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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 69

VI LEGISLATURA

1955 23 DE DEZEMBRO

PARECER N.º 33/VI

Convenção Universal sobre o Direito de Autor

A Câmara Corporativa, consultada nos termos do artigo 105.º da Constituição acerca da Convenção Universal sobre o Direito de Autor, aprovada em Genebra, em 1952, emite, pelas suas secções de Interesses de ordem cultural (subsecções de Ciências e letras e de Belas-Artes) e de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Justiça e de Relações internacionais), às quais foram agregados os Dignos Procuradores Adolfo Alves Pereira de Andrade, Alfredo Gândara e Tomás de Aquino da Silva, o seguinte parecer:

Pede-se o parecer desta Câmara sobre uma importante convenção que o Governo Português, por intermédio da sua delegação à conferência de Genebra de 1952, assinou na altura própria e pende agora de ratificação. Este parecer deve pois ter-se como elemento de informação, destinado a colocar a Assembleia Nacional em condições de decidir se a Convenção deve ou não ser ratificada.
É nesta base que o parecer da Câmara Corporativa tem de ser elaborado e a essa finalidade deve subordinar-se a apreciação a fazer da Convenção de que se trata.

Apreciação na generalidade

1. Parece escusado encarecer a importância e o alto significado da Convenção Universal sobre o Direito de Autor, aprovada em Genebra, em 1952.
Na conferência em que ela foi discutida participaram delegações de cinquenta Estados de todos os continentes, sendo os trabalhos acompanhados por representantes de nove organizações intergovernamentais e seis organismos não governamentais. A reunião desta conferência proveio dos esforços desde longa data envidados por grande número de países que procuravam estabelecer, quanto ao direito de autor, um acordo internacional que pudesse ser aceite tanto pelos Estados membros da União de Berna para a Protecção da Propriedade Literária e Artística como pelos que pertenciam à Organização dos Estados Americanos e até, tanto quanto possível, por outros Estados ainda não ligados a qualquer acordo desta índole. E estes esforços podem considerar-se como coroados de bom êxito, se atendermos a que em 6 de Setembro de 1952 a Convenção Universal saída da conferência foi assinada por trinta e seis nações ali representadas - entre as quais Portugal-, sendo de esperar que outras ainda venham a dar-lhe a sua adesão ou aceitação e até que a ratifiquem alguns dos Estados cujos plenipotenciários, por motivos especiais, a não puderam logo assinar, como foi o caso do Japão.
Mas convém, antes de mais nada, fazer algumas observações sobre o alcance e natureza desta nova convenção internacional.
Como acertadamente se nota no relatório apresentado pelo director-geral à Conferência Geral da U. N.º E. S. C. O. sobre os resultados da Conferência Intergovernamental do Direito de Autor, o sentido e o espírito da nova convenção diferem sensivelmente dos que inspiraram as convenções anteriores. Estas propunham-se codificar imediatamente o regime internacional do direito de autor, ao passo que a Convenção Universal pretende apenas estabelecer a base e o método de conciliação entre países de civilização, cultura, legislação e práticas administrativas muito diversas e dominados por interesses às vezes opostos. Prepara assim uma «colaboração eficaz

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1 Vide U. N. E. S. C. O., Bulletin du Droit d'Auteur, vol. V, n.º 3-4 (1952), pp. 191 e seg.

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para se conseguirem progressos ulteriores, a realizar em comum». Nesse sentido se redigiu o artigo XII, que prevê as conferências de revisão.
Por outro lado, convém acentuar que a nova convenção universal não foi aprovada para substituir um novo acordo internacional àqueles anteriormente realizados. Isso se deduz claramente do texto dos artigos XVII e XVIII, onde não só se declara explicitamente que a Convenção Universal em nada afecta a Convenção da União de Berna como de modo geral se preceitua que ela não prejudica os acordos bilaterais ou plurilaterais sobre o direito de autor que estejam ou venham a estar em vigor entre duas ou mais repúblicas americanas, e ainda do artigo XIX, que estabelece idêntica cláusula de salvaguarda, de um modo geral quanto aos acordos multilaterais ou bilaterais entre os Estados contratantes.
Por outro lado, basta um ligeiro confronto entre o texto da nova convenção e, designadamente, o da Convenção da União de Berna, revisto em Bruxelas, em 1948, para se reconhecer que o objecto daquela é muito mais restrito que o desta e de outras semelhantes.
Com efeito, na Convenção Universal, no que respeita propriamente ao regime internacional do direito de autor, depois de se enunciar o princípio fundamental, chamado do «tratamento nacional», segundo o qual cada Estado contratante concederá às obras literárias, artísticas e científicas originárias dos outros Estados o mesmo tratamento que é estabelecido para as obras nacionais (artigo II), apenas se consignam certos preceitos sobre as formalidades que podem condicionar a protecção do direito de autor - e que são complementares do princípio já referido -, sobre a duração da protecção e sobre o direito de tradução, enunciando-se ainda normas especiais quanto ao significado da fórmula «publicação».
As restantes disposições são, por assim dizer, de carácter formulário ou processual, respeitando à entrada em vigor da Convenção, ratificação, revisão, denúncia, textos oficiais, etc., destacando-se o preceito referente à criação da comissão intergovernamental com as atribuições definidas no artigo XI.

2. Feitas estas observações preliminares e de ordem geral, podemos já formar juízo em conjunto sobre a matéria da Convenção Universal.
Se examinarmos particularmente algumas das suas disposições de fundo, confrontando-as em especial com preceitos correlativos de outros acordos internacionais em que participou o Estado Português, poderemos sentir um primeiro impulso de retraimento, visto que nessas disposições se restringem por vezes consideravelmente os termos em que a protecção das obras do espirito é assegurada já nesses outros acordos. Basta confrontai* o que se dispõe no artigo IV da Convenção Universal sobre a duração da protecção da obra com o que sobre a matéria se consigna na Convenção da União de Berna (Acto de Bruxelas) para se compreender o alcance do que acima dizemos.
Mas é então que cumpre atender ao que já se observou sobre o alcance e propósitos da nova convenção. Não se trata de novo acordo que deva ab-rogar e substituir-se aos antecedentes. E, quanto a Portugal, membro da União de Berna, há que ter presente o preceito, a que já aludimos, do artigo XVII, declarando que a nova, convenção em nada afecta as disposições da Convenção de Berna nem obsta a que os Estados contratantes pertençam à União criada por esta última convenção. Completa este preceito a declaração anexa, formulada precisamente para os efeitos da sua aplicação, onde se enuncia o principio de que os Estados membros da União de Berna que façam parte da Convenção Universal, desejando estreitar as suas relações reciprocas, de conformidade com a dita União, e evitar todos os conflitos que possam resultar da coexistência da Convenção de Berna e da Convenção Universal, aceitam de comum acordo que:

6) A Convenção Universal do Direito de Autor não será aplicada nas relações entre os países ligados pela Convenção de Berna no que respeita à protecção das obras que, nos termos da mesma Convenção de Berna, têm como pais de origem um dos países da União Internacional por ela criada.

Vê-se, assim, que a Convenção Universal se justapõe à Convenção de Berna quanto aos Estados que, como Portugal, pertencem à União por esta criada. Nas relações internas entre Estados membros desta União vigoram e subsistem os seus preceitos específicos; os da Convenção Universal só se aplicam, portanto, quando entrem em contacto, quanto à protecção das obras do espírito, Estados pertencentes à União e Estados contratantes da União Universal.
Por isso se diz, acertada e sugestivamente, no relatório do Ministro Doutor Paulo Cunha que acompanha o texto da Convenção, que, por efeito dela, a área de protecção jurídica se tornou extensiva a um número considerável de nações que não protegiam ainda internacionalmente o direito do criador das obras do espírito.
É o que acontece com as nações latino-americanas, na sua maior parte signatárias de Genebra. Os países da América -à excepção do Canadá e do Brasil, únicos membros americanos da União de Berna- não protegiam os direitos de autor das obras estrangeiras originárias de países não americanos, em virtude de as convenções pan-americanas (Havana, Washington, ainda não vigente) serem de aplicação restrita às nações do Novo Mundo. A ratificação da Convenção obrigará os países da América Latina, além, evidentemente, dos Estados Unidos e outras nações europeias, africanas e asiáticas não participantes da União de Berna, à protecção dos direitos patrimoniais da obra literária e científica portuguesa.
Nesta mesma ordem de ideias se afirma no já citado relatório do director-geral da U. N. E. S. C. O. que ao espirito de conciliação que a nova convenção traduz e à sua maleabilidade se deve a realização, na medida em que esta for ratificada pelas nações, do grande ideal, desde há tanto ambicionado, de estabelecer entre os países da União de Berna e os do continente americano relações convencionais estáveis e precisas. É essa mesma largueza de vistas que permite esperar ver implantado, mediante a aplicação progressiva da Convenção Universal, um regime aceitável quanto aos países que até agora ainda não aderiram a qualquer convenção internacional para a protecção do direito de autor 1.
3. Na sua resposta à consulta do director-geral da U. N. E. S. C. O. acerca de uma possível convenção universal sobre o direito de autor, o Governo Português mostrava-se apreensivo e testemunhava abertamente o receio de que essa aspiração, louvável e justa em abstracto, resultasse na prática em desvantagem, pois tudo dependia dos termos em que nessa nova convenção universal se definisse a protecção que os Estados se comprometiam a assegurar aos direitos sobre as obras do espirito, e corria-se assim o risco de que à protecção larga e eficaz já assegurada por acordos anteriores, como a consagrada na Convenção de Berna, ratificada por Portugal, se substituísse uma protecção deficiente, embora extensiva a numerosos outros Estados, como se depreendia da sua

1 Cf. Relatório, loc. cit., p. 113.

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qualificação de «universal». Por isso o Governo Português, nesse notável documento, elaborado pelo digno Procurador Júlio Dantas, sugeria como mais plausível talvez uma tentativa no sentido de conciliar ou harmonizar os textos das duas mais importantes convenções internacionais sobre o direito de autor: a de Berna, (1886), cuja última revisão se realizou em Bruxelas, em 1948, e a de Buenos Aires (1910), revista na Conferência do Havana (1928) e ultimamente em Washington, em 1946, esta restrita ha nações do Novo Continente.
Ora as disposições que ficam referidas mostram que na nova convenção se curou especialmente do conjurar esse perigo, assegurando, como se disse, a coexistência da Convenção Universal com os grandes acordos internacionais anteriormente firmados sobre a importante matéria da protecção das obras do espirito. E esse cuidado foi até ao ponto de se considerar em preceitos especiais, por um lado a salvaguarda da Convenção da União de Berna e, por outro lado, a da Convenção pan-americana, bem como a de quaisquer outros acordos bilaterais ou multilaterais anteriores. E, no que toca a salvaguarda da União de Berna, há ainda que ter em atenção o estipulado na alínea a) da declaração anexa, atrás referida, complementar do artigo XVII, onde se dispõe que as obras originarias de países que tenham abandonado a União de Berna posteriormente a l de Janeiro de 1951 não beneficiarão da protecção concedida pela nova convenção universal nos países da mesma União. Destina-se este preceito a evitar precisamente que a nova convenção possa afectar a União do Berna, levando alguns países a abandoná-la, para se integrarem no regime de protecção mais restrita consignado na Convenção Universal. Mas a este ponto nos referiremos mais detidamente na segunda parte deste parecer.

4. As vantagens que ficam referidas e que o Ministro Doutor Paulo Cunha explicitamente enunciou nas suas palavras preambulares, parecem ser de molde a levar a Camará Corporativa a aprovar a Convenção na generalidade
1.
Mas a verdade é que o que fica dito, só por si, não basta em absoluto para levar a esta Camará e à Assembleia Nacional a convicção firme de que deve ser aprovada para ratificação a Convenção Universal.
É que nas suas diferentes disposições pode encontrar-se alguma que sancione doutrina ou estabeleça princípios com que a Nação não possa conformar-se ou a que não deseje dar o seu assentimento.
Por isso o juízo definitivo só pode formular-se através do exame particular das diversas disposições do texto aprovado em Genebra, tanto mais que contra alguns preceitos do anteprojecto que serviu de base à discussão na Conferência, elaborado em 1951 na Divisão do Direito de Autor da U. N. E. S. C. O., sob a hábil direcção de Francisco Hepp e da comissão de peritos, formulou Portugal algumas observações, que nos cumpre agora examinar detidamente 9.
Impõe-se, por isso, a apreciação do texto da Convenção na especialidade. Consideraremos, então, em particular os reparos feitos pela delegação e enunciados com superior elevação e clareza pelo digno Procurador Júlio Dantas, que foi um dos plenipotenciários que representaram Portugal na Conferência de Genebra.
Mas o exame a que a Câmara se propõe proceder não pode deixar de ser sucinto e reduzido ao essencial, como resulta do que já acima observámos quanto à índole e
fins deste parecer. Se quiséssemos fazer um estudo, não diremos já completo, mas bastante pormenorizado, dos preceitos da Convenção, tendo em linha de conta as observações e reparos formulados, quer pelos Estados representados, quer por outras entidades, sobre o anteprojecto submetido à discussão, e ainda os trechos da discussão, por vezes demorada e animada, que durante as sessões se travou sobre os assuntos fundamentais, teríamos de escrever um grosso volume e não nos chegaria o tempo que o Regimento concede para u redacção destes pareceres.

II Exame na especialidade

5. No exame a que agora vamos proceder observaremos tanto quanto possível a ordem numérica dos artigos, detendo-nos naturalmente apenas no estudo daqueles que mais interessa considerar para o efeito que a Câmara se propõe.

a) o direito moral

Quanto ao artigo I da Convenção, que corresponde ao artigo I do anteprojecto, só temos a registar que a sua redacção melhorou apreciavelmente no texto definitivo. Contra a redacção do anteprojecto formulou a delegação portuguesa certos reparos, e pelo menos em parte o novo texto eliminou os inconvenientes apontados.
Nessas observações acentuava-se especialmente a falta no anteprojecto de qualquer referência à protecção do «direito moral» do autor.
Dizendo-se no preceito em questão quo os Estados se obrigavam a tomar as disposições necessárias para assegurar a protecção efectiva (hoje lê-se «suficiente e eficaz») dos direitos dos autores e de quaisquer outros titulares dos mesmos direitos, perguntava a delegação portuguesa qual a índole ou extensão da protecção que os Estados se comprometiam a assegurar. Protegeriam esses direitos como direitos absolutos, exclusivos, oponíveis erga omnes, unicamente sob o aspecto patrimonial, ou igualmente sob o aspecto moral?
Neste ponto (omissão da referência ao direito moral ou «direito de respeito», direito que esta Câmara já teve ensejo de mostrar, num parecer anterior, que considerava como elemento fundamental da protecção dos interesses dos autores a consagrar na lei) os reparos da delegação portuguesa não foram ouvidos. E assim é que no relatório do Ministro Paulo Cunha, ao enunciarem-se as vantagens da assinatura da nova convenção, a par com a Convenção de Berna, se alude apenas à. protecção dos direitos patrimoniais dos autores, a que ficarão agora obrigados os países da América Latina e os demais Estados de outros continentes, estranhos a esta União.
Não foi, porém, a delegação portuguesa a única a pugnar pela protecção do direito moral.
Aquando da discussão do artigo I, ao agitar-se o problema, a que a seguir nos referiremos, da enumeração das obras do espirito, a delegação grega propôs que se especificasse e garantisse o «direito moral» do autor, mas a proposta foi rejeitada 4.
A rejeição poderia significar apenas que o «direito moral» não representa unia categoria de obra intelectual e que, portanto, era mal cabida a referência a tal direito na enumeração das várias espécies de obras protegidas. Mas, dada a omissão no texto do anteprojecto de qualquer alusão aos interesses morais dos autores, e os reparos que o facto provocou, parece-nos que a rejeição deve interpretar-se como significando o propósito da confe-

1 Cf. Relatório, loc. cit., p. 193.
2 Estas observados constituem o documento DA/11 da Conferência de Genebra e estão publicadas em inglês, francês e espanhol, no vol. v. n.º 3-4 (1952), da U. N. E. S. C. O., Bulletin du Droit d'Auteur, pp. 200, 211 e 232.
1 Cf. Relatório do relator-geral da Conferência, Sir John Blake (parágrafo relativo ao artigo I in U. N. E. S. C. O., Bulletin cit, vol. v, n.º 3-4 (1952), p. 87.

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rência de não curar da protecção ou garantia internacional do chamado «direito de respeito» da obra.
Mas será esta circunstância de molde a comprometer a ratificação da Convenção pelo Estado Português ?
Não o cremos.
Julgamos oportuno invocar desde já as considerações produzidas, aquando da discussão geral e preliminar, pelo chefe da delegação japonesa, Hagiwara. Depois do o delegado italiano Pennetta se ter declarado pronto a aceitar a Convenção Universal, desde que ela não comprometesse nem enfraquecesse a Convenção de Berna - o que parecia assegurado pela disposição, hoje, do artigo XVII já conhecida-, e de o delegado de Cuba ter preconizado mais ampla protecção dos direitos dos autores, especialmente no tocante à tradução, o delegado japonês advertiu que, em seu entender, a Convenção deveria ser concebida em termos mais de poder atrair o maior número possível de participantes do que de consagrar um regime de protecção tão elevado que afastasse a adesão de certos países.
Na mesma ordem de ideas observava o chefe da delegação britânica que a Convenção Universal deveria ser encarada como o primeiro passo para instituir no mundo uma protecção equitativa do direito de autor; de momento não conviria pugnar por protecção de nível muito elevado, e, antes de se pensar na conquista de normas que cada Estado pretende para o seu direito nacional, cumpria verificar se os outros Estados estariam dispostos a aceitá-las. Não se afastava deste ponto de vista o chefe da delegação dos Estados Unidos, país cuja adesão o chefe da delegação francesa solicitava explicitamente como condição do êxito prático da Convenção Universal 1.
Decerto nesta atitude de moderação; política recomendável para conseguir os primeiros resultados no sentido da generalização mundial da protecção das obras do espírito, se deve apoiar a conformidade das nações, pelo menos das enquadradas na União de Berna, perante o silêncio da Convenção Universal quanto à garantia do direito moral do autor.

b) Enumeração das obras

6. No artigo I da Convenção, aludindo-se a obras literárias, artísticas e cientificas (apesar de na discussão se ter impugnado a referência a obras cientificas, para mais apontadas como de difícil qualificação), faz-se em seguida uma enumeração de espécies de obras, que já vem do anteprojecto e a que no texto definitivo apenas se aditou a menção das obras de gravura.
Também a este respeito a delegação portuguesa formulou reparos, observando que, a despeito de se ter declarado que a enumeração não era limitativa, se o texto ficasse como estava (notamment sur lês écrits», etc.), tudo se passaria como se o fosse; ficariam desprovidas de protecção as obras orais e as radiodifundidas, os discos fonográficos, as obras coreográficos, os desenhos, as gravuras, as obras de arquitectura e as fotográficas.
Dizendo se, porém, na redacção actual que os Estados se obrigam a proteger as obras literárias, científicas e artísticas, tais como as escritas, as obras musicais, dramáticas e cinematográficas, as obras de pintura, gravura o escultura, não são justificadas as dúvidas sobre o carácter meramente exemplificativo da enumeração que no artigo se contém.
Essa enumeração ó feita em termos diferentes, mais sucintos do que a que se lê na alínea 1) do artigo II da Convenção de Berna (Acto de Bruxelas) e do que
a proposta pela Câmara para o artigo n do contraprojecto de decreto sobre os direitos de autor. Mas essa restrição das obras mencionadas obedeceu certamente a intuitos de concisão e simplicidade, que não têm inconveniente desde que fique claramente estabelecido o carácter exemplificativo da enumeração, e ele ficou indubitavelmente afirmado nos trabalhos da Conferência 1.

e) Primeira publicação no território de um Estado contratante

7. Na sua resposta sobre o artigo II do anteprojecto, a delegação portuguesa, de acordo com os Governos Espanhol e Belga, propôs a eliminação, na alínea 1) do artigo, das palavras «assim como as obras publicadas pela primeira vez no território desse Estado» (contratante).
Referindo-se o artigo em primeiro lugar às obras publicadas dos nacionais de qualquer dos Estados contratantes, e depois às obras publicadas pela primeira vez no território de um Estado contratante, julga-se inconveniente -lê-se na citada resposta- esta última parte do preceito, pois bastaria fazer publicar a obra pela primeira vez no território de um Estado contratante para lhe assegurar a protecção desejada, sem que o Estado a que o autor pertencia tivesse aderido à Convenção. Notava-se mais que se o artigo assegurava protecção às obras publicadas pela primeira vez no território de qualquer dos Estados contratantes, sem atender do nacionalidade do autor, seria difícil conciliar a sua doutrina com a do protocolo de salvaguarda anexo ao artigo XV, correspondente hoje ao artigo XVII.
Mas afinal prevaleceram os preceitos enunciados nas duas primeiras alíneas do anteprojecto, respeitantes à protecção das obras publicadas e das não publicadas. E, segundo consta do relatório do relator-geral, se a doutrina da alínea 2), em que, quanto às obras não publicadas, se proclama o principio da equiparação dos autores estrangeiros aos nacionais, não suscitou grandes objecções, o mesmo não sucedeu quanto à da alínea 1), a respeito da qual pelo menos a delegação austríaca formulara proposta idêntica a portuguesa 3. Diversas delegações observaram -lê-se no citado relatório- que em certas partes do mundo a protecção concedida as obras publicadas dependia da nacionalidade do autor, e a alínea 1), fusionando as duas soluções, estabelecia uma solução de compromisso e alargava ao máximo a protecção concedida às obras publicadas 3.
No entanto, a Conferência não se impressionou com tais reparos e aprovou o texto do anteprojecto, relegando apenas para o protocolo i a disposição da alínea 3)

Não deixaremos do referir que, tendo-se suscitado dúvidas na Conferência sobre a conveniência da enumeração, que várias delegações consideravam perigosa, por poder suscitar dúvidas sobre o seu carácter taxativo ou excerplificativo, certos delegados reputavam-na ainda perigosa porque a inclusão nessa lista do certas categorias do obras poderia dificultar a adesão de alguns países, e citava-se o caso dos Estados Unidos, cuja Constituição não permito proteger as obras de arquitectura. Depois desta discussão, a questão foi decidida pela apresentação de unia proposta conjunta das delegações dos Estados Unidos, Franca, Itália o Reino Unido, cujo texto mantinha no conjunto a formulado anteprojecto, mencionando, contudo, de novo as gravuras. A palavra «notamment» foi substituída pela fórmula «telles que», e assim se aprovou o texto do artigo.
Mais notaremos que, tendo o delegado do Canadá, sugerido a eliminação da referência a obras cientificas, que considerava «inútil», o presidente explicou quo tal palavra era «necessária» para abranger indiscutivelmente obras como as tábuas do logaritmos e os trabalhos do física nuclear. V. relatório cit., loc. cit.

2 Cf. U. N. E. S. C. O., Bulletin, vol. VI, n.º l (1953), DA/38, p. 58.
3 Cf. U. N. E. 8. C. O., Bulletin, vol. v, n.º 3-4 (1052), p. 88.

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relativa aos apátridas e refugiados e substituindo-a pela disposição que permite equiparar aos nacionais as pessoas domiciliadas no território de um Estado. Isto para dar satisfação à pretensão manifestada, com particular empenho, pelo delegado norte-americano, que chegou a declarar que não poderia aceitar as cláusulas do artigo III, relativas a formalidades, se não fosse admitido o seu ponto de vista quanto à equiparação do domicilio à nacionalidade.
Não deixaremos de referir que durante a discussão algumas delegações fizeram notar que a protecção concedida pela alínea 1) do artigo II a todas as obras publicadas pela primeira vez no território de um estado contratante se aplicava à maior parte das obras dos pessoas apátridas, propondo até, por isso, a supressão da alínea 3) do artigo do anteprojecto, relativa a estas, como complicação inútil 1.
Neste propósito de protecção das obras dos apátridas se poderia por ventura ver a justificação da manutenção do preceito amplo da alínea 1). Desde porém que a situação dos apátridas foi regulada especificamente no protocolo I, a justificação parece comprometida.
Mas no fim de contas, ainda que criticável, a doutrina consignada na alínea 1) do artigo 11 representa, como bem se acentuou na discussão, um máximo de protecção atribuída à obra de espirito. E assim não constituirá decerto fundamento para recusa da ratificação.
d} Formalidades
8. O artigo III da Convenção refere-se às formalidades que a legislação interna de qualquer país exija como condição para a protecção do direito de autor, tais como depósito, registo, pagamento de impostos, etc., e estabelece o princípio do que tais formalidades se devem ter como cumpridas relativamente a qualquer obra publicada pela primeira vez fora do território nacional, por autor a ele não pertencente, se desde a primeira publicação todos os exemplares da obra publicada contiverem o símbolo C, acompanhado do nome do titular do direito de autor e da indicação do ano da primeira publicação.
A este respeito, na resposta do Governo Português observou-se que este Governo mantinha o seu ponto de vista de que o reconhecimento dos direitos de autor sobre a sua obra deve ser independente de quaisquer formalidades. Ponderava, no entanto, que a exigência da aposição do símbolo C era uma formalidade mínima, que não apresentava qualquer inconveniente, sendo claro que se o símbolo referido aparecia num exemplar da obra impressa, era de presumir, até prova em contrário, que ele figurava em todos os exemplares da obra. Não havia assim, motivo especial de objecção contra tal preceito.
Sobre este ponto cumpre atender a que, tendo o ponto de vista tão claramente enunciado na resposta do Governo Português sido expresso igualmente por outras delegações, a delegação austríaca formulou uma proposta no sentido de se reconhecer que o facto de um dos exemplares da obra apresentar o símbolo C constituía presunção legal, de que todos os exemplares o tinham. Mas esta proposta não foi admitida, tendo o presidente da Conferência declarado que se tratava de uma questão de processo, descabida na Convenção e cuja aplicação deveria deixar-se à decisão do juiz.

Vê-se, assim, que a rejeição da proposta austríaca não afecta a doutrina enunciada na resposta portuguesa, e que só por se entender que o principio estava deslocado no texto da Convenção nela não foi consignado. Ao juiz do Estado onde a protecção é reclamada compete decidir a questão. E, assim, neste ponto prevalecem as considerações do Governo Português.

Cf. Relatório cit., in U. N. E. S. C. O., Bulletin, vol. cit, p. 89

Julgamos, no entanto, cabido advertir que o preceito relativo ao símbolo não deve julgar-se privativo das obras escritas ou impressas.
As delegações francesa e holandesa propuseram que as obras de que só existisse um exemplar ou número muito reduzido de exemplares, como as obras de pintura ou escultura, se considerassem como obras publicadas se tivessem o símbolo C na data da sua primeira apresentação ao público. E, sobre o assunto, o presidente precisou que, dependendo o considerarem-se essas obras como «publicadas» apenas da circunstancia de satisfazerem aos requisitos que a Convenção estabeleceria no artigo próprio, se, nos termos desse preceito; tais obras devessem ter-se como «publicadas», beneficiariam das disposições do artigo III desde que o autor fizesse apor o símbolo C em todos os exemplares publicados. E foi em presença destas explicações que a proposta foi retirada.
Mas o Governo Português, na sua resposta, propôs a eliminação da alínea 3) do anteprojecto, em que se estipulava que as disposições da alínea 1) (símbolo C) «não inibem um Estado contratante de exigir das pessoas que recorram aos tribunais que satisfaçam as exigências de certas regras processuais, tais como o patrocínio da parte por advogado nacional ou o depósito pela parte de um exemplar da obra no tribunal ou em outra repartição pública ou nos dois locais simultaneamente».
A Conferência não eliminou a alínea, mas o seu texto sofreu alterações importantes, que permitem ao Estado Português não persistir na sua oposição.
Efectivamente, em primeiro lugar, introduziram-se no texto, a seguir à frase «exigir das pessoas que recorram aos tribunais a satisfação», as palavras «para fins processuais. E, em segundo lugar, ao preceito inicial acrescentou-se que «entretanto a não satisfação de tais exigências não afecta a validade do direito de autor». E estipulou-se, por fim, que nenhuma de tais exigências poderá ser imposta a autor pertencente a outro Estado, se ela não for também imposta aos autores pertencentes ao Estado onde a protecção é reclamada.
Nestes termos, parecem arredados os legítimos escrúpulos do Estado Português.
e) Duração da protecção
9. Um dos artigos mais discutidos na Conferência foi o relativo à duração da protecção internacional da obra (artigo IV da Convenção).
Prevendo naturalmente as possibilidades de divergências e reconhecendo que no assunto era realmente difícil propor desde logo uma solução determinada, o anteprojecto consignava três propostas diferentes:

Proposta A:

1) A duração da protecção da obra é regulada pela lei do Estado onde a protecção é reclamada, em harmonia com as disposições do artigo II;
2) No entanto, o prazo de protecção não será inferior a um dos seguintes períodos:

) vinte e cinco anos, a partir da data da primeira publicação da obra, ou da data do registo, se este for anterior à publicação.
b) a vida do autor e mais vinte e cinco anos após a sua morte.
Proposta B :
1) Como na proposta A.
2) Como na proposta A.
3) Os Estados contratantes não são obrigados, a conceder protecção por período superior ao fixado pela lei do pais da primeira publicação

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e, quanto às obras não publicadas, pela lei do país a que pertence o autor. No caso de publicação simultânea em dois ou mais paises cuja legislação preveja prazos diferentes de protecção, só se tomará em conta o prazo mais curto.

Proposta C:

1) Como na proposta A.

2) No entanto, o prazo de protecção nunca será inferior a um período compreendendo a -vida do autor e mais trinta anos depois da sua morte.

3) Como na proposta B.

As divergências manifestaram-se, afinal, apenas quanto a determinação dos períodos de duração da protecção, regulados nas alíneas 2) e seguintes das diversas propostas do anteprojecto.

Quanto à doutrina enunciada na alínea 1), igual em todas as propostas, foi ela desde logo aceite e prevaleceu, essencialmente, no texto definitivo.

O assunto da duração da protecção é regulado no artigo vn da Convenção de Berna. E no seio da comissão principal algumas delegações manifestaram decidida preferência pelo principio, consagrado naquela Convenção, onde se enuncia a regra de que a duração da protecção abrange a vida do autor e cinquenta anos depois da sua morte, preceituando-se além disso que, se um ou mais paises da União concederem durações superiores, a duração será determinada pela lei do país onde a protecção for reclamada, mas não poderá exceder a duração fixada no pais de origem da obra. Estabelecem-se em seguida regras especiais para determinar o período de protecção quanto a certas classes ou categorias de obras.

Numerosas delegações manifestaram-se abertamente contrárias à atribuição de um período de protecção que fosse inferior à vida do autor, e achavam demasiadamente restrito o período de vinte e cinco anos depois da sua morte.

Outras delegações não se dispensaram de observar que a legislação dos Estados Unidos consagrava o sistema de um prazo de protecção fixo, a contar da data da primeira publicação da obra, e julgavam, portanto, aconselhável preferir esse sistema, para lograr a adesão daquele país, adesão que se considerava, como já se acentuou, condição primária do êxito prático da Convenção.

A delegação portuguesa, na sua resposta, manifestara preferencia pela proposta C, o que era natural, visto ser esta a solução que móis se conformava com a orientação da Convenção de Berna; mas não julgava razoável reduzir a duração da protecção post mortem, quando o período de cinquenta anos estava consagrado como clássico nas legislações internas dos Estados e nas convenções internacionais1.

Depois de demorada discussão, a controvérsia foi finalmente dirimida pela apresentação conjunta de um projecto de texto (DA/137) por parte da Áustria, Dinamarca, Estados Unidos, Finlândia, França, Itália, México, Noruega, Inglaterra e Suécia, projecto que representava essencialmente uma remodelação das alíneas 2) e S) da proposta B*. Esta proposta comum sofreu ainda correc-çOes, no intuito de melhor se precisar o quê deveria entender-se por publicação simultânea, acabando por ser adoptada, não sem que largamente se procurasse definir bem o alcance de alguns dos seus preceitos. Certas de-legaçOes consideraram-na mesmo inutilmente complicada, mas a maioria dos delegados aprovou-a por a considerar como uma solução do compromisso aceitável. Adoptada pela comissão principal, foi depois aprovada em sessão plenária1.

Tal é, em breves traços, a história e evolução do artigo iv da Convenção. Nas condições referidas, e dado que ela se aproxima no fundo da solução C, que a delegação portuguesa preferia (embora com reserva quanto ao prazo post mortem), contendo no entanto desenvolvimentos em diversos outros aspectos, parece à Camará que o artigo é de aceitar, se bem que se tenha consideràvelmente reduzido o período de protecção post mortem estabelecido na Convenção de Berna.

Mas cumpre não esquecer que em acordos internacionais não se pode acolher estritamente apenas o que traduz o modo de pensar nacional a- respeito dos problemas debatidos. Lembremos o que de princípio referimos sobre as vantagens atribuídas à Convenção e sobre a conveniência de não exigir uma protecção sde nivel elevado». Muitos países onde as obras portuguesas e as de outras nações não gozavam de qualquer protecção virão agora a protegõ-las, embora em condições inferiores àquelas em que a protecção é assegurada pela Convenção de Berna.

4) Direito de tradução

10. Mais grave que o problema que acabamos de versar, respeitante à duração da protecção internacional da obra, é o da salvaguarda do direito do autor no que respeita a tradução da sua obra.

Como se diz no relatório do relator-geral, logo no seio da comissão principal se desenharam as mais sérias _ divergências, revelando que o assunto era um dos mais difíceis e delicados sobre que a Conferência tinha de resolver. De um lado estavam os paises que entendiam que o autor deveria ter o direito exclusivo e inviolável de autorizar a tradução das suas obras durante todo o período de protecção do direito de autor; de outro lado aqueles que opinavam que esse direito exclusivo deveria ser limitado a um prazo restrito, abrindo-se, após a sua expiração, a possibilidade aos diversos Estados de as fazer traduzir nas suas línguas nacionais, ainda que se reconhecesse ao autor, designadamente, o direito ajusta remuneração.

Do lado dos sequazes da primeira corrente alinhou a delegação portuguesa, que na sua resposta sobre o anteprojecto defendeu em termos eloquentes e de grande convicção a tese do respeito, sem reservas, do direito exclusivo do autor a fazer ou a autorizar a tradução da sua obra.

Não concebia o Governo Português que se pudesse impor em quaisquer condições a um autor de obra literária ou científica, por meio de licença obrigatória, um tradutor que ele não. conhecia nem desejava, um tradutor cuja idoneidade lhe não era garantida pelo Estado que concedia a licença, um tradutor, enfim, que, mediante uma versão infiel ou tendenciosa, poderia comprometer mesmo o prestígio e reputação literária do autor da obra. A questão ligava-se, assim, segundo o arguto critério do Governo Português, com o problema da protecção do direito moral, consagrado já internacionalmente no Acto de Roma de 1928. Ainda que no texto proposto se falasse de tradução correcta, não bastava formular na lei semelhante exigência para se salvaguardar efectivamente os interesses morais do autor; e, quanto aos interesses materiais, inúmeras dificuldades suscitavam os preceitos propostos, até quanto à remuneração sconforme aos usos» que se queria assegurar ao autor, e que parecia afinal ser mais ou menos arbitrária.

l Cf. Observação sobre o anteprojecto m U. X. E. S. C. O., Bulletin, vol. T (1952). p. 212.

Vide U. N. E. S. C. O., BvUetin, vol. TI, n.» l (1953), p. 65.

1 Cf. Relatório do relator-geral, Zoe. cit., pp. 92 o segs.

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Por isso se acentuava, nesta parte da resposta, que o assunto dava lugar a sérias hesitações por parte do Governo Português.

Mas em favor da tese oposta alegava-se fundamentalmente o grande interesse que razoavelmente pode haver por parte de outros Estados em fazer conhecida a obra de autor estrangeiro e, portanto, em traduzi-la na própria, língua. Falava-se mesmo em ser de importância vital que as obras de autores estrangeiros pudessem ser publicadas num outro pais, e por esta tese se bateu energicamente o delegado mexicano. Àcentuava-se que alguns dos países membros da União de Berna haviam feito uma reserva quanto ao direito de tradução, nos termos da qual o direito exclusivo do autor de traduzir as suas obras cessaria se ele não as fizesse traduzir dentro de dez anos, a contar da primeira publicação. E os delegados destes países deram a entender que não poderiam assinar uma convenção em que se concedesse aos autores um direito mais extenso que o que resultava da referida reserva; reserva esta que alguns países haviam considerado já como fixando prazo demaziado amplo, e por isso não tinham aderido à Convenção de Berna.

Dentro desta tese, os prazos sugeridos para limite do direito exclusivo de tradução variavam de três a vinte anos.

Durante a discussão a delegação portuguesa propOs que só depois da morte do autor se permitisse a concessão de licença obrigatória1,.transigindo assim dentro de certos limites com a corrente oposta.

Consideraram também algumas delegações em especial o problema quanto às obras cientificas, observando que elas perdem o seu valor em prazo muito curto, por se lhes seguirem novas descobertas ou novos trabalhos que • as superam, e deixavam assim entender que, quanto a estas, se recomendava especialmente a restrição do direito de tradução do autor, devendo até estabelecer-se prazos mais curtos para a salvaguarda do exclusivo deste.

No fim de prolongada discussão as delegações dos Estados Unidos, Itália, México e Inglaterra propuseram 1 conjuntamente uma solução de compromisso, que foi adoptada pela comissão principal*. Para dar uma ideia de conjunto de tal solução, diz-se no relatório do rela-tor-geral que ela se propunha conciliar 'as diversas opiniões e atitudes manifestadas pela maioria dos Estados e continha disposições destinadas a salvaguardar os interesses do autor e a sua remuneração efectiva, bem como uma cláusula relativa à notificação das propostas de tradução. Não estabelecia qualquer distinção entre obras cientificas e de outra natureza, mas concedia em relação a todas um prazo de sete anos. Assentou-se em que o processo obrigatório referido na alínea 2), relativo à licença de tradução, se aplicava somente à tradução- das obras escritas, bem como à reprodução e publicação de exemplares dos traduções. As licenças deveriam ter carácter pessoal e não exclusivo, cabendo ao Estado determinar quais as línguas nacionais, para os efeitos da aplicação deste artigo. Referia-se esta última frase ao caso de, como acontece, por exemplo, na Suíça e na índia, haver mais de uma língua nacional.

Vê-se, assim, como surgiu na Convenção Universal a fixação do prazo de sete anos, estabelecidç no segundo parágrafo da alínea 2) do artigo v. Mas á enunciação desta proposta de compromisso provocou ainda uma tentativa, por parte de alguns Estados, de respeitar as reservas feitas, quanto ao direito de tradução, por certos países membros da União de Berna, ao abrigo das dis-posiçOes desta. Nesse sentido foi de facto apresentada uma proposta pelas delegações da Grécia, Japão e Turquia, proposta que chegou a alcançar a escassa maioria de um voto, com numerosas abstenções, resolvendo-se, por fim, deixar o assunto dependente do que a Conferência decidisse quanto ao problema das reservas. Ora, quando da discussão desta matéria na comissão principal, sendo retomado o exame do problema suscitado pela referida proposta, que levantou forte oposição dos Estados Unidos, foi ela rejeitada, o que levou o Japão a declarar a sua impossibilidade de assinar a Convenção. E quando a questão foi depois apreciada em sessão plenária, o presidente, precisando doutrina quanto à objecção formulada pelo Japão, no que respeita às reservas quanto ao direito de tradução, irisou claramente que um Estado que assinasse a Convenção Universal, sendo membro da União de Berna e tendo, nos termos desta, feito reserva quanto ao direito de tradução, não sadia prevalecer-se, perante os Estados contratantes da onvenção Universal, dos- efeitos da referida reserva. Só cumpriria, para com tais Estados, as obrigações que lhe advinham da Convenção Universal, aplicando às obras originárias desses Estados o tratamento indicado no artigo v.

11. Fica assim claramente definida a doutrina fixada no artigo v da Convenção Universal.

Poderá dizer-se que, quanto a alguns pontos de pormenor, se atenuam no texto definitivo os inconvenientes tão justamente denunciados na resposta do Governo sobre anteprojecto. Quanto à remuneração do autor, determina-se agora que a legislação nacional adoptará medidas apropriadas para que se assegure ao titular do direito de tradução unia remuneração equitativa e de acordo com os usos internacionais, assim como para que se efectuem o pagamento e a transferência da importância paga e ainda par a que se garanta uma tradução correcta da obra.

Nestas disposições dá-se acolhimento a ideias enunciadas no anexo ao artigo v do anteprojecto.

Não pode desconhecer-sè a importância que tem o facto de se confiar ao legislador do pais a que pertence o autor da obra o cuidado de decretar as providências apropriadas a defender os interesses deste perante o tradutor. Mas também não pode esquecer-se que neste assunto o que prevalece é ainda o direito moral, a garantia da reputação do autor. Será possível decretar medidas apropriadas a assegurar a correcção da tradução ?

Não pomos em dúvida que esta ccorrecçãoi não se limita à correcção gramatical, abrangendo também e sobretudo a fidelidade ao pensamento do autor, de forma a respeitar a dignidade deste e a integridade da obra. Autorizam esta interpretação os termos em que estava redigida a alínea do citado anexo relativa ao assunto: aí se enunciava, como condição da licença de tradução, provar o pretendente que tomou as precauções necessárias spara assegurar o respeito do carácter da obra e a integridade desta por uma tradução correcta.

Mas o que não oferece a mesma certeza é que esta correcção possa ser assegurada sem a intervenção do próprio autor.

Enfim, abstraindo destes aspectos restritos da questão, e olhando-a mais de alto, pode concluir-se que o que prevalece é que na Convenção se abriu uma brecha funda no direito exclusivo de tradução, pertencente ao autor, tal como o concebe a generalidade dos países europeus, pelo menos. Prevaleceu neste ponto o que poderá chamar-se o espírito americano, menos individualista e menos propenso a respeitar direitos sagrados do trabalhador intelectual quando perante eles se levantam os interesses das massas.

Vide U. N. E. S. C. O., Bulletin cit, vol. vi, n.« l (1953), p. 67.

i Vide Documento DA/87, ín U. N. E. S. C. O., Bulletin, vol. TI, n.º l (1953), p. 68.

ï'Vide U. N. E. 8. C. O., BuOetin, vol. vi, n.« l (1953), DA/162, p. 70.

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Foi esta realidade, certamente, que sentiram muitos dos países representados na Conferência, reconhecendo a impossibilidade de deter a onda que avançava. Assinaram a Convenção Universal os plenipotenciários de trinta e seis Estados, e entre estes os de Portugal. Reconheceu sem dúvida o Governo que as vantagens gerais da Convenção mereciam este pesado sacrifício.

g) Conceito de publicação

12. No artigo VI da Convenção declara-se que se entende por "publicação" a reprodução por forma material e a comunicação ao público de exemplares da obra que permitam tê-la ou tomar dela conhecimento visual.
É a reprodução do artigo correspondente do anteprojecto, base da discussão.
Na alínea 4) do artigo TV da Convenção de União (texto de Bruxelas) diz-se que por sobras publicadas" se entendem as obras editadas, seja qual for o modo de fabricação dos exemplares, e completa-se esta definição com a referência a vários factos que não constituem publicação, como- por exemplo a representação de obras dramáticas. Na Convenção de Washington [artigo 3.º, alínea a)] consideram-se publicadas as obras difundidas pela impressão ou por qualquer outra forma.
A diferença entre estas noções e a que se enuncia na Convenção Universal e, como já dissemos, se formulava no anteprojecto consiste, segundo se observa na resposta do Governo Português, em que tonto a definição da Convenção de Berna como a da Convenção de Washington abrangem os discos fonográficos e, de uni modo geral, os fonogramas, ao passo que a fórmula da Convenção os exclui. Pode-se tomar conhecimento visual de um disco, da sua substancia, da sua forma, da sua cor-se na citada resposta; pode igualmente presumir-se qual o seu conteúdo, se nele existem quaisquer informações escritas; mas não se pode ler o que está gravado. Uma edição de exemplares sonoros não é, segundo o texto da Convenção Universal, uma publicação.
E concluía o Governo por observar que se a Conferência entendia o contrário -querendo portanto abranger os fonogramas no conceito de publicação- bastaria eliminar as palavras: sê-la ou... Seria publicação a reprodução da obra por forma material e a comunicação ao público de exemplares que permitam tomar dela conhecimento visual.
É um tanto difícil fixar o sentido preciso do artigo vi da Convenção, em presença do que se passou na Conferencia e dos termos em que foi aprovado o texto do anteprojecto.
No relatório do relator- geral diz-se a este respeito que no seio da comissão principal algumas delegações quiseram que na definição se mencionassem os vários meios de tomar conhecimento de uma obra pela audição, de forma que a edição de uma obra em discos fonográficos constituísse "publicação". Alegavam que muitas obras eram actualmente levadas ao conhecimento do público sob a fornia de discos e não impressas, sendo consequentemente ilógico distinguir entre discos e impressos no conceito de publicação.
Para outros delegados - continua o relatório - este resultado estava já assegurado pela fórmula do anteprojecto, pois os discos eram objectos visíveis, podendo presumir-se o que neles se continha; o artigo ficaria mais claro se aludisse apenas a exemplares da obra que permitissem tomar dela conhecimento visual.
Como se vê, era este precisamente o ponto de vista da delegação portuguesa. Simplesmente, esta não afirmava
que fosse este o alcance do artigo do anteprojecto, e limitava-se a dizer que, se assim era, conviria então eliminar as palavras lê-la ou...".
Alas informa a seguir o relatório que outras delegações declararam que nos seus respectivos países os discos eram considerados apenas como meio de fixar a execução das obras, e não como exemplares da obra; consequentemente, o alargamento proposto da definição, apesar da sua aparência lógica, criaria dificuldades (serait assez gènant). Acrescenta-se ainda que outros delegados observaram que a extensão do conceito de publicação formulado no artigo vi, em termos de assegurar a protecção dos discos fonográficos, teria como primeira consequência atribuir protecção às obras dos nacionais de um puis não contratante apresentadas pela primeira vez em discos no território de um Estado contratante. A Alemanha propôs então que se mantivesse o texto do anteprojecto, mas completado com uma disposição especial, assegurando a protecção deste tipo de obras. E o relatório termina dizendo que, procedendo-se à votação, essa proposta não obteve maioria (13 votos contra 13), e que então o artigo v[ foi adoptado tal como figurava no anteprojecto.
Vê-se, por um lado, que a fórmula do anteprojecto (como a admitia o Governo Português) era interpretada, pelo menos por algumas delegações, como autorizando a considerar como publicada a obra gravada em discos; e só com receio das dificuldades que poderia suscitar a enunciação explicita da doutrina na definição legal se afastava a ideia da modificação desta. Mas, por outro lado, quando a Alemanha apresentou proposta concreta nesse sentido, ela não foi aceita, adoptando-se então a fórmula inicial.
No entanto, parece licito e mais razoável deduzir do que fica referido que, cingindo-se à fórmula do anteprojecto, a Conferência queria repelir a inclusão no conceito de publicação da gravação em discos, sancionando assim o entendimento que ao artigo se dava na resposta português".
Com esse alcance a deve, pois, considerar a Câmara.
Mas então deverá ponderar-se que, embora, como muito judiciosamente se notava na resposta de Portugal, fosse de grande conveniência que o termo "publicação" tivesse sentido uniforme nos diferentes acordos internacionais, a particularidade da definição formulada na Convenção Universal (que, diga-se de passagem, não exclui em absoluto a interpretação mais ampla pela autoridade judicial do país em que a protecção é reclamada) não será certamente de molde a comprometer a ratificação do acordo.

A) Línguas oficiais

13. O artigo XVI da Convenção Universal dispõe que ela será redigida em francês, em inglês e em espanhol, e assinada. Os três textos farão igualmente fé.
Mas no artigo correspondente do anteprojecto propunha-se doutrina diversa: o texto da Convenção seria redigido em francas, e textos equivalentes seriam redigidos em inglês e em espanhol; todos três seriam assinados. No caso de contestação sobre a interpretação e a aplicação da Convenção, faria fé o texto francês. Reconhecia-se, porém, aos Estados contratantes o direito de fazer elaborar um texto autorizado da Convenção na língua que indicassem; estes textos seriam publicados como anexos dos textos francês, inglês e espanhol.

Enunciava-se assim particularmente, em relação & protecção dos discos fonográficos, a objecção que com maior generalidade o Governo Português enunciara na sua resposta, impugnando a doutrina da alínea 1) do artigo u do anteprojecto.

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Em presença deste projecto de artigo, puseram-se, no seio da comissão principal, os seguintes problemas: deverá fazer fé um único texto, ou deverão ter essa forca outros, textos em língua diferente? No caso de um só fazer fé, em que língua deverá ser redigido? Quais os textos que deverão ser assinados, e quais os outros textos oficiais que deverão ser mencionados na Convenção?
Algumas delegações propuseram o texto único, alegando que isso facilitava a interpretação das disposições nos casos de divergência.
Para essa hipótese propugnava-se então a adopção da língua francesa, consagrada como língua diplomática, acrescendo o facto de estar, em mataria de direito de autor, aceite pela generalidade dos países, como o mostrava o precedente da Convenção de Berna.
Mas outras delegações pronunciaram-se em favor da redacção em três línguas diferentes, atribuindo-se igual fé a todos os textos.
A vantagem do sistema residia em que, ao contrário do que se alegara em favor do texto único, com textos em línguas diferentes melhor se poderiam resolver as dúvidas de interpretação, recorrendo ao confronto com os textos paralelos. Assentando os delegados em 'que se tratava fundamentalmente de uma questão de comodidado prática, decidiu-se que a Convenção fosse redigida em francês, inglês e espanhol, línguas propostas no anteprojecto, e que os três textos fossem assinados. Decidiu mais a comissão, ainda que por maioria, que os três textos fizessem igualmente fé.
Mas, quanto às línguas escolhidas para os textos assinados, não pode esta Camará deixar de referir e pôr em relevo o que a tal respeito se observou na resposta do Governo Português.
Lamentava-se que não se tivesse proposto também a redacção em língua portuguesa, tanto mais que havia o precedente da Conferência de Washington de 1946, que previra a existência de textos em quatro línguas, todas elas criadoras de civilização e largamente difundidas na América e no mnndo: o françês, o inglês, o espanhol e o português, esta última sendo também a língua do Brasil. Reportando-se ainda às razões produzidas em 1948 perante a Conferência de Bruxelas para a revisão da Convenção de Berna, o Governo Português propôs, pronunciando-se em favor da pluralidade de textos, que a Convenção fosse redigida em francês, inglês, espanhol e português.
Já quando da discussão do regulamento interno da Conferência o Dr. Júlio Dantas apresentara em nome de Portugal e do Brasil uma moção propondo a adopção do português como língua de trabalho da Conferência. Acentuou então a importância do papel representado por Portugal no domínio da cultura, conforme se refere no relatório do relator-geral. Mas objectou-se quo a adopção da proposta suscitaria dificuldades praticas para a secretaria da Conferência.
Por fim —lê-se no citado relatório— o presidente Boaa informou que esta questão delicada fora resolvida por forma satisfatória: depois de prestar homenagem a Portugal e à língua portuguesa, lembrou que o artigo XIX do regulamento interno autorizava os delegados a exprimir-se em qualquer língua e que por felicidade os intérpretes oficiais da Conferência estavam habilitados a traduzir o português; os delegados portugueses e brasileiros poderiam, pois, usar da palavra em português, se assim o desejassem.
Se, de facto, a questão ficava praticamente resolvida quanto à língua a usar nos debates da Conferência, a verdade é que isso em nada diminui a importância do facto de se não ter dado satisfação à proposta portuguesa no sentido de que aos textos nas três línguas referidas se aditasse texto, de valor idêntico, em português.
No entanto, cumpre acentuar que foram aprovadas as propostas no sentido do se elaborarem textos oficiais da Convenção em português, em italiano e em alemão, ficando entendido, todavia, que estes textos não seriam assinados.
Não se deu inteira satisfação à justíssima reivindicação de Portugal, para o que só é possível admitir como explicação a circunstância de que, não tendo o português sido originariamente mencionado no anteprojecto como língua de um dos textos equivalentes da Convenção, a aceitação da proposta portuguesa desencadearia provavelmente pretensões idênticas do outros países, que, não podendo embora invocar os mesmos títulos que Portugal, são, todavia, grandes potências, cujo relevo internacional seria difícil desconhecer.

O Alínea 1) da declaração anexa

14. Quando na primeira parte deste parecer se aludiu ao artigo XVII e á declaração anexa, referente à União de Berna, teve-se em atenção apenas a doutrina contida na alínea 2) dessa declaração. DispOe-se, porém, na alínea 1), sempre no propósito de evitar todos os conflitos que possam resultar da coexistência da Convenção de Berna e da Convenção Universal, que as obras que, nos termos da Convenção de Berna, têm como país de origem um país que haja abandonado posteriormente a l de Janeiro de 1901 a União por esta criada não serão protegidas pela Convenção Universal nos países da mesma União.
Corresponde esta decisão à doutrina que se enunciava na alínea a) do n.º l do protocolo proposto como complemento do artigo XV do anteprojecto, correspondente ao artigo XVII da Convenção Universal.

O seu espírito é naturalmente o de evitar que alguns Estados abandonem a União de Berna, preferindo o regime da protecção internacional definido na Convenção Universal.

Como se diz na jtí citada resposta do Governo Português à consulta formulada em fins de 1949 pelo director--geral da U. N. E. S. C. O. acerca da conveniência- e oportunidade da convocação de uma conferência intér-governamental para o estudo de um estatuto universal do direito de autor, os técnicos que nas conferências internacionais e no seio de vários institutos, como os organismos de Genebra e outros, consideraram e examinaram de 1928 a 1939 a possibilidade de se elaborar um novo texto capaz de ser universalmente aceite shesitaram perante o receio, aliás justificado, de que esse texto universal viesse a afectar os dois grandes sistemas existentes (de Havana e de Berna), mormente o último, cujo estatuto, monumento jurídico consagrado por sessenta anos de experiência1 e sucessivamente aperfeiçoado em conferências diplomáticas memoráveis (Berlim, Roma, Bruxelas), representa a mais elevada conquista no domínio da protecção internacional do direito de autor.

É que um instrumento que todos os Estados se dispusessem a ratificar, mas que se limitasse a consignar um pequeno número de artigos correspondentes a princípios comuns já admitidos nus legislações de todos os países, realizaria uma forma rudimentar de protecção, sensivelmente inferior àquela que oferece a Convenção de Berna; tal instrumento, embora universal, representaria, não um progresso, mas um retrocesso. E havia então a considerar p perigo de qno muitas naçOes, julgando ter dado satis-

Vide Relatório cit, ín U. N. E. S. G. O., Bullelin, vol. cit., p. 84.

1 A resposta ora comunicada à U. N. E. S. C. O. por ofício de 12 do Junho do 1950.

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facão aos seus deveres na esfera internacional com a simples assinatura da Convenção Universal, que lhes imporia menos obrigações, se apressassem a abandonar a União de Berna, sdeterminando um movimento de asfixia — oscreve-se ainda na mencionada resposta—, tanto mais fácil de produzir-se quanto ó certo que um considerável volume de interesses se opõe hoje, por toda a parte, à permanência de um regime de suficiente protecção das criações intelectuais».

Por altamente significativa, não quer a C&inara deixar de aludir ainda à resolução (n.º 1) que a comissão permanente da União de Berna, há poucos anos reunida sob a presidência do delegado de Portugal, aprovou n este respeito, depois de tomar conhecimento do relatório Luther Evans, da comissão de peritos de Paris, enunciando os principios-base da convenção prevista. Termina essa resolução com as seguintes palavras:

La commission constate qu'nno convention univer-selle nouvelle, fondée sur lês príncipes 4 et 5 dos recoramandations du comité d'experts de Paris, n'oftrirait qu'une protection tròs fuiblo nettement inférieure à .celle gnrantie par Ia Convention de Berne; et exprime sã crainte que dês États qni au-raient adhéró à uno to]lê convention n'abandonnas-sent 1'Union de Berne, co qui anrait pour résultat une rógression dommageable à Ia protection inter-nationale du droit d'auteur4.

Estas observações, quer do Governo Portuguõs, quer da comissão permanente da União de Berna, iluminam de forma particular a disposição formulada na alfnoa a) da declaração anexa, permitindo ver claramente o seu alcance e apreender a importância do principio que ela contóm para garantia dos interesses dos autores dos Estados unionistas ou das obras originárias dos paises membros da União do Berna.

15. Ora, relativamente ao preceito do artigo xv do anteprojecto e seu protocolo complementar, a delegação portuguesa, propondo, como já se disse, que a doutrina do protocolo se integrasse no preceito do próprio artigo, de que era consequCncia ou complemento, fazia sobre o mesmo certas considerações, cujo interesso não pode desconhecer-se.

Justificava-se, em primeiro lugar, a inclusão no artigo da disposição do protocolo que estabelecia as condições em que deixavam de se aplicar aos Estados contratantes os preceitos da Convenção Universal, observando-se que, embora essa disposição atingisse apenas os Estados contratantes pertencentes à União de Berna, convinha sempre que ela fosse promulgada com a autoridade de todos os contratantes, pois tratava-so, afinal, da não aplicação de preceitos da Convenção Universal.

Mas referia-se em seguida na resposta portuguesa um ponto de doutrina que cumpria decidir de forma precisa: os Estados contratantes que tivessem abandonado a União de Berna depois de l de Janeiro de 1951 não podiam, ^assinando a Convenção Universal, invocar as disposições desta nas suas relações com os Estados pertencentes à mesma União. Mas qual a situação dos Estados que, abandonando a União de Berna depois do l de Janeiro de 1951, viessem só mais tarde a aderir à Convenção Universal ? Ficariam na mesma situação que os Estados qut) nunca pertenceram à União, e poderiam, portanto, mesmo, no território dos Estados nníonistas invocar os preceitos da Convenção Universal a que aderiram?

Segundo o Governo Portugufis, o princípio a estabelecer deveria ser o de que nenhum Estado que em 1 de Janeiro pertencesse à-União de Berna, quer continuasse, quer não, a fazer parte dela, poderia beneficiar das disposições da Convenção Universal em qualquer dos países unionistasl.

Que se passou na Conferência, depois destas observações, e como só chegou à formula adoptada na Convenção ?

Tendo-so travado viva discussão no seio da comissão principal sobre a matéria do artigo xv e protocolo correlativo, em vista das divergOnuias suscitadas foi nomeada uma comissão de trabalho presidida pelo delegado holandôs Bodeuhansen, da qual fazia parte Portugal; a comissão era assistida pelo Sr.Eepp, da U.N.E. S. C. O., e pelo director da Repartição da União de Berna (Mentha). Foi essa comissão que propOs que se mantivessem as disposições do fundo do protocolo, incluindo-as num texto separado, constituindo uma sdeclaração anexa». A assinatura da Convenção importaria a aceitação da declaração. Os texjos do artigo e declaração anexa Coram adoptados pela comissão principal, e só mais tarde, em virtude do objecçòes formuladas pela delegação japonesa, se resolveu eliminar a última alínea do u." L do protocolo.

Estes são os elementos que nos fornece o relatório do relator-geral da Conferencia, Sir John Blake. Não nos habilitam no entanto a precisar o alcance da substituição do protocolo complementar do artigo xv do contrapro-jecto pela declaração anexa correlativa do artigo xvn da Convenção. Sobretudo se atendermos a que na alínea 2) do dito protocolo já se preceituava que, fazendo ela parte integrante da Convenção, a ratificação desta ou a adesão à mesma importava de pleno direito a ratificação do protocolo ou a adesão ao mosnio.

Parece claro, todavia, que, a despeito das fundadas observações da resposta portuguesa, se julgou preferível destacar a declaração do artigo da Convenção, certamente por ser ela feita, atinai, apenas pelos Estados contratantes que eram membros da União do Berna.

O que é certo, om todo cr caso, ó que a solução satisfez o director du. Repartição de Berna, que se não dispensou de exprimir, em sessão plenária, os seus agradecimentos aos delegados que haviam defendido o texto do artigo8.

A vordade é que. só trata afinal de questão formularia, a que o Governo Português não poderia atribuir-importância decisiva.

Mas a questão particular na sua resposta suscitada pelo Governo Português ficou sem solução explicita.

Parece-nos, contudo, legitimp observar que, embora fosse preferível considerar e resolver expressamente a questão suscitada, mediante redacção adequada da alínea 1) da declaração, a solução enunciada pelo Governo PortugnCs é a que devo tor-so como acertada, e podo sustentar-se em presença da referida alínea, segundo as boas regras de hermenôutica jurídica3.

j) As cláusulas de salvaguarda dos artigos XVIII e XIX

16. Uma disposição paralela à do actual artigo xvn, rolativo à Convenção de Berna, foi proposta como artigo xvi do anteprojecto, na qual se consideravam especialmente os1 sistemas multilatorais pan-americanos (Havana e Washington). Na discussão desse artigo a comissão principal reportou-se ao texto redigido em Washington (Reunião de Peritos das Repúblicas Americanas em Matéria de Direito de Autor) constante do documento DÁ/2 Add. *.

l Transcritas na citada resposta do Portugal ao diroctor-ireral da U. N. E. S. C. O.

1 ViiIo Resposta portuguesa. loc. cit.. pn. 213 e 214. Viilc mais Doe. DA/117 in U. N. B. ST C. O., BttUetm, vol. vi, n.« l (1953), p. 90.

2 Cf. Uclntório do rolator-geral, loc. cit., p. 10C.

1 Vido Relatório cit., loc. ai t., pn. 105 e 106.

* Cf. U. N. 15. S. C. O., fluMctíti, vol. vi, n.« l (1053), p. 92.

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Vá sua resposta, o Governo Português declarou-se disposto, quanto ao assunto, a aceitar uma disposição concebida nos seguintes termos: sA presente Convenção não poderá ter-se como derrogação ou como determinando qualquer restrição à protecção legal para os Estados interessados, resultante, quer das convenções multilaterais existentes, do hemisfério americano, quer dos tratados bilaterais em vigor».

No texto de Washington falava-se genericamente de ncordos bilaterais ou multilaterais existentes, mas jnlgou-

-se conveniente reservar um artigo ao problema relativo As convenções americanas, embora se devesse tratar também de outros acordos plurilaterais ou bilaterais.

Os Estados Unidos, designadamente, faziam notar que tendo assinado numerosos acordos plurilaterais ou bilaterais com outros paises não americanos, era necessário regular também a questão da coexistência quanto a esses, pois não tinham tenção de os ab-rogar. Confiado o assunto a uma comissão de trabalho, substituiu esta o

•texto do artigo em discussão por outro em que se consideravam apenas as convenções ou acordos bilaterais ou plurilaterais existentes entre as repúblicas americanas quanto à protecção do direito de autor (doe. D. A./142), e esse texto foi aprovado. É esta a origem Ao artigo xvm da Convenção. Em novo artigo se consideraram (artigo xrx) quaisquer outros acordos ou convenções bilaterais ou plurilaterais sobre o direito de autor, estabelecendo-se o principio de que, no caso de divergência entre as disposições respectivas e as da Convenção Universal, prevaleceriam as disposições desta última. Mais se assentou em que se deveria evitar qualquer referência a acordos futuros, pois, pensando-se então em enunciar o princípio do predomínio do acordo mais recente, nunca poderia permitir-se a quaisquer grupos de Estados contratantes que se eximissem por tal forma às obrigações assumidas na Convenção, sem denunciar esta. Como se tivesse chegado a observar que a disposição, mesmo quanto aos acordos já existentes, bem poderia considerar-se supérflua, por a doutrina resultar de uma regra consagrada de direito internacional, os Estados Unidos insistiram pela formulação do preceito relativo aos outros acordos não americanos existentes, para que se não pudesse deduzir da omissão do preceito que quanto a eles se não aplicava a citada regra de direito internacional. Admitido este ponto de vista, foi redigido o novo artigo-xix, eliminando-se a referência a acordos futurosl.

Ora. vô-se, do que fica referido, que as disposições contidas na Convenção quanto às convenções ou acordos pan-americanos não afectam a doutrina preconizada pelo Governo Português na sua citada resposta. Poderá porventura deduzir-se, quando se confronte o testo português com o do primitivo artigo xvi (texto de Washington), que a delegação portuguesa era adversa a que se ampliasse o âmbito do artigo, aludindo a quaisquer outros acordos plurilaterais ou bilaterais. Mas desde que, quanto a estes, a Convenção, nas disposições aprovadas, fle limita afinal a reproduzir ou fazer aplicação de uma regra de direito internacional, não há motivo para não aceitar os preceitos adoptados.

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Conclusões

17. Depois de quanto fica dito e consignado no presente parecer, a Camará está habilitada a formular uma

i Cf. Relatório do relator-geral, tn U. N. E. S. C. O., Bulletin, loc. tít., pp. 106 e 107.

conclusão quanto ao problema fundamental sobre que tinha de pronunciar-se, e essa conclusão é, sem dúvida, a de que a Convenção Universal sobre o Direito de Autor, que o Governo, por intermédio dos seus plenipotenciários já assinou em Genebra, em 6 de Setembro de 1952, deverá ser ratificada.

Por um lado, a participação de Portugal na Convenção Universal assegurou às obras portuguesas protecção em numerosos países onde elas não beneficiam, actualmente, de protecção alguma: são todos aqueles que não pertencem à União de Berna 'e com os quais Portugal não tenha tratado especial. Essa protecção, dir-se-á, é assegurada pela Convenção Universal em medida bem mais restrita do que pela Convenção de Berna, e em termos que em diversos pontos não satisfazem as aspirações portuguesas. Mas isso é melhor do que ver tais obras à mercê de usurpações e abusos de toda a espécie. E, por outro lado, se as disposições que especialmente examinamos não correspondem em muitos pontos aos votos formulados pela delegação portuguesa, nenhuma dessas disposições, como vimos, afecta ou fere de tal modo os interesses portugueses que se imponha ao Governo a recusa da ratificação. Não deve esquecer-se, além disso, que se prevêem revisões da Convenção, que marca, como oportunamente se acentuou, um primeiro passo no caminho da universalização da protecção dos obras do espirito. E a preparação dessas revisões, pelo estudo dos problemas relativos à melhor protecção dos direitos de autor, é uma das tarefas atribuídas à comissão intergo-vernamental criada pelo artigo xir da Convenção. É, pois, legitimo esperar que em futuras revisões seja assegurada em termos mais largos e eficazes a protecção dos direitos do autor. Nesse sentido não deixarão de envidar esforços todos os países que, além de Portugal, lamentaram o' carácter restrito da protecção agora assegurada. Essa atitude é de esperar, pelo menos, dos Estados pertencentes à União de Berna.

A designação de Convenção Universal, por outro lado, é hoje sem dúvida um tanto ambiciosa, como observava o Governo Português na referida resposta à consulta do director da U. N. E. S. C. O., sendo pouco provável que nações como a Rússia e a China Comunista (sem folar dos satélites da Rússia) se disponham a participar na obra de unificação do direito internacional respectivo à liberdade, protecção'e defesa das criações do espirito. sSemelhante vocação, como acentuou na conferência diplomática do Bruxelas (1948) o presidente da delegação portuguesa, é, aliás, predominantemente ocidental».

Mus se já não foram poucos os Estados representados em Genebra que assinaram a Convenção Universal, há o direito de esperar, não só que alguns que a não assinaram a venham a ratificar (nesse sentido manifestou esperanças o Japão), como também que a ela adiram outros Estados de diversos continentes, caminhando-se assim no sentido da desejada universalidade.

Palácio de S. Bento, 22 de Dezembro de 1950.

Júlio Dantas.
Adriano Gonçalves da CunJta.
Reinalda dos Santos.
Inácio Perea Fernandes.
Mário Luís de Sampaio Ribeiro.
Samwel Dinis.
José Augusto Vaz Pinto.
Adelino da Palma Carlos.
Manuel António Fernandes.
Adolfo Atoes Pereira de Andrade.
Alfredo Gândara.
Tomás de Aquino da Silva.
José Gabriel Pinto Coelho, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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