quê enunciar o princípio num diploma de alcance tão restrito como este a que respeita o presente parecer?
É de aconselhar, portanto, a supressão deste artigo.
E o mesmo sucede em relação aos artigos 17.º, 18.º e 22.º do projecto.
O registo entre nós não é atributivo de direitos; a presunção dele derivada é tantum juris, como aliás sucede em todas as legislações que adoptaram o sistema germânico, como a nossa fez neste particular

Página 339

28 DE JANEIRO DE 1955 339

(Nussbaum, Tratado de Derescho Hipotecário Aleman, p. 40).
E, porque assim é, não vale a pena consagrar um artigo a enunciar esta elementaridade, como se fez no artigo 17.º
Que o registo definitivo conserva a ordem de prioridade que recebera como provisório, também está expresso em todos as leis de registo, designadamente no artigo 268.º do Código no Registo Predial, pelo que não se justifica a reprodução desta norma no artigo 18.º do projectado decreto.
Quanto ao artigo 22.º, pode ainda- dizer-se ser evidente a sua inutilidade.
O uso de documento falso e a sua utilização dolosa para se conseguir o registo de algum acto ou o cancelamento de algum registe», são punidos pelo artigo 222.º do Código Penal; as falsas declarações são-no pelo artigo 242.º do mesmo código.
Não há, pois, que referir as sanções em que incorrem os que praticarem actos que caracterizam esses crimes.
E não há também que dizer-se que os seus agentes incorrem em responsabilidade por perdas e danos, visto esta ser conexa com a responsabilidade criminal (artigos 29.º e seguintes do Código de Processo Penal).
A Câmara pronuncia-se, consequentemente, pela supressão dos artigos 14.º, 17.º, 18.º e 22.º do projecto.

16. O corpo do artigo 15.º, salva a redacção, não sugere qualquer crítica; mas já o mesmo não sucede com o seu § único.
Ao invés do que aí se determina, deve permitir-se o registo provisório, da transmissão da propriedade.
Doutra forma facilita-se a fraude.
Suponha-se que o proprietário de um veículo o vende; mas, antes do registo da transmissão, faz registar uma hipoteca sobre o carro, contraída depois de o haver vendido.
O comprador dificilmente se defenderá contra esta imoralidade; mas já poderá preveni-la se se admitir o registo provisório da transmissão, observadas as formalidades Ao artigo 200.º do Código do Registo Predial.
Suprime-se, por estas razões, o g único em referência.

17.º 0s artigos 16.º e 19.º a 21.º não suscitam observações de monta.
Por uma questão de rigor técnico deverá somente estabelecer-se que, no caso previsto no § 3.º do artigo 16.º, antes de se converter em definitivo o registo da penhora ou do arresto, se registará a transmissão do veículo para o justificado ou executado, visto não ser admissível que se registe definitivamente o ónus, figurando no registo pessoa diversa como proprietário do veículo.
Também, por idêntico motivo, convém substituir-se a referência feita no § 2.º do artigo 16.º aos artigos 228.º e seguintes do Código de Processo «Civil» por estoutra expressão: «nos termos da lei geral de processo».

18. O artigo 23.º impõe aos proprietários de veículos automóveis a obrigação de participarem a mudança, do seu domicílio no prazo de trinta dias, a contar da data em que ocorrer; mas não estabelece sanção para a falta de observância da sua determinação.
É certo que o § 2.º do artigo 43.º do projecto do regulamento, enviado também a Câmara, dispõe que essa falta implica a contagem em dobro dos emolumentos devidos pela anotação da mudança de domicílio; mas seria preferível que a penalidade fosse estabelecida no decreto-lei, a que viesse a sê-lo no decreto regulamentar.
Acontece, porém, que o caso já está regulado no artigo 44.º, n.º 9.º, do Código da Estrada, onde se estabelece a obrigatoriedade da participação às conservatórias das mudanças de residência dos proprietários de veículos Automóveis, sob pena de multa de 100$.
Por maiores e mais justos que sejam os clamores contra esse código - que a Câmara desejaria ver sujeite n uma indispensável e cuidada revisão -, a verdade é ser ele lei do País; e não faz sentido que no projecto se repita uma determinação que já nele se contém e se imponha sanção diversa da estabelecida no código.
Tudo isto aconselha a supressão do artigo 23.º

