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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA

N.º 53 VI LEGISLATURA 1955 18 DE JUNHO

PARECER N.º 28/VI

Projecto de sugestão n.º 751
A Câmara Corporativa, usando da faculdade concedida pelo § 2.º .do artigo 105.º da Constituição, emite, pelas suas secções de Pesca e conservas e de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Finanças e economia geral), às quais foram agregados os Dignos Procuradores José. Pires Cardoso e Manuel Gomes da Silva, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

§ 1.º

Síntese do projecto de sugestão e das suas determinantes

1. No preâmbulo do projecto de sugestão em exame, o seu autor afirma a importância da indústria de conservas de peixe no quadro da. economia nacional e chama a atenção para a crise que afecta esta indústria - crise que, no seu entender, só não é permanente porque deixa de verificar-se nos «períodos de procura anormal», como são os períodos de guerra ou de iminência de guerra».
Para o autor da sugestão essa crise é, sobretudo, devida à luta de concorrência travada entre os próprios produtores nacionais e salienta que este mal não passara já despercebido ao Sr. Doutor Oliveira Salazar, quando, em 1931, estudou a indústria de conservas de peixe.
Como causas principais dessa concorrência, o autor da sugestão aponta a fraqueza das condições financeiras da indústria e a instabilidade e diversidade dos custos de produção resultantes das variações, no tempo e no espaço, dos preços da sardinha, matéria-prima que é adquirida pela indústria - contrariamente ao que se passa nos demais países produtores - em condições de capricho próprias de um sistema de leilão a que podem concorrer, em igualdade de condições, compradores para a indústria e para o consumo público.
Com esta concorrência desenfreada prejudicam-se os próprios concorrentes e perde o País: além de se vender mais barato do que o necessário, a concorrência diminui ainda a quantidade da exportação, porque provoca no importador a desconfiança e o desinteresse pelo negócio. O autor do projecto refere mesmo cãs naturais represálias concitadas cela impressão de que estamos deliberadamente conduzindo uma política de dumping».
2. Afirma-se no mesmo preâmbulo que o desenvolvimento normal e progressivo da indústria de conservas só será possível se forem tomadas medidas que simultaneamente garantam:
a) Possibilidades de apropriação da sua matéria--prima básica em condições' normais, estáveis e de tanta quanto possível regularidade, sob os aspectos . quantitativo, qualitativo e de preço;
b) Condições normalizadas para a venda dos seus produtos, considerando-se que ela vive quase única e exclusivamente da exportação;
c) Obtenção para as empresas produtoras de rendimentos fabris individuais em grau suficiente;
d) Características de suficiência nas bases económicas e financeiras da exploração.
3. Para realização destes objectivos, as sugestões feitas ao Governo constam de um projecto de decreto-lei e de um projecto de regulamento e visam principalmente:
a) Medidas de normalização nas condições de aquisição de sardinha pela indústria das conser

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vás, tendentes a dar a essa aquisição uma , garantia de prioridade e uma relativa estabilidade de preços em condições idênticas para todos os centros 'de pesca e de produção de conservas. : ' • A normalização nas condições de aquisição deve realizar-se por acordos anuais entre os grémios dos industriais de conservas de peixe e o Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinhas.
Estes acordos ficarão sujeitos à aprovação dos Ministros da Economia e da Marinha, aos mesmos Ministros cabendo também estabelecer, por despacho conjunto, as condições de fornecimento de sardinha à indústria de conservas, nos casos em que os grémios referidos não cheguem a acordo;
b) A adopção de um sistema em que se conjuguem harmònicamente os interesses da indústria (pela obtenção de um preço viável e compensador da produção) e os do comércio exportador e da clientela externa (pela estabilização relativa dos preços). Para a realização deste objectivo sugere-se:
1) A criação de um «entreposto» para as conservas de sardinha em molhos, cujas funções, serão:
Adquirir, a preço previamente determinado, as conservas de sardinha em molhos;
Vender ao exportador as mesmas conservas ao preço de aquisição, acrescido de uma taxa de 50 por cento sobre o valor resultante do custo do produto mais o lucro industrial. A taxa, chamada de «compensação, de preços», será cobrada pelas alfândegas e constituirá receita do entreposto.
Este mecanismo pressupõe a aquisição,, em cada época, pelo entreposto, de quantidades de conserva de sardinha sensivelmente iguais às quantidades que, em período idêntico, se consideram possíveis de colocar nos mercados externos. Daí a necessidade da fixação, a cada produtor, da sua «quota de produção exportável», quotas essas que- serão negociáveis entre os produtores.
O entreposto pode ser exportador, mas não o deverá ser normalmente.
2)- A obrigatoriedade para os exportadores (industriais ou puramente comerciantes) de constituição de stocks mínimos.
3) A fixação de uni limite mínimo legal de preço F. O. B. para as sardinhas em molhos. Este limite será rígido e traduzirá o preço de aquisição pelo entreposto, acrescido da percentagem de 20 por cento sobre o mesmo preço.
c)A determinação de estudo urgente para a definição das bases de reorganização da indústria,, a realizar por uma comissão, de harmonia com o disposto na Lei n.º 2005.

Objectivos do parecer

4. O autor da sugestão em exame reconhece que o problema da indústria de conservas de peixe «se não compadece com medidas parcelares e empíricas e tão pouco com soluções de compromisso ou combinações mais ou menos falíveis entre os interessados directos, tantas vezes de espírito simplista e primário». E, escreve ainda, «o problema requer, na minha opinião e na da maioria esclarecida dos industriais, um estudo consciencioso, profundo e científico, uma acção enérgica e decidida, que só a intervenção do Governo pode determinar».
Este pensamento, pelo menos no tocante a determinado aspecto do problema, é fixado no próprio texto do diploma legal sugerido - artigos 15.º e 16.º do projecto de decreto-lei - , quando se determina ao Ministro da Economia que proceda imediatamente, de harmonia com o disposto na Lei n.º 2005, à nomeação de uma comissão para estudar as bases da reorganização, da 'industria de conservas de peixe.
5. Parece assim dever concluir-se que as medidas sugeridas não visam mais do que resolver, de momento e até à conclusão dos necessários estudos, os problemas que desde já o autor do projecto considera serem a causa principal da crise que - ponto também desde já tomado por indiscutível - fere aquela indústria.
6. O parecer da Câmara não constitui esse estudo profundo que o autor do projecto de sugestão considera

- e muito bem - urgente fazer-se sobre a indústria de conservas de peixe.
Trabalho de tal extensão e de tal complexidade difícil seria 'levá-lo a .cabo no prazo' consentido pelo Regimento, ainda que ao dispor da Câmara estivessem - facto que não. se verificou - todos os elementos, necessários à realização da empresa.

Mas se o presente parecer não tem necessariamente

que traduzir os resultados de um inquérito sobre a produção e o comércio de conservas de peixe, elaborado na extensão e profundidade suficientes para o- encontro de solução definitiva a todos os problemas que a requerem neste sector da economia do Taís, deve contudo procurar arquivar aquele mínimo de elementos, que baste à demonstração da necessidade de sugerir ao Governo o estudo definitivo do problema e que constitua também base de solidez aceitável para apoio dos juízos que terão de fazer-se sobre a exactidão. das premissas de que parte o autor da sugestão e sobre a virtude ou conformidade das medidas que preconiza.

A míngua do indicadores, já organizados e convenientemente interpretados, a II parte. do presente parecer dará conta do esforço' feito na recolha è na tentativa de entendimento de dados estatísticos, é de informações até aqui dispersas.

II

Notas sobre a produção e o escoamento das conservas de peixe

Os problemas da industria em 1931

7. Em 1931 o Sr. Presidente do Conselho, então Ministro das Finanças, estudou o problema' da produção e comércio dos conservas de peixe.

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Ao dar, agora, parecer sobre um projecto de sugestão ao Governo quanto à disciplina a impor ao mesmo sector da economia, não pode a Câmara deixar de fazer referência a esse estudo.
O trabalho do Sr. Presidente do Conselho marca, na história da indústria de conservas, o começo de nova época - a da organização -, época que esse mesmo estudo influencia profundamente, uma vez que as providências tomadas a partir de 1932 procuraram ser a expressão legal das sugestões nele feitas.
Além disso, todos aqueles que têm a sua actividade presa à indústria de conservas ainda hoje - vinte e quatro anos passados sobre a sua publicação - recorrem ao trabalho do Sr. Doutor Oliveira Salazar, por encontrarem nele a explicação da crise que as conservas continuam a atravessar e por verem nele a esperança de uma solução; meditado o estudo de 1931 e ponderadas as afirmações e as sugestões constantes do projecto em exame, fica-se, de facto, com a sensação da flagrante actualidade daquele trabalho - e isto constitui o segundo motivo da referência que aqui lhe é feita.
Estranha sensação! Na verdade, ao fim de vinte e tantos anos gastos, a definir princípios e a tentar garantir a sua execução, custa a crer que possam ainda ser os mesmos os problemas que hoje se apresentem à economia de um sector corporativamente organizado. E custa ainda mais a crer que as soluções para esses problemas, se ainda subsistirem, devam traduzir-se em formas, se não incompatíveis, pelo menos estranhas à organização criada.
Há no trabalho do Sr. Presidente do Conselho o reconhecimento de um certo número de factores que são próprios da produção portuguesa das conservas de peixe e que, por isso, natural é que persistam enquanto a indústria existir. Referimo-nos, por exemplo, à dependência dos mercados externos e compreendemos que não possam perder a actualidade e que não devam, por isso, ser esquecidos certos períodos do seu estudo, como este que se transcreve:

A excelência do nosso peixe pode garantir-nos a preferência ou superioridade, mas não noa permite emanciparmo-nos completamente da» condições da concorrência; de fora, portanto, quer sejamos quer não sejamos senhores do mercado, hão-de em último caso vir as leis que dominarão aqui outros preços ou valores e hão-de influenciar, com funções de predomínio, os diferente» factores de produção.

Mas, ao lado da indicação de certos factores e problemas, de carácter mais ou menos permanente e de repercussões nem sempre domináveis, faz-se, ao longo do estudo, a formulação dos problemas que naquele momento eram a causa principal da crise e para a solução dos quais se criaram os órgãos corporativos e o organismo de coordenação económica próprio. Estavam neste caso a falta de ligação entre a pesca e a indústria, a pulverização das unidades industriais, a concorrência que nos mercados externos se faziam, sem benefício para ninguém, os próprios produtores nacionais.
E no tocante a esta segunda ordem de questões - a dos problemas domináveis - que se estranha a actualidade do trabalho feito pelo Sr. Presidente do Conselho em 1931. Na verdade, essa actualidade, a verificar-se, será a expressão ou da incapacidade da organização corporativa ou da sua deficiente utilização. Por isso nos demais parágrafos deste parecer se procurará averiguai-se a organização corporativa das conservas de peixe foi, na verdade, dotada de capacidade de solução dos problemas que se destinava a resolver. Tentar-se-á, em seguida, determinar em que medida os problemas foram ou não solucionados. E, em face das conclusões a que conduzirem estos averiguações, sugerir-se-ão, finalmente, as providências que à Câmara se lhe afigura deverem ser tomadas pelo Governo.

§ 2.º

A organização da Indústria e comércio de conservas de peixe

8. A organização da produção e comércio das conservas de peixe é, por um lado, a imediata consequência do estudo do Sr. Doutor Oliveira Salazar, referido no parágrafo anterior; por outro lado, resulta, também, da própria criação da organização corporativa e da preocupação que logo o Governo revelou de estruturar naqueles moldes as actividades que maior posição ocupavam entre as fontes da exportação metropolitana.
Quem observe o progresso dar organização, neste sector da economia facilmente enxergará o começo e o fim de cada um dos três períodos em que ela se desenvolveu.
No primeiro período a organização da produção e do comércio surge como solução de emergência, imposta pela necessidade de acudir a uma parede mestra da nossa exportação que ameaçava ruir, pelos motivos denunciados no estudo do Sr. Presidente do Conselho, e que podia salvar-se pelos métodos no mesmo estudo sugeridos.
O segundo período consiste no enquadramento, em bases corporativas, da produção e comércio das conservas.
O último tempo da evolução surge com o aparecimento dos organismos de coordenação económica e traduz os ajustamentos que na organização corporativa inicial foi mister introduzir para a adaptar aos instrumentos de intervenção que o Governo acabava de criar.
E se é fácil reconhecer as três fases por que passou a organização das conservas de peixe, não é mais difícil a verificação de que se não deram saltos bruscos, porque se não teve que arrepiar caminho ao longo de todo o percurso. Bem ao contrário: logo se nota que, ao criar, sob o signo da emergência, o Consórcio Português de Conservas de Sardinha, o Governo havia já tomado posição definitiva quanto aos princípios que norteariam a estruturação da economia do País.
Porque a Câmara está a apreciar uma proposta de nova disciplina da produção- e do comércio das conservas, parece conveniente registar no seu parecer as grandes fases da organização. Esse registo, que outra vantagem não tenha, obrigar-nos-á, pelo menos; a relembrar a medida da «capacidade teórica de solução» com que foi dotada a organização existente e impor-nos-á ainda momentos de reflexão útil sobre a utilização que dessa capacidade tenhamos feito ou possamos ainda fazer.

1.º PERÍODO. - Consórcio Português de Conservas de Sardinha. Regulamentação e condicionamento da indústria:

9. As soluções preconizadas pelo Ministro das Finanças em Dezembro de 1931 tiveram a sua tradução legal nos diplomas publicados em 27 de Agosto do ano seguinte: Decretos com força de lei n.ºs 21 621, 21 622 e 21 623, que, respectivamente, regulamentou a indústria de conservas de sardinha, criou o Consórcio Português de Conservas de Sardinha e reuniu diversas disposições sobre o condicionamento da industria de conservas de peixe.

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Embora estes diplomas básicos tenham sido esclarecidos, alterados ou completados por legislação vária, as suas disposições fundamentais permaneceram sempre as mesmas durante o período da sua vigência e, para além dele, algumas continuaram como autênticas constantes da política das conservas.
Consistiram essas, disposições em certas providências destinadas á valorização imediata do produto, de modo a restabelecer a boa e justa reputação das nossas conservas e na criação de um organismo dotado de poderes de autoridade que orientasse a actividade conserveira da sardinha e espécies similares, coordenando a produção com a exportação.
10. Nestes termos, se determinou:

1.º O defeso do fabrico nos meses em que a sardinha se encontra magra e imprópria para conserva - "peixe de Inverno";
2.º A classificação geral das conservas em três categorias fixas: "Extra fino", "Extra", e "Bom corrente";
3." A estandardização dos formatos de invólucros e embalagens exteriores, bem. como a obrigatoriedade da aposição de certos dizeres, cunhados, impressos e litografados);
4.º A certificação obrigatória da qualidade do produto destinado aos mercados estrangeiros;
5.º O estabelecimento de preços mínimos de exportação e a expressa proibição de vendas para o exterior de mercadorias em consignação ou após agréage;
6.º O auxílio financeiro ao industrial por meio da warrantagem;
7.º A fixação, em cada centro industrial, de uma unidade de venda do peixe que servisse de base à lota.

11.0 elemento fundamental da organização das conservas da sardinha seria, porém, o organismo criado pelo Decreto n.º 21 622 e que se denominou "Consórcio Português, de Conservas de Sardinha".
Pretendia-se um instrumento que permitisse resolver, com carácter de continuidade, o duplo problema que se punha à indústria e que se achava na origem dos seus males: a questão da qualidade do produto e a questão da política de exportação a adoptar para com os mercados externos.
Na verdade, se a questão da qualidade do produto se poderia resolver, melhor ou pior, através de um serviço do Estado que orientasse e fiscalizasse a indústria, já a questão da política de exportação podia exceder as normais funções do Estado, na medida em que a sua solução jogasse com operações de comércio.
For isto e porque outros problemas de carácter técnico se levantaram, que melhor seriam resolvidos pelos próprios interessados, entendeu-se que a estes se deveria confiar a sua organização.
Assim nasceu o Consórcio Português de Conservas de Sardinha, pessoa colectiva, constituída, obrigatoriamente, por todos os industriais estabelecidos no continente que fabricassem conservas de sardinha e espécies similares (bonito, sarrajão, cavala, carapau, espadilha e biqueirão), em azeite, óleos ou molhos - e também por todos quantos se dedicassem ao comércio de exportação do produto.
As suas atribuições podem classificar-se em três espécies, conforme revestem carácter económico, financeiro ou social.
Dentro das atribuições de carácter económico distinguem-se as que se relacionavam com o fabrico do produto das que tinham por objecto a sua colocação nos mercados externos.
Quanto às primeiras, cumpria ao Consórcio "fiscalizar e orientar a produção, em ordem a garantir a qualidade da conserva e melhorar as condições do fabrico"; quanto às segundas, "fazer a propaganda nos mercados consumidores das conservas portuguesas e estabelecer organizações de venda privativas onde fosse julgado conveniente".
E, como é natural, cabia-lhe ser, perante o Estado, o garante das providências decretadas.
Anote-se, ainda, que ao Consórcio foi atribuída a criação de "marcas nacionais", de sua exclusiva propriedade, que seriam obrigatoriamente fabricadas por todos os industriais na percentagem de 5 por cento da sua produção normal.
Dentro das atribuições financeiras devia o Consórcio proporcionar aos industriais, por si ou por intermédio de quaisquer instituições bancárias, os meios necessários ao regular exercício da indústria.
Atribui-se, assim, ao próprio Consórcio a função de prestar crédito, directamente, concedendo-se-lhe a faculdade de emitir warrants sobre a mercadoria depositada em seus armazéns, categorizados como "armazéns gerais".
Quanto á missão de carácter social, cumpria-lhe assegurar a devida .assistência aos operários empregados na indústria. Para isso se constituía um fundo operário para subsidiar ti construção de bairros, escolas, cantinas, serviços de saúde ou outros que traduzissem melhoria nas condições de vida do operariado e que contribuísse para a realização de trabalhos em que se empregasse a mão-de-obra disponível nos períodos de proibição de fabrico.

2.º PERÍODO. - 1." fase da organização corporativa:

12. Iniciada a organização corporativa portuguesa um ano após a criação do Consórcio Português de Conservas de Sardinha, logo o Decreto-lei n.º 23 049, de 23 de Setembro de 1933, que instituíra as bases da constituição dos grémios ditos obrigatórios, suas federações e uniões, previu no artigo 10.º a integração na organização corporativa das associações patronais existentes por acção do Ministério do Comércio, Indústria e Agricultura.
Em obediência a esta norma, o Decreto-Lei n.º 24 947, de 10 de Janeiro de 1935, constituiu a organização corporativa das conservas de peixe, substituindo o Consórcio pela União dos Industriais e Exportadores das Conservas de Peixe, integrada por quatro grémios de industriais e um grémio de exportadores.
Os grémios de industriais foram denominados do Norte, do Centro, de Setúbal e do Sul, com sedes, respectivamente, em Matosinhos, Lisboa, Setúbal e Olhão, abrangendo cada um os centros industriais da sede e circunvizinhos, alcançando o de Lisboa os centros industriais das ilhas adjacentes e dividindo-se, quando e onde as modalidades da indústria o exigissem, em secções, que podiam atingir o -número de quatro:
1.º De sardinha e espécies similares (biqueirão, carapau ou chicharro, boga, cavala e a espadilha ou navalhinha), em molhos;
2.º De atum e espécies similares (atuarro, cachorreta, albacora, bonito, melva e o sarrajão), em molhos;
3.º De peixe conservado pelo sal (seco e em salmoura);
4.ª De conservas diversas.

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O Grémio dos Exportadores de Conservas de Feixe era de âmbito nacional, com sede em Lisboa, e dividia--se nas secções de conservas de peixe em molhos e conservas de peixe pelo sal (seco e em salmoura).
13. As alterações que na nova organização se podem verificar suo mais de forma que de fundo, isto é, respeitam mais à sua estruturação orgânica do que à sua missão.
Assim, as atribuições que haviam sido concedidas ao Consórcio -permaneceram atribuições da União dos Grémios, acrescentadas, naturalmente, daquelas que o novo estado corporativo genericamente conferia aos organismos patronais.
O âmbito da organização alargou-se, porém, consideravelmente, pois passou a abranger, através dos novos grémios, toda a actividade produtora e exportadora da metrópole, e não só a da sardinha continental. Por isso se alterou para "Consórcio Português de Conservas de Peixe" a designação subsidiária consentida à União de Grémios, em atenção ao prestígio granjeado pelo antigo Consórcio.
A acção social junto do operariado foi entregue a um fundo de previdência social, com fins semelhantes aos do anterior fundo operário, alargado, no entanto, à cooperação na fundação progressiva de instituições de previdência destinadas a proteger as pessoas que vivem normalmente da indústria na doença, na invalidez ou no desemprego- e a garantir-lhes pensões de reforma.

3.º PERÍODO. - 2.ª fase da organização corporativa:

14. Publicado em 8 de Julho de 1936 o Decreto-Lei n.º 26 757, que previa e estabelecia as bases da constituição dos organismos de coordenação económica, logo se tornou evidente serem as conservas de peixe uma das actividades que melhor se enquadrariam no novo regime legal de orientação económica.
Previa o citado decreto básico três tipos de organismos de coordenação, um deles denominado "Instituto", a criar quando -se -encontrassem já organizadas corporativamente as actividades da produção e do comércio de produtos principalmente orientados para a exportação e que por virtude da sua importância exigissem garantia oficial da sua qualidade e categoria.
A hipótese era, pois, perfeita figuração das condições em que se achava a actividade conserveira; e não passou muito tempo sem que fosse ajustada a organização do sector ao novo esquema da lei.
As razões substanciais da reorganização aponta-as o relatório que precede os respectivos diplomas legais, quando diz:
Do exame atento da actividade do Consórcio verifica-se, porém, que os objectivos de ordem puramente corporativa nem sempre puderam ser realizados. Os elementos primários -os grémios - não adquiriram ainda a vida própria necessária e nota-se no organismo superior -uma concentração de atribuições que certamente não poderia concorrer para distribuir por forma conveniente as diversas funções corporativas nem para suscitar o respectivo espírito.
Sem dúvida não basta atender aos objectivos que estão postos, a fim de que a indústria possa desempenhar o seu papel na economia nacional, pois M que ter em conta os que visam ao robustecimento da nova ordem corporativa, no plano geral da reorganização do País, e também os de carácter social, . que interessam particularmente à disciplina do trabalho e a difusão da previdência.
E, mais abaixo,
... as experiências feitas demonstram que nos ramos de exportação mais importantes e referentes a produtos em que a qualidade é factor primordial tornasse muito conveniente a acção persistente 0 desinteressada de um organismo de coordenação económica que se rodeie do prestígio necessário.
Assim só desdobrou a organização do sector por duas ordens de organismos que ainda hoje nele superintendem: um de coordenação económica o Instituto Português de Conservas de Peixe e seis corporativos, patronais e obrigatórios - o grémio de exportadores e cinco grémios de industriais de conserva" de peixe. Por eles se distribuíram, conforme a sua natureza e consoante a sua especialidade, as atribuições da União de Grémios (Consórcio Português de Conservas de Peixe), que se extinguiu.
15. Ao Instituto, criado pelo Decreto-lei n.º 36 777, de 10 de Julho de 1936, cabe:
a) Coordenar a acção dos organismos corporativos da indústria e do comércio de conservas de peixe, tendo em vista os seus objectivos e os seus superiores da organização corporativa, expressos no Estatuto ido Trabalho Nacional;
b) Criar a consciência corporativa e desenvolver o sentimento da solidariedade nacional entre todos os factores das actividades que coordena;
c) Estudar o melhoramento e defesa das condições de produção e comércio das conservas de peixe, propondo ao Governo as medidas legais que julgar convenientes;
d) Orientar e condicionar a produção e o comércio e fiscalizar os produtos fabricados, fazendo cumprir, por intermédio dos Grémios de Industriais e Exportadores de Conservas de Peixe, as determinações que, para aqueles fins, venha a adoptar;
e) Passar certificados de origem e de qualidade;
f) Promover e organizar a expansão do comércio das conservas portuguesas de peixe nos mercados externos e fazer a respectiva propaganda;
g) Defender o bom-nome e justo valor das conservas de peixe nos mercados consumidores, reprimindo quaisquer fraudes ou transgressões;
h) Dar parecer sobre todos os assuntos que o Ministro do Comércio e Indústria mande submeter à sua apreciação e estudo;
i) Receber mercadorias dos sócios dos grémios em regime de armazéns gerais.

16. Os Grémios dos Industriais de Conservas de Peixe, reorganizados pelo Decreto-Lei n.º 26 775, passaram a ser cinco, em lugar de quatro, pelo desdobramento do Grémio do Sul nos Grémios de Barlavento e de Sotavento do Algarve.
São hoje os seguintes:
a) Do Norte, que corresponde ao centro industrial de Matosinhos, com sede nesta vila;
b) Do Centro, que abrange os centros industriais de Peniche, Lisboa, Madeira e Açores, com sede em Lisboa;
c) De Setúbal, que corresponde ao centro industrial de Setúbal, com sede nesta cidade;
d) De Barlavento do Algarve, que abrange os centros industriais de Lagos e Portimão, com sede em Portimão;

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e) De Sotavento do Algarve, que abrange os centros industriais de Olhão e Vila Real de Santo António, com sede em Olhão.

Também as secções em que se poderiam dividir foram acrescentadas de uma, relativa ao peixe congelado, que passou a constituir a 4.ª secção, em lugar da de conservas, diversas, enumerada coimo 5.º São as outras, 1.ª, 2.ª e 3.ª, respectivamente: sardinhas e espécies similares (em molhos), atum e espécies similares (em molhos) e peixe conservado pelo sal (seco em salmoura).
Aos grémios compete:

1.º Exercer as funções políticas conferidas aos organismos corporativos;
2.º Prestar ao Governo, ao Instituto Português de Conservas de Peixe e aos associados informações sobre tudo o que diga respeito à indústria e comércio das conservas de peixe;
3.º Proporcionar aos seus associados, por si ou em cooperação com o Estado e outras entidades competentes, os elementos necessários ao regular exercício das suas actividades e protegê-los contra praticais de concorrência desleal lesivas do seu interesse ou do seu bom nome ou ainda do interesse geral da indústria;
4.º Conceder crédito aos seus associados, nos termos fixados, pelo presente diploma;
5.º Exercer a acção disciplinar sobre os sócios, nos termos deste diploma;
6.º Cooperar com o Instituto na criação e desenvolvimento de indústrias locais complementares da das conservas de peixe, para ocupação do pessoal nos períodos de intermitência ou irregularidade do trabalho, e ma execução dos planos de conjunto para criação de bairros operários, creches e outras iniciativas do mesmo alcance;
7.º Dar pareceres, informações e fazer propostas ao Instituto sobre os assuntos relacionados com os seus fins;
8.º Auxiliar o Instituto nos serviços e nas despesas de propaganda, expansão do comércio e repressão de fraudes, em defesa das conservas portuguesas de peixe;
9.º Proceder à inscrição dos empregados, e operários da indústria, mantendo em dia o respectivo cadastro e classificação profissional nas condições aprovadas pelo Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social;
10.º Promover a melhoria de condições do pessoal dos seus agremiados, ajustando com os respectivos sindicatos nacionais contratos colectivos de trabalho, e cooperar na fundação progressiva de instituições sindicais de previdência ou obras de assistência em benefício dos que trabalham na indústria;
11.º Dar execução às determinações do Instituto, fazendo-as cumprir pelos industriais.

Cada grémio possui um fundo corporativo, formado por parte das taxas cobradas pelo Instituto e na proporção das mercadorias fabricadas na sua área que hajam sido exportadas.
Os fundos, corporativos dos grémios dos industriais são solidárias, para efeitos da sua aplicação geral, e constituem reserva para a defesa da indústria, ou para o bom desempenho da sua função na economia geral. Destinam-se, normalmente, à concessão de créditos aos agremiados e respondem (subsidiàriamente pelas obrigações destes perante o Instituto e os grémios. O máximo global fixado para estes fundos é de 30 000 contos.
A acção junto dos operários da indústria é entregue, em cada grémio, a um fundo de previdência social, constituído, também, por uma parcela das taxas cobradas pelo Instituto. Solidários para efeitos do seu emprego em obras de conjunto, os fundos de previdência destinam-se a constituir, fundar ou subsidiar bairros operários, escolas, creches, cantinas, serviços de saúde ou quaisquer outras obras da mesma índole. Poderão, ainda, ser aplicados na criação ou desenvolvimento de indústrias locais complementares da das conservas, para ocupação do pessoal no período do defeso. As direcções dos grémios é também permitido destinar uma parcela, até 15 por cento das verbas atribuídas ao fundo respectivo, a outras modalidades de assistência não previstas.

17. O Grémio dos .Exportadores de Conservas de Peixe, reorganizado pelo Decreto-Lei n.º 26 776, pode dividir-se em secções correspondentes às dos grémios de industriais e compete-lhe:

1.º Exercer as funções políticas conferidas aos organismos corporativos;
2.º Prestar ao Governo, ao Instituto e aos associados informações sobre tudo o que diga respeito ao comércio das conservas de peixe;
3.º Proteger os seus associados contra práticas de concorrência desleal, lesivas do seu interesse ou do seu bom nome;
4.º Dar parecer, informações e fazer propostas ao Instituto sobre os assuntos relacionados com os seus fins;
5.º Auxiliar o Instituto nos serviços de propaganda, expansão das conservas e na repressão de fraudes, em defesa das conservas portuguesas de peixe;
6.º Promover a melhoria de condições do pessoal dos seus agremiados, ajustando com os respectivos sindicatos nacionais contratos colectivos de trabalho, e cooperar na fundação progressiva de instituições sindicais de previdência;
7.º Dar execução às determinações do Instituto, fazendo-as cumprir por parte dos sócios.

18. A desintegração operada no sector corporativo da organização com a extinção da União de Grémios, e o consequente isolamento orgânico dos elementos primários, levantava um problema de coordenação corporativa que o Instituto não poderia resolver, dada a sua natureza de organismo situado em plano diverso do corporativo.
Esta coordenação é normalmente realizável através da associação dos próprios grémios em novos organismos, ditos intermediários, e que constituem federações e uniões, consoante os grémios que se associam representem a mesma categoria económica ou representem actividades complementares no mesmo processo produtivo ou no ciclo económico do produto.
Desta sorte, a organização corporativa intermediária do sector das conservas de peixe deveria associar os grémios de industriais numa federação, ou estes grémios com o dos exportadores numa união.
Entendeu, porém, o legislador que a acção conjunta dos grémios não exija a criação de novos organismos. Assegurou-a por um processo, inegàvelmente hábil: o de uma «assembleia plenária», constituída pelos presidentes dos grémios, sob a direcção do delegado do Governo, que reuniria quando necessário fosse e funcio-

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naria, à vez, como união ou como federação, consoante na assembleia tivesse ou. não. assento o presidente do grémio de exportadores.
É da competência da assembleia:

a) Pronunciar-se sobre todos os assuntos em que os industriais de conservas hajam de emitir parecer colectivo ou adoptar solução uniforme para todos os grémios;
b) Pronunciar-se sobre a forma de ratear a produção entre-os grémios de industriais, quando esta haja sido limitada na- sua totalidade, e fixar o espírito que deve informar o rateio da quota gremial entre os sócios de cada grémio;
c) Pronunciar-se sobre o rateio, pelos grémios, da exportação geral, ou para algum mercado, quando não for livre, e fixar as directrizes das distribuição das quotas gremiais entre os sócios.

19. A organização acha-se dotada, ainda, tem por fim resolver as questões suscitadas no comércio das conservas de peixe, e que é constituída pelo delegado do Governo e por um árbitro, indicado de entre os sócios dos grémios por cada uma das partes interessadas.

20. Se este sector espera a fase final da organização corporativa - como o esperam e se vão cansando de esperar os demais sectores da vida do País- à organização das conservas de peixe, mesmo no estado de desenvolvimento que atingiu, será difícil negar-se-lhe que contenha, em si, a capacidade de promover a solução dos problemas que se lhe apresentem.

§ 8.º

Principais características da Indústria: sua posição no quadro económico nacional

21. A imperiosa necessidade de imediata utilização do pescado determinou - e a simplicidade da técnica de fabrico não a impediu - a localização dos estabelecimentos fabris ao longo da costa e à boca dos portos de pesca. A lei, no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 26 775, de 10 de Julho de 1936, ao delimitar as zonas de influência dos grémios dos industriais de conservas de peixe mais não fez do que consagrar aquela localização. Assim, a indústria de conservas de peixe, que, no conjunto das actividades industriais, se classifica como altamente localizada, encontra-se natural e legalmente limitada, no continente, aos centros industriais de Matosinhos, Peniche, Lisboa, Setúbal, Lagos, Portimão, Olhão e Vila Real de Santo António.

22. A importância regional da população activa que trabalha nesta indústria não é; evidentemente, a mesma nos vários centros, antes difere, consoante o grau de industrialização de cada região: se é praticamente insignificante a sua percentagem em relação ao total da população industrial de Lisboa e Porto (0,4 por cento e 8 por cento respectivamente),no distrito de Setúbal representa já 11 por cento e no de Faro 32 por cento daquela população.
A percentagem de elevada absorção de população activa industrial que cabe às conservas no Algarve deve-se, por um lado, ao fraco grau de industrialização daquela província e, por outro, ao facto de ela reunir o maior número de centros de indústria conserveira.
Esta forte incidência regional, que torna particularmente grave a manifestação de uma crise na indústria, não é característica exclusiva da actividade conserveira: verifica-se, também, em outros importantes sectores da indústria nacional.
Note-se, ainda, que o facto de à indústria de conservas no distrito de Faro caberem 32 por cento da população activa industrial daquela região e no distrito de Setúbal lhe pertencerem apenas 11 por cento não significa serem mais graves no Algarve os riscos de uma crise da indústria. Bem ao contrário: enquanto que naquela-província a quase totalidade dos que trabalham nas conservas se dedica também a outras actividades não industriais sobretudo à faina agrícola, já no distrito de Setúbal, a maioria dos operários da indústria de conservas, que é da cidade, só tem, de momento, uma de duas ocupações: trabalhar na indústria de conservas ou ... aguardar o trabalho na mesma indústria.
Este problema, de indiscutível gravidade económica e social, para certas regiões, não parece que Tenha a encontrar solução satisfatória através de um mais intenso e contínuo emprego na indústria de conservas de peixe. A tendência será antes no sentido da contracção do volume actual da mão-de-obra utilizada por esta indústria. Daí a necessidade de solução do problema pela instalação, nesses centros, de outras indústrias capazes de utilizarem com muito mais proveito a mão-de-obra sobrante.

23. A indústria de conservas de peixe está abrangida no regime de condicionamento (figura no quadro i anexo ao Decreto-Lei n.º 39 634, de 5 de Maio de 1954).
Não obstante as disposições daquele decreto, mais dirigidas ao processo de execução, os princípios que regulam o condicionamento desta indústria são ainda os (fixados nos Decretos-Leis n.ºs 26 775, 26 776 e 26 777, de 10 de Julho de 1936: salvo para as ilhas adjacentes e em casos excepcionais, está proibida a montagem de novas fábricas de conservas de peixe em azeite ou molhos, a não ser quando se extingam outras unidades industriais da mesma natureza (artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 26 777); no que respeita à salmoura, não é expressa a proibição de instalar novas fábricas, mas ela resulta, do número e condições das existentes.
Por força deste regime, o número total de unidades fabris tem oscilado pouco e computa-se, presentemente, em cento e oitenta para conservas em azeite ou molhos, cento e cinco para salgas e sete para congelados.

24. Por serem as conservas em azeite ou molhos as que mais interessa considerar, elaborou-se o quadro I, que indica o volume da capacidade teórica do conjunto, dos diversos estabelecimentos fabris dessa indústria e a sua repartição por classes e centros.

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QUADRO I

Capacidade de produção da Indústria de conservas de peixe em azeite ou molhos (Em percentagem do respectivo total)

(ver tabela na imagem)

(a) O limite anterior indicado em cada classe inclui-se que se segue imediatamente.

E.-Número de estabelecimentos.
C. - Capacidade.

(Fonte: elementos fornecidos pelo Instituto Português de Conservas de Peixe).

A observação deste quadro leva a concluir que 44 por cento da capacidade total da produção da industria de conservas de peixe em azeite ou molhos se distribua por 28 por cento dos estabelecimentos fabris com uma capacidade individual superior a 40 000 caixas. Verifica-se, porém, que 21 por cento desses estabelecimentos se situam nas classes de 40 000 a 60 000 caixas anuais, representando 30 por cento da capacidade total.
Se se passar à análise da situação nos diversos centros verificar-se-á que:
Em Matosinhos, 50 por cento aproximadamente da capacidade teórica de produção do centro se distribuiu por 38 por cento de estabelecimentos fabris, entre 40 000 o 70 000 caixas, mas apenas 4 por cento dos estabelecimentos, com 7 por cento de capacidade, se situam individualmente entre 60 000 e 70 000 caixas.
Nota-se assim o fraco «peso» das unidades de maior dimensão.
Peniche dispõe apenas de seis estabelecimentos fabris; 17 por cento do» mesmos, com uma capacidade de 100 000 a 110 000 caixas, absorvem 27 por cento da capacidade total. Porém, 60 por cento da capacidade pertence a 60 por cento de estabelecimentos entre 50 000 e 70 000 caixas, o que aproxima a curva deste centro da linha de igual distribuição.
Em Lisboa, 60 por cento dos estabelecimentos de maior dimensão (entre 20 000 e 60 000 caixas)absorvem 75 por cento da capacidade total, pertencendo 20 por cento desta a 10 por cento de estabelecimentos de 50 000 a 60 000 caixas, o que denota o «peso» de unidades médias.
Em Setúbal 56 por cento das fábricas de maior dimensão, cujo limite é idêntico ao de Lisboa, absorvem 68 por cento da capacidade total.

m Lagos, 48 por cento da capacidade total do centro é distribuído por 20 por cento dos estabelecimentos, com uma capacidade individual situada entre 50 000 e 70 000 caixas, correspondentes às classes de maior dimensão, tornando-se assim frisante o «peso» destas no conjunto.
Em Portimão, 43 por cento da capacidade total corresponde a 26 por cento dos estabelecimentos de maior dimensão, distribuídos entre 40 000 e 80 000 caixas, o que denota também o «peso» das unidades médias.
Em Olhão, 77 por cento da capacidade corresponde a 67 por cento de estabelecimentos fabris, na maioria entre 20 000 e 40 000 caixas. Já a curva de concentração se aproxima mais da linha de igual distribuição.
Em Vila Real de Santo António dominam as unidades de tipo médio: 48 por cento da capacidade do centro pertence a 27 por cento dos seus estabelecimentos fabris situados entre 60 000 e 110 000 caixas anuais.

QUADRO II

Concentração da indústria de conservas de peixe em azeite ou molhos

(Em percentagem total)

(ver tabela na imagem)

(a) O limite superior indicado em cada classe inclui-se na que segue imediatamente.

Se em lugar dos estabelecimentos fabris se observar o comportamento das empresas, que constituem, sem dúvida, unidades de maior interesse económico, ser-se-á conduzido a registar que um pouco mais de metade (53 por cento) da capacidade total da indústria é preenchida por 27 por cento das empresas, podendo assim concluir-se que, embora não seja grande a concentração na indústria de conservas de peixe em azeite ou molhos, as unidades tipo médio exercem certo «peso» no conjunto.
Ressalve-se, contudo, que as considerações formuladas se baseiam em valores teóricos de capacidade de produção; além disso, só depois de profundo estudo técnico

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se, poderá chegar à definição do que deva entender-se só esse estudo permitirá juízo sobre os dimensões por pequenas médias e grandes unidades, como também óptimas para cada centro.

Concentração na indústria de conservas de peixe em azeite ou molhos

(ver tabela na imagem)

A findar este apontamento sobre a capacidade de produção e a concentração de indústria parece de salientar a desproporção entre a sua capacidade teórica produção e a concentração efectiva:

QUADRO III

(Unidade: tonelada)

(ver tabela na imagem)

As conclusões que se tiram do simples apontamento feito sobre a dimensão dos estabelecimentos fabris nos vários centros o maior ou menor peso que, em cada um, exercem as pequenas e médias unidades, permitem avaliar em que medida essa variedade de dimensão contribui para tornar possível a política de mútua agressão que os nossos industriais, por vezes, seguem ao escoarem os seus produtos nos mercados externos.
Por isso, a elaboração de um plano de reorganização da indústria não deverá obedecer à pura preocupação de concentrar as unidades fabris existentes. A par dessa preocupação deverá haver uma outra e talvez não menos importante: a de aproximar, quanto possível, os potenciais técnico e económico das empresas que venham a formar-se nos vários centros. Se tal se conseguir, em muito se contribuirá para a diminuição das condições existentes de concorrência excessiva entre as unidades produtoras.

25. O valor atribuído ao equipamento da indústria de conservas de peixe é pequeno quando posto em confronto com o de outros sectores, como moagem, indústria têxtil, químico, metalomecânico e cimento. Esta posição, de vincada inferioridade, desaparece, porém, se a comparação se estabelecer com o valor estimado para o equipamento de outros sectores da indústria também fortemente ligados à exportação: a cortiça e os resinosos.
O baixo valor do equipamento denuncia o predomínio do trabalho manual neste ramo da indústria: na verdade, e à parte o fabrico de vazio, em que se evidencia o trabalho mecânico, a mão-de-obra tem primazia absoluta na laboração de produto principal - primazia aliás, em parte, imposta pela delicadeza das operações em produção de qualidade.
Apesar disso, a indústria de conservas de peixe não se inclui entre as que absorvem maior percentagem da população industrial, a não ser no que se refere a trabalhadores do sexo feminino: depois das indústrias do algodão e do vestuário, ela constitui o ramo industrial que ocupa maior percentagem de mulheres -80 por cento do total dos seus operários -, mas, praticamente, em regime de trabalho eventual.
A extraordinária instabilidade do trabalho feminino, é característica vincante da indústria de conservas. Se a esta característica juntarmos a da mobilidade do trabalho masculino e se referirmos que a indústria se encontra entre as que registam maior flutuação de em-

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prego, teremos focado os aspectos mais salientes do problema da mão-de-obra neste campo de produção nacional.

26. Não terá este parecer a preocupação de apresentar o custo real da produção das várias conservas de peixe nem, tão-pouco, o custo das conservas de sardinha em azeite ou molhos - principal produto da indústria e o único que é objecto da sugestão em exame.
O que já se disse em matéria de localização da indústria e de dimensão dos seus estabelecimentos fabris é, só por si, bastante para se fazer ideia da dificuldade, se não da impossibilidade, de estabelecer um custo de produção que ofereça alguma segurança e tenha interesse, por ser válido para á generalidade das unidades produtoras. Aos motivos apontados haverá que juntar ainda o irregular abastecimento da principal matéria-prima da indústria - a sardinha, -, conjugado com flutuações sensíveis do seu valor unitário.
Como, porém, a realização dos objectivos do presente parecer impõe se determine a posição relativa aproximada que às principais componentes cabe na formação do custo de produção, não se viu inconveniente em calcular essa posição a partir do custo médio actual apresentado pelo Instituto Português de Conservas de Peixe.

