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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA

N.º 67 VI LEGISLATURA 1955 16 DE DEZEMBRO

PARECER N.º 32/VI

Projecto de decreto-lei n.º 509

A Câmara Corporativa, consultada nos termos do artigo 105.º da Constituição acerca do projecto de decreto-lei n.º 509, elaborado pelo Governo, sobre a interpretação e extensão das isenções concedidas pela Lei n.º 2073, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral é de Finanças e economia geral), às quais foram agregados os Dignos Procuradores Alexandre de Almeida e Inocêncio Galvão Teles, sob a presidência de S. Ex." o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I
Apreciação na generalidade

1. Propõe-se o Governo, além do mais, interpretar autenticamente por meio de um decreto-lei, alguns preceitos da Lei n.º 2073, de 23 de Dezembro de 1954, relativa ao exercício da indústria hoteleira e similares.
Do ponto de vista do direito constitucional positivo, nada obsta a que o Governo, no exercício da competência legislativa conferida pelo n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, em ampla, medida coincidente com idêntica competência da Assembleia Nacional, proceda, ele próprio, à interpretação autêntica de disposições provenientes deste outro órgão legiferante. Na medida em que as suas faculdades legislativas se sobrepõem, Assembleia Nacional e Governo são constitucionalmente livres de interpretar, suspender e revogar quaisquer diplomas legais, sem que importe saber se tais diplomas emanam de uma ou do outro. Esta doutrina não é menos evidente em relação à interpretação do que em à suspensão e à revogação de quaisquer preceitos de ordem legal. Nada há, efectivamente, de anómalo em que um órgão legislativo diferente daquele que criou uma norma legal; possa fixar-lhe o sentido em que deseja vê-la aplicada, uma vez que as vontades de ambos os órgãos têm exactamente o mesmo valor e autoridade e representando-se um cada momento conformes, substituindo-se e representando-se uma à outra.

2. Quando o Governo depara com a necessidade da interpretação autêntica de normas editadas, sob a forma de lei, pela Assembleia Nacional, um de dois caminhos se lhe oferece para satisfazê-la apresentar à Assembleia Nacional uma proposta de lei com as normas que deseja ver convertidas em lei interpretativa, ou fazer, ele próprio, e sem mais, um decreto-lei interpretativo com esse mesmo conteúdo.
Adoptará normalmente o primeiro destes procedimentos no decurso das sessões legislativas da Assembleia Nacional ou quando o seu início esteja suficientemente próximo, tão próximo que se possa aguardar, sem prejuízo de maior, o momento em que a Assembleia Nacional possa a estar disponível para apreciar da conveniência da interpretação sugerida ou pretendida pelo Governo.
Mas nada ha de forçoso na escolha desta via. É este um campo em que influem, e influem ao, considerações de oportunidade - bem podendo suceder que, em dadas hipóteses, se imponha usar, em vez desta, a outra via, a via do decreto-lei, em que se prescinde da intervenção do órgão que editara o diploma interpretando.

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3. Uma outra observação deve anteceder a análise de cada um dos preceitos do projectado decreto-lei. É esta: dar alcance interpretativo a todas as disposições do projecto com essa índole corresponde a prescrever que elas terão aplicação retroactiva, nos termos do princípio geral expresso no artigo 8.º do Código Civil; corresponde, em suma, designadamente, por exemplo, a dispor que foi indevida a cobrança, desde a entrada em vigor da Lei n.º 2073, de certas receitas, cuja restituição poderá ser pedida pelos interessados, quer no Estado, quer aos corpos administrativos. As complicações financeiras resultantes, em especial, da aplicação retroactiva dos preceitos interpretativos de ordem fiscal do novo decreto-lei não seriam desprezíveis, nomeadamente em relação aos corpos administrativos.
Parece, por outro lado, que daria margem a dúvidas o saber-se quais preceitos do novo diploma se deveriam considerar interpretativos e quais não. Para as arredar em absoluto, convém deixar dito, em cada um dos preceitos do novo diploma cuja aplicação retroactiva se considere aconselhável (afinal de coutas, apenas os preceitos do artigo 7.º), o suficiente para que transpareça a sua índole interpretativa ficando entendido que os restantes têm natureza inovadora, são preceitos novos com aplicação reservada ao futuro.

II
Exame na especialidade

Artigo 1.º

4. O artigo 12.º da Lei n.º 2073 consagrou a isenção e a redução de quaisquer impostos e taxas para os corpos administrativos, durante determinados períodos, em benefício das empresas hoteleiras ou similares.
Esta terminologia é a melhor - e não há, portanto, razão para a alterar, substituindo-a pela mais restrita, e em todo ocaso imprópria, que o projecto agora adopta: licenças dos corpos administrativos. Esta expressão só englobaria as taxas ou emolumentos cobrados pelos corpos administrativos pela passagem de licenças policiais (taxas de polícia), as taxas pagas pela concessão de licenças administrativas em sentido restrito (taxas do domínio) e os impostos que o Código Administrativo (artigo. 704.º, n.º 5.º) designa por «licença de estabelecimento comercial ou industrial» e imposto sobre bilhares, casinos e outras casas de recreio, bem como sobre as destinadas à exploração regular da indústria de espectáculos, o qual é (artigo 709.º), de facto, cobrado por meio de licença. De fora, ficariam todos os demais impostos directos a que o mencionado artigo 704.º alude, bem como as taxas fiscais (artigo 723.º), na medida em que sejam susceptíveis de ser pagas pelas empresas hoteleiras ou similares.
Se alguma alteração se impusesse ao texto do artigo 12.º, citado, essa diria respeito aos limites da isenção do pagamento de taxas aos corpos administrativos. A lei fala em «quaisquer taxas», mas parece que o propósito que o legislador razoavelmente deveria ter tido seria o de isentar as empresas hoteleiras e similares do pagamento das taxas fiscais e policiais - não das taxas pela prestação de serviços ou pela utilização do domínio público. Esta restrição terá como consequência evitar a prestação gratuita de serviços e o uso gratuito do domínio público, facultado às empresas hoteleiras e similares, quando é certo que, inclusive, entes públicos, morais e culturais não estão em geral isentos do pagamento das respectivas taxas. A Câmara, sugere uma redacção que consagre semelhante restrição.
5. O artigo 1.º cria também um regime de isenção o de redução das licenças e taxas dos governos civis, a pagar pelas empresas exploradoras de estabelecimentos atoleiros ou similares. Que saibamos, a única taxa abrangida por esto preceito é a taxa a pagar pela licença do porta aberta. Trata-se de importâncias relativamente insignificantes, cujo pagamento não comprometeria nunca a viabilidade económica de um empreendimento turístico - mas a lógica que levou o legislador às outras isenções e reduções tributárias é realmente válida para justificar mais estas.
Basta, porém, que o artigo se refira a taxas dos governos civis: do que há isenção ou redução é das taxas - não das licenças.
6. De idêntico modo, não há que isentar as empreitas hoteleiras e similares de licenças da Inspecção de Espectáculos - mas antes que isentá-las do pagamento das correspondentes taxas, ou reduzir o seu montante.
7. A última parte do preceito, que prescreve a isenção e redução de todas as taxas a que esteja eventualmente sujeito o exercício da actividade hoteleira ou similar, parece que não deve manter-se, ou porque não é porventura necessária, por falta de alcance prático, ou porque não devem consagrar-se semelhantes privilégios sem considerar o seu alcance em relação a cada modalidade particular. As taxas a pagar, por exemplo, pela ocupação de bens do domínio público marítimo não devem ser objecto de isenção ou redução.

ARTIGO 2.º
8. Os §§ 1.º e 2.º do artigo 12.º da Lei n.º 2073 consignam um certo tratamento tributário de favor, exclusivamente referido a estabelecimentos hoteleiros, não aos estabelecimentos similares, enumerados na alínea b) do artigo 1.º do mesmo diploma. Poderiam suscitar-se dúvidas sobre se o mencionado tratamento tributário de favor não deveria, afinal, feita a devida interpretação de tais preceitos, considerar-se já neles consagrado. Pode realmente agora prescrever-se que também os estabelecimentos similares ficam abrangidos pelos referidos 1§ 1.º e 2.º do artigo 12.º

ARTIGO 3.º
9. Pretende-se agora que à redução das contribuições predial e industrial concedida às empresas hoteleiras e similares na parte final do corpo do artigo 12.º da Lei n.º 2073 se acrescente uma redução de 50 por cento no imposto complementar a pagar por tais empresas. O novo preceito tem, evidentemente, de eu tender-se no sentido de que estas empresas pagarão apenas metade do imposto complementar que, segundo o respectivo regulamento (Decreto n.º 36 420, de 17 de Julho de 1947, e Decreto n.º 37 783, de 13 de Março de 1950), corresponderia aos rendimentos dessas empresas sujeitos a contribuição predial e a contribuição industrial, independentemente das reduções que o mencionado artigo 12.º estabelece. Portanto, não se trata da redução a metade de todo o imposto complementar a pagar par elas, incluindo o que recaia sobre eventuais rendimentos sujeitos a impostos diferentes da contribuição predial e da contribuição industrial - mas só da redução a metade do imposto complementar correspondente à contribuição predial e industrial que tais pessoas singulares e colectivas pagariam, como proprietárias e exploradoras de estabelecimentos hoteleiros ou similares classificados de utilidade turística, se não beneficiassem da redução prescrita na parte final do artigo 12.º
Há que deixar isto explícito no texto da lei, paru afastar dúvidas.

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10. Poderia discutir-se se a última parte deste artigo 3.º é indispensável para que o respectivo preceito se considere consagrado. Para arredar qualquer dúvida, aceita-se que se inclua no novo diploma, salvo a desnecessária e inadequada referência a licenças.

ARTIGO 4.º

11. Pretende-se que possa haver dúvidas de que estilo efectivamente abrangidas pelo regime de isenções estabelecido no artigo 12.º da Lei n.º 2073 as empresas proprietárias e as empresas exploradoras de estabelecimentos hoteleiros antigos (e não apenas hoteleiros, mas também estabelecimentos similares) que, tendo procedido à demolição dos respectivos edifícios, construam novas instalações no mesmo local, classificadas de utilidade turística, mantendo a mesma designação dos estabelecimentos anteriores não isentos.
As dúvidas só poderiam derivar do facto de se pretender que a exploração dos novos estabelecimentos instalados no local dos antigos não se inicia no momento em que passam a substituir os antigos, mas se iniciou antes, na altura em que as instalações antigas abriram as suas portas.
Não são, porém, estas, dúvidas a que o legislador deva dar qualquer atenção: é inquestionável que o artigo 12.º da Lei n.º 2073 pretende isentar de encargos tributários as empresas hoteleiras e similares pelo prazo de dez anos, contado a partir do primeiro ano em que certas instalações em concreto comecem a ser exploradas - não interessando que as empresas tenham explorado antes, no mesmo local ou em local diferente, com a mesma ou com diversa designação, outras instalações, cuja demolição se tenha tornado necessária.

12. De qualquer modo, o artigo 4.º, a manter-se, teria de ser remodelado, em consequência, além do mais que já ficou anotado, de se referir apenas a isenções - e não às correspondentes reduções.

ARTIGO 5.º

13. Dentro da orientação adoptada pela Lei n.º 2073, no seu artigo 13.º, parece realmente impor-se a redução a um quinto do imposto do selo devido por traspasse ou arrendamento de instalações para estabelecimentos hoteleiros ou similares de utilidade turística.
No artigo 13.º da referida lei prevê-se que tal redução, no caso da aquisição de prédios com tal destino, subentende a prévia declaração de utilidade turística. No preceito em exame admite-se que a declaração seja posterior («venham a ser classificados de utilidade turística»). Não parece conveniente nem lógico alterar-se, para as novas hipóteses a que o artigo 5.º se refere, o disposto para aquelas que a Lei n.º 2073 contempla no seu artigo 13.º

ARTIGO 6.º

14. Começa-se neste artigo por aludir a «comissões distritais de turismo», organismos não consagrados até hoje pela nossa legislação sobre a matéria. Que saibamos, com jurisdição distrital, não existe mais do que um organismo especial para a Madeira, a Delegação de Turismo da Madeira, criada pelo Decreto-Lei n.º 26 980, de 5 de Setembro de 1936, e cremos que a existência deste organismo especial não justifica que se fale no novo diploma, de modo genérico, em «comissões distritais de turismo».
Não é, por outro lado, correcto falar, como no projectado artigo 6.º se fala, em zonas de turismo administradas por municípios. As zonas de turismo são administradas por juntas de turismo ou directamente pelas câmaras municipais (artigo 118.º do Código Administrativo), que são órgãos da administração dos municípios (artigo 15.º do Código Administrativo).
Quer com vista a não excluir o organismo especial criado para a Madeira, quer com vista a salvaguardar-se a possibilidade de serem eventualmente criados novos organismos locais de turismo em circunscrições mais vastas do que as actuais zonas de turismo (como já se aventou), conviria substituir a terminologia proposta por outra - órgãos ou organismos locais de turismo e câmaras municipais.
Como os estabelecimentos hoteleiros de utilidade turística não têm necessariamente de estar situados em zonas de turismo (tal como são concebidas pelo artigo 117.º do Código Administrativo), a Câmara Corporativa sugere que se não introduza a restrição segundo a qual a competência que o projectado artigo 6.º atribui aos municípios (ou antes: às câmaras municipais) se limitará às que administrem zonas de turismo.

15. O Código Administrativo não prevê que as juntas de turismo e as câmaras municipais promovam a construção ou adquiram estabelecimentos hoteleiros ou similares. O Decreto n.º 34 134, de 24 de Novembro de 1944, pela primeira vez previu, e ainda assim só indirecta e timidamente, que os órgãos locais de turismo tomem a iniciativa da instalação e exploração de estabelecimentos hoteleiros (artigo 25.º). O presente projecto de decreto-lei, sem rodeios, prescreve que os organismos locais e as câmaras municipais poderão, não só construir (e quem diz construir diz ampliar, adaptar e apetrechar), como adquirir estabelecimentos hoteleiros ou similares. E não se pode considerar desnecessária esta nova intervenção do legislador a regular o assunto, uma vez que no artigo 15.º da Lei n.º 2073 se prevê exclusivamente a construção, ampliação ou adaptação de edifícios e seu apetrechamento, com destino a estabelecimentos hoteleiros, por parte dos órgãos locais de turismo: não só se omite a aquisição de tais edifícios já construídos, como não só (faz referência às câmaras municipais, duvidosamente incluíveis entre os órgãos locais de turismo».

16. Não é em princípio aconselhável a exploração de tais estabelecimentos directamente pelas entidades proprietárias - e daí que, não só possam, mas, em regra, devam conceder essa exploração ou arrendá-los a empresas privadas.

17. Concorda-se com a distribuição das autorizações necessárias para os actos de construção, aquisição, concessão e arrendamento de estabelecimentos hoteleiros, pela Presidência (do Conselho e pelo Ministério do Interior, respectivamente em relação às juntas de turismo e às câmaras municipais, a exemplo do que, paralelamente,- se dispõe no § 3.º do antigo 15.º da Lei n.º 2073 para as autorizações de comparticipação.

ARTIGO 7.º

18. Podia questionar-se sobre se era ou não possível, com base no artigo 17.º da Lei n. 2073, a expropriação de direitos relativos a imóveis necessários à construção, ampliação ou adaptação de edifícios com destino a estabelecimentos hoteleiros ou similares. A melhor opinião parece ser que não se pretendeu, com a redacção dada ao artigo 17.º, excluir aquela possibilidade. O legislador de 1954 quis ligar-se aos termos da Lei n.º 2030, para os quais explicitamente se remeteu, não tendo tido, por via disso, especiais preocupações de rigor ao definir, ele próprio, o objecto possível da expropriação: esse era um ponto já tratado, em relação

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a todas as expropriações, naquela lei. Nem se descobre que bom motivo haveria para determinar o legislador de 1954 a restringir, para o nosso caso particular, o quadro dos direitos susceptíveis de expropriação.

19. É discutível que na expressão «direitos relativos a imóveis», utilizada no artigo 1.º da Lei n.º 2030, possa caber o direito do arrendatário de um imóvel (direito ao gozo desse imóvel), que é, segundo a doutrina mais seguida, um direito de carácter obrigacional, e não de carácter real - em termos de esse direito poder ser expropriado independentemente do próprio imóvel. Se considerarmos os trabalhos (preparatórios da lei em questão, verificaremos que se pensou exclusivamente em hipóteses de expropriação de direitos reais ou nos a «direitos» contidos no direito de propriedade (cf. parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei que veio a converter-se na Lei n.º 2030, in Diário das Sessões de l de Abril de 1948, suplemento ao n.º 140).
Por outro lado, o facto de a expropriação implicar uma aquisição derivada em relação ao anterior titular do direito expropriado, devendo haver sempre uma «passagem», uma traslação de um direito de uma para outra pessoa jurídica, para que de expropriação se possa rigorosamente falar (a expropriação é uma alienação forçada), concorrerá também para excluir o direito do arrendatário do âmbito dos direitos expropriáveis, uma vez que uma tal «expropriação» não acarreta qualquer traspasse de um direito de uma pessoa para outra, antes determinará o mero findar, o mero caducar de uma relação obrigacional entre senhorio e arrendatário, sem qualquer transferência deste para aquele.
For último, a expressão «direitos relativos a imóveis» tem sido interpretada pela nossa doutrina como referindo-se apenas aos direitos reais considerados como desmembramentos da propriedade perfeita (cf. Prof. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 3.ª edição, 1951, p. 620); e a expressão correspondente da lei italiana (artigo 1.º da Lei de 25 de Junho de 1865: «diritti relativi agli immobili») costuma ser entendida como referindo-se apenas aos direitos imobiliários reais.
Em contrário, é do considerar o facto de nas nossas leis se prever a caducidade do arrendamento de prédios rústicos ou urbanos e de estabelecimentos comerciais e industriais quando expropriados por utilidade pública (Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919, artigos 35.º e 58.º; Lei n.º 1662, de 4 de Setembro de 1924, artigo 1.º, § 1.º). A transmissão dos prédios determina, nestas hipóteses, a caducidade dos arrendamentos a eles respeitantes, na base de que a relação jurídica de arrendamento não pode ser cumprida pelo novo proprietário. Os arrendamentos não hão-de constituir obstáculos à efectivação da finalidade pública que justificou a expropriação de tais prédios. A expropriação surge-nos aqui como não necessariamente ligada à ideia de uma transferência ou alienação forçada. O efeito da expropriação é, quanto ao arrendamento, a mera caducidade dos efeitos jurídicos de um contrato cuja execução é incompatível com a necessidade pública que o imóvel se destina a satisfazer.
Se assim é, não pode estranhar-se que o processo de expropriação possa ser utilizado com o objectivo exclusivo de fazer declarar a caducidade do direito do arrendatário ao gozo do prédio arrendado, quando este direito constitua o único obstáculo jurídico à satisfação da utilidade pública reconhecida, como é o caso quando o beneficiário directo da expropriação é o proprietário do prédio arrendado.
Quando, pois, os interessados não chegam, por negociação, a resultado que possibilite a realização do interesse público tutelado, ou seja, à revogação do contrato de arrendamento, não há outra solução senão procurar, por processo de autoridade, o sucedâneo dessa revogação: a declaração da caducidade do arrendamento por via administrativa. E não repugna que o regime jurídico da expropriação clássica seja utilizado para a obtenção deste resultado, estendendo-o à consecução de um novo, mas semelhante, escopo prático, sobretudo se se tiver em conta que não podem passar despercebidos os aspectos, digamos, «realísticos» do direito ao arrendamento, os quais concorrem para fazer dele uma espécie de tertium genus, integrado por elementos obrigacionais e por elementos reais.

20. Supomos que é à hipótese ora descrita que o § único do artigo 7.º, em estudo, pretende referir-se: não deve ser, efectivamente, à hipótese da expropriação de prédios arrendados, que essa está claramente resolvida nos preceitos atrás citados, sub 19, bem como no artigo 10.º, n.º 2, da Lei n.º 2030.
Parece, ante quanto acabamos de dizer, que se torna necessário esclarecer, neste diploma, que entre os direitos relativos aos imóveis, aos quais o artigo 7.º se refere, se conta o direito ao arrendamento, mesmo considerado isoladamente, visando a expropriação, em tal caso, a declaração da caducidade do direito do arrendatário. A fórmula usada no projecto não é suficientemente expressiva a este propósito.
Por outro lado, o § único não distingue entre os arrendamentos em geral e os arrendamentos comerciais, industriais e destinados ao exercício de profissões liberais, para efeito de atribuir aos locatários expropriados direito à indemnização. Também se tem, pois, de introduzir nessa redacção a alteração que é requerida, a tal respeito, pelo sistema da nossa lei em matéria de indemnização dos inquilinos; quando interessados ao lado dos expropriados propriamente ditos.

21. Diz-se na parte final do § único, ora examinado, que a indemnização (a pagar aos arrendatários) «será calculada pelo mesmo processo estabelecido para a determinação do valor do imóvel expropriado».
Não interessa só fixar o processo para a determinação da indemnização a pagar, mas também fixar o critério ou a base dessa indemnização. E aqui duas soluções se oferecem: a que, há semelhança do que sucede para hipótese aparentemente análoga, faz variar essa indemnização consoante as circunstâncias, e lhe fixa um limite máximo (40 por cento), reportado ao valor do prédio ou parte do prédio ocupado pelo arrendatário; e a que, independentemente deste limite, e de um modo geral na expropriação de direitos diversos do de propriedade perfeita, a determina pelo prejuízo resultante da privação do direito ao arrendamento (cf. o artigo 10.º, n.ºs 2 e 4, da Lei n.º 2030).
Sendo a este último título, isto é, como expropriação do um direito diverso do de propriedade perfeita, que, na nossa hipótese, a expropriação se efectiva, parece razoável colocar este caso a par dos restantes do mesmo tipo para efeito de fixar o critério da respectiva indemnização. Aliás, o limite fixado à indemnização no n.º 2.º do artigo 10.º, citado, compreende-se e explica-se para a hipótese da expropriação conjunta de imóveis e do direito ao arrendamento, uma vez que, de outro modo, o beneficiário da expropriação (que em rigor só deveria pagar o imóvel) poderia ser obrigado a pagar ao arrendatário tanto ou mesmo mais do que ao proprietário. Trata-se de um regime de favor para o proprietário, a quem se desonera de indemnizar, à sua custa, o arrendatário, pelas forças da compensação recebida - com vista a que não fique reduzida a um montante mais ou menos irrisório a parte que lhe cabe

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como proprietário. Na hipótese que nos compete agora regular, o beneficiário da expropriação é o proprietário, que vai presumìvelmente tirar proveito da fruição do imóvel e que, de qualquer modo, não fica numa situação que torne necessário e razoável diminuir a compensação a consignar, segundo os princípios gerais, ao inquilino.

ARTIGO 8.º

22. O legislador da Lei n.º 2030 estabeleceu, no artigo 3.º desse diploma, que a «poderão constituir-se sobre imóveis as servidões necessárias à realização de fins de utilidade pública previstos na lei». Vem o artigo 8.º do texto ora em projecto justamente prescrever (em substância) que passará a ser legítimo ao Governo constituir, por acto administrativo - o acto de declaração de utilidade, pública -, as servidões que se mostrarem indispensáveis à adequada exploração de estabelecimentos hoteleiros ou similares de utilidade turística. Será, afinal de contas, tal exploração o fim de utilidade pública que o novo decreto-lei vai prever como causa do acto constitutivo de tais servidões.
Não repugna consagrar-se esta possibilidade na lei, designadamente nos termos restritivos em que ela aparece enunciada. Supomos até que se deve admitir a mesma possibilidade em favor de estabelecimentos de utilidade turística já em exploração à data da entrada em vigor do novo diploma.

23. Deve deixar-se claro que haverá tantas vistorias quantos os prédios de proprietários diferentes, quando mais não seja para evitar divergências insanáveis entre eles sobre o perito que os deva representar.

24. Deve estabelecer-se que a constituição de tais servidões subentende a apresentação de um requerimento, dirigido ao Presidente do Conselho, acompanhado de planta do prédio ou prédios dominantes e servientes, e uma memória justificativa do pedido formulado, da indicação de um perito e de documento comprovativo de se encontrar caucionado, nos termos da lei, o fundo indispensável para o pagamento das indemnizações a que houver lugar.

25. Salvo estes reparos e adições, o preceito é de aprovar, embora com redacção algo diferente, que parece preferível à projectada.

ARTIGO 9.º

26. O preceito do artigo 9.º dispensar-se-ia perfeitamente se os estabelecimentos hoteleiros e similares dos Aeroportos de Santa Maria e do Sul fossem, sem mais, declarados de utilidade turística, nos termos do artigo 11.º da Lei n.º 2073, como parece que deveriam ser.
A querer manter o preceito, então haverá que referi-lo, não apenas ao artigo 12.º desta lei, mas também aos restantes que prevêem uma situação privilegiada para as empresas, exploradoras de estabelecimentos de utilidade turística.

III

Conclusões

A Câmara Corporativa dá ao projectado decreto-lei a sua concordância, na generalidade; mas sugere que nem todos os preceitos de índole interpretativa incluídos no projecto sejam pelo legislador considerados interpretação autêntica dos correspondentes preceitos da Lei n.º 2073, a fim de se não tornar inevitável a sua aplicação retroactiva, que se revela inconveniente. .. .
Quanto à especialidade, a Câmara Corporativa entende sugerir um certo número de alterações de fluido e de redacção, que se exprimem no texto seguinte:

Artigo 1.º O regime de isenções e reduções previstas no artigo 12.º da Lei n.º 2073, de 23 de Dezembro de 1954, abrangerá também as taxas para os governos civis o para a inspecção dos Espectáculos.
§ único. As empresas a que o mesmo artigo alude não se considerarão isentos do pagamento das taxas dos corpos administrativos a que estes tenham direito pela prestação de serviços e pela utilização de bens do domínio público.
Art. 2.º Será aplicável aos estabelecimentos referidos na alínea b) do artigo 1.º da Lei n. 2073 o disposto nos §§ 1.º e 2.º do artigo 12.º do mesmo diploma.
Art. 3.º As empresas mencionadas no artigo 12.º da Lei n.º 2073 beneficiarão, no período a que alude a sua parte final, da redução a metade do imposto complementar correspondente aos rendimentos dessas empresas sujeitos a contribuição predial e industrial.
$ único. As empresas proprietárias ou exploradoras dos estabelecimentos referidos no § 2.º do artigo 12.º da Lei n.º 2073 aplicar-se-á a redução de todas as contribuições, impostos e taxas a que aludem a parte final dessa disposição, o artigo 1.º do presente diploma e o corpo deste artigo. .
Art. 4.º (Eliminado).
Art. 5.º Terá a redução estabelecida no artigo 13.º da Lei n. 2073 o imposto de selo devido por traspasse ou arrendamento de instalações para estabelecimentos hoteleiros ou similares previamente declarados de utilidade turística.
Art. 6.º Os órgãos locais de turismo e, de um modo geral, as câmaras municipais poderão, com autorização, respectivamente, do Presidente do Conselho e do Ministro do Interior, adquirir, promover a construção, ampliar, apetrechar e dar de concessão ou de arrendamento os estabelecimentos hoteleiros ou similares previamente declarados de utilidade turística.
Art. 7.º O artigo 7.º da Lei n.º 2073 é interpretado como referindo-se, não só à expropriação de bens imóveis, mas também aos direitos a eles relativos, de acordo com o artigo 1.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948.
§ 1.º É especialmente admitida a expropriação do direito ao arrendamento dos bens imóveis necessários à construção, ampliação ou adaptação de edifícios com destino a estabelecimentos hoteleiros ou similares, previamente classificados de utilidade turística, ou a ampliação, adaptação ou renovação dos estabelecimentos hoteleiros ou similares existentes já classificados de utilidade turística ou que, por despacho do Presidente do Conselho, se reconheça virem a sê-lo em resultado dos trabalhos a executar. A declaração de utilidade pública importará neste caso a caducidade do arrendamento.
§ 2.º Quando a expropriação tiver como objecto arrendamentos comerciais, industriais ou destinados ao exercício de profissões liberais, os inquilinos terão direito a justa indemnização. Esta será determinada pelo prejuízo resultante da privação do direito ao arrendamento.
Art. 8.º Poderão constituir-se, mediante declaração de utilidade pública, sobre os prédios vizinhos dos imóveis onde estiverem ou houverem de ser instalados estabelecimentos hoteleiros ou similares de utilidade turística, as servidões que se mostrarem estritamente indispensáveis a adequada exploração desses estabelecimentos.
§ 1.º As empresas interessadas requererão ao Presidente do Conselho a constituição de tais servidões,

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acompanhando o pedido da planta dos prédios dominantes e servientes, de uma memória justificativa, da indicação de um perito e de documento comprovativo de se encontrar caucionado, nos termos da lei, o fundo indispensável para o pagamento das indemnizações a que houver lugar.
§ 2.º O proprietário do prédio em que se pretenda constituir servidão nos termos deste artigo será notificado para indicar perito que participe na vistoria destinada a apreciar da sua necessidade. Nessa vistoria tomará parte, além do perito da empresa e do perito do proprietário, outro designado pelo Presidente do Conselho.
§ 3.º A declaração de utilidade pública das servidões requeridas nos termos deste artigo implica a sua constituição, seguindo-se, para a fixação da indemnização a pagar, os termos do processo de expropriação por utilidade pública.
Art. 9.º Às empresas exploradoras dos estabelecimentos hoteleiros e similares dos Aeroportos de Santa Maria e do Sal pode ser aplicado, independentemente da classificação de utilidade turística, o disposto nos artigos 12.º e seguintes da Lei n.º 2073, bem como o presente diploma.
§ único. O prazo de dez anos, a que se refere o artigo 12.º da Lei n.º 2073, será, nestes casos, contado a partir da entrada em vigor do presente decreto-lei.

Palácio de S. Bento, 7 de Dezembro de 1955.

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Guilherme Braga da Cruz.
José Pires Cardoso.
Luís Supico Pinto.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Rafael da Silva Neves Duque.
Alexandre de Almeida.
Inocência Galvão Teles.
Afonso Rodrigues Queiró, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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