19. O artigo 24.º, criando o título de registo de propriedade das viaturas automóveis, é digno de encómios.
Decerto poderá dizer-se que essa título permite que se tornem públicos os encargos que impendem sobre as viaturas; e não deixará de reconhecer-se razão à queixa.
Mas, em contrapartida, ele dá aos credores dos proprietários - donos de garagens - e de oficinas - a possibilidade de avaliarem com segurança até onde pode ir o seu crédito; e os interesses destes não são menos dignos de protecção do que os daqueles.
Assim, pesadas as vantagens e os inconvenientes da inovação, a Câmara entende que ela, é de manter; e, mais do que isso, entende que deve apressar-se, tanto quanto possível, a emissão dos títulos, mesmo para as viaturas que já estão em circulação.
Com este objectivo introduzem-se ligeiras alterações nos artigos 84.º e 25.º
O artigo 26.º, mantém-se.

20. Os artigos 27.º a 31.º ocupam-se de matéria processual.
Para dar eficiência ao registo dos créditos, remodela-se um processo especial que já fora esboçado no Decreto n.º 21 087.
Mas, escusadamente, complicam-se os termos desse processo e determina-se que ele se desdobre em duas acções: uma, cautelar, destinada a apreensão do veículo; outra, tendo por objecto a respectiva venda, obedecendo aos trâmites do processo de venda do penhor, regulado nos artigos 1007.º e seguintes do Código de Processo Civil.
É inútil este excessivo formalismo que, a manter-se, viria a ser fonte de demoras e despesas escusadas.
Repare-se que, consagrado o sistema do projecto, haveria que distribuir-se a acção de que os autos de apreensão seriam preparatório; estes autos teriam de ser avocados para o juízo de acção, com prévio pagamento das respectivas custas; e logo disto resultariam encargos e atrasos que não estão, certamente, no pensamento do autor do projecto.
Se se pretende dar excepcionais garantias de eficiência às acções para cobrança dos créditos devidamente registados Sobre viaturas automóveis, é preferível estabelecer-se o regresso às acções executivas, do tipo da dos artigos 615.º e seguintes do Código da Processo Civil de 1876, actualizando-lhes os trâmites, como aliás fez, para os extractos de factura, o artigo 12.º do Decreto n.º 19 490, de 21 de Março de 1931.
Desta forma, os credores ficam imediatamente garantidos, sem perigo de a notícia da propositura da acção levar ao ocultamento do veículo; o devedor tem assegurados todos os meios de defesa; e evitam-se as despesas e os atrasos emergentes, como primeira consequência, do sistema proposto.
É certo puder dizer-se que esta solução representa desvio do sistema do Código de Processo Civil, que repeliu às acções executivas deste tipo.
Mas o argumento não impressiona.
O Código de Processo Civil está a carecer de revisão, quo já foi oficiosamente anunciaria; e é natural que nela

Página 340

340 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31

venha a reconhecer-se o inconveniente da apontada supressão.
Aliás, o próprio código admite acções executivas que começam pela penhora, independentemente de citação (artigo 927.º); e, mesmo que as não admitisse, como as necessidades impõem o seu restabelecimento, no caso de que nus ocupamos, a Câmara não hesita na solução que adopta.
Rejeitou-se também a doutrina do projecto, na parte em que impunha que os depositários, em caso de apreensão, fossem sempre pessoas diversas do executado, por não se considerar justo privar-se o proprietário da utilização do veículo, desde que ele, mediante caução, assegure os direitos dos credores. Procurou-se uma solução de equilíbrio, que até permite a redução dos encargos resultantes do depósito confiado a terceiro.

21. Fixa-se também para as acções relativas a veículos automóveis a competência do tribunal da comarca do domicílio do proprietário; e, assim, revoga-se, na parte relativa a automóveis, o preceito do artigo 73.º do Código de Processo Civil, que determinava que certas dessas acções - as de reforço, redução e expurgação de hipotecas - fossem instauradas na circunscrição da respectiva matrícula.
Justifica-se a regra de competência adoptada: a viatura está, em geral, no domicílio do proprietário; é aí que pode ser encontrada e é aí também que o proprietário terá maiores possibilidades de defesa nas acções que lhe forem movidas.
O tribunal da circunscrição da matrícula nem sempre é o da situação do veículo; daí não dever atribuir-se-lhe competência para as acções que a este se referem.
Um critério de uniformidade leva a subordinar também à regra de competência agora estabelecida as acções relativas a automóveis, que vinham referidas no artigo 73.º do Código de Processo Civil, as quais, portanto, passarão igualmente a correr no tribunal do domicílio do proprietário de viatura hipotecada.
Esta regra geral não derroga, no entanto, a da alínea II do artigo 74.º do Código de Processo Civil, pelo que para as acções destinadas a efectivar a responsabilidade delitual emergente de acidentes de viação continua a ser competente o foro instrumental. Tais acções não são, realmente, relativas a veículos; emergem da sua utilização, mas uno têm por objecto imediato efectivar direitos sobre eles.

22. O artigo 32.º, traduzindo a preocupação de assegurar a maior eficácia ao registo, pode levar às piores consequências.
A preocupação universal é facilitar a circulação dos veículos automóveis.
Entre nós, o regime de passagem das fronteiras por esses veículos está regulado no Decreto n.º 26 080, de 22 de Novembro de 1935.
Tal passagem é permitida mediante a apresentação de cadernetas de passagem nas alfândegas («carnets de passage en douanes»), conforme o modelo internacional em uso (artigo 1.º); mediante licenças aduaneiras, que podem ser passadas pelo prazo máximo de noventa dias, aos automóveis que saiam temporariamente do País ou conduzam excursões; e mediante livretes de passagem nas alfândegas, válidos pelo prazo máximo de cento e oitenta dias, e concedidos somente aos automóveis que se empreguem na fronteira terrestre em serviço público ou particular, para ausências não superiores a quarenta e oito horas (artigos 17.º e 20.º).
A emissão dos «carnets de passage eu douanes» é da competência do Automóvel Clube; e ninguém ignora o cuidado s a segurança, com que ele procede ao emiti-los.
O artigo 32.º do projecto olvida, contudo, pura e simplesmente, esta realidade.
Nos termos dele, há a considerar dois casos: o dos veículos com título de registo emitido; o dos veículos sem esse título.
Para aqueles, é obrigatória a exibição aã instâncias alfandegárias do título de registo; para estes, impõe-se a entrega da declaração referida no § 1.º do artigo 32.º do projecto. E só se dispensam do cumprimento destas formalidades os veículos pertencentes ao Estado ou a agentes diplomáticos e consulares estrangeiros.
Parece indispensável assegurar-se a eficiência dos «carnets de passage en douanes». Doutra forma dificultasse-a a circulação internacional dos veículos automóveis, daí resultando inconvenientes de toda a ordem. Desde que o Automóvel Clube, ao conceder os «carnets de passage en douanes», tem de tomar as precauções necessárias para garantir os encargos que incidam sobre o veículo, não se justifica que se exija aos seus portadores o cumprimento de qualquer outra formalidade com idêntico objectivo.
É esta a razão da primeira alteração introduzida no artigo 32.º
Outra, porém, se impõe: a do § 2.º
Determina-se no aludido parágrafo que a inexactidão da declaração prevista no parágrafo antecedente (donde conste se sobre o veículo impende ou não algum ónus ou encargo registado ou cujo registo tenha sido requerido e esteja em condições de se efectuar) fará incorrer o seu autor nas penas cominadas aos crimes de falsificação de escrito.
Certamente a determinação inspirou-se no propósito do agravar a pena correspondente ao acto previsto; mas não ao nos afigura plausível.
Bem sabemos já se haver sustentado que, em certos casos, a falsa declaração pode caracterizar o crime de falsidade; e até à discussão deste problema foi feita com muito brilho pelo Prof. Beleza dos Santos, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, vol. 68.º, pp. 375 e 475, e vol. 70.º, p. 193.
Mas a falsa declaração só caracteriza esse crime se respeitar a facto que documentos autênticos, ou de igual força, tenham por fim certificar e autenticar.
Ora, e em primeiro lugar, a declaração exigida pelo § 1.º do artigo 32.º do projecto não é documento de nenhuma das indicadas espécies (artigos 2422.º do Código Civil e 528.º e 536.º do Código de Processo Civil); em segundo lugar, essa declaração não tem por fim certificar e autenticar qualquer facto, no sentido em que estas expressões são empregados no artigo 216.º, n.º 3.º, do Código Penal.
O interessado na declaração não pode certificar nem autenticar factos que lhe respeitem.
Onde o caso se enquadra não é, pois, na falsificação do escrito; é na falsa declaração escrita, donde resulte ou possa resultar prejuízo para terceira pessoa ou para o Estado, isto é, no artigo 242.º do Código Penal; e, por isso, repugna que se lhe aplique a pena cominada para crime mais grave.

