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REPÚBLICA PORTUGUESA
ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA
N.º 33 VI LEGISLATURA 1955 8 DE FEVEREIRO
Proposta de lei n.º 20
O progresso técnico dos meios de combate e as profundas modificações na condução das operações militares determinaram uma evolução sensível das servidões militares, necessárias para, por um lado, garantir as forças armadas condições tão favoráveis quanto possível ao desempenho das suas funções em campanha e, por outro, a rodear das garantias essenciais as condições relativas à sua preparação e vida.
Toda a evolução se traduz no fundo em terem de considerar-se novas servidões, ampliar ou modificar algumas das já existentes e anular outras que, por consequência da evolução verificada, deixaram de ter razão de existir.
Há assim que proceder à revisão e actualização da Carta de Lei de 24 de Maio de 1902, sobre servidões militares, não perdendo nunca de vista, ao considerar a necessidade militar, a conveniência de impor o mínimo de restrições sobre os diferentes campos de actividade nacional, em que elas hajam, por força das circunstâncias, de vir a reflectir-se.
A interligação dos diferentes ramos das forças armadas - Exército, Marinha e Aeronáutica -, progressivamente mais acentuada, e até a sobreposição de alguns dos seus campos de acção ou de obtenção dos recursos para a sua vida e manutenção, aconselham a fazer a revisão do problema no plano de conjunto da defesa nacional, com o que se tem em vista coordenar actividades e uniformizar normas de procedimento que não podem deixar de ter na sua legislação e execução muitos pontos de contacto.
Nestas condições, usando da faculdade conferida pela primeira parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo tem a honra de submeter à apreciação da Assembleia Nacional a seguinte
Proposta de lei sobre servidões militares
CAPITULO I
Princípios gerais
Artigo 1.º Denominam-se «servidões militares» as restrições ao direito de propriedade a que por esta lei ficam sujeitas as nonas terrestres, fluviais, marítimas e aéreas onde se situam organizações e instalações militares, permanentes ou temporárias, ou quaisquer outras instalações consideradas de interesse para a defesa nacional.
Podem ficar sujeitas a servidão militar, mediante parecer favorável do Conselho Superior de Defesa Nacional, determinadas zonas relacionadas com os planos de operações do País, mesmo que nelas não haja instalações ou organizações militares.
Art. 2.º As servidões militares são impostas pela necessidade de:
a) Permitir às forças armadas a execução das missões que lhes são atribuídas nos planos de operações ou impostas pelo exercício da sua actividade normal;
b) Garantir a segurança dos organizações e instalações militares e de quaisquer outras consideradas de interesse para a defesa nacional;
c) Garantir a segurança das pessoas ou dos bens que se situem ou venham a situar nas zonas que circundam as organizações e instalações militares;
d) Manter o aspecto geral de determinadas zonas particularmente interessantes para a defesa do território nacional, procurando evitar-se o mais possível a denúncia de quaisquer organizações ou equipamentos militares nelas situados.
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Art. 3.º As instalações e organizações militares a considerar para efeitos de «servidão militar» compreendem:
a) Instalações e organizações directamente ligadas à realização de operações militares, tais como locais fortificados, baterias de artilharia fixa, estradas militares, aeródromos militares ou civis, instalações de defesa antiaérea de qualquer natureza e quaisquer outras integradas nos planos de defesa;
b) Instalações e organizações militares, directamente ligadas à preparação e manutenção das forças armadas, tais como carreiras e polígonos de tiro, campos de instrução, paióis, armazéns ou depósitos de material de guerra ou de mobilização, estabelecimentos fabris militares, estabelecimentos industriais privados destinados a fins militares, aquartelamentos, depósitos de combustíveis e quaisquer outras que tenham em vista o equipamento e eficiência das mesmas forças.
Art. 4.º A propriedade de todas as organizações e instalações militares pertencentes ao domínio do Estado e integradas nos planos de defesa é inalienável e imprescritível, salvo decisão contrária do Governo, precedendo consulta ao Conselho Superior de Defesa Nacional.
CAPÍTULO II
Servidões militares ligadas à realização de operações
Art. 5.º As servidões afectas às instalações e organizações directamente ligadas à realização de operações militares classificam-se em:
a) Servidões militares gerais;
b) Servidões militares particulares.