QUADRO IV

Sardinha em azeite - Custo médio de produção de uma caixa 1/4 "club" 30 mm

Em Dezembro de 1954

(em armazém)

Vazio:

Folha-de-flandres (na base de 2/3 de 180 Ibs.
e 1/3 de 214 Ibs.)............................ 44$45
Ilustração (duas cores e verniz) ............. 6$90
Solda (estanho a 58$ o quilograma e chumbo
a 10$ o quilograma) .......................... 4$70
Caixote ...................................... 4$50
Pregos a 7$ o quilograma ..................... $47
Arame a 5$96 o quilograma .................... $40
Borracha a 28$ o quilograma .................. 1$58
Energia. ..................................... 8$30
Mão-de-obra ................................. .10$00
77$30
Cheio:

Aceite-3 kg a 16$80 ......................... 50$40
Mão-de-obra ................................. 20$00
Combustível ................................. 3$10
Sal ......................................... 1$50
Encargos gerais ............................ . 21$00 96$00
Peixe ...................................... 60$00
233$30

Embora o Instituto apresente o cálculo constante do quadro IV como expressão ide uma amostra representativa da indústria, nada refere sobre o tipo de unidade industrial escolhida: deduz-se que ela dispõe de fabrico de vazio, mas nada se diz sobre o maior ou menor grande integração, nem sobre possíveis produções associadas, nem sobre a percentagem ide utilização do capacidade teórica a que corresponde o custo; tão-pouco se faz referência ao centro em que se encontra localizada - o que importa, dadas as diferentes condições em que cada centro se abastece de peixe.
Mas com estas e outras reservas possíveis de fazer o exame do quadro IV permitirá ajuizar da incidência de cada um dos principais factores no custo de produção.
E logo se repara como sobressai o grupo das matérias-primas e subsidiárias, que representam 80 por cento do valor atribuído ao custo médio.
Os encargos com a mão-de-obra, esses, nem sequer atingem 10 por cento desse mesmo valor: o factor humano constitui nesta indústria um problema real, por
vezes melindroso, mas não poderá ser responsabilizado pelas dificuldades que, ao escoamento do- produto, possam advir de um custo elevado de produção.

27. Dentre as matérias-primas e subsidiárias utilizadas sobressaem, pela sua ordem de grandeza, o peixe, o azeite e a folha-de-flandres.
A folha-de-flandres não é ainda produzida em Portugal: o preço por que a adquirimos é o da cotação internacional mais baixa, uma vez que se não põem dificuldades à sua importação de qualquer origem.
O preço do azeite -todo ele vindo de olivais portugueses - é, superior ao fixado para o consumo público e, possivelmente, superior também ao preço por que o adquire a indústria estrangeira.
É, entre nós, de uso corrente o sistema de sobrecarregar certos produtos de exportação com taxas destinadas a cobrir encargos resultantes da política de estabilização dos preços de consumo no mercado interno.
Afora casos e períodos de excepção, o princípio, em si, é mau, sobretudo quando se trate de produtos não essenciais, de escoamento dependente do estrangeiro. Tanto anais que a maioria dos países concorrentes segue, com tenacidade, política inversa (garantir o, permanência dos produtos nos mercados externos, ainda que com sacrifício do próprio mercado nacional e dando, para tanto, às suas indústrias de exportação prémios directos e indirectos - supressão de encargos sociais e fiscais, manipulações de câmbio, etc.).
Com estas observações não se pretende, no entanto, sugerir que o maior preço do azeite seja, no clima actual do meneado, um encargo insuportável. Pensa-se, mesmo, que antes de ter direito a pedir que o Estado reveja algumas das receitas que lhe vêm das conservas, deve a indústria organizar-se e provar ter feito quanto está em sua mão fazer pata, reduzindo os custos de produção, aumentar a sua capacidade de concorrência;
Resta destacar a posição ocupada pela matéria-prima principal - a sardinha. Nos seus cálculos o Instituto atribui-lhe mais de 20 por cento do custo médio. E deve notar-se que esse valor é determinado para Dezembro de 1904, período que não correspondeu aos maiores valores unitários verificados (vide gráfico da p. 658) nesse ano, que, já de si, foi, em relação aos anteriores, um ano de preços favoráveis.
Reconhecida a posição de relevo que a matéria-prima principal ocupa na formação dos custos de produção - anos tem havido em que o valor da sardinha representa mais de 40 por cento desse custo -, pode avaliar-se bem a importância extraordinária que para a vida da indústria têm as contínuas flutuações do preço da sardinha - flutuações que, de resto, se não verificam apenas ao longo do período de pesca, mas também, em cada momento, de centro para centro. Estas variações da quantidade e preço da matéria-prima fazem com que o abastecimento de peixe constitua o primeiro dos problemas que hoje se põem à produção e seja uma das causas principais das profundas diferenças, verificáveis nos custos de uma produção nacional que se destina, toda ela, a consumidores estrangeiros.

28. Porque, ao estudar as relações de interdependência interna, se voltará a falar da pesca, resta agora precisar, com algum pormenor, as condições do trabalho na indústria de conservas, problema a que, aliás, já se fez referência.
A qualidade de uma conserva depende, em grande parte, da frescura do peixe utilizado e da percentagem e gordura que possuir.
A primeira condição implica imediata utilização do pescado, para ser submetido a uma preparação que

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requer trabalho de natureza delicada e de rápida realização.
Tem-se entendido - e certamente se continuará a entender- que, para uma produção de boa qualidade, não deve ser mecânica, mas manual a preparação da conserva.
A delicadeza e a rapidez das operações a realizar, entre outros factores, conduzem n preferência de mão-de-obra feminina e impõem à indústria grandes quadros, de pessoal.
Por outro lado, as irregularidades próprias e não domináveis da pesca e as condições aleatórias de aquisição do peixe na lota tornam difícil a utilização permanente do operariado, sobretudo quando as unidades produtoras - e é a hipótese mais vulgar - não possam desviar o pessoal para produções associadas.
Também a segunda das condições requeridas para a boa qualidade - percentagem de gordura da sardinha- não permite a produção de conservas ao longo de todo o ano - a sardinha pescada de Fevereiro a Junho não atinge, por vezes, 1/10 da gordura da chamada sardinha de Verão 1.
É, assim, óbvio que, nas condições actuais, por imposição da pesca e das características de produção, esta indústria tem de sujeitar a mão-de-obra a um regime muito particular.
A cláusula 5.ª do contrato colectivo de trabalho para a indústria de conservas de peixe 2 estabelece que o quadro de cada fábrica compreenderá dois grupos de pessoal:

1.º grupo - pessoal permanente.
2.º grupo - pessoal eventual.

Ao 1.º grupo (pessoal permanente) pertencerão obrigatoriamente:

a) Os operários maiores de 18 anos do sexo masculino;
b) As operárias e menores de ambos os sexos que não sejam aprendizes ou praticantes e que trabalhem com máquinas ou ferramenta;
c) As operárias especializadas;
d) As operárias manipuladoras de peixe em número suficiente para conjuntamente com as operárias indicadas nas alíneas b) e c) perfazerem a percentagem mínima de 25 por cento do número total do pessoal feminino que conste do quadro da fábrica.

Ao 2.º grupo (pessoal eventual) pertencerão:

a) Os Aprendizes e praticantes de ambos os sexos;
b) As operárias manipuladoras de peixe não incluídas no 1.º grupo, nos termos da alínea d) do parágrafo anterior.

Nesta organização do quadro da indústria, bem como nas demais cláusulas do contrato colectivo de trabalho, tenta-se conciliar as necessidades de grande número de pessoal, em certos períodos do dia e do ano, com as possibilidades económicas da indústria.
Estão neste caso certas disposições do contrato, como as referentes à garantia de trabalho. No desejo de corrigir, de certo modo, a instabilidade de trabalho, que normalmente se verifica mesmo para o pessoal permanente estabeleceu a cláusula 54.ª do referido contrato colectivo certa «garantia de trabalho» para o pessoal deste quadro. Esta garantia foi, no entanto, muito reduzida por despacho do Sr. Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social de Junho de 1950, por se entender que a crise económica da indústria de conservas não permitia manter integralmente todos os encargos emergentes do citado contrato colectivo. De então até hoje é a seguinte essa garantia:

O pessoal permanente da indústria de conservas de peixe tem direito, em cada período de duas semanas, aos seguintes mínimos de trabalho ou de salário correspondente:
a) Quarenta e oito horas para o pessoal indicado na alínea a) do § 1.º da cláusula 5.ª do contrato colectivo de trabalho para a mesma indústria;
b) Trinta e duas horas para o pessoal indicado na alínea b) do § 1.º da cláusula 5.º do contrato colectivo de trabalho;
c) Dezasseis horas para o pessoal indicado nas alíneas c) e d) do § 1.º da cláusula 5.ª do contrato colectivo de trabalho.
§ único. O trabalho excepcionalmente prestado ao domingo, referido na cláusula 36.º do contrato colectivo de trabalho, será remunerado nos termos fixados na mesma cláusula, mas o número de horas de trabalho efectivamente prestado será computado para o efeito da atribuição da garantia de trabalho ou salário estabelecido nesta base:
As horas suplementares prestadas em dias úteis serão igualmente contadas para este efeito.

Comparado o teor deste despacho com o estipulado na cláusula 64.º do contrato, verifica-se que os alterações se traduzem em redução da garantia do mínimo de horas de trabalho e em contagem, para efeito do número de horas garantido, do trabalho excepcionalmente prestado ao domingo e das horas suplementares em dias úteis.
Além disso, o mesmo despacho de 1950 dispensa, em casos especiais devidamente fundamentados, o cumprimento total ou parcial do disposto na cláusula 8.º do contrato colectivo de trabalho.
Reza esta cláusula que:

O ajustamento da relação nominal dos operários do grupo permanente ao respectivo quadro é obrigatório no prazo de oito dias, a menos que não existam praticantes que reunam as condições de promoção previstas nas cláusulas 23.º e 24.º, nem pessoal desempregado no mesmo centro industrial com idoneidade e capacidade para o desempenho das funções inerentes aos lugares vagos.

29. Para o pessoal do quadro eventual não incluído nos 25 por cento citados na alínea d) do § 1.º da cláusula 5.ª do contrato colectivo não está estabelecida qualquer garantia de trabalho, nos termos em que foi definida.
No entanto, os grémios concedem a esse pessoal, no período de defeso, a título de subsídio, dois dias de trabalho por quinzena, mas apenas quando ele não tenha efectivamente trabalhado esse mínimo de dias (por exemplo, na laboração de outra espécie).
Esse subsídio é concedido por conta do fundo previsto no § 3.º do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 26 775, de 10 de Julho de 1936. Referido apenas ao período de defeso, em quase nada, porém, ele melhora a situação de uma classe de trabalhadores que estará sempre na contingência de ficar sem trabalho, na indústria, a

_________________

1 O artigo 36.º do Decreto n.º 26 777 fixava, o período de doloso em quatro meses, variável de centro para centro. Por despacho ministerial de 2 de Maio de 1940 determinou-se ser o defeso de três meses e uniforme este período para todos os centros. No ano corrente e a pedido da indústria algarvia foi estabelecido que o período continuaria a ser de três meses, mas começaria em Janeiro paia o Algarve o em Fevereiro para os restantes centros.

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quase totalidade Ao ano. Que assim é, prova-o o facto de ser, por vezes, extremamente baixo o número médio de dias de trabalho nas fábricas de conservas em azeite ou molhos.
Se examinarmos o comportamento das unidades abrangidas no Grémio dos Industriais de Conservas do Centro, onde, deve reconhecer-se, é particularmente sensível a acção dos compradores para o consumo público, verificar-se-á a existência de fábricas que em certas safras não trabalharam mais do que dez dias. Se se referiram casos extremos, certo é também que, no centro em observação, só uma unidade vem a exceder ligeiramente os cem dias de trabalho, havendo outros que alcançaram esse resultado, por excepção, na última safra.
Não foi possível obter, em tempo, dados sobre as médias de trabalho verificadas em todos os restantes centros. Sabe-se, no entanto, que elas são francamente mais animadoras, por exemplo, no centro do Norte e em relação aos dou últimos anos, o mínimo de dias de trabalho situa-se em cinquenta dias e verifica-se em duas fábricas; o máximo, que foi atingido por um só estabelecimento, é de cento e sessenta e nove dias; a média de trabalho, neste centro, ultrapassa, no entanto, os cem dias de trabalho.

30. Feita ligeira referência ao período normal de trabalho e à garantia da sua duração mínima, cabe notar ainda que o salário médio da indústria é fraco quando comparado com o das outras unidades industriais. Deve-se isso ao facto do as mulheres ganharem, no geral, metade do salário dos homens o constituírem o grosso do operariado desta indústria. Ao trabalho feminino junta-se ainda o de muitos aprendizes e praticantes, cuja remuneração em nada contribui para a elevação do valor do salário médio.
O que fica registado basta para se avaliarem as peculiares condições a que necessariamente se sujeita a mão-de-obra na indústria de consertas de peixe.
E não se vê que os milhares de trabalhadores que à indústria se dedicam possam ver rapidamente modificada, de forma sensível, a sua situação:

QUADRO V

Volume de emprego na indústria de conservas de peixe

(ver tabela na imagem)

(a) Média anual.
(Fonte: Estatística Indutrial, do Instituto Nacional de Estatística).

O contrato colectivo, regulador das condições do trabalho, deve ter representado o máximo progresso consentido pelo conjunto de circunstâncias que determinavam as possibilidades da indústria aquando da sua celebração.
A depressão verificada neste sector em 1950 forçou o Governo a determinar, por despacho, o abandono de algumas das regalias dadas ao operariado. Esse despacho ainda está em vigor. Se se tiverem em conta a incidência da mão-de-obra no custo de produção, por um lado, e, por outro, as perspectivas oferecidas pelos mercados externos, não parece optimismo demasiado o admitir-se desde já a possibilidade de revisão desse despacho no sentido de, pelo menos, se assegurar o nível de garantia fixado no contrato colectivo.
Também se tem por certo que a expansão da produção, resultante das medidas a tomar quanto ao abastecimento da matéria-prima e à organização comercial, contribuirá para o alargamento dos dias de trabalho e consentirá certos ajustamentos, para cima, no valor actual dos salários.
Reconhece-se que o problema não se resolve com simples melhorias a introduzir no mecanismo existente. Mas verdade é também não se ver que as condições actuais do trabalho na indústria de conservas possam ser alteradas profundamente de um momento para o outro. Haverá, por isso, que não deixar fugir uma só ocasião de realizar benfeitorias, por pequenas que sejam, enquanto obra de maior vulto não puder efectivar-se.
A má distribuição do trabalho não parece provável que venha a remediar-se por completo: á característica essencial da pesca e condição de uma produção de qualidade, enquanto não se prove que a sardinha' pode aguardar, sem perda das suas características, longas horas ou dias em regime de congelamento ou outro que se invente.
Mas se esta má distribuição não é, de momento, problema solúvel, já um progresso sensível na situação da mão-de-obra seria realizado se as fábricas pudessem dedicar-se a actividades associadas. Embora esta solução não seja viável em todos os centros, haverá que lançar mão dela sempre que possível.
E não se deverá descurar também o exame das possibilidades de redução, do volume actual do emprego neste indústria: menos operários e mais longamente utilizados é objectivo a ter sempre presente; a concentração e a mecanização do «cheio» até ao limite para além do qual a quebra da qualidade não compense o benefício da mecanização são também aspectos do problema que impõem urgente esclarecimento.
A redução do emprego acarretará maiores disponibilidades de trabalho. A indústria de conservas não poderá, porém, exigir-se-lhe que responda pelo destino da mão-de-obra sobrante: impor a uma actividade a absorção de um número de operários superior às suas conveniências técnicas e económicas, concedendo-lhe, para tanto, a possibilidade de remunerar mal e garantir insuficientemente o trabalho, seria solução fácil, se alguma vez este processo pudesse classificar-se como solução real do problema de excesso da mão-de-obra - problema que só encontrará solução adequada e séria quando enquadrado numa política de expansão económica geral.
As observações que se fizeram a propósito da estrutura do custo de produção da indústria de conservas de sardinha em azeite ou molhos destacaram a forte incidência, neste custo, do grupo das matérias-primas - cerca de 50 por cento- e a modesta posição relativa ocupada pelos encargos com a mão-de-obra.
Essas observações e o fraco valor do equipamento utilizado, em confronto com o de outros sectores importantes da actividade industrial, esclarecem a participação mínima que a nossa primeira indústria de exportação tem na formação do produto nacional bruto - 0,2 por cento 1.

_________________

1 Produto nacional bruto ao custo dos factores a preços correntes; valor de 1962, último ano para o qual se conhece a participação por indústrias. Se a percentagem fosse calculada não em relação ao produto total mas apenas em relação à quota-parte da indústria transformadora passaria de 0,2 por cento para 0,5 por cento apenas.

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A fraca incorporação do trabalho não é, porém, característica específica da indústria de conservas. Verifica-se, infelizmente, em outros sectores, nomeadamente da exportação, como os da cortiça e dos resinosos.

§ 4.º

Relações de Interdependência Interna

a) Com a indústria da pesca

31. Para a indústria das conservas de peixe, as relações com a pesca constituem a mais forte das suas dependências internas. Por sua vez, também à indústria da pesca não é indiferente a actividade da indústria de conservas: esta é a mais segura garantia de rendabilidade da pesca.
Em Portugal a indústria de conservas 1 não vai ao mar em busca da sua matéria-prima principal. Mesmo quando uma empresa conserveira se dedique também à actividade piscatória, a sardinha colhida nas suas redes irá, obrigatoriamente, engrossar o monte da lota.
Temos assim duas actividades totalmente independentes: uma adquire a matéria-prima para a transformar e vender ao consumidor de conservas - como se verá, na sua quase totalidade estrangeiro; a outra actividade dedica-se à obtenção dessa matéria-prima, que entregará pela maior oferta que se verificar em leilão livremente disputado entre a indústria de conservas e os abastecedores do consumo interno.
Para caracterizar o mecanismo da aquisição de peixe pela indústria deve registar-se ainda que a pesca se distribui irregularmente ao longo da costa - em cada safra, o maior ou menor abastecimento dos centros conserveiros está à mercê da movimentação dos cardumes. Este facto é, por sua vez, uma das causas daquela falta de solidariedade que se verifica entre a indústria instalada nos vários centros; em lugar de uma rede de produção nacional, com objectivos e interesses comuns, temos, na prática, um amontoado de indústrias regionais concorrentes.

32. Os volumes dia pesca e a sua distribuição pelos dois utilizadores do peixe constam do quadro VI.

_______________

1 O exame da interdependência far-se-á apenas quanto à indústria de conservas de sardinha em azeite ou molhos. Também quando nos referimos a pesca englobamos somente a da sardinha pescada pelas artes insólitas aio Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinha.

QUADRO VI

Quantidade e distribuição da pesca da sardinha efectuada pelas artes inscritas no Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinha

(Unidade: tonelada)

(ver tabela na imagem)

(Fonte: elementos fornecidos pelo Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinha).

O comportamento dos diversos centros registou-se no quadro VII.

QUADRO VII

(Unidade: tonelada)

(ver tabela na imagem)

(Fonte: elementos fornecidos pelo Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinha).

As variações do volume da pesca e a maior ou menor incidência da procura interna originam contínuas oscilações dos preços, não só de centro para centro, mas também dentro dos próprios centros, como se verifica no gráfico junto, construído a partir dos valores fornecidos pelo Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinha.

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(ver tabela na imagem)

A simples observação dos números constantes dos quadros juntos permite a formação de ideia clara sobre a situação de maior ou menor dependência em que a indústria de conservas se encontra perante a pesca e sobre a desorganização que caracteriza a aquisição, pela actividade conserveira, da sua matéria-prima fundamental.

33. Se se compararem os volumes totais da pesca com a exportação do conservas, concluir-se-á que, mesmo nos anos maus, a sardinha pescada excederá sempre as possibilidades normais de exportação. Por isso, quando se fala em diminuição da produção de conservas por falta de peixe quer-se dizer apenas que a indústria de conservas não pôde concorrer com os preços oferecidos pelos compradores para o consumo interno.

34. Quem olhe com alguma atenção os quadros e, gráfico juntos logo concluirá não poder manter-se esta situação, se alguma vez se quiser, a sério, estruturar em bases (técnicas e económicas, não só a indústria de conservas de sardinha, mas também a indústria da pesca.
A falta de solidariedade existente entre estes sectores do trabalho nacional terá de substituir-se por um sistema que parta do reconhecimento da interdependência ou comunidade de interesses das duas actividades.
Para a indústria de conservas o preço máximo pôr que deverá adquirir a sardinha não pode ser o resultante de luta com o consumo interno imediato. O limite do preço máximo nada tem a ver com essa luta; será, ao fim e ao cabo, fixado pelo consumidor estrangeiro das conservas, dado não constituírem elas mercadoria que, pela sua essencialidade, possa ditar leis ao mercado.
Em contrapartida, as artes da pesca da sardinha não poderiam viver se a indústria das conservas não animasse a lota, porque a sardinha não é hoje um produto base na composição da alimentação da população.
Se nas condições actuais a indústria das conservas é extremamente vulnerável, não pode esquecer-se também o ser a indústria da pesca: vulnerável na fase de obtenção do produto, porque dependente da sorte dos lances; vulnerável na fase do escoamento, porque dependente, por inteiro, das solicitações da procura, tanto mais que a mercadoria tem que ser imediatamente consumida.
Se para a indústria de conservas é questão de vida ou de morte a regularização do seu abastecimento em peixe, também para a pesca só podem redundar em benefício as medidas que se tomem no sentido de garantir

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o escoamento do peixe em condições que não sejam as do jogo de fortuna e de azar que é a lota.
E o problema parece não comportar mais do que duas ordens de solução: ou reorganizar-se a industria de conservas, dotando-a com artes que vão ao mar em busca do peixe de que necessite, ou forçar o entendimento entre as duas actividades.
A primeira solução não será, certamente, nem a mais fácil nem a que mais justamente equilibrará os interesses em jogo.

b) Com outras indústrias

35. A indústria de conservas não é apenas um dos suportes da pesca. Ao avaliar as suas relações de interdependência interna não pode minimizar-se a sua posição como utilizadora dos produtos de outras actividades - a latoaria, a litografia, a caixotaria - nem esquecer-se o aproveitamento dos seus subprodutos nas produções de óleo, farinha e guano de peixe e a recuperação de materiais -o estanho e o ferro- a partir dos retalhos da folha-de-flandres.
Faria muito, de empresa para empresa, o seu grau de dependência quanto às actividades referidas, sobretudo no que respeita ao fabrico de vazio. A maior ou menor integração dessas actividades adjuvantes será um dos aspectos a estudar pela comissão que venha a incumbir-se de propor a conveniente reorganização da indústria.

a) A indústria e a sua dependência do mercado interno quanto à colocação do produto

36. A participação do mercado nacional (considerado este como o conjunto da metrópole e do ultramar) e dos mercados externos no escoamento da produção avalia-se examinando o quadro VIII.