23. Sobre os artigos 33.º e seguintes pouco há a dizer.
O artigo 36.º não pode subsistir. Como é que vai dispor-se num decreto, que só entra em vigor quando publicado, que o Governo publicará simultaneamente com ele o regulamento necessário à sua execução? Seria a lei a prover -- antes de ser lei ...
Também repugna à Câmara a determinação do artigo 38.º: são tão grandes curtas inovações, que não se perde nada em respeitar o período normal de entrada

Página 341

28 DE JANEIRO DE 1955 341

em vigor das leis para a aplicação desta que vai promulgar-se. Suprimem-se, por isso, os referidos artigos 36.º e 38.°

24. Julga-se útil, por outro lado, acrescentar ao projecto um artigo que mande aplicar ao registo de automóveis, do que não seja específico, as normas reguladoras do registo predial.

III

Conclusões

25. A Câmara Corporativa, aprovando na generalidade a proposta do Governo, entende que ela deve passar a ter a seguinte redacção definitiva:
Artigo 3.° O registo de direitos, ónus ou encargos sobre veículos automóveis pertence, exclusivamente, às conservatórias do registo de automóveis.
Art. 2.° Os conservadores privativos do registo de automóveis são integrados no quadro de conservadores de registo predial, a que se refere o artigo 68.° dá Lei n.° 2049, de 6 de Agosto de 1951.
Art. 3.° Só estão sujeitos a actos de registo os veículos automóveis, como tais definidos pelo Código da Estrada, que tenham matrícula atribuída pelas direcções de viação.
§ 1.° Fazem parte integrante destes veículos todos os aparelhos, sobresselentes e instalações ou objectos acessórios, sejam ou não indispensáveis ao seu funcionamento.
§ 2.° Os veículos com matrícula provisória apenas são passíveis de registo de propriedade.
Art. 4.° As direcções de viação comunicarão às conservatórias competentes todos os cancelamentos de matrícula que efectuarem e, bem assim, a sua reposição, quando requerida.
§ único. O cancelamento de matrícula não afecta a subsistência e os efeitos jurídicos dos registos em vigor respeitantes ao veículo.
Art. 5.° Os contratos de transmissão de propriedade ou de constituição de ónus ou encargos sobre veículos automóveis, podem ser celebrados por escrito particular, com as assinaturas reconhecidas por notário.
Art. 6.° Podem constituir-se, sobre veículos automóveis, hipotecas voluntárias, legais e judiciais.
§ único. Estas hipotecas produzirão os mesmos efeitos e reger-se-ão pelas mesmas disposições que as hipotecas sobre imóveis, em tudo quanto for compatível com a sua especial natureza e salvas as modificações do presente diploma.
Art. 7.° Os créditos por venda a prazo de veículos automóveis gozam de privilégio especial durante o prazo de pagamento do respectivo preço, desde que se mencionem no registo de transmissão a forma e o prazo de pagamento dos veículos.
§ único. Os credores poderão sempre fazer registar os aludidos créditos como hipotecários, nos termos do artigo 907.° do Código Civil.
Art. 8.° O registo da transmissão, quando a venda for feita a prazo, e o das hipotecas referidas no artigo 6.°, não poderão efectuar-se sem que se tenha feito segurar o respectivo veículo, devendo mencionar-se no registo a companhia seguradora, o número da apólice e a importância do seguro.
§ 1.° O seguro deverá ser feito, pelo menos, contra os riscos da responsabilidade civil por danos, materiais e corporais, causados a terceiros e contra os riscos de incêndio e de acidentes sofridos pelo próprio veículo, estes últimos até ao valor dos créditos privilegiados ou hipotecários.
§ 2.° Se a hipoteca for legal ou judicial, o contrato de seguro poderá ser celebrado pelo credor, acrescendo os respectivos encargos ao montante do crédito.
§ 3.° A resolução, por falta de pagamento do prémio ou por qualquer outro motivo, do contrato de seguro, implica o vencimento da dívida.
§ 4.° As conservatórias comunicarão sempre às companhias seguradoras os registos de ónus ou encargos sobre as viaturas; e as companhias notificarão sempre os credores, a quem os seguros possam aproveitar, por carta registada com aviso de recepção, da falta de pagamento dos prémios ou de quaisquer outros factos que impliquem a resolução dos contratos, no prazo de oito dias, a contar da sua produção.
Art. 9.° As sociedades seguradoras não podem pagar qualquer indemnização aos segurados enquanto se não tiverem certificado de que estes não são devedores por créditos registados, sob pena de responderem perante os respectivos credores.
Art. 10.° Os veículos automóveis não podem ser objecto de penhor.
Art. 11.° Apenas gozam de privilégio mobiliário sobre veículos automóveis e pela seguinte ordem:
1.° Os créditos por impostos devidos à Fazenda Nacional;
2.° Ó crédito por venda a prazo de viaturas automóveis;
3.° O crédito por despesas de recolha em garagem;
4.° O crédito por despesas feitas na viatura, no último ano, para a sua reparação ou conservação;
5.° O crédito por indemnizações para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidentes de viação.
§ 1.° Os créditos referidos nos n.°s 3.° e 4.° nunca excederão, como privilegiados, a décima parte do valor actual da viatura, quando sobre ela haja encargos registados.
§ 2.° Nenhum tribunal ou repartição pública poderá ordenar o levantamento ou entrega de quantias provenientes da venda de viaturas automóveis sem se mostrarem pagas as contribuições dos últimos três anos que elas garantam.
Art. 12.° Só podem ser registados:
1.° A propriedade;
2.° O usufruto;
3.° Os contratos de venda a prazo de viaturas automóveis;
4.° As hipotecas;
5.° As acções de reivindicação de propriedade ou usufruto; as acções sobre nulidade de registo ou do seu cancelamento, e as sentenças proferidas e transitadas em julgado em qualquer destas acções;
6.° O arresto e a penhora;
7.° O penhor, o arresto e a penhora em créditos inscritos;
8.° A transmissão ou cessão de direitos ou créditos inscritos.
§ 1.° É obrigatório o registo da propriedade e suas transmissões.
§ 2.° Se qualquer dos registos referidos no parágrafo anterior não for efectuado no prazo de quinze dias, a contar do acto que o impõe, o conservador competente para ele requisitará à Polícia de Viação e Trânsito, logo que tenha conhecimento da falta, a apreensão dos documentos do veículo, que se manterá até à realização do registo omitido.
Art. 13.° O registo será provisório quando assim for requerido ou quando houver dúvidas na sua admissão como definitivo.
Art. 14.° Os actos sujeitos a registo que não sejam consequência de outros já inscritos não poderão ser registados quando a propriedade do respectivo veículo

Página 342

342 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.° 31

não estiver registada a favor da pessoa que no acto figure como proprietário.
§ 1.° Exceptuam-se do disposto neste artigo a penhora e o arresto, que, quando efectuados em veículo automóvel cuja propriedade se ache registada a favor de pessoa diversa do executado ou justificado, podem ser registados provisòriamente.
§ 2.° Verificada a hipótese prevista no parágrafo antecedente, o juiz ordenará oficiosamente a citação do proprietário inscrito, a fim de que este declare, no prazo de dez dias, se o veículo lhe pertence ou não. A citação efectuar-se-á no domicílio constante do registo, nos termos da lei geral do processo.
§ 3.º Se o citado declarar que o veículo lhe não pertence ou não fizer qualquer «declaração, comprovados estes factos por certidão extraída do respectivo processo, registar-se-á a transmissão. do veículo para o nome do executado ou do justificado; e em seguida, o registo provisório será convertido em definitivo.
§4.° Se o citado declarar que o veículo lhe pertence, ficará salvo ao exequente ou arrestante o direito de propor, contra aquele e o executado ou justificado, a competente acção declarativa, a fim de, por sentença, se decidir a questão da propriedade do veículo.
§ 5.° A propositura da acção referida no parágrafo anterior interrompe o prazo de caducidade do registo provisório, quando instaurada dentro de sessenta dias, a coutar da data deste, uma vez feito o respectivo averbamento...
Art. 15.° O registo provisório que não seja objecto
de recurso caduca no prazo de cento e oitenta dias, contado da sua data.
§ 1.° Exceptua-se o caso do registo provisório por dúvidas, o qual, havendo recurso, só caduca depois, de este ter sido julgado, definitivamente, improcedente ou deserto.
§ 2.° Este registo pode, porém, ser cancelado em face de certidão comprovativa de o recurso ter estado parado por mais de três meses, por não ter sido promovido o seu andamento pelo recorrente.
§ 3.º Para efeito do disposto nos parágrafos antecedentes, o conservador anotará, por averbamento, oficiosamente, e sem direito a qualquer emolumento, a interposição do recurso logo que tenha recebido, a respectiva comunicação.
Art. 16.º Os. registos provisórios de acções e, observado o prazo previsto no § 5.° do artigo 14.°, os de penhora e arresto, subsistem até que tenha decorrido o prazo de cento e oitenta dias após o trânsito em julgado da decisão final. Se o registo provisório for, porém, determinado também por dúvidas, observar-se-á o disposto no artigo anterior.
§ único. Estes registos poderão ser cancelados em face de certidão comprovativa de a acção ter estado parada por mais de três meses, por não ter sido promovido o seu andamento pelo autor.
Art. 17.° O disposto no § 1.° do artigo 135.° do Decreto n.° 16731, de 13 de Abril de 1929, é apenas aplicável ao registo inicial de propriedade efectuado a favor dos importadores ou construtores do respectivo veículo.
Art. 18.° A cada veículo automóvel corresponderá um título de registo de propriedade que, uma vez emitido pelas conservatórias, substituirá a parte do livrete actualmente destinada às anotações de propriedade.
§ 1.° Neste título serão anotados os registos de propriedade ou usufruto e respectivas transmissões, bem como os dos contratos de venda a prazo e de hipoteca e as mudanças de domicílio do proprietário inscrito.
§ 2.° Logo que, para qualquer efeito, os livretes actualmente em curso sejam apresentados nas conservatórias, estas emitirão para os veículos a que eles se
referirem os respectivos títulos de registo de propriedade.
§ 3.° As direcções de viação, sempre que procedam à substituição ou à passagem de duplicados dos livretes respeitantes a veículos em relação aos quais não hajam sido emitidos os respectivos títulos de registo, enviarão os novos exemplares as conservatórias competentes, para os fins do parágrafo anterior.
Art. 19.º Emitido o título de registo, deverá este acompanhar sempre o veículo, sob pena de o transgressor incorrer nas mesmas sanções cominadas para as faltas correspondentes quanto aos livretes.
Art. 20.° Para cobrança dos créditos registados sobre veículos automóveis, vencidos e não pagos, pode o credor instaurar acção executiva, servindo de título executivo o documento constitutivo do crédito, ou sua certidão, acompanhado da certidão do registo.
Art. 21.° No requerimento inicial o exequente alegará o vencimento da dívida; e, se isso for necessário, produzida a respectiva prova, nos termos do § único do artigo 804.º do Código de Processo Civil, proceder-se-á imediatamente à penhora do veículo.
§ 1.° A penhora far-se-á com apreensão efectiva do veículo, que será entregue a fiel depositário.
§ 2.° Se o veículo não for encontrado, o juiz mandará oficiar à Polícia de Viação e Trânsito para que o apreenda e o coloque à disposição do tribunal que houver ordenado a diligência.
§ 3.° O executado pode ser nomeado depositário do veículo penhorado, se prestar caução a favor do exequente, pelo processo do artigo 443.° do Código de. Processo Civil.
§ 4.° O depositário, mediante autorização judicial, poderá vender a viatura apreendida, se a demora na vendo provocar a sua depreciação.
Art. 22.º Feita a penhora, será o devedor citado e poderá deduzir embargos, que seguirão, conforme o seu valor, os termos do processo ordinário ou sumário, atendendo-se ao determinado nos artigos 816.° e 924.° do Código de Processo Civil.
Art. 23.° Quando o devedor não deduza oposição, ou esta seja julgada improcedente, seguir-se-ão, no mesmo processo, os termos da execução posteriores à penhora.
Art. 24.° As acções relativas a veículos automóveis são da. competência do tribunal da comarca do domicílio do proprietário:
Art. 25.° A apreensão, penhora ou arresto de veículos automóveis, envolve a proibição de o veículo circular e a apreensão dos respectivos documentos, excepto no caso previsto no § 3.° do artigo 21.°
§ 1.° Quando a apreensão dos documentos não tenha sido efectuada no acto da apreensão do veículo, o requerido, executado ou justificado será notificado para os apresentar em juízo no prazo que lhe for designado.
§ 2.° A circulação do veículo, com infracção da proibição legal, fará incorrer o depositário nas penas cominadas para os crimes de desobediência qualificada, e nas mesmas pernis incorrerá o requerido, executado ou justificado que faltar à apresentação dos documentos do veículo.
Art. 26.° Nenhum veículo automóvel poderá atravessar a fronteira do continente ou das ilhas adjacentes, com destino ao estrangeiro ou ao ultramar português, sem que seja exibido às autoridades alfandegárias do respectivo posto o seu título de registo.
§ 1.° Para os veículos sem título de registo emitido, a exibição deste será substituída pela entrega de declaração, em duplicado, do proprietário inscrito, com a assinatura reconhecida, donde conste se sobre o veículo impende ou não algum ónus ou encargo registado ou cujo registo tenha sido requerido e esteja em condições de se efectuar.

Página 343

28 DE JANEIRO DE 1955 343

§ 2.° O disposto neste artigo não é aplicável:
a) Aos veículos pertencentes ao Estado ou a agentes diplomáticos e consularas estrangeiros;
b) Aos veículos munidos de cadernetas de passagem nas alfândegas, conforme o modelo (internacional em uso («carnets de passage en douanes»).
§ 3.° O Automóvel Clube de Portugal comunicará às conservatórias do registo de automóveis a concessão e a devolução de todas as cadernetas de passagem nas alfândegas que emitir, e daquela se fará menção nos respectivos registos, não podendo, durante o prazo de vigência das cadernetas ser registado nenhum ónus ou encargo contratualmente constituído sobre o veículo pelo respectivo proprietário.
§ 4.° A inexactidão das declarações previstas no § 1.° fará incorrer o seu autor nas penas cominadas para os crimes de falsas declarações.
Art. 27.° Se o veículo estiver sujeito a quaisquer ónus ou encargos, não poderá transpor a fronteira sem se mostrar prestada caução que os garanta ou a sua dispensa pelos titulares dos respectivos direitos.
§ 1.° A dispensa de caução prevista no corpo do artigo, deve constar de documento autêntico ou autenticado.
§ 2.° A caução será prestada nos termos do artigo 441.° do Código de Processo Civil, observando-se o mais que se dispõe na respectiva secção do mesmo código.
Art. 28.° As autoridades alfandegárias a quem forem entregues as declarações aludidas no § 1.º do artigo 26.°, depois de nelas anotarem a data da saída do veículo, enviarão o seu duplicado às conservatórias competentes.
§ único. Às conservatórias compete fiscalizar a exactidão do declarado, em face dos livros de registo, e participar a juízo as infracções verificadas.
Art. 29.° Às apreensões de veículos já requeridas à data da entrada em vigor deste diploma é aplicável o regime então vigente.
Art. 30.° Ao registo de automóveis aplicam-se as disposições reguladoras do registo predial em tudo que não seja contrariado pelas disposições deste decreto-lei.
Art. 31.° São revogados o Decreto com força de lei n.° 21 087, de 14 de Abril de 1932, e a Portaria n.° 13 082, de 21 de Março de 1950.

Palácio de S. Bento, 24 de Janeiro de 1955.

José Gabriel Pinto Coelho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queiró.
Guilherme Braga da Cruz.
José Pires Cardoso.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Inocência Galvão Teles.
José Augusto Vaz Pinto.
António Passos Oliveira Valença.
José Frederico do Causal Ribeiro Ulrich.
José de Queirós Vaz Guedes.
Francisco Marques.
João Pedro Neves Clara.
Manuel António Fernandes.
Adelino da Palma Carlos, relator.

Acórdão da Comissão de Verificação de Poderes

Acórdão n.° 8/VI

Acordam os da Comissão de Verificação de Poderes da Câmara. Corporativa da VI Legislatura:
Pelas cópias autênticas de fls. 2 e 3 do respectivo processo prova-se que por despacho de S. Ex.ª o Ministro das Corporações e Previdência Social de 14 de Setembro de 1904 foi nomeado António Leite para o cargo de presidente da Federação Nacional dos Sindicatos dos Motoristas, no triénio de 1904 a 1956, cargo de que tomou posse. E do artigo 23.° dos estatutos da Federação, j untos em cópia autêntica a fls. 4 e seguintes, vê-se que a nomeação compete àquele Ministro.
Ora a representação das- entidades económicas aia Câmara Corporativa, quando há uma única federação da actividade representada, compete ao respectivo presidente da direcção. [Decreto-Lei n.° 29 111, de 12 de Novembro de 1938, artigo 9.°, alínea a)].
Pelo exposto, julgam válidos para todos os afeitos os poderes de António Leite, que substitui o Digno Procurador Francisco Marques, e, nos termos do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 39442, de 21 de Novembro de 1953, fica fazendo parte da secção viu (Transportes e turismo).
Palácio de S. Bento e Sala das Sessões da Comissão de Verificação de Poderes, da Câmara Corporativa, 25 de Janeiro de 19155.

José Gabriel Pinto Coelho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Adolfo Alves Pereira de Andrade.
Inocêncio Galvão Teles.
Joaquim Moreira da Silva Cunha.
José Augusto Vaz Pinto, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 344

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×