Art. 6.º As servidões militares gerais exprimem-se pela proibição de se executarem mima dada zona, perfeitamente definida, sem licença das autoridades militares competentes:
a) Construções de qualquer natureza, mesmo que sejam enterradas, subterrâneas ou aquáticas;
b) Alterações de qualquer forma, por meio de escavações ou aterros do relevo e da configuração do solo;
c) Vedações, mesmo que sejam de sebe e como divisória de propriedades;
d) Depósitos permanentes ou temporários de matérias explosivas ou de materiais perigosos que possam prejudicar a segurança de pessoas ou bens consignados à defesa nacional;
e) Trabalhos de levantamentos fotográfico, topográfico ou hidrográfico;
f) Os sobrevoes de aviões, balões ou outras aeronaves;
g) Plantações de árvores e arbustos e execução de quaisquer trabalhos ou exercício de actividades que possam prejudicar a execução da missão ou a segurança da organização ou instalação considerada.
Art. 7.º As servidões militares particulares dizem respeito exclusivamente a uma dada organização ou instalação e exprimem-se pela proibição de numa determinada zona perfeitamente definida se executarem trabalhos expressamente referidos em cada caso em diploma especial.
Art. 8.º A extensão das zonas ou planos de água aos quais se aplicam as servidões começará a contar-se da linha ou limite exterior da respectiva organização e instalação e será indicada, para cada caso, ao definir-se a servidão militar correspondente.
Art. 9.º Para as infra-estruturas aeronáuticas militares de interesse militar ou comerciais e para as instalações de radiocomunicações eléctricas ou electrónicas que as servem a zona de servidão poderá abranger, em qualquer dos casos, a área definida por um círculo de raio de 5 km em relação ao ponto central que as define, prolongada, quanto aos aeródromos, até 10 km por uma faixa de 2,5 km de largura, na direcção das entradas ou saídas das pistas.
Em cada caso constarão de diploma, regulamentar emanado do departamento ministerial competente as devidas especificações.
Art.º 10.º Enquanto não for publicada a legislação peculiar a cada organização ou instalação militar, e relativa à respectiva servidão militar, considerar-se-á sujeita à mesma a zona que abrange a organização ou instalação em causa e mais uma faixa circundante de 1000 m de largura, sendo proibido, dentro do prazo de um ano, a partir do seu estabelecimento, todos os trabalhos e actividades referidos no artigo 6.º
Art. 11.º Os terrenos que circundam as organizações e instalações militares cuja construção se prevê ou já se iniciou ficam sujeitos, a partir do momento da notificação da obra à câmara municipal em que se situam, às servidões militares gerais estabelecidas no presente diploma ou às servidões particulares a indicar em cada caso em diploma especial.
fim de o mais cedo possível colocar os terrenos que circundam as organizações projectadas ao abrigo das disposições da servidão militar, as autoridades militares competentes comunicarão, para cada caso, às câmaras municipais qual a sua localização e delimitação.
CAPITULO III
Servidões militares ligadas à preparação e manutenção das forças armadas
Art. 13.º Para garantir a segurança das populações, tropas e bens de qualquer natureza poderão ser estabelecidas servidões militares, designadas por «zonas de segurança, nas circunvizinhanças das instalações e organizações directamente ligadas à preparação e manutenção das forças armadas, sendo-lhes aplicável o disposto no artigo 11.º
Igual doutrina é aplicável a organizações ou instalações eventuais destinadas a satisfazer às necessidades de preparação das forças armadas, nomeadamente em períodos de manobras ou de concentração fora dos seus aquartelamentos permanentes.