QUADRO VIII

Produção e escoamento das conservas de peixe

(Unidade: tonelada)

(ver tabela na imagem)

(a) Ignoram-se os números respeitante a salmoura.

Fonte:

Produção, elementos fornecidos pelo Instituto Português de Conservas de Peixe.
Exportação, Instituto Nacional de Estatística.

Na variação de stocks incluiu-se o consumo na metrópole, que é, portanto, quase nulo. Neste aspecto a indústria nada depende - e é pena - do mercado interno.

A insignificância do mercado nacional que o quadro VIII revela para o caso das conservas verifica-se também e infelizmente em relação à maior parte dos nossos tradicionais produtos de exportação.
Este facto é uma das causas da extrema vulnerabilidade de muitos sectores da produção metropolitana e impõe-nos simultaneamente acção capaz de modificar a capacidade e estrutura do consumo no mercado nacional e esforço sério de compreensão e conquista dos consumidores estrangeiros, tanto mais que, mo caso das conservas como no de outros produtos do nosso fabrico, não se trata de lhes vender mercadoria para eles essencial: em tempo normal, o mercado das conservas é mercado dos compradores.
Algumas observações haveria a fazer quanto às condições em que se desenvolve o comércio interno do produto. Verificada, porém, a extrema dependência do estrangeiro, parece conveniente dar, neste parecer, posição de muito maior relevo a números e informações que ajudem a compreender a importância dos factores determinantes da exportação de conservas de sardinha e permitam avaliar das possibilidades de expansão do seu consumo no estrangeiro.
No entanto, embora o mercado interno tenha hoje pequeno significado para a indústria das conservas, e, por isso, se não faça neste parecer estudo profundo das condições era que se desenvolve, parece necessário deixar uma pequena nota sobre ele antes de se entrar no estudo da dependência externa da indústria. Essa nota visa as características do produto lançado no mercado interno.
É sabido que hoje o Instituto Português de Conservas de feixe só fiscaliza a qualidade do produto exportado. Daqui resulta que a qualidade das conservas destinadas ao consumo interno depende inteiramente da idoneidade dos produtores. E é sabido que, de entre eles, alguns não hesitam em lançar no mercado metropolitano os lotes de conserva que o Instituto Português e Conservas de Peixe considerou impróprios de exportação para o estrangeiro ou para as províncias ultramarinas.
O facto é indiscutível e não carece de muitos comentários para que possa avaliar-se a sua gravidade.
Se não se tomam medidas urgentes no sentido de tornar efectiva a fiscalização do produto destinado ao mercado interno, podem perder-se todas as esperanças de ver alargada a posição deste mercado entre os consumidores das conservas nacionais.
Mas a péssima qualidade de certas conservas que são oferecidas no mercado interno não diminui apenas o interesse do consumidor nacional: prejudica, também, o bom nome que o produto tem e deve manter no estrangeiro. É facto, de todos conhecido, que o turista gosta de adquirir no país de origem os produtos que ele exporta. Fá-lo não só por isso lhe permitir comprar mais barato, mas, sobretudo, por estar convencido de que o produto obtido na sua terra natal lhe oferece mais garantias de pureza.
Figuremos agora um estrangeiro já instalado em sua casa a, abrir, para a família e amigos, umas latas de conservas portuguesas, por ele mesmo trazidas de Portugal. Imaginemos, também, o que ele e todos deverão pensar quando verificarem que esse produto vindo directamente do seu berço é pura e simplesmente intragável ...

§ 5.º

A Indústria de conservas de peixe e a sua dependência dos mercados externos

37. A indústria está intimamente ligeiro, quer por nele se abastecer de foi quer por nele escoar a sua produção.

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Não tem interesse de maior o estudo da dependência no que se refere à aquisição de matérias-primas: em período normal, nenhuma dificuldade se põe à compra de folha-de-flandres; em tempos de anormalidade aos mercados, a importação de folha constitui, sem duvida, problema de certa gravidade. Note-se, no entanto, que se nessas conjunturas a escassez da folha-de-flandres se revela, também a importância das conservas, como produto alimentar, se eleva, ao ponto de lhe ser reconhecido o direito a um contingente de importação de materiais escassos. Esta dependência desaparecerá, de resto, logo que a siderurgia nacional seja uma realidade.
O abastecimento em folha-de-flandres não constitui, portanto, problema de que dependa a expansão da indústria.
A dependência dos mercados externos reveste-se de verdadeiro melindre, apenas e só, na fase do escoamento de produção, cujo mecanismo se vai observar.

38. A importância das conservas de peixe no conjunto da nossa exportação para o estrangeiro ressalta da simples leitura do quadro IX.

QUADRO IX

Valor da exportação total e de conservas de peixe para o estrangeiro

(ver tabela na imagem)

(a) Números provisórios.

A posição relativa das conservas de peixe entre os principais produtos de exportação e as variações que estes têm sofrido consta do quadro X.

QUADRO X

Participação doa principais produtos em percentagem do valor na exportação para o estrangeiro

(ver tabela na imagem)

(a) Percentagem calculada a partir de números provisórios.

Os quadros IX e X vêm lembrar a posição de indiscutível relevo que as conservas de peixe ocupam na composição da exportação metropolitana: valem entre 12 por cento e 10 por cento do total e cabe-lhes o segundo lugar entre os produtos que vendemos ao estrangeiro.
Na sua simplicidade; os números atrás alinhados afirmam, sem medo de contestação, que a sorte da indústria e do comércio das conservas de peixe não interessa apenas à vida dos industriais e dos comerciantes, não constitui um puro problema privado: por ser, alam do mais, uma das nossas maiores fontes de divisas, esta indústria é de interesse nacional. E, sendo-o, o Estado tem o dever de promover o necessário para que produtores e comerciantes corram menos riscos e ganhem cada vez anais, ainda mesmo que uns e outros viessem confessar o prazer de jogarem com as flutuações da conjuntura s se declarassem satisfeitos com a irregularidade ou mediania dos seus ganhos.

39. Ao determinar a posição do mercado externo, no consumo das conservas, frisou-se que essa dependência não é típica deste sector de produção, mas antes característica da maioria das grandes componentes da nossa exportação. O quadro X patenteia outra das causas de vulnerabilidade da nossa economia, a juntar à pequena capacidade de absorção do mercado interno - consiste ela no facto de cinco produtos se verem responsabilizados por mais de metade da nossa exportação total.

§6.º

A distribuição geográfica da exportação portuguesa de conservas de sardinha - Seus principais mercados

40. Ficou registada no parágrafo anterior a relação de dependência externa da indústria de conservas quanto à colocação do produto; aí se mediu também a sua participação no valor da exportação.
Não só porque o melindre dessa dependência, varia em função da concentração geográfica da exportação, mas ainda porque ao estudo da actuação comercial - que se fará em lugar próprio - interessa conhecer a rede do escoamento da mercadoria, dada a diversa natureza e diferente potencial dos mercados, cabe agora indicar a repartição (geográfica das exportações de conservas de sardinha.

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QUADRO XI

Exportação de conservas de peixe

(Ver tabela na imagem)

(a) Números provisórios.

41. A exportação de conservas de peixe e de conservas de sardinha por zonas monetárias consta, respectivamente, dos quadros XII e XIII.

QUADRO XII

Exportação de conservas de peixe, por zonas monetárias

(ver tabela na imagem)

(a) Números provisórios.

QUADRO XIII

Exportação de conservas de sardinha, por zonas monetárias

(ver tabela na imagem)

(a) Números provisórios.

Em rápida apreciação dos quadros conclui-se que:

a) Os países participantes da Organização Europeia de Cooperação Económica -países membros da União Europeia de Pagamentos - e seus territórios absorvem o grosso da exportação total de conservas de peixe e da exportação de conservas de sardinha;
b) As exportações para esta zona traduzem, nos últimos cinco anos, uma tendência de expansão contínua;
c) Ao hemisfério ocidental onde ocupam lugar de destaque os países que pagam em dólares cabe a segunda posição;
d) No período em exame as exportações para este hemisfério não acusam tendência de expansão, registando-se mesmo, em 1954, quebra sensível de valor e tonelagem, tanto no que diz respeito ao conjunto das conservas de peixe como no que toca às sardinhas em azeite ou molhos;
e) A exportação para outros mercados cresce sucessivamente de 1950 a 1954.
Embora, como mais tarde se esclarecerá, tenha hoje menos importância, no aspecto cambial, a distinção entre países participantes (membros da U. E. F.) e países da zona dólar, é de lamentar a tendência de concentração da exportação nos países europeus, como é de salientar, pelo seu interesse, o esforço de alargamento de mercados que a evolução da coluna «Outros países» traduz.

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42. O aumento das vendas para 03 países participantes é, sem dúvida, devido mais à melhoria da situação económica e à liberalização do comércio intra-europeu -que procura acabar com as distorções da rede comercial provocadas pelo regime de acordos bilaterais - do que ao esforço comercial dos exportadores portugueses.
Já a quebra dos vendas para o hemisfério ocidental, pelo menos no que respeita à zona dólar, se deve nitidamente à deficiência da nossa técnica comercial.

43. Conhecida a distribuição geral e por zonas monetárias da exportação de conservas de peixe, e designadamente das conservas de sardinha, procurar-se-á, quanto a estas últimas, discriminar os seus principais compradores.
Com esse objectivo foi elaborado o quadro XIV, onde podem seguir-se as alterações da lista dos nossos compradores habituais e onde igualmente se avalia, em termos percentuais, aã variações da concentração.

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QUADRO XIV

Principais países compradores de conservas de sardinha portuguesas, por ordem decrescente do valor das suas aquisições

(ver tabela na imagem)

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Ao longo de um vasto período de observação -dezassete anos- a análise mostra como, resistindo mesmo a todas as perturbações impostas por uma guerra, cinco países se mantêm, embora revezando-se, na ocupação dos primeiros lugares de consumidores das nossas conservas.
No mesmo período - 1938-1954 - os cinco principais compradores absorveram sempre mais de 60 por cento do valor total das conservas de sardinha exportados.

44. A última guerra alterou em muito a estrutura social, económica e financeira da Europa.
Essas alterações atingiram a composição das classes populacionais e permitiram-lhes ou impuseram-lhes outros hábitos que modificaram a estrutura do consumo e as características da rede de comércio tradicional.
Por isso, procurar as tendências do mercado pela observação da sua evolução ao longo de muitos anos não é método que, por si só, conduza a resultados prováveis: haverá sempre que ter em conta o «facto novo» que a guerra representou.
Pareceu assim conveniente fixar com mais pormenor a exportação para alguns dos mercados que nos últimos anos se situam entre os principais compradores.
Escolheu-se para período de observação o quinquénio 1950 a 1954. Nota-se, no entanto, que a média destes cinco anos nada significa: interessa apenas a evolução de ano para ano; o clima de normalidade será, por certo, mais fielmente figurado nos resultados do ano mais recente. E que só a partir de 1950 os países europeus começaram a dar sinais de encontro de um equilíbrio menos instável que aquele em que até aí viveram e que resultara das distorções forçadas por aquela política de bilateralismo, tão intensamente praticada, em consequência da desorganização dos centros de produção europeia e da correspondente formação de sistemas monetários dotados de poucas -e por vezes nenhumas- condições de interligação.
O quadro XV contém desde 1938 as quantidades e valores das conservas de sardinha exportadas para sete dos países que nos últimos cinco anos se situaram entre os nossos principais compradores.

QUADRO XV

Exportação portuguesa de conservas de sardinha para os principais mercados

(ver tabela na imagem)

(a) Números provisórios.

Comparando este quadro com o anterior, logo se é conduzido a reconhecer que o novo clima, no que respeita às conservas, não alterou sensivelmente a nossa tradicional zona de influência.

45. Não interessa estudar aqui a causa das irregularidades da exportação verificadas de 1938 a 1949: as hostilidades e o estado de desorganização que se lhe seguiu respondem por todos os desencontros e inconstância das linhas de exportação.

46. Importa já, para compreensão do presente e preparação do futuro, referir o principal motivo das flutuações verificadas nos últimos cinco anos. A explicação dessas variações obrigaria a fazer a história do esforço de ressurgimento económico realizado pelos países do ocidente europeu, em regime de estreita cooperação económica. Esse esforço comum inicia-se com a Organização Europeia de Cooperação Económica, organismo nascido em Abril de 1948.
A criação de um vasto mercado comum, em função do qual a produção de cada país membro pudesse organizar-se, foi o método adoptado pela O. E. G. E. em ordem ,ao seu objectivo principal: a integração económica da Europa.
O bom funcionamento da União Europeia de Pagamentos e a execução de planos nacionais de reconstrução e fomento - pela primeira vez, na história da Europa, discutidos e ajustados em comum- permitiram um contínuo progresso na senda da liberalização do comércio intra-europeu. Embora entraves de natureza aduaneira dificultem ainda e, de algum modo, falseiam mesmo o nível da livre movimentação de mercadorias, traduzido pelas percentagens de liberalização do comércio, a verdade é que o desaparecimento progressivo das barreiras administrativas -em que a liberalização até agora exclusivamente se traduz- permitiu já alterar inteiramente a rede do comércio, artificial e instável, criada pelos arranjos bilaterais de trocas.
A possibilidade de os Governos, por intermédio dos seus negociadores de contingentes, poderem fixar o sentido e o caudal das correntes de trocas, evidentemente que anula por completo todo o esforço sério que um produtor possa realizar no sentido de expandir as vendas de mercadoria que produza melhor é mais barato. E tão mais nocivos se mostram os arranjos bilaterais quanto é certo terem normalmente um prazo de validade extremamente curto. É por este motivo que os controles de comércio instituídos por via administrativa -os chamados regimes de licenciamento - se revelam incompa-

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ràvelmente mais perturbadores que as barreiras alfandegárias: estas são em regra estáveis e, embora por vezes elevadas, a sua estabilidade permite, no geral, a execução de planos de produção a longo prazo capazes de suportarem o peso dos direitos fixados na pauta, direitos, aliás, inteiramente legítimos sempre que traduzem a justa contribuição paga pelos produtores dos países mais desenvolvidos ou economicamente mais bem dotados, para o progresso dos países mais débeis.
O saber em que medida a evolução da nossa exportação para as países europeus membros da O. E. C. E. -que à sua conta registam 69,5 por cento e 80 por
cento do valor total da exportação portuguesa de conservas de sardinha respectivamente em 1953 e 1954- se deve à habilidade das negociações comerciais ou à virtude - em qualidade e preço-da mercadoria nacional constitui, por isso, um ponto cujo esclarecimento é capital para a definição da política a seguir quanto à produção e à organização comercial deste sector da indústria.
Com este objectivo se elaborou o quadro XVI, onde se registam os regimes administrativos a que tem estado sujeita a importação de sardinhas em azeite ou molhos nos países participantes.

QUADRO XVI

A posição dos países participantes no que respeita à importação de sardinhas em azeite ou molhos (1)

(ver tabela na imagem)

Convenções: L- Liberalização; NL-N/Liberalização; CB-Contingente bilateral; RF-Regime de facilidades.

Observações

(1) Como este quadro foi elaborado tendo em vista as nossas conservas, eis a razão por que, no que se refere aos anos anteriores a 1950, não se indica o regime nos casos em que ainda não havia sido negociado acordo depois da guerra ou este não previa contingente de conservas de sardinha.
(2) Prazo de validado do acordo: l de Julho de 1943 a 30 de Junho do 1950.
(3)Liberalização em 6 do Outubro de 1950. Suspensa em Fevereiro de 1951. voltando a ser liberalizada em 2 de Abril de 1952.
(4) Prazo do validade do acordo: 23 do Junho de 1951 a 22 de Junho de 1952. (5)Liberalização em Maio de 1954.
(6)Prazo de validade do acordo: l de Abril do 1950 a 31 de Março de 1951.
(7) Prazo de validade do acordo: l de Junho do 1948 a 31 de Maio de 1949.
(8) Prazo de validade do acordo: l de Janeiro de 1948 a 31 de Dezembro de 1950.
(9)A entrada em vigor do regime de facilidade (liberalização unilateral e a titulo experimental) teve lugar em Maio de 1954; porém o contingente estabelecido no acordo manteve-se, sendo ao seu abrigo concedidas licenças até à assinatura do novo acordo, que entrou em vigor em 1954.
(10) A delegação da Irlanda comunicou à O. E. C. E. a liberalização das conservas do peixe em Março de 1950.
(11) O contingente abrangeu todo o ano do 1948, pois já no acordo do ano anterior havia sido aprovado um contingente.
(12) Liberalização em Outubro de 1951.
(13)Prazo do validade do acordo: l de Julho de 1950 a 30 do Junho de 1951.
(14)Liberalização em 3 de Janeiro de 1953.
(15) Prazo de validade do acordo: l de Janeiro a 31 do Dezembro de 1948.
(16) Liberalização em 28 de Outubro de 1953.
(17) Prazo de validade do acordo: l de Julho do 1948 a 30 de Junho do 1949.
(18) Liberalização em Abril de 1951.
(19) Liberalização em Outubro de 1950.
(20) Prazo de validade do acordo: l de Janeiro a 31 de Dezembro do 1949.
(21) Liberalização em Janeiro de 1950.

O exame deste quadro explica em muito as flutuações que o quadro XIV regista nos últimos cinco anos.
Daí se conclui também - e uso é o que fundamentalmente importa fixar - que os países europeus nossos principais compradores - com a excepção da França 1- liberalizaram, a partir de 1954, a importação de conservas de sardinha.
Na medida em que, dada a turbação política, seja legítimo calcular a tendência da economia a longo prazo, pode dizer-se não ser provável que a situação económica ou da balança de pagamentos dos países nossos
__________________

1 A França deve, em l de Abril próximo, conformar-se com as obrigações que lhe impõe o artigo 3.º do Código da O. E. O. E. Nessa data libertará portanto 76 por cento do seu comércio total de importação (base 1948), garantindo um mínimo de liberdade de 60 por cento em cada uma das três categorias -produtos aumentares, matérias-primas e produtos manufacturados. Meses mais tarde fará movo progresso (da ordem de 10 por cento do valor do sector ainda contingentado), encaminhando-se assim para o seu nivelamento com os países que cumprem, ou cumprirão em breve, as novas obrigações de libertação do comércio, fixados em 90 por cento no total e 75 por cento por categoria.
Não se sabe ainda quanto tempo esto pais poderá manter as conservas de sardinha sob contingente; nota-se, no entanto, que a obrigação de se enquadar no movimento geral dia a dia a aproximará mau do momento em que, também ela, emparceiro com os países que já libertaram esto sector de importação.

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principais compradores se deteriore a ponto de os forçar à suspensão da liberalização. A marcha, embora lenta e não falha de perigos, é sobre a convertibilidade geral das moedas; é, por consequência, feita no sentido da supressão das barreiras administrativas.
Nestas condições, os grandes mercados europeus e, também por maioria de razão, o mercado americano estão abertos. Esta situação não é artificial nem precária: consequência da expansão económica geral, apresenta-se com carácter de crescente estabilidade.
Isto significa que os mercados comprarão a quem melhor saiba tentar o consumidor e a quem, depois, menos o desiluda.

§7.º

As razões de troca. O poder aquisitivo das conservas de sardinha em relação a alguns produtos importados - A evolução geral dos preços médios de exportação das nossas conservas de sardinha.

47. Da análise da evolução das nossas razões de troca no período de 1938-1954 extrai-se a indicação da sua tendência favorável, se bem que com fases de nítida flexão. Confrontando as razões de troca gerais com os razões de troca referentes às conservas de peixe e às conservas de sardinha, verifica-se a partir de 1944 uma identidade no sentido da evolução, a par de uma maior valorização unitária destas últimas.

QUADRO XVII

Razões de troca

(ver tabela na imagem)

(a) Cálculos sujeitos a rectificação por 10 balearem em números provisórios.

48. Para se dar uma visão mais real do seu poder aquisitivo, sintetizaram-se no quadro XVIII os resultados do cálculo do volume de conservas de sardinha
que seria preciso exportar para se adquirir uma tonelada de alguns dos mais importantes produtos da nossa importação.

QUADRO XVIII

Quantidade de conservas de sardinha necessária para adquirir 1 t de alguns dos artigos fundamentais da nossa importação

(ver tabela na imagem)

(a) Cálculos sujeitos a rectificação por se basearem em números provisórios.

O quadro XVIII patenteia de forma evidente o desequilíbrio existente quando se trata de produtos de importação com apreciável valor adicionado pela actividade industrial, como é o caso, por exemplo, dos automóveis.
Este desequilíbrio, que não caracteriza apenas a indústria de conservas, mãe algumas das nossas principais indústrias de exportação, foi já salientado quando se referiu a diminuta participação da indústria de conservas na formação do produto nacional.

49. Se nos ocuparmos um pouco mais demoradamente do estudo dos preços médios de exportação das conservas de sardinha, concluiremos pela verificação das seguintes fases:

1.ª Evolução ascendente a partir de 1939, a culminar em 1943 com um máximo - 20 contos por tonelada -, valor jamais alcançado no período de observação; Evolução descendente até 1948;
2.ª Evolução descendente até 1948;
3.ª Evolução ascendente até 1950;
4.ª Evolução descendente Até 1953 1;

______________

1 Em 1954 houve uma ligeira recuperação.

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QUADRO

XIX Preços médios da tonelada exportada

(ver tabela na imagem)

(a) Números provisórios.

Embora o quadro XIX dê conta das constantes flutuações dos preços, deve notar-se que apesar disso os preços dos conservas de sardinha portuguesas se têm mantido, nos mercados, sempre acima das cotações praticadas pela produção estrangeira concorrente.
Embora a prova não seja fácil de fazer, é de supor que estas, embora não muito grandes mas constantes flutuações de preço, em parte se devam à concorrência que os próprios produtores nacionais se façam.

§8.º

O volume actual da exportação de conservas de sardinha: tendência de compressão ou de expansão?

50. No lugar próprio deste capítulo deu-se conta do desnível entre a capacidade de produção teórica da indústria e a capacidade efectivamente utilizada; mostrou-se como essa capacidade se reparte por numero elevado de unidades das mais diversas dimensões; fez-se referência ao contrato colectivo que estipula a forma de remuneração do trabalho e vincou-se como, sendo a mão-de-obra encargo que, embora pequeno, é, em parte, fixo, incidirá mais ou menos no custo de produção consoante as unidades fabris laborarem durante um número maior ou menor de dias de trabalho.
Aqueles que houverem de determinar, para conveniente reorganização da indústria, a dimensão óptima das unidades produtoras e a capacidade de produção que convirá fixar ao conjunto da indústria não pode deixar de pôr-se o problema de saber se o consumo tende a expandir-se ou se, pelo contrário, é mais provável a sua compressão.
A questão interessa igualmente a quantos tiverem de planear o ritmo do apetrechamento do País, uma vez que as conservas determinam parte tão apreciável das nossas possibilidades de compra no estrangeiro.

51. O volume da exportação de conservas dependerá de factores de ordem interna s de factores de ordem externa.
Os primeiros serão, fundamentalmente:

O volume possível de pesca.
O destino do peixe pescado.
A qualidade e o preço do produto.
A organização comercial.

Os factores de ordem externa parecem redutíveis a:

Capacidade dos mercados.
Potencial da produção estrangeira concorrente.

52. Dos factores dê ordem interna não parece que devamos arrecear-nos, embora eles tenham constituído até agora a causa maior da desordem, se não do desperdício, em que vive este ramo da nossa produção.
Na verdade, dos factores internos só um não é, na aparência, dominável: o volume da pesca - pois que não seria justa, nem faria crescer o monte da lota, a ameaça de retirar aos mestres a sua carta de mestria quando eles não soubessem impedir a sardinha de emigrar dos fundos do nosso mar.
Mas, como dissemos, as repercussões no volume da produção industrial derivadas da incerteza da pesca só, na aparência, são incontroláveis. Na verdade, ao examinarmos as relações da dependência interna da indústria salientamos que, mesmo nos anos de falha de peixe, a quantidade total da sardinha pescada é sempre superior às necessidades da indústria, ainda que se admita - como se julga conveniente - sensível aumento do volume actual da exportação.
O domínio deste problema dependerá, pois, da política a seguir quanto ao segundo dos factores de ordem interna apontados: o destino da sardinha pescada.
A entender-se que a primazia cabe ao consumo interno ou, continuando a considerar-se que este pode concorrer livremente com a indústria na lota, então não será dominável como não o é hoje o problema da escassez da matéria-prima.
A questão tem a maior importância, mesmo para efeito da medida e gravidade da dependência externa: as conservas não são um produto essencial que o consumidor estrangeiro tenha necessariamente de comprar. O preço - expressão do ajuste entre a procura e oferta - tem seus limites e são eles, no caso dos produtos não essenciais, determinados muito mais pelo consumidor do que pelo produtor. Acresce a isto o facto de termos concorrentes e o de ser comercialmente inviável sustentar uma concorrência e fazer uma campanha de expansão das vendas enquanto não tiver-mos a certeza de que em cada mercado disporemos continuamente das quantidades por ele exigidas. Não interessa de facto ao comércio importador dedicar-se ao escoamento de um produto que falte logo que a clientela comece a habituar-se a ele, já porque o comerciante sabe que o freguês gosta de encontrar o que procura, já porque não ignora também o risco de lhe recomendar um produto ou uma marca concorrente.
Salvo em casos excepcionais de produções de luxo, a quantidade disponível da mercadoria é factor comercial que merece tanta atenção como a própria qualidade do produto.
As nossas conservas, se lhes quisermos garantir possibilidades de segura permanência nos mercados externos, não poderemos negar-lhes a matéria-prima na quantidade que necessitar.
Ora, não sendo já hoje a sardinha um produto de importância decisiva na nossa alimentação e podendo ela ser-nos muito mais útil quando traduzida em cambiais que garantam a importação do cereal para o pão ou da alfaia para a agricultura ou da máquina para a indústria, parece que não será difícil encontrar para este ponto a solução conforme ao interesse geral.

53. No que se refere à terceira das condições internas apontadas, também não se crê que problemas ela possa levantar: a qualidade do produto acreditou-se já, basta manterá; e quanto ao preço, as notas que deixamos sobre as actuais condições de laboração e de

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organização da nossa indústria são suficientes para noa darem a certeza de que a indústria pode, se quiser e se for orientado, ganhar mais enquanto se mantiver o nível actual dos preços e continuar a ganhar o suficiente quando for forçada a baixá-los por imposição da concorrência.

54. Também a organização comercial -sem dúvida um dos problemas cuja solução decidirá da sorte da indústria - por inteiro depende da. nossa vontade. A essa organização adiante se fará mau larga referência.
Visto que os factores internos que possibilitam uma acção mo exterior são, todos eles, susceptíveis de domínio, pode fechar-se este parêntesis, aberto no estudo da dependência externa da indústria, e retomar o exame das determinantes externas do volume das nossas exportações.

55. Se compararmos as médios da exportação de conservas de- sardinha- nos cinco anos anteriores à guerra e no quinquénio 1949-1953 seremos conduzidos a reconhecer uma notável compressão das vendas neste último período e tentados a concluir que à indústria se põe o problema imediato não de expansão, mas de recuperação de mercados perdidos. A questão assume a sua inteira gravidade se se tiver presente que a capacidade de produção da indústria s, sensivelmente, a mesma nos dois períodos.

QUADRO XX

Médias da produção e exportação de conservas de sardinha

(ver tabela na imagem)

Se, por outro lado, alinharmos os números que para os mesmos períodos representam as médias anuais do volume da pesca e da sua utilização pela indústria, teremos:

QUADRO XXI

Médias da quantidade de sardinha pescada e consumida

(ver tabela na imagem)

Ao dar-se a explicação da redução verificada na exportação média anual de conservas de sardinha logo se dirá que, dentre os factores de ordem interna, a diminuição da pesca e o aumento da parte destinada ao consumo constituem as causas internas, que mais influíram nu compressão da exportação. Acrescente-se que da comparação dos períodos em causa ressalta ainda a desproporção entre os agravamentos do preço da matéria-prima principal (o valor da sardinha representa cerca de 1/3 do custo do produto manufacturado) e o preço das conservas: enquanto o preço médio nas lotas aumentou 5,5 vezes, o preço do produto manufacturado foi apenas multiplicado por 3.
No que respeita às condições externas, a desorganização dos mercados europeus é a causa fundamental do declínio da exportação; basta verificar (vide quadro XV) que o período 1950-1953 abrange dois anos de fraquíssima exportação para a Alemanha e dois outros anos de quase nula importação no Reino Unido.

56. Todavia, se no texto do parecer se enxertaram os quadros XX e XXI, isso se fez apenas para:

a) Salientar a necessidade de diminuirmos o grau de concentração da exportação: quando a dependência externa se caracterize por uma grande concentração geográfica do consumo, então a vulnerabilidade da indústria exportadora às flutuações conjunturais assume a sua mais perigosa feição. E este o caso da nossa indústria de conservas, pois que a paralisação momentânea de um só dos seus grandes mercados será capaz de desorganizar por completo toda a economia do sector.
Em nosso entender, porém, a diminuição da concentração deve procurar-se não por compressão das vendas para os mercados tradicionais, mas sim por expansão da produção e conquista de novos centros de consumo;
b) Demonstrar, uma vez mais, que será infrutífera qualquer tentativa de reorganização técnica e estabilização económica da indústria, enquanto a aquisição da matéria-prima base se fizer segundo os usos e maus costumes em vigor.
A este respeito, note-se que o quinquénio 1949-1903 representa, na sua média, um período de grandes dificuldades do mercado europeu. Por esse único facto seria compreensível a quebra do volume médio da exportação, como seria natural que a indústria de conservas tivesse concorrido menos à lota e que o preço da sardinha reflectisse esta situação.
Aconteceu, porém, que a crise dos mercados externos coincidiu com um período de escassez de sardinha. Os números mostram que a redução do volume da pesca impôs dura concorrência entre a indústria - e o consumidor interno, vendo a indústria a sua matéria-prima elevada a preços, que o consumidor estrangeiro de conservas não podia ou não queria pagar.
A conjugação destes factores permite afirmar que, apesar da desorganização e fraqueza de poder de compra dos mercados externo», a balança de comércio da metrópole teria sofrido muito menos com a quebra da exportação de conservas se não fora a possibilidade de livre aquisição de sardinha pelos fornecedores do mercado interno.

57. Para além das observações feitas, o exame dos volumes médios do quinquénio 1949-1953 não apresenta interesse de maior: quanto ao que se passa no País corresponde a um período em que a escassez da pesca evidenciou a desarticulação interna entre esta indústria e a das conservas; quanto ao estrangeiro traduz os movimentos, por vezes desconexos, da transformação, em livres, dos mercados até aí controlados. Esta marcha, no sentido da readaptação e expansão económica, não consente que se procure a tendência futura dos mercados na observação das médias anuais verificadas num período que é, por excelência, de evolução. A tendência

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haverá antes que descortiná-la olhando, momento a momento, os passos dessa evolução. E, embora se não ignorem os riscos de fundar juízo sobre os resultados de um período muito curto, não hesitaremos em afirmar que os números referentes ao ano mais recente deverão ser os que figuram com maior fidelidade a imagem do futuro.

QUADRO XXII

(ver tabela na imagem)

E, assim, se tomarmos o ano findo como a expressão do clima actual, logo verificaremos que a indústria saiu do seu período de crise: no que se refere à pesca, a sua generosidade esbateu muitos doa males da desorganização interna do mercado (mas não deve abalar-nos a firmeza do propósito de os curar em definitivo); no que respeita à exportação, os mercados reflectem, em cheio, os efeitos da supressão das restrições quantitativas e n melhoria geral da conjuntura. O consumo de conserva» pelo estrangeiro, que progride continuamente desde 1952 (vide quadro XI), ultrapassa em 1954 o volume médio anual de antes de guerra - 1934-1938.
Não se põe, por isso, à indústria um problema de recuperação de níveis já atingidos, como o exame da média dos últimos cinco anos fazia crer; põe-se-lhe, sim, a tarefa, bem mais consoladora, de diminuir a vulnerabilidade das suas posições e de expandir o volume da produção.

58. Um programa de expansão e diversificação geográfica da exportação deverá abranger os mercados conhecidos e desconhecidos.
No que respeita à determinação da capacidade dos mercados - como, aliás, acontece quanto às demais matérias tratadas -, o parecer da Câmara não tem a pretensão de constituir o estudo, que a magnitude do assunto requer. A Câmara terá realizado plenamente os seus objectivos, se aquilo que se deixa escrito tiver a virtude de aguçar a curiosidade dos organismos responsáveis e os levar a sentirem a obrigação de realizar, com o tempo e os meios de que ela não dispõe, o trabalho definitivo que ainda nem sequer começado foi.
Julga-se, porém, que os dados disponíveis permitem formular com alguma segurança juízo sobre a possibilidade de expansão das vendas no estrangeiro.
Sem quaisquer preocupações de ordem científica, mas no simples intuito de averiguar das possibilidades de actuação comercial imediata, poder-se-ão reduzir os mercados possíveis aos tipos seguintes:

Mercados sem dificuldade de pagar mentos (abertos à actuação comercial).

Dos países participantes na O. E. G. E. e seus territórios ultramarinos.
Da zona dólar ou que liquidam em ouro.

Importação liberalizada.
Importação não liberalizada.

Mercados com dificuldades do pagamentos (actuação comercial dependente do acordos entro governos ou condicionada pelo pagamento em moedas não convertíveis).

Os restantes mercados.

59. As dificuldades de natureza cambial que se apresentam a certos países (situados, aliás, nos cinco continentes) forçam umas vezes à defesa de uma política fundada no intransigente equilíbrio das balanças de comércio, outras vezes impõem o oferecimento, em pagamento, de moeda que nem sempre nos convém aceitar.
Em qualquer das hipóteses o comércio com esses países não pode assentar, por enquanto, em base estável. Todavia, não deve este facto conduzir à perda das possibilidades de tratar com esses mercados; pensa-se apenas que, para já, a capacidade de consumo que eles representem não deve entrar em cálculos prudentes, a não ser como medida de segurança ou de correcção de algum optimismo por que venham a pecar as previsões que se fizerem quanto aos mercados abertos. E salienta-se não parecerem de minimizar as possibilidades de alguns dos países englobados no grupo dos «mercados com dificuldades de pagamentos»: tenha-se em vista, por exemplo, os países do Leste europeu e os estados do Médio Oriente.
Com os primeiros desenvolveu-se o comércio, até hoje, nas bases precárias e caras das operações de compensação privada. Parece pada impedir, no entanto, que, sem a menor quebra de princípios e com absoluto respeito pelo condicionalismo imposto ao comércio com aquela zona, se construam esquemas de relações de troca, não oficiais, mas dotadas de um mínimo de maleabilidade indispensável à movimentação de mercadorias, maleabilidade e estabilidade essas que as puras operações de compensação privada mão possuem.
E se estes esquemas se realizarem, embora não alteram por completo, como é obvio, o carácter de estabilidade das relações comerciais com o Leste europeu, podem permitir transacções avultadas, tanto mais que alguns destes países não só têm mercadoria que interessa ao nosso consumo, como estão em condições de liquidar os saldos finais em dólares ou esterlino.
Os países do Próximo Oriente, se não constituem ainda grandes mercados, representam um potencial de consumo que não passa despercebido a nenhum, dos países exportadores. Não serão, de momento, grandes as possibilidades de realização de acordos de comércio com esses países, por mão possuírem mercadorias que nos interessem e por ser o esterlino a moeda de que mais dispõem.
Até aqui, por motivos de ordem vária, nomeadamente a nossa situação na U. E. P., têm-se feito algumas restrições à exportação em esterlino para países que se encontrem fora desta área. As condições actuais são já totalmente diversas, sendo, por isso, de crer que, realizando-se os operações nos- termos dos acordos entre os Bancos de Portugal e de Inglaterra, o nosso banco emissor não faça quaisquer restrições à exportação liquidada em libras.
A prospecção destes mercados -onde, de resto, as nossas conservas já entram - tem, por isso, o maior interesse.
Referidos os mercados de bases pouco estáveis por dificuldades de pagamento ou de outra natureza, restam aqueles que consideramos abertos à actuação comercial.
As subdivisões que fizemos dentro desse grupo - países participantes e países que liquidam em ouro ou dólares- não têm hoje o interesse de que revestiam há dois ou três anos, e tê-lo-ão cada vez menor, na medida em que se consolide o ressurgimento económico dos países membros e, por via desse ressurgimento, se caminhe para a convertibilidade, geral das moedas.
Apesar de tudo, é ainda de manter a subdivisão, quer porque, se tivermos de ser devedores não estruturais duma zona, será preferível sê-lo da Europa - pelo menos enquanto exista o actual mecanismo de pagamentos -, quer por ser mais provável a suspensão temporária da liberalização num dos nossos grandes mercados europeus que a criação de um sistema das rés-

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trições quantitativas à importação nos países da zona do dólar.

60. Vejamos agora a situação dos mercados considerados sem dificuldades de pagamento. O quadro XI regista a expansão progressiva que se verifica de 1950 a 1954 na exportação de conservas de sardinha para o estrangeiro. O número referente a 1954 - 41 767 t - situa a exportação ao nível verificado em 1938.
Como se disse anteriormente, a questão que agora se nos põe consiste em saber se a exportação do ano findo corresponde ao máximo das possibilidades actuais dos mercados ou se, pelo contrário, ficou, mesmo assim, aquém desse máximo, justificando-se, por isso, um esforço comercial no sentido do aumento de exportação.
Em ordem ao esclarecimento deste problema, fez-se o desdobramento doa números globais constantes do quadro XI, por forma a tornar possível o exame da evolução - desde 1938 a 1954 - da exportação para coda um doa principais mercados. Esse desdobramento consta do quadro XV.
Ora um rápido exame desse quadro, feito no desejo de comparar os volumes de exportação em clima normal (o anterior a guerra) e no ano findo, pode inclinar-nos a supor que, neste último, ultrapassámos em todos os mercados, com excepção da França, a posição de fornecedores que ocupávamos em 1938. Esta conclusão, a ser verdadeira, impor-nos-ia que considerássemos prudentemente as 40 000 t vendidas em 1954 como um nível de exportação que as organizações comerciais deveriam procurar manter, por altamente satisfatório.

61. Pareceu-nos, todavia, conveniente examinar, com base nas estatísticas dos respectivos países, a evolução da importação total de conservas de peixe e de conservas de sardinha por eles realizados nos últimos anos.
O objectivo deste exame foi averiguar da tendência do consumo e determinar as posições relativas de Portugal e dos seus principais concorrentes como fornecedores desses países.
Porque se trabalhou com estatísticas estrangeiras e porque varia, de uma para outra, a composição aos grupos estatísticos, é de admitir algum erro nos quadros que se apresentam. Não se crê, no entanto, que o erro possível altere o sentido das conclusões.
Lamenta-se que o exame não abranja o ano findo: isso se deve ao facto de não terem vindo a lume as publicações a ele referentes.

62. O quadro XXIII regista as importações de conservas de peixe efectuadas pela Alemanha 1.

QUADRO XXIII

Importações de conservas de peixe efectuadas pela Alemanha

(ver tabela na imagem)

(a) Importação em toneladas.
(b) Posição do país fornecedor, expressa em percentagem da quantidade total Importada na Alemanha.

(Segundo a estatística alemã)

É de registar a expansão da capacidade do consumo neste mercado, que com a guerra sofreu, sensível amputação.
De notar é também a quebra da nossa posição relativa como fornecedores em clima de liberdade de comércio: de 1952 para 1953 a nossa exportação aumentou cerca de 1000 t. Apesar desse aumento, a posição relativa de Portugal como fornecedor baixou de 74,6 por cento em 1952 para 55 por cento em 1953. Esta perda beneficiou quase exclusivamente a produção de Marrocos, que viu elevada de 18,2 por cento para 38,1 por cento a sua posição.
Não será pessimismo o dizer-se que a indústria tem de olhar com atenção o mercado da Alemanha, onde dominam as conservas de sardinha e onde cresce a capacidade do seu consumo.

63. Não se inserem quadros semelhantes para a importação no Reino Unido, porque o comércio das conservas neste país esteve nos últimos anos sujeito ao regime de compra governamental e foi mesmo suspensa a importação até esgotamento dos stocks que o Ministério da Alimentação havia constituído com conservas marroquinas. Só em 1954 o mercado inglês de novo se abriu às sardinhas portuguesas.
É conhecida a importância deste, mercado e a nítida preferência que dava ao nosso produto. As alterações que a guerra introduziu na estrutura das classes consumidoras, a irregularidade com que o mercado foi abastecido nos últimos anos, o facto de o Reino Unido consumir conservas de peixe de toda a espécie, impõem se trate com o maior cuidado a organização de vendas ha Inglaterra, que possui capacidade para consumir muito mais do que as 10 000 t adquiridas no ano findo.

64. A França tem a importação contingentada. Daí a relativa estabilização da nossa exportação nos últimos três anos. Não se sabe quando virá a ser alterado este regime, e, por isso, até lá o alargamento da exportação para este país não depende de uma melhor actuação comercial, mas sim e apenas das possibilidades que se oferecerem no momento da negociação do acordo de comércio.
As informações sobre o mercado levam-nos a concluir que, apesar da produção metropolitana e do tratamento aduaneiro preferencial dado ao Marrocos Francês, teremos possibilidade de ver a nossa exportação multiplicada por três ou por quatro quando o mercado entrar em regime de liberdade. De resto, no que toca às conservas de sardinha, Portugal é para o mercado francês o seu único fornecedor estrangeiro.

QUADRO XXIV

Importação de conservas de peixe efectuada pela França

(ver tabela na imagem)

(a) Importação em toneladas.
(b) Posição do país fornecedor, expressa em percentagens de quantidade total importada na Alemanha.

(Fonte: estatística francesa).

1 Para alguns países não foi possível conhecer o movimento de importação referente as conservas de sardinha.

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18 DE JUNHO DE 1905

65. Os números referentes ao mercado belga:

QUADRO XXV
(Ver tabela na imagem)

(a) importação em toneladas.
(b) posição do país fornecedor, expressa em percentagem da quantidade total Importada na Bélgica.

Quadro XXVI
(Ver tabela na imagem)
(a)Importação em toneladas.
(6) Posição do país fornecedor, expressa em percentagem da quantidade total importada na Bélgica.

QUADRO XXVII
(Ver tabela na imagem)

Observações.- Os preços das conservas jugoslavas parece não terem relação com o valor de custo, por serem oferecidas, em regime de monopólio de exportações, em bases estranhas & economia do produto.

Levam a concluir que às conservas de sardinha apenas cabe cerca de 30 por cento do consumo total de conservas de peixe naquele mercado. E, por isso, muito provável que uma campanha de propaganda junto do consumidor belga possa, com facilidade, elevar aquela percentagem.
Portugal domina indiscutivelmente o mercado belga, cabendo-lhe nos últimos dois anos 94 por cento e 87 por cento da percentagem de conservas de sardinha consumida. O restante distribui-se por todos os- outros países em partes insignificantes.
É de registar a perda de posição que o Marrocos Francês vem sofrendo neste mercado. A observação deste facto fez-nos admitir que o caso da Bélgica fosse um daqueles em que se verificasse o dumping por parte do comércio português a que alude o autor da proposta em exame. Organizou-se, por isso, o quadro XVII, que permite examinar a evolução dos preços da sardinha no mercado belga. Os números obtidos demonstram que o comércio português tem diminuído nos últimos anos o écart entre os preços das sardinhas portuguesa e marroquina, mas que, apear disso, até hoje manteve sempre os preços da sardinha portuguesa acima dos praticados pela indústria marroquina. Não se pode,- assim, falar de dumping. Deverá, antes, apresentar-se o mercado beiça como exemplo do que pode fazer a nossa indústria ' quando resolve vender um produto de melhor qualidade a preços de concorrência.

66. O mercado italiano é do maior interesse para as conservas portuguesas em azeite ou molhos.
A nossa posição nesse mercado engrandeceu-se nos últimos anos se olharmos o seu valor absoluto; já quanto à posição relativa de fornecedores, a situação se não apresenta estável. Os quadros que se seguem sugerem que alguma coisa é mister fazer para nos assegurarmos

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da posição que nesse mercado nos pode pertencer, não só como fornecedores de sardinha mas também de atum, anchovas e outras espécies.

QUADRO XVIII

(Ver tabela na imagem)

(Fonte: estatística italiana).
(a)Importação por toneladas.
(b)Posição do país fornecedor, expressa em percentagem da quantidade total importada na Itália.

QUADRO XXIX

(Ver tabela na imagem)

(a)Importação em toneladas.
(b) Posição do país fornecedor, expressa em porcentagem da quantidade total Importada na Itália .
(Fonte: estatística italiana).

67. Terminar-se-ão as referências sobre a capacidade dos mercados tradicionais com algumas notas sobre os Estados Unidos.
E conhecida a capacidade deste mercado. Para nós, a sua grandeza não constitui, no entanto, uma condição inteiramente favorável: a prospecção e as campanhas de propaganda obrigam ao dispêndio de elevados capitais; por outro lado, essas campanhas só poderão lançar-se quando dispusermos de quantidades suficientes para alimentar continuamente a procura que virão a despertar; acresce ainda que a organização comercial a estabelecer variará segundo as características de cada estado componente.
Temos, portanto, tudo a fazer. E vale a pena fazê-lo, porque são boas as perspectivas.
Mas a expansão das Tendas para os Estados Unidos fará surgir, com acuidade excepcional, o problema da organização interna: se quisermos vencer nesse mercado, não poderemos continuar a pulverizar a nossa exportação num sem número de marcas que, isoladas, não disporão das quantidades suficientes para interessar o comércio e o consumo. Antes de aos abalançarmos às despesas de propaganda, este aspecto terá necessariamente que ser resolvido.
Dispõem os Estados Unidos de importante produção própria. Nenhum mal daí virá: em parte beneficiaremos da propaganda que os produtores do Maine façam das suas conservas de sardinha, se soubermos aproveitar--nos dessa propaganda.
Já de certo modo se poderá considerar perigosa a posição, bem consolidada, que produtos similares concorrentes, como o brisling, têm mo mercado:

QUADRO XXX

(Ver tabela na imagem)
(a)Importação em toneladas.
(b) Posição do país fornecedor, expressa em percentagem da quantidade total Importada nos Estados Unidos da América.

(Segundo a estatística americana).

QUADRO XXXI

(Ver tabela na imagem)
(a)Importação em toneladas.
(b) Posição do país fornecedor, expressa em porcentagem da quantidade total Importada nos Estados Unidos da América.
(Segundo a estatística americana).

E é curioso salientar que a preferência dada as conservas congéneres de origem norueguesa não se baseia no seu melhor preço, como se verifica no quadro XXXII.

QUADRO XXXII

(Ver tabela na imagem)

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Essa preferência é antes o resultado de uma acção constante e inteligente sobre o mercado que a Noruega desenvolve e que nós não quisemos, não soubemos ou não pudemos iniciar ainda.

68. As notas dadas sugerem, antes de mais, a necessidade de um exaustivo estudo dos mercados.
O pouco que essas notas, apressadamente coligidas, valem chega, no entanto, para afirmar que a capacidade dos mercados estrangeiros não pode considerar-se esgotada.
A viabilidade do alargamento dos mercados está na organização comercial e na produção em condições de concorrência: o prego é, em nosso entender, um dos factores de que fundamentalmente depende o êxito de uma política de expansão das exportações. Não deveremos, por isso, seguir o caminho de o impor.
Tendo, por nós, o favor da qualidade, nada há no potencial da concorrência estrangeira que possa assustar-nos. E a supressão da concorrência de origem interna nem sequer deveria merecer as honras de problema da indústria - tão fácil é a sua solução.

III

Problemas fundamentais da produção e do comércio

§ l.º

A melhor utilização da organização corporativa
- Solução do problema

69. As observações feitas ao longo das notas sobre a produção e o comércio das conservas de peixe, mais precisamente das conservas de sardinha em azeite ou molhos, conduzem-nos a concluir pela necessidade de sugerir ao Governo o exame urgente do problema das conservas de peixe - de todas, e não apenas das de sardinha-, a fim de serem anuladas quanto possível as causas de carácter um tanto aleatório de uma actividade que no ano findo ofereceu ao País para cima de 800:000.000$ de cambiais e que bem pode ocupar lugar ainda mais vincado e estável entre os grandes sectores da nossa exportação.
Não somos, na verdade, tão ricos que possamos dar-nos ao luxo de perder o que quer que seja de possibilidade e oportunidade de aumento e consolidação da riqueza nacional; bem ao contrário, todas as suas fontes não chegam, ainda hoje, para nos lançarmos, se não em ritmo lento, na empresa de dar ao País a estrutura económica e social a que ele tem o direito de aspirar.
O Sr. Presidente do Conselho, ao estudar o trabalho e a sua remuneração na indústria das conservas, sintetiza o seu pensamento, escrevendo este período onde a justeza da observação e a beleza da sua expressão formal bailam à compita:
A vida individual e doméstica ressente-se disso: em mais de uma operária se podem notar os traços característicos do trabalho bem pago mas irregular - bocados de luxo com laivos de miséria.
Bocados de luxo com laivos de miséria!
Anos fartos, entremeados de anos de vacas magras. O azar da pesca e a sorte dos mercados externos ... O espírito da lota a determinar, desde a nascença à morte do produto, a vida da indústria!
Ainda hoje - embora com menos intensidade do que há vinte a quatro anos - as coisas assim se passam.
E porquê? Em nosso entender, não porque as organizações corporativa e de coordenação económica existentes se revelem incapazes de dominar os problemas que podem ser dominados. Aqui e além, a experiência de duas dezenas de anos aconselhará retoques num ou noutro ponto, como impõe, sem dúvida, a construção da cúpula do edifício. Sem ela, não está nas nossas mãos evitar que a chuva entre a jorros dentro dele e comece por desbotar as cores que de início garantiram a harmonia da construção, acabando por se infiltrar nas paredes, até abalar os próprios caboucos do sistema.
A coexistência da organização, com alguns dos problemas que determinaram a sua criação, resulta, em nosso entender da deficiente utilização dada à capacidade de realizar com que foram dotados os organismos.
A situação política s económica internacional, ao pesar por tantos anos e tão duramente sobre um sistema ainda mal acabado de nascer, deixou nos seus órgãos executores marcas tão fundas que, por vezes, parece terem-lhes rasgado a pele, atingido a alma e mudado a vocação: durante os tempos da guerra - muito mais longos que os anos por que se contaram as hostilidades - os organismos afizeram-se a procurar e apaixonadamente, é justo dizê-lo, hora a hora e pelos métodos que as circunstâncias impunham o domínio ou a correcção dos efeitos dos problemas muito mais que das suas causas.
Este jeito de trabalhar, se foi ganho por imposição do momento e utilmente serviu esse momento, é já tempo de o perdermos: a não ser assim, a organização, actuando na periferia para atenuar apenas a violência dos sintomas, gastar-se-á em luta inglória e arriscar-se-á a contribuir para que se crie um falso e perigoso sentimento de desnecessidade de atacar., fundo e certo, os problema na sua origem.
Se isto continuasse a acontecer, a organização a si própria se condenaria, pois se mostrava incapaz de bem solucionar questões que, embora à custa de perdas inúteis e de sacrifícios desumanos, de algum modo encontrariam solução no quadro da economia de luta que o sistema corporativo veio substituir.
No sector conserveiro a organização prestou, sem dúvida, serviços relevantes, impedindo, pela fiscalização do produto exportado, que a concorrência interna comprometesse irremediavelmente o renome do produto português, organizando o sistema de ajuda financeira aos industriais, representando-os nas negociações de contratos colectivos, garantido o fornecimento de certas matérias-primas, etc., etc.
Tudo isto permitiu, sem dúvida, que a indústria - grandes e pequenas unidades, bem e mal organizadas empresas - se tenha mantido até hoje e alguns progressos fizesse.
Mas os problemas de fundo subsistem: são apenas menos graves as suas imediatas consequências.
A organização deve evitar a perda do capital nacional e a própria injustiça que resultava do método de selecção, progresso- e adaptação, utilizado em sistema de economia de pura concorrência; mas não pode negar-se a, simultaneamente, promover o necessário para que a selecção e o aperfeiçoamento continuamente se realizem - a virtude do sistema estará em fazer tudo isso, com a menor perturbação económica e com a maior humanidade.
Ao ponderar as notas que se registaram sobre a produção e o comércio das conservas de peixe, e ao formar juízo sobre aquilo que julga dever fazer-se, a Câmara dá conta de que tudo o que proporá se encontra previsto na legislação existente e inscrito nessa legislação como deveres que incumbem aos organismos criados. O mérito das sugestões da Câmara não estará por isso na sua novidade; será, contudo, granido se em alguma coisa contribuir para que efectivamente se execute o que há muito, e bem, fora imaginado e consta da letra dos estatutos da organização das conservas.

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674 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.' 58

§3.º

Providências imediatas
a) O estudo da indústria

70. Julga a Câmara que o quadro actual da economia das conservas de peixe - de todas e não apenas das de sardinha- carece de remodelação profunda e de conjunto.
A nomeação de uma comissão, do tipo das comissões de reorganização da indústria, prevista ma Lei n.º 2005 - sem dúvida o mais notável diploma sobre política industrial concebido pelo Governo - parece indispensável.
Neste aspecto, e é o fundamental, dá Câmara o seu inteiro acordo à sugestão em exame Considera, todavia, de salientar que a comissão deverá estudar, não apenas problemas de técnica industrial, mas sim todo o problema económico da indústria, desde a pesca ao consumo.
Nota-se, no entanto, que ao referir a necessidade da constituição da comissão não se quer com isso afirmar que a solução que ela vier indicar deva ser coacti-vamente imposta.
O interesse desta ou de qualquer outra comissão organizadora estará, sobretudo, na preparação e ordenamento de elementos fundamentais à determinação da política que o Governo entenda definir para determinado sector. A forma de executar essa política poderá variar de sector para sector, mas estamos certos de que, na generalidade dos casos, sempre será preferível a sua imposição por via indirecta; isto é, julga-se que, estudado um sector industrial e definida para ele a solução adequado, se deverá conduzir a indústria a adoptá-la antes de lha impor.
Através do crédito, das pautas e de todos os mais elementos de comando postos à disposição do Estado se deverão criar as condições que conduzam a indústria a tomar voluntariamente a iniciativa de promover o necessário à realização de interesses que, afinal, são os seus próprios interesses, O que não parece vantajoso é, por falta de conhecimentos precisos, continuar-se a ajudar igualmente o que é bom e o que é mau, o que é técnica e economicamente viável e rentável e o que representa a sobrevivência de situações ao artificialmente sustentáveis.

71. Independentemente dos trabalhos dessa comissão -que deverão concluir-se no mais curto prazo-, entende a Câmara sugerir algumas medidas, para execução imediata: além de começarem a resolver graves problemas de momento, as medidas propostas constituirão ensaio que muito poderá contribuir para a perfeição das soluções que, em definitivo, o Governo venha a adoptar.
As propostas da Câmara visam a quantidade e custos da produção e a organização comercial e apoio financeiro da indústria.

b) Maior quantidade e menor custo da produção

72. As observações feitas no capítulo anterior levaram a verificar não haver uma crise de mercados: nem os compradores tradicionais estão saturados nem se exploraram, ainda, todos os mercados possíveis. Por isso uma organização comercial mais perfeita conduzirá, sem dúvida, à expansão da exportação e a sua maior estabilidade.
Por outro lado, viu-se que as conservas não constituem produto-base da alimentação; que em muitos mercados as conservas de sardinha não têm posição dominante nem sequer entre o consumo total (igualado este à importação total) das conservas de peixe; que a expansão do consumo de sardinhas em certos países se não tem feito à custa da melhoria da nossa posição relativa entre os fornecedores, mas sim em benefício de produtores estrangeiros de conservas de sardinha ou de similares.
Estas observações impõem concluir que, se quisermos manter, se não aumentar, as vendas, não pode descurar-se o problema do preço.
E certo que a qualidade do produto português, sendo realmente superior, poderá, se for bem reclamada, garantir-nos um melhor preço. Não se esqueça, porém, que as actuais características do consumo levam à preferência pela qualidade em igualdade de preços, mas nem sempre ao pagamento de um maior preço por uma melhor qualidade - isso se deve aos hábitos da guerra e ao alargamento do consumo obtido, sobretudo, com elementos guindados de uma classe não preparada para gostar, saboreando-os, os requintes do paladar.
Os números provaram também que as nossas sardinhas enlatadas são, no geral, mais caras do que as do Marrocos Francês - o mais perigoso concorrente.
Não se nega que a concorrência externa e interna tenha levado a vender mais barato do que se venderia sem essa concorrência, mas duvida-se, ê com bastante fundamento, que estejamos a praticar preços de dumping: se se comparar a evolução das cotações da nossa sardinha em azeite ou molhos com a curva dos índices de produtos alimentares verificados na maior parte dos mercados nossos compradores, reconhecer-se-á um notável paralelismo entre as duas curvas.
Crê-se, por isso, que a tentativa de imposição de um preço pode ser muito perigosa; tudo se deve antes fazer para provocar, naturalmente, a solicitação do produto.
Conclui-se, assim, que o objectivo da indústria portuguesa deverá ser o aumento da produção acompanhado da redução do respectivo custo. Se a par disso não se guerrear ingloriamente, poderá ganhar de mais enquanto a concorrência estrangeira não lhe impuser que ganhe só o suficiente.

73. Viu-se também que a pesca total, mesmo nos anos maus, excede substancialmente as quantidades necessárias a uma exportação normal.
Como não há, em períodos normais, quaisquer dificuldades na aquisição) dos restantes matérias-primas, o volume de conservas a produzir pela indústria dependerá da possibilidade de comprar quantidades suficientes a preços que permitam a venda do produto em concorrência.
O projecto de sugestão em exame salienta a importância fundamental do fornecimento de matéria-prima à indústria e propõe nos artigos 1.° e 2.° do decreto-lei:

Artigo 1.° O aprovisionamento, de sardinha pela indústria de conservas de peixe passa a ser assegurado por força e mediante a observação das cláusulas constantes dos acordos colectivos que vierem a ser concluídos entre os grémios dos industriais de conservas de peixe e o Grémio dos Armadores da Pesca da Sardinha.
§ 1.° Estes acordos terão vigência anual e serão concluídos em relação a cada centro produtor de pesca e conservas.
§ 2.° Ficarão sujeitos à aprovação dos Ministros da Marinha e da Economia, a quem serão apresentados, acompanhados obrigatoriamente dos pareceres da delegação do Governo junto dos grémios dos armadores da pesca e do Instituto Português de Conservas de Peixe.
§ 3.° Esses acordos procurarão conciliar a observância dos usos e costumes locais com o respeito

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por um mínimo de determinações de carácter genérico tendentes a assegurar, dentro do possível, o estabelecimento de condições de fornecimento e de preço estáveis e sensivelmente idênticas em todos os centros, com os objectivos de melhor harmonização das condições gerais de trabalho da indústria conserveira e de obtenção duma mais justa e equitativa remuneração do trabalho da pesca.
Art. 2.° Quando se verifique a impossibilidade da conclusão desses acordos, por divergência insanável entre os interessados, o caso será levado à consideração dos Ministros da Marinha e da Economia, nas condições determinadas pelo § 2.° do artigo anterior, que determinarão, por despacho conjunto, as condições a que ficará sujeito nesse ano, e para os centros em que os acordos se tenham verificado impossíveis, o fornecimento da sardinha à indústria conserveira.

A Câmara está de acordo com o fundo da sugestão.
De resto, como se salientou já ao estudar o problema da dependência interna da indústria, o problema parece não comportar mais do que duas soluções razoáveis: ou os acordos com a indústria da pesca, ou a reorganização da indústria, dotando-a de artes próprias.
Será este um delicado problema que a comissão reorganizadora deslindará. Mas, dada a organização existente, a solução dos acordos parece desde já a preferível para as duas indústrias interessadas.
A mecânica dos acordos deverá, no entender da Câmara, assentar no princípio, previamente definido pelo Governo, da preferência, dentro de condições determinadas, na aquisição da sardinha, reconhecida à indústria de conservas.
Os acordos fixarão, por exemplo, o contingente anual que a indústria adquirirá a preço mínimo ou entre limites mínimos de preço. Mas deverão também estabelecer um preço máximo ao qual a indústria poderá optar pelas quantidades suplementares de que carecer.
As artes da pesca deve reconhecer-se o direito de impor à indústria de conservas a aquisição do contingente anual aos preços mínimos estabelecidos. Fica a indústria da pesca, por esta cláusula, garantida contra um aviltamento dos preços de sardinha, que poderá verificar-se em anos de excepcional abundância.
E não será argumento de aceitar, para dispensa da obrigatoriedade de preenchimento do contingente fixado, certa retracção dos mercados externos, não previsível no momento da celebração do acordo anual. A indústria de conservas (pelas possibilidades de warrantagens que lhe são concedidas) ficará em condições de produzir para stockar. No acordo entre as duas indústrias a celebrar no ano seguinte o contingente de sardinha será fixado tendo em conta os stooks existentes e as perspectivas do mercado.
Viu-se já que uma das principais causas da concorrência que nos mercados externos se fazem os produtores nacionais está na independência ou falta de solidariedade entre os vários centros quanto as condições de abastecimento de uma matéria-prima que representa cerca de um terço do custo do produto. De lacto, as diferenças em preço e em quantidades de sardinha oferecidas que se verificam - ou podem verificar-se em anos em que os cardumes se distribuam menos regularmente - de centro para centro, além de outros motivos de forte diferenciação, fazem com que, a bem dizer, não haja na prática uma indústria nacional, de interesses solidários; há, antes, várias indústrias regionais postas em situação de concorrerem lealmente entre si, tão lealmente como cada centro e todos em conjunto concorrerão com a produção estrangeira. Sem duvida que mesmo nas condições actuais lhes deve interessar, aos vários centros portugueses, não se arruinarem em luta nos mercados externos, como lhes poderia interessar também um acordo do mesmo tipo com um grande concorrente estrangeiro.
O reconhecimento da prioridade na aquisição de sardinha e a fixação, por acordo, de um contingente anual que cubra as necessidades normais de todos, virão, sem dúvida, criar essa solidariedade, dando à indústria a noção palpável do interesse nacional que a deve unir e diminuindo-lhe, não só a tentação, mas a própria possibilidade de, em condições económicas, concorrer entre si.
Embora seja de prever que cada um dos centros pescará, no período próprio, o bastante para fornecer a indústria local, é de admitir a hipótese de, em determinada safra, a sardinha escassear num centro, e abundar noutro.
Para esta hipótese, os acordos entre os Grémios dos Industriais de Conservas e o dos Armadores de Pesca de Sardinha deverão prever a possibilidade de as fábricas de um centro se poderem abastecer em centro diferente, e estabelecer o esquema de solução dos problemas daí emergentes, sendo de admitir a criação de um fundo de compensação.
No que toca à quantidade e ao custo da produção, são estes os aspectos que, de momento, podem ser encorados e resolvidos.
Todos os outros: concentração das empresas; centralização ou dispersão do fabrico de «vazio»; mecanização possível do «cheio»; indústrias complementares e de aproveitamento dos subprodutos para utilização da mão-de-obra disponível, tais são alguns dos problemas que é mister equacionar e resolver com a maior urgência, mas que só depois do estudo a realizar pela comissão reorganizadora poderão ser trazidos a uma discussão útil.

c) Organização comercial e auxilio financeiro à indústria

74. Em matéria de organização do comércio, a sugestão objecto do presente parecer visa a solução de um só problema: o da concorrência que os produtores nacionais se fazem nos mercados externos.
Para o autor da sugestão essa concorrência, pelo aviltamento de preços a que conduz, é a grande causa da crise crónica em que, no seu entender, vive a indústria de conservas.
E por ser este - se bem o interpretamos - o seu pensamento, o Digno Procurador Ferreira Barbosa, em matéria de organização comercial, limita-se a propor:
a) Um entreposto para aquisição, a preço previamente determinado, das conservas de sardinha em azeite ou molhos produzidas dentro das «quotas de produção exportável» anualmente afixadas a cada industrial;
b) A obrigatoriedade de stocks mínimos a impor aos exportadores, sejam ou não industriais;
c) A imposição de preços mínimos.
Estas sugestões tanto preocupam o autor da proposta que o levaram a dedicar-lhes treze dos dezasseis artigos do seu projecto de decreto-lei, aos quais há a acrescentar os quarenta e um que constituem o projecto de regulamento.

75. A Câmara entende não poder perfilhar, em matéria de organização comercial, as sugestões em exame, e isto pêlos motivos que a seguir, sumariamente, se apontam.
O proponente afirma a existência de uma concorrência interna com gravíssimas repercussões no preço do produto.

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Não se nega que essa concorrência exista.
No que para trás ficou escrito procurou-se mesmo explicar que não pode deixar de verificar-se esse facto enquanto forem tão fracos os laços de solidariedade entre os vários centros do País produtores de conservas.
Já no que diz respeito à medida do envilecimento dos preços a afirmação ido autor da sugestão mão parece de aceitar sem reservas.
É evidente que, a reconhecer-se a concorrência, necessariamente se admite a sua repercussão nos preços. O problema estará em saber se ela é ruinosa e causa principal da crise da indústria.
Noção exacta acerca dos efeitos da concorrência de origem interna só poderia ter-se após profundo exame dos arquivos de cada empresa.
À falta desses elementos, a lição colhida na observação dos números conhecidos leva a concluir:

1.° As conservas de sardinha portuguesas são sempre mais caras que as conservas de sardinha produzidas no estrangeiro, com excepção de certas marcas fabricadas em França, de alta qualidade - ou reputadas como tal -, mas vendidas em muito pequena escala.
2.° O preço do brisling, produto similar e concorrente, nos mercados para os quais podemos obter cotações é, no geral, ligeiramente mais elevado que o das sardinhas portuguesas. Mas, com excepção do mercado americano, a posição da Noruega entre os fornecedores dos países nossos tradicionais mercados situa--se no geral muito abaixo da posição relativa ocupada por Portugal (v. quadro XXXII).
3.° Embora as nossas exportações para determinados países aumentem, nem sempre esse aumento corresponde a uma melhoria da nossa posição relativa como fornecedores desses mercados, como atrás se verificou. Isso significa que a expansão do consumo está a beneficiar outros concorrentes - facto que só pode explicar-se ou por não termos quantidades de conserva disponíveis para venda ou por vendermos mais caro.
Se a diminuição da posição relativa como fornecedores é devida à falta de conservas para exportar, a que título se fará a concorrência? Se a diminuição dessa posição resulta de fornecermos um produto sem dúvida de melhor qualidade, mas mais caro, onde está o ruinoso envilecimento dos preços?
De novo se acentua que, pela argumentação deduzida, se não pretende afirmar que não seria possível vendermos mais caro se toda a indústria se unisse para trabalhar os mercados externos. E certo .que sim e a organização comercial deve tender para a supressão possível da concorrência interna. Apenas se duvida que essa concorrência seja, em situação normal dos mercados, a causa principal da crise da indústria.
Reconhecido o facto de os produtores nacionais concorrerem nos mercados externos em condições que, muitas vezes, devem redundar em prejuízo próprio e comum, é agora o momento de se procurar averiguar se a solução mais conveniente para remediar o mal será o mecanismo sugerido: o entreposto comprador, a preço antecipadamente determinado, da produção exportável.
Quando o Sr. Presidente do Conselho estudou a indústria das conservas eram totalmente diversas da» de hoje as condições de ordem externa e interna:, os mercados consumidores reflectiam a atonia e a desordem próprias de uma fase de profunda depressão; no interior do País a organização corporativa e os serviços de intervenção e assistência económica do Estado não eram ainda realidade. Para salvação da indústria impunha-se, então, solução de emergência, capaz de sustar o descalabro. Esse seria o primeiro objectivo a atingir e o ponto de partida para a execução de um plano que comportasse solução para o conjunto de problemas que estavam na base da crise.
Hoje não é de pânico nem de depressão o clima dos mercados compradores; também à produção e ao comércio se deu uma organização. Não parece, por isso, de invocar, a favor do entreposto, a sugestão de um monopólio de vendas feito, em 1931, pelo Sr. Presidente do Conselho.
Também não parece de ter em conta o facto de a Noruega manter uma central brisling - central que a sugestão em exame procura, em inteligente tradução livre, adaptar ao jeito português: basta não esquecermos a profunda divergência entre os dois países no que toca a princípios e métodos de acção política e económica; basta sabermos como são disciplinados e afeiçoados à actuação colectiva os homens dos países nórdicos e como o não são os portugueses.
Afastados os argumentos baseados na autoridade de sugestões anteriores e na bondade de sistemas semelhantes, vejamos se o entreposto contém em si a possibilidade de resolver, e pela melhor forma, as dificuldades presentes.
Logo à primeira vista se nota que o entreposto tem o inconveniente enorme de separar a produção do consumo: os fabricantes trabalharão, calma e desinteressadamente, para um comprador que aceitará, sem discutir, as quantidades de- conservas previamente fixadas a preço determinado. As reacções do consumo, o estímulo de produzir cada vez mais ao gosto deste ou daquele mercado são factores essenciais do progresso que o entreposto vai, fatalmente, diminuir. Dada a nossa maneira de ser, nada, na verdade, nos parece mais perigoso do que instalar o produtor na convicção de que, respeitando certas normas mínimas de qualidade, escoará sem mais trabalho a sua quota de fabrico exportável a preço certo e compensador.
Mais uma vez se repete que as conservas não constituem um produto essencial e que, mesmo de entre os produtos do mesmo tipo, o consumidor estrangeiro pode adquirir sardinhas e similares em diferentes origens, como lhe é consentido desviar-se para outras conservas de peixe.
Nestas condições e em matéria de características e de preços do produto será sempre perigoso partir-se de dentro para fora, da produção para o consumo. A mais segura política não é a da sustentação dos preços, mas sim a do seu apoio no mercado: para recebermos o máximo, o melhor processo será, sem dúvida, o de provocarmos o alargamento da procura, levando-a a oferecer-nos aquilo que dificilmente lhe pode ser imposto.
O entreposto enferma, assim, de um mal a que já se fez referência: actuar na periferia, dominar os efeitos, deixando vivas as suas causas. Na verdade, se se assenta que a concorrência de origem interna cause prejuízos, quando for excessiva e desregrada - porque fora destes casos é factor, que não pode desprezar-se, de aperfeiçoamento técnico e de permanente adaptação do produto às características do consumo -, a solução não está em fixar preços; estará antes em suprimir as causas dessa concorrência desregrada.
Julga-se mesmo que enquanto essas causas não desaparecerem nem sequer os seus efeitos sobre os preços poderão ser efectivamente dominados pelo entreposto.
Está na memória de todos o fracasso da política de preços mínimos adoptada pelo Consórcio Português de Conservas de Sardinha. Esse fracasso deve-se, pura e simplesmente, à impossibilidade de impor um preço

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enquanto se mantiverem certas características da rede de produção.
A política do entreposto - embora assente em bases mais sólidas- deixaria também de ser respeitada. Repare-se que ficariam fora do mecanismo proposto todas as conservas que não sejam de sardinha em azeite ou molhos: como muitos dos produtores desta espécie de conservas fabricam também as demais conservas de peixe, logo se vê como é (possível alterar, por actuação noutro produto, o preço fixado à sardinha.
Mas nem tanto é necessário: conhecida a liberdade de movimentação de divisas -que, apesar de todos os controles na circulação de mercadorias, o País tem mantido- fácil é de ver como os preços se podem «compensar por fora».
Poderá dizer-se que, pagando o entreposto preço razoável, ninguém terá interesse em baixar esse preço.
Não se crê que a afirmação seja verdadeira para a generalidade dos industriais exportadores e dos comerciantes exportadores: para muitos haverá o interesse, aliás legítimo, de realizarem maior volume de comércio ou de firmarem a preferência do consumidor estrangeiro pelas suas marcas, uma vez que esta preferência é realidade que contará sempre.

76. O entreposto das conservas de sardinha tal como está concebido obriga a uni complicado mecanismo e «o estabelecimento, em condições precárias, de certas hipótese de base: cálculos de contingentes de exportação; fixação de quotas de «produção exportável», alteração de contingentes e redistribuição de «quotas»; negócio das mesmas quotas, etc.
Anote-se ainda que, no momento em que se pedem reduções de encargos, o funcionamento do entreposto conduz à elevação do preço do produto em, pelo menos, 5 por cento.
Tudo isto seria talvez de aceitar a título transitório e em condições de emergência; não parece que tenha lugar agora, dadas as boas perspectivas do mercado, a existência de uma organização corporativa do sector e a pressuposição de que urgentemente se tomarão aquelas medidas que as circunstâncias impõem.

77. Na economia da sugestão apresentada há, sobre- • tudo, um aspecto favorável a destacar: o auxílio financeiro que para a indústria representa a certeza de poder vender imediatamente a sua produção a preço previamente fixado e remunerador.
Nota-se, no entanto, para conveniente entendimento do alcance da sugestão, que fatalmente terá que entender-se por «produção» a parte da capacidade de laboração que os mercados quiserem absorver e por «preço remunerador» o preço que os mercados estiverem dispostos a pagar. De outra forma arriscar-se-á a indústria a acumular stocks no entreposto e a reduzir, ano a ano, os «contingentes exportáveis» em função desses stocks, que podem manter-se enquanto o entreposto não decidir ajustar a oferta e a procura, desvalorizando a mercadoria. Nessa altura o industrial virá a devolver parto do que julgara ter ganho e que possivelmente já gastam.
Ao fim e ao cabo estaremos sempre dependentes dos mercados consumidores e será, por isso, em função deles que a Câmara procurará fazer algumas sugestões em matéria de organização comercial e auxílio financeiro.

78. Depois de ter estudado o problema da quantidade de fabrico e se ter verificado que, uma vez reconhecida à indústria preferência na aquisição da sardinha e a estabilização, relativa, do seu preço não se levantarão quaisquer dificuldades de produção, resta determinar as medidas capazes de manterem a procura em nível que garanta o escoamento da mercadoria a preço remunerador - e desaparecerão assim as causas, de ordem interna e externa, que estão na base da concorrência excessiva entre os industriais.
Essas medidas deverão visar o alargamento dos mercados e o auxílio financeiro que permita à indústria suportar flexões temporárias da procura ou, mesmo, produzir para armazenar em períodos favoráveis. A estes objectivos, portanto, deverá obedecer uma conveniente organização do comércio das conservas.

79. 0s números que se registaram ao examinar o escoamento das conservas no estrangeiro provam que, tanto nos mercados tradicionais como em novos mercados, o campo nos está aberto para uma larga actuação comercial: a ponderação da capacidade de consumo de um mercado como o dos Estados Unidos; a verificação de que em países europeus diminue a nossa posição relativa de fornecedores, embora aumentem de ano para ano as quantidades que lhes enviamos; a abertura, com carácter de normalidade do mercado inglês, que será nosso enquanto quisermos que o seja, isto só constitui base mais do que bastante para a afirmação de que se produzirmos a melhor qualidade ao preço da concorrência não teremos produção bastante para satisfazer a procura que uma inteligente organização nos garantirá.
Essa organização comercial deverá, como é óbvio, estruturar-se nas bases; que melhor permitam o conhecimento e o domínio dos mercados.
Só depois de cuidada prospecção de coda centro de consumo será possível conhecer:
a) As características a imprimir à mercadoria (incluindo a própria embalagem) por forma que ela corresponda as exigências, diremos mesmo, aos caprichos do consumidor;
b)0 tipo das campanhas de propaganda a realizar em cada merendo.

A adaptação do produto às exigências do consumo é condição base do. expansão das vendas. Não importa saber se o consumidor tem ou não razão; será mais útil reconhecer-lha sempre: se se queixa de que as nossas embalagens são difíceis de abrir, há que tornar a sua abertura mais fácil; se prefere determinados moldes e se gosta de ver as latas pintadas de certa cor, teremos de nos submeter ao seu capricho.
Não é descabida a referência que aqui se faz a princípios elementares do comércio, como o da necessidade de nos sujeitarmos à evolução das preferências do consumidor, enquanto não estivermos em condições de influenciarmos ou dirigirmos nós essa evolução. É que, em muitos sectores da exportação portuguesa, subsiste; teimosa, a ideia de que ao consumidor compete moldar-
se às características tradicionais do produto e não estos àquele. Os que assim pensam esquecem, e perigosamente, que as características tradicionais de um produto foram determinadas, sem que disso muitas vezes nos tenhamos apercebido, por certo clima de consumo ao qual elas se ajustavam. Se o clima mudou, as características do produto terão de alterar-se também, se não quisermos deixá-lo envelhecer e morrer.
A segunda das condições de base em matéria de expansão do consumo é a propaganda: os industriais do reclame souberam criar essa necessidade no público e só há que aceitar o facto.
A propaganda, para ser proveitosa, precisa fazer-se no volume adequado a cada mercado e deverá ser gizada pelos técnicos desse centro de consumo. Aos exportadores cumpre, sobretudo, acompanhar hora a hora os seus resultados, para os utilizarem sem perda de tempo.

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80. O conjunto de operações comerciais a realizar nos diversos mercados impõe uma grande organização e exige investimento avultado. Não é por isso provável que a elas se possam abalançar, isoladas, as inúmeras empresas que se dedicam ao fabrico e ao comércio das conservas de peixe.
Foi sem dúvida por ter este facto em consideração que a lei atribuiu ao Instituto Português de Conservas e Peixe competência para realizar a propaganda do produto.
E porque os serviços a montar no estrangeiro podem, cuidar de mais do que um ramo de exportação, embaretecendo assim o seu custo, em boa hora o Governo criou o fundo de fomento de Exportação, dando-lhe por missão centralizar a acção no estrangeiro e coordenar e apoiar, técnica e financeiramente, ns Iniciativas dos organismos que a seu cargo têm determinados sectores da exportação.
Dispõe o Fundo de Fomento de meios financeiros suficientes e os seus serviços no estrangeiro estão aptos a realizar as missões de que forem incumbidos.
Não se vê, por isso que haja dificuldade em organizar e executar a prospecção e as campanhas de propaganda que os centros consumidores exigem e a importância económica da indústria plenamente justifica. Só há que arrancar, com segurança mas também com largueza e continuidade, na certeza de que, em matéria de propaganda comercial, o capital investido não dá lucro imediato e algumas vezes se perde.
É, no entanto, necessário que a indústria e o comércio colaborem no esforço do conquista dos mercados.
No que respeita à produção, referência se fez já à necessidade de fabricar a melhor qualidade a preços de concorrência e de acompanhar a evolução do consumo, por forma a adaptar o produto às suas exigências.
No que toca à actuação comercial igualmente se põem aos exportadores problemas do maior vulto: tão importante como produzir bem ó bem saber vender.
A arte de comerciar, que é a arte de impor, indirectamente, um preço a um mercado de compradores, tem a sua técnica, por vezes difícil e complexa. O ser-se bom industrial não pressupõe que se seja bom comerciante, além de que, como se disse, as despesas impostas por uma organização eficiente de distribuição podem exceder as possibilidades financeiras isoladas da maioria das nossas pequenas e médias empresas.
Por outro lado, o oferecimento ao consumo de um sem número de marcas, que as mais das vezes outra coisa não traduzem do que nomes diferentes dados ao mesmo produto, só contribui para a confusão do consumidor e para o prejuízo de grandes e pequenos Industriais; em parágrafo anterior deste parecer justificou-se já a necessidade de produzir em quantidades suficientes as marcas que forem objecto da actividade comercial. Sugere-se, por isso, que grupos de industriais encarem a celebração de acordos sobre marcas e mesmo a formação de sociedades comerciais, de que poderiam fazer parte os exportadores-comerciantes, para a distribuição dessas marcas. Sem corresponderem a uma concentração de empresas, estes acordos e sociedades facilitariam o trabalho de propaganda e tornariam comportáveis, por cada empresa, a manutenção de serviços de distribuição capazes de seguirem os mercados e de aproveitarem, por inteiro, as possibilidades que a acção de propaganda venha a conceder.
Sabe-se que hoje as campanhas a realizar com o auxílio dos serviços oficiais têm de limitar-se ao reclamo genérico do produto. No dia em que quatro ou cinco marcas representarem, em certo mercado, os interesses da totalidade da indústria poderá encarar-se a hipótese da própria propaganda de marcas.
Esta sugestão não se apresenta com o carácter de condição sem a qual não será possível a expansão do consumo das nossas conservas no estrangeiro. Pensa-se, apenas, que a solução se coaduna com os princípios que presidiram à criação dos organismos em que se agrupam os produtores e facilitaria, sem dúvida, a acção nos mercados externos: seria o começo da voluntária substituição de uma organização de vendas, fraca e mal preparada, por um comércio técnica e financeiramente capaz de promover, nas melhores condições, o escoamento de um produto que não teme a concorrência.
Pelas linhas que ficam escritas se vê que a Câmara dá o seu acordo à parte da sugestão que visa a imposição de stocks aos exportadores. Esses stocks devem porém ser calculados por forma que não forcem a actividade a correr desnecessários riscos de desvalorização.

81. Tudo quanto se faça em ordem à expansão e diversificação geográfica da procura do produto português e à redução da fraqueza que caracteriza, técnica e financeiramente, a rede actual das inúmeras organizações de venda não será no entanto bastante para se afirmar que deixarão de verificar-se flutuações do mercado.
O risco dessas flutuações, embora com menos gravidade, pesará sempre sobre a indústria, porque não podem impedir-se as manobras da concorrência estrangeira, como em nossas mãos não está evitar, em certos casos, a flexão de procura neste ou naquele mercado.
Daí a necessidade de se garantir à indústria o auxílio financeiro que lhe permita stockar a mercadoria nos momentos de depressão, em lugar de entrar no círculo vicioso que sempre se desenha quando se tenta forçar o escoamento por desordenadas reduções de preço.
O entreposto das conservas, comprando serenamente a preço fixo, evitaria sem dúvida o pânico que essas flutuações pudessem causar, embora esse pânico fosse evitado à custa da criação de problemas futuros sempre que as alterações de preço se desenhassem no sentido do estabelecimento, com caracter duradouro, de preços inferiores àqueles por que o entreposto adquirira as conservas.
Posta de lado esta solução, qual a forma de fornecer o necessário auxílio financeiro à indústria?
A resposta a tão importante problema do comércio das conservas está dada na lei e posta em prática pelo organismo competente: a warrantagem.
E, porque assim é, a questão a pôr será outra: está ou não o sistema de warrantagem, montado pela organização corporativa das conservas, apto a satisfazer as possíveis necessidades de crédito comercial da indústria?

82. Os armazéns gerais do Instituto Português de Conservas de Peixe admitem todas as conservas em molhos, excepto as de boga e espadilha.
Para efeitos de warrantagem, às conservas em regime de armazém geral é fixada, pelo Instituto, uma cotação, variável segundo a qualidade e sempre sensivelmente inferior ao valor real da mercadoria.
Para as sardinhas em azeites ou molhos a cotação média praticada pelo Instituto é, presentemente, de 65 por cento do valor de 230$ atribuído a uma caixa de sardinha de 1/4 club 30 mm, ilustrada em óleo:

65 por cento de 230$ = 149$50

O mesmo Instituto fixou o limite do desconto em 10 por cento da capacidade teórica de cada fábrica, o que lhe dá, como limite global de desconto, na base de uma capacidade teórica da indústria da ordem de 6 milhões de caixas, um montante de 128:111.050$.

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83. Os armazéns gerais admitem mercadoria quer de industriais quer de exportadores, mas os limites de warrantagem acima referidos visam apenas o desconto a industriais, dado que os grémios não emprestam aos exportadores, que são, por isso, levados a apresentar os warrants aos estabelecimentos bancários, que, aliás, não põem a menor dificuldade ao seu desconto.

84. Os encargos da warrantagem são os seguintes:

a) Taxa de desconto 1,5 por cento;

b) Comissão 0,5 por cento;

c) Encargos de armazenagem (comuns às conservas warrantadas pelos bancos e pelo Instituto Português de Conservas de Peixe) 0,5 por cento.

Os descontos, pelo Instituto Português de Conservas de Peixe, são normalmente feitos pelo prazo de três meses, prorrogáveis (depois de verificação da mercadoria) por igual período, sucessivamente renovável.
De início, a reforma obrigava à amortização parcial do crédito. Hoje o sistema está posto de parte, para maior facilidade da indústria.

85. Os meios financeiros à disposição do Instituto Português de Conservas de Peixe para realização dos descontos são:

a)As disponibilidades do Fundo Corporativo;
b)O redesconto na banca.

Dada a segurança dos valores fixados aos warrants, não encontra o Instituto Português de Conservas de Peixe qualquer dificuldade de redesconto. O recurso a este sistema onera, no entanto, o custo do crédito à indústria, uma vez que a banca cobra 3 por cento.
Na prática, esta taxa de redesconto não a sentem os que recorrem ao crédito, porque o Instituto não a imputa directamente aos interessados: dilui-a nos preços da folha-de-flandres e outras matérias-primas fornecidas à indústria.

86. Como, em todo o caso, o redesconto se traduz em encargo, embora pouco sensível, da indústria, convém apontar aqui a situação do Fundo Corporativo.
Pode fazer-se assim o resumo da situação financeira do Fundo Corporativo em 31 de Dezembro de 1954:
Até esta data, como quota-parte das taxas de exportação e de juros de empréstimos efectuados por este Fundo, foram arrecadados 98:605.018$81.
A esta importância há a deduzir 34:023.683$56, que constituem diminuição do Fundo Corporativo pelas causas seguintes:

Contribuições 21:167.607$65
Expropriação de unidades industriais 5:539.179$70
Restante do Fundo Corporativo de unidades industriais extintas 4:980.576$15 Prejuízos na venda do azeite 2:336.320$06
34:023.683$56

Desta maneira o valor líquido actual do Fundo Corporativo é de 64:581335$25, cuja aplicação está feita da seguinte forma:

Valores representativos:
Warrants descontados 8:125.985$40
Empréstimos aos grémios para cobertura dos deficits dos fundos de exercício 1:855.370$00
Empréstimo a industriais 300.000$00
Empréstimo a industriais para pagamento da parte não liberada de acções da Companhia Portuguesa de Siderurgia 200.900$00
Débitos de diversos industriais em conta corrente (moras de armazenagem)84.829$30
Matérias-primas (números provisórios) 843.764$19
Acções da Companhia Portuguesa de Siderurgia 28:362.000$00
Fábrica de tratamento de óleos de peixe 31:054.210$07
Fábrica de farinha e óleo de peixe de Portimão 1:130.657$59
Fábrica de farinha e óleo de peixe de Olhão 850.000$00
Importância em numerário 8:773.618$70
81:581.335$25
Empréstimo do Fundo das Actividades Conserveiras 17:000.000$00
Valor Iliquido do Fundo Corporativo em 31 de Dezembro de 1954 64.581.335$25

87. A rápida apreciação deste balanço leva à conclusão de que o Fundo Corporativo tem um valor líquido que, por considerável, lhe deveria permitir exercer largas funções de crédito.
Acontece, porém, ter o fundo utilizado 72:807.716$55, ou sejam mais 8:226.381$30 do que os suas disponibilidades, situação esta tornada possível pelo empréstimo que lhe fez o Fundo das Actividades Conserveiras, no valor de 17:000.000$, e cujo remanescente (8:773.618$70) se encontra em poder do Instituto Português de Conservas de Peixe.
Ao examinarem-se as utilizações dadas pelo Fundo às suas disponibilidades verifica-se que a sua quase totalidade se encontra investida em dois empreendimentos.
A warrantagem das mercadorias em regime de armazém geral tem, assim, o Instituto de fazê-la por recurso ao redesconto.
A Câmara entende sugerir ao Governo a vantagem de revisão da situação do Fundo Corporativo do Grémio dos Industriais de Conservas, em ordem a permitir-lhe exercer na máxima medida das suas posses a função de instrumento de crédito da indústria.

88. Dadas, porém, as facilidades de redesconto, voltemos aos limites de warrantagem fixados pelo Instituto e ao seu preço, a fim de se determinar em que medida o mecanismo satisfaz as necessidades da indústria.
A este respeito organizou-se o quadro seguinte, que é surpreendente:

QUADRO XXXIII
Confronto entre o limite fixado para o desconto e o valor máximo dos descontos realizados pelos grémios
(ver quadro em imagem)

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ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 53 580

Estes números não consentem senão as seguintes alternativas: ou a indústria não necessita de recorrer à warrantagem dos seus produtos, ou as condições que a organização impõe são incomportáveis.
Viu-se já que o preço do crédito concedido pela organização é francamente baixo. Não consta que qualquer industrial só queixe desse preço, embora a taxa de desconto de 1,5 por cento pudesse, em nosso entender, ser comprimida. Resta como hipótese de condições onerosas impostas pela organização a margem de segurança utilizada pelo Instituto e que, se for excessiva, poderá conduzir a exageradas imobilizações da mercadoria.
O quadro XXXIV dá a medida dessas margens:

QUADRO XXXIV
Confronto entre o valor das mercadorias cujos certificados foram descontados e a importância dos créditos

A diferença da margem verificada de ano para ano deve ter como principal explicação a qualidade da conserva armazenada.
Reconhece-se que o conselho geral do Instituto Português de Conservas de Peixe é prudente na fixação do valor dos warrants e que não deixará de o ser se reduzir um pouco a margem de segurança. Não pareço, no entanto, que este facto seja suficiente para explicar o desinteresse que a indústria manifesta na utilização das facilidades que lhe são oferecidas.
Somos, assim, levados a concluir que a indústria tem encontrado escoamento para a sua produção em condições que considera satisfatórias.
Anota-se, no entanto, que, segundo parece, alguns sectores da indústria vêem com certa relutância a entrada da sua mercadoria em regime de armazém geral, por admitirem que o facto, por ser de fácil conhecimento público, possa originar reparo ou dúvida sobre a situação financeira da empresa. Mesmo que esta hipótese se verifique e seja razão de um menor recurso à warrantagem, não se vê motivo para abandonar um sistema que é bom apenas e só porque ele pode causar estranheza aos que nada percebem das exigências e da técnica do comércio, pois que só a estes ele a causará.
Nestas condições, para além de uma menor utilização do redesconto, por libertação das disponibilidades agora imobilizadas do Fundo Corporativo; para além de alguma compressão na taxa de desconto e de ligeira redução, quando for caso disso, na margem de segurança actualmente imposta na valorização dos warrants, não se vê que alterações seja necessário introduzir no mecanismo de crédito até agora posto ao serviço da indústria, tanto mais que o conselho geral do Instituto pode, se as circunstâncias o aconselharem, rever os limites da warrantagem, elevando-os sem perigo.

89. Para terminar as sugestões de natureza comercial há ainda que fazer referência ao contrôle, dos preços de exportação.
Um dos objectivos gerais e permanentes do regime de prévio registo das operações de comércio externo, em vigor desde Fevereiro de 1948, que ao Instituto Português de Conservas de Peixe cumpre realizar como órgão licenciador é a verificação dos preços declarados nos boletins de registo das operações de exportação, a fim de se evitar o desvio de cambiais.
Além deste objectivo de ordem geral cumpre ao Instituto impedir se verifiquem os prejuízos que para a economia do País resultarão das perturbações que nos mercados consumidores possam causar as lutas de concorrência desregrada entre os produtores nacionais.

Não :pode, assim, o organismo de coordenação d», economia do sector das conservas de peixe deixar de> confa-olar os valores declarados nos boletins de registo» das operações de exportação. E deve fazê-lo não apenas-, quanto às sardinhas, mas em relação a todas as espécie» exportadas.

Não se ignoram as possibilidades de fraude e teiu-sa* presente a tristo experiência dos preços mínimos feita, pelo Consórcio.

Todavia, ao sugerir-se agora o controle dos preços, pensa-se que as condições são outras: esta medida eu- quadrar-se-á num conjunto de soluções que devem conduzir u desnecessidade de vendas abaixo de um preço, normal. Além disso, o controle não deve visar a imposição de um preço, mas apenas evitar que um exportador, por dificuldades momentâneas ou por erro> quanto às tendências do mercado, faça exportações a preços sensivelmente inferiores às cotações correntes-, e em quantidades que, pelo seu volume, possam provocar a perturbação e a consequente baixa geral da. cotação do produto.

O Instituto Português de Conservas de Peixe, aproveitando-se dos elementos fornecidos pêlos serviços montados ou a montar pelo Fundo de Fomento de Exportação nos países principais consumidores das conservas,, deverá organizar uma informação permanente sobre os-, mercados, por forma conhecer, em cada momento ar-. cotações praticadas e os motivos que possam determinaras suas flutuações.

A apreciação dos valores declarados far-se-á em função dessas informações. Sempre que um pedido de- exportação apareça com valores que contrariam sensivelmente a tendência do mercado deve o Instituto inquirir ju-nto dos exportadores das razões que os levam a praticar esse preço c decidirá sobre o deferimento consoante o valor das alegações feitas.

Em princípio não poderá o Instituto Português dfr Conservas de Peixe conceder autorizações de exportação a preços que considere inferiores aos do custo de produção de uma empresa de características médias.

Quando as condições de absorção de determinada» mercado forem tais que pareçam impor a exportação) abaixo do preço de custo, deve o Instituto ouvir o seir. conselho geral, para avaliar a importância do mercado»• no conjunto dos centros consumidores e estudar as medidas que entenda convenientes. As conclusões do conselho geral serão enviadas u Comissão de Coordenação Económica, que, quando for caso disso, as submeterá, com o seu parecer, à consideração superior.

O Instituto procurará exercer, neste campo, a função de órgão orientador, pondo ao dispor do comércio as.

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18 DE JUNHO DE 1955 581

informações resultantes de uma rede de serviços que a maior parte das empresas, por si, não poderia montar.
Tem-se por certo que à medida que os acordos com a pesca e as campanhas de propaganda produzam seus efeitos irão desaparecendo as situações em que o Instituto se verá forçado a não aprovar um preço declarado.
Por certo igualmente se tem que em alguns casos os valores declarados nos boletins de exportação poderão ser falsos, embora a inteligência não descortine facilmente o interesse que, dentro do sistema proposto, o exportador possa ter na venda a preço interior ao corrente.
Quando isto se verificar, espera-se, porém, que os serviços do Fundo de Fomento de Exportação possam localizar as fraudes sempre que elas comecem a perturbar o mercado.
Em qualquer dos casos é de confiar nos resultados do controle; ao contrário do que anteriormente aconteceu, não se imporá agora um preço mínimo à exportação; os acordos com a pesca, as campanhas de alargamento dos mercados, a melhor organização comercial afastarão naturalmente a necessidade de recurso a baixas precipitadas de preços. Os controles serão, como se disse, um instrumento de orientação do comerciante e de segurança da indústria, por isso que lhe permitirão estudar a tempo as medidas, de ordem externa ou interna, a tomar quando uma empresa justifique a necessidade de vender a preço sensivelmente inferior à cotação até aí corrente.

IV

Conclusões

90. O estudo sobre a produção e o comércio das conservas de sardinha em azeite ou molhos a que se procedeu para apreciação da sugestão apresentada pelo Digno Procurador Ferreira Barbosa leva a Câmara a reconhecer que à indústria e ao comércio das conservas só apresentam problemas que impõem urgente solução.

91. A Câmara considera no entanto não ser de aceitar, na actual conjuntura, a sugestão dominante e que, por isso, ocupa a quase totalidade das disposições dos diplomas propostos.
Nestas condições, afigura-se-lhe não haver lugar ao exame desses diplomas na especialidade.

92. A Câmara reconhece, ao mesmo tempo, que a proposta apresentada nos termos do artigo 23.º do regimento se revestiu do maior interesse, (não só por lhe ter chamado a atenção para problemas que, a não encontrarem solução adequada, podem afectar, perigosamente, a vida de uma das nossas maiores indústrias de exportação, mas também pela contribuição positiva que a sugestão fornece para solução de alguns desses problemas.

93. O exame da proposta e dos elementos que se arquivaram ao longo do presente parecer aconselham se sugira ao Governo a nomeação de uma comissão que, no mais curto prazo, estude o sector da indústria de conservas de peixe, desde o regime de aquisição de matérias-primas às características e possibilidades dos mercados consumidores, permitindo ao Governo determinar com segurança o sentido em que deve encaminhar a evolução da indústria.

94. Independentemente das sugestões que vierem a ser apresentadas por essa comissão, julga a Câmara que, desde já, se devem tomar providências para solução dos dois problemas que mais directa e intensamente determinam a instabilidade da economia deste sector da produção nacional.
Esses problemas traduzem-se, por um lado, na incerteza em que a indústria permanentemente se encontra quanto ao abastecimento da sua matéria-prima principal - a sardinha - e, por outro lado, na sua total dependência dos mercados externos quanto ao escoamento a produção.
No que se refere a estes dois aspectos da vida da indústria sugere a Câmara:
a) Que se assegure à indústria de conservas de peixe prioridade na aquisição da sardinha necessária à sua laboração, a preços quanto possível estáveis e determinados em função dos legítimos interesses da pesca e da indústria.
Esta garantia pressupõe a reorganização do sistema das lotas, a levar a efeito pelo Ministério da Marinha, e a celebração de acordos entre o Grémio dos Armadores de Pesca da Sardinha e os grémios dos industriais de conservas de peixe.
Embora só depois de profundo exame do problema se possam definir as bases convenientes e possíveis em que esses acordos assentarão, pensa-se que o seu estudo deveria conduzir-se em ordem a:
1) Fixar-se o contingente anual de sardinha a adquirir pela indústria, a um preço mínimo ou dentro de limites mínimos de preço1;

1 Entende a Câmara não tomar iniciativa de propor uma solução pana os problemas que os acordos entre a pesca e a industria devem encarar e resolver. Julga-se que essa solução devora nascer do íntimo contacto entre as organizações corporativas dos dois sectores.
Por isso se limita a sugerir alguns dos objectivos que, em seu entender, os acordos devem atingir. Todavia, e a título de contribuição para o encontro da solução definitiva, afigura-se à Câmara do interesse arquivar no seu parecer as seguintes reflexões do Digno Procurador Carlos de Sousa:
Uma voz que se pretende evitar a loba para os fornecimentos à indústria conserveira, entendemos que a percentagem de sardinha a ela destinada não deverá ser objecto de leilão, mesmo que este fosse realizado entre limites de preço; com esto processo atenuava-se o mal, é certo, mas não se evitava que a sardinha viesse a ficar por preços diferentes para os conserveiros de um mesmo centro.
Designemos, então, por:
a) Unidade pesqueira - a unidade-padrão, constituída por barco, aparelhagem e pessoal respectivo, que se pode considerar como característica da frota empregada na safra da sardinha;
b) Despesa-base - a despesa total correspondente à unidade pesqueira durante uma safra (consumo de combustível, desgaste normal do equipamento, etc.);
c) Remuneração do trabalho - a importância a pagar ao pescador, por cada unidade pesqueira e por cada safra, calculada com base no nível mínimo (s) previamente fixado e numa quota (x) aplicada sobre a quantidade variável efectivamente pescada (q).
Seja da parte da despesa-base excluída a remuneração do trabalho e designemos por D a soma dessa parte d com a quantidade fixa e da remuneração do trabalho. É claro que a despesa total de uma unidade pesqueira por safra - em que q é a quantidade efectivamente pescada- será:
D+x.q
a que terá de acrescer-se a remuneração do capital. Esta poderá definir-se por uma percentagem aplicada sobre D+x.q, que é o custo de produção por unidade pesqueira.

ra a importância, a pagar pelo conserveiro ao armador de pesca deverá logicamente cobrir a parte alíquota da despesa total (incluída a remuneração do capital) equivalente à fracção de q (quantidade efectivamente pescada) que ele tomar.
Então os preços a fixar para as transacções entre o conserveiro e o armador deverão ser função da despesa total.
Se é de desejar que tais preços só venham a variar a largo prazo, há que fixar quantidades-tipo de safra por unidade pesqueira.
Nesta ordem de ideias, consideremos a sucessão das safras da sardinha observadas nos últimos vinte anos (?), orde-

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ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 53 582

2) Determinar-se ma preço máximo ao qual a indústria possa adquirir as quantidades suplementares de que carecer;
3) Permitir-se que o preenchimento do contingente referido na alínea a) possa ser imposto, pelo Grémio dos Armadores de Pesca da Sardinha, à indústria de conservas, mesmo que esta não esteja interessada na total aquisição desse contingente;
4) Prever-se o processo de distribuição da sardinha pêlos centros industriais, quando a pesca, nesses centros, não for suficiente para o abastecimento das unidades aí instaladas.
Na falta de acordo entre os organismos patronais os Ministérios da Economia e da Marinha determinarão, por portaria, as normas a que deverá obedecer a aquisição da sardinha pêlos industriais de conservas de peixe.
b) Que o Governo, por intermédio do Fundo de Fomento de Exportação e do Instituto Português de Conservas de Peixe, promova o imediato estudo dos mercados e determine o início urgente de campanhas de propaganda do produto, adequadas às características e importância de cada centro consumidor.
Com base nos resultados de prospecção dos mercados e no conhecimento da organização actual, os serviços referidos deverão estudar e propor as medidas internas necessárias à permanente adaptação da produção às características dos mercados e ao melhoramento do sistema actual de vendas, pela associação dos industriais e exportadores em organizações comerciais que, pela sua capacidade técnica e financeira, sejam capazes de promover, nas melhores condições, o escoamento do produto.
O Instituto Português de Conservas de Peixe organizará um serviço de permanente difusão, pela indústria e pelo comércio, de todos os elementos de informação útil que os centros do Fundo de Fomento de Exportação forneçam sobre a situação e tendências dos mercados.

Palácio de S. Bento, 19 de Abril de 1955.

Fernando Carlos da Costa.
José António Ferreira Barbosa. [I) Em minha opinião, o parecer não encara suficientemente, e no seu verdadeiro valor, um dos aspectos principais do problema das conservas, seja o que se relaciona com a luta de concorrência entre os produtores e exportadores portugueses nos mercados externos.
E evidente que uma comissão reorganizadora da indústria virá a encontrar-se fatalmente perante esse mesmo aspecto do problema e suas consequências. Não poderá, pois, eximir-se ao estudo dos meios de sustar ou diminuir essa luta de concorrência, grandemente prejudicial não só às economias dos directamente interessados, como, e principalmente, à própria economia nacional.
Já que no parecer se reconhece a urgência da criação dessa comissão e se sugere mesmo que os seus trabalhos devem ser concluídos no mais curto prazo, tudo se resumirá afinal em mais um compasso de espera. Ardentemente se formula o voto de que seja breve.
II) Os trabalhos de prospecção B de estudo dos mercados são imensamente desejáveis e deles

Dada segundo as quantidades globais obtidas por unidade pesqueira empregada:
Q1, q2, q3, q4,. Q20
Chamaremos:
a) Quantidade mínima (qm) - ao ponto médio do intervalo em quo é máxima a frequêucia das safras de menor importância;
b) Quantidade regular (qr)- ao ponto médio do intervalo em que é máxima a frequência das safras de importância regular; e
c) Quantidade máxima (qM) - ao ponto médio do intervalo em quo é também máxima a frequência das safras de maior importância.
E definiremos:
1) Safra escassa - aquela em que a quantidade efectivamente pescada num centro por unidade pesqueira (q) não exceda a quantidade mínima antes considerada (qm)
2) Safra regular, - aquela em que a quantidade efectivamente pescada num centro por unidade pesqueira (q) está compreendida entre qm e qM, tendo por valor característico qr; e
3) Safra abundante - aquela em que a quantidade efectivamente pescada num centro por unidade pesqueira (q) é pelo menos igual a qM.
À quantidade qm fazemos corresponder um preço máximo PM tal que
PH • qm = (D + x • qm) (l + K) ou PM, =
=(Dqm + x) (l + K)
em que K é a porcentagem a aplicar sobre a despesa a título de remuneração do capital ; e à quantidade q, um preço regular P, tal que
Pr • qr=(D + x • qr) (l + K) ou Pr =
=(D/qr+x) (l+K)
em que K1 > K; e, finalmente, à quantidade q um preço mínimo Pm tal que
Pm . qM = (D+x . qM) (l+K") ou P=
=(D/qM+x) (l+K")

em que A"» > E}. Facilmente se verifica que, para o armador, ú sempre:

(D + * • U (i + A") < (D + x . qf) (l + A'') x . M (l -l- A"»)

porque

A-

Como se vu, os preços PU, P, o Pm são preços gerais, dada a natureza dos parâmetros definidores.

É óbvio que se O ou x vierem a variar, por força do alterações nos preços dos bens o serviços que enformam esses parâmetros, ou só a sucossão das safras vier a mostrar comportamento divergente da sucessão previamente tomada, haverá necessidade de alterar os níveis de PO, P, o Pm.

Assim, em relação a eada centro e para cada período de safra, se q < qm (safra escassa) o conserveiro pagará Pu pela quantidade que ele tomar; se 9M (safra abundante), pagará PM.

Logo, se for Q a quantidade total adquirida pelo conserveiro ao longo do toda a saíra, ele terá pago, na realidade,

uma quantidade 91 a Pu uma quantidade & a PT uma quantidade jj a PM

quantidades estas que cie adquiriu no centro a que .pertence, como parte da produção piscatória desse centro ou como parto da produção de outros centros que foi transferida para aquele. A despesa total será:

91 donde o custo inodio da matória-prima adquirida ser

É claro que esto custo médio poderá diferir, em principio, de centro para centro, mas será uniforme para os conserveiros de um mesmo ce..tro.

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podem mesmo, reconheço-o, resultar novas formas de encarar os problemas que se nos apresentam. De lamentar é que a eles se não tenha procedido há já muito tempo, e a tal respeito julgo-me de bem com a minha consciência, pois repetidamente o tenho afirmado, mas em vão, no exercício das funções de carácter corporativo que exerço dentro das conservas.
Josino da Costa .
António Pereira de Torres Fevereiro.
António Aires Ferreira.
António Carlos de Sousa.
Ezequiel de Campos
Rafael da Silva Neves Duque.
José Pires Cardoso.
Manuel Gomes da Silva
José Gonçalo Correia de Oliveira, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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