Art. 13.º Ao decretar-se para cada caso, em legislação separada, a servidão militar correspondente a uma zona de segurança serão indicadas concretamente a natureza das restrições impostas, que poderão abranger a proibição, sem autorização da autoridade militar competente, do seguinte:
a) Movimento ou permanência de peões, semoventes e veículos nas áreas terrestres e de embarcações, lançamento de redes ou outro equipamento nas áreas fluviais e marítimas, nas condições e durante os períodos de tempo considerados necessários;
b) Execução de quaisquer trabalhos compreendidos nas alíneas a) e b) do artigo 6.º;
c) Estabelecimento nas mesmas zonas de depósitos de materiais explosivos e inflamáveis;
d) Os sobrevoes de aviões, balões e outras aeronaves;
e) Quaisquer outros trabalhos ou actividades que possam pôr em risco quer as organizações e instalações militares, quer as pessoas ou bens nas zonas de segurança;
Art. 14.º As dimensões das zonas de segurança serão fixadas de acordo com as normas de segurança aplicáveis para cada caso, consoante a natureza da organização e instalação, e serão indicadas ao definir-se a servidão militar correspondente.
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CAPITULO IV
Outras servidões militares
Art. 15.º Nas condições estabelecidas pelo artigo 1.º deste diploma é aplicável a doutrina da servidão militar às organizações e instalações não militares, tais como refinarias, depósitos de combustíveis, fábricas de armamento, pólvoras e explosivos e outras que forem consideradas de interesse para a defesa nacional.
As zonas terrestres, fluviais ou marítimas objecto de servidão militar e a natureza das restrições a impor serão estabelecidas nas condições definidas no capítulo III.
Art. 16.º Na aplicação da servidão militar às zonas relacionadas com os planos de operações, mesmo que nelas não haja instalações ou organizações militares, o Conselho Superior da Defesa Nacional deverá definir a natureza e a duração da servidão militar a impor.
CAPITULO V
Estabelecimento e aplicação das servidões militares
Art. 17.º As servidões militares gerais, particulares e relativas às zonas de segurança, mesmo quando respeitem a um só departamento das forças armadas, carecem sempre de aprovação do Ministro da Defesa Nacional.
As servidões militares, depois de aprovadas superiormente, farão objecto de legislação própria, a publicar com a designação do Ministério ou Subsecretariado do que directamente dependem.
Art. 18.º Pelos respectivos Ministérios ou Subsecretariados de Estado, e como complemento do estabelecido nos artigos 10.º e 11.º do presente diploma, deve ser dado conhecimento às câmaras municipais das áreas abrangidas por uma servidão militar logo que a mesma tenha sido aprovada superiormente.
Art. 19.º Em caso de emergência, os proprietários de zonas sujeitas a servidão militar e autorizados condicionalmente a efectuar trabalhos abrangidos pelas disposições de servidão militar ficam obrigados, por conta e sem direito a qualquer indemnização, a restituir as mesmas zonas ao aspecto e configuração que tinham à data em que ficaram sujeitas à servidão militar, quando assim lhes for determinado pela entidade militar competente e dentro do prazo por esta marcado.
Art. 20.º Não dão direito a qualquer indemnização 03 danos causados a pessoas e bens pela prática de manobras e exercícios militares nas zonas sujeitas a servidão militar e resultantes da inobservância dos avisos prévios feitos e tendentes a evitá-los.
Art. 21.º Em caso de emergência podem os proprietários ou usufrutuários ser compelidos a demolir ou destruir, mediante indemnização a estabelecer por representantes reconhecidos das partes interessadas, conforme as práticas correntes, as construções, culturas, arborizações e outros trabalhos já existentes nas zonas sujeitas a servidão militar à, data em que a mesma foi estabelecida.
A indemnização prevista no presente artigo será calculada em relação ao estado das construções, culturas, arborizações e outros trabalhos existentes à data da publicação deste diploma ou à do estabelecimento da servidão militar.
Art. 22.º A propriedade das antigas praças de guerra, fortalezas e outras obras ou pontos fortificados sem interesse militar actual é inalienável e imprescritível enquanto não forem desafectados do serviço de defesa; podem, porém, ser anuladas as servidões militares que oneram os terrenos que as circundam.
Pelo Ministro da Defesa Nacional, ouvido o Conselho Superior da Defesa. Nacional, por iniciativa própria ou mediante proposta do Ministério ou Subsecretariado de Estado interessado, serão indicadas as organizações que deixam de ter interesse militar.
Art. 23.º Pelos Ministérios e Subsecretariados de Estado interessados serão publicados os regulamentos necessários à execução da presente lei.
Lisboa, 1 de Fevereiro de 1955. - O Ministro da Defesa Nacional, Fernando dos Santos Costa